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Revista Panorâmica On-Line. Barra do Garças – MT, vol.

22,
p. 147 - 152, jan./jun. 2017. ISSN - 2238-921-0

DA RIQUEZA NACIONAL À POBREZA DO POVO:


análise do filme “terra para rose”

Izaias de Souza Silva1

Introdução

Somos o quinto maior país do mundo em extensão territorial, e o maior país da


América do Sul. Contraditoriamente, somos um país de desigualdades no acesso à terra. A
nossa historiografia nos mostra nitidamente o caráter duvidoso e a concepção exclusivista no
que se refere o aceso à terra nesse vasto território.
Se ignorarmos o longo período de escravidão, e tomarmos como ponto de partida o
pós-Segunda Grande Guerra Mundial, veremos que, com a hegemonia norte-americana
influenciando diretamente na Divisão Internacional do Trabalho (DIT), o acesso à terra ainda
mais se radicalizou no Brasil. Basicamente, a propriedade da terra passou a ter um outro
significado.
No modelo econômico capitalista, do “celeiro primitivo” a terra tornou-se objeto de
especulação e acumulação do capital, a sua renda passou a ser a renda apropriada pelo grande
capitalista, este que se tornou também dois sujeitos em um só: capitalista industrial e
latifundiário.
Nessa perspectiva, o presente trabalho objetivou analisar à luz das leituras de trabalhos
desenvolvidos por pesquisadores relacionados com tema, e do filme “Terra para Rose”, como
um país de dimensão continental como o Brasil passou a constituir e caracterizar uma das
maiores concentrações de terras do mundo. Como aponta os estudos feitos em 2016 pela
Oxfam, no Brasil menos de 1% dos proprietários rurais concentram mais de 45% da área rural
de todo o país. Nesse contexto, a exclusão social aparece como consequência do
beneficiamento de alguns poucos sujeitos no âmbito social.

1 Sobre a expulsão da população do campo e a sua subordinação na cidade

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Graduando do curso de Licenciatura em Geografia - UFMT. E-mail: izaiasdesouzasilva@outlook.com.

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Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), mais da metade da população


brasileira vive em cidades. A estimativa é que em 2030, mais de 90% da população brasileira
viverá em cidades. Embora se mostre um fenômeno recente, desde a segunda metade do
século XX o Brasil deixou de ser um país de população predominantemente rural, para se
tornar em um país urbano. Tem sido assim, sobre as inalteradas bases do antigo modelo de
propriedade fundiária, que os pequenos grupos firmaram e continuam a firmar suas garras
sobre a propriedade da terra.
Enquanto perdurou como instrumento jurídico que dava acesso à terra, a Lei de
Sesmarias garantia acesso à terra apenas aos proprietários de escravos. Com a sua substituição
pela Lei de Terras em 1850, o acesso à terra passou a ser essencialmente pela compra. Em
1888, quando foi (teoricamente) abolido a escravidão, o acesso à terra pela Lei de Terras
constituiu-se em um importante entrave.
Acontece que a população que vivia em condições de escravidão ficaram
marginalizados social e economicamente. É nessa conjuntura que aos novos sujeitos (Colono,
Agregado, Meeiro, Caipira, etc.) que foram mesclando a paisagem social, em virtude de sua
própria condição social, restou-lhes ir para os centros urbanos vender o seu “único bem” ao
grande capitalista industrial: a sua força de trabalho.
O Brasil adentra o século XIX numa fase de renascimento de sua agricultura,
entretanto sem ter ainda resolvido a questão do acesso à terra, a questão agrária. Conforme
Silva (1998), entende-se por questão agrária as variáveis de acesso à terra pelas pessoas que
nela quer produzir.
Todavia, soma-se a isso todas as transformação nas relações de produção, que vão
desde como se produz, até os valores de quanto se produz. Sendo assim, mais recentemente,
isto é, a partir da década de 60, a agricultura brasileira reconheceu uma profunda
transformação nas bases técnicas de produção, transformações que alteraram não só as
técnicas e as relações de produção, mas que mormente agravaram ainda mais a situação da
estrutura agrária nacional.
Os projetos agropecuários nacionais e internacionais, bem como os incentivos fiscais
que foram ao poucos surgindo no bojo das políticas agrícolas, refletiram diretamente na
organização política e social daqueles que estavam engajados na luta por um “pedaço de
chão”. Categoricamente, tudo culminou para que a população expulsa do campo fosse somar-

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se a população ativa na área urbana, àquela parcela a qual mais especificamente Max (1984) a
chamou por Exército Industrial de Reserva. Dessa subordinação, implica falar do crescimento
de um mercado interno pautado no trabalho assalariado, onde os sujeitos ficam encurralados
de um lado pelo capitalista industrial na cidade e pelo capitalista latifundiário do campo.
Como apontou Silva (1998), ao estudar a dinâmica da população entre o rural-urbano,
o processo de urbanização reflete também as transformações das atividades agrícolas, pois é
desse enquadramento que a luta pela terra ressurge como elemento fundante dos direitos
humanos, movimento contrário a exclusão social e a hegemonia do sistema capitalista de
produção.

