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São Paulo
2016
Jenny Chan Yee Ng
Letícia Miranda de França Mota
Matheus Ivan Mourad Santos
Pedro Martins Rodrigues Novaes
Roberta Matsubara Arakaki
Talita Sayaka Murakami
________________________________________
Professor Dr. José Moura Gonçalves Filho
________________________________________
Professor Dr. Ademir Antonio Ferreira
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Professor Dr. Arnaldo José F. M. Nogueira
________________________________________
Professora Dr. Kavita Miadaira Hamza
2
Sumário
1. Introdução ................................................................................................................................ 4
2. Trabalho escravo contemporâneo ............................................................................................5
3. Trabalho escravo e a mão de obra imigrante na indústria têxtil e de confecção ......................5
4. A Indústria Têxtil e de Confecção ...........................................................................................6
5. Fast fashion e a produção orientada pelo consumo .................................................................8
5.1. Consumismo......................................................................................................................9
3
1. Introdução
Na década de 90, a produção da indústria têxtil e de confecção podia ser dividida em
ciclos – em média, eram dois a quatro ciclos por ano, sendo a demanda planejada
antecipadamente. Atualmente, há apenas produção, independentemente de ciclos – isto é,
consumimos muito mais roupas e superamos tendências muito mais rapidamente, obliterando
qualquer separação temporal em ciclos. Segundo a revista Exame 1, “a cada ano, estima-se que
80 bilhões de novas peças de roupas são produzidas, 400% a mais que duas décadas atrás”, já
quanto faturamento, apenas no Brasil, o setor têxtil e de confecção, em 2015, teve receita de
R$ 121 bilhões, conforme dados da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção
(Abit)2.
Para atender à demanda dos consumidores, a indústria foi obrigada a organizar-se de
modo a ser flexível para produzir o máximo possível em tempo recorde, adaptando-se
facilmente para conseguir entregar as novas peças e tendências que o mercado desejar3.
Contudo, um dos efeitos negativos dessa configuração da indústria têxtil e de
confecção foi a utilização da mão de obra escrava.
A questão do trabalho escravo imigrante adquiriu maior visibilidade em 2011, quando
uma ação de fiscalização resgatou trabalhadores imigrantes de oficinas de costura que
produziam peças para a marca Zara. Eram 67 bolivianos e peruanos obrigados a costurar 30
peças por hora, em jornadas de trabalho excessivas, além do uso de mão de obra infantil4.
Além do caso da Zara, ocorreram, desde então, diversos flagrantes de uso de mão de
obra escrava imigrante no setor têxtil. Neste trabalho, abordaremos o tema do trabalho escravo
imigrante na indústria têxtil e, após o delineamento da problemática envolvida, traçaremos
possíveis soluções para a questão.
5
Tecnicamente, o trabalho escravo está abolido desde 1888, portanto muitos juristas utilizam a expressão
“trabalho em condições análogas à de escravo” para se referir ao artigo 149 do Código Penal.
6
Para verificar relatos detalhados das condições dos imigrantes, consultar Anexo A.
7
Definições extraídas do site http://escravonempensar.org.br/sobre-o-projeto/o-trabalho-escravo-no-brasil/ (último
acesso em 21/05/2016, 17:14).
8
Relatos dessa realidade no Anexo B e C
5
No Brasil, as oficinas aproveitam-se e da situação irregular e da fragilidade econômico-
social desses grupos, retendo documentos como meio de chantagear os imigrantes, ou
ameaçando denunciá-los para as autoridades locais e para a deportação. Além do clima de
coerção psicológica e ameaças físicas nas oficinas, o isolamento social e cultural dos
imigrantes em relação ao Brasil, o desconhecimento da língua e do espaço em que se
encontram tornam o migrante ainda mais dependente e submisso ao empregador.
Os imigrantes são, então, obrigados a trabalhar em jornadas excessivas, para pagar
supostos gastos com transporte, alimentação, aluguel de ferramentas de trabalho, alojamento,
etc. Tais “gastos” são geralmente descontados direto do salário do imigrante – prática
denominada truck system –, sendo que muitas vezes o salário fica com o empregador, sob o
pretexto de que os imigrantes, sem documentação regular, não podem abrir contas bancárias.
Observe-se, portanto, que o trabalho escravo contemporâneo explora a condição de
vulnerabilidade social, econômica e cultural dos trabalhadores imigrantes, sendo sustentada
pela estrutura da própria indústria têxtil e de confecção como veremos a seguir.
9
São aquelas cadeias nas quais grandes marcas e empresas varejistas (buyers, ou “compradoras”) descentralizam
as redes de produção, espalhando-a em diversos países (em especial aqueles em desenvolvimento). Geralmente,
as empresas compradoras concentram as atividades de marketing, desenvolvimento, distribuiçao ̃ e
6
Figura 1 - Estrutura da Cadeia Produtiva e de Distribuição Têxtil e de Confecção
Fonte: http://www.sinditextilce.org.br/pdf/nic/estudo/SIIT_PALESTRA%203%20ABIT_Estratégias%20
para%20o% 20Fortalecimento%20da%20Cadeia%20Produtiva%20Têxtil.pdf
Note-se que o varejo, a grande marca que detém o poder de comando sobre a cadeia,
está localizada justamente no segmento de distribuição do produto. Por sua vez, o trabalho
escravo imigrante latino americano verificado nos grandes centros urbanos e objeto deste
trabalho está inserido no segmento de confecção (item “iii” acima).
Destaque-se que as marcas não fabricam as próprias peças de roupa, nem contratam
diretamente a mão de obra necessária para confeccionar suas coleções. Para reduzir os custos,
contratam oficinas, de porte muito menor, para produzir as roupas, terceirizando o processo
produtivo.
É importante frisar que o critério principal para a escolha das oficinas é o preço – isto
é, aquela oficina que apresentar os custos mais baixos será a contratada para fabricar
determinada coleção.
É por isso que a utilização da mão de obra escrava ocorre justamente nessas oficinas
terceirizadas ou quarteirizadas: fortemente pressionadas a baixarem os custos, as oficinas
recorrem a mão de obra informal e barata e/ou contratam outra confecção, quarteirizando o
10
Definição de fast fashion retirada do site revide.com.br (último acesso em 21/05/2016, 17:14).
