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Estudos Históricos a segunda metade do século XVII, a ex­

N pansão da fronteira colonial na América


portuguesa criou novas zonas de contato e fr
ção com as populações autóctones, nem sem­
pre integradas ou subjugadas pela força mili­
Pedro Puntoni tar ou pela iniciativa dos missionários. No caso
das capitanias do norte do Estado do Brasil,
onde se estabelecera um sistema económico
A GUERRA DOS BÁRBAROS e social baseado na produção de açúcar, o pro­
cesso de expansão da economia colonial im­
POVOS INDÍGENAS E A plicou duas formas distintas de apropriação do
território e de organização social. De um lado,
COLONIZAÇÃO DO SERTÃO a zona produtora da mercadoria de exporta­
NORDESTE DO BRASIL, 1650-1720 ção, o açúcar, e do sistema produtivo coadju­
vante (alimentos, tabaco etc.). De outro, a zona
da pecuária: o sertão. Para esta região conver­
giam as tensões e conflitos resultantes da ex­
pansão territorial da Colónia. Tensões essas
agravadas com o desenrolar dos acontecimen­
tos das guerras holandesas, que envolveram
na dinâmica conflituosa do mundo colonial
vários povos autóctones de maneira irrever­
sível. Com efeito, entre 1651 e 1704, o sertão
foi palco de uma série de conflitos entre os
povos indígenas e os colonos luso-brasileiros
— conflitos que em seu conjunto foram co­
nhecidos na época como a Guerra dos Bárba­
ros, porque por “bárbaros” sc tomavam os in­
dígenas que imaginavam estar “invadindo”
as fronteiras do Império português e cristão.
Apesar de alguns historiadores procurarem
interpretá-la como um movimento unificado
de resistência (como uma “confederação”),
essa caracterização é coeva aos acontecimen­
tos, participando da lógica de extermínio a que
chegou a política indigenista do Império. Re­
sultado de diversas situações criadas com o
avanço da fronteira da pecuária e a necessida­
de de conquistar e “limpar” as terras para a
criação do gado, esta guerra envolveu vários

Cafxr. Dança dos índios tarairiús. Óleo de Albert Eckout,


1654
EDITORA HUCITEC
ESTUDOS HISTÓRICOS
TlTULOS H.M CATÁl.OCO
Portuga!r Brasil na Crise do Anligfi Sistema Colonialf/777-/.Y(WJ, Fernando Novais
Metamorfoses da Riqueza — São Paulo, 1845-1895, Zélia Maria Cardoso de Mello
O Engenho (vol. I), Manuel Moreno Fraginals
Prr-Capitalismo e Capitalismo (A Formação do Ihasil Colonial), Sedi H irano
() Eng/enho(vofc. lí e III). Manuel Moreno 1'raginals
A Borracha na Amazônia: Expansão e Decadência (1850-1930), Barbara Wcinstein
Europa, França e Ceará: Origens do Capital Estrangeiro no llrasil, Denise Monteiro Takeva
A Independência do Brasil, Carlos Guilherme Mota & Fernando Novais
A E.spada de Dânuides: o Exército, a Guerra do Paraguai e a Crisedo Império, VVilma Peres Costa
Na llahia Contra o Império: História do Ensaio de Sedição de 1798, István Jancsó
Uma Cidade na Transição. Santos: 1870-1913, Ana Lúcia Duarte Lana
Mendigos, Moleques e Vadios na Bahia do Século XIX, Walter Fraga Filho
Colónia e Nalivismo: zl História como "Biografia da Nação", Rogério Forasticri da Silva
Portugal na E.poca da Restauração, Eduardo D‘Oliveira França
/I Nova Atlãntida de Spix e Martins: Natureza e Civilizaçãu na Viagem peio Brasil (I8I7-I83P),
Karen Macknow Lisboa A GUERRA DOS BÁRBAROS
Barrocas Famílias (Vida Familiarrm Minas Gerais no Século XVIII), Luciano Raposo de Almeida POVOS INDÍGENAS E A COLONIZAÇÃO
Figueiredo
Uma República de 1 .citares: História e Memória na Recepção das Cartas Chilenos 0845-1989), Joaci DO SER PÃO NORDESTE DO BRASIL,
Pereira Furtado
() Universo do Indistinto: Estado e Sociedade nas Minas Setecentistas (1735-1808), Marco Antonio 1650-1720
Silveira
Estado e Agricultura no Brasil: Política Agrícola e Modernização Económica Brasileira 1960-1980,
Wenccslau Gonçalves Neto
zl Ciêrnia dos Trópicos: zl Arte Médica no Brasil do Século XVIII, Márcia Moisés Ribeiro
zl República Ensina a Morar (Melhor), Carlos A. C. Lemos
zl Nação como Artefato: Deputados do Brasil nas Cortes Portuguesas (1821-1833), Márcia Regina
Berhel
Administração e Escravidão: ideias sobre a gestão da agricultura escravista brasileira, Rafael de
Bivar Marquese
zl Mísera Sorte: A escravidão africana no Brasil holandês e as guerras do tráfico nu Atlântico sul
(1631-1648). Pedro Puntoni
Homens de Negócio: A interiorização da metrópole e do cuméicio nas Minas setecentistas,}uri\s Fcrreira
Furtado
zl República Ensina a Morar (Melhor), Carlos A. C. Lemos
'i
zl Historiografia Portuguesa, Hoje, José Tengarinlia
Rases da Formação Territorial do llrasil: O território colonial brasileiro no "longo" século XVi,
Antonio Carlos Robert Moraes
A Bahia e a Carteira da India, José Roberto do Amaral Lapa
A Imigração Portuguesa no Brasil, Culália Maria Lahmeyer Lobo
IXJMliSMOAtrrOH.NAMI-LSMACOI.r.çAO.NAEDnWíuntK.TniC
PEDRO PUNTONI
AMtsa»So>te:aEsmivu/<ioAfiH<iH<iaol}rasilHolíiiu/ãe<uGuerrastioTnificoaoAtlãHlicoSiil. 1998

A GUERRA DOS BÁRBAROS


POVOS INDÍGENAS E A COLONIZAÇÃO
DO SERTÃO NORDESTE DO BRASIL,
1650-1720

ESP UNIVERSIDADE l)E SÀO I*AUIX>

Rfitor AiJolpbo José Melfi


Vicc-reitor Hclio Nogueira da Cruz

I edU8P EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAIII.O

Comissà» Editorial José Mindlin (Presidente)


Latira de Mello c .Souza
Murillo Marx
Oswaldo Pauto Eorattini
Plínio Martins Pilho

Ditrlor-farsideiitf Plínio Martins Pilho


Dintotu Editorial Siívana Biral
Ditrtora Comemal Pliana Urabayashi
Dhrtora Administ/ativa
Editor^assistontf
Angela Maria Conceição Torres
Joào Bandeira Azfapesp edusP
Copyright © 2000 by Pedro Puntoni

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara brasileira do Livro, SP, Brasil)

Puntoni, Pedro
A Guerra dos Bárbaros: Povos Indígenas e a Colonização do Sertão Nor­
deste do Brasil, 1650-172(1 / Pedro Puntoni. - São Paulo: Hucitcc:
Editora da Universidade de São Paulo: Eapcsp, 2002. - (Estudas His­
tóricos; 44)

Bibliografia
ISBN 85-271-0568-3 (Hucitcc)
ISBN 85-314-0684-6 (Edusp)

1. Brasil - História - Período colonial 2. Brasil. Nordeste - Histó­ “L’ignorance du passe ne se borne pas à
ria 3. índios da América do Sul - Guerras - Brasil, Nordeste 4, Povos nuire à la compréhension du présent; elle
indígenas - Brasil, Nordeste 1. Título. II.Título: Povos Indígenas e a compromet, dans le présent, 1’action même.”
Colonização do Sertão Nordeste do Brasil, 1650-1720. 111. Série.
March Bi.och. Apologie pour 1'Histoire
02-0803 CDD-980.413 ou Métier d'hislorien, 1949.

índices para catálogo sistemático: “O meu intento neste trabalho foi servir
1. Brasil: Sertão Nordeste: Povos indígenas: Guerras: Período colonial: ainda cá aos índios, já que não posso mais
História 980.413 fazer lá
2, Gucrras: Povos indígenas: Sertão Nordeste: Brasil: Período colonial: Bernard de Nantes. Kalecismo índico
História 980.413
da língua Kariri, 1707.

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6“ andar - Ed. da Antiga Reitoria - Cidade Universitária - 05508-9(8) - São Paulo - SP - Brasil
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Printed in Br.izil 2002


Foi feito o depósito legal.
SUMARIO

PREFÁCIO pág.
Agradecimentos

1. NO ÍNTIMO DOS SERTÕES


A pecuária e os caminhos do sertão
Minas de salitre
Fazendas e currais
Resistência indígena e extermínio

2. O PAÍS DOS TAPUIAS


O “muro do demónio”
A missionação entre os tapuias
Confederação dos cariris?

