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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP)

Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA)

Jenny Chan Yee Ng


Letícia Miranda de França Mota
Matheus Ivan Mourad Santos
Pedro Martins Rodrigues Novaes
Roberta Matsubara Arakaki
Talita Sayaka Murakami

Imigrantes Latino Americanos na Cadeia Têxtil e de Confecção


A questão do uso de mão de obra imigrante em condições análogas às de escravo:
possíveis soluções para um modo de produção e de consumo ético e sustentável.

[Organização visitada: ateliê Flávia Aranha]

São Paulo
2016
Jenny Chan Yee Ng
Letícia Miranda de França Mota
Matheus Ivan Mourad Santos
Pedro Martins Rodrigues Novaes
Roberta Matsubara Arakaki
Talita Sayaka Murakami

Imigrantes Latino Americanos na Cadeia Têxtil e de Confecção


A questão do uso de mão de obra imigrante em condições análogas às de escravo:
possíveis soluções para um modo de produção e de consumo ético e sustentável.

[Organização visitada: ateliê Flávia Aranha]

Relatório final do trabalho interdisciplinar


apresentado a Universidade de São Paulo
como parte das exigências das seguintes
disciplinas:
Introdução à Psicologia
Fundamentos de Administração
Fundamentos de Ciências Sociais
Fundamentos de Marketing e Compor-
tamento do Consumidor

São Paulo, 13 de junho de 2016.

________________________________________
Professor Dr. José Moura Gonçalves Filho

________________________________________
Professor Dr. Ademir Antonio Ferreira

________________________________________
Professor Dr. Arnaldo José F. M. Nogueira

________________________________________
Professora Dr. Kavita Miadaira Hamza

2
Sumário

1. Introdução ................................................................................................................................ 4
2. Trabalho escravo contemporâneo ............................................................................................5
3. Trabalho escravo e a mão de obra imigrante na indústria têxtil e de confecção ......................5
4. A Indústria Têxtil e de Confecção ...........................................................................................6
5. Fast fashion e a produção orientada pelo consumo .................................................................8
5.1. Consumismo......................................................................................................................9

6. A falta de ética na indústria têxtil e de confecção..................................................................10


6.1. Flávia Aranha: engajamento e ética na produção ..........................................................10

7. Possíveis soluções para o trabalho escravo na cadeia têxtil e de confecção ..........................11


7.1 Modificação da legislação vigente no país ......................................................................12

7.2 Uma nova ética de consumo e produção ..........................................................................16

8. Considerações finais ..............................................................................................................18


Anexo A - Artigo 140 do Código Penal Brasileiro ....................................................................20
Anexo B - Fiscalização flagra exploração de trabalho escravo na confecção de roupas da
Renner ........................................................................................................................................21
Anexo C - De La Paz para São Paulo, a história de exploração de uma vítima do tráfico de
pessoas .......................................................................................................................................25
Anexo D - Visita ao ateliê e à loja .............................................................................................29
Anexo E - Slow Fashion: consumo consciente e responsável ...................................................34
Anexo F - Entrevista Flávia Aranha ..........................................................................................35
Anexo G - Lei Estadual n˚ 14.946/2013 ....................................................................................40
Anexo H - Aplicativo Zara: “Fabricado no Brasil” ...................................................................42
Anexo I - Aplicativo “Moda Livre” ...........................................................................................43
Anexo J – Selo de boas práticas trabalhistas..............................................................................45

3
1. Introdução
Na década de 90, a produção da indústria têxtil e de confecção podia ser dividida em
ciclos – em média, eram dois a quatro ciclos por ano, sendo a demanda planejada
antecipadamente. Atualmente, há apenas produção, independentemente de ciclos – isto é,
consumimos muito mais roupas e superamos tendências muito mais rapidamente, obliterando
qualquer separação temporal em ciclos. Segundo a revista Exame 1, “a cada ano, estima-se que
80 bilhões de novas peças de roupas são produzidas, 400% a mais que duas décadas atrás”, já
quanto faturamento, apenas no Brasil, o setor têxtil e de confecção, em 2015, teve receita de
R$ 121 bilhões, conforme dados da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção
(Abit)2.
Para atender à demanda dos consumidores, a indústria foi obrigada a organizar-se de
modo a ser flexível para produzir o máximo possível em tempo recorde, adaptando-se
facilmente para conseguir entregar as novas peças e tendências que o mercado desejar3.
Contudo, um dos efeitos negativos dessa configuração da indústria têxtil e de
confecção foi a utilização da mão de obra escrava.
A questão do trabalho escravo imigrante adquiriu maior visibilidade em 2011, quando
uma ação de fiscalização resgatou trabalhadores imigrantes de oficinas de costura que
produziam peças para a marca Zara. Eram 67 bolivianos e peruanos obrigados a costurar 30
peças por hora, em jornadas de trabalho excessivas, além do uso de mão de obra infantil4.
Além do caso da Zara, ocorreram, desde então, diversos flagrantes de uso de mão de
obra escrava imigrante no setor têxtil. Neste trabalho, abordaremos o tema do trabalho escravo
imigrante na indústria têxtil e, após o delineamento da problemática envolvida, traçaremos
possíveis soluções para a questão.

1 http://www.abit.org.br/cont/perfil-do-setor (último acesso em 21/05/2016, 17:14).


2http://exame.abril.com.br/negocios/noticias/uma-revolucao-comecou-no-seu-armario-e-cada-peca-conta (último
acesso em 21/05/2016, 17:14).
3 http://highline.huffingtonpost.com/articles/en/the-myth-of-the-ethical-shopper/ (último acesso em 21/05/2016,
17:14).
4 http://escravonempensar.org.br/wp-content/uploads/2016/02/Fasc%C3%ADculo-Confecção-Textil_Final_Web_
21.01.16.pdf (último acesso em 21/05/2016, 17:14).
4
2. Trabalho escravo contemporâneo

O trabalho escravo contemporâneo, também denominado “trabalho em condições


análogas à de escravo 5 ”, está definido no artigo 149 do Código Penal Brasileiro 6 , e está
configurado se estiverem presentes quaisquer dos seguintes elementos 7 , em conjunto ou
isoladamente: (i) trabalho forçado: significa a submissão do indivíduo a condições de trabalho
indignas, deixando-o impossibilitado de deixar o local, por causa de dívidas e/ou sob coerção;
(ii) jornada exaustiva: refere-se a um expediente muito além da jornada extraordinária (horas
extras), de modo a colocar em risco ou prejudicar a integridade física do trabalhador; (iii)
servidão por dívida: cobrança ilegal, exorbitante e abusiva, relativa a supostos gastos do
trabalhador com transporte, alimentação, aluguel de ferramentas de trabalho, etc. Muitas vezes,
tais valores são deduzidos diretamente do salário do trabalhador, deixando uma quantia
irrisória, insuficiente para a manutenção de uma vida digna ou para a quitação integral da
suposta dívida; e (iv) condições degradantes: refere-se a um conjunto de circunstâncias que
definem a precariedade do trabalho a que é submetido o indivíduo, de modo a retirar-lhe sua
dignidade e, em muitos casos, atentar contra sua saúde e integridade (por exemplo, casos em
que o trabalhador encontra-se privado de água potável e saneamento básico e/ou de assistência
médica, dentre outras situações).

3. Trabalho escravo e a mão de obra imigrante na indústria têxtil e de confecção


Note-se que a utilização de obra imigrante em condições análogas à escravidão no setor
têxtil não acontece por acaso8.
Inúmeros donos de oficina aproveitam-se do fato de que migrantes de países latino
americanos consideram o Brasil uma oportunidade de ascensão socioeconômica, e os
contratam por meio de aliciadores em países como o Peru, a Bolívia e o Paraguai.
Frequentemente, a migração para o Brasil é feita de forma ilegal (seja por meio de coiotes ou
de documentos falsos) e é cobrada do trabalhador – trata-se do começo da escravidão por
dívida.

5
Tecnicamente, o trabalho escravo está abolido desde 1888, portanto muitos juristas utilizam a expressão
“trabalho em condições análogas à de escravo” para se referir ao artigo 149 do Código Penal.
6
Para verificar relatos detalhados das condições dos imigrantes, consultar Anexo A.
7
Definições extraídas do site http://escravonempensar.org.br/sobre-o-projeto/o-trabalho-escravo-no-brasil/ (último
acesso em 21/05/2016, 17:14).
8
Relatos dessa realidade no Anexo B e C
5
No Brasil, as oficinas aproveitam-se e da situação irregular e da fragilidade econômico-
social desses grupos, retendo documentos como meio de chantagear os imigrantes, ou
ameaçando denunciá-los para as autoridades locais e para a deportação. Além do clima de
coerção psicológica e ameaças físicas nas oficinas, o isolamento social e cultural dos
imigrantes em relação ao Brasil, o desconhecimento da língua e do espaço em que se
encontram tornam o migrante ainda mais dependente e submisso ao empregador.
Os imigrantes são, então, obrigados a trabalhar em jornadas excessivas, para pagar
supostos gastos com transporte, alimentação, aluguel de ferramentas de trabalho, alojamento,
etc. Tais “gastos” são geralmente descontados direto do salário do imigrante – prática
denominada truck system –, sendo que muitas vezes o salário fica com o empregador, sob o
pretexto de que os imigrantes, sem documentação regular, não podem abrir contas bancárias.
Observe-se, portanto, que o trabalho escravo contemporâneo explora a condição de
vulnerabilidade social, econômica e cultural dos trabalhadores imigrantes, sendo sustentada
pela estrutura da própria indústria têxtil e de confecção como veremos a seguir.

4. A Indústria Têxtil e de Confecção


Na era do fast fashion (tema a ser a ser aprofundado no item 5) e da flexibilidade, as
marcas se sustentam mediante a contratação de redes de produção, ou seja, dividem a produção
em inúmeras unidades produtivas, separadas geograficamente com o objetivo de baixar custos,
mas globalmente integradas e coordenadas. Enquanto as redes de produção são as responsáveis
pela manufatura, as grandes varejistas definem as especificações do produto e coordenam o
processo como um todo.
Nesses tipos de cadeias, o poder de comando ou liderança é exercido pela grande
empresa varejista ou pela marca. Isso porque, conforme entende a estilista Flávia Aranha (cuja
forma de produção será aprofundada no item 6), produzir em unidades separadas - isto é, em
células - é o motivo pelo qual as empresas varejistas detém o poder sobre os seus fornecedores
(terceirizados ou até quarterizados), uma vez que, com essa forma de produção, tais células
produtivas assumem um tamanho bem reduzido se comparado a grande varejista, resultando
numa desigualdade imensa em negociações. Em outras palavras, a cadeia têxtil e de confecção
é comandada pelo grande comprador (varejista), constituindo uma cadeia buyer-driven9.

