Você está na página 1de 6

Memória: 80 anos do situation — against dictatorship, anti-capitalist,

towards socialism — which expanded from


1978. We present the social workers’ integration

Serviço Social no Brasil: into the class conflict process, as workers who
collectively break with conservatism when they
define the professional social direction, focused
O III CBAS “O Congresso da on the immediate and historical interests of the
working class.
Virada” 1979 Keywords: Social Work. Working class. Break
with conservatism.
Memory: 80 years of Social Work in Brazil
— The III CBAS (Brazilian Congress of
Social Workers), 1979’s “Turning O Serviço Social — contextualização
Congress” histórica

Maria Beatriz Costa Abramides O Serviço Social comemorou 80 anos


Doutora em Serviço Social, professora do Programa de de sua existência no Brasil em 2016, e sua
Pós-Graduação em Serviço Social da PUC-SP, primeira escola criada em 1936 situava-
coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em
Aprofundamento Marxista (Neam), São Paulo/SP, Brasil. -se à rua Sabará, em São Paulo. Fruto da
biabramides@gmail.com disposição de jovens da ação católica,
o curso foi iniciado para a formação de
Resumo: O artigo trata da contextualização profissionais do sexo feminino pela re-
histórica do Serviço Social no Brasil com desta-
que para o III CBAS, o conhecido “Congresso da ferência teórica franco-belga seguida da
Virada”, realizado em 1979. Indica os elementos vertente norte-americana na perspectiva
intrínsecos à conjuntura da luta de classes no
país, contra a ditadura, anticapitalista na direção
da ação social. As pioneiras da Escola de
do socialismo, que se expande a partir de 1978. Serviço Social no processo de urbaniza-
Apresentamos a inserção dos assistentes sociais ção e industrialização que avançara nos
no processo de lutas sociais, como trabalhadores
que de forma coletiva rompem com o conserva- anos 1930 dirigiam sua ação às famílias
dorismo ao definirem a direção social da profissão operárias. Até esse período, a “questão
voltada aos interesses imediatos e históricos da
classe trabalhadora. social” era tratada como “caso de polícia”
Palavras-chave: Serviço Social. Classe trabalha-
pelos sucessivos governos, à base de forte
dora. Ruptura com o conservadorismo. repressão aos operários organizados e em
luta. A influência do anarcossindicalismo,
Abstract: The article is about the historical entre os trabalhadores, fruto da expe-
contextualization of Social Work in Brazil, and
it highlights the III CBS (Congresso Brasileiro riência sindical dos imigrantes italianos,
de Assistentes Sociais — Brazilian Congress of espanhóis e portugueses que ocuparam
Social Workers), known as the “Turning Con-
gress”, which happened in 1979. It shows the postos na indústria nascente, foi decisiva
intrinsic aspects of the country’s class conflict para a concepção e a prática sindical do

Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 128, p. 181-186, jan./abr. 2017 181
http://dx.doi.org/10.1590/0101-6628.102
movimento operário em sua formação. A inaugurou o primeiro mestrado em Serviço
seguir adentraram os socialistas e comu- Social da América Latina, e em 1981 o
nistas que, com os anarquistas, se tornaram primeiro doutorado do país.
referência de um sindicalismo classista, Cursei Serviço Social na escola da
autônomo, de organização desde os locais Rua Sabará, de 1968 a 1971, e a militância
de trabalhos, de ênfase na ação direta, e a consciência política iniciadas no mo-
mobilizações massivas e greves regidas vimento secundarista aí se aprofundaram
pelo princípio da democracia operária. com a atuação no Grêmio da Escola de
Porém o governo federal, no início do Serviço Social (Gess), cuja organização
século, instituiu a Lei Adolfo Gordo, que se pautava nas reivindicações estudantis,
proibia os estrangeiros de participar da em um período de repressão pela ditadura
luta sindical, iniciando-se a perseguição militar instaurada pelo golpe de 1964.
aos operários com prisões e exílio. Nossa ação coletiva de resistência e de luta
De outro lado, para que o crescimento em 1968 foi muito intensa e nos formamos
econômico capitalista se expandisse pau- política e ideologicamente nas organiza-
tado na gestão fordista-taylorista da força ções de esquerda revolucionária. Ao entrar
de trabalho, era necessário que o Estado na universidade, filiei-me à Ação Popular
implementasse programas sociais que (AP) marxista-leninista, cujos jovens vie-
atendessem às reivindicações dos trabalha- ram, em larga escala, da Juventude Estu-
dores e ao mesmo tempo liberasse a força dantil Católica (JUC), alinhada à Teologia
de trabalho economicamente ativa dos da Libertação, e depois se desvincularam
gastos com serviços sociais, como educa- para se inserir em uma ação revolucionária
ção e saúde, para que pudessem consumir. de superação do capitalismo e construção
Portanto, o Estado, além de criar progra- do socialismo. Os estudantes da AP eram
mas sociais, estabeleceu mecanismos de majoritários no Serviço Social, o que nos
controle nas relações capital-trabalho, levou a assumir a Executiva Nacional dos
e entre outros instrumentos é criada a Estudantes de Serviço Social (Eness) na
profissão de assistente social para atuar União Nacional dos Estudantes (UNE),
no âmbito da execução desses programas. à qual as executivas de curso se vincula-
A partir de 1946, a Escola de Serviço vam. No Congresso da Eness em julho de
Social se agrega à recém-criada Pontifí- 1968, em Fortaleza (CE), já debatíamos
cia Universidade Católica de São Paulo a necessidade de construir um projeto de
(PUC-SP), e em 1971 a ela se incorpora e formação profissional a partir da realidade
se transfere para sua sede na Rua Monte brasileira. O XXX Congresso da UNE,
Alegre, no bairro de Perdizes. Em 1972, em outubro de 1968, em Ibiúna, teve a
o Curso de Serviço Social da PUC-SP participação de cerca de mil estudantes,

182 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 128, p. 181-186, jan./abr. 2017
sendo 152 mulheres, 25 delas dos cursos nos marcos de intenção de ruptura que
de Serviço Social. Em 1968, a polícia re- eclodiam.
primiu o Congresso da UNE, fomos todos Nesse processo de organização sindi-
presos e enquadrados na Lei de Segurança cal, os assistentes sociais se reconheceram
Nacional, que até a anistia pesou muito como trabalhadores, em sua condição de
sobre todas nós que permanecemos no assalariamento, e se organizaram par-
país ou no exílio. ticipando ativamente de mobilizações,
paralisações e greves, além de contribuí-
rem na organização dos trabalhadores em
Antecedentes do Congresso da Virada serviço público, os quais até 1988 não
podiam, por força de lei, se organizar em
Na segunda metade dos anos 1970 sindicatos. Do total de assistentes sociais,
presenciava-se uma efervescência da luta 62,8% se inseriram no serviço público nas
de classes no país no surgimento de um diferentes esferas. Portanto, os sindicatos
sindicalismo combativo contra a ditadura, de assistentes sociais, assim como os dos
o imperialimo, o capitalismo na perspecti- médicos, enfermeiros, sociólogos, tiveram
va do socialismo, que se expressou na uma atuação junto aos trabalhadores em
Articulação Nacional dos Movimentos serviço público em processos de nego-
Populares e Sindicais (Anampos), em ciações e campanhas salariais, luta por
1978, e posteriormente na Central Única cargos e salários, por serviços públicos
dos Trabalhadores (CUT), em 1983, com de qualidade, movimento grevista na luta
sua fundação. A partir do sindicalismo por reposição das perdas salariais etc. Em
classista, a categoria dos assistentes so- 1988, quando os trabalhadores puderam
ciais se organizou desde 1978, de norte a formar seus sindicatos, os assistentes
sul do país, nas entidades sindicais, reto- sociais decidiram, por unanimidade, pela
mando os sindicatos de assistentes sociais extinção dos sindicatos de categoria para
que ficaram fechados de 1969 até 1978. Os a construção dos sindicatos por ramo de
profissionais que assumiram essas entida- atividade econômica, seja por contratação,
des vinham dos setores de esquerda que como o Sindicato dos Trabalhadores Mu-
atuaram na clandestinidade, que estiveram nicipais, seja por atividade, como o Sindi-
à frente do processo de reconceituação da cato da Saúde e da Previdência nas esferas
profissão, na articulação latino-americana estadual e federal. Assim os sindicatos, a
de profissionais, nos movimentos popula- Associação Profissional dos Assistentes
res que se iniciavam, como o feminista, de Sociais (Apas) e a Associação Nacional
saúde, de moradia, do custo de vida, entre dos Assistentes Sociais (Anas) são extin-
outros, e em experiências profissionais tos, com exceção de cinco sindicatos. Ora,

Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 128, p. 181-186, jan./abr. 2017 183
se somos trabalhadores coletivos inscritos pesquisa nacional sobre salário, condições
na divisão sociotécnica do trabalho, nossa de trabalho e carga horária dos assistentes
organização deve se dar por ramo de ati- sociais para mobilizar os profissionais a
vidade econômica e com os trabalhadores partir de seus locais de trabalho para a
dos ramos devemos lutar por melhores luta sindical. O apoio político e financeiro
condições de trabalho e salário. do Centro Latino-Americano de Trabalho
Desde o primeiro momento os assis- Social (Celats) fez com que no III Encon-
tentes sociais, ao reorganizarem suas enti- tro de Entidades Sindicais e pré-sindicais
dades sindicais e pré-sindicais — Apas, se em 1979, uma semana antecedendo o III
filiaram a essa concepção e prática sindical CBAS, reuníssemos 29 entidades sindi-
classista, e são essas as determinações que cais, pré-sindicais e de oposição sindical,
incidirão forte e decisivamente na direção na mesma concepção classista, articulada
social da profissão dos anos 1980, que tem à Anampos, e a partir de 1983 à CUT
no III Congresso Brasileiro de Assistentes classista e de lutas. Cabe registrar que
Sociais (CBAS), o conhecido “Congresso nos anos 1990 a CUT consolidou e forta-
da Virada”, sua expressão pública e cole- leceu um giro sociodemocrata e se ateve
tiva da ruptura com o conservadorismo às lutas institucionais, abdicando da ação
presente na profissão. direta. A partir de 2002, com os governos
do PT de Lula e posteriormente de Dilma,
manteve-se atrelada a um sindicalismo de
O “Congresso da Virada” — III CBAS — cooptação, governista, muito distante do
1979 sindicalismo autônomo e classista de sua
criação e em vigor nos anos 1980.
O “Congresso da Virada”, realizado A participação ativa dos assistentes
de 23 a 27 de setembro de 1979, no Centro sociais organizados nas Apas e sindicatos
de Convenções do Anhembi, na cidade de estabeleceu uma ampla mobilização dos
São Paulo, irrompe marcado pela luta de profissionais nas assembleias de base, na
classes ascendente no país. Em 1978, no I luta por cargos e carreiras no INSS, na
Encontro de Entidades Sindicais e Pré-Sin- luta por concurso público nas instituições
dicais, éramos quatro entidades reorgani- estatais, na participação no I Congresso
zadas: Apassp São Paulo, Sindicato dos da Mulher paulista, na atuação e apoio
Assistentes Sociais de Minas Gerais, Apas às lutas feministas, na luta pelo Sistema
Bahia e Apas Goiás. Esse encontro ocorreu Único de Saúde e reforma sanitária, na
em Belo Horizonte (MG), e deliberamos luta pela democratização das instituições
por: retomar a organização sindical dos com eleições para cargos de chefias, na
assistentes sociais no país, realizar uma participação em campanhas salariais

