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Unidade V - Formação e transformação dos

espaços agrários na Amazônia brasileira:


territorialidade.

• SOCIOLOGIA RURAL
• PROF. DR. ANA CLÁUDIA NOGUEIRA
A “experiência colonial vivida pelas populações originárias, negra, mestiça e migrante pobre na
região foi continuada aos seus descendentes sob forma de exploração dos recursos naturais,
expulsão de territórios nativos e ocupação indiscriminada por meio de uma política fundiária de
segregação racial, espacial e econômica: a exploração com ênfase na expropriação territorial.
Muitas vezes velada, esta expropriação se desenvolve embasada em estratégias não de
exclusão radical, mas de limitação de acesso a bens naturais e públicos, equilibrando-se em
uma delicada relação internacional que, ao mesmo tempo em que realiza exigências vinculadas
aos direitos humanos, não deixa de policiar agendas econômicas globais que devem ser levadas
a cabo no interior da nação” (NOGUEIRA, 2018).
“o Estado brasileiro não eliminou seu pretérito colonial, forjado por meio da escravidão,
concentração fundiária, monocultura e meritocracia. Dito de outra maneira, a questão é que”
(NOGUEIRA, 2018):

Quanto mais a Amazônia é vista como um espaço geopolítico, um paraíso fiscal,


um patrimônio da humanidade, uma zona econômica emergente, um banco
genético planetário, mais as contradições pretéritas e presentes dos ciclos
históricos da acumulação originária do capitalismo internacional, da economia
mundial, ganham complexidade no plano local (SILVA, 2000, s/p.).”
A Era Pombalina (1750-1780): A política econômica de Pombal, primeiro-ministro brasileiro,
para a Amazônia tinha como intuito a ocupação definitiva da região e seu
desenvolvimento econômico. ... Houve subsídios para a plantação e comércio das chamadas
drogas do sertão, como ervas medicinais, plantas, raízes típicas da região.

De acordo com Santos (1980), podemos agrupar em cinco as principais fases econômicas que a
atravessaram a Amazônia até a década de 1970, entre elas a expansão gomífera e seu declínio
em 1910, e a nova tentativa de sua reestruturação durante a segunda guerra mundial. Mas para
Loureiro (1985), a exploração comercial da borracha introduz a Amazônia de maneira mais
sistemática ao mercado internacional destacando três períodos importantes: a fase das utilidades
(1873/1882), com o uso da goma elástica na fabricação de utensílio; fase dos fios condutores
(1876 a 1888), onde a goma elástica passa a ser usada também no isolamento e cabeamento de
fios; a fase dos pneumáticos, em que a borracha é usada em pneus de bicicletas e na indústria
automobilística a partir de 1885, sendo nesta etapa que “situa-se o verdadeiro tempo áureo da
borracha amazônica, sem concorrentes e com uma escassez constante, determinada pelo grande
consumo de utilidades, fios e pneus” [...] (LOUREIRO, 1985, p. 14) (NOGUEIRA, 2018).
O caráter colonizador das primeiras ações do Estado brasileiro em vista de uma regularização
fundiária no país é datado, mas seu caráter de conservadorismo agrário é mantido por meio de
uma reforma agrária marginal (GARCIA, 1973), pautada ciclicamente em políticas de colonização
que parcelaram áreas insignificantes do ponto de vista da estrutura agrária (LARANJEIRAS, 1983).
Historicamente na Amazônia, este processo foi baseado na concentração fundiária das terras com
mais aptidão agrícola e com a regularização fundiária que distribuiu terras de baixa qualidade
produtiva, encarcerando a espaços sem condições estruturais o pobre rural, mantendo-o em uma
condição de abandono, mas ao mesmo tempo garantido o povoamento da região por meio de
políticas públicas (NOGUEIRA, 2018).
Focar nos projetos de colonização – como o incentivo a fluxos migratórios da região – tendo como
enfoque somente a década de 1970 é não problematizar que a questão sempre foi a colonização
sistêmica da Amazônia, desde a anexação da região ao país, como pode ser verificado no discurso
do senador Antonio Pedro da Costa Ferreira, o barão de Pindaré, em 1847, na tribuna do Senado do
Império, em discussão da comissão que avaliava o que seria, três anos depois, a Lei de Terras. Já
naquela sessão um dos grandes impasses dizia respeito a conservar ou não os direitos dos
sesmeiros que por mais de vinte anos não haviam cultivado as terras, mas que parecendo estarem
representados pelo Barão de Pindaré, queriam conservar sua posse, em detrimento dos posseiros
que nela residiam e cultivavam. Na região Amazônica, de acordo com o próprio relato do senador, já
se evidenciava processos de acumulação de terras, onde o mesmo sesmeiro era detentor de mais
de uma sesmaria com tamanho maior do que previa a legislação. Mesmo que nas palavras do
senador estes sesmeiros estivessem sem contribuir com o desenvolvimento de lavouras e com um
projeto de colonização, ainda assim, para o legislador seu direito de posse deveria ser garantido
(NOGUEIRA, 2018):
“não pode haver verdadeira colonização sem terras disponíveis onde os colonos
se estabeleçam; e não há de haver terras disponíveis enquanto por uma lei não se
fixar verdadeiramente quais são as terras da nação [...] Relativamente às
sesmarias que são ocupadas por indígenas, sempre me pareceu que se devia fazer
algum artigo excepcional, porque, a falar a verdade, se elas são ocupadas por
selvagens indígenas, seus donos, durante este impedimento não podem perder
o seu direito. Se o nobre senador oferecer uma emenda neste sentido, ela há de
ser por mim defendida; mas sempre é necessário que seja acompanhada de
alguma circunstância que mostre que tais terras foram adquiridas com justo
título” (BRASIL, Barão de Pindaré,1847, p. 149-150, grifo nosso).

