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A formação cultural da Amazônia e a ocupação

econômica de Rondônia a partir de 1970:


o último round da resistência cabocla

Antônio Carlos Maciel

E se acabassem com o pequi de Goiás (como diz a música de João Carrero


e Capataz), com o queijo de Minas, com o churrasco gaúcho, com o açaí do
Belém, o jaraqui de Manaus? Só compreende quem tem idenfidade cultural
definida... Nascida cosmopolita, por quase meio século arigó-cabocla, Porto
Velho procura, atônita, sua idenfidade, ante a invasão da cultura caipira.

O processo de ocupação do Estado de Rondônia tem sido objeto


de estudo das mais diversas áreas de conhecimento. Antropólogos como
Teixeira (1999); sociólogos como Martins (1982 e 1986), Lopes (1983),
Silva (1984); economistas como Hébette e Acevedo (1982), Mesch
(1984) e Batista (2001); passando por historiadores, tais como Perdigão
e Bassegio (1992), e geógrafos como Becker et al. (1990), Coy (1986),
Santos (2001) e Amaral (1998), chegando a ecólogos como Miranda
(1987) e Fearnside (1989), têm apresentado suas interpretações a
respeito do processo de colonização desencadeado, a partir de 1970,
pelo Plano deIntegração Nacional, através deseus diferentes Programas.

Esses estudos são unânimes em reconhecer que esse é um dos


processos mais espetaculares – pela forma, pela intensidade e pela rapidez
– já ocorrido no Brasil. Em trabalho recente sobre o processo de ocupação
socioeconômica de Rondônia (MACIEL, 2004) faz-se uma análise desses
estudos, demonstrando que, apesar dos impactos inevitáveis, o processo
rondoniense foi o mais bem sucedido dos programas do Plano de Integração
Nacional,oquenãoimpededereconheceranaturezadoprocesso:socialmente

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intensa, ecologicamente predatória, economicamente transformadora,
culturalmente implantada. Martins (1982), bem a propósito, afirma: “O que
temos agora é a aplicação de um outro modelo de ocupação, que pretende
anular e revogar os modelos anteriores [...]” (p.68-69).

Quanto a isso, no caso de Rondônia, José de Souza Martins está


completamente certo. De fato, em nenhum outro lugar ou tempo da
Amazônia, um processo de colonização revogou tão radicalmente o
processo de formação da cultura regional.

A formação da cultura cabocla

É quase consenso, entre historiadores e antropólogos, o fato


de que a formação da sociedade cabocla amazônica se fez em três

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momentos: o colonial, decorrente das relações entre indígenas
e portugueses; o seringal, decorrente da economia da borracha,
no qual indígenas, caboclos e nordestinos, particularmente
cearenses, dão o tom da ocupação antrópica; e, finalmente, a
urbanização da cultura cabocla, decorrente do massivo êxodo
rural, a partir da década de 1920.

O primeiro momento vai da fundação do Forte do


Presépio, em 1616, que dá origem a cidade de Belém do Pará,
até meados do Século XIX, quando o declínio do extrativismo
das drogas do sertão dá origem ao extrativismo da borracha,
impulsionado pela crescente aplicação desta na indústria de
então.

Nesse período de aproximadamente 250 anos, a


ocupação da Colônia do Grão-Pará e Maranhão29 é realizada
por civis, militares e religiosos, a serviço da coroa portuguesa,
em luta direta contra as centenas de etnias existentes.

O caráter beligerante da ocupação, atenuado por uns


e enfatizado por outros, é um fato inconteste. Para Guzmán
(2006, p. 69-76) desde 1619 a Coroa portuguesa manteve
uma política de colonização e miscigenação do Grão-Pará e
Maranhão financiando, inicialmente, o transporte de açorianos,
e posteriormente, facilitando honrarias aos colonos que
casassem com indígenas. Segundo esse autor, o conjunto de
medidas oficiais (decretos, cartas régias e alvarás), entre 1751
e 1759, intensificam a promoção de uma política sistemática
de casamentos entre portugueses e mulheres indígenas de
diversas etnias. Apesar dessa visão institucional, esse autor
não dissimula o fato de que “a escravidão indígena foi o mote
de grande parte das atitudes coloniais na Amazônia”.

29 Nunca é demais lembrar, que a Colônia do Grão-Pará e Maranhão era independente


da Colônia do Brasil, portanto, duas Colônias distintas, e que somente a partir 1808, com
a vinda da família real portuguesa para o Brasil, àquela fora incorporada a esta. Sobre o
assunto, consulte-se Benchimol (1977, p.531, 549-550,557).

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Para Ribeiro (1995), ao contrário, a política de colonização com
açorianos fazia parte da estratégia de estabilizar a sociedade nascente,
sendo um complemento das estratégias mais efetivas na região:
os descimentos, as guerras justas e as tropas de resgate. Cada uma
destas envolvia aparatos de aliciamento e chantagem (no caso dos
descimentos) e de guerra (no caso das guerras justas e das tropas de
resgate). Cada forma de conquista determinava a condição do vencido:
os indígenas descidos eram repartidos entre colonos (em seus núcleos
coloniais) e religiosos (em suas missões-reduções); os vencidos
ou capturados eram escravizados na lavoura, no extrativismo e no
transporte. Para o autor, dessa condição de reprodução social nasce
o embrião da sociedade cabocla: os destribalizados, os deculturados
(colonos) e os mestiços, em cuja convivência, forçada ou não, emerge
a cultura cabocla.

A historiografia regional, em particular, a do Amazonas (FREIRE,


1991;MACIEL, 1992;SOUZA, 1978)nãosóenfatizaanaturezabeligerante
do processo de conquista da Amazônia pelos portugueses, incluindo
as formas mercantis de organização e exploração do trabalho, mas
também destaca (como não o fazem autores de outras regiões do Brasil
e brasilianistas) as estratégias de resistência indígena, durante o embate,
como elemento determinante da sociedade e da cultura caboclas.

Em 1750, com a ascensão de D. José I ao trono português e


do Marquês de Pombal a Ministro, a exploração do trabalho deixa de
ser regulada pelo Regimento das Missões e passando para o Diretório,
com o qual a Coroa portuguesa retira o poder dos missionários sobre
os índios. Freire (1991, p.59) sintetiza:

O monopólio dos diretores, a retenção pelos colonos dos índios que


lhes eram concedidos, a deserção e fuga dos índios das povoações,
a resistência armada aos descimentos, as epidemias, provocaram um
esvaziamento das aldeias – verdadeiros currais onde se depositava a
mão-de-obra, deixando a própria Coroa Portuguesa sem os índios de
que necessitava para o seu serviço e para as obras públicas. O projeto
mercantilista de pombal entrava em crise e, com ele, o Diretório de
Índios.

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A Carta Régia de 1798, que extingue o Diretório e cria a
obrigatoriedade de “alistamento” no Corpo de Milícias e no Corpo
de Trabalhadores, também não resolve o problema do recrutamento
da força de trabalho por descimentos, em função do que continuam
utilizando as tropas de resgate e as guerras justas.