3. GUERRAS NO RECÔNCAVO
Jornadas do sertão, 1651-1656'
A Guerra do Orobó, 1657-1659
A Guerra do Aporá, 1669-1673
As guerras no São Francisco, 1674-1679

4. A GUERRA DO AÇU
A campanha de Antônio de Albuquerque Câmara, Domingos
Jorge Velho e Manuel Abreu Soares, 1687-1688
A campanha de Matias Cardoso de Almeida, 1690-1695
A rendição dos janduís, 1692
Guerra ofensiva x guerra defensiva
O terço do mestre-de-campo Manuel Álvares de Morais Navarro
10 S II M Á K I O
5. O TERÇO DOS PAULISTAS pàg. 181
A “guerra do Brasil” 186
A Guerra dos Bárbaros e as jornadas do sertão 192
Paulistas e os “ares do sertão” 196
Cabos e soldados 202
Dinheiro e farinha 210

ICONOGRAFIA 225
ABREVIATURAS
6. PAULISTAS x M AZOM BOS 241
4«UI-Mo.s
O massacre no Jaguaribe, 1699 243
AfllJ Arquivo Histórico Ultramarino. Lisboa
Uma guerra injusta 245
APEB Arquivo Público do listado da Bahia. Salvador
A devassa de João de Matos Serra 255 Ajuda Bibliorcca do Palácio da Ajuda. Lisboa
Armas de fogo 266 BNI, Biblioteca Nacional de Lisboa. Lisboa
Da prisão do mcstrc-dc-campo à dissolução do terço 271 BNP Biblioteca Nacional de Paris. Paris
IEB Instituto de Estudos Brasileiros. São Paulo
EPÍLOGO 283 ihgb Instituto Histórico c Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro
ihgrn Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. Natal
Anexo 1. Quadro cronológico 291
DE DOCUMENTOS IMPRESSOS E PERIÓDICOS
Anexo 2. Reis, governadores e capitães-mores 293 c°'-kçôes
Anexo 3. Missões e aldeamentos no sertão nordeste do Brasil AAV Anais da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro
ACS Atas da Câmara, Documentos Históricos do Arquivo Municipal. Sal­
no século XVII 295 vador
Anexo 4. Tratados de paz, 1692-1697 300 ACSp Atas da Câmara da Vila dt São Paulo. São Paulo
Anexo 5. O terço do mestrc-de-campo Manuel Alvares de AMP Anais do Museu Paulista. São Paulo
Morais Navarro em 1698 305 CSS Cartas do Senado, Documentos Históricos do Arquivo Municipal.
Salvador
FONTES E BIBLIOGRAFIA 307 Dfí Documentos Históricos da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro
RAM Revista do Arquivo Municipal. São Paulo
RAtP Revista do Museu Paulista. São Paulo
índice das tabelas e dos mapas
RGCSp Registro Geral da Câjmara Municipal de São Paulo. São Paulo
Tabela I. Distribuição das etnias no terço do rnestrc-dc-canipo Morais
Navarro 206
R/AP Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano.
Recife
Tabela 2. Motivo das baixas no terço de Morais Navarro 209
Tabela 3. Valor das contribuições previstas na finta de 1654 para a jornada
RífíGp Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro
do sertão, segundo as companhias das ordenanças 215 Rihgc Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Ceará. Fortaleza
Tabela 4. Valor dos soldos no terço do mestrc-de-campo Morais Navarro c R&grn Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. Natal
estimativa de custos totais 217
Tabela 5. Dinheiro despendido com o terço do mestrc-de-campo Morais
Navarro, 1698-1702 219

Mapa 1. Bahia, Pernambuco c capitanias anexas, século XVII 23


Mapa 2. () Recôncavo Baiano c o sertão de dentro, século XVII 93
Mapa 3. Pernambuco e as capitanias anexas, século XVII 130
PREFÁCIO

“Mdi i a confusão. Muita luta. Muito mistério.” É assim


que Câmara Cascudo define a guerra dos índios no sertão do Rio Gran­
de, entre 1687 e 1704. Nas suas palavras, “a maior |campanha] que o
Brasil conheceu em todos os tempos”.1 Este episódio da Guerra dos
Bárbaros, conhecido como a Guerra do Açu, em razão da ribeira do rio
que abrigou a maior parte dos combates, foi sem dúvida o mais impor­
tante do longo ciclo de guerras movidas contra os povos do sertão nor­
destino. A Guerra dos Bárbaros, iniciada no que chamamos aqui as Guer­
ras no Recôncavo Baiano (1651-1679), marcou o destino da América
portuguesa e das civilizações indígenas que resistiam à sua expansão.
Na verdade, mais se aproximou de uma série heterogénea de conflitos
que foram o resultado de diversas situações criadas ao longo da segun­
da metade do século XVII, no quadro das transformações do desenvol­
vimento do mundo colonial, do que de um movimento unificado de
resistência. Estes conflitos envolveram índios, moradores, soldados, mis­
sionários e agentes da Coroa portuguesa, e tiveram lugar na ampla re­
gião do sertão norte: o atual Nordeste interior do Brasil, que compreen­
de a grande extensão de terras semi-áridas do leste do Maranhão até o
norte da Bahia (ou seja, o vale do São Francisco), englobando parte do
Ceará, do Piauí, do Rio Grande do Norte,2 da Paraíba e de Pernambuco.
Um dos episódios mais violentos de nossa história, a Guerra dos Bár­
baros foi também um dos mais longos (1651-1704), concorrendo com as
guerras dos Palmares, ocorridas na mesma época. Contudo, apesar da