2 Análise do filme “Terra para Rose”

Diante de todos esses aspectos, o filme Terra para Rose vem como um registro da
trajetória histórica de alguns conflitos pelo acesso à terra na região Sul do país, em um
momento específico da nossa história. Trata-se da história de Rose, agricultora sem-terra que
com outras 1.500 famílias participou da primeira grande ocupação de uma terra improdutiva,
a Fazenda Annoni, no Rio Grande do Sul.
O filme aborda a sensível questão da reforma agrária no Brasil no período de transição
pós-regime militar, dando ênfase ao início de um importante movimento social, o MST
(Movimento Sem Terra/Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Somando-se a isso,
o filme levanta críticas ao Estado brasileiro quanto as condições de vida desses sujeitos que se
organizam nos movimentos sociais de lutas pela terra, sobretudo quando estão na fase de
acampamento.
As questões levantadas pelo filme, são no geral àquelas que dizem respeito ao Estado
brasileiro e o seu posicionamento político, enquanto conjunto de instituições, normas e
funcionários que exercem uma autoridade e um controle direto sobre o território. Assim,
questiona-se como ao longo dos anos, sobretudo no momento atual, o Estado brasileiro tem
assumido um posicionamento contrário aos interesses coletivos, o que em partes o coloca na
condição de cúmplice na concentração da propriedade fundiária da terra nas mãos de alguns
poucos sujeitos, que fazem dela objeto de produção de Mais-Valia, portanto acumulação de

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capital e não recurso de desenvolvimento coletivo da sociedade. Como aponta os estudos


feitos em 2016 pela Oxfam, menos de 1% dos proprietários rurais brasileiros concentram mais
de 45% da área rural de todo o país.
O relato que o filme reforça, é o relato de que o Estado tem assumido historicamente
uma posição de mediador, uma posição em prol da concepção exclusivista que alimenta a
violência no campo brasileiro. Quando fala-se em violência no campo, fala-se dessa violência
que levou à morte de Rose, de Dorothy, de Chico Mendes e tantos outros que lutaram por esta
causa justa: o acesso à terra. Assim sendo, o filme traz também uma reflexão para melhor
entender um fenômeno do qual a sua conjuntura e importância é de uma escala muito maior
de que aparentemente se apresenta, fenômeno que ainda pouco se compreendeu e portanto se
discutiu nas tomadas de decisões, nas políticas de desenvolvimento territorial e regional.
O fato é de que as desigualdades no nosso país já não se manifestam mais somente
pelo viés do desenvolvimento econômico e social de suas respectivas regiões (Figura1). No
Brasil, as desigualdades se manifestam no acesso à saúde, à educação, à segurança e também
à terra. Nesta última, para nela produzir e reproduzir determinados modelos de produção que
atualmente, em toda a sua precariedade, tem sido caracterizado por assegurar mais da metade
dos alimentos que chegam às nossas mesas. Diferentemente dos modelos de produção,
pautados em culturas de exportação (soja, milho, algodão), isto é, das commodites.

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Figura 1: Mapa da divisão regional do Brasil.

Considerações finais

Apesar de toda sua demasia em riqueza territorial, fica claro que a segregação e a
exclusão social é um dado marcante no que se refere a propriedade da terra no Brasil.
Paralelamente à sua valorização sem precedentes nas últimas décadas, os movimentos sociais
tem se esforçado em acompanhar as mudanças (políticas-econômicas), de maneira tal que
nunca se altere os objetivos: a conquista da terra.
Isto posto, a questão agrária prossegue como “incógnita”, prossegue como uma
possibilidade de mudança de organização social, em que pese dizer, que seja ignorada aos
olhos do “desenvolvimento”, do “progresso” e até mesmo das representatividades políticas
nas tomadas de decisões e nas política públicas.

Referências

MARX, K. O capital: crítica da economia política. Livro primeiro: o processo de produção


do capital. Tradução: Reginaldo Sant’Anna. Volume II – 9. ed. São Paulo: DIFEL, 1984.

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SILVA, J. G. O que é questão agrária. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1998.

Site:

https://nacoesunidas.org/onu-populacao-mundial-vivera-em-cidades-ate-2050

https://www.youtube.com/watch?v=1ZlqjK4K1-0

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