A irracionalidade do modelo português atinge o auge com a


fuga da família real para o Brasil, cuja, “capacidade bélica que não usara
contra Napoleão era agora empregada contra os povos indígenas”
(FREIRE, 1991, p. 61), contra a qual eclode a maior resistência à
dominaçãoportuguesa:acabanagem30.Aotérmino do conflito, todavia,
pode-se constatar que o Amazonas ainda se constituía na “única
unidade política que não havia sido portugalizada e que permanecia
majoritariamente indígena” (FREIRE, 1991, p. 62) e, sobretudo, não
falava português, uma vez que o nheengatu permanecia como língua
de comunicação comercial e popular, o que leva Joaquim Nabuco
(apud FREIRE, 1991, p. 62) a afirmar: “os portugueses vieram, viram,
mas não venceram”. Portanto, ao contrário do restante do Brasil, essa
região ainda precisava ser conquistada.

O segundo momento, que vai de meados do Século XIX até


a década de 192031, é fundamental para a consolidação da cultura
cabocla, porque efetiva a integração da antiga Colônia do Grão-Pará,
agora Províncias e, seguida, Estados do Pará e Amazonas ao Brasil;
porque a economia da borracha possibilita a criação de uma rede
urbana integrada aos seringais; estes, por sua vez, favorecem a criação
de uma estrutura social diferenciada da indígena, incluindo a língua

30 A Cabanagem “foi um movimento nativista popular armado, que envolveu grupos


indígenas autônomos, a massa de índios das aldeias, índios destribalizados (chamados de
tapuias), os caboclos mestiços, os negros” (FREIRE, 1991, p. 62).

31 A desestruturação completa dos seringais só vai se dar a partir da década de 1950.


A escolha da década de 1920, para fins desse estudo, decorre da importância do
primeiro grande êxodo rural para a consolidação das principais cidades-sede municipais,
urbanizando, por assim dizer, a cultura cabocla. O segundo grande êxodo ocorre durante a
década de 1970, principalmente para Manaus.

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desafios para os estudos da infância e da formação docente junqueira&marin editores
de comunicação32; e, finalmente, a própria estagnação da economia
dos seringais entre as décadas de 1920 e 1960, propicia, às avessas, a
estabilidade da nova estrutura social e a constituição de um sistema
produtivo baseado num agro-extrativismo. E o fator determinante foi
a economia da borracha.

De fato, a economia da borracha possibilitou à região, em


particular a Manaus e Belém, a aquisição dos mais avançados produtos
do mundo de então: de urbanização, de consumo e deleite cultural,
que contrastavam com a pobreza dos trabalhadores e desempregados
urbanos, com a miséria dos seringueiros e demais trabalhadores
regionais.

Sem embargo, toda a estrutura urbana existente em Manaus


até meados dos anos 80, na área central da cidade, remonta à primeira
década do Século XX, o que comprova que a Manaus da belle-époque
alcançou elevado grau de urbanização, ainda que esta obra, a cargo dos
ingleses, tenha desprezado a lógica de ocupação do espaço regional e
só atendesse aos interesses dos coronéis, a ponto de o sociólogo André
Araújo revelar que “a ‘Paris dos Trópicos’, ao procurar negar a sua
identidade para buscá-la ‘no outro’, não percebeu que estava cercada
por uma ‘Banlieue’ de nordestinos famélicos e índios destribalizados”
(FREIRE, 1991, p. 59).

No lado rural, as contradições eram, ainda, mais gritantes.


Trabalhando sob condições irracionais, e preso ao sistema de
aviamento (SANTOS, 1980, p. 155-175), o seringueiro mereceu
de Euclides da Cunha (apud SOUZA, 1977, p. 100) uma defesa
indignada:

32 A estrutura social dos seringais, ao contrário dos aldeamentos e povoados (chamados


por Freire de currais de índios), dos quais não se distinguiam muito as vilas, até meados
do Século XIX, baseava-se na unidade familiar e na parentela (OLIVEIRA FILHO, 1979), em
cuja organização o nordestino exercia papel estruturante. Estima-se que meio milhão de
nordestinos tenha sido trasladado para a Amazônia pelas políticas subvencionadas pelo
Estado (RIBEIRO, 1995, p. 324; FERREIRA, 1982, p. 209-212; BENCHIMOL, 1977, p. 245-247.
Sobre a língua de comunicação ver Freire (2000 e 2004).

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Nas paragens exuberantes das héveas e castilôas, o aguarda a mais
criminosa organização do trabalho que ainda engendrou o mais
desaçamado egoísmo. E clama: urgência de medidas que salvem a
sociedade obscura e abandonada: uma lei do trabalho que nobilite o
esforço do homem; uma justiça austera que cerceie os desmandos; uma
forma qualquer de homes-tead que o consorcie definitivamente à terra.

De acordo com Souza (1977), nunca a cultura amazônica e os


valores regionais foram tão terminantemente negados. Com exceções
feitas ao poeta Raimundo Monteiro, ao romancista Ferreira de Castro e
ao cineasta Silvino Santos, a economia da borracha não produziu mais do
que arremedos de intelectuais-funcionários públicos, cuja obra consistia
na imitação do entulho cultural francês e na bajulação às oligarquias,
que se revezavam no poder, segundo ele,

Manaus e Belém se transformaram em pequenas reproduções da


Europa, sonhos de boa ganância materialista, de quixotes e sanchos
panças, da boa comida, do banquete eterno, das iguarias finas e vinhos,
picardias e liberações orgiásticas nos inúmeros bordéis altamente
especializados (1977, p. 90).

E por falar em bordéis, coube à mulher tal como ocorre hoje, em


muito maior escala, em Manaus33, um dos papéis mais dramáticos dessa
degeneração. Sendo o sexo feminino numericamente muito inferior ao
masculino, as mulheres, pela via da prostituição, faziam parte de um
comércio lucrativo (HARDMAN, 1988) e perigoso. Aos seringueiros, que
raramente poderiam fazer parte desse comércio, restava a masturbação,
o homossexualismo, a bestialidade, o adultério e o sexo compartilhado;
enquanto que os coronéis podiam desfrutar não só de suas esposas mas
também das cocottes importadas da França ou Rio de Janeiro. Souza
(1977, p.99) arremata:

33 Vale ressaltar, no entanto, que não é um privilégio de Manaus. A história do Ocidente,


em maior ou menor escala, tem conferido à mulher um papel subserviente; todavia, é sob
o Modo de Produção capitalista, que a condição da mulher assume sua condição bárbara,
em termos de força de trabalho, e degradante, sob a face da prostituição. Conforme Marx
Engels-lenin (1980).

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Na sociedade tribal amazônica, a mulher estava integrada
sob diversas formas de submissão. Com o extrativismo da borracha,
onde a procura era maior que a oferta, ela seria transformada em
bem de luxo, objeto de alto valor, um item preciso na lista das
mercadorias.