1 Luís da Câmara Cascudo. História do Rio Grande do Norte. Rio de Janeiro, 1955, p. 96.
2 Neste livro, a capitania do Rio Grande e nomeada sem o adjcco “do Norte”, que
passou a ser corrente após 1737 para diferenciá-la da capitania do Rio Grande de São
Pedro, depois Rio Grande do Sul.
t.i
I» R E F Á C I O 15
14 PREFÁCIO
vasta quantidade de documentos — muito maior, aliás, do que a relati­ O segundo motivo ainda pertence ao âmbito da documentação, que
va à “Tróia negra” —, muito pouco foi escrito sobre ela, c isso por vá­ não apenas dificulta a pesquisa, como de fato não registrou a série de
rios motivos. Primeiro, certo desencantamento da historiografia por um conflitos com a dimensão pertinente. O fato é que pouco interessava à
período de nossa história tão importante, mas cujo trato com a docu­ mísera epopéia portuguesa nos trópicos a sequência quase ininterrupta
mentação parecia muito árduo. Comprimida entre as guerras holande­ de assassínios e massacres que acabaram, por pouco, reduzindo os po­
sas e a descoberta do ouro em Minas, com todo o encanto do século das vos autóctones até a sua completa extinção. Dessa maneira, os depoi­
Luzes, a segunda metade do século XVII, “diante da pletora arquivística mentos, os relatos c os testemunhos ficaram por séculos guardados no
do Brasil Holandês”, nas palavras de Evaldo Cabral de Mello, “faz ain­ recôndito de uma documentação administrativa, referida às mercês e
da hoje figura de parente pobre”. Pois “são raras as fontes narrativas; a promoções dc funcionários da Coroa, às políticas mesquinhas que mais
documentação, quase toda monotonamente administrativa, é de consul­ diziam respeito à contabilidade das fazendas ou aos arreglos entre pe­
ta difícil e penosa c, mercê deste caráter oficial, excluí automaticamen ­ quenos poderosos, leais súditos, do que à história dos homens. Não há
te grandes fatias do passado colonial”. De maneira que esta documen­ sequer uma crónica coeva dos acontecimentos. O historiador dessas
tação impossibilitou “as sínteses de período, tão ao gosto da historiografia guerras se vê, então, diante de um papelório no qual deve garimpar,
oitocentista”.5 Capistrano de Abreu, que entendia do assunto, confes­ aqui e acolá, pequenos indícios, com base nos quais poderá formar uma
sava em 1887 a seu amigo Rio Branco que o que mais lhe seduzia era visão mais abrangente dos sucessos.
“o século XVII, principalmcnte depois da guerra holandesa”. Na obra Por fim, como na época não havia interesse em sequer registrar quem
de Varnhagen, nas suas palavras, “tirando o que diz respeito às guerras se aniquilava (e, como veremos, esta é sem dúvida uma das mais cho­
espanholas e holandesas, quase nada há para representar este século. cantes complicações encontradas pelo historiador; afinal, quem eram
Preencher essas lacunas é portanto o meu interesse principal. Para o os bárbaros?), isso ecoava, sem dúvida, na historiografia oitocentista,
estado do Maranhão, o problema não é difícil, mas para o resto, sem formadora dos cânones factuais de nossa História. A lengalenga
crónicas e apenas com documentos oficiais, parece-me tarefa árdua”.4 indianista dc nossos românticos, primevos historiadores, não vingara para
Varnhagen, com efeito, não dedica mais que duas páginas à Guerra dos além da pura afirmação do mito de um índio ancestral, espécie de ele­
Bárbaros na sua História Geral do Brasil, nas quais conclui, com adágio mento referencial na reconstrução historicista da literatura romântica e
de fazendeiro: “Nas capitanias do Geará c Rio Grande davam então os de símbolo privilegiado da especificidade da pátria. Neste momento,
índios muito o que fazer”.5 Com exceção do tratamento dado ao episó­ afora a Confederação dos Tamoios, que Gonçalves dc Magalhães publi­
dio dos Palmares, impulsionado com o fortalecimento do movimento cou no mesmo ano em que Varnhagen trouxe a lume o primeiro volu­
negro, e o espaço conquistado pelo escravo na historiografia moderna, me de sua História (1857), quase nada mais se escreveu sobre a resis­
principalmentc de cepa marxista, que se preocupou em analisar a dinâ­ tência indígena ao invasor europeu. Os índios ficaram, por muitos anos,
mica das classes no período formativo de nossa nação, nada, quase nada, assunto apenas dos arqueólogos ou dos antropólogos. Foram estes, en­
fim, que trouxeram, pouco a pouco, a necessidade de se escrever a his­
ficou do período.
tória destes povos. Fenômeno que ganhou impulso, como já foi dito,
com a nova carta constitucional de 1988, que garantiu direitos aos habi­
' Evaldo Cabra) dc Mello. A fronda dos mazombos. São Paulo, 1996, p. 12. tantes ancestrais do (hoje) território nacional, como que reconhecendo,
4 Carta a Rio Branco, 30/3/1887. J. H. Rodrigues (cd.). Correspondlnãtt deCapistrano de
desse modo, séculos de lutas por sua sobrevivência.
Abreu. Rio de Janeiro, 1954, vol. 1, p. 113. Capistrano de Abreu, desta vez. cm carta a
João Lúcio de Azevedo (14/9/1916), explicava que “o ideal da história do Brasil seria
Em nosso século, a história da Guerra dos Bárbaros já havia sido
uma cm que o lugar ocupado pelas guerras flamengas c castelhanas passasse aos su­ timidamente tratada por duas vertentes da historiografia. Uma pri­
cessos estranhos a tais sucessos”. Não acreditava, contudo, que tal coisa pudesse ser meira, a historiografia regional, cearense, potiguar ou pernambucana,
feita de imediato: “talvez nossos netos consigam ver isto”. Citado na “introdução" de inscreveu os episódios na cronologia local ou, ao correr da pena, na
Josc l lonório Rodrigues aos Capítulos de história colonial & Os caminhos antigos e o biografia dos pró-homens. Mais rccentementc, historiadores como
povoamento do Rrasil Brasília, 1963, p. 12. Carlos Studart Filho, para o Ceará, e Olavo de Medeiros Filho, para o
4 Francisco Adolfo de Varnhagen. História geral do Rrasil. São Paulo, 1975, tomo 3, p.
Rio Grande do Norte, atualizaram em termos modernos esta perspec-
256.
16 PREFÁCIO PREFÁCIO 17
tiva local.6 Em São Paulo, já que os “bandeirantes” se haviam metido sológico do sertão c em suas conexões com as políticas indigenistas em
indelevelmente nas guerras do Nordeste, a historiografia regional pro­ prática. Neste sentido, procurei compreender os novos padrões que se
duziu talvez a melhor cronologia, na letra de Affonso de Taunay. Seu imprimiam no relacionamento do Império com as nações indígenas, to­
estudo, contudo, está quase que restrito à análise da documentação madas, desde então, como estorvo à expansão c ocupação do território.
da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, publicada integralmcnte, Em outras palavras, se as guerras seiscentistas estão na raiz dos meca­
para o assunto, nas páginas da série Documentos Históricos. Inserido na nismos de aniquilamento destas humanidades originárias — constituin­
sua História Geral das Bandeiras Paulistas, o episódio da Guerra dos do o preâmbulo do genocídio que seria em grande medida completado
Bárbaros ganhou até uma edição em separata nas páginas da Revista ao longo de século XÍX —, o que vimos surgir no decorrer da Guerra
* do Arquivo Municipal? Outros conterrâneos seguiram esses passos e dos Bárbaros foi uma nova orientação política do Império português,
nos deixaram páginas sobre tais guerras, algumas vezes até um pouco levada a termo pelos seus agentes coloniais com o fim de produzir o
i constrangedoras, nas crónicas das atividades desses sertanejos. extermínio das nações indígenas do sertão norte. Diferentemente do
i lima segunda vertente está relacionada a uma tentativa de escrever século XVI, quando, cm contato com os grupos tupis da costa e no con­
uma história da resistência indígena e articula-se, assim, com as pers- texto de afirmação do domínio, estas guerras objetivavam o extermínio
pectivas renovadas da história dos índios. Trata-se de um capítulo, na total e não a integração ou submissão. E certo que os Quinhentos assis­
i verdade, do estudo mais compreensivo de John Hemming, sobre a con- tiram a guerras implacáveis contra os habitantes originais, como os caetés,
j quista dos índios “brasileiros” (stc\ e do livro de Maria Idalina da Cruz que haviam comido o bispo Sardinha, ou os aimorés c mesmo os tamoios,
! Pires, Guerra dos Bárbaros? Esta autora, com efeito, foi a primeira a ul­ massacrados pelo governador do Rio dc Janeiro, Antônio Salema, no
trapassar o universo restrito da documentação da Biblioteca Nacional, ano de 1575. No entanto, jamais se haviam mobilizado tantas tropas c
incorporando pesquisa nos papéis do Arquivo Histórico Ultramarino. tanto esforço para debelar de “maneira definitiva” a resistência dos au­
Originalmcnte dissertação de mestrado, este livro, que é referencia obri- tóctones à ocupação de um vasto território. Os tapuias eram tomados
< gatória à história da Guerra dos Bárbaros, restringe-se, porém, ao episó- por ampla e duradoura muralha que se erguia no sertão, obstando a ex­
j dio aqui denominado “Guerra do Açu”, não focalizando a Guerra de pansão do Império e a propagação da “verdadeira” fé, como empecilho
í maneira integral, como ela mesma explica. Hemming, por sua vez, está ao desenvolvimento da economia pastoril e à exploração dos minérios.
preocupado em historiar a conquista e o desaparecimento desses “ín- O livro está dividido em seis capítulos. No primeiro, procuro apre­
I dios brasileiros”, mas com interesse muito mais voltado para sua situa­ sentar o quadro geral da expansão da pecuária, nos marcos do sistema
ção presente. De toda maneira, ainda estava por fazer uma narrativa mi- colonial, para compreender os vetores da penetração nos sertões e a
i nuciosa dos acontecimentos, pelo menos o quanto permitisse o maior dinâmica dos conflitos que se estabeleceu, notadamente na segunda
í esforço de pesquisa. metade do século XVII, na fronteira do nordeste da América portugue­
A perspectiva desse trabalho é inserir esses conflitos no quadro mais sa. A idéia é entender a natureza da resistência indígena cpie implicará
i compreensivo da formação de uma sociedade na periferia do Antigo a guerra de extermínio promovida pelos luso-brasileiros. No segundo
j Sistema Colonial. A dinâmica da série sucessiva de batalhas e recontros, capítulo, discuto como as classificações conferidas aos povos indígenas
í que se articulam nesse todo chamado de Guerra dos Bárbaros, foi pro­ estão na raiz da definição de uma política indigenista relativa aos ha­
curada sobretudo na estratégia militar implementada no contexto me- bitantes do sertão e embasam os sucessos da Guerra dos Bárbaros. Os
dois capítulos seguintes, “Guerras no Recôncavo” e “Guerra do Açu”,
recuperam a narrativa dos acontecimentos, batalhas c recontros no Re­
'■ Carlos Studart Filho. Páginas de história e pré-história. Fortaleza, 1966; c Olavo dc côncavo Baiano, entre 1651 c 1679, c no Rio Grande c Ceará, entre
Medeiros Filho, àconteceu na capitania do Rio Grande. Natal, 1997. 1687 e 1699, isto é, até a formação do terço do mestre-de-campo Ma-
7 AfTonso dc E. Taunay. História geral das bandeiras paulistas. São Paulo, 1950, princi- nuel Alvares de Morais Navarro. No quinto capítulo, procuro compre-
palmentc o vol. 6; c “A Guerra dos llárbaros”. A’A/1/, 22:1-331, 1936. ender a exata dimensão desse terço, no quadro mais amplo das forças
* Maria Idalina da Cruz Pires. Guerra dos fídrbatvs: rrsistência indígena e conflitos no Nor­
deste colonial. Recife, 1990; e John Hemming. Red Gold. The conquest of lhe brazilian \ militares na Colónia, c apresento uma análise dc sua formação, com-
indians, Cambridgc. 1978. capítulo 16, “Cattle”. p. 345-76. > .ppsição, financiamento e dinâmica. O capítulo final trata da atividade
PREFÁCIO 19
do terço dos paulistas no sertão do Rio Grande, entre 1699 e 1716. colegas e amigos. Agradeço a José Arthur Giannotti e a Luiz Felipe de
Tomando por base a narrativa do massacre de quatrocentos paiacus na Alencastro, pela confiança e incentivo, e aos colegas da área de história
ribeira do Jaguaribe, cm 4 de agosto de 1699, c dos desdobramentos c antropologia, John Manuel Monteiro, Miriam Dolhnikoff, Angela
posteriores, eom a denúncia de abusos feita pelos oratorianos de Pernam­ Alonso e Paula Monteio, assim como aos outros amigos da Rua Morga­
buco, missionários dos ditos tapuias, procuro compreender os conflitos do de Mateus. Agradeço, em especial, ao grande companheiro, de idei­
entre os paulistas e os moradores associados à “nobreza” pernambucana. as c princípios. Ornar Ribeiro Thomaz.
Para alem da análise da situação do conflito intra-elitc colonial, quanto Agradeço aos funcionários das diversas instituições, arquivos e biblio­
a disputas por terras, este episódio foi visto à luz da “fronda dos ma­ tecas onde realizei a pesquisa, especialmente os do Arquivo Histórico
zombos", tal como estudada por Evaldo Cabral de Mello. Traca-se, en­ Ultramarino em Lisboa c os da liildiotcca National de Paris. Parte impor­
tão, de perceber as relações da guerra de extermínio movida contra os tante do trabalho foi feita na magnífica biblioteca de José Mindlin, a
índios do sertão, tidos por bárbaros e indomáveis, com as disputas polí­ quem agradeço, assim como a Cristina Antunes.
ticas que se gostavam na América portuguesa no final do século XVII. Em Paris, encontrei um ambiente de agradável discussão nos semi­
Disputas que estavam articuladas com as identidades regionais em for­ nários da Sorhonne IV e da Ecole eles Haufes F.tudes eu Sciences Sociales.
mação, fosse no tocante ao nativismo pernambucano, fosse no âmbito Agradeço a Kátia de Queirós Mattoso, professora, admirada historiado­
de identidades “grupais”, no caso dos paulistas. ra e amiga. Outros mestres ajudaram este aprendiz, entre os quais, gos­
A proposta deste trabalho c, portanto, desvendar esses mistérios, nar­ taria de destacar Vera Lúcia Amaral Ferlini, Stuart Schwartz, Sérge
rar essas lutas, entender a confusão. No mais, como dizia o Rosa, “mes­ Gruzinski, Latira de Mello e Sousa e Mary del Priore.
mo, da mesmice, sempre vem a novidade”. Agradeço também o apoio dos colegas da pós-graduação, companhei­
ros de geração, particularmente a Iris Kantor, Karen Lisboa, Márcia
Agradecimentos Padilha Lotito, Maria Cristina Wissenbach, Maria Fernanda Biealho,
Sílvia Barreto Lins c Paulo Garcez Marins.
Este livro é versão, ligeiramente modificada, de minha tese de dou­ No Nordeste, fiz amigos que partilham o interesse pelos tapuias
toramento apresentada em junho de 1998 ao Programa de Pós-Gradua- indómitos: Fátima Martins Lopes, Maria Idalina da Cruz Pires, Marcos
ção cm I Iisrória Social da Faculdade de Filosofia, Letras c Ciências Hu­ Galindo e Luiz Sávio de Almeida. Olavo de Medeiros Filho, que co­
manas da Universidade de São Paulo. Na ocasião, contei com a crítica nheci em um encontro em Penedo, orientou-me nos arquivos do Insti­
judiciosa da banca, formada pelos professores José Jobson de Andrade tuto Histórico do Rio Grande do Norte com a mesma inteligência e gene­
Arruda, István Jancsó, Manuel Correia de Andrade e Eduardo Viveiros rosidade com que me guiou pelos caminhos do sertão, na ribeira do
de Castro. Agradeço a cada um deles pelas sugestões, que espero ter Açu ou no sopé da serra do Acauã.
conseguido incorporar nessa versão que se apresenta ao leitor. Sou gra­ Evaldo Cabral de Mello, mestre e professor, auxiliou-me com docu­
to pela confiança e dedicação de meu orientador e amigo, Fernando mentos, livros e conversas. Em sua prosa encontrei Pernambuco c o
Novais. Nos últimos quinze anos, sua presença marcou não apenas este Nordeste, aprendendo “um certo equilíbrio leve, na escrita, da arquite­
trabalho, mas sobretudo minha formação e meu destino. tura”.
Agradeço ao Conselho Nationalde Desenvolvimento Científico e Tecnológico Outros amigos estiveram próximos nos momentos mais difíceis ou
(CNPq), que financiou este trabalho c me concedeu bolsa para estagiar . ’ divertidos destes anos de pesquisa. E entre eles, gostaria de agradecer
um ano nos arquivos e universidades europeus. Agradeço também à •f \ especialmente a Ana Lúcia Duarte Lanna, Clóvis Cunha, Iside Mes­
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo que concedeu
auxílio para a publicação deste livro.
1 quita, Maria Isabel Limongi, Rodrigo Naves, Vinícius de Figueiredo e
* Tales Ab’Sabcr. Fernanda Barbara esteve presente em todos os passos
deste trabalho, um pouco menos ao final, mas sempre presente. Dela
O Centro lirasileiro de Analise e Planejamento (Ccbrap), desde os tem­ 'li
pos de bolsista do Programa de Formação de Quadros, foi lugar de de­ 1 "■
■ : ’ .aprendi muito, em longos e prazerosos anos de convívio.
bate e reflexão no qual encontrei grande vigor e rigor intelectual. O Sou grato a meus pais, Geraldo e Tichc Puntoni, que me apoiaram
projeto da tese ali nasceu c foi concluído, com o suporte generoso dos jíC ^jpcondicionalmcntc e permitiram a conclusão deste trabalho.
: ■■■ ■