Esta duplicidade do discurso – manter a posse e distribuir a terra – não é estranha ao perfil do
debate político no Brasil, uma vez que, de acordo com Nunes (2012), o senador em destaque
havia administrado a província do Maranhão (1835-1837) e também seria proprietário de
terras ao longo do vale do Pindaré, na mesma província (NOGUEIRA).
Seguiam naquele século (XIX) esforços das autoridades locais da região em empreender projetos
que tornassem “atrativos” à vinda dos migrantes europeus e americanos para áreas selecionadas
para eles nas províncias, mesmo que estas já estivessem ocupadas, o importante era a
“modernização” das “práticas atrasadas” de produção da população local. Desta forma, quando
Nunes (2012) verifica o processo de implantação da Lei de Terras no estado do Pará e a vinda de
migrantes não nacionais, avalia que (NOGUEIRA, 2018):

a necessidade de se estabelecer núcleos agrícolas tinha o propósito de promover o


desenvolvimento da agricultura, sem deixar de lado a necessidade urgente de
exploração de riquezas disponíveis nas matas da região ((NUNES, 2012, p. 103).
Por detrás dos ciclos migratórios submergem narrativas que apontam as características das
cadeias de dominação que marcavam as relações do Brasil com a Amazônia, e das elites locais em
relação a estas populações, demonstrando a dissimetria dessa relação e seu caráter colonialista. A
duplicidade do discurso está exatamente na tese do povoamento onde encontra-se imanente o
modelo de exploração, que no caso da região, se reproduz em relações verticalizadas de poder
(NOGUEIRA, 2018).
ATÉ MEADOS DOS ANOS de 1960, as terras amazônicas pertenciam basicamente à União e aos
estados. Do total das terras registradas pelo IBGE 87% constituíam-se de matas e terras
incultas, que eram exploradas por milhares de caboclos e ribeirinhos que viviam do extrativismo
vegetal e animal; 11% constituíam-se de pastos naturais onde antigos fazendeiros haviam
assentado fazendas de gado, sendo muitas delas seculares, como as do Marajó, de Roraima e do
Baixo Amazonas, cujos títulos de terra eram igualmente antigos.