No entanto, a degeneração completa da sociedade do


látex só teria início, de fato, em 1910, quando a primeira
produção de borracha asiática abala o mercado mundial
e determina a queda imediata dos preços do comércio
internacional do produto. E as razões da derrocada são
apontadas por Cano:

A internação florestal dos seringueiros, a não-abertura de


terras e a grande necessidade de mão-de-obra para a extração
do látex impediam o desenvolvimento local de uma agricultura
comercial produtora de alimentos. Embora sua mão-de-obra
fosse livre não criou o assalariamento, transformando sua mão
de-obra, pela economia do aviamento, em produtores diretos.
Sua estrutura de comercialização e o predomínio do capital
mercantil atomizaram o uso interno de parte do seu excedente,
permitindo ainda grande vazão para o exterior, seja na forma de
grandes importações de bens e serviços, seja na de remessa de
lucros e de juros (1983, p. 45).

Premidos pela concorrência internacional, sem indústria


manufatureira para outras demandas nacionais e sem poder
regional sobre o poder central, a economia da Amazônia entra em
colapso.

Com isso, o Amazonas recua ao mais retrógrado


extrativismo, fragilizando ainda mais a estrutura dos seringais
nativos, muitos dos quais entregues a sorte das florestas;
enquanto sua indústria manufatureira, com o passar dos
anos, foi sucateada e extinta; e o seringueiro, abandonado à
própria sorte no interior da selva amazônica. Wagley (1988)
é definitivo:

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As condições atuais (1941) do Vale Amazônico qualificam
no, sem sombra de dúvida, como uma área subdesenvolvida.
Aproximadamente 60 por cento das pessoas que habitam a
Amazônia brasileira são analfabetos [...]. Em Manaus, [...] o índice de
mortalidade infantil era, naquele mesmo ano, 303 em 1.000. Segundo
as autoridades sanitárias, entretanto, esses dados são inferiores aos
índices reais. [...] o estado de deficiência alimentar, talvez mesmo de
semi-inanição, predomina em todo o Vale. A vida econômica do Vale
é francamente ‘primitiva e estagnada [...]. O transporte é efetuado
por vagarosas embarcações fluviais que em sua maioria são movidas a
carvão [...]. A indústria é primitiva e quase inexistente. O comércio da
região consiste basicamente em produtores florestais como borracha
bruta, óleos vegetais, couros e madeiras tropicais. As instalações de
utilidade pública, como esgoto, luz elétrica e água são insignificantes
[...]. Diante dessas condições, é fácil compreender porque não cresceu
a população da região amazônica do Brasil no período de 1920 a 1940,
quando, no país todo, seus habitantes aumentaram 36 por cento
(1988, p. 27, 28 e 29).

Por mais paradoxal que possa parecer, a formação cultural


da sociedade cabocla é produto tanto da riqueza da economia da
borracha e suas contradições culturais e de classe, quanto do extremo
isolamento aliado à profunda estagnação econômica.

Se no período anterior, que vai até meados do Século XIX,


era possível distinguir, entre os regionais, os destribalizados, os
deculturados (colonos) e os mestiços, tal como o faz Ribeiro (1995),
com a migração de aproximadamente meio milhão de nordestinos, a
miscigenação generalizada, a estruturação social de um campesinato
agroextrativista34 com reflexos acentuados nos centros urbanos
municipais, evidentes mesmo nas Capitais, além de um padrão
relativamente uniforme de reprodução social e cultural, incluindo a

34 Vale a pena lembrar que, no auge do sistema de seringais, houve várias crises de
abastecimento de produtos agrícolas. Com a decadência dos seringais, o caboclo aos
poucos volta a cultivar a agricultura e a diversificar o extrativismo vegetal e animal.

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desafios para os estudos da infância e da formação docente junqueira&marin editores
língua portuguesa, um século depois já não o é mais. Isto é, a sociedade
cabocla amazônica. A diversidade dessa relativa uniformidade cultural
decorre, então, das diferenças de classes, divididas entre as oligarquias
decadentes, as classes médias intelectualizadas dependentes, os
trabalhadores urbanos empregados ou não, e o campesinato agro
extrativista35. O terceiro momento consiste na urbanização da cultura
cabocla e está dividido em duas fases: que vai dos anos 1920 ao final
da década de 1960, e desta aos dias atuais, ambas caracterizadas por
intenso êxodo rural36.

Com efeito, ao se fazer um balanço da economia da borracha


até 1920, chega-se a algumas conclusões: a primeira delas diz
respeito ao fato de que proporcionou a consolidação de uma nova
estrutura social amazônica, na qual as contradições étnicas dão lugar
às sociais.

De fato, na terceira década do século XX, já era possível


perceber que o seringal havia consolidado a miscigenação entre
índios, nordestinos e colonos portugueses, constituindo um tipo de
sociedade nacional (a sociedade cabocla), distinta da organização
social indígena, mas sua herdeira culturalmente. Numa palavra:
a sociedade cabocla se tornara efetivamente uma sociedade de
classes, culturalmente referenciada e historicamente situada. Por
outro lado, ainda nesta década, o que hoje são cidades-sede dos
principais municípios da calha amazônica já ostentavam o status de

35 É longa a lista daqueles que divergem dessa abordagem: uns associando o caboclo
apenas ao campesinato amazônico; outros questionando o próprio conceito em função de
tantas outras possibilidades (ribeirinho, pequeno produtor, interiorano, pescador, coletor,
agricultor de corte e queima, shifting cufivafion, etc.). De minha parte, afirmo que nunca
encontrei uma dessas categorias (desde que ele tenha um pedaço de terra) que não fosse,
ao mesmo tempo, todas as outras, dependendo da época do ano. Por outro lado, o agro
extrativista é apenas um tipo de caboclo entre os demais, como ainda há de se reafirmar
aqui.

36 Notadamente, não se trabalhará aqui a segunda fase, pelo simples fato de que, esse
processo ocorre no Acre, no Pará e no Amazonas, mas não em Rondônia. Aqui, a intensa
migração sulista avança pelos últimos redutos caboclos do Estado.

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vila (distrito hoje) ou de cidade, mas sua existência era indissociável
da existência dos seringais37 e suas contradições sociais entre
seringalistas, aviadores, seringueiros e seus dependentes. Em
resumo, excetuando Manaus e Belém (onde a divisão do trabalho
alcançara um largo espectro de funções), o palco das contradições,
seja no seringal, seja na cidade, tem os mesmos personagens. É
esse o contexto em que se dá o primeiro grande êxodo rural e a
desestruturação dos seringais38.

O fato é que justamente nesse período, entre as décadas de


1920 e 1960, o êxodo rural consolida o modo caboclo de viver nas
cidades, incluindo as Capitais: da arquitetura urbanística, conforme
a classe social, à culinária; das relações de vizinhança e estrutura de
parentesco aos festejos e expressões folclóricas39.

37 Pelo intenso comércio, no qual é a base do aviamento, pela intensa comunicação via
rádio ou regatão e pelas relações familiares.

38 A desestruturação dos seringais e suas diversas formas de transformação em sítios


são amplamente relatadas pela literatura. Uma dessas formas se encontra num estudo
realizado em 2001, em um sítio, na localidade denominada Varadouro do Morgo, rio
Jamari, entre as cidades de Itapoã d’Oeste e Ariquemes, Rondônia, “Seo” Raimundo relata
como adquiriu suas terras. Segundo ele, quando o seringalista mudou de ramo na década
de 1960 (passou a explorar garimpo em suas terras) cedeu as colocações aos seringueiros
(que foram regularizadas após a morte do seringalista), em troca do trabalho de vigilância
deles. Ver Maciel (2001).