9
São aquelas cadeias nas quais grandes marcas e empresas varejistas (buyers, ou “compradoras”) descentralizam
as redes de produção, espalhando-a em diversos países (em especial aqueles em desenvolvimento). Geralmente,
as empresas compradoras concentram as atividades de marketing, desenvolvimento, distribuiçao ̃ e
6
Figura 1 - Estrutura da Cadeia Produtiva e de Distribuição Têxtil e de Confecção

Fonte: http://www.sinditextilce.org.br/pdf/nic/estudo/SIIT_PALESTRA%203%20ABIT_Estratégias%20
para%20o% 20Fortalecimento%20da%20Cadeia%20Produtiva%20Têxtil.pdf

Note-se que o varejo, a grande marca que detém o poder de comando sobre a cadeia,
está localizada justamente no segmento de distribuição do produto. Por sua vez, o trabalho
escravo imigrante latino americano verificado nos grandes centros urbanos e objeto deste
trabalho está inserido no segmento de confecção (item “iii” acima).
Destaque-se que as marcas não fabricam as próprias peças de roupa, nem contratam
diretamente a mão de obra necessária para confeccionar suas coleções. Para reduzir os custos,
contratam oficinas, de porte muito menor, para produzir as roupas, terceirizando o processo
produtivo.
É importante frisar que o critério principal para a escolha das oficinas é o preço – isto
é, aquela oficina que apresentar os custos mais baixos será a contratada para fabricar
determinada coleção.
É por isso que a utilização da mão de obra escrava ocorre justamente nessas oficinas
terceirizadas ou quarteirizadas: fortemente pressionadas a baixarem os custos, as oficinas
recorrem a mão de obra informal e barata e/ou contratam outra confecção, quarteirizando o

comercialização de produtos. Fonte: http://www2.dbd.puc-rio.br/pergamum/tesesabertas/07212


65_2011_cap_2.pdf (último acesso em 21/05/2016, 17:14).
7
processo produtivo. Com a pressão para baixar custos, as oficinas remuneram os trabalhadores
com base na produtividade: os trabalhadores recebem valores baixíssimos por peça, sendo
pressionados a realizar jornadas exaustivas para receber qualquer valor significativo, e
executando sempre uma única função.
Assim, a busca por baixos preços leva a salários abaixo do salário mínimo nacional,
bem como a condições de trabalho precárias: as oficinas cortam gastos com segurança do
trabalhador, alojamento e comida, obrigando os trabalhadores a dormirem, a viverem dentro
das oficinas, em condições degradantes, como falta de higiene, superlotação, dentre outras.
Nessas condições, as oficinas optam por explorar o trabalho de grupos imigrantes, pois,
por sua vulnerabilidade socioeconômica, esses grupos são mais facilmente submetidos a
condições de trabalho degradantes e a grandes pressões por produtividade.

5. Fast fashion e a produção orientada pelo consumo


Fast fashion, traduzido como moda rápida, “é o termo utilizado por marcas que
possuem uma política de produção rápida e contínua de suas peças, trocando as coleções
semanalmente, ou até diariamente, levando ao consumidor as últimas tendências da moda em
tempo recorde e com preços acessíveis. O conceito foi criado na Europa por grandes varejistas,
como H&M, Zara e Top Shop. No Brasil, grandes redes de varejo, como a C&A, a Renner e a
Riachuelo, aderiram à tendência” 10.
Na moda “tradicional”, uma marca apresenta sua coleção, para então o consumidor
escolher quais produtos comprar. No caso do fast fashion, quem escolhe o que fica ou o que
sai das araras são os próprios consumidores. As peças são desenvolvidas de acordo com os
desejos do mercado, ou seja, só é fabricado aquilo que vende. Dessa forma, o consumidor
participa, de certo modo, do desenvolvimento da produção.
Além da orientação para o mercado, as empresas fast fashion têm também sua
orientação voltada à produção, buscando alta produtividade, baixos custos e distribuição em
massa. Na busca pela alta produtividade e distribuição em massa, uma característica
importante do fast fashion é a flexibilização na produção.
Segundo Sennet, “o ingrediente de mais forte sabor nesse novo processo produtivo
[flexível] é a disposição de deixar que as mutantes demandas do mundo externo determinem a

10
Definição de fast fashion retirada do site revide.com.br (último acesso em 21/05/2016, 17:14).
8
estrutura interna das instituições”11. É nesse sentido, orientadas para a flexibilidade, que se
comportam as empresas da indústria têxtil e de confecção: as empresas, adaptando-se às forças
da demanda do mercado, têm redefinido as suas estruturas de produção, com o objetivo
colocar, cada vez mais rapidamente, produtos mais variados no mercado, por meio da
estratégia de inovação permanente, orienta sua produção exatamente para o que o consumidor
deseja comprar.

5.1. Consumismo
Na sociedade atual, o sentido do ato de consumo deixou de representar o mero ato de
comprar um objeto ou serviço, sendo associado à satisfação de desejos: associam o consumo a
status, felicidade, conforto, bem-estar, dentre outros. Tais características, seduzem o
consumidor a comprar bem mais do que precisa, subentendendo-se que isso lhe trará a plena
satisfação.
José Moura Gonçalves Filho denota que “a compulsão consumista (sempre seguida de
frustração ou decepção) assenta-se na perseguição de bens de consumo como objetos de desejo
ou na perseguição de objetos de desejo como bens de consumo”, apontando que somente a
carência traria satisfação por meio do ato de consumir o objeto. Dessa forma, “[o] objeto de
desejo não é objeto de consumo tanto quanto de fruição”. Ou seja, como os objetos de desejo
não se confundem com objetos de consumo, a compulsão consumista sempre é seguida do
sentimento de frustração e insaciedade. Diante desse sentimento, o consumidor é estimulado a
consumir novos produtos, em um ciclo vicioso: o indivíduo consome em busca do sentimento
de satisfação; contudo, o objeto não traz o sentimento esperado, o que leva indivíduo a
procurar novamente por novos produtos.
O fast fashion utiliza-se desse ciclo vicioso, estimulando o consumo a acompanhar as
tendências de moda, que aparecem e desaparecem em velocidade nunca antes vista. As
tendências, por serem efêmeras, tornam as peças obsoletas em pouco tempo, e o indivíduo é
incentivado a consumir cada vez mais.
Dessa forma, é possível dizer que o fast fashion estimula e incentiva o consumismo,
bem como a moda descartável, que traz um preço oculto tanto para o meio ambiente quanto
para os trabalhadores da cadeia de produção. A democratização das tendências ofertada por
essas empresas (consumida por pessoas de todos os status sociais), trazendo ao consumidor
produtos mais acessíveis e que ao mesmo tempo sejam novidades, fazem o desejo de possuir o

11
SENNETT, Richard. A Corrosão do Caráter. 14a Ed. Rio de Janeiro: Editora Record, 2009. p. 60
9
“novo” prevalecer frente aos momentos de consumo, fazendo com que a consciência
relacionada à proveniência do produto seja deixada de lado.
É possível, dessa forma, associar o consumidor à mão de obra escrava na indústria
têxtil. Embora se localize somente no final da cadeia, é o indivíduo consumindo de forma
exacerbada que move o fast fashion, que por sua vez, utiliza a mão de obra barata e sem
fiscalização para diminuir seus custos, vendendo seus produtos mais baratos e obtendo um
gigantesco lucro.

6. A falta de ética na indústria têxtil e de confecção


Como visto acima, é possível questionar diversas práticas dessa indústria, além do uso
da mão de obra escrava. O documentário “The True Cost” (2015), do diretor Andrew Morgan,
por exemplo, demonstra o custo real de uma peça vendida por um preço incrivelmente barato
em lojas no mundo todo, expondo a disseminada cultura de moda descartável e enfatizando a
dependência do trabalho humano deste tipo de indústria, bem como os problemas do
consumismo, das condições precárias de trabalho e da degradação ambiental.
Além do documentário “True Cost”, outros documentários, reportagens e iniciativas
que abordam este assunto - como o Fashion Revolution12 , Clean Clothes13 e a Factory 4514 -
vêm abrindo espaço para discussões a cerca do desrespeito aos direitos humanos e trabalhistas,
apontando a falta de ética na cadeia de suprimentos como um problema endêmico nas redes de
fast fashion.

6.1. Flávia Aranha: engajamento e ética na produção


“Hoje, vemos o marketing transformando-se mais uma vez, em resposta à nova dinâmica
do meio. Vemos as empresas expandindo seu foco dos produtos para os consumidores, e
para as questões humanas. Marketing 3.0 é a fase na qual as empresas mudam da
abordagem centrada no consumidor para a abordagem centrada no ser humano, e na qual a
lucratividade tem como contrapeso a responsabilidade corporativa”15

Entendendo ser necessária uma abordagem mais humana na indústria têxtil e de


confecção, a designer Flávia Aranha iniciou seu empreendimento em 2009, inovando ao adotar

12
http://fashionrevolution.org
13
http://www.cleanclothes.org
14
http://factory45.co
15
KOTLER, Philip; KARTAJAYA, Hermawan; SETIAWAN, Iwan. Marketing 3.0: as forças que estão definindo
o novo marketing centrado no ser humano. Rio de Janeiro : Elsevier, 2012. p.10
10
uma abordagem sustentável para seu negócio. Seu ateliê16 produz peças de roupa eticamente
corretas, praticando o que chamamos de slow fashion17, isto é, movimento que se contrapõe ao
fast fashion e que defende a criação de peças atemporais, feitas à mão, com tecidos naturais e
duráveis - como algodão, linho e seda - e cores suaves, além da produção em baixa escala e em
locais que funcionam mais como ateliês do que como indústrias.
Note-se que o empreendimento de Flávia Aranha era, a princípio, uma iniciativa
individual, mas foi ampliada na medida em que agregou trabalhadores e consumidores que
concordavam com sua perspectiva de negócios e com a nova ética de trabalho que ela
propunha. Sua ação incluiu o convencimento e a conscientização de seus empregados e
colaboradores, de seus fornecedores, bem como de seus consumidores.
No caso de seus colaboradores, é interessante destacar que Flávia procura capacitá-los
não só em relação às habilidades de costura, mas também para gestão de seus negócios, de
modo a fazê-los compreender e valorizar seus respectivos trabalhos e o tempo gasto com eles.
Diante da sociedade consumista e a realidade de uso de trabalho análogo à escravidão, a
estilista tratou de agir seguindo princípios de justiça e sustentabilidade, que superaram o
campo das ideias, como conteúdo de pensamento, para mover uma ação, para alterar a prática
da indústria têxtil e de confecção.
Para Flávia Aranha, “[a] ética na produção deveria ser um preceito básico, não só para
os envolvidos na cadeia produtiva, mas também para os consumidores finais, que cada vez
mais têm acesso à informação. O engajamento parte daí, da informação e do que cada um
escolhe fazer com ela”18.
Com base nesses princípios, a designer prova, na prática, que é possível criar um
negócio rentável, sustentável, que adote boas práticas de trabalho - com costureiras
oficialmente contratadas pelo regime da CLT -, quebrando com os conceitos estabelecidos, os
automatismos da indústria têxtil e de confecção.

