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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

CURSO DE RELAÇÕES ECONÔMICAS INTERNACIONAIS


TÓPICOS ESPECIAIS EM RELAÇÕES ECONÔMICAS INTERNACIONAIS -
TD3: O CAPITALISMO NO BRASIL

Formação do Mercado Econômico (1830-1889) e do Estado Burguês no Brasil


(1850-1916)

Mirna Castelnovo Nunes

Odilon Francisco Gomide Amaral

Belo Horizonte

2021
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Ao longo dos Séculos, o Brasil experimentou transformações econômicas e


sociais, mas sem que isso levasse ao rompimento de diversas contradições
socioeconômicas profundas. Na perspectiva da metrópole, a desigualdade poderia ser
definida por meio de relações que se desenvolveram segundo a própria dinâmica da
exploração colonial que se realizou no longo prazo, desde o início do Séc. XVI, o
objetivo de alcançar a máxima extração do excedente – pela dinâmica centro-periferia.
Nos primórdios dessa relação – antes da presença portuguesa na América – era interesse
da metrópole tanto a manutenção da integração, quanto da subordinação da colônia. Sob
o aspecto dos colonos, a desigualdade era definida pela estrutura social e de poder
mantida pela colônia, cujo aspecto proeminente era a de uma sociedade fortemente
hierarquizada.
O processo de modernização se deu de modo assimétrico, condicionados por
uma série de fatores. O primeiro diz respeito ao determinismo geográfico, que
condicionou o processo de ocupação. Caio Prado Jr. (1987, p. 39) destaca a fixação que
existia em relação à manutenção das atividades próximas ao litoral, justificadas pela
existência de fatores naturais favoráveis à agroexportação, à conexão com os portos
exportadores e custo de transporte. Decorreu disso o fato de haver limitada
interiorização nos primeiros séculos, refletindo na apropriação do território brasileiro.
Destacam-se também os distintos padrões de interação entre as populações
-populações ameríndias ou africanas e colonizadores. Parte substantiva dos nativos do
litoral ou nas proximidades com o atlântico foi expulsa, migrando lentamente e gerando
uma redistribuição no espaço, apesar dos esforços da colônia para a promoção da
integração da população ameríndia ao trabalho compulsório, obstado, em parte, pelas
Missões Jesuítas (PRADO JÚNIOR, 1987, p. 94-104). Verifica-se, ao longo do período,
a deterioração das condições de existência e de utilização do trabalho dos indígenas no
Norte do país, localidade onde estariam mais integrados à produção não compulsória
colonial. Quanto ao peso das populações europeias e africanas, havia uma tendência
nítida de se adensarem nas zonas de produção de bens coloniais, agrícolas ou minerais
e, secundariamente, nas zonas de produção mercantil de gêneros básicos de
subsistência, escravista (Idem, p. 112).
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Dentre as atividades que promoveram a interiorização, citam-se a