39 Excetuando-se os prédios públicos e as residências das oligarquias, a arquitetura


amazônica é peculiar e diferente do restante do Brasil; a culinária é baseada, mesmo hoje,
no extrativismo vegetal e animal regional; enquanto as relações de vizinhança se baseiam
na solidariedade do trabalho comunitário (mutirão) e numa comunidade em torno de um
santo padroeiro, o parentesco abrange, além dos indivíduos consanguíneos, agregados
e apadrinhados de diferentes maneiras; como cada comunidade tem um padroeiro, os
festejos acontecem o ano inteiro. Porém, a expressão mais eloquente da cultura cabocla
é o folclore: danças que reproduzem rituais indígenas, a vida e o trabalho na floresta, as
comunidades de aves e peixes, a miscigenação e a luta entre índios e portugueses, cuja
expressão máxima é o boi-bumbá, que representa tudo isso numa única dança. E não é
mera coincidência que essas expressões culturais tenham sido criadas exatamente nesse
período e, na mais importante delas, a de Parintins, a disputa (a guerra, na história real)
seja simbolizada pela Marujada (colono português) e pela Batucada (indígena).

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Esse é o quadro sociocultural que as políticas de integração
nacional vão encontrar na Amazônia no final dos anos de 1960. Mas
a política de integração nacional tem interesses que vão além da
integração regional. Conforme Ianni (1981):

[...] a ditadura instalada no Brasil adotou principalmente duas políticas


na Amazônia. Uma, de inspiração geopolítica, destinada a refazer e
reforçar os laços da região com o conjunto do País, em especial o
Centro Sul, econômica, política, militar e culturalmente dominante.
Outra, de inspiração econômica, destinada a reabrir a Amazônia ao
desenvolvimento extensivo do capitalismo (1981, p.132).

É dessa forma e sob esses interesses que o grande capital se


instala na Amazônia. Mas essa expansão capitalista, de acordo com
Martins e Ianni40, não é uma expansão de estilo clássico: em primeiro
lugar, ela se dá sob uma aliança entre o grande capital monopolista
associado ao capital colonialista interno e o Estado autoritário.

Em segundo lugar, essa aliança, que converte a burguesia em


proprietária da terra, concentrando a propriedade fundiária em suas
mãos e introduzindo a grande empresa no campo, a um só tempo,
fragmenta o poder regional das oligarquias, submete pequeno e
médios produtores, altera as relações de trabalho e de poder e, não
satisfeita, converte imensas massas camponesas e indígenas em
populações supérfluas para, em seguida, transformá-las em massas de
intrusos, invasores, violadores da lei.

Em terceiro lugar, tais populações não se transformam, pelo


menos a maior parte delas, em proletários41, não só porquanto o
processo seja violento e rápido, mas também porque os instrumentos

40 Sobre a interpretação da sequência, consulte-se Martins (1982, p. 67-96; 1986, p. 81


91) e Ianni (1981, p. 33-45, 130-142; 1986, p. 55-73).

41 Ianni (1988, p. 140), a esse respeito, mantém uma posição contrária a de Martins, ao
afirmar que no campo “atendência predominante é a proletarização”, sobre o processo de
proletarização (transformação da força de trabalho em mercadoria).

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tecnológicos, introduzidos na região, representam um salto
qualitativo muito grande em relação à tecnologia conhecida pelo
modelo extrativista.

Finalmente, em quarto lugar, é essa política de expropriação


e marginalização sociais no campo (ao contrário do que sustenta
a “doutrina de ocupação dos espaços vazios”, que fundamenta
a retórica oficial), a causa do esvaziamento do interior rural da
Amazônia.

Nos últimos quarenta anos, entre 1970 e 2010, pode-se


dizer que o capital alcançou seus objetivos econômicos e, apesar
das adaptações, a cultura cabocla resiste na grande calha (Acre,
Amazonas, Pará), porém, o mesmo destino não teve Rondônia.

A ocupação econômica de Rondônia a partir de 1970:


pecuária, agricultura comercial e extrativismo predatório

Rondônia era, até 1970, um Território completamente


extrativista42. Sua economia girava em torno de quatro
produtos extrativos: borracha, castanha, ouro e cassiterita,
cuja produção fora liderada pela borracha na década de 50 e
pela cassiterita, na de 60, sem nenhuma representação mais
significativa na área da agricultura e pecuária, o que, aliás, não
diferia dos demais Estados da Amazônia. Isso demonstra não só
uma economia dominada pelo extrativismo, mas também uma

42 Dados esparsos sobre a economia extrativista de Rondônia, entre as décadas de 50


e 60, podem ser encontrados em Lopes (1983, p. 11-15), Silva (1984, p. 09-28), Mesch
(1984, p. 131-140), Santos (1998, p. 42-44), Teixeira (1999, p. 94-105). Sobre a estrutura
social dos seringais de Rondônia, confira em Teixeira (1999, p. 107-138), sobre a condição
do seringueiro no período de transformação do seringal em garimpo, e deste, em
Assentamento, verifique em Maciel (2001, p. 06-15).

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desafios para os estudos da infância e da formação docente junqueira&marin editores
sociedade que se mantinha a custa de relações não-capitalistas
de produção, na medida em que tanto nos seringais, quanto
nos garimpos predominavam formas não-assalariadas de
remuneração43.

Além disso, em ambas as formas de extrativismo


(borracha e castanha de um lado, ouro e cassiterita, de
outro), a agricultura tornou-se estruturalmente impossível,
tornando-as dependentes do aviamento, da caça, pesca e roça
de mandioca, no caso dos seringais, e da troca perdulária, no
caso dos garimpos44. Num e noutro caso, essas estruturas de
produção, com raríssimas exceções, só beneficiavam os agentes
comerciais, os seringalistas e os donos de garimpo.

Por outro lado, a situação específica de Rondônia,


enquanto Território Federal de um lado e, de outro, enquanto
área de grandes seringais, fez com que a geopolítica do governo

43 As formas não-assalariadas do seringal passam por diversas fases (TEIXEIRA, 1999,


p. 108-112), sendo a mais importante delas, a que decorre do endividamento através da
aquisição de produtos manufaturados descontados pelos dias trabalhados da família. Já
no garimpo, sai regatão entra marreteiro; sai o barracão entra a draga, com uma diferença
fundamental: o garimpeiro, pago em pepitas de ouro, está livre para trocá-las pelos
produtos que quiser, que vão do cigarro à alimentação, passando inexoravelmente pela
prostituta, religiosamente pagos com ouro, perdulariamente a preço de ouro (MACIEL;
OTT; CEMIN, 1990).