8
estrutura interna das instituições”11. É nesse sentido, orientadas para a flexibilidade, que se
comportam as empresas da indústria têxtil e de confecção: as empresas, adaptando-se às forças
da demanda do mercado, têm redefinido as suas estruturas de produção, com o objetivo
colocar, cada vez mais rapidamente, produtos mais variados no mercado, por meio da
estratégia de inovação permanente, orienta sua produção exatamente para o que o consumidor
deseja comprar.
5.1. Consumismo
Na sociedade atual, o sentido do ato de consumo deixou de representar o mero ato de
comprar um objeto ou serviço, sendo associado à satisfação de desejos: associam o consumo a
status, felicidade, conforto, bem-estar, dentre outros. Tais características, seduzem o
consumidor a comprar bem mais do que precisa, subentendendo-se que isso lhe trará a plena
satisfação.
José Moura Gonçalves Filho denota que “a compulsão consumista (sempre seguida de
frustração ou decepção) assenta-se na perseguição de bens de consumo como objetos de desejo
ou na perseguição de objetos de desejo como bens de consumo”, apontando que somente a
carência traria satisfação por meio do ato de consumir o objeto. Dessa forma, “[o] objeto de
desejo não é objeto de consumo tanto quanto de fruição”. Ou seja, como os objetos de desejo
não se confundem com objetos de consumo, a compulsão consumista sempre é seguida do
sentimento de frustração e insaciedade. Diante desse sentimento, o consumidor é estimulado a
consumir novos produtos, em um ciclo vicioso: o indivíduo consome em busca do sentimento
de satisfação; contudo, o objeto não traz o sentimento esperado, o que leva indivíduo a
procurar novamente por novos produtos.
O fast fashion utiliza-se desse ciclo vicioso, estimulando o consumo a acompanhar as
tendências de moda, que aparecem e desaparecem em velocidade nunca antes vista. As
tendências, por serem efêmeras, tornam as peças obsoletas em pouco tempo, e o indivíduo é
incentivado a consumir cada vez mais.
Dessa forma, é possível dizer que o fast fashion estimula e incentiva o consumismo,
bem como a moda descartável, que traz um preço oculto tanto para o meio ambiente quanto
para os trabalhadores da cadeia de produção. A democratização das tendências ofertada por
essas empresas (consumida por pessoas de todos os status sociais), trazendo ao consumidor
produtos mais acessíveis e que ao mesmo tempo sejam novidades, fazem o desejo de possuir o
11
SENNETT, Richard. A Corrosão do Caráter. 14a Ed. Rio de Janeiro: Editora Record, 2009. p. 60
9
“novo” prevalecer frente aos momentos de consumo, fazendo com que a consciência
relacionada à proveniência do produto seja deixada de lado.
É possível, dessa forma, associar o consumidor à mão de obra escrava na indústria
têxtil. Embora se localize somente no final da cadeia, é o indivíduo consumindo de forma
exacerbada que move o fast fashion, que por sua vez, utiliza a mão de obra barata e sem
fiscalização para diminuir seus custos, vendendo seus produtos mais baratos e obtendo um
gigantesco lucro.
12
http://fashionrevolution.org
13
http://www.cleanclothes.org
14
http://factory45.co
15
KOTLER, Philip; KARTAJAYA, Hermawan; SETIAWAN, Iwan. Marketing 3.0: as forças que estão definindo
o novo marketing centrado no ser humano. Rio de Janeiro : Elsevier, 2012. p.10
10
uma abordagem sustentável para seu negócio. Seu ateliê16 produz peças de roupa eticamente
corretas, praticando o que chamamos de slow fashion17, isto é, movimento que se contrapõe ao
fast fashion e que defende a criação de peças atemporais, feitas à mão, com tecidos naturais e
duráveis - como algodão, linho e seda - e cores suaves, além da produção em baixa escala e em
locais que funcionam mais como ateliês do que como indústrias.
Note-se que o empreendimento de Flávia Aranha era, a princípio, uma iniciativa
individual, mas foi ampliada na medida em que agregou trabalhadores e consumidores que
concordavam com sua perspectiva de negócios e com a nova ética de trabalho que ela
propunha. Sua ação incluiu o convencimento e a conscientização de seus empregados e
colaboradores, de seus fornecedores, bem como de seus consumidores.
No caso de seus colaboradores, é interessante destacar que Flávia procura capacitá-los
não só em relação às habilidades de costura, mas também para gestão de seus negócios, de
modo a fazê-los compreender e valorizar seus respectivos trabalhos e o tempo gasto com eles.
Diante da sociedade consumista e a realidade de uso de trabalho análogo à escravidão, a
estilista tratou de agir seguindo princípios de justiça e sustentabilidade, que superaram o
campo das ideias, como conteúdo de pensamento, para mover uma ação, para alterar a prática
da indústria têxtil e de confecção.
Para Flávia Aranha, “[a] ética na produção deveria ser um preceito básico, não só para
os envolvidos na cadeia produtiva, mas também para os consumidores finais, que cada vez
mais têm acesso à informação. O engajamento parte daí, da informação e do que cada um
escolhe fazer com ela”18.
Com base nesses princípios, a designer prova, na prática, que é possível criar um
negócio rentável, sustentável, que adote boas práticas de trabalho - com costureiras
oficialmente contratadas pelo regime da CLT -, quebrando com os conceitos estabelecidos, os
automatismos da indústria têxtil e de confecção.
19
“Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais
de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à
reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de
outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 81, de 2014) Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em
decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado
e reverterá a fundo especial com destinação específica, na forma da lei. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 81, de 2014)”
20
Note-se que há outros artigos que tratam indiretamente do tema: o Código Penal pune quem “frustrar, mediante
fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho” (art. 203) e quem alicia trabalhadores dentro
do território nacional (art. 207). Em ambos os casos, porém, o tratamento é penal, prevalecendo a
responsabilidade individual (e não a responsabilidade da pessoa jurídica e da cadeia em que o trabalho escravo é
explorado).