I s’t
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20 r i< K !•’ ágio
Minha companheira, Malu de Oliveira, carinhosamente inccntivou-
me e tornou possível superar todos os obstáculos finais, todas as difi­
culdades. Leitora primeira, sonhe apontar os problemas c ajudou a
resolvê-los. Sem ela, este livro não chegaria a seu bom termo. Para ela,
este trabalho é dedicado. Com amor.

NO ÍNTIMO DOS SERTÕES

Alviano, nos Diálogos das Grandezas (1618), reclamava dos


moradores do Brasil por não buscarem alargar a conquista para o sertão,
“contentando-se de, nas fraldas do mar, se ocuparem somente de fazer
açúcares”. Posto que concordava com a ideia, seu interlocutor, Bran-
dônio, explicava que os portugueses o faziam por preferirem ocupar-se
“naquele exercício de que primeiramente tiraram proveito”. 'lai diálo­
go prefigurava a pcrccpção de frei Vicente do Salvador, para quem os
portugueses, avessos à interiorização da conquista, arranhavam a costa
como caranguejos.1 De maneira geral, a historiografia tem seguido es­
ses passos, ao relegar um papel secundário à pecuária, atribuindo à mi­
neração, já no início do século XVIII, todos os méritos de permitir e
sustentar a ocupação do interior da Colónia. Caio Prado Jr. via certa
injustiça nisso, dado que a pecuária fora atividade de grande importân­
cia, tanto para a economia como para a história da ocupação do terri­
tório. Mais essencial, no particular, que a mineração, a pecuária ficara
todavia “recalcada para o íntimo dos sertões”.2 Economia acessória ao
complexo açucareiro, a criação de bovinos fornecia a tração animal para

1 Ambrósio Fernandos Brandão. Diólogps tiosgrandezas do Brasil (1618). Recife, 1966,


p. 7: e frei Vicente do Salvador. História áo Brasil, 1500-1627 (1627). São Paulo/Belo
Horizonte, 1982, p. 59. Frei Gaspar da Madre dc Deus, lembrando os primeiros tem­
pos da colonização, notava que todos os gêneros produzidos junto ao mar podiam ser
conduzidos facilmente à Europa, ao passo que "os do sertão, pelo contrário, nunca
chegariam a portos onde os embarcassem, ou se chegassem, seriam as despesas tais
que aos lavradores não fariam conta largá-los pelo preço por «|ue se vendessem os da
marinha”. Memórias para a história áa capitania dc S. Vicente, hoje chamada São Paulo
(1797). São Paulo/BeloHorizonte, 1975, p. 92, § 11«.
2 Caio Prado Júnior. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo, 1953, p. 182.
22 NO ÍNTIMO DOS SERTÕES
NO ÍNTIMO DOS SERTÕES 23
mover as máquinas dos crapichcs, nocadamence a moenda, e para o trans­
porte das mercadorias; servia também de alimento, nos dias não proibi­ 7'

dos. para os habitantes dos canaviais e das cidades do litoral; e fornecia,


acessoriamente, o couro, que era utilizado para embalar os rolos de ta­
baco ou exportado como matéria-prima para Portugal.5

A pecuária e os caminhos do sertão

O crescimento desta economia, bem como, paradoxalmente, suas difi­


culdades, c que permitiram a expansão do povoamento para o sertão.
busca dos minerais preciosos, dc maneira acessória, ajudaria a promover
o desbravamento do interior. As necessidades da criação do gado, como a Rfc» Gtundc (Natai)
extensionalidade, forçavam a pecuária a ocupar regiões mais interioranas,
ainda mais quando se valorizou o preço das terras próximas dos portos de
embarque e dos cursos fluviais. A separação entre a cultura da cana e a
pecuária resultava, então, do sistema geral da economia colonial, no qual
(Rcdft)
“as terras aproveitáveis, tanto pela sua qualidade como localização ao al­
cance do comércio exterior, são avidamente ocupadas, não sobrando es­
paço para outras indústrias”, nas palavras dc Caio Prado Jr.4 Por outro
lado, a criação tios animais nestes pastos sem fechos, isto é, na situação
particular dc inexistência dc formas mais aprimoradas de controle (tais
como cercas), e meio ao deus-dará, fazia-se extremamente perigosa às
plantações de cana, mandioca e outras. Daí a necessidade de uma carta
régia, em 1701, que proibiu a criação a menos de 10 léguas da costa.5 *

' O couro era um produto semi-industrializado que sc preparava cm fábricas dc atanados