agroexportação, mineração, pecuária e drogas do sertão (extrativismo vegetal, da
Amazônia e Norte da América portuguesa). No litoral, a ocupação não foi contínua. Os
núcleos se conectavam de alguma forma com as respectivas formações regionais. Em
suma, no período colonial, houve um adensamento entre o Rio Grande do Norte,
Alagoas, Recôncavo Baiano e Baixada Fluminense –a maior parte da população
colonial se encontrava no litoral-, em faixas ou núcleos de adensamento do litoral
(Idem, pp. 41-42). A agroexportação promoveu o adensamento populacional, enquanto a
economia de subsistência, mercantil ou não, tendeu a promover a dispersão espacial.
Caio Prado Jr. (1987) propôs uma periodização para o processo de povoamento.
Entre os Séc. XVI e XVII, identificou o povoamento condicionado à região quase que
exclusiva do litoral. Em outros locais, a densidade demográfica era baixa (da Foz do rio
Amazonas a Foz do rio da Prata na Colônia de Sacramento). O que havia de
interiorização ficava restrito à pecuária extensiva (sem promover a formação de núcleos
urbanos). A primeira metade do Séc. XVIII foi denominada “Revolução Demográfica”,
promovida pela atividade extrativa mineradora (observou-se o crescimento da
população colonial na primeira metade do Séc. XVIII, associada à formação da
economia do ouro). Houve um deslocamento do eixo econômico da agricultura para a
mineração, traduzida em deslocamento do litoral para o exterior (Idem, p. 71-73).
No restante do período colonial, na segunda metade do Séc. XVIII e início do
Séc. XIX, o retorno do centro dinâmico da economia colonial para o litoral (à exceção
do norte Fluminense, em Campo dos Goytacases e o Planalto Paulísta), a literatura
denomina "Renascimento Agrícola" (PRADO JÚNIOR, 1987, p. 131-132). No Séc.
XVIII, ainda não havia formação regional escravista, que somente surge em São Paulo
com a formação dos espaços canavieiros, conhecido na literatura como quadrilátero do
açúcar (Idem, p. 81-82). Por quase três séculos em São Paulo a economia era de
subsistência, do autoconsumo e, no Séc. XVIII, uma economia de subsistência mercantil
– produção de bens para o abastecimento de Minas Gerais. O local foi passagem
importante em direção às minas mais interiorizadas – Goiás e Mato Grosso -, para
animais que vinham do extremo sul e seriam extremamente fundamentais para a
economia do ouro (Idem, p. 67) -além de se constituir um centro irradiador de
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prospecção dos minerais e pedras preciosas por meio dos Bandeirantes – que assumem
protagonismo no final do XVII e início do XVIII (Idem, p. 68).
A formação do espaço canavieiro foi muito restrita, do ponto de vista do espaço
geográfico, e o da cafeicultura do Vale do Paraíba, do Sul Paulista, ocupando faixa
pequena do território paulista. Até meados do Séc. XIX, São Paulo não tinha todo o
território ocupado. Era composto da população originária e com pequena produção para
autoconsumo. A projeção de São Paulo no período é um fenômeno que precisa ser
compreendido no âmbito do processo de modernização, porque não há raízes em
antecedentes, para além de algumas chaves que Caio Prado Jr. sugere. O caráter tardio
do processo de ocupação geográfica de São Paulo, quando consideradas as demais
partes do território, permitiu uma grande reserva de área não apropriada – que se
revelaria como potencialmente rentável para a expansão da cafeicultura na segunda
metade do Séc. XIX (PRADO JÚNIOR, 1987, p. 79).
Durante as décadas de 1820-1900, houve um crescimento do volume de
exportações, com aumento da participação do café. No mesmo período considerado,
decaíram os valores referentes à exportação de algodão e açúcar (DE PAULA, 2021, p.
57). A economia brasileira no Séc. XIX era regionalmente diversificada em vários
aspectos –produção, mercados, relações de trabalho e estruturas fundiárias. A
Amazônia, no Séc. XIX, caracterizada pela atividade extrativa (drogas do sertão), com
destaque à borracha – perdeu espaço em razão da produtividade mais elevada da
borracha asiática. O período de auge e declínio foi o que levou à modernização e
urbanização de sua região, processo fortemente impulsionado pela onda de migração
decorrente das secas no Nordeste, entre 1877-80 (DE PAULA, 2021, p. 61).
No caso do Nordeste, além da produção de açúcar, foram também importantes a
produção de tabaco, cacau, alimentos e a atividade pecuária. Ao contrário do que se
imaginava – tríade latifúndio, trabalho escravo e monocultura – exigências específicas
da produção açucareira levaram à necessidade de emprego de trabalhadores
assalariados. As demais produções alimentícias (agrícolas) utilizaram tanto de mão de
obra livre quanto escrava (DE PAULA, 2021, p. 62). No caso do algodão, não foi
característico o uso intensivo de mão de obra escrava, nem pela grande propriedade
rural. Era comum a utilização de trabalho familiar e parcerias (Idem, 2021, p. 65).
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No Séc. XVIII, a economia de Minas Gerais era diversificada. Além da extração