7. Possíveis soluções para o trabalho escravo na cadeia têxtil e de confecção


Diante do exposto neste trabalho até o momento, observamos que a questão do uso de
mão de obra escrava latino americana na cadeia produtiva e de distribuição têxtil e de
confecção requer diversas esferas de análise, uma vez que é preciso entender (i) a estrutura, os

16 Visita ao ateliê da estilista Flávia Aranha descrita no Anexo D


17 Movimento “slow fashion” aprofundado no anexo E
18 Trecho retirado da entrevista concedida por Flávia Aranha ao grupo e está na íntegra no Anexo F
11
componentes e o funcionamento dessa cadeia; (ii) as pressões do mercado consumidor
globalizado, o fast fashion e o consumismo; (iii) a questão socioeconômica do trabalho
escravo (o que inclui seu conceito perante a lei e a sua ocorrência nessa indústria); e (iv) a
vulnerabilidade socioeconômica dos imigrantes e as razões para esses trabalhadores serem
explorados em condições análogas às de escravo.
Consequentemente, entendemos ser necessária a adoção de abordagens multifocais.
Apresentaremos a seguir duas possíveis linhas de atuação para minimizar a questão.

7.1 Modificação da legislação vigente no país


Observe-se que tanto o artigo 149 do Código Penal (já mencionado no item 2) quanto o
artigo 243 da Constituição Federal 19 tratam o tema de forma isolada, isto é, procuram
responsabilizar apenas os agentes diretamente responsáveis – nomeadamente, os donos de
oficina -, mas não os demais agentes envolvidos na cadeia têxtil, como as grandes marcas que
se beneficiam da produção dessas oficinas20.
Por outro lado, a Lei Estadual nº 14.946, de 28 de janeiro de 2013, do Estado de São
Paulo, prevê a cassação da inscrição estadual de quem se beneficiar da mão de obra análoga à
escrava, estipulando que as empresas e pessoas envolvidas serão impedidas de exercer o
mesmo ramo de atividade econômica ou abrir nova firma no setor, durante um período de dez
anos. Trata-se de uma abordagem mais ampla, uma vez que são punidas também as empresas
indiretamente responsáveis pela exploração da mão de obra escrava - incluindo, dessa forma,
grandes marcas que encomendam uma coleção a uma confecção que terceirize o contrato a
uma oficina que utilize mão de obra escrava21.
Em Imaginação Sociológica, Wright Mills já observava que o indivíduo, inserido em
grandes cadeias de produção, realizava uma grande sequência de atos, mas sem saber porquê,

19
“Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais
de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à
reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de
outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 81, de 2014) Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em
decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado
e reverterá a fundo especial com destinação específica, na forma da lei. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 81, de 2014)”
20
Note-se que há outros artigos que tratam indiretamente do tema: o Código Penal pune quem “frustrar, mediante
fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho” (art. 203) e quem alicia trabalhadores dentro
do território nacional (art. 207). Em ambos os casos, porém, o tratamento é penal, prevalecendo a
responsabilidade individual (e não a responsabilidade da pessoa jurídica e da cadeia em que o trabalho escravo é
explorado).
21 A lei paulista inspirou os Estados do Maranhão, Tocantins e Mato Grosso do Sul a promulgar leis semelhantes.
12
nem para quais fins, sem qualquer controle sobre o resultado. Mills destacava que os
indivíduos, inseridos em grandes organizações racionais, tendem a “regular sistematicamente
seus impulsos e suas aspirações, seu modo de vida e de pensamento, em rigorosa concordância
com as ‘regras e regulamentos da organização”. Assim, concluía que “(...) a possibilidade de
razão que tem a maioria dos homens é destruída, à medida em que a racionalidade aumenta e
sua localização, seu controle, passa do indivíduo para a organização em grande escala”22.
Ora, se o controle da produção passa dos indivíduos para as organizações em grande
escala, não faz sentido a lei ignorar justamente as grandes organizações varejistas ao tratar da
questão do trabalho escravo imigrante na cadeia têxtil e de confecção. Considerando que as
oficinas muitas vezes constituem estão fortemente sujeitas às pressões das grandes varejistas
por cortes de custos, parece-nos que é preciso uma abordagem mais ampla, que considerasse
os demais agentes da cadeia de produção que se beneficiam da exploração da mão de obra
escrava, ainda que de maneira indireta.
Para nosso grupo, uma boa solução para a questão da exploração da mão de obra
escrava imigrante no setor têxtil seria, portanto, a adoção de soluções legislativas semelhantes
à Lei Estadual n˚ 14.946/2013 em âmbito nacional23.
Além disso, propomos também a criação de um sistema de fiscalização a nível nacional
que considere a cadeia como um todo: a fiscalização incluiria os procedimentos empregados
pelas grandes varejistas, seus fornecedores, até o nível mais baixo da cadeia - como as oficinas
de costura terceirizadas ou quarteirizadas. Dessa forma, as grandes marcas, empresas
varejistas, seriam obrigadas a apresentar os dados completos de seus fornecedores, sob pena de
multa.
Para arcar com os custos dessa fiscalização, seria possível recorrer a impostos,
arrecadados dos consumidores, incidentes sobre as peças adquiridas.
Se a fiscalização constatasse a utilização de mão de obra escrava na cadeia, aqueles
agentes que se beneficiassem seriam penalizados de forma proporcional ao benefício auferido:
o agente seria submetido a uma multa calculada em função de seu faturamento, tendo de pagar
um valor que poderia variar entre 0,001% a 1% do faturamento anual da empresa, conforme
arbitrado pela autoridade competente, considerando a gravidade das violações constatadas no
caso concreto. Note-se que o prazo para pagamento de multa também deveria ser estabelecido

22MILLS, C. Wrigth. A imaginação sociológica. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar, 1965. p.
185.
23 Lei Estadual n˚ 14.946/2013, reproduzida no Anexo G
13
pela autoridade competente, considerando um intervalo de tempo máximo definido em lei (por
exemplo, a lei ou regulamentação poderia definir um intervalo de 12 a 60 meses).Dessa forma,
por exemplo, se fosse constatado o trabalho escravo em uma oficina quarteirizada por uma
grande varejista, a multa incidiria na grande varejista, no terceirizado e na própria oficina
quarteirizada. Note-se que a penalidade seria estabelecida individualmente, conforme a
responsabilidade de cada empresa, bem como o faturamento de cada agente.
O valor obtido mediante o pagamento das multas seria destinado ao financiamento do
órgão fiscalizador e à realização de campanhas para (i) conscientização da população a
respeito do trabalho escravo; e (ii) campanhas para a integração e assistência aos imigrantes
encontrados nas oficinas, em condições análogas às de escravo.
Além da adoção de penalidades mais severas para a cadeia produtiva como um todo,
consideramos importante a criação, mediante lei, de um certificado de boas práticas
trabalhistas pelo mesmo órgão fiscalizador, certificado este representado por um selo de
qualidade (a exemplo do selo do Procel de economia de energia, que identifica a eficiência
energética de eletrodomésticos e tem certificação pelo Instituto Nacional de Metrologia,
Qualidade e Tecnologia - INMETRO).
O selo seria concedido às empresas que passaram pela fiscalização sem qualquer tipo
de ocorrência, e deveria ser auto - explicativo, além de ser visível na etiqueta da peça de roupa
a ser comprada pelo consumidor24.
Vale ressaltar que o selo aqui proposto não substitui a certificação de fornecedores da
Associaçaõ Brasileira do Varejo Têxtil - ABVTEX, uma vez que esse certificado é voltado
para seus fornecedores e seus subcontratados, com o objetivo de assegurar que estes estão
aptos para participar da cadeia de produção das empresas varejistas signatárias dessa
certificação25.
Note-se que a criação do selo pressupõe a realização de uma campanha de divulgação,
que ajudasse, em um primeiro momento, a informar os consumidores a respeito do selo e,
posteriormente, utilizasse propagandas de lembrança para reforçar a ideia na cultura da
população em geral. A campanha ensinaria o consumidor a procurar pelo selo nas peças que
fosse comprar, para estimular uma mudança no comportamento de consumo dos indivíduos.
A campanha poderia contar com parcerias com celebridades a favor da causa, bem
como com a cooperação de órgãos governamentais a nível tanto municipal quanto estadual e