Essas poucas fazendas eram como que “ilhas” de criação de gado nos campos naturais
(abundantes na região) e não em pastos formados em cima de mata derrubada ou queimada
como hoje. A mata e os rios estavam preservados e eram aproveitados pelos habitantes como
fonte de alimento, trabalho e vida.

Somente 1,8% das terras estavam ocupadas com lavouras e só metade delas possuía título de
propriedade privada. A quase totalidade das terras da Amazônia era, portanto, constituída por
terras públicas e “livres” de titulação como propriedade privada (LOUREIRO & PINTO, 2005).
Cartazes criados pelo artista gráfico suíço Jean-Pierre Chabloz para promover o alistamento de homens nos seringais da
Amazônia durante a II Guerra Mundial

Fonte: <http://desimbloglio.blogspot.com.br/2012/10/publicidade-e-imagem-idealizada-da.html>.
Propaganda publicada em jornal de circulação nacional para promover a Amazônia como espaço de investimentos
econômicos

Fonte: Jornal do Brasil, 1º. Caderno, 12/12/72.


Evolução das famílias assentadas no Brasil de 1995 - 2012
Valores do índice geral de qualidade de vida - QV em assentamentos rurais de 1995-
2001

Valores do índice geral de qualidade de vida - QV


em assentamentos rurais de 1995-2001 – Melhor mais próximo de
100
60

50

40

30

20

10

0
Acre Amazonas Amapá Pará Rondônia Roraima Tocantins Região Norte Brasil

Fonte: Adaptado de SPAROVEK; GERD. 2003.


Valores do índice de qualidade de vida-QV por indicadores em assentamentos rurais de 1995-
2001 - Detalhamento

Valores do índice de qualidade de vida-QV por indicadores em assentamentos rurais de


1995-2001 – Melhor mais próximo de 0
1,2

0,8

0,6

0,4

0,2

0
Acesso Água potável Esgoto Estradas internas Saúde regular

Acre Amazonas Amapá Pará Rondônia Roraima Tocantins Região Norte

Fonte: Adaptado de SPAROVEK; GERD. 2003.


Trechos da rodovia Transamazônica na década de 1970 e em 2016

Fontes: <http://pre.univesp.br/transamazonica#.WjKf11WnFdg>; NOGUEIRA, 2016.


Acesso ao assentamento Paciá durante o verão amazônico

Fonte: NOGUEIRA, 2016/2017.

Fonte: NOGUEIRA, 2016/2017.


Trecho dentro do assentamento Paciá durante o inverno amazônico

Fonte: NOGUEIRA, 2016.


Rabeta, meio de transporte comum para as populações do assentamento, auxilia na locomoção interna, no período da
cheia, e externa para navegar no rio Madeira no assentamento Botos

Fonte: PAES, 2016.


Foto de barracas antes e depois de serem derrubadas no PAE Botos

Fonte: RODRIGUES, 2016.


Dentre os instrumentos legais, é a regularização fundiária o mais acionado quando se trata da
criação e implementação de assentamentos na Amazônia. No estado do Pará, por exemplo, até
2014 haviam sido criados 377 assentamentos, destes somente sessenta e seis por meio de
desapropriação; no Amazonas, dos 144 projetos somente quinze foram por desapropriação.
Enquanto isso, até o mesmo ano, a média nacional indicava que mais de 70% dos assentamentos
no país haviam sido criados por meio de desapropriação. São 1.348.484 famílias assentadas em
todo o país, e destes, mais de 40% estão na região Norte. Por detrás destes números há um
cenário que revela que a regularização fundiária, pelos menos na Amazônia, não provocou
alterações na estrutura do latifúndio, uma vez que este durante a Ditadura Militar foi beneficiado
pelos mesmos mecanismos que os pobres sem-terra. A exceção é que ao latifúndio foram
concedidas as benesses dos incentivos políticos e econômicos, como no estado do Pará
(NOGUEIRA, 2018).

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