44 A impossibilidade da agricultura se expressa através de um confronto histórico entre


as tentativas de sua implantação na Amazônia e a resistência do extrativismo. Costa (1992,
p. 4-9; 1998, p. 42-64) identificou cinco períodos, nos quais essas tentativas ocorreram: a
primeira, de 1616 a meados da década de quarenta do século XVIII; a segunda, da política
agrícola de Pombal ao fracasso da Companhia do Comércio do Grão Pará e Maranhão; a
terceira, das propostas liberais de meados do século XIX (conforme Oliveira Filho, 1979,
p.126-130) à segunda década do século XX; a quarta, da década de vinte à de quarenta e,
por fim, da Operação Amazônia aos dias de hoje. Frise-se que as duas últimas investidas
já têm caráter agropecuário e que o modelo operacionalizado no Estado de Rondônia
contraria a conclusão de Costa (1998, p. 9), segundo quem, mesmo no quinto período, “O
setor pecuário moderno que se pretendeu formar em substituição às formas extrativas e
de agricultura camponesa da fronteira, não se formou”, grifo meu.

135 EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE CULTURAL:


junqueira&marin editores desafios para os estudos da infância e da formação docente
militar o transformasse no locus privilegiado dos projetos
de colonização integrada, baseados na pequena propriedade
rural45.

Assim, a transformação da estrutura extrativista, operada


pela desapropriação dos seringais e implantação dos projetos
de colonização, foi rápida e profunda, e pode ser medida pelo
que aconteceu na região de Ariquemes, onde 16 seringais deram
lugar a 6.223 famílias assentadas por dois projetos dirigidos,
entre 1974 e 1978. A intensidade pode ser aferida pelo que
afirma Becker (1990) “o crescimento demográfico entre 1970 e
1980 foi fantástico, com elevação das densidades de 0,4 para
8,5 hab/km²” (p. 177).

É desse modo que Rondônia passa a ser o palco da


maior explosão populacional da década de 70. A população
que havia aumentado 64,7%, de 1960 para 1970; na década
de 70, sobe para impressionantes 331,4% de crescimento
absoluto, enquanto que a taxa média geométrica chega a
15,74% de crescimento anual. Na década de 80, embora haja
uma contenção do crescimento exponencial, o crescimento
absoluto chega a 124,7%, mais que duplicando a população, e a
taxa média geométrica anual a 7,64%, o dobro da região norte
(3,85%) e o quádruplo da média brasileira (1,77%). Na década
de 90, enfim, a taxa média geométrica de crescimento, torna
se a menor da região (2,22%), ficando abaixo da média regional
(2,86%).

45 Acresce-se às condições específicas de Rondônia o fato de não possuir oligarquia


forte, o acesso rodoviário desde meados de 60, existência de manchas de terras férteis
próximas a BR, além de vastas áreas de terras devolutas (MESCH, 1984, p. 170), fatores
que, com a tutela do Estado, possibilitaram um fluxo migratório de tal intensidade que
motivou Becker (1990, p. 147) a repensar seu próprio conceito de fronteira, enquanto
“espaço não plenamente estruturado e, por isso, dotado de elevado potencial político [...].
Este é o caso de Rondônia [...]. A dinâmica do povoamento foi tal que aí se desenrola um
dos mais significativos processos de transformação econômica, social e política do Brasil
contemporâneo”.

EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE CULTURAL: 136


desafios para os estudos da infância e da formação docente junqueira&marin editores
Tabela 1 – Participação relativa da população rural e urbana,
crescimento absoluto do Estado e da capital, participação relativa da
capital, taxa média geométrica de crescimento anual do Estado, taxa de
crescimento absoluto do Estado e densidade demográfica – 1960/2000
1960 1970 1980 1991 2000
participação (%)
1-População Urbana 43,6 51,9 47,6 58,2 64,1
Rural 56,4 48,1 52,4 41,8 35,9
2-Rondônia 70.783 116.620 503.125 1.130.874 1.377.792
3-Porto Velho 51.049 88.856 138.289 286.471 334.585
4-População da capital (%) 72,12 76,19 27,49 25,33 24,28
5-Taxa média geométrica de
crescimento anual - 4,75 16,03 7,91 2,89*
6- Crescimento absoluto (%) - 64,7 331,4 124,7 21,8
7-Densidade (hab/Km²) 0,30 0,49 2,12 4,76 5,8

Fonte: Para 1, 2, 3, 4, 6 e 7; para 4: IBGE – Sinopse Preliminar do Censo Demográfico


2000, vol. 7, p. 1-30, 2-16, 2-18, 2-47, esses dados que divergem de FIERO (1995, p.64),
Batista (2001, p.37), Santos (2001, p. 96). Para 5 (*): Batista (2001, p.37), O IBGE (2000,
p. 1-30) apresenta a taxa de 2,22%.

Isso significa que o Estado deixou de ser o destino das


correntes migratórias nacionais (na década de 90, esse papel
coube ao Amapá, ao Tocantins e a Roraima) e passou a crescer
em função da própria população radicada. Nesse processo de
consolidação, todavia, há um fator que deve ser destacado: a
relação capital-interior.

A trajetória da primeira relação aponta para um dado


extremamente positivo e constitui um caso único na Amazônia.
Com efeito, no período extrativista, a capital, Porto Velho,
participava com 72,1% e 76,2% da população, de acordo com
os censos de 1960 e 1970. Com o processo de colonização, a
participação da capital cai para 27,5%, em 1980, portanto,
passando em uma década de ¾ para ¼ da população, mantendo
se em torno desse patamar em 1991 (25,3%) e em 2000
(24,3%). Numa palavra: a capital, que até 1970, representava
a massa da população “nativa”, essencialmente arigó-cabocla,
numa única década, vê-se completamente destituída dessa
representatividade, e passa a ser dominada pelos recém
chegados imigrantes caipiras das regiões Sul e Sudeste.

137 EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE CULTURAL:


junqueira&marin editores desafios para os estudos da infância e da formação docente
Tabela 2 – Participação relativa da população do município da capital
em relação à da Unidade da Federação, nos censos demográficos de
1960/2000
das capitais
Municípios Participação relativa da população do município da capital em relação à
Unidade da Federação
1960 (1) 1970 (1) 1980 (1) 1991 (2) 2000 (2)
Porto Velho 72,12 76,19 27,49 25,33 24,28
Rio Branco 29,89 38,92 39,04 47,19 45,38
Manaus 24,31 32,70 44,34 48,05 49,90
Boa Vista 88,74 89,01 84,89 66,17 61,82
Belém 25,93 29,24 27,07 24,02 20,68
Macapá 68,09 75,34 78,09 62,09 59,42
Palmas ... ... 0,45 2,64 11,86

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 1960, 1970, 1980, 1991 e 2000.


(1) População recenseada. (2) População residente.

Por isso, essa trajetória se constitui na melhor distribuição


populacional da região46, não só porquanto indique uma crescente
ocupação dos espaços rurais, mas também porque está acompanhada
de uma densidade demográfica (5,80 hab/km²), que apresenta a
segunda menor oscilação de taxa de densidade da Amazônia.