24
Nosso grupo elaborou um exemplo de selo no Anexo J.
25 http://www.abvtex.org.br/arquivos/regulamento_0914.pdf (último acesso em 21/05/2016, 17:14).
14
nacional. Assim, propagandas sobre o selo de qualidade seriam veiculadas nas páginas de
órgãos públicos e/ou de celebridades em redes sociais, em monitores de ônibus, estações de
metrô e trem e nos próprios veículos.
Seria importante que tais iniciativas fossem também realizadas em universidades e em
eventos relacionados a moda, conscientizando as próprias pessoas que serão parte ou já fazem
parte da indústria.
Nos cursos relacionados a gestão e a moda, por exemplo, seria de suma importância
abordar os processos da indústria e a mão de obra utilizada por ela, aproximando os alunos das
condições em que os trabalhadores são submetidos e a realidade do mercado. Tal iniciativa
seria uma forma de conscientizar agentes e profissionais com poder transformador na
indústria.
Nesse sentido, Flávia Aranha entende que a conscientização das próprias pessoas que
fazem parte da indústria (ou que virão a fazer parte) é fundamental para gerar mudança: “essa
geração nova, que está se formando agora, já está com uma cabeça melhor, mas a faculdade
precisaria ter um programa melhor sobre isso, lidar mais com a realidade, olhar mais para o
Brasil”.
Empresas que se comprometessem com tais campanhas, contribuindo monetariamente,
poderiam receber incentivos fiscais do governo, como, por exemplo, isenção de imposto de
renda, proporcionalmente calculado segundo a doação.
Destaque-se que essas campanhas não envolveriam somente a divulgação do selo e a
conscientização da população, mas também poderiam conter iniciativas relacionadas à
assistência do imigrante envolvido com o trabalho escravo.
Tais iniciativas poderiam ser realizadas em parceria com entidades não
governamentais, da sociedade civil. Assim, entidades como a Alinha e a Aliança
Empreendedora poderiam contribuir.
A exemplo do que já pratica Flávia Aranha, a assistência aos imigrantes em condições
análogas ao trabalho escravo poderia ser realizada de forma a (i) gerar a consciência do valor
do próprio trabalho e do tempo gasto para realizá-lo; e (ii) agregar conhecimento de gestão e
técnica para confecção de roupas com maior valor agregado visto que, nas oficinas, os
imigrantes são condicionados a desempenhar uma única função dentre tantas necessárias para
construção da peça final. A ideia seria ensiná-los a confeccionar uma peça de roupa completa,
do começo ao fim).

15
Flávia Aranha aponta que esse tipo de assistência contribui para que costureiras tenham
autonomia e possam ter suas próprias produções e clientes: “o conhecimento que elas tem faz
com que elas sejam independentes e que elas não se submetam a nenhum tipo de condição que
não seja favorável a elas” (conforme relato fornecido durante a vista ao seu ateliê e loja).
Vale observar, por fim, que as campanhas aqui mencionadas poderiam contar com a
participação voluntária de estudantes de quaisquer cursos, bem como de outros interessados
em combater o uso de mão de obra escrava no País.

7.2 Uma nova ética de consumo e produção


Conforme já exposto, a estrutura da cadeia produtiva e de distribuição têxtil e de
confecção é orientada pelo comportamento de seus consumidores. Assim, para desestimular o
uso de mão de obra escrava imigrante, é preciso tanto alterar a estrutura dessa cadeia quanto
modificar o modo que os indivíduos consomem seus produtos.
Além de penalidades e campanhas governamentais, entendemos ser necessário
promover, concomitante, (i) a produção responsável e (ii) o consumo responsável,
transformando o ato de consumir em um ato de cidadania tanto por parte do consumidor
quando dos agentes envolvidos na cadeia de produção e distribuição dessa indústria.
26
Quanto à produção responsável, Ademir Antonio Ferreira aponta que o
comportamento ético influencia o grau de confiança nas corporações por parte dos
trabalhadores, do público, dos investidores - enfim, dos stakeholders em geral. Um
comportamento antiético pode resultar na perda dessa confiança e, consequentemente, em
grandes prejuízos para as empresas envolvidas. No caso da Zara, por exemplo, após as
denúncias de utilização de trabalho escravo em 2011, a marca tornou-se um exemplo negativo.
Na época, o escândalo se refletiu rapidamente no preço das ações de sua controladora, a
Inditex, e gerou questionamentos sobre uma possível queda no seu marketshare.
Assim, para conquistar a confiança dos stakeholders, as empresas poderiam adotar uma
postura mais pró-ativa, adotando medidas para tornar sua cadeias mais transparentes e
oferecendo informações acessíveis aos seus consumidores e stakeholders. Além disso,
empreendedores interessados em criar e investir em negócios eticamente corretos (como no
caso da Flávia Aranha) poderiam educar seus próprios consumidores por meio de propagandas

26 LUSSIER, Robert N.; REIS, Ana Carla Fonseca; FERREIRA, Ademir Antonio. Fundamentos de
Administração. 4a Ed. São Paulo: Cengage Learning, 2010.
16
e ações de conscientização, o que ajudaria a associar sua imagem a práticas éticas, bem como
reforçaria a posição da empresa nesse nicho.
Nesse sentido, esclareceu Flávia Aranha (diante da pergunta sobre conseguir clientes
após educá-los sobre o processo de produção de seu ateliê): “Sei que tem clientes que, às
vezes, entraram pela vitrine e entraram aqui, mas se encantaram muito mais quando eles viram
como é feito. [...] Quando ela tem essa consciência de ‘nossa, tem um ateliê, quantas pessoas
estão trabalhando lá, tem panela [para o tingimento]’, mesmo que pra gente seja muito óbvio
porque trabalhamos com isso faz muito tempo, muitos clientes não tem noção. [...] Com esse
contexto, as pessoas acabam valorizando mais”.
Diante do exposto até o momento, para conquistar a confiança de seus stakeholders e,
também, para conquistar clientes, as empresas poderiam fornecer mais informações sobre seu
processo produtivo e estimular o uso de ferramentas que também ajudassem o consumidor a
escolher melhor os produtos, adotando iniciativas como, por exemplo, (i) o aplicativo
“Fabricado no Brasil”, oferecido pela ZARA27, e (ii) o aplicativo “Moda livre”, criado pela
ONG Repórter Brasil28.
Note-se que tais iniciativas, além de conquistarem maior confiança por parte dos
stakeholders, são ferramentas que estimulam o consumo responsável, porque promovem a
conscientização dos consumidores, de modo prático, fácil e acessível.
Nosso grupo entende que tais ferramentas poderiam ser expandidas, englobando mais
empresas e assim permitindo uma visão geral do consumidor das opções de mercado.
Adicionalmente, no caso de aplicativos como o da Zara, vale destacar que tais
ferramentas deveriam ser amplamente divulgadas, para que o consumir saiba como utilizá-las
e associe práticas éticas à marca. Para tanto, valeriam parcerias com celebridades, campanhas
de divulgação na página da marca nas redes sociais, propagandas em rádios, televisão, etc.
(conforme a disposição da marca em gastar com tais campanhas).
No caso de aplicativos como o Moda Livre, as informações fornecidas pelas empresas
deveriam ser corroboradas pelo governo (aliando-se por exemplo com o órgão mencionado na
primeira parte da solução e suas fiscalizações), para que o consumidor não receba informações
erradas e a iniciativa não corra o risco de ser desacreditada.
Por fim, além de iniciativas deão produção responsável, o modo de consumo também
precisa ser alterado, como destacou Flávia Aranha, durante a nossa visita ao ateliê: “o mercado

27 Mais sobre o aplicativo “Fabricado no Brasil” no Anexo H


28 Mais sobre o aplicativo “Moda Livre” no anexo I
17
tem que se mexer para consumir menos. Isso é inevitável em todas as áreas. [...] A gente tem
que consumir melhor e menor quantidade”.
Ou seja, consumir menos, adquirindo uma roupa de melhor qualidade, que dure mais
dentro do guarda-roupa, como foi mencionado pela estilista, poderia resultar numa menor
pressão por baixos custos, e reduzir o uso de mão de obra mal remunerada.

8. Considerações finais
Neste trabalho, buscamos desenvolver, em primeiro lugar, a problemática envolvendo
o trabalho escravo, para, depois, elaborar possíveis linhas de atuação para solucionar, ou,
melhor dizendo, minimizar a questão.
É importante ressaltar que, conforme exposto neste trabalho, a questão do trabalho
escravo é questão pública de nossa estrutura social, na medida em que tal problema depende
vários ambientes de pequena escala, que se confundem e se interpenetram; isto é, a existência
do trabalho escravo envolve diversas esferas, dependendo de nossa estrutura econômica e
social, de nossa cultura de consumo e de produção, bem como a da configuração de nossas
instituições. É por isso que qualquer solução que tenha a pretensão de ser absoluta deveria
provocar alterações profundas em todas essas esferas.
Por essa razão, nossas soluções tomaram o viés mais abrangente possível, considerando
a complexidade dos fatores que contribuem para a existência do trabalho escravo em nossa
sociedade. Buscamos uma solução legislativa com o objetivo de alterar a configuração de
nossas instituições, adotando penalidades para estimular mudanças no modo de produção
dessa indústria.
Além dessas mudanças estimuladas, principalmente, por nossas instituições, buscamos
apontar a vantagens de iniciativas voluntárias por parte das empresas do setor, demonstrando,
a partir do exemplo de Flávia Aranha, que tais iniciativas são possíveis, mais do que isso,
viáveis.
Em paralelo às iniciativas para promover mudanças em nosso modo de produção, as
campanhas de conscientização sugeridas foram sugeridas por nosso grupo justamente para
aproximar os consumidores da realidade dos imigrantes que trabalham em condições análogas
às de escravo, estimulando uma cultura de consumo consciente, em contraposição ao fast
fashion e o consumismo, que reinam nos dias atuais.

18
Por fim, consideramos também a situação do trabalhador imigrante em condições
análogas de escravo, e tentamos delinear uma solução de empoderamento desses grupos,
mediante (i) sua capacitação em termos de habilidades técnicas de costura, para ensinar o
trabalhador a realizar peças completas (ou seja, o trabalhador saberá fazer tudo, e não somente
a parte definida pela cadeia de produção); (ii) a demonstração do valor do próprio trabalho e
do tempo gasto para realizá-lo; e (ii) o ensino técnicas de gestão, para que o trabalhador
consiga atuar de forma mais independente da cadeia produtiva.