21 A lei paulista inspirou os Estados do Maranhão, Tocantins e Mato Grosso do Sul a promulgar leis semelhantes.
12
nem para quais fins, sem qualquer controle sobre o resultado. Mills destacava que os
indivíduos, inseridos em grandes organizações racionais, tendem a “regular sistematicamente
seus impulsos e suas aspirações, seu modo de vida e de pensamento, em rigorosa concordância
com as ‘regras e regulamentos da organização”. Assim, concluía que “(...) a possibilidade de
razão que tem a maioria dos homens é destruída, à medida em que a racionalidade aumenta e
sua localização, seu controle, passa do indivíduo para a organização em grande escala”22.
Ora, se o controle da produção passa dos indivíduos para as organizações em grande
escala, não faz sentido a lei ignorar justamente as grandes organizações varejistas ao tratar da
questão do trabalho escravo imigrante na cadeia têxtil e de confecção. Considerando que as
oficinas muitas vezes constituem estão fortemente sujeitas às pressões das grandes varejistas
por cortes de custos, parece-nos que é preciso uma abordagem mais ampla, que considerasse
os demais agentes da cadeia de produção que se beneficiam da exploração da mão de obra
escrava, ainda que de maneira indireta.
Para nosso grupo, uma boa solução para a questão da exploração da mão de obra
escrava imigrante no setor têxtil seria, portanto, a adoção de soluções legislativas semelhantes
à Lei Estadual n˚ 14.946/2013 em âmbito nacional23.
Além disso, propomos também a criação de um sistema de fiscalização a nível nacional
que considere a cadeia como um todo: a fiscalização incluiria os procedimentos empregados
pelas grandes varejistas, seus fornecedores, até o nível mais baixo da cadeia - como as oficinas
de costura terceirizadas ou quarteirizadas. Dessa forma, as grandes marcas, empresas
varejistas, seriam obrigadas a apresentar os dados completos de seus fornecedores, sob pena de
multa.
Para arcar com os custos dessa fiscalização, seria possível recorrer a impostos,
arrecadados dos consumidores, incidentes sobre as peças adquiridas.
Se a fiscalização constatasse a utilização de mão de obra escrava na cadeia, aqueles
agentes que se beneficiassem seriam penalizados de forma proporcional ao benefício auferido:
o agente seria submetido a uma multa calculada em função de seu faturamento, tendo de pagar
um valor que poderia variar entre 0,001% a 1% do faturamento anual da empresa, conforme
arbitrado pela autoridade competente, considerando a gravidade das violações constatadas no
caso concreto. Note-se que o prazo para pagamento de multa também deveria ser estabelecido
22MILLS, C. Wrigth. A imaginação sociológica. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar, 1965. p.
185.
23 Lei Estadual n˚ 14.946/2013, reproduzida no Anexo G
13
pela autoridade competente, considerando um intervalo de tempo máximo definido em lei (por
exemplo, a lei ou regulamentação poderia definir um intervalo de 12 a 60 meses).Dessa forma,
por exemplo, se fosse constatado o trabalho escravo em uma oficina quarteirizada por uma
grande varejista, a multa incidiria na grande varejista, no terceirizado e na própria oficina
quarteirizada. Note-se que a penalidade seria estabelecida individualmente, conforme a
responsabilidade de cada empresa, bem como o faturamento de cada agente.
O valor obtido mediante o pagamento das multas seria destinado ao financiamento do
órgão fiscalizador e à realização de campanhas para (i) conscientização da população a
respeito do trabalho escravo; e (ii) campanhas para a integração e assistência aos imigrantes
encontrados nas oficinas, em condições análogas às de escravo.
Além da adoção de penalidades mais severas para a cadeia produtiva como um todo,
consideramos importante a criação, mediante lei, de um certificado de boas práticas
trabalhistas pelo mesmo órgão fiscalizador, certificado este representado por um selo de
qualidade (a exemplo do selo do Procel de economia de energia, que identifica a eficiência
energética de eletrodomésticos e tem certificação pelo Instituto Nacional de Metrologia,
Qualidade e Tecnologia - INMETRO).
O selo seria concedido às empresas que passaram pela fiscalização sem qualquer tipo
de ocorrência, e deveria ser auto - explicativo, além de ser visível na etiqueta da peça de roupa
a ser comprada pelo consumidor24.
Vale ressaltar que o selo aqui proposto não substitui a certificação de fornecedores da
Associaçaõ Brasileira do Varejo Têxtil - ABVTEX, uma vez que esse certificado é voltado
para seus fornecedores e seus subcontratados, com o objetivo de assegurar que estes estão
aptos para participar da cadeia de produção das empresas varejistas signatárias dessa
certificação25.
Note-se que a criação do selo pressupõe a realização de uma campanha de divulgação,
que ajudasse, em um primeiro momento, a informar os consumidores a respeito do selo e,
posteriormente, utilizasse propagandas de lembrança para reforçar a ideia na cultura da
população em geral. A campanha ensinaria o consumidor a procurar pelo selo nas peças que
fosse comprar, para estimular uma mudança no comportamento de consumo dos indivíduos.
A campanha poderia contar com parcerias com celebridades a favor da causa, bem
como com a cooperação de órgãos governamentais a nível tanto municipal quanto estadual e
24
Nosso grupo elaborou um exemplo de selo no Anexo J.
25 http://www.abvtex.org.br/arquivos/regulamento_0914.pdf (último acesso em 21/05/2016, 17:14).
14
nacional. Assim, propagandas sobre o selo de qualidade seriam veiculadas nas páginas de
órgãos públicos e/ou de celebridades em redes sociais, em monitores de ônibus, estações de
metrô e trem e nos próprios veículos.
Seria importante que tais iniciativas fossem também realizadas em universidades e em
eventos relacionados a moda, conscientizando as próprias pessoas que serão parte ou já fazem
parte da indústria.
Nos cursos relacionados a gestão e a moda, por exemplo, seria de suma importância
abordar os processos da indústria e a mão de obra utilizada por ela, aproximando os alunos das
condições em que os trabalhadores são submetidos e a realidade do mercado. Tal iniciativa
seria uma forma de conscientizar agentes e profissionais com poder transformador na
indústria.
Nesse sentido, Flávia Aranha entende que a conscientização das próprias pessoas que
fazem parte da indústria (ou que virão a fazer parte) é fundamental para gerar mudança: “essa
geração nova, que está se formando agora, já está com uma cabeça melhor, mas a faculdade
precisaria ter um programa melhor sobre isso, lidar mais com a realidade, olhar mais para o
Brasil”.