mineral (ouro e diamante), havia a atividade agrícola, manufatureira e de serviços (DE
PAULA, 2021, p. 65). A ampliação das relações econômicas na região foram
impulsionadas pela produção aurífera e pela adoção do ouro como meio de pagamento
ou permuta, cuja mercantilização impulsionou o desenvolvimento urbano e político-
administrativo (Idem, 2021, p. 66). A partir de 1820, foram incorporadas inovações
tecnológicas em razão da transferência de comando para as empresas estrangeiras.
As regiões de fronteira foram ocupadas como medida de proteção e soberania.
Dessa ocupação decorreu o desenvolvimento da exploração mineral e expansão da
pecuária, denominada ocupação do Extremo-Oeste. Noutro norte, o Extremo Sul do
Brasil empenhou-se no desenvolvimento de um mercado interno com emprego de
trabalho familiar – arroz, trigo, carne, milho (DE PAULA, 2021, p. 69).
Os motivos determinantes do descompasso do desenvolvimento econômico do
Brasil podem ser justificados pela questão da distribuição de renda, particularmente
relativos ao desenvolvimento do mercado interno (DE PAULA, 2021, pp. 69-70).
Extrai-se das acepções de Caio Prado Jr. (1987) que a estrutura social do passado era
fortemente polarizada, entre escravistas, proprietários de escravos, mas não era uma
colonização que suprimisse camadas intermediárias de livres não-proprietários. A
polarização social era condicionada aos sistemas econômicos regionais e sub-regionais,
com a estrutura social não redutível a um esquema único (por exemplo, na estrutura
social de São Paulo não havia os grandes senhores de escravos até o terceiro quarto do
Séc. XVIII; também não o tinha no Norte da América portuguesa). Mas a riqueza
patrimonial, a renda e o poder político e administrativo estavam associados ao controle
da terra, posse (legitimada ou não), além de instalações industriais, como no caso do
açúcar, com regime monopolístico.
Não há como pensar em diversidade e desigualdade nesse período sem pensar
nas formas de apropriação da terra. A unidade dessas formas são dadas pelo latifúndio e
pela tendência invariável de concentração da propriedade da terra, fundiária, sob duas
formas: a dominante (mecanismo de fato) ou o simples apossamento (mecanismo legal,
presença de concessão legal – carta de Sesmarias). Até 1850, vigorou no Brasil a Lei de
Terras, que obstou o acesso das camadas mais pobres da população à terra – criando o
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Sistema de Sesmaria. No Brasil, esse regime foi implementado concomitantemente às


capitanias hereditárias, definindo um padrão que caracterizou a estrutura fundiária – o
latifúndio (DE PAULA, 2021, p. 147).
Outra consequência importante desse monopólio e que transcende o período
colonial, e em grande medida, nos trás ao tempo presente, é que a terra era o principal
fundamento do poder e da dominação e constituição de uma série de redes de
dependência econômica e social. O Estado português favorecia-o tacitamente ou por
meio de instrumentos legais –de modo a legitimar esses mecanismos que são claramente
de extração patrimonialista (posto que o aparato policial, judicial são monopolizados
pela elite e criados para preservar esse monopólio). Relações sociais e de trabalho eram
predominantemente compulsórias ou semicompulsórias, quando considerado esse
núcleo dinâmico da economia colonial e de mercado externo. No mercado de trabalho
houve uma transição da mão de obra indígena para a negra escrava, entre a segunda
metade do século XVII e primeira metade do Séc. XIX.
Quanto aos transportes, Caio Prado Jr. (1987, pp. 243-245), afirma que estavam
condicionados a dinâmica da exploração colonial e, em última instância, ao que definiu
como sentido da colonização. Por exemplo, o caso de Minas Gerais, no Séc. XVIII, na
economia do ouro e com um conjunto de cidade mineradoras, cujas áreas de lavra
viriam a se constituir no que seria o maior polo a promover integração de zonas e
espaços periféricos, independentes e abastecedores –o primeiro processo de macro
-integração regional do Séc. XVIII, como decorrência da colonização ocorrida pela
economia do ouro –, foi um fenômeno sem precedentes, anterior a transição capitalista,
pré-moderna –único processo de integração que foi de fato importante (Idem, p. 133). A
partir do Século XIX, houve a expansão capitalista, caracterizada pelo maior
desenvolvimento dos meios de transporte e de comunicação, mas experimentada de
modo diverso pelos diferentes sujeitos do Estado brasileiro (DE PAULA, 2021).
Imperioso refutar qualquer tentativa de empregar análises generalistas, que
atribuam uniformidade ao quadro espacial e histórico do Brasil (DE PAULA, 2021, p.
75). O período compreendido entre 1850-1916 foi uma época em que as políticas
liberais adotadas por governos conservadores foram de excepcional relevância à
implementação de um estado burguês no Brasil (Idem, 2021).
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A estrutura desigual que se consolidou requer a compreensão do mercado