19
Anexo A - Artigo 140 do Código Penal Brasileiro
CP - Decreto Lei nº 2.848 de 07 de Dezembro de 1940

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos
forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer
restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o
empregador ou preposto: (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
(Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

§ 1o Nas mesmas penas incorre quem: (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

I - cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo
no local de trabalho; (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos


pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. (Incluído pela Lei nº
10.803, de 11.12.2003)

§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: (Incluído pela Lei nº 10.803, de


11.12.2003)

I - contra criança ou adolescente; (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

II - por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. (Incluído pela Lei nº
10.803, de 11.12.2003)

20
Anexo B - Fiscalização flagra exploração de trabalho escravo na confecção de roupas da
Renner
Por Igor Ojeda | 28/11/14

Costureiros bolivianos viviam sob condições degradantes em alojamentos, cumpriam jornadas


exaustivas e estavam submetidos à servidão por dívida em oficina terceirizada na periferia de
São Paulo (SP)

São Paulo – A Renner, rede varejista de roupas presente em todo o Brasil, foi
responsabilizada por autoridades trabalhistas pela exploração de 37 costureiros bolivianos em
regime de escravidão contemporânea em uma oficina de costura terceirizada localizada na
periferia de São Paulo (SP).

Os trabalhadores viviam sob condições degradantes em alojamentos, cumpriam


jornadas exaustivas e parte deles estava submetida à servidão por dívida. Tais condições
constam no artigo 149 do Código Penal Brasileiro como suficientes – mesmo que isoladas –
para se configurar o crime de utilização de trabalho escravo.

A fiscalização, realizada entre outubro e novembro, foi comandada pela


Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE/SP) e contou com a
participação do Ministério Público do Trabalho e da Defensoria Pública da União.

Os auditores fiscais à frente do caso consideram a Renner responsável pela redução dos
trabalhadores a condições análogas a de escravos por entenderem que a empresa detém o
controle total sobre a produção de roupas na oficina fiscalizada, cujo serviço era intermediado
por duas empresas fornecedoras da rede varejista. “

[...]

“Mesmo que a Renner não tenha encontrado indícios de problemas, no nosso entender
tinha condições, sim, de tomar providências. No mínimo contratar fornecedores que tivessem
condições totais de tocar a produção. A empresa sabia que os fornecedores iriam transferir a
produção para uma camada inferior”, afirma Faria. A confecção terceirizada costurava roupas
para as linhas Cortelle, Blue Steel, Blue Steel Urban e Just Be, todas da Renner. Durante a
operação, foram encontradas um total de 35.019 peças já costuradas ou a costurar, com as
respectivas notas fiscais.

21
Alojamentos degradantes

Após análise de documentação e coleta de depoimentos das vítimas, os auditores


fiscais constataram que a confecção fornecia alojamento e alimentação aos trabalhadores em
troca de um abatimento em seus rendimentos, prática não permitida pela legislação brasileira.
A gerente da oficina chegou a mentir à fiscalização, ao afirmar que os funcionários custeavam
diretamente a comida e a moradia.

A dona da oficina mantinha três alojamentos nas proximidades da confecção. Na


avaliação dos integrantes da fiscalização, o objetivo era exercer o controle total sobre o horário
de trabalho dos costureiros, evitando as demoras nos deslocamentos ao serviço ou nas pausas
para o almoço, e gerar uma relação de dependência deles com os patrões. Foram encontrados
comprovantes de pagamentos dos aluguéis e das contas de luz e água feitos pela proprietária
da oficina e cópias dos contratos de locação em nome de ex-funcionários, mas que estavam em
posse dos gerentes. De acordo com depoimentos das vítimas, a patroa coagia os trabalhadores
a assinarem os acordos.

A reportagem visitou o maior dos alojamentos, um edifício de quatro andares a um


quarteirão da oficina. No térreo, uma placa indica que ali funciona um templo evangélico. Os
mais de 20 trabalhadores e trabalhadoras, alguns com seus filhos, se apertam nos três
pavimentos superiores, espalhados por diminutos dormitórios formados por divisórias de
madeira, sob completa falta de higiene e privacidade, risco de incêndio e explosão de botijões
de gás, e alimentos armazenados em locais impróprios e cheios de insetos. [...]

Em um dos espaços, um fogão e um botijão de gás funciona ao lado de um vaso


sanitário. Os vários botijões instalados no prédio, aliás, representam risco de explosão, pois
estão acomodados em locais fechados e com pouca ventilação. O lixo não é condicionado em
recipientes com tampa, causando mau cheiro e atraindo insetos. Os banheiros são coletivos e
se encontram em más condições de higiene. E as paredes apresentam grande quantidade de
mofo e infiltrações.

Os alimentos são armazenados de forma precária: no chão ou sobre móveis, sem


vedação, e, inclusive, no interior de dormitórios. Foram encontrados também produtos
vencidos ou à temperatura ambiente quando deveriam ser refrigerados. Para piorar, estavam
expostos à contaminação, por conta da grande quantidade de baratas existentes, inclusive,

22
dentro de geladeiras. Os integrantes da fiscalização apontaram, ainda, que a alimentação era
muito pobre em nutrientes: eram fornecidos apenas arroz, feijão, salsicha e verduras. Em
depoimentos, muitos trabalhadores reclamaram da qualidade da comida oferecida.

Na visita à oficina, também acompanhada pela reportagem, a fiscalização constatou a


falta de aterramento elétrico das máquinas de costura, instalações elétricas improvisadas,
causando riscos de incêndio, e iluminação precária nos banheiros. Além disso, não havia
proteção das partes móveis das máquinas; os trabalhadores costuravam próximos de polias e
correias, correndo o risco de amputação de membros.

Jornada exaustiva, servidão por dívida e tráfico de pessoas

Os 37 trabalhadores bolivianos cumpriam uma jornada de trabalho exaustiva,


decorrente do ritmo de trabalho imposto pela oficina, que exigia o atendimento rigoroso aos
prazos. Segundo os integrantes da fiscalização, o registro de ponto, que apontava uma média
de oito horas diárias de trabalho, era fraudado. Na realidade, em geral as vítimas entravam às 7
horas e saíam às 21 horas, com intervalo para almoço. Aos sábados, o expediente era das 7
horas às 12 horas. “Há ainda relatos de trabalhadores laborando desde às 6h30min até a meia-
noite, e relatos de trabalhos aos sábados em horário estendido e aos domingos e feriados”, diz
o relatório da SRTE/SP. Embora a oficina tenha afirmado que pagava salários mensais e fixos
aos seus costureiros e estes assinassem holerites, as autoridades trabalhistas apuraram que na
verdade eles recebiam por produção. Os valores por peça variavam de R$ 0,30 as mais simples
a R$ 1,80 as mais elaboradas.

Os integrantes da equipe de fiscalização concluíram também, após extensa análise de


documentação e tomada de depoimentos dos trabalhadores, que estes foram vítimas, além de
redução a condições análogas à escravidão, de aliciamento em seu país de origem. “O
aliciamento ocorreu com traços de logro, simulação, fraude e outros artifícios para atrair e
manter os trabalhadores em atividade na oficina de costura fiscalizada, movimentar mão de
obra de um lugar para o outro na América do Sul, com o objetivo único de lucro, conseguido
em cima do engano do trabalhador e de sua utilização como mão de obra similar à de escravos,
em alguma parte do ciclo produtivo da empresa autuada”, diz o relatório da SRTE/SP.

De acordo com os auditores-fiscais, por ficar caracterizado o alojamento e acolhimento


de trabalhadores explorados em regime de escravidão contemporânea, “conclui-se também

23
pela ocorrência de tráfico de pessoas para fins de exploração de trabalho em condição análoga
à de escravo”. Além disso, pelo fato de tanto a moradia quanto a alimentação serem fornecidas
diretamente pela oficina e custeadas pelos funcionários por meio de sua produção, fica
caracterizada a prática de servidão por dívida. Além do sistema conhecido como “terça parte”,
foram encontrados recibos de salários e vales “que demonstram o desconto indevido de taxas
cobradas aos seus empregados, retenção de salários e até casos em que a dívida ultrapassa os
ganhos dos trabalhadores”.

Para relato na íntegra acesse:

http://reporterbrasil.org.br/2014/11/fiscalizacao-flagra-exploracao-de-trabalho-escravo-
na-confeccao-de-roupas-da-renner/

24
Anexo C - De La Paz para São Paulo, a história de exploração de uma vítima do tráfico
de pessoas
Por Bianca Pyl | 27/07/12

Boliviano resgatado conta à Repórter Brasil em detalhes como, frente a dificuldades


financeiras, foi parar em uma oficina de costura clandestina no Brasil

Ronaldo* trabalha desde os 14 anos. Com esta idade, ele fugiu de casa e da violência
do padrasto. Desde então, mantém pouco contato com os quatro irmãos e o restante da família.
“Fui embora com a roupa do corpo, sem documento, sem roupa, sem nada”.

No seu último emprego, em La Paz, na Bolívia, ele recebia como garçom em uma
pensão, onde vivia, pouco mais de R$ 130 por mês (ou 460 bolivianos, a moeda local). Foi lá
que recebeu um convite para trabalhar no Brasil.

Ele foi um dos trabalhadores libertados de condições análogas às de escravos na última


fiscalização realizada pela Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo
(SRTE/SP). Ele costurava para a marca Talita Kume.

Ronaldo foi libertado, mas ao contrário de todos os outros costureiros, não compareceu
ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) no dia seguinte ao resgate, fato que intrigou a
equipe de fiscalização. Ele se apresentou somente quando a empresa autuada assinou a
Carteira de Trabalho e da Previdência Social (CTPS) e se dispôs a pagar as verbas rescisórias,
uma semana depois. Na hora de preencher as Guias do Seguro Desemprego, ao ser
questionado sobre sua idade, ele abriu o jogo: “não tenho documentos”.

[...]

Tráfico de pessoas

[...]

Na sede do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, da Secretaria da Justiça e


da Defesa da Cidadania, ele contou que o homem que o trouxe ao Brasil que o orientou a
utilizar documento de outra pessoa para entrar no país. O coiote, contou, ofereceu trabalho em
uma segunda-feira de janeiro de 2011 e na quinta-feira da mesma semana o levou ao Brasil.

25
Atraído por promessas de ótimo trabalho e boas condições de moradia, o trabalhador
viu-se com duas opções logo ao chegar: pagar pela viagem ou trabalhar durante um ano para o
coiote sem receber nada e com a condição de não procurar emprego em outro local. Sem
nenhum dinheiro, acabou se submetendo às restrições impostas. As condições flagradas pela
fiscalização no último dia 19 de junho não são muito diferentes das que Ronaldo, com 18 anos
recém completos, viveu em diferentes oficinas de costura durante um ano e seis meses, período
em que está no Brasil.