Empresas que se comprometessem com tais campanhas, contribuindo monetariamente,
poderiam receber incentivos fiscais do governo, como, por exemplo, isenção de imposto de
renda, proporcionalmente calculado segundo a doação.
Destaque-se que essas campanhas não envolveriam somente a divulgação do selo e a
conscientização da população, mas também poderiam conter iniciativas relacionadas à
assistência do imigrante envolvido com o trabalho escravo.
Tais iniciativas poderiam ser realizadas em parceria com entidades não
governamentais, da sociedade civil. Assim, entidades como a Alinha e a Aliança
Empreendedora poderiam contribuir.
A exemplo do que já pratica Flávia Aranha, a assistência aos imigrantes em condições
análogas ao trabalho escravo poderia ser realizada de forma a (i) gerar a consciência do valor
do próprio trabalho e do tempo gasto para realizá-lo; e (ii) agregar conhecimento de gestão e
técnica para confecção de roupas com maior valor agregado visto que, nas oficinas, os
imigrantes são condicionados a desempenhar uma única função dentre tantas necessárias para
construção da peça final. A ideia seria ensiná-los a confeccionar uma peça de roupa completa,
do começo ao fim).
15
Flávia Aranha aponta que esse tipo de assistência contribui para que costureiras tenham
autonomia e possam ter suas próprias produções e clientes: “o conhecimento que elas tem faz
com que elas sejam independentes e que elas não se submetam a nenhum tipo de condição que
não seja favorável a elas” (conforme relato fornecido durante a vista ao seu ateliê e loja).
Vale observar, por fim, que as campanhas aqui mencionadas poderiam contar com a
participação voluntária de estudantes de quaisquer cursos, bem como de outros interessados
em combater o uso de mão de obra escrava no País.
26 LUSSIER, Robert N.; REIS, Ana Carla Fonseca; FERREIRA, Ademir Antonio. Fundamentos de
Administração. 4a Ed. São Paulo: Cengage Learning, 2010.
16
e ações de conscientização, o que ajudaria a associar sua imagem a práticas éticas, bem como
reforçaria a posição da empresa nesse nicho.
Nesse sentido, esclareceu Flávia Aranha (diante da pergunta sobre conseguir clientes
após educá-los sobre o processo de produção de seu ateliê): “Sei que tem clientes que, às
vezes, entraram pela vitrine e entraram aqui, mas se encantaram muito mais quando eles viram
como é feito. [...] Quando ela tem essa consciência de ‘nossa, tem um ateliê, quantas pessoas
estão trabalhando lá, tem panela [para o tingimento]’, mesmo que pra gente seja muito óbvio
porque trabalhamos com isso faz muito tempo, muitos clientes não tem noção. [...] Com esse
contexto, as pessoas acabam valorizando mais”.
Diante do exposto até o momento, para conquistar a confiança de seus stakeholders e,
também, para conquistar clientes, as empresas poderiam fornecer mais informações sobre seu
processo produtivo e estimular o uso de ferramentas que também ajudassem o consumidor a
escolher melhor os produtos, adotando iniciativas como, por exemplo, (i) o aplicativo
“Fabricado no Brasil”, oferecido pela ZARA27, e (ii) o aplicativo “Moda livre”, criado pela
ONG Repórter Brasil28.
Note-se que tais iniciativas, além de conquistarem maior confiança por parte dos
stakeholders, são ferramentas que estimulam o consumo responsável, porque promovem a
conscientização dos consumidores, de modo prático, fácil e acessível.
Nosso grupo entende que tais ferramentas poderiam ser expandidas, englobando mais
empresas e assim permitindo uma visão geral do consumidor das opções de mercado.
Adicionalmente, no caso de aplicativos como o da Zara, vale destacar que tais
ferramentas deveriam ser amplamente divulgadas, para que o consumir saiba como utilizá-las
e associe práticas éticas à marca. Para tanto, valeriam parcerias com celebridades, campanhas
de divulgação na página da marca nas redes sociais, propagandas em rádios, televisão, etc.
(conforme a disposição da marca em gastar com tais campanhas).
No caso de aplicativos como o Moda Livre, as informações fornecidas pelas empresas
deveriam ser corroboradas pelo governo (aliando-se por exemplo com o órgão mencionado na
primeira parte da solução e suas fiscalizações), para que o consumidor não receba informações
erradas e a iniciativa não corra o risco de ser desacreditada.
Por fim, além de iniciativas deão produção responsável, o modo de consumo também
precisa ser alterado, como destacou Flávia Aranha, durante a nossa visita ao ateliê: “o mercado
8. Considerações finais
Neste trabalho, buscamos desenvolver, em primeiro lugar, a problemática envolvendo
o trabalho escravo, para, depois, elaborar possíveis linhas de atuação para solucionar, ou,
melhor dizendo, minimizar a questão.
É importante ressaltar que, conforme exposto neste trabalho, a questão do trabalho
escravo é questão pública de nossa estrutura social, na medida em que tal problema depende
vários ambientes de pequena escala, que se confundem e se interpenetram; isto é, a existência
do trabalho escravo envolve diversas esferas, dependendo de nossa estrutura econômica e
social, de nossa cultura de consumo e de produção, bem como a da configuração de nossas
instituições. É por isso que qualquer solução que tenha a pretensão de ser absoluta deveria
provocar alterações profundas em todas essas esferas.
Por essa razão, nossas soluções tomaram o viés mais abrangente possível, considerando
a complexidade dos fatores que contribuem para a existência do trabalho escravo em nossa
sociedade. Buscamos uma solução legislativa com o objetivo de alterar a configuração de
nossas instituições, adotando penalidades para estimular mudanças no modo de produção
dessa indústria.
Além dessas mudanças estimuladas, principalmente, por nossas instituições, buscamos
apontar a vantagens de iniciativas voluntárias por parte das empresas do setor, demonstrando,
a partir do exemplo de Flávia Aranha, que tais iniciativas são possíveis, mais do que isso,
viáveis.
Em paralelo às iniciativas para promover mudanças em nosso modo de produção, as
campanhas de conscientização sugeridas foram sugeridas por nosso grupo justamente para
aproximar os consumidores da realidade dos imigrantes que trabalham em condições análogas
às de escravo, estimulando uma cultura de consumo consciente, em contraposição ao fast
fashion e o consumismo, que reinam nos dias atuais.