interno que, por sua vez, sofreu influência de várias determinantes históricas:
insuficiência de mão de obra livre, estrutura fundiária concentrada, estabelecimento de
relação entre a produção agropecuária e a relação fundiária (DINIZ, 2009). Grandes
medidas marcam a criação das relações de mercado: a terra se tornou mercadoria;
posteriormente, o Código Comercial passou a regular contratos e negócios por
mecanismos jurídicos –com um importante adendo em 1854, a Lei de Hipotecas, que
proporcionou mais dinamização à atividade produtiva agrária-; por fim, a abolição da
escravatura abriu espaço para a formação da mão de obra livre no Brasil. Consolidou-se
o domínio da esfera privada na vida pública, com a imposição de uma ordem social
competitiva (DE PAULA, 2021).
João L. Fragoso (2000) também aponta a abolição do tráfico internacional de
escravos, a Lei de Terras (1850), o Código Comercial (1850), a Lei de Hipotecas
(1864), o desenvolvimento das estradas de ferro - sendo este uma demonstração da
consolidação do modo de produção capitalista no comércio internacional – como fortes
elementos indicadores de transformação na sociedade então existente. A abolição, de
acordo com o autor, colocaria impedimentos na principal forma de reprodução daquilo
que seria uma das bases fundamentais para o surgimento e consolidação da sociedade
montada no período colonial. Entretanto, esta medida não se fez tão eficaz,
imediatamente, tendo em vista o tráfico interprovincial.
Fragoso (2000) diz que, superada a escravidão, começava-se a ver a passagem,
com ressalto para a agroexportação, para diversas outras relações de produção não-
capitalistas (ex. pareceria, colonato, morador, etc). O autor ressalta a importância da Lei
de Terras (propriamente elaborada pela elite escravista no intuito de superar a
escravidão) para esta nova estruturação da sociedade. Para Fragoso, por esta lei "a terra
era transformada em mercadoria corrente" e "seu resultado prático foi o de contribuir
para a transformação ou confirmação do trabalhador, livre ou ex-escravo, como
produtor de sobretrabalho para outros" (FRAGOSO, 2001, p. 147). Dessa forma,
modificaram-se as estruturas até então existentes sem maiores sobressaltos. O autor
conclui que é neste período, até a virada para o Séc. XX, "que presenciamos o
crescimento da população urbana, os primeiros passos da industrialização, com a
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formação de seu capital industrial e sua classe operária. O que importa sublinhar é o
caráter lento e tenso de tais transformações" (Idem, p. 147).
Nos períodos anteriores, o monopólio da terra, impulsionado pelas atividades
mercantil-exportadoras no Séc. XVI, relacionava-se com a abundância da terra e a
rarefação da população livre, refletindo na concentração de poder econômico e político-
regional. A agricultura de subsistência refletia em baixos níveis de progresso técnico e
baixa produtividade nas pequenas propriedades rurais, que geravam circularidade da
pobreza (CANO, 2001, p. 95). A Lei de Locações de Serviços tornou viável e recorrente
a adoção de parcerias agrícolas e pecuárias, em 1879 (DE PAULA, 2021). Quanto ao
mercado de trabalho, esse foi tomando contornos a partir da Lei Eusébio de Queiroz, em
1850, até a Lei Áurea, em 1888. O processo de abolição já vinha se desenhando e
consolidando, impulsionado pela alforria, revolta e fuga de escravos e com a
intensificação da imigração. Com a Lei Áurea, os ex-escravos foram lançados ao
“mercado” sem qualquer tipo de amparo – sendo que os antigos proprietários também
não foram indenizados.
O ano seguinte seria marcado pela crise final do regime imperial. Ela começou
com a Guerra do Paraguai (de 1864 a 1870), que, a princípio tinha se constituído num
grande fator de unidade e de construção de uma identidade nacional. Nem a
Independência, nem acontecimentos subsequentes tiveram tal êxito em desenvolver um
sentimento profundo de identidade nacional, a não ser quando manifestada na forma de
uma xenofobia em relação portugueses e ingleses. A guerra “agitou todo o país”
(BASILE, 2000, p.263). Segundo Marcello Basile (2000), aproximadamente 55 mil
pessoas –um terço de todos os brasileiros enviados para a guerra–, se apresentaram, de
forma livre, como voluntárias para a guerra. Mas tal sentimento se resfriou com o
prolongamento do conflito e a considerável resistência ao recrutamento forçado. Por
outro lado, o exército se mostrava inconformado com a falta de reconhecimento.
A hegemonia imperial estava se rompendo. Depois da abolição, os donos de
terra não viam mais motivos para para apoiar o império. Quando, finalmente, a
República foi proclamada, houve a ascensão de um grupo heterogêneo, mas que
consolidou o poder dos fazendeiros paulistas, produtores de café. A chamada
acumulação primitiva de capital, na sua versão em solo brasileiro, ocorreu
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pioneiramente em São Paulo, impulsionada pela combinação da Lei de Terras e a