ou curtumes de solas. As primeiras eram indústrias maiores, seja pela quantidade dc Dhétw
tanques c palamcs, seja pelo número dc escravos. Na metade do século XVIII, nas
cinco fábricas dc atanados existentes no bairro da Boa Vista, cm Recife, o número
médio dc escravos era dc 28 por instalação. O dc Domingos Ribeiro dc Carvalho, o
maior deles, tinha 127 tanques para curtir “com casca” (casca dc angico) c 49 escravos
dc serviço. Neste mesmo momento, os curtumes de solas dc Pernambuco, mais mo­
destos, tinham em média dez escravos de serviço. Existiam, então, 22 deles no mes­
mo bairro dc Boa Vista, no Mcrcattido, nos Afogados c na vila dc Igaraçu. “Informa­
ção geral da capitania dc Pernambuco”. AfíN, 2<¥:479-81, 1906. Só o tabaco consumia
cm 1711,a se fiar cm Antonil, cerca dc 27.000 solas; c a exportação de couro do sertão
do Nordeste para Portugal alcançava 90 mil meios de sola. No total, portanto, o co­ . Bahia, Pernambuco c capitanias anexas, século XVII.
mércio atlântico consumia cerca dc 72 mil solas, o tpie resultava no mesmo número
de reses abatidas. Pc. André João Antonil. Cultura e opulência do lirasil, porsuas dragas
emitias. . . etc. Lisboa, 1711, p. 187-8. Veja ainda o segundo volume do livro dc José
Alípio Goulart. O lirasil do Imi e do couto. Rio de Janeiro, 1965.
1 Gaio Prado Júnior. Formaylo do lirasil rontemporãneo. São Paulo, 1953, p. 182.
5 Roberto Cochrane Simonscn. História económica do lirasil: 150011821). São Paulo, 1978,
p. I5I.
24 NO ÍNTIMO DOS SERTÕES NO ÍNTIMO DOS SERTÕES 25
Segundo Antonil, as fazendas e os currais de gado se situavam onde que as do seu quinhão. Na mesma ocasião, se engenhou ali uma chou­
havia “largueza de campo e água sempre manante de rios ou lagoas". pana, coberta de palha, para o curraleiro, tjue era o índio Valério da
De fato, as condições climáticas e de relevo do sertão, ao tempo que Cursunga. Neste ficaram três novilhas, uma vaca e um touro. O se­
impossibilitavam a agricultura, dada a aridez do solo, permitiam a cria­ gundo foi levantado no dia 10 do mesmo mês e ano, na ponta do
ção. Ainda que a forragem da caatinga não fosse ideal, a “largueza” dos cabo São Tomé, pelo capitão Riscado, que, dias depois, e a pouca
chapadões e a formação rala da vegetação facilitavam a passagem fran­ distância deste, armou um outro deixando em cada um deles cinco
ca dos homens c animais, dispensando qualquer preparo prévio da pai­ novilhas e um touro”.1’
sagem.'
* Segundo o autor anónimo do “Roteiro do Maranhão”, docu­
mento do final do século XVIII, não havia nestes sertões “aquele hor­ O povoamento do interior, segundo Gaio Prado Jr., fora obra dc dois
roroso trabalho de deitar grossas matas abaixo c romper as terras à força movimentos diversos dc expansão da obra colonizadora. Dc um lado, a
do braço”; “pouco se muda na superfície da terra, tudo se conserva quase mineração, tjue provocara, por sua natureza, o deslocamento brusco c
no seu primeiro estado”.*7 As fazendas de gado, grossa modo, acompa­ precipitado dc populações c constituíra muito mais uma “nebulosa de
nhavam as margens dos rios, uma vez que na região semi-árida o forne­ estabelecimentos separados e isolados uns dos outros”. De outro, a pe­
cimento de água era fator essencial para garantir a ocupação e a criação netração levada a cabo pelas fazendas dc gado, que, ao contrário da mi­
do gado. Os rios São Francisco, ao sul, c o Parnaíba, ao norte, eram os neração, fazia-sc de maneira contígua e contínua.’- Todavia, a explica­
principais eixos da ocupação, por serem rios perenes; os demais, na ção para esta expansão deve ser buscada nas dificuldades da situação
maioria seus afluentes, ainda abrigavam algumas das fazendas.'1*Por ou­ económica da Colónia, e não em uma dinâmica quase “natural” de cres­
tro lado, as salinas descobertas no Ceará e nas Lagoas, bem como os cimento. O período posterior à expulsão dos holandeses do Nordeste,
barreiros salgados (chamados de “lambedouros”) do São Francisco fa­ em 1654, foi extremamente difícil para a economia açucareira no Bra­
voreciam a expansão da pecuária no Nordeste.
'
* O estabelecimento de sil. Segundo Stuart Schwartz, se é verdade que fatores internos penali­
uma fazenda, onde se podiam fundar vários currais para criar gado va­ zaram a atividade produtiva, tais como epidemias, secas c outras cala­
cum e cavalar, fazia-sc de maneira sumária, o que explica a rapidez com midades naturais, os problemas mais fortes residiam cm fatores exter­
que a fronteira pastoril se expandiu. Como resumiu o autor do “Rotei­ nos: o crescimento da concorrência interimpcrial, com a ascensão da
ro do Maranhão”, “levantada uma casa coberta pela maior parte dc produção antilhana e, a partir de 1680, a conscqíicntc inflação dos pre­
palha, feitos uns currais e introduzidos os gados, estão povoadas três ços dos escravos, dado o aumento da procura cm África. Nesse sentido,
léguas dc terra c estabelecida uma fazenda”.10 Podemos ver a simplici­ a Coroa procurava uma alternativa para repor as perdas no trato colo­
dade do estabelecimento desses currais em um documento citado por nial. Expedições ao interior, antes até desencorajadas, passaram agora a
Oliveira Vianna, o “Roteiro dos sete capitães”, do sertanista Miguel receber apoio e mesmo a ser agenciadas pelo governo-geral."
Ayres Maldonado, em que descrevia sua viagem aos campos dos Goi- Ao lado do esforço dc restauração dos engenhos destruídos e da re­
tacases, cm 1664; cuperação da economia açucareira, a empresa colonial portuguesa na
América voltou-se para a expansão territorial em direção ao interior e,
“O primeiro curral foi levantado no dia 8 de dezembro de 1663, portanto, ao Ocidente. O processo dc ocupação do sertão era dinamiza­
pelo capitão João de Castilho, em terras que para esse fim lhe cedeu Ates/Kl do pelo incremento do povoamento e pela diversificação das atividades
o capitão Miguel da Silva Riscado, por achá-las aquele mais próprias áfigC
produtivas. Ao lado do gado, seguiam as expedições em busca de ri­
quezas, pedras e metais preciosos. O governo-geral, notadamente a partir