18
Por fim, consideramos também a situação do trabalhador imigrante em condições
análogas de escravo, e tentamos delinear uma solução de empoderamento desses grupos,
mediante (i) sua capacitação em termos de habilidades técnicas de costura, para ensinar o
trabalhador a realizar peças completas (ou seja, o trabalhador saberá fazer tudo, e não somente
a parte definida pela cadeia de produção); (ii) a demonstração do valor do próprio trabalho e
do tempo gasto para realizá-lo; e (ii) o ensino técnicas de gestão, para que o trabalhador
consiga atuar de forma mais independente da cadeia produtiva.
19
Anexo A - Artigo 140 do Código Penal Brasileiro
CP - Decreto Lei nº 2.848 de 07 de Dezembro de 1940
Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos
forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer
restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o
empregador ou preposto: (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
(Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem: (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
I - cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo
no local de trabalho; (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
II - por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. (Incluído pela Lei nº
10.803, de 11.12.2003)
20
Anexo B - Fiscalização flagra exploração de trabalho escravo na confecção de roupas da
Renner
Por Igor Ojeda | 28/11/14
São Paulo – A Renner, rede varejista de roupas presente em todo o Brasil, foi
responsabilizada por autoridades trabalhistas pela exploração de 37 costureiros bolivianos em
regime de escravidão contemporânea em uma oficina de costura terceirizada localizada na
periferia de São Paulo (SP).
Os auditores fiscais à frente do caso consideram a Renner responsável pela redução dos
trabalhadores a condições análogas a de escravos por entenderem que a empresa detém o
controle total sobre a produção de roupas na oficina fiscalizada, cujo serviço era intermediado
por duas empresas fornecedoras da rede varejista. “
[...]
“Mesmo que a Renner não tenha encontrado indícios de problemas, no nosso entender
tinha condições, sim, de tomar providências. No mínimo contratar fornecedores que tivessem
condições totais de tocar a produção. A empresa sabia que os fornecedores iriam transferir a
produção para uma camada inferior”, afirma Faria. A confecção terceirizada costurava roupas
para as linhas Cortelle, Blue Steel, Blue Steel Urban e Just Be, todas da Renner. Durante a
operação, foram encontradas um total de 35.019 peças já costuradas ou a costurar, com as
respectivas notas fiscais.
21
Alojamentos degradantes
22
dentro de geladeiras. Os integrantes da fiscalização apontaram, ainda, que a alimentação era
muito pobre em nutrientes: eram fornecidos apenas arroz, feijão, salsicha e verduras. Em
depoimentos, muitos trabalhadores reclamaram da qualidade da comida oferecida.
23
pela ocorrência de tráfico de pessoas para fins de exploração de trabalho em condição análoga
à de escravo”. Além disso, pelo fato de tanto a moradia quanto a alimentação serem fornecidas
diretamente pela oficina e custeadas pelos funcionários por meio de sua produção, fica
caracterizada a prática de servidão por dívida. Além do sistema conhecido como “terça parte”,
foram encontrados recibos de salários e vales “que demonstram o desconto indevido de taxas
cobradas aos seus empregados, retenção de salários e até casos em que a dívida ultrapassa os
ganhos dos trabalhadores”.
http://reporterbrasil.org.br/2014/11/fiscalizacao-flagra-exploracao-de-trabalho-escravo-
na-confeccao-de-roupas-da-renner/
24
Anexo C - De La Paz para São Paulo, a história de exploração de uma vítima do tráfico
de pessoas
Por Bianca Pyl | 27/07/12
Ronaldo* trabalha desde os 14 anos. Com esta idade, ele fugiu de casa e da violência
do padrasto. Desde então, mantém pouco contato com os quatro irmãos e o restante da família.
“Fui embora com a roupa do corpo, sem documento, sem roupa, sem nada”.
No seu último emprego, em La Paz, na Bolívia, ele recebia como garçom em uma
pensão, onde vivia, pouco mais de R$ 130 por mês (ou 460 bolivianos, a moeda local). Foi lá
que recebeu um convite para trabalhar no Brasil.
Ronaldo foi libertado, mas ao contrário de todos os outros costureiros, não compareceu
ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) no dia seguinte ao resgate, fato que intrigou a
equipe de fiscalização. Ele se apresentou somente quando a empresa autuada assinou a
Carteira de Trabalho e da Previdência Social (CTPS) e se dispôs a pagar as verbas rescisórias,
uma semana depois. Na hora de preencher as Guias do Seguro Desemprego, ao ser
questionado sobre sua idade, ele abriu o jogo: “não tenho documentos”.
[...]
Tráfico de pessoas
[...]
25
Atraído por promessas de ótimo trabalho e boas condições de moradia, o trabalhador
viu-se com duas opções logo ao chegar: pagar pela viagem ou trabalhar durante um ano para o
coiote sem receber nada e com a condição de não procurar emprego em outro local. Sem
nenhum dinheiro, acabou se submetendo às restrições impostas. As condições flagradas pela
fiscalização no último dia 19 de junho não são muito diferentes das que Ronaldo, com 18 anos
recém completos, viveu em diferentes oficinas de costura durante um ano e seis meses, período
em que está no Brasil.
Rota
Ronaldo foi de ônibus de La Paz para CochaBamba, de lá seguiu para Santa Cruz de La
Sierra, passou por Puerto Quijaro, de onde seguiu para Corumbá, no Mato Grosso Sul, e
finalmente para São Paulo. Quando estava na fila da fronteira entre Brasil e Bolívia, o coiote
entregou para Ronaldo um documento, sem dizer nada. “Eu não entendi, não sabia como ia
conseguir passar, só mostrei para polícia e passei”. Assim que cruzou a fronteira, o documento
foi tirado de Ronaldo. Trata-se da identidade de outra pessoa.
[...]
26
Ameaça de morte
Ronaldo entende bem português, mas não fala fluentemente. Ele contou em detalhes
seus primeiros dias aqui no Brasil [...]. O coiote que o trouxe para o Brasil tinha uma oficina
na Vila Guilherme, Zona Norte de São Paulo. No local, ele aprendeu a costurar, ensinado pelo
próprio dono da oficina. Ronaldo costurava retalhos o dia todo, das 7 às 23 horas e, segundo
relatou, não saia da oficina para nada. Os dias foram passando e o dono da oficina começou a
ficar mais exigente e a cobrar mais velocidade. “Ele ficou mais rígido”, resumiu.