184 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 128, p. 181-186, jan./abr. 2017
unificadas dos trabalhadores em serviço em defesa de suas reivindicações e apoio
público, na participação efetiva no mo- ativo e solidário às suas lutas, articulação
vimento sindical classista, no apoio às com a Abepss, que iniciava o processo
greves em curso de trabalhadores, no apoio de renovação na formação profissional,
a projetos profissionais nos vários espaços que culmina com o currículo de 1982,
sócio-ocupacionais voltados aos interesses referenciado na teoria social de Marx, na
dos usuários, na luta por direitos sociais, perspectiva da totalidade, e a rearticulação
inserção na luta pela reforma agrária e com o movimento estudantil. Iniciou-se
urbana, apoio às ocupações de terras no ainda o debate relativo à necessidade de
campo e na cidade, na luta pelo ensino uma ação estratégica em todo o país para
público, laico, universal, gratuito e de concorrer ao pleito do conjunto CFAS/
qualidade, na luta contra o pagamento da Cras, atualmente CFESS/Cress, que até
dívida externa, na solidariedade de classe 1979 encontrava-se sob a hegemonia dos
às lutas latino-americanas e internacionais. setores conservadores e tecnocratas da
Essa ambiência de mobilização e profissão.
lutas possibilitou que o III Encontro de De outro lado, deliberamos por uma
entidades sindicais e pré-sindicais dos participação crítica e de contestação ao
assistentes sociais sob a direção da Co- III CBAS, que até então era organizado
missão Executiva Nacional de Entidades pelo conjunto Cras/CFAS. Elaboramos um
Sindicais e Pré-Sindicais (Ceneas), alguns documento das entidades sindicais a ser
dias antes do III CBAS, deliberasse pela divulgado, panfletado e trabalhado com a
continuidade da construção e da consolida- categoria durante o congresso e cuja nota
ção das entidades sindicais, coordenação apresentava os seguintes pontos: repúdio
das entidades pela Ceneas até a construção ao convite a representantes da ditadura
da Anas — entidade sindical nacional militar para estar na mesa de abertura do
autônoma e independente do Estado, que congresso, críticas à limitada participação
ocorreu em 1983; continuidade na parti- dos estudantes, ao preço alto das inscri-
cipação do movimento sindical classista e ções, à definição de temas e setorização
na fundação da CUT, realizada em 1983; dos debates, à ausência de participação
continuidade de mobilização da categoria da categoria em todo o processo. As di-
a partir de suas reivindicações específicas rigentes sindicais de assistentes sociais
e as dos trabalhadores em serviço público; estiveram no CBAS, se organizaram pelas
o reconhecimento dos assistentes sociais plenárias simultâneas por área de atuação
partícipes do trabalho coletivo, inseridos e desde o primeiro momento sentiram a
na divisão sociotécnica do trabalho; a insatisfação dos congressistas. Chamaram
atuação junto aos movimentos populares a categoria para uma assembleia, a qual

Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 128, p. 181-186, jan./abr. 2017 185
se transformou em assembleia diária, que letivo, massivo, da categoria, designamos
interferiu e “virou” o congresso com as emblematicamente a erupção do projeto de
críticas necessárias. Isso culminou com a ruptura com o conservadorismo por sua
destituição da comissão de honra, sendo direção social nos anos 1980 e pelo Pro-
que no encerramento foram convidados jeto Ético-Político profissional do Serviço
representantes dos movimentos sociais Social brasileiro a partir dos anos 1990.
combativos como referência de lutas. A
plenária final deliberou pelo compromisso
da profissão com a classe trabalhadora e
os assistentes sociais se reconhecendo Recebido em 3/9/2016
como trabalhadores em sua condição de ■

assalariamento. A partir desse evento co- Aprovado em 11/10/2016

186 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 128, p. 181-186, jan./abr. 2017

Você também pode gostar