Caio Prado Júnior. Formação do Brasií contemporâneo. São Paulo, 1953, p. 55. ..
7
“Roteiro do Maranhão a Goiaz pela capitania do Piahui". RIIIGH. LXH-.ífâ, 1900. • ‘Oliveira Vianna. Evolução do povo brasileiro. São Patdo, 1933, p. 64-5.
H Maria Idalina da Gruz Pires. Guerra dos Bári/ams. Recife, 1990, p. 37. íÇaio Prado Júnior. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo, 1953, p. 50-1.
•1
Roberto Oichranc Simonscn. História económica do Brasil. São Paulo, 1978, p. 157 c j^tuart Schwartz. “Introduction”. In: Ident (ed.). /I Governar and His Image in Baroqtie
Caio Prado Júnior. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo, 1953, p. 56, Funeral Eulofg of Afonso Furtado de Castro do Rio de Mendonça by.. .
“Roteiro do Maranhão a Goiaz pela capitania do Piahui”. RIHGB, IdCII.HS, 1900. IWinneapolis, 1979, p. 13-7.
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NO ÍNTIMO DOS SKRTÕES 27
26 N<> ÍNTIMO l>OS SKRTOES
de Afonso Furtado de Castro do Rio Mendonça (1671-75), passou a in­ /Xssociado ao que chamamos aqui o processo de “ocidentalização”
centivar e coordenar este movimento de “ocidentalização” da colónia. da empresa colonial, um outro vetor da expansão da presença por­
A expedição de Fcrnão Dias Pais (1673-81) e o estímulo dado aos tuguesa nos sertões de fora foi a busca de um caminho terrestre que
ligasse o Estado do Maranhão ao do Brasil. Este caminho era uma ne­
paulistas para buscarem as minas do sertão são exemplares desta nova
dinâmica. () novo regimento de Roque da Costa Barreto (1677), suces- cessidade de longa data, não só pela ajuda ao comércio entre os dois
I sor de Mendonça, é incisivo nestas novas funções dos governadores. Estados, como pelas fronteiras que abriria. Seu interesse imediato resi­
Revitalizando o regimento das minas, datado 1618, a monarquia espe- dia no fato de que o regime dos ventos e das correntezas na costa Les-
I rava que o governador o fizesse “cumprir inteiramente, ajudando e fa­ te-Ocste do Brasil praticamcntc impossibilitava a navegação entre o
vorecendo este negócio |do lavor das minas de ouro e prata do Brasil], Maranhão e as capitanias do Norte. Segundo o padre Antônio Vieira,
í ; de maneira que haja sempre pessoas, que se animem a continuar o be- esta era sem dúvida “uma das mais dificultosas c trabalhosas navega­
■ ncfício das minas”." Como veremos mais adiante, também a política ções de todo o mar Oceano”.17 A navegação só era possível nos meses
missionaria deveria se adequar a esta viragem da empresa colonial. As de inverno, e mesmo assim apenas de madrugada, com a brisa da terra,
Juntas das Missões — criadas primeiramente no Maranhão em 1655, o que era coisa incerta. Para se ter idéia, uma sumaca despachada por
ií mas logo tornadas operacionais no Brasil — pretendiam internar as mis- André Vidal de Negreiros, cm 1656, procurando Camoeim, gastou cin-
|| sões, criando aldeias nos sertões c não mais “descendo” os novos qiienta dias para montar até o rio das Preguiças. Desistindo do intento,
II catccúmenos para o litoral. O objetivo era manter povoado o interior da retornou ao Maranhão cm apenas doze horas. Noutra feita, um certo
Manuel de Sousa d’Eça, enviado com algumas cartas a Pernambuco,
America, expandir a ocupação da empresa colonial e, ao mesmo tempo,
acabou aportando em Porto Rico. Somava-se a essas dificuldades a hos­
i; enfrentar os problemas que esta mesma expansão criava.
} As duas principais correntes de povoamento geradas pela expansão tilidade permanente dos tremembés, habitantes das costas, que acom­
i da economia do gado no norte da Colónia foram a proveniente da Bahia, panhavam as naus esperando um descuido para atacá-las e roubar as
que acompanhando o curso do São Francisco e do Itapicuru colonizou mercadorias. '*
Capistrano de Abreu, fiando-se no biógrafo de Gomes Freire de
o que Capistrano chamou de o “sertão de dentro”, e a outra que, par­
tindo de Pernambuco, ocupou os “sertões de fora”, isto é, as regiões Andrade, acreditava no bom sucesso do capitão-mor do cabo do Norte,
|| mais próximas do litoral, ate atingir o Ceará. Assim, o sertão baiano, ou João Velho do Vale, que havia sido incumbido pelo governador do
1 “interior”, compreendia toda a região que ocupa o atual território do Maranhão de achar o caminho do Brasil. Segundo o biógrafo, Velho do
í estado, incluída a margem ocidental do São Francisco, mais o interior Vale teria até escrito uma narrativa, ainda perdida ou extraviada.1*' No
| do Piauí e o “território dos Pastos Bons”, região do alto Itapicuru e rio
í das Balsas até Tocantins.15 O sertão “exterior”, ou pernambucano, era costa da Cidade ate a barra do rio São Francisco, cerca de 80 léguas, c, rio acima, cerca
mais próximo ao litoral. A corrente de povoamento, inicialmcnte acom- 4 de 130 léguas, até a barra chamada de Agua Grande. O sertão de Pernambuco se
j panhando a linha costeira num território semi-árido que impossibilita- estendia na margem direita do rio São Francisco até a cidade de Olinda, cerca de 80
í va o plantio mesmo da cana e se estendia da Paraíba ao Ceará, passan- léguas, adentrando até a barra do rio Aguaçu, cerca de 200 léguas. Veja tamlrém Gaio
j do pelo Rio Grande, acabou se encontrando com as correntes baianas, à ■ Prado Júnior. Fonnaçííodo Brasil contemporâneo. São Paulo, 1953, p. 56-7. J. A. Gonsalvcs
r de Mello publicou três roteiros setecentistas indicjtivos da penetração pernambucana
I! medida que se interiorizava, particularmentc pela bacia do rio Jagua- até o extremo limite do território da capitania, o Carinhanha. Três roteiros depenetração
do território pernambucano (1738 e 1803). Recife, 1966. Sobre o assunto, veja ainda
jl ribe.1'1 -’Jo®é Alípio Goulart. O Brasil do boie do couro. Rio de Janeito, 1965, vol. I, p. 17-28.
u (X capítulo 54 do Regimento de Roque da Costa Barreto (1677). Cf. M. C. de Men- “Relação da missão da serra de Ibiapaba". In: 1'bszr saudosas da eloquência, do espirito
donça (ed.). Raízes da formação administrativa do Rrasil. Rio de Janeiro, 1972, vo). 2, ^\v:do zelo e eminente sabedoria do padre Àntônio Vieira da Companhia de Jesus, lás histórica.
p. 838. jg Kfi gfe-^lsboa, 1688, p. 21.
'Carlos Studart Filho. Páginas de história e prí-história. Fortaleza, 1966, p. 140-2.
*' J. Capistrano de Abreu. Capítulos de história colonial iS (is cantinhos antigos e o povoa-
|»w|K9\cra a vontade de ver tal documento, que Capistrano de Abreu havia dito ao seu
mento do fírasil. Brasília, 1963, p. 147 ss. ■ João Lúcio de Azevedo, em carta de 14 de setembro de 1916: “creio que cairia
Antonil, «pie escrevia no início dos Setecentos, tinha uma visão mais estrita do po-
voamento. Para ele, o sertão da Bahia era considerado a porção de terra que corria a sc lesse o roteiro de João Velho do Vale”. Apud: J. H. Rodrigues. “Intro-
28 NO ÍNTIMO DOS SERTÕES
N() ÍNTIMO DOS SERTÕES 29
entanto, seu sucessor, Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho,
retorno chegou cm São Luís em outubro de 1695, trazendo cartas do
em uma carta de 21 de julho de 1692, relatava que as atividades dos
governador do Brasil, João de Lencastro, ao governador do Maranhão
paulistas cm seu distrito eram também para dar prosseguimento ao des­
em que pedia que este atacasse os bárbaros que se refugiassem nas ser­
cobrimento do "caminho do Brasil”, "por não terem efeito as muitas dili­
ras de Ibiapaba, "distrito deste governo”. O governador do Maranhão
gências que fez João Velho do Vale”.21' lai descoberta ocorreu apenas respondeu que tal empresa era impossível sem que os paulistas fossem
em 1695, «piando um sargento-mor, Francisco dos Santos, e alguns sol­
ajudados pelos índios do São Francisco.21
dados aventuraram-se no sertão para “ver por donde poderá ficar mais
breve [o caminho], para qtte se facilite o comércio”.21 Triunfante, Fran­
Minas de salitre
cisco dos Santos acabou sendo recebido no palácio pelo governador ge­
ral, acompanhado dos índios que trouxe. Foi logo providenciada a co­
Apesar de a pecuária ter sido a maior responsável pela expansão da
municação do feito, tanto para a Coroa como ao colega do Maranhão, c
fronteira oeste do Brasil — para além da difusão quase vegetal do gado,
enviada outra expedição de volta, com o sargento-mor, acompanhado
cm suas respirações lentas e condicionadas pela fertilidade ocasional
agora por um certo capitão André Lopes, além de seis soldados e 25
do semi-árido, ou da resistência constante do tapuia —, foi a busca
índios. A idéia era que alguém de Pernambuco se inteirasse do cami­
embriagada por metais preciosos que impulsionou o português ao ínti­
nho e que logo fosse definido "um piloto inteligente |isto é, um guia]
mo dos sertões, cm agudas entradas, desde o século XVI. Porém, pas­
para se graduar o sertão e se dividirem com certeza as terras que tocam sado o ímpeto inicial, quando perdiam força os mitos de Paraupava ou
a cada Estado c se evitar o embaraço das jurisdições”.22*A expedição de
Sabarabuçu, depois das tentativas frustradas do século XVI c das expe­
dições fracassadas dos invasores holandeses, o eldorado deslocara-se para
mais longe. Em verdade, como mostrou Sérgio Buarque de Holanda,
dução” dos Capítulos de história adonialISOs camiulws autigosr opovoamento tio tirasil. após o malogro da expedição do mameluco Antônio Dias Adorno (1574),
Brasília, 1963. p. í42.0 biógrafoé I Jomingos Teixeira. VidatleComesblriredei\ndrade.
que entrara pelo rio Caravelas em busca de esmeraldas, o ímpeto ex­
Lisboa. 1727. vol. 2, p. 246. Para a atividade de João Velho do Vale durante as guerras
holandesas, veja ainda Francisco Adolfo de Varnhagcn. História geral tio tirasit. São plorador arrefecia. Não pelo desalento nas buscas de minas, mas antes
em virtude da "destruição crescente dos índios domésticos da costa”.
Paulo, 1975, corno 3, p. 159.
Carta inclusa na Consulta do Conselho Ultramarino, 31/10/1692, AHU [Papéis avul- Havia sido a mansidão dos tupiniquins que fizera da região de Porto
sosj, Pernambuco, caixa 11. Alguns anos passados, esse inesmo João Velho do Vale sc Seguro, ao sul do Recôncavo Baiano, a porta de entrada para as expedi­
via metido cm “excessos” praticados contra os índios das aldeias de Ibiapaba, onde
tinha ido por cabo de uma tropa para descer alguns deles. A carta régia de 12/12/1697
ções ao sertão de dentro.24 Paradoxalmente, a destruição dos índios da
pede providências ao governador de Pernambuco. AHU, eod. [códice) 256, 11. 259v. ' costa, por doenças, abusos ou guerras, também impulsionava os colo­
Carta de João de Lencastro para o governador de Pernambuco, 21/5/1695. l)H. 38'. ,1 \ "
nos a se internar nos sertões, agora em busca de mais mão-de-obra ne­
339. Segundo Taunay, anos antes, um certo capitão Manuel Alvares Carneiro já havia cessária para os engenhos de açúcar, cuja economia crescera nas déca-
conseguido passar para o Maranhão através daqueles sertões com uma pequena tropa
de soldados c índios. Com o intuito de fixar a exata rota desse “caminho do Brasil”, ã‘ ---------------------
voltou por ordem do governador do Maranhão cm >684, “cm que sc gastaram quatro ..Carta do governador do Maranhão para João de Lencastro, 15/3/1696. DH, 3<f:405.
meses padecendo as inclemências do tempo com grande risco de vida”. Em 1695,
ífeíÍA Sphre“uu,c aa questão
questão do caminho do
tio caminho Brasil, veja
do Brasil, Rodrigues ivicuo.
t-j.. ainda Ceres nouiigucs Mello. “tJ
O »crt
Sertão
João de Lencastro o autorizou a explorar um caminho mais breve “gastando nela
fe y Nordestino csuas permanências (séc. XVI-XIX)”. RlHCti,356MZ-5, 1987. O rei
quinze meses por ser mais de 300 léguas com grande risco em razão dos tios que _____ . w ,z, s TVÍ SC
passavam c gentio bárbaro <pie habitava aqueles sertões. "Patente de Manuel Gon­ ■ *»mnUfr
u
'■ /mostrava preocupado com *
----- a- determinação
• da “divisão dos limites de um e outro
çalves Pereira, 28 de março de 1695, assinado pela infama", citado por AfTonso de E. Í’,íí . estado a respeito dos dízimos ” , cm carta ao governador do Maranhão de 25/1/1696.
_S- íp: Barão dc Studart (cd.). “Documentos relativos ao mestrc-dc-campo Moracs
'launay. História gera! das bandeiras paulistas. São Paulo, 1950, vol, 6, p. 287-8. No ?rro"./í///GC
*
®^-.W ,,3/:163, 1917.
entanto, o governador do Maranhão, Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, o ífflnbjSçrç?0 Buarque de. Visões do paraíso. São Paulo, 1977, p. 46-8. Veja também, do mes-
tinha por pessoa desonesta pois “não sendo sertanejo, e menos piloto” enganara ao ^®í®Aautor’ “A mineração: antecedentes luso-brasileiros”. In: Jdcm (org.). História ge-
Lencastro, “pois na maior parte do caminho seguiu o de Francisco dos Santos". Cartax-J
ãvilhutfão brasileira. São Paulo, 1968, vol. 1, p. 228-58. Para as expedições
do governador do Maranhão para João de Lcneastro, 15/3/1696. l)H, 38:406. H|!|Õff!fthentÍ3tas ao interior da Bahia, veja Francisco Borges de Barros. llandeirantes e
Carta de João de Lencastro para o governador do Maranhão, 16/7/1695. DH, 3A342-4.;^
bahianos. Salvador, 1919, p. 25-33.
30 NO ÍN TIMO |)()S SEKTÔES N<> ÍNTIMO DOS SERTÕES 31
das de 1570-80. Segundo Stuart Schwartz, esta política dc deslocamen­ várias outras expedições foram organizadas ao sertão; todas, no entanto,
to forçado de indígenas se fazia no exato momento da transição do tra­ confirmariam apenas a existência do salitre. Fran-cisco Dias d’Avila, que
balho autóctone para o importado, isto é, para a escravidão africana.-5 era sobrinho do desconfiado Belchior, entrou nesses sertões entre 1625
Não obstante, as expedições dc prcação, ou mesmo as missões "evan­ e 1630. Desta expedição haveria participado Domingos Fernandes
gelizadoras”, não desejavam outra coisa do que descer os índios para a Calabar, tido como grande traidor da causa pcr-nambucana nos tempos
costa. (’om exceção da pecuária, é certo que apenas a atividade minc- dos flamengos, que mais tarde informaria o relatório de Walbceck à
radora poderia fixar populações nos sertões, mas, como sabemos, so­ Companhia das índias Ocidentais, em 1633. liste relatório revelava que
mente com a descoberta do ouro c dos diamantes na região mais tarde havia sido achado muito salitre nestas serras situadas no sertão pernam­
chamada das Minas Gerais, entre 1693 c 1695, é que a interiorização da bucano, na altura dc Olinda e a quinze dias de viagem. Anos mais tarde,
Colónia intensificar-se-ia, porém deslocada para o Sul. expulsos os holandeses, uma cópia do roteiro dc Moréia teria passado
No caso do sertão norte, apesar do malogro inicial na descoberta de às mãos tio padre Antônio Pereira, genro de Francisco Dias d’Avila, que
metais preciosos, um outro elemento menos nobre concorreu deveras encarregou, então, os irmãos João Lourcnço e Manuel Calhelhas de pro­
para o devassamento, em particular, do médio São Francisco: o salitre ceder a novas pesquisas, em 1655. Pesquisas que foram aparentemente
(nitrato de potássio), que era utilizado para a fabricação dc pólvora ne­ infrutíferas.-’7 Os delírios causados pelas miragens dos eldorados serta­
gra. Importado então sobretudo da Índia, o salitre fundamentava uma nejos eram, por outro lado, explorados habilmente por pandilhas que
indústria importantíssima no século XVII, quando as armas de fogo re­ plantavam amostras de minério com o fim de obter as graças reais pro­
presentavam um avanço tecnológico inestimável para a afirmação das metidas. Assim agira um bisneto dc Belchior Dias, o coronel Belchior
potências coloniais. E verdade que, no contexto específico da segunda da Fonseca Saraiva Dias Moréia, o “Muribeca”. Incumbido pelo gover­
metade dos Seiscentos, a Coroa hesitara diante da possibilidade de uma nador Afonso Furtado, meteu-se em 1675 na serra do “Caniny” (Cariri?|
auto-suficiência das regiões periféricas do Império na produção desta de onde voltou com amostras de mispíqucl que ele havia devidamente
importante provisão de guerra. Porém, a praticabilidade dc abastecer preparado, misturando minério dc prata. Todavia, para desgraça do Mu-
uma colónia tão distante durante os conflitos interimperiais do Atlânti­ i ribeca, esta “prova” acabou afundando com a embarcação que a levava
co Sul, somada às dificuldades dc fornecimento da Índia, resultara no a Lisboa. As expedições futuras, como a dc Rodrigo do Castelo Melhor,
apoio às iniciativas de pesquisa do salitre no sertão do Brasil. Havia re­ i cm 1677, jamais teriam sucesso cm achar prata. A exploração mineral
ferências às minas no sertão da Bahia, desde o final do século XVI. Pedro i do sertão ficaria por conta do salitre.’8
Barbosa Leal, nas Denttnctações de Pernambuco (1593-95), disse que a O autor de uma informação anónima do Brasil, dc final do século XVII,
expedição de Belchior Dias Morcia achara salitre junto ao rio (por isso ! asseverava que, “no sertão da Bahia, sempre ouvi dizer que havia sali-
mesmo) dc mesmo nome? Com efeito, quando Moréia, neto do Ca- ! J- trc”. Recomendava, neste sentido, que o rei mandasse fazer “uma ofici-
ramuru e primo do cronista Gabriel Soares de Sousa, resolveu dar pros­ I í nã de pólvora e desta prover as conquistas, como Angola, São Tomé, c
seguimento às pesquisas interrompidas pela morte dc Cristóvão Barros, ?>nòssa colónia do Sacramento, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Pernambuco,
adentrando o sertão no ano de 1595 ou 1596, consta que teria achado, 5ííamaracá, Paraíba, Rio Grande, e Ceará, no que pouparia considerável
nas serras do “Oroquery”, ametistas e salitre, e em Itabaiana, muita prata. ; ^ÈrX^i$èdal que gasta no prover do reino de pólvora estas conquistas”.29
Todavia, como não conseguira certeza nas promessas dos privilégios em ú jjgMWgy ______
troca da notícia da localização das minas, Belchior morreu sem as reve- ? ifiJpW^f^drc Antônio Pereira, da Casa da Torre, obtivera, cm 1654, uma sesmaria na barra
lar, do que originou-sc, segundo Basílio dc Magalhães, “a lenda célebre -xi ■ rio, o que gerou conflitos com Bento Surre! e Manuel da Silva que procura-
das minas de prata que atravessou todo o resto da nossa evolução colo- >■■■'' J ' 113 m**nas Por ordem do governador-geral. Registro de uma carta de sesmaria, 11/
nial”. Dc fato, estimuladas por esses sonhos de riquezas e eldorados, /9:442; portaria, 22/3/1672. DH, 8:84; c Carta do governador-geral para o
Ag'/.- / iBÇVCrnador dc Pernambuco, 3/6/1671./)//, 9:417-8. Veja também Pedro Calmon. Ilis-
fitrfaifa Casa da Tom. Rio dc Janeiro, 1939, p. 37-52.
Stuart Schwartz. Sr^cedos internos. São Paulo, 1988, p. 52-3. ■tr d® Magalhães. Expansão gogrnphim do Hmsil Colonial. S. Paulo, 1935, p. 48-.%.
* Primeira visita(ã<> do Santo Oficio às partes cio fírasil, denaaciafães de Pernambuco (1593- que sc fizesse cm quantidade, a poderia mandar vender a seus vassalos a
1595). São Paulo. 1929. â ‘Jo^Xinténs a fina, c a meia pataca a grossa, no que teria um grande rendimento c