Os dados47 são elucidativos sobre a origem e o destino dos


imigrantes: a massa, de origem camponesa, em sua ampla maioria
expropriada, vem do Sul e do Sudeste, e se dirige ao interior do

46 A concentração da população nas capitais amazônicas parece só não ter sido um


problema para o Estado do Pará, na medida em que Belém tem historicamente oscilado
entre 20,68% e 29,24%, no período dado (1960-2000), por isso mesmo diferencia-se, de
forma positiva, da trajetória de Porto Velho. Todas as outras capitais se diferenciam de
forma negativa: Manaus é o extremo oposto, passa ascendentemente de 24,31%, em 1960,
para 49,90%, em 2000. Ver Censo 2000, Tabela 1.7, p. 2-15.

47 Grande parte dos colonos paranaenses, que emigraram para Rondônia, é descendente
de mineiros, capixabas e baianos, cujos pais emigraram nas décadas de 50 e 60 para o
Paraná. Participaram da abertura da fronteira Oeste desse Estado, mas não conseguiram
manter-se na terra e é na condição de expropriados que emigram novamente. Suporte
mais detalhado sobre as correntes migratórias e as condições de expropriação consultar
Martins (1982, p. 82-82), Becker (1990, p. 149), Silva (1975, p. 20), BRASIL (1976, p. 72-73).

EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE CULTURAL: 138


desafios para os estudos da infância e da formação docente junqueira&marin editores
Estado. Não é coincidência, portanto, que formação da nova base
econômica de Rondônia se faça a partir de uma agricultura, desde
cedo, comercial: adquirida a terra, aproveita-se os recursos naturais,
então abundantes, para torná-la agriculturável. O processo não
raramente passa ou pela venda da madeira, com cujos recursos
financeiros se limpa a área para as primeiras lavouras ou troca-se
a madeira pela limpeza da área ou, ainda, utiliza-se como lenha e
como matéria-prima para a construção dos equipamentos rurais.
Em quaisquer dos casos, os recursos naturais, particularmente a
madeira, são a primeira moeda. Desta maneira, o novo extrativismo,
de forma predatória, contribui com a agricultura, valorizando, do
ponto de vista dessa lógica, a terra.

Esse fato se torna relevante no processo de ocupação de


Rondônia, porque é o detour de uma lógica, que tem, na condição
do campesinato imigrante, o suporte da especificidade do processo
econômico. Sem embargo, a origem camponesa dessa população
e a condição de expropriados, em experiências anteriores, são
o fundamento do espírito pioneiro colonizador e não apenas
explorador-aventureiro e que, in limine, determinam o caráter sui
generis do processo. É com esse espírito que os dados da produção
agrícola podem ser interpretados:

Tabela 3 – Utilização das terras, segundo os resultados dos Censos de


1970, 1975, 1980, 1985 e 1995-1996 - Rondônia
Utilização das terras (ha) 1970 1975 1980 1985 1995-1996
Estabelecimentos 7.082 25.483 48.371 80.615 76.956
Área total (ha) 1.631.640 3.082.052 5.223.631 6.032.647 8.890.440
Lavoura permanente 12.273 45.763 170.178 215.465 254.334
Lavoura temporária 32.363 147.700 203.253 315.079 177.974
Lavoura em descanso - 10.064 39.327 83.022 69.220
Pastagem natural 82.186 60.046 242.653 221.572 343.369
Pastagem plantada 41.006 164.524 510.184 879.304 2.578.700
Matas naturais 1.070.591 2.551.749 3.829.753 4.070.888 5.090.420
Matas plantadas 446 297 165 8.065 41.040
Produtivas não utilizadas 350.328 56.341 73.573 90.855 236.626

Fonte: IBGE, Censos Agropecuários.


Nota: Os dados até 1985 referem-se a 31.12, no censo de 1995-1996 os dados
referentes a número de estabelecimentos, área total e utilização das terras referem-se
a 31.12.1995.

139 EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE CULTURAL:


junqueira&marin editores desafios para os estudos da infância e da formação docente
A Tabela acima, representativa da evolução do uso da terra
em Rondônia, entre 1970 e 1995-6, permite visualizar que o processo
é irreversível e está em vias de consolidação. No geral, o censo
demonstra a expansão crescente da área plantada, exceção para a
lavoura temporária. Excetuando-se esta, portanto, a regra é a expansão
crescente do uso da terra por todos os grupos de atividade econômica,
com destaque para a área plantada de pastagem que, entre 1985 e
1995-6, triplicou confirmando, portanto, o processo de pecuarização
do setor primário do Estado.

A lógica da pecuarização é um fato constatado por diversos


autores. Alguns destes, explicam-na segundo prismas bastante
discutíveis: Fearnside (1989, p. 09, 14-19) vê apenas especulação e até
irracionalidade do colono; enquanto que Teixeira (1999, p. 213-218)
só consegue ver o caráter predador. Lopes (1983, p. 48), no entanto,
desde muito cedo e a partir de pesquisa de campo mais acurada, expõe
as condições concretas da construção dessa lógica “O aumento da área
de pastagem está diretamente relacionado com os baixos preços dos
produtos agrícola, com os problemas de financiamento para o café e o
cacau, além da vassoura de bruxa que tem atacado este último”, com
o que concorda Costa et al. (1996, p. 27). Mas não se trata apenas de
um déficit financeiro da atividade agrícola, baseada na monocultura,
trata-se, conforme se constatou através de levantamento em campo
(MACIEL, 2001, p. 23) de uma racionalidade camponesa construída,
segundo as condições do ecossistema e de um mercado de fronteira,
onde o aproveitamento dos recursos vegetais, transformados em
acesso e capital inicial, é fundamental para incrementar as culturas
agrícolas que vão “amansar” a terra e proporcionar a formação do
pasto e da fazenda, aspiração final, aliás, de todos.

Por essas razões, a longa experiência do colono com as


incertezas (preço dependente do mercado externo, das condições
climáticas, das políticas efêmeras dos governos) e as dificuldades da
agricultura (acesso ao crédito, custo elevado de produção e circulação,
precária infra-estrutura viária para escoamento,) consolidou a lógica
de propensão a um investimento mais seguro e, pela diversificação
que proporciona, mais rentável: a pecuária.

EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE CULTURAL: 140


desafios para os estudos da infância e da formação docente junqueira&marin editores
É essa lógica que explica porque a área da pecuária triplicou,
passando de 879.304 ha, em 1985, para 2.578.700 ha, em 1995
6. Infelizmente, esse foi o último Censo agropecuário realizado,
portanto, após esse ano, em termos de área, o que se pode fazer é
estimá-la, a partir do efetivo do rebanho. Levando em consideração
que a média em 95-6 era de uma e meia cabeça por hectare, tem-se,
em permanecendo essa proporção, em 2002, um total de 5.359.926
ha de pastagens, só para o rebanho bovino. Assim, enquanto a área
da agricultura permanece estancada nos limites de 95-6, apesar
do crescimento das áreas plantadas de mandioca, soja e palmito, o
pasto duplicou sua área. Nos seis anos, que separam 1996 de 2002, o
efetivo também duplicou, passando de 3.937.291 milhões de cabeças
para 8.039.890 (IBGE, 2002). Marca extraordinária, dada a condição
sanitária do rebanho, a diversidade da produção e a cadeia produtiva
desencadeada.