A possibilidade de conseguir trabalho em outro país é uma chance de mudar de vida e,


quem proporciona isso, mesmo que de forma ilegal, é visto com gratidão. Muitos dos
trabalhadores tornam-se fiéis aos donos de oficinas que financiam a entrada no Brasil. [...]

Rota

Ronaldo foi de ônibus de La Paz para CochaBamba, de lá seguiu para Santa Cruz de La
Sierra, passou por Puerto Quijaro, de onde seguiu para Corumbá, no Mato Grosso Sul, e
finalmente para São Paulo. Quando estava na fila da fronteira entre Brasil e Bolívia, o coiote
entregou para Ronaldo um documento, sem dizer nada. “Eu não entendi, não sabia como ia
conseguir passar, só mostrei para polícia e passei”. Assim que cruzou a fronteira, o documento
foi tirado de Ronaldo. Trata-se da identidade de outra pessoa.

A condição de imigrante sem documento é um elemento determinante nesta relação


entre patrão e empregado – relação de dependência e coerção. O trabalhador torna-se
vulnerável à exploração. O medo de ser deportado ou até mesmo preso pelas autoridades
brasileiras é constante e usado pelo empregador como forma de coerção. Contudo, a falta de
informação é que mantém esta relação, já que o Brasil possui Acordo de Livre Residência com
o Mercosul, decretos 6.964 e 6.975 de 2009.

De acordo com Marina Novaes, advogada do Centro de Apoio ao Migrante (Cami), o


imigrante consegue um registro de estrangeiro provisório, válido por dois anos, caso não tenha
cometido nenhum crime no país de origem ou destino. “Estar sem documento em outro país é
considerado uma infração administrativa e não um crime, nenhum ser humano é ilegal”,
explica Marina.

[...]

26
Ameaça de morte

Ronaldo entende bem português, mas não fala fluentemente. Ele contou em detalhes
seus primeiros dias aqui no Brasil [...]. O coiote que o trouxe para o Brasil tinha uma oficina
na Vila Guilherme, Zona Norte de São Paulo. No local, ele aprendeu a costurar, ensinado pelo
próprio dono da oficina. Ronaldo costurava retalhos o dia todo, das 7 às 23 horas e, segundo
relatou, não saia da oficina para nada. Os dias foram passando e o dono da oficina começou a
ficar mais exigente e a cobrar mais velocidade. “Ele ficou mais rígido”, resumiu.

Duas semanas depois de chegar a São Paulo, Ronaldo teve uma dor de dente e
conseguiu emprestado com uma costureira R$ 3 para comprar remédio. Ele saiu em busca de
uma farmácia, mas acabou se perdendo. “Fiquei das 7 da manhã até as 2 da tarde rodando,
rodando e não achei o caminho. Não sabia pedir ajuda”. Ronaldo pediu ajuda para o primeiro
boliviano que encontrou na rua. Por sorte, o compatriota também estava procurando trabalho.
“Ele não estava recebendo nada pelo trabalho e decidiu ir embora. Foi a minha sorte. Saímos
em busca de uma oficina para costurar”.

Os dois encontraram trabalho em uma oficina em Guarulhos, mas a situação era pior. A
dona da oficina exigia muito e ele trabalhava até de madrugada cortando tecidos para fazer
edredom. “Eu ficava doente por causa do pó do tecido”, relatou. O local era mais úmido e ele
sentia muitas dores nas costas, conta exibindo a nuca e a lombar. “A comida também era muito
ruim”. O pagamento pelo trabalho não era por produção, ele ganhava de R$ 250 a R$ 450 por
mês, mesmo tendo trabalhado até de madrugada todos os dias. Ronaldo permaneceu
trabalhando na oficina do final de janeiro até maio, quando não aguentou mais a situação e
saiu. Ele conseguiu outro trabalho, desta vez, próximo ao metrô Armênia, linha 1-azul do
metrô de São Paulo. Mas a situação era mais grave: os trabalhadores recebiam ameaças o
tempo todo no local. “O dono ameaçava de bater na gente e não pagava”. Depois de trabalhar
um mês na oficina, ele decidiu cobrar pelo trabalho e foi ameaçado de morte.

Reencontro com o coiote

Mais uma vez Ronaldo viu-se sem saída. “Eu decidi ir na Feira da Kantuta, conseguir
outro trabalho”, disse, olhando fixo para quem o ouvia. Mas em vez de um emprego, Ronaldo
acabou reencontrando o coiote que o trouxe para o Brasil e que cobrou a dívida de R$ 450 da
viagem. “Eu não tinha dinheiro, então consegui outro emprego e pedi para meu novo patrão

27
pagar esta dívida para mim”, assim mais uma vez o jovem viu-se preso a uma dívida que o
obrigaria a trabalhar sem receber nada.

Desta vez o patrão tornou-se um amigo. “Ele era muito bom comigo, só saí de lá
porque não tinha mais trabalho”. Ronaldo ficou nove meses no local, mas teve que sair, pois
não havia mais encomendas. Em outra oficina permaneceu por um mês e recebeu R$ 100 pelo
serviço. Foi então que acabou na oficina onde foi libertado de condições análogas às de
escravos no último dia 19 de junho.

Depois de conceder este depoimento, ele retornou para casa onde funcionava a oficina
em que foi resgatado. De lá, foi embora sem dizer para onde ia. Não registrou nenhum Boletim
de Ocorrência para que os crimes denunciados (tráfico de migrantes e trabalho análogo ao de
escravos) fossem apurados. Desta vez pelo menos, Ronaldo saiu com um documento, a carteira
de trabalho provisória, além das verbas rescisórias.

Ele declarou que não pretende voltar para a Bolívia.

*Nome fictício para proteger a identidade da vítima

**Matéria atualizada para corrigir informações na tarde desta quarta-feira, 31 de julho.


Corumbá fica em Mato Grosso do Sul e não no Mato Grosso, como colocado anteriormente.

Para relato na íntegra, acesse:

http://reporterbrasil.org.br/2012/07/de-la-paz-para-sao-paulo-a-historia-de-exploracao-
de-uma-vitima-do-trafico-de-pessoas/

28
Anexo D - Visita ao ateliê e à loja
O grupo com o objetivo de absorver o maior número de informações sobre o trabalho realizado
pela estilista Flávia Aranha visitou seu ateliê e loja, no dia 03/06/2016, ambos localizados no
bairro Vila Madalena, zona oeste de São Paulo (SP). A visita iniciou-se na loja, onde foi
possível fotografar as peças da estilista enquanto ela concedia mais informações sobre sua
produção.

I – Peças de roupa disponíveis loja localizada na Vila Madalena

II - Uma das araras das peças disponíveis na loja localizada na Vila Mariana

29
Flávia explicou que sua produção é feita, iniciando pela matéria prima, que vêm de
outras cidades e até de outras regiões do Brasil, adquiridas tanto de comunidades de artesãos,
como de indústrias. As embalagens, por exemplo, são confeccionadas por um grupo de São
Bernardo composto por mulheres, o projeto social Retece. Outro exemplo é o Vale do Urucuia
(MG), onde o processo de costura local é muito simples, mas, por outro lado, há uma cadeia
produtiva (desde o plantio do algodão até a tecelagem) muito sofisticada.

Sua produção acontece, em parte, no seu ateliê (localizado atrás da loja), com as
costureiras contratadas pelo regime de CLT. A outra parte das peças é confeccionada por uma
rede de costureiras, muitas de regiões periféricas, mas com alta capacidade técnica, para as
quais é oferecido todo o auxílio para adaptar-se ao regime de “home office”, facilitando a
conciliação da vida pessoal com a profissional. Note-se que essas costureiras que trabalham
fora do ateliê costuram as peças do começo ao fim, embora já vá cortada em moldes.

“A gente tem muito essa preocupação de não terceirizar e de não mandar para grandes
confecções, porque a gente acha que é muito importante o artesão, para ele ser valorizado, ele
ter autonomia e conhecimento de como ele faz uma roupa do começo ao fim. [...] A nossa
ideia é que essa rede de costureiras que a gente construiu, que elas tenham esse conhecimento,
essa autonomia, porque elas não dependem também só da gente”, contou Flávia Aranha.

Flávia destacou que também é de suma importância entender a realidade e a tradição do


local em que vivem as pessoas que disponibilizam as matérias primas e participam da
confecção das peças, a fim de desenvolver o tipo de trabalho mais adequado para o lugar,
incentivando o crescimento pessoal ou da comunidade, com consciência dos seus pontos fortes
e de seu potencial produtivo, e buscando também aperfeiçoar processos para conseguir, por
vezes, um preço mais atrativo.

Justamente por tentar entender as realidades locais, Flávia cria uma relação de
proximidade com seus colabores, procurando sempre uma relação de benefício mútuo. A
designer observa que essa ética de trabalho, mesmo que mais cara e mais demorada, surte
efeito, inclusive, no modo como o valor do trabalho e do tempo são percebidos pelos artesãos.

Nesse sentido de valorização do trabalhador, Flávia Aranha e sua equipe estimulam a


formalização do trabalho de seus colaboradores autônomos, integrando essas pessoas à rede
bancária ou ajudando a obter o cadastro de Microempreendedor Individual (MEI). Note-se que

30
essa iniciativa passa também por instituições como o Serviço Brasileiro de Apoio às Micros e
Pequenas Empresas (SEBRAE).

Ao passarmos para o ateliê propriamente dito, tivemos oportunidade de presenciar


etapas da cadeia produtiva que ocorrem no lugar, como, por exemplo, o recorte de moldes, os
tecidos a serem utilizados e o trabalho das costureiras do ateliê.

III - Recorte dos moldes das peças para costura

IV – Tecidos e linhas a serem usados na confecção das peças

V – Costureira do ateliê
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Flávia mencionou, durante essa parte da visita, o imediatismo do consumo e falta de
consciência dos consumidores do processo produtivo de uma peça, que vai desde o plantio do
algodão, por exemplo, até a distribuição na loja. Atentando-se, novamente, para a importância
da informação e na comunicação para os diversos tipos de pessoas e contextos de vida. “Falar
sobre isso já é alguma coisa, porque às vezes é isso: você está numa cidade que ninguém nunca
falou sobre isso [trabalho escravo e problemas da indústria têxtil], então você nem pensa. [...]
É o jeito de fomentar discussões e chegar a soluções” nos contou a estilista.

Posteriormente, acompanhamos o processo de tingimento das peças, em panela


fervente, com tanino, material retirado de casca de árvores e que dá a cor marrom para as
peças. E em seguida, vimos a secagem das roupas.