r
NO ÍNTIMO nos SERTÕES 33
V NO ÍNTIMO DOS SERTÕES
que teria tle ser bancado dois anos ao menos pela Fazenda, poderia
Com efeito, a busca das minas s^eração da
depois ser arrendado.4-
Afonso Furtado de Mundoç.( () de nn,na carta ao Capi- O empreendimento, porém, não avançaria antes da iniciativa de João
crisc da economia açucare.y sUva pacheC(,t enviava-os a de Lencastro, que, cm 1692, enviou pela frota uns barris de amostras e
tão João de Castro 1-ragos ‘ • notíci-a de existirem ametistas, convenceu a Coroa do acerto da empresa.1' Depois de várias diligên­
serra de Picacará, no sertão onde salvo-conduto c uma cias e expedições, e de gastar 7:339$390 reis entre 1692 c 1698, o resul­
prata e outras pedras l ara tan, , fainosos, COmo l-rancisco tado foi pífio.M Seu sucessor no governo do Brasil, d. Rodrigo da Costa,
recomendação de auxilio p. *30
* 1 Domingos Rodrigues Carvalho, esclarecia que as minas de salitre “que há nesse Estado |não| são per­
Dias d’Ávila, padre Antonm 1 ^^^árias. Constava ainda a manentes, porque tanto mais que se lhes tira a primeira flor, todas as
Xu í Z°:S pX examinassem também as minas do sahtre mais terras são de limitado e fraco rendimento”.15 Nesse sentido, consi­
derando as “grandes despesas”, d. Pedro II decidiu, cm 9 de agosto de
.11
1706, interromper a fábrica de salitre.1'1 De toda maneira, a busca do
minério resultara em diversas situações de conflito e em internações
em brigas e ciúmes entre os ‘s invcstimentos mais agudas no sertão do São Francisco, donde haver significado um
das terras. De todo je.to -^^ía BaL pessoa com cabedal dos vetores de agravamento das tensões entre os tapuias c os colonos.
para retirar o salitre d . porque, segundo um parecer do Na maior parte das vezes, a mão-de-obra utilizada para a extração e o
par» realizar sozinha ral çnIa Jac„. transporte era de índios, como os araques, tambaquéns, paiaiás e sucuriús,
Conselho Ultramarino >de 167 J, a c()„duzir o minério mistu- tapuias aldeados por missionários que os forneciam para o “serviço do
bina (na ribeira do no Sahtre) n . I nanirtíza mas deveria ser salitre”. O pagamento destes serviços nem sempre era pontualmente
rado com terra ou Ped;* 1’ ^"^./com cozimentos, que de outra sorte realizado, o que obrigava a intervenção do governo-geral. Em 1703, res­
trazido já “apartado | uco manc «for. pondendo a uma representação do capitão dos índios papiases, Paido
seria pagar carretos de £lfO as oficinas no mesmo sitio das Gonçalves, d. Rodrigo da Costa ordenava que o capitão-mor Antônio
çosamente se deviam I * de uma grande casa para as tinas e de Almeida Velho, responsável pelas minas, pagasse os salários dos ín­
minas, as quais devcrian _ o sa|jtre, outro armazém para se dios cm atraso.17 As vezes, outras denúncias de abusos surgiam, como a
caldeiras onde se havia do ' lmoxarife ou feitor e alojamento do missionário frei Lázaro da Purificação, que pedia, em 1705, que seus
recolher depois de puro, casa, p a(ém dos quartéis que eram
para os negros de todo 9 segurassem a instância dos assal-
necessários para alguns so • orte scria feito pelo rio Sao Consulta do Conselho Ultramarino, 9/12/1679. DH, 88:172-4. Há um papel, de 1694,
tos dos -dios cincunv^nhosj^nspo * cm que sc explica cm detalhes o modo de preparar o salitre. Sobre como proceder no
fazer do salitre do modo seguinte, 1694, BNP, ms. portugueses, códice 30, fls. 495-7v.
Francisco abaixo, mas cra fazia y rio inavegável, onde * Carta de
................... ................. de Lencastro
João................................... ao rei,43/7/1692....Ajuda,
...................................................... 51-V-42,
..................................... fl.l8v-9.
...........
chedo” (cachoeira de Pa . , avaloaté as outras embarcações, j it 4f--)Relaç3o das despesas do salitre, de 6/5/1692 ate 24/4/1698. DH, 84:77-81.
deveria ser descarregado c 1 • Outro caminho possível era por terra > de J d- n„.lRodrigo •__ da 1- /-•Costa ____ao _________
governador i de i . ii ____ t....... 22/2/1705.
Pernambuco, mt -»/ r\r,
DH, 30:225-6.
^■?;'?Caçta ao governador-geral. AHU, cod. 246, 217. Veja também Sebastião da Rocha
j^a/Pfta. História da Amírica portuguesa (1730). São Paulo, 1976, livro 8, 19-23, p. 212-3.
exploração do salitre na América portuguesa, veja ainda: Ernesto Carrara
Jffintor & Hélio Mcirellcs. A indústria química e o desenvolvimento do Brasil, 1500-1889.
Isjfcúlo, 1996, partieularmente o tomo 1, p. 133-8; João Pandiá Calógeras. Ar minas
Cio”. Informação anomma do BrasU, oc ta sua legislação. Rio de Janeiro, 1905, vol. II; Sylvio 1’rócs de Abreu. 4
30, fl. 208. . „ - i (cj ) A Governar and His Imagem a çpa mineraldo Brasil. São Paulo, 1937; Sylvio Erócs de Abreu. Recursos minerais do
de Janeiro, 1973, vol. 1; E. Oliveira & L. Araújo. “Salitre na Bahia”, in:
,da Divisão de Fomento da Produção Mineral, 66, 1945.
de d. Rodrigo da Costa para o capitão-mor Antônio de Almeida Velho, 29/12/
7,O3. ABEB, cod. 147, fl. 160.
h
descobrimento das minas, /
NO ÍNTIMO DOS SERTÕES 35
índios fossem poupados, ou ainda havia queixas de que os oficiais do Com certo exagero, Antonil afirma que, apesar de tão imenso, <pia.se
salitre buscavam cunhatãs nas aldeias alegando o serviço do salitre, mas, todo o sertão da Bahia pertencia a apenas duas famílias: a da casa da
na verdade, “em desserviço de Deus”.5!i Torre e a do falecido mestrc-de-campo Antônio Guedes de Brito. A pri­
meira. dos Garcia d’Ávila, possuía 260 léguas das margens direitas do
Fazendas e currais rio São Francisco, nas costas da Chapada Diamantina, c cerca de 80
léguas no lado do Raso da Catarina. Já os herdeiros do mestrc-de-cam­
No final do século XVII, o sertão encontrava-se totalmentc devassado po possuíam desde o morro dos Chapéus, na Chapada Diamantina, até
e explorado, ainda que esparsamente ocupado por uma rala população. a nascente do rio das Velhas, no coração das Gerais. Espalhava-se por
E em Antonil que encontramos a melhor descrição da ocupação, no iní­ estas vastíssimas propriedades uma miríade de currais, vários deles de
cio do século XVIII, do sertão da Bahia e de Pernambuco, então as duas arrendatários que pagavam por um sítio, de ordinariamente uma légua
importantes regiões criadoras. Segundo o jesuíta, no sertão da Bahia em quadra, 10$000 réis de foro por ano.41 Essas famílias controlavam,
estavam os currais postos na borda do rio São Francisco, das Velhas, das também, grande parte do sertão de Pernambuco. Em 1700, o governa­
Rãs, Verde, Paremerim, Jacuípc, Pojuca, Enhambupc, Itapicuru, Real, dor Fernando de Lencastro, em carta ao rei, escandalizava-se com a
Vaza Barris, Sergipe c outros, “cm os quais, por informação tomada de mesquinharia dos grandes proprietários daqueles sertões (além dos dois
vários que correram este sertão, estão acualmentc mais de 500 currais, e já mencionados, e seus herdeiros, Domingos Afonso Sertão) — mora­
só na borda aquém do rio São Francisco 106”. O sertão de Pernambuco, dores na jurisdição da Bahia, que não queriam conceder outra légua
na mesma época, estava povoado com gados nas margens do rio de “para a sustentação de cinco párocos, cinco léguas de terra, uma para
Cabaços, do rio de São Miguel, das duas lagoas do rio do Porto Calvo, cada um, e aos missionários, índios c rapuias das suas missões". Maté­
dos rios Paraíba, Cariris, Paiaú, Jacaré, Canindé, Parnaíba, das Pedras, ria que parecia gravíssima ao Conselho Ultramarino e que inspirou a
dos Camarões e Piagui. Igualmente povoadas estavam as margens do redação do alvará de 23 de novembro do mesmo ano, que determinava
rio Preto, do rio Guaraíra, do rio Iguaçu, do rio Corrente, do rio Guari- como obrigatória tal doaçãoT
guai, da Lagoa Grande, do rio Carainhacm c do Piagui grande, assim As ordens religiosas eram também grandes proprietárias de fazendas
como a margem direita do São Francisco, mas enviava-sc diretamente de gado no sertão. Segundo uma descrição de meados do século XVIII,
o gado para a Bahia, por ficar “mais perto, vindo caminho direto, do na jurisdição de Pernambuco as ordens recebiam proventos de várias
que indo por voltas a Pernambuco”. As boiadas achavam pasto para des­ ífazendas e currais de gados cm pontos diversos do sertão de dentro. O
canso nas Jacobinas, pela maior frequência das chuvas nestas serras, de «Xonvento do Carmo da Reforma do Recife possuía quatro fazendas de
modo que tomavam de três a seis meses para chegar ao mercado da ! jgado na ribeira do Jaguaribe e uma no Cariri que rendiam por ano
cidade. Os currais do sertão de Pernambuco, sendo em maior número Í|ÍC$$ÒOO réis. O Hospício de Guadalupe do Carmo da Reforma, na fre-
do que os do sertão meridional, totalizavam, ainda segundo a descrição - Jgiíesia de Camaragibe, tinha uma fazenda de gado com meia légua de
de Antonil, oitocentos. Havia currais de duzentas até mil cabeças de
gado, e fazendas que possuíam vários currais poderiam chegar até 20.000
cabeças. O jesuíta arrisca que o rebanho total do sertão seria de meio _____
^Ãhdré João Antonil. Cultura t opulência do Hrasil. Lisboa, 1711, p. 186. Já foi
milhão de cabeças, para as partes da Bahia, e de 800.000, para Pernambu­ :j^opelo autor do “Roteiro do Maranhão a Goiaz pela capitania do Pialiui” (RlflGH,
co, de onde, porem, provinha uma fração do gado consumido no Re-; "'"ÇçO-l, 1900) que os habitantes do sertão costumavam demarcar uma légua antes
'jífgirem as três mil braças, que era a sua medida legal. Dessa maneira, no geral a
côncavo.5'’ Em 1708, somente na ribeira do Jaguaribe havia duzentos
Hjaem léguas era irregular c desigual, isto é, não implicava uma referência no
currais, segundo o ouvidor-mor Cristóvão Soares Reimão.4" Çhtido literal. Estes dados de Antonil não devem, portanto, ser lidos sem rc-