Tudo isso significa, na prática, uma completa e profunda


alteração na forma de ocupar e usar as terras no Estado, transformando
a estrutura fundiária, baseada nos seringais e sua correspondente
forma de utilização, fundada no extrativismo vegetal, numa estrutura
fundiária camponesa, baseada na exploração racional da agricultura
familiar e da pecuária e, por conseguinte, na estrutura social do Estado.

Como decorrência, o eixo econômico, deixa de ser o até então


conhecido na Amazônia, que acompanha o curso dos rios, e passa a ser
o eixo que entorna a BR-364. Desse modo, segundo Matricardi ([1996],
p. 03) “A área ocupada com imóveis rurais que correspondia em 1970
a 7%, atinge em 1991 cerca de 57% da área territorial de Rondônia”.

O resultado da ocupação econômica de Rondônia e da


migração camponesa majoritariamente sulista (Sul e Sudeste), que
a acompanhou, é a transformação radical do espaço amazônico
rondoniense: no lugar dos seringais, há pastos e lavouras; o
transporte não se baseia na rede fluvial, mas rodoviária (Rondônia
possui, proporcionalmente, a maior rede rodoviária do Norte e o
deslocamento terrestre para qualquer município pode ser feito
em um dia – ao contrário do Acre, Amazonas e Pará, por exemplo);

141 EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE CULTURAL:


junqueira&marin editores desafios para os estudos da infância e da formação docente
desde o final da década de 1970, Rondônia é o terceiro Estado mais
desflorestado do Brasil; as cidades não se desenvolveram, foram
implantadas pelo planejamento urbano, de acordo com a lógica
sulista que vai da arquitetura à arborização.

A população cabocla do interior que, em 1970, representava


23,8%, parte da qual em pequenas Vilas e comunidades ao longo da BR
319, simplesmente ou desapareceuou foi confinada em guetos urbanos
(como acontece com o bairro Marechal Rondon, em Ariquemes).
Enquanto isso, a Capital, Porto Velho, deixou de ter a importância
econômica que tinha na década de 1980; sucumbiu politicamente
desde meados dos anos de 199048; e, hoje, culturalmente, salvo
minúsculos redutos, é uma cidade que se quedou à cultura sertanejo
caipira moderna.

Colonos e caboclos em Rondônia:


a sulinização de um espaço amazônico

Mas afinal de contas, quem são esses migrantes? Por


que escolheram Rondônia? Pode-se dizer, desde logo, que não
escolheram, foram escolhidos.

Primeiro porque a geopolítica da integração nacional dos


governos militares dividiu a Amazônia e o Centro-Oeste, de acordo
com uma estratégia econômica, que reservou uma função a cada

48 O governo Valdir Raupp (1995-1998) é a consagração do processo de colonização e


da pujança das economias municipais. Originário do município de Rolim de Moura, esse
governo, eleito sob o discurso da crítica ao descaso com a agricultura, marca a hegemonia
completa do interior, na medida em que já a possuía no legislativo. Desde então, são
representantes (e empresários!) do setor que se revezam no poder executivo: José Bianco
(1999-2002), do município de Ji-Paraná; Ivo Cassol (2003-2010), do município de Rolim de
Moura e, finalmente, Confúcio Moura (2011-2014), do município de Ariquemes.

EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE CULTURAL: 142


desafios para os estudos da infância e da formação docente junqueira&marin editores
Estado: o Pará ficou com os grandes projetos agrominerais, o
Amazonas com o enclave industrial, o Acre como reserva extrativista,
o Mato Grosso com as grandes empresas rurais e Rondônia com a
colonização integrada, baseada na pequena propriedade rural.

Segundo porque os programas de colonização, em especial


os de Rondônia, que pressupunham os fatores de fracasso do Pará,
foram programas dirigidos, inicialmente, a excedentes camponeses
do Paraná e da Bahia e, embora a migração se tenha generalizado, na
década de 1970, o processo de seleção levava em conta a condição
social, a experiência camponesa, a origem da migração e o número
de filhos da família49.

Gráfico 1 – Migração por naturalidade do colono

Fonte: Pesquisa de campo realizada em Ariquemes e Monte Negro, em Mai


Jun/2002.

49 Esse processo confirmado nas entrevistas de campo por Maciel (2004, p. 122), por
Sydenstricker (1990, p. 29-33), ao descrever a seleção para o Projeto Machadinho e por
Miranda (1987, p. 15-26).

143 EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE CULTURAL:


junqueira&marin editores desafios para os estudos da infância e da formação docente
Com efeito, a seleção do colono por sua origem camponesa
majoritariamente sulista, associada à experiência com sistemas
produtivos de elevada inserção no mercado, tornaram-se requisitos
indispensáveis para reafirmar a condição de proprietário, quer pelas
estratégias produtivas de intensificação e diversificação, as quais
supõem aproveitamento racionalizado da divisão técnica e social do
trabalho, quer pelas tomadas de decisão para superação das crises
decorrentes das oscilações de preços do mercado. Essa peculiaridade
dos PADs, comum também aos PICs, torna-se um componente
relevante do caráter da formação social do colono, que possibilitou o
salto para uma nova formação social, orientada por uma lógica, aqui
denominada de pecuarização.

Essa nova formação social, portanto, resulta do encontro bem


sucedido entre as políticas públicas, constituídas pelos projetos de
colonização dos programas de desenvolvimento, e a propensão para
o trabalho, consubstanciada na intensidade de trabalho despendido,
pelos colonos, predominantemente de ascendência sulista. Do lado
das políticas públicas, vale enfatizar que o financiamento da produção
possibilitou trajetórias produtivas, até então desconhecidas nas fases
iniciais de ocupação campesina; do lado do colono, a disposição ao
trabalho para construir uma unidade produtiva competitiva, que
o tornaria um camponês fora dos padrões tradicionais, seja pelos
referenciais da sociologia clássica, seja pelos referenciais brasileiros
sobre a fronteira, seja pelos referenciais sobre a shifting culfivafion
cabocla. Os dados da coleta na região de Ariquemes são elucidativos.

A primeira questão que salta aos olhos, neste Gráfico 1, é o fato


de que não há nenhum migrante da região Norte, e os do Centro-Oeste
e Nordeste, a exceção da Bahia, são insignificantes. A migração, por
naturalidade, do Sudeste gira em torno de 40%; do Sul, em torno de
31% e, o Nordeste, em 25%. Ou seja, em torno de 71% das regiões Sul
e Sudeste.

Em se tratando de naturalidade, ainda, o Estado de Minas


Gerais aparece em primeiro lugar em emigração, seguido do Paraná,
Bahia e Espírito Santo. No entanto, quando se observa a emigração,

EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE CULTURAL: 144


desafios para os estudos da infância e da formação docente junqueira&marin editores
a partir do Estado de onde as famílias se deslocaram para Rondônia,
a relação entre Minas e Paraná se inverte, conforme se pode verificar
pelo Gráfico 2, invertendo a relação Sul-Sudeste. Nesta, a migração do
Sul gira em torno de 40% e a do Sudeste em torno de 31%, portanto, as
duas regiões permanecem no mesmo patamar. Em termos de Estado,
o Paraná dispara em primeiro lugar, seguido de Minas, Bahia, Espírito
Santo e, a novidade, os dois Estados do Mato Grosso, notadamente,
por ficarem a meio caminho na rota da migração.