VI – Peças passando pelo processo de tingimento

VII – Tingimento com altas temperaturas em 100% de tanino


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VII – Peças passando pelo processo de secagem pós tingimento

Voltando a loja, Flávia mencionou acreditar que “nunca vai conseguir produzir uma
camiseta, que seja a mais básica, por 19 reais pra uma empresa ter lucro. Isso nunca. Porque
temos que abrir os custos, o tempo do trabalho, desde o plantio e são tanto processos, que é
inviável alguém dizer que ela está sendo justa, sendo que metade desses 19 reais é lucro da
empresa”. E acrescenta “que a maior tecnologia, a maior eficiência não chega nisso. Então a
gente não tem a pretensão de chegar nesse custo”.

Ao final, Flávia contou como seus sapatos e bolsas são produzidos. No caso do
primeiro, são produzidos manualmente por um artesão do Tatuapé. O processo é feito
integralmente por esse artesão, desde o corte do molde, com uma forma de madeira, até a
costura. As bolsas, por sua vez, são feitas por outro artesão, que possui um ateliê em casa, a
exemplo das costureiras.

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Anexo E - Slow Fashion: consumo consciente e responsável
Na contramão do fast fashion, temos o movimento slow fashion. O movimento, criado
pela inglesa Kate Fletcher, consultora e professora de design sustentável do britânico Centre
for Sustainable Fashion (inspirado no movimento Slow Food), pretende mostrar uma
alternativa à produção em massa, uma forma de consumir moda de maneira sustentável e
consciente (retomando a conexão com a maneira em que os produtos são produzidos e
valorizando a diversidade e a riqueza das tradições).

O slow fashion representa todas as coisas “eco”, “ética” e “verdes” em um movimento


unificado. Incentiva a tomada de tempo para garantir uma produção de qualidade, para dar
valor ao produto e contemplar a conexão com o meio ambiente. Emerge, então, como um
modelo de moda sustentável, que incentiva a consciência ética.

Alguns pontos que o movimento slow fashion defende são: (i) a adoção de um olhar
abrangente e holístico, ou seja, reconhecer que os impactos das escolhas dos consumidores
afetam o ambiente e as pessoas, assim como a decisão dos produtores, designers, fabricantes e
varejistas; (ii) a redução do consumo, repudiando a imagem da moda como algo descartável,
bem como a ideia do consumo como uma fonte de superação de frustrações; (iii) a defesa das
ideias de “qualidade sobre quantidade”e “menos é mais”; (iv) a democratização da moda e
diversidade ecológica, social e cultural; (v) a construção de relações de confiança entre
produtores e co-produtores; (vi) valorização da cultura local, por meio da utilização de
materiais e recursos locais sempre que possível; (vii) a opção por peças atemporais por meio
do uso de tecidos de alta qualidade (o que contribui para um maior tempo de uso das roupas); e
(ix) o preço real das roupas – isto é, preços que reflitam seu real custo, considerando o uso de
recursos de forma sustentável, bem como salários justos.

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Anexo F - Entrevista Flávia Aranha
A mãe, psicanalista, e o pai, empresário, criaram Flávia em um ambiente voltado para
arte, desenho, dança e natureza, estimulando o seu lado criativo. Entretanto, foi com a avó
costureira que ela deu os primeiros passos em direção à criação de roupas. Aos 16 estudou
moda no colégio Central Saint Martin, em Londres, mais tarde, no Brasil, se formou pela
Faculdade Santa Marcelina.

Apesar do vínculo com questões ambientais e sociais, Flávia iniciou a carreira na


empresa Ellus, onde adquiriu experiência em gestão comercial e conheceu de perto o efeito da
indústria têxtil nos países subdesenvolvidos, cuja mão de obra é mal remunerada e trabalha em
regimes análogos a escravidão. A partir disso, Flávia resolveu inovar: em 2009 criou a própria
grife que leva seu nome. Mais do que roupas, a estilista entrega valores diferenciados ao
consumidor, sustentando um conceito de “slow fashion” baseado em sustentabilidade e ética
na cadeia produtiva.

A Entrevista com a estilista foi realizada via e-mail, e segue a seguir:

Entrevista recebida 23 de maio de 2016

Tanto como estilista quanto como empreendedora, você inovou na forma de fazer
moda e hoje entrega produtos diferenciados aos seus consumidores. Quando e como esta
ideia surgiu? Qual foi a sua maior dificuldade em colocá-la em prática e torná-la rentável
para todos os envolvidos?

Resposta: De alguma maneira esse ideal sempre esteve presente, mas trabalhar na grande
indústria e conhecer de perto a dura realidade de centros produtivos na China e Índia foi o
estopim. Mas produzir de maneira ética e sustentável em meio a um mercado que muitas vezes
te impõe o contrário exige muito jogo de cintura, sempre.

Você deixou um emprego, considerado como “convencional”, numa marca


brasileira para se engajar num projeto próprio, voltado para uma produção sustentável e
para uma ética trabalhista muito forte. As pessoas do seu convívio, ao ficarem sabendo
do seu projeto, te apoiaram? Principalmente aquelas ligadas ao setor têxtil e colegas de
profissão.

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Resposta: A ideia demorou um pouco para ser aceita. No início, há 7 anos atrás, pouco se
falava sobre moda sustentável e tingimento natural em escala industrial. Mas aos poucos fui
quebrando alguns preceitos, e preconceitos, para hoje me tornar referência no assunto.

Sua proposta de vender roupas que têm toda cadeia produtiva organizada de
forma ética requer muito esforço e demanda cuidado nas suas escolhas. Um exemplo
disso é a pigmentação das roupas: o preto e algumas outras cores são difíceis de alcançar.
Você acha que isto te limita de alguma forma ao criar uma coleção?

Resposta: Mais do que um limite, vejo como um desafio. Criar dentro de alguns moldes exige
um exercício contínuo de criatividade, testando possibilidades que de início parecem barreiras,
mas que com o tempo se mostram caminhos abertos, infinitos em possibilidades. É só uma
forma diferente de olhar as coisas.

A cadeia produtiva envolve muitas pessoas, como estilistas, modelos e artistas


para propaganda e outros agentes pouco citados quanto a responsabilidade no que diz
respeito à ética na produção. Um caso recente é o da cantora Beyoncé, garota
propaganda da marca Ivy Park, que deixou os fãs indignados quando a marca citada foi
denunciada por pagar US$ 6,17 por dia para costureiras no Sri Lanka. Este salário é
quase o triplo do mínimo no país, mas ainda é pouco comprado ao preço médio das peças
de 140 dólares. Você acredita que as pessoas envolvidas na propaganda têm certo grau de
responsabilidade ao ajudar promover, às vezes até em escala global, e vender produtos
que utilizam mão de obra análoga à escrava? E os estilistas? Alguma ação poderia ser
feita para gerar um maior engajamento por parte desses agentes no combate ao trabalho
escravo?

Resposta: Especialmente quando nos referimos às grandes marcas atuantes no modelo fast
fashion, há uma distinção e, muitas vezes, uma distancia enorme entre quem cria a roupa e
quem pensa no marketing e propaganda dessas empresas, que têm de fato uma difusão global.
Em nosso caso, a escala nos permite um controle sobre todas as etapas da cadeia, uma vez que
tudo é feito localmente – ou no ateliê, ou muito próximo. A ética na produção deveria ser um
preceito básico, não só para os envolvidos na cadeia produtiva, mas também para os
consumidores finais, que cada vez mais têm acesso à informação. O engajamento parte daí, da
informação e do que cada um escolhe fazer com ela.

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Na sua visão, há algum avanço quanto a não utilização de trabalho escravo por
parte das grandes empresas de fast fashion no Brasil? Da mesma forma que você produz
de forma ética, seria possível que estas empresas tivessem uma produção consciente e
diminuíssem os custos, tornando os produtos mais acessíveis a população com menor
poder aquisitivo?

Resposta: Esse é um dos grandes paradigmas criados pelo próprio modelo fast fashion. Fazer
roupa custa caro. Comprar roupas, antes desse modelo, custava muito mais. O encantamento
pela variedade a preços baixos é o que sustenta esse sistema. Mas é preciso olhar com atenção
para reais custos de tudo. Encontrar matérias primas de qualidade, que durem mais e não
degradem o meio ambiente em processos extremamente poluentes, remunerar de forma justa
todos os envolvidos na cadeia, valorizar nosso cenário nacional... tudo isso tem um custo
bastante elevado. As externalidades negativas do sistema fast fashion são absurdas, e o que
custa pouco para o consumidor final, acaba custando muito ao meio ambiente e ao outro
extremo da cadeia, que são os trabalhadores da indústria têxtil em geral.

A população, de modo geral, desconhece os problemas relacionados ao fast


fashion. Quais medidas podem ser adotadas que surtiram efeito, resultando numa
mudança do comportamento do consumidor brasileiro?

Resposta: A informação é o meio mais poderoso, sempre. É preciso falar sobre o sistema,
discutindo seus modos de maneira acessível ao grande público. Algumas ações, como o
Fashion Revolution Day, e documentários, como The True Cost, são belos exemplos disso.

O consumidor médio pode não se preocupar tanto com as cadeias produtivas


éticas e sustentáveis. O perfil dos seus consumidores sai da regra ou muitos ainda pensam
apenas no design e na qualidade das peças? No início, você encontrou alguma resistência
por parte deles?

Resposta: Ainda que a maioria de nossas clientes valorize nossos processos e tenha
consciência da cadeia produtiva, o design e a qualidade das peças são essenciais. Não só para
elas, para nós também. Mais que conceito, fazemos e vendemos roupas.

Você considera que o consumo sustentável no setor da moda é ou vai ser uma
tendência cada vez mais forte, contrapondo-se ao modelo fast fashion? Se sim, de que
maneira você acredita que isso ocorrerá? Quais seriam então suas ações para lidar com
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maior demanda, ou mesmo com a entrada de mais concorrentes sustentáveis no
mercado?

Resposta: A busca por peças autorais e de qualidade, em meio à massificação do fast fashion, é
uma tendência, algo que vivenciamos em nosso cotidiano. Dar conta dessa demanda exige um
planejamento preciso e foco constante em nossa missão e valores.