Duas semanas depois de chegar a São Paulo, Ronaldo teve uma dor de dente e
conseguiu emprestado com uma costureira R$ 3 para comprar remédio. Ele saiu em busca de
uma farmácia, mas acabou se perdendo. “Fiquei das 7 da manhã até as 2 da tarde rodando,
rodando e não achei o caminho. Não sabia pedir ajuda”. Ronaldo pediu ajuda para o primeiro
boliviano que encontrou na rua. Por sorte, o compatriota também estava procurando trabalho.
“Ele não estava recebendo nada pelo trabalho e decidiu ir embora. Foi a minha sorte. Saímos
em busca de uma oficina para costurar”.
Os dois encontraram trabalho em uma oficina em Guarulhos, mas a situação era pior. A
dona da oficina exigia muito e ele trabalhava até de madrugada cortando tecidos para fazer
edredom. “Eu ficava doente por causa do pó do tecido”, relatou. O local era mais úmido e ele
sentia muitas dores nas costas, conta exibindo a nuca e a lombar. “A comida também era muito
ruim”. O pagamento pelo trabalho não era por produção, ele ganhava de R$ 250 a R$ 450 por
mês, mesmo tendo trabalhado até de madrugada todos os dias. Ronaldo permaneceu
trabalhando na oficina do final de janeiro até maio, quando não aguentou mais a situação e
saiu. Ele conseguiu outro trabalho, desta vez, próximo ao metrô Armênia, linha 1-azul do
metrô de São Paulo. Mas a situação era mais grave: os trabalhadores recebiam ameaças o
tempo todo no local. “O dono ameaçava de bater na gente e não pagava”. Depois de trabalhar
um mês na oficina, ele decidiu cobrar pelo trabalho e foi ameaçado de morte.
Mais uma vez Ronaldo viu-se sem saída. “Eu decidi ir na Feira da Kantuta, conseguir
outro trabalho”, disse, olhando fixo para quem o ouvia. Mas em vez de um emprego, Ronaldo
acabou reencontrando o coiote que o trouxe para o Brasil e que cobrou a dívida de R$ 450 da
viagem. “Eu não tinha dinheiro, então consegui outro emprego e pedi para meu novo patrão
27
pagar esta dívida para mim”, assim mais uma vez o jovem viu-se preso a uma dívida que o
obrigaria a trabalhar sem receber nada.
Desta vez o patrão tornou-se um amigo. “Ele era muito bom comigo, só saí de lá
porque não tinha mais trabalho”. Ronaldo ficou nove meses no local, mas teve que sair, pois
não havia mais encomendas. Em outra oficina permaneceu por um mês e recebeu R$ 100 pelo
serviço. Foi então que acabou na oficina onde foi libertado de condições análogas às de
escravos no último dia 19 de junho.
Depois de conceder este depoimento, ele retornou para casa onde funcionava a oficina
em que foi resgatado. De lá, foi embora sem dizer para onde ia. Não registrou nenhum Boletim
de Ocorrência para que os crimes denunciados (tráfico de migrantes e trabalho análogo ao de
escravos) fossem apurados. Desta vez pelo menos, Ronaldo saiu com um documento, a carteira
de trabalho provisória, além das verbas rescisórias.
http://reporterbrasil.org.br/2012/07/de-la-paz-para-sao-paulo-a-historia-de-exploracao-
de-uma-vitima-do-trafico-de-pessoas/
28
Anexo D - Visita ao ateliê e à loja
O grupo com o objetivo de absorver o maior número de informações sobre o trabalho realizado
pela estilista Flávia Aranha visitou seu ateliê e loja, no dia 03/06/2016, ambos localizados no
bairro Vila Madalena, zona oeste de São Paulo (SP). A visita iniciou-se na loja, onde foi
possível fotografar as peças da estilista enquanto ela concedia mais informações sobre sua
produção.
II - Uma das araras das peças disponíveis na loja localizada na Vila Mariana
29
Flávia explicou que sua produção é feita, iniciando pela matéria prima, que vêm de
outras cidades e até de outras regiões do Brasil, adquiridas tanto de comunidades de artesãos,
como de indústrias. As embalagens, por exemplo, são confeccionadas por um grupo de São
Bernardo composto por mulheres, o projeto social Retece. Outro exemplo é o Vale do Urucuia
(MG), onde o processo de costura local é muito simples, mas, por outro lado, há uma cadeia
produtiva (desde o plantio do algodão até a tecelagem) muito sofisticada.
Sua produção acontece, em parte, no seu ateliê (localizado atrás da loja), com as
costureiras contratadas pelo regime de CLT. A outra parte das peças é confeccionada por uma
rede de costureiras, muitas de regiões periféricas, mas com alta capacidade técnica, para as
quais é oferecido todo o auxílio para adaptar-se ao regime de “home office”, facilitando a
conciliação da vida pessoal com a profissional. Note-se que essas costureiras que trabalham
fora do ateliê costuram as peças do começo ao fim, embora já vá cortada em moldes.
“A gente tem muito essa preocupação de não terceirizar e de não mandar para grandes
confecções, porque a gente acha que é muito importante o artesão, para ele ser valorizado, ele
ter autonomia e conhecimento de como ele faz uma roupa do começo ao fim. [...] A nossa
ideia é que essa rede de costureiras que a gente construiu, que elas tenham esse conhecimento,
essa autonomia, porque elas não dependem também só da gente”, contou Flávia Aranha.
Justamente por tentar entender as realidades locais, Flávia cria uma relação de
proximidade com seus colabores, procurando sempre uma relação de benefício mútuo. A
designer observa que essa ética de trabalho, mesmo que mais cara e mais demorada, surte
efeito, inclusive, no modo como o valor do trabalho e do tempo são percebidos pelos artesãos.
30
essa iniciativa passa também por instituições como o Serviço Brasileiro de Apoio às Micros e
Pequenas Empresas (SEBRAE).