Gráfico 2 – Migração por Estado de emigração

Fonte: Pesquisa de campo realizada em Ariquemes e Monte Negro, em Mai-Jun/2002.

Esses dados confirmam a tese, segundo a qual o Estado do


Paraná recebeu forte migração do Sudeste, em particular de Minas
Gerais, quando da abertura de sua fronteira Oeste, do mesmo modo
como proporcionou um elevado índice de emigração, quando essa
mesma fronteira dá sinais de esgotamento (MARTINS, 1982).

A experiência paranaense, por isso mesmo, por se tratar de


um processo relativamente rápido de aquisição e de desapropriação
de terra, de um lado e, de outro, de trabalho assalariado rural,
em ambos os casos, de fracasso de uma empreitada de vida, que

145 EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE CULTURAL:


junqueira&marin editores desafios para os estudos da infância e da formação docente
tem por objetivo a propriedade da terra, será determinante para
a compreensão da luta pela conquista e permanência na terra,
em Rondônia. A conquista que se fará mediante a superação das
dificuldades impostas pelo acesso (aquisição), pelo meio físico
(desmatamento de floresta virgem e malária) e pela produção
e escoamento desta na fase inicial (infra-estrutura mínima); e a
permanência, que se fará pelas estratégias produtivas adotadas, cuja
reprodução só teria sentido se ampliada para o mercado, única forma
de, novamente, não ser expulso por este.

Sem a experiência paranaense, cujo legado, acima de


tudo, consiste na compreensão dos mecanismos do mercado
capitalista, é impossível compreender a determinação desse
colono em expandir sua produção, como é o caso de Fearnside
(1989, p. 27) que vê avareza e ganância, onde aqui se vê eficiência
produtiva.

Assim, a intensidade da migração camponesa sulista, apoiada


pelas políticas de Estado, não toma ‘conhecimento’ da cultura
cabocla, num primeiro momento, entre as décadas de 1970 e
meados dos anos de 1990, do Sul do Estado até 100 Km às portas de
Porto Velho. Nunca é demais lembrar que só na região de Ariquemes,
16 seringais e suas poucas famílias dão lugar a 6.223 famílias dos
projetos dirigidos, entre 1974 e 1978. Nessa proporção é que
impõem uma estrutura social, a camponesa de base agropecuária,
e um sistema cultural, o sertanejo-caipira, e seu conjunto de valores
simbólicos e materiais, que vai da arquitetura à culinária, passando
pelas variações linguísticas, relações de parentesco, formas de lazer,
nas quais se encontram a música, a dança e, a expressão folclórica
máxima, os rodeios das exposições agropecuárias.

Dominada a base econômica e cultural de 80% do Estado, o


segundo momento inicia com a conquista do espaço político, desde
o governo Raupp (1995-1998), a partir de quando as elites regionais
portovelhenses, surpreendidas pela sua própria incapacidade de
se incluir e gerir as novas condições do desenvolvimento, vão, elas
também, sucumbindo submissa e humilhantemente.

EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE CULTURAL: 146


desafios para os estudos da infância e da formação docente junqueira&marin editores
Hoje, Porto Velho é uma cidade que perdeu a biruta: invadida
literalmente pelos camponeses novos ricos, esforça-se para ser caipira,
enquantoescondesuacaracaboclaealmanordestina.Enessepapelficatão
bem quanto um índio, que se vê trajado de peão em cima de jegue. Atônita
e impotente vê o arraial Flor do Maracujá ser substituído pela exposição
agropecuária, as escolas de samba (e que isso não aconteça com a Banda
do Vai Quem Quer) pelo carnaval fora de época, a madeira-mamoré pelo
shopping.Sem teatro eoutros espaços artísticos, resta o mercadocultural, o
últimoredutodeumaculturateimosa,prestesaenfrentarseuúltimoround.

O último round da resistência cabocla em Rondônia

Do vasto referencialteórico acerca da ocupação socioeconômica


de Rondônia a partir de 1970, apenas um ou outro se preocupa com
a contradição entre colonos e caboclos, e com os impactos culturais
decorrentes. A maioria absoluta ou trata da luta entre camponeses
(colonos do Sul e Sudeste, principalmente) e a fazenda da grande
empresacapitalista,oudosimpactosambientaisdaocupaçãoantrópica.
Neste texto, procurou-se demonstrar que a ocupação socioeconômica
de Rondônia, fundamentalmente por camponeses do Sul e Sudeste,
a partir dos Projetos de Colonização do Programa de Integração
Nacional, iniciou uma transposição cultural, cujas consequências
chegam ao paroxismo exato no presente momento, quando a própria
capital, enquanto último reduto de resistência da cultura tradicional
amazônica em Rondônia, parece quedar-se ao poderio econômico
caipira e suas manifestações culturais, por consequência direta.

Para tanto, mostra-se como decorreu a formação cultural da


Amazônia, de acordo com três períodos determinantes: o colonial, o
seringal e a urbanização da cultura cabocla. O primeiro que se inicia
com a construção do Forte do Presépio, em Belém, no ano de 1616,
e se estende até meados do século XIX; o segundo, que vai deste
momento, quando a economia da borracha determinará a ocupação

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junqueira&marin editores desafios para os estudos da infância e da formação docente
sociocultural da Amazônia, até o ocaso dessa economia durante a
segunda década do século XX; e a terceira, a urbanização da cultura
cabocla, que se divide em duas etapas, a primeira, entre as décadas de
20 e 60, e a segunda, de 1970 aos dias atuais.

Demonstra-se, com base nessa periodização, como ocorreu


a formação da cultura cabocla, enquanto estrutura fundamental da
formação cultural brasileira, que essencialmente pode ser constituída
por cinco formações: a gaúcha no Sul; a caipira no Brasil central, que
corresponde grosso modo às regiões Sudeste e Centro-Oeste; a crioula
e a sertaneja, concentradas no Nordeste; e a cabocla, no Norte do país.

E por fim, demonstra-se que a ocupação socioeconômica de


Rondônia é uma ocupação completamente diferente de tudo que
a Amazônia já havia passado antes, tanto pela forma institucional,
baseada nos Programas de Colonização, quanto pela cultura majoritária
das populações, essencialmente, camponesas de origem já caipira,
segundo a uma vertente da tradição antropológica brasileira.

O processo iniciado, em 1970, muda radicalmente a paisagem


física, cultural e social de Rondônia, processo esse que, no presente
momento, chega à capital, Porto Velho, considerada aqui, o último
reduto da resistência cabocla. Mas a considerar, por um lado, o peso do
poder econômico e, por outro, a intensidade e rapidez das mudanças
culturais evidentes, pode-segarantir, poroutras experiências históricas,
que Porto Velho trava seu último e decisivo round. ●

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