política de imigração (DE PAULA, 2021, p.146). A província paulista começou
bancando em parte a vinda de trabalhadores livres do exterior em 1880, com o governo
federal passando a pagar pelo resto em 1885. Até 1920, entraram cerca de 3 milhões de
pessoas no Brasil. Os imigrantes se estabeleceram inicialmente nas lavouras de café
paulistas. Posteriormente, no ambiente urbano, transformariam-se na classe operária,
que já nasceu combativa, com uma forte marca da ideologia e da cultura anarquistas,
trazidas pelos italianos (DE PAULA, 2021).
Os problemas econômicos do Brasil, para Celso Furtado, compreendiam desde a
deterioração dos termos de troca, à estrutura agrária arcaica, das relações entre a
monocultura exportadora ao imperialismo internacional, somada à dualidade das
estruturas produtivas e das relações de trabalho (NABUCO, 2001, p. 61). As relações
calcadas no caráter monopolizador das estruturas produtivas engendraram um setor
cujas estruturas eram calcadas nas relações de patrimonialismo e marginalização
(CANO, 2001, p. 95). A "agricultura itinerante" referia-se às múltiplas formas com que
a atividade agrícola se desenvolveu e expandiu, não apenas interiorizando-se, mas
moldando as estruturas sociais: cultura do açúcar no Nordeste nos primeiros anos,
estendendo-se às regiões Sudeste, com a crise da mineração no Séc. XVIII, da
cafeicultura no Séc. XIX e XX: Espírito Santo, São Paulo e Sul do Brasil (Idem, p. 99).
A combinação entre a Lei de Terras e a política de imigração foram
fundamentais ao despontamento de São Paulo no processo, deliberado ou não, de
acumulação de capitais (DE PAULA, 2021). Celso Furtado pontua que, no Nordeste, a
abolição da escravatura fez aumentar o número de pessoas empregadas na agricultura de
subsistência e impulsionou o fluxo migratório para outras regiões na busca por terras,
multiplicando os bolsões de ineficiência produtiva e pobreza (CANO, 2001, p. 95). A
condução dos agricultores a se inserir como dependentes em relação ao latifúndio se
reproduziu no tempo e fronteiras e foi determinante na definição das estruturas sociais.
No Sul do Brasil e São Paulo havia níveis menores de concentração de renda e melhores
condições de sociais. No caso do Nordeste, essa estrutura social reiterou-se e agravou-
se, com a pressão crescente sobre a terra, a superexploração do trabalho e a
expropriação.
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Os mecanismos cumulativos intensificam-se. A concentração implicou na