V – Costureira do ateliê
31
Flávia mencionou, durante essa parte da visita, o imediatismo do consumo e falta de
consciência dos consumidores do processo produtivo de uma peça, que vai desde o plantio do
algodão, por exemplo, até a distribuição na loja. Atentando-se, novamente, para a importância
da informação e na comunicação para os diversos tipos de pessoas e contextos de vida. “Falar
sobre isso já é alguma coisa, porque às vezes é isso: você está numa cidade que ninguém nunca
falou sobre isso [trabalho escravo e problemas da indústria têxtil], então você nem pensa. [...]
É o jeito de fomentar discussões e chegar a soluções” nos contou a estilista.
Voltando a loja, Flávia mencionou acreditar que “nunca vai conseguir produzir uma
camiseta, que seja a mais básica, por 19 reais pra uma empresa ter lucro. Isso nunca. Porque
temos que abrir os custos, o tempo do trabalho, desde o plantio e são tanto processos, que é
inviável alguém dizer que ela está sendo justa, sendo que metade desses 19 reais é lucro da
empresa”. E acrescenta “que a maior tecnologia, a maior eficiência não chega nisso. Então a
gente não tem a pretensão de chegar nesse custo”.
Ao final, Flávia contou como seus sapatos e bolsas são produzidos. No caso do
primeiro, são produzidos manualmente por um artesão do Tatuapé. O processo é feito
integralmente por esse artesão, desde o corte do molde, com uma forma de madeira, até a
costura. As bolsas, por sua vez, são feitas por outro artesão, que possui um ateliê em casa, a
exemplo das costureiras.
33
Anexo E - Slow Fashion: consumo consciente e responsável
Na contramão do fast fashion, temos o movimento slow fashion. O movimento, criado
pela inglesa Kate Fletcher, consultora e professora de design sustentável do britânico Centre
for Sustainable Fashion (inspirado no movimento Slow Food), pretende mostrar uma
alternativa à produção em massa, uma forma de consumir moda de maneira sustentável e
consciente (retomando a conexão com a maneira em que os produtos são produzidos e
valorizando a diversidade e a riqueza das tradições).
Alguns pontos que o movimento slow fashion defende são: (i) a adoção de um olhar
abrangente e holístico, ou seja, reconhecer que os impactos das escolhas dos consumidores
afetam o ambiente e as pessoas, assim como a decisão dos produtores, designers, fabricantes e
varejistas; (ii) a redução do consumo, repudiando a imagem da moda como algo descartável,
bem como a ideia do consumo como uma fonte de superação de frustrações; (iii) a defesa das
ideias de “qualidade sobre quantidade”e “menos é mais”; (iv) a democratização da moda e
diversidade ecológica, social e cultural; (v) a construção de relações de confiança entre
produtores e co-produtores; (vi) valorização da cultura local, por meio da utilização de
materiais e recursos locais sempre que possível; (vii) a opção por peças atemporais por meio
do uso de tecidos de alta qualidade (o que contribui para um maior tempo de uso das roupas); e
(ix) o preço real das roupas – isto é, preços que reflitam seu real custo, considerando o uso de
recursos de forma sustentável, bem como salários justos.
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Anexo F - Entrevista Flávia Aranha
A mãe, psicanalista, e o pai, empresário, criaram Flávia em um ambiente voltado para
arte, desenho, dança e natureza, estimulando o seu lado criativo. Entretanto, foi com a avó
costureira que ela deu os primeiros passos em direção à criação de roupas. Aos 16 estudou
moda no colégio Central Saint Martin, em Londres, mais tarde, no Brasil, se formou pela
Faculdade Santa Marcelina.
Tanto como estilista quanto como empreendedora, você inovou na forma de fazer
moda e hoje entrega produtos diferenciados aos seus consumidores. Quando e como esta
ideia surgiu? Qual foi a sua maior dificuldade em colocá-la em prática e torná-la rentável
para todos os envolvidos?
Resposta: De alguma maneira esse ideal sempre esteve presente, mas trabalhar na grande
indústria e conhecer de perto a dura realidade de centros produtivos na China e Índia foi o
estopim. Mas produzir de maneira ética e sustentável em meio a um mercado que muitas vezes
te impõe o contrário exige muito jogo de cintura, sempre.
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Resposta: A ideia demorou um pouco para ser aceita. No início, há 7 anos atrás, pouco se
falava sobre moda sustentável e tingimento natural em escala industrial. Mas aos poucos fui
quebrando alguns preceitos, e preconceitos, para hoje me tornar referência no assunto.
Sua proposta de vender roupas que têm toda cadeia produtiva organizada de
forma ética requer muito esforço e demanda cuidado nas suas escolhas. Um exemplo
disso é a pigmentação das roupas: o preto e algumas outras cores são difíceis de alcançar.
Você acha que isto te limita de alguma forma ao criar uma coleção?
Resposta: Mais do que um limite, vejo como um desafio. Criar dentro de alguns moldes exige
um exercício contínuo de criatividade, testando possibilidades que de início parecem barreiras,
mas que com o tempo se mostram caminhos abertos, infinitos em possibilidades. É só uma
forma diferente de olhar as coisas.
Resposta: Especialmente quando nos referimos às grandes marcas atuantes no modelo fast
fashion, há uma distinção e, muitas vezes, uma distancia enorme entre quem cria a roupa e
quem pensa no marketing e propaganda dessas empresas, que têm de fato uma difusão global.
Em nosso caso, a escala nos permite um controle sobre todas as etapas da cadeia, uma vez que
tudo é feito localmente – ou no ateliê, ou muito próximo. A ética na produção deveria ser um
preceito básico, não só para os envolvidos na cadeia produtiva, mas também para os
consumidores finais, que cada vez mais têm acesso à informação. O engajamento parte daí, da
informação e do que cada um escolhe fazer com ela.
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Na sua visão, há algum avanço quanto a não utilização de trabalho escravo por
parte das grandes empresas de fast fashion no Brasil? Da mesma forma que você produz
de forma ética, seria possível que estas empresas tivessem uma produção consciente e
diminuíssem os custos, tornando os produtos mais acessíveis a população com menor
poder aquisitivo?