No Brasil, temos a marca de bolsa artesanal Catarina Mina, a qual coloca em


prática conceitos de transparência, expondo todos seus custos e de sustentabilidade,
valorizando orgânicos. Ela propicia também um impacto positivo na vida das artesãs,
adaptando o trabalho para a residência delas, mostrando certo grau de preocupação com
o modelo de trabalho. Há alguma outra iniciativa brasileira que você goste? E no
exterior, existem iniciativas interessantes que você gostaria de ressaltar?

Resposta: A Catarina Mina é um ótimo exemplo em nosso país. Outra marca que gostamos
muito é a gaúcha Insecta Shoes, que produz calçados reutilizando matéria prima de descarte,
como peças de roupa vintage e garrafas pet recicladas. O que diferencia essas marcas no
mercado está além do conceito, porque criam produtos de qualidade, duráveis e bonitos.

Você exporta seus produtos para países europeus e também já participou de


eventos fora do Brasil. A seu ver, a preocupação de consumidores destes países difere
muito de brasileiros ou há pouca diferença entre nosso mercado e o internacional?

Resposta: O mercado de moda sustentável na Europa também é um mercado de nicho, ainda


que mais abrangente que nosso nacional. Os consumidores que buscam por esse tipo de
produto são mais atento à algumas nuances que aqui muitas vezes passam desapercebidas. E
há uma valorização maior dos processos, especialmente se naturais e artesanais como os
aplicados em nossa fabricação.

Há dois eventos o Green Showroom e a Ethical Fashion que promovem conceitos


parecidos com o que você desenvolve. Qual a importância na sua visão desses eventos
para a moda e divulgação de modelos éticos?

Resposta: É preciso unir para transformar. As marcas de slow fashion são minúsculas se
comparadas às do fast fashion, por isso têm um poder de barganha e visibilidade muito
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menores. Mas temos um potencial enorme e aos poucos vamos transformando nosso entorno e
causando alguns tremores no sistema vigente.

Em seu ateliê, suas costureiras são contratadas sob o regime da CLT? Você
considera a CLT uma legislação apropriada para as necessidades do setor têxtil?

Resposta: Todas nossas costureiras, bem como nossos colaboradores, são contratados sob
regime da CLT. É uma forma de garantir seus direitos básicos e produzirmos de maneira mais
justa.

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Anexo G - Lei Estadual n˚ 14.946/2013

LEI Nº 14.946, DE 28 DE JANEIRO DE 2013


(Projeto de lei nº 1034/11, do Deputado Carlos Bezerra - PSDB)
Dispõe sobre a cassação da inscrição no cadastro de contribuintes do Imposto sobre
Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de
Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS, de qualquer empresa
que faça uso direto ou indireto de trabalho escravo ou em condições análogas
O GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO:
Faço saber que a Assembleia Legislativa decreta e eu promulgo a seguinte lei:

Artigo 1º - Além das penas previstas na legislação própria, será cassada a eficácia da inscrição
no cadastro de contribuintes do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias
e sobre prestações de serviços de transporte interestadual intermunicipal e de comunicação
(ICMS) dos estabelecimentos que comercializarem produtos em cuja fabricação tenha havido,
em qualquer de suas etapas de industrialização, condutas que configurem redução de pessoa a
condição análoga à de escravo.

Artigo 2º - O descumprimento do disposto no artigo 1º será apurado na forma estabelecida pela


Secretaria da Fazenda, assegurado o regular procedimento administrativo ao interessado.

Artigo 3º - Esgotada a instância administrativa, o Poder Executivo divulgará, através do Diário


Oficial do Estado, a relação nominal dos estabelecimentos comerciais penalizados com base
no disposto nesta lei, fazendo nela constar, ainda, os respectivos números do Cadastro
Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), endereços de funcionamento e nome completo dos
sócios.

Artigo 4º - A cassação da eficácia da inscrição do cadastro de contribuintes do ICMS, prevista


no artigo 1º, implicará aos sócios, pessoas físicas ou jurídicas, em conjunto ou separadamente,
do estabelecimento penalizado:

I - o impedimento de exercerem o mesmo ramo de atividade, mesmo que em estabelecimento


distinto daquele;

II - a proibição de entrarem com pedido de inscrição de nova empresa, no mesmo ramo de


atividade.

§ 1º - As restrições previstas nos incisos prevalecerão pelo prazo de 10 (dez) anos, contados da
data de cassação.

§ 2º - Caso o contribuinte seja optante pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de


Tributos e Contribuições (Simples Nacional), instituído pela Lei Complementar federal nº 123,

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de 14 de dezembro de 2006, a cassação da eficácia da sua inscrição no cadastro de
contribuintes do ICMS, prevista no artigo 1º, implicará cumulativamente:

1 - a perda do direito ao recebimento de créditos do Tesouro do Estado, instituído pelo


Programa de Estímulo à Cidadania Fiscal do Estado de São Paulo, de que trata a Lei nº 12.685,
de 28 de agosto de 2007;

2 - o cancelamento dos créditos já calculados ou liberados, referentes ao Programa de Estímulo


à Cidadania Fiscal do Estado de São Paulo, citado no item 1, independentemente do prazo
previsto no § 2º do artigo 5º da Lei nº 12.685, de 28 de agosto de 2007.

Artigo 5º - Passam a vigorar com a redação que se segue os dispositivos adiante indicados da
Lei nº 12.685, de 28 de agosto de 2007:

I - o inciso I do artigo 5º:

“I - utilizar os créditos para reduzir o valor do débito do Imposto sobre a Propriedade de


Veículos Automotores (IPVA) do exercício seguinte, relativo a veículo de sua propriedade;”
(NR)

II - o inciso III do artigo 5º:

“III - solicitar depósito dos créditos em conta corrente ou poupança de sua titularidade,
mantida em instituição do Sistema Financeiro Nacional.” (NR)

Parágrafo único - Fica revogado o inciso II do artigo 5º da Lei nº 12.685, de 28 de agosto de


2007.

Artigo 6º - As despesas decorrentes da execução desta lei correrão à conta de dotações


orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.

Artigo 7º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Palácio dos Bandeirantes, 28 de janeiro de 2013.


GERALDO ALCKMIN
Andrea Sandro Calabi
Secretário da Fazenda
Edson Aparecido dos Santos
Secretário-Chefe da Casa Civil
Publicada na Assessoria Técnico-Legislativa, aos 28 de janeiro de 2013.

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Anexo H - Aplicativo Zara: “Fabricado no Brasil”
“Fabricado no Brasil”, oferecido pela ZARA, é um aplicativo para smartphones que
permite que o consumidor rastreie informações da cadeia produtiva a partir do código QR
disponível na etiqueta de cada peça. Esse aplicativo especifica o nome do fornecedor, sua
localização, o número de funcionários, os contatos e a classificação que ele recebeu nas
auditorias realizadas pela Zara.

O aplicativo, que começou em 2015 a abranger a toda coleção feita no Brasil, veio
como resposta aos escândalos de trabalho análogo a escravidão na cadeia produtiva do grupo
Inditex, dona da Zara. No início do projeto, o presidente da companhia no Brasil afirmou que
era uma iniciativa de transparência, e não de marketing29.

Apesar dos esforços, a iniciativa foi pouco divulgada pela própria empresa, sendo que
houve várias reclamações quanto ao funcionamento do aplicativo no início e até hoje não há
explicações em lojas ou sites sobre como usar o rastreamento e a importância de se fazê-lo.

29
Fonte: http://exame.abril.com.br/negocios/noticias/publico-podera-fiscalizar-fabricacao-da-zara-por-
smartphone
42
Anexo I - Aplicativo “Moda Livre”
O aplicativo foi criado pela ONG Repórter Brasil, fundada em 2001 por um coletivo de
jornalistas, cientistas sociais e educadores. A ONG tornou-se uma fonte importante de
informação sobre a questão brasileira do trabalho escravo moderno e procura mobilizar
lideranças sociais, políticas e econômicas em prol dos direitos humanos e de uma sociedade
mais justa, inclusive sendo membro da comissão estadual e municipal da cidade de São Paulo
para erradicação do trabalho escravo e da Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho
Escravo.

O aplicativo está disponível para os sistemas operacionais Android e iOS e assim, boa
parte do público brasileiro pode usá-lo como ferramenta para alcançar a realidade e repensar o
consumo.

O “Moda Livre” dispõe informações em artigos e reportagens ao usuário sobre as


marcas envolvidas com trabalho escravo e são avaliadas, pelos mecanismos do aplicativo, as
principais empresas do mercado brasileiro, dentre elas, algumas flagradas com empregados em
situação de trabalho escravo pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

Na última atualização, de 18/04/2016, a base de dados foi expandida e conta com 77


empresas varejistas e grifes. Essa versão foi lançada no evento “Fashion Revolution”, ocorrido
em São Paulo e faz parte de uma campanha global em prol da conscientização de
consumidores sobre os impactos da cadeia produtiva da moda.

Como funciona

Os criadores da ferramenta enviam às empresas um questionário, que depois de


respondido, recebe uma pontuação, baseando-se em quatro parâmetros, explicados no próprio
aplicativo e descritos a seguir: (i) políticas: a existência de obrigações assumidas que
combatem o trabalho escravo na cadeia de suprimentos; (ii) monitoramento: a adoção de
medidas para fiscalizar as empresas fornecedoras; (iii) transparência: a comunicação destas
ações anteriores (se existem) aos consumidores; (iv) histórico: resumo do envolvimento
(passado ou atual) em casos de trabalho escravo confirmados.

A partir da pontuação recebida por estes indicadores, as empresas são classificadas em


verde, amarelo ou vermelho, como um sinal de trânsito.

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Em vermelho estão as marcas sem mecanismos para o combate do trabalho escravo ou
que não responderam o questionário. As classificadas com a cor amarela, embora demonstrem
um cuidado no acompanhamento de sua cadeia, possuem histórico de problemas relacionados
ao tema ou precisam aprimorar os mecanismos avaliados. Por último, as marcas de cor verde
demonstram mecanismos eficientes no controle da sua cadeia produtiva somada ao histórico
favorável em relação ao tema.

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Anexo J – Selo de boas práticas trabalhistas
A título de sugestão, o grupo criou o selo, que consta a seguinte mensagem: “Esta
marca não utiliza trabalho escravo”:

Figura 2 – Exemplo de selo de boas práticas trabalhistas

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