"cjLencastro ao rei, 28/6/1700 c consulta ao Conselho Ultramarino, 24/9/1700.


Carta de Rodrigo da Costa para frei Lázaro da Purificação, 19/2/1705. DH, *"t!Íárnbuco, caixa 14. Os autos da data de terra aos párocos e aos Índios são de
AH
carta ao capitão Antônio de Almeida, 9/8/1704. l)/l, 40\ 162. ÁHU, papéis avulsos de Pernambuco, caixa 15. Veja o alvará sobre a medi-
Pc. André João Antonil. C.uhura t opulência rio lirasil. Lisboa, 1711, p. 183-5. tjadeterra para as aldeias, 23/11/1700 nmAnaisr/o An/urvo Público rio falario
W
Carta régia 18/7/1709. AHU, c<kI. 257, fl. 254. 'iS Salvador, 29:73-5,1943.
411
N O í NTIMO DOS S E UTÕ E S 37
36 NO ÍNTIMO DOS SERTÕES
terra cm quadro que rendia 96$00() réis. O convento do Carmo da Re­ criatório c seu comércio era a condução tios animais para os mercados
forma, na Vila de Goiana, tinha uma fazenda de gado que renderia 2í)$000 costeiros. Os próprios vaqueiros e seus ajudantes não poderiam cm hi­
reis. O Colégio dos Jesuítas do Recife tinha uns currais de gado nos pótese alguma desempenhar esta função, sob o risco de interromper a
Cariris e no Rio Grande que resultavam por ano,deditctisexpensis, 150$0()() criação. Os animais aptos ao corte eram escolhidos na época certa ou
réis c uma fazenda na margem do São Francisco chamada IJrubu-Mi- desejada e as boiadas, de cem, duzentas ou mesmo trezentas cabeças
rim, com um par de currais, que rendia por ano 200$000 réis.41 Apesar de gado, conduzidas ordinariamente para as cidades por um tipo espe­
de a renda gerada por esta atividade ser muito baixa, é certo que tinha cializado de vaqueiro, chamado de passador, pois era pago por cabeças
grande importância pelo fato de realizar-se internamente, permitindo “passadas” de um lugar ao outro. No caso das boiadas que iam à Bahia,