drenagem de fatores da periferia para os polos –as políticas públicas e econômicas
passaram a favorecer São Paulo–, e as transformações implicaram na conquista de
mercados das periferias regionais (CASTRO, 1980, p. 72). A industrialização e o
desenvolvimento assimétrico promoveram a redução das economias não relacionadas ao
polo à produção de insumos, matéria prima, gerando drenagem da capacidade de
acumular e perda da população (SINGER, 1977).
Apesar de a industrialização ter se tornado uma política de Estado, apenas a
partir da década de 1930, a atuação estatal já se fazia presente no século anterior, de
forma decisiva, “na constituição de uma moldura institucional organizadora dos
mercados” (DE PAULA, 2021, p.148). A trajetória de políticas tarifárias serve para
ilustrar que “tarifas, por si só, não criam indústrias” e que, mesmo assim, o Brasil não
abriu mão de estimular a indústria nacional por meio desse mecanismo (Idem, 2021,
p.148). De 1874 a 1905, a utilização de políticas tarifárias foi variada, sejam de cunho
protecionista ou de razões fiscais, por exemplo- comia edição de cerca de onze medidas.
Outro momento marcante foi a Constituição de 1891, uma espécie de fac-símile
do modelo dos Estados Unidos. O documento teve, de um lado, um caráter liberal
(república presidencialista, bicameral e federativa), e manteve, de outro, as condições de
exclusão e interdição de direitos sociais. Ao contrário das reformas liberais sobre a
propriedade de terra, o sistema educacional, que tiveram lugar em território norte-
americano, por aqui, estava ausente qualquer dispositivo ligado a uma distribuição
primária de renda, com garantia e extensão de direitos que não passavam de ilusórias,
de forma apenas a legitimar “uma ordem social excludente e desigual” (DE PAULA,
2021, p. 249).
Tais fatores também saltam à vista no Código Civil de 1916, o grande marco do
fim do projeto de formação do estado Burguês no Brasil. Apesar do nome, o código não
garantia praticamente nenhum direito à cidadania –a não ser que o cidadão fosse
proprietário de bens, inclusive, terras. Ele garantia o direito à propriedade, à herança, à
transmissão de bens, consolidava o patriarcado, coroando a imposição da ordem social
individual e privatista, competitiva. Mas trazia, em si, um enorme silêncio sobre direitos
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democráticos, traduzindo-se numa sonegação de direitos coletivos, sempre marcante e


presente na história da política brasileira.

REFERÊNCIAS

BASILE, Marcello O. “O Império brasileiro: panorama político”. In: LINHARES, Maria Yedda
(Org.). História Geral do Brasil. 9a Ed. Rio de Janeiro: Campus, 2000.

CANO, Wilson. Celso Furtado e a questão regional no Brasil". Celso Furtado e o Brasil. São
Paulo: Fundação Perseu Abramo. 2001. pp. 93-120.

CASTRO, Antônio Barros de. Sete Ensaios sobre a Economia Brasileira. 4ª Edição. Rio de
Janeiro. Forense Universitária. 1980.

DE PAULA. João Antônio. O capitalismo no Brasil. Bem Horizonte, 2021. Digitado (Não
Publicado).

___. Conteúdo extraído de aulas da disciplina Capitalismo no Brasil, FACE, UFMG,


2020-2021.

DINIZ, Clélio Campolina. Celso Furtado e o desenvolvimento regional. Nova Economia.


Belo Horizonte. p. 247-249.

FRAGOSO, João L. “Economia brasileira no século XIX: mais do que uma plantation
escravista-exportadora. In: LINHARES, Maria Yedda (Org.). História Geral do Brasil. 9a Ed.
Rio de Janeiro: Campus, 2000, cap.5, p.144-85.

NABUCO, Maria Regina. Celso Furtado e a questão regional no Brasil". Celso Furtado e o
Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo. 2001. p. 59-70.

PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. 20ª Edição. São Paulo. Editora
Brasiliense. 1987.

SINGER, Paul Israel. Desenvolvimento Econômico e a evolução urbana: análise da


evolução econômica de São Paulo, Blumenau, Porto Alegre, Belo Horizonte e Recife. 2ª
Edição. São Paulo: Editora Nacional. 1977.

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