Resposta: Esse é um dos grandes paradigmas criados pelo próprio modelo fast fashion. Fazer
roupa custa caro. Comprar roupas, antes desse modelo, custava muito mais. O encantamento
pela variedade a preços baixos é o que sustenta esse sistema. Mas é preciso olhar com atenção
para reais custos de tudo. Encontrar matérias primas de qualidade, que durem mais e não
degradem o meio ambiente em processos extremamente poluentes, remunerar de forma justa
todos os envolvidos na cadeia, valorizar nosso cenário nacional... tudo isso tem um custo
bastante elevado. As externalidades negativas do sistema fast fashion são absurdas, e o que
custa pouco para o consumidor final, acaba custando muito ao meio ambiente e ao outro
extremo da cadeia, que são os trabalhadores da indústria têxtil em geral.
Resposta: A informação é o meio mais poderoso, sempre. É preciso falar sobre o sistema,
discutindo seus modos de maneira acessível ao grande público. Algumas ações, como o
Fashion Revolution Day, e documentários, como The True Cost, são belos exemplos disso.
Resposta: Ainda que a maioria de nossas clientes valorize nossos processos e tenha
consciência da cadeia produtiva, o design e a qualidade das peças são essenciais. Não só para
elas, para nós também. Mais que conceito, fazemos e vendemos roupas.
Você considera que o consumo sustentável no setor da moda é ou vai ser uma
tendência cada vez mais forte, contrapondo-se ao modelo fast fashion? Se sim, de que
maneira você acredita que isso ocorrerá? Quais seriam então suas ações para lidar com
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maior demanda, ou mesmo com a entrada de mais concorrentes sustentáveis no
mercado?
Resposta: A busca por peças autorais e de qualidade, em meio à massificação do fast fashion, é
uma tendência, algo que vivenciamos em nosso cotidiano. Dar conta dessa demanda exige um
planejamento preciso e foco constante em nossa missão e valores.
Resposta: A Catarina Mina é um ótimo exemplo em nosso país. Outra marca que gostamos
muito é a gaúcha Insecta Shoes, que produz calçados reutilizando matéria prima de descarte,
como peças de roupa vintage e garrafas pet recicladas. O que diferencia essas marcas no
mercado está além do conceito, porque criam produtos de qualidade, duráveis e bonitos.
Resposta: É preciso unir para transformar. As marcas de slow fashion são minúsculas se
comparadas às do fast fashion, por isso têm um poder de barganha e visibilidade muito
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menores. Mas temos um potencial enorme e aos poucos vamos transformando nosso entorno e
causando alguns tremores no sistema vigente.
Em seu ateliê, suas costureiras são contratadas sob o regime da CLT? Você
considera a CLT uma legislação apropriada para as necessidades do setor têxtil?
Resposta: Todas nossas costureiras, bem como nossos colaboradores, são contratados sob
regime da CLT. É uma forma de garantir seus direitos básicos e produzirmos de maneira mais
justa.
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Anexo G - Lei Estadual n˚ 14.946/2013
Artigo 1º - Além das penas previstas na legislação própria, será cassada a eficácia da inscrição
no cadastro de contribuintes do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias
e sobre prestações de serviços de transporte interestadual intermunicipal e de comunicação
(ICMS) dos estabelecimentos que comercializarem produtos em cuja fabricação tenha havido,
em qualquer de suas etapas de industrialização, condutas que configurem redução de pessoa a
condição análoga à de escravo.
§ 1º - As restrições previstas nos incisos prevalecerão pelo prazo de 10 (dez) anos, contados da
data de cassação.
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de 14 de dezembro de 2006, a cassação da eficácia da sua inscrição no cadastro de
contribuintes do ICMS, prevista no artigo 1º, implicará cumulativamente:
Artigo 5º - Passam a vigorar com a redação que se segue os dispositivos adiante indicados da
Lei nº 12.685, de 28 de agosto de 2007:
“III - solicitar depósito dos créditos em conta corrente ou poupança de sua titularidade,
mantida em instituição do Sistema Financeiro Nacional.” (NR)
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Anexo H - Aplicativo Zara: “Fabricado no Brasil”
“Fabricado no Brasil”, oferecido pela ZARA, é um aplicativo para smartphones que
permite que o consumidor rastreie informações da cadeia produtiva a partir do código QR
disponível na etiqueta de cada peça. Esse aplicativo especifica o nome do fornecedor, sua
localização, o número de funcionários, os contatos e a classificação que ele recebeu nas
auditorias realizadas pela Zara.
O aplicativo, que começou em 2015 a abranger a toda coleção feita no Brasil, veio
como resposta aos escândalos de trabalho análogo a escravidão na cadeia produtiva do grupo
Inditex, dona da Zara. No início do projeto, o presidente da companhia no Brasil afirmou que
era uma iniciativa de transparência, e não de marketing29.
Apesar dos esforços, a iniciativa foi pouco divulgada pela própria empresa, sendo que
houve várias reclamações quanto ao funcionamento do aplicativo no início e até hoje não há
explicações em lojas ou sites sobre como usar o rastreamento e a importância de se fazê-lo.
29
Fonte: http://exame.abril.com.br/negocios/noticias/publico-podera-fiscalizar-fabricacao-da-zara-por-
smartphone
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Anexo I - Aplicativo “Moda Livre”
O aplicativo foi criado pela ONG Repórter Brasil, fundada em 2001 por um coletivo de
jornalistas, cientistas sociais e educadores. A ONG tornou-se uma fonte importante de
informação sobre a questão brasileira do trabalho escravo moderno e procura mobilizar
lideranças sociais, políticas e econômicas em prol dos direitos humanos e de uma sociedade
mais justa, inclusive sendo membro da comissão estadual e municipal da cidade de São Paulo
para erradicação do trabalho escravo e da Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho
Escravo.
O aplicativo está disponível para os sistemas operacionais Android e iOS e assim, boa
parte do público brasileiro pode usá-lo como ferramenta para alcançar a realidade e repensar o
consumo.
Como funciona
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Em vermelho estão as marcas sem mecanismos para o combate do trabalho escravo ou
que não responderam o questionário. As classificadas com a cor amarela, embora demonstrem
um cuidado no acompanhamento de sua cadeia, possuem histórico de problemas relacionados
ao tema ou precisam aprimorar os mecanismos avaliados. Por último, as marcas de cor verde
demonstram mecanismos eficientes no controle da sua cadeia produtiva somada ao histórico
favorável em relação ao tema.
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Anexo J – Selo de boas práticas trabalhistas
A título de sugestão, o grupo criou o selo, que consta a seguinte mensagem: “Esta
marca não utiliza trabalho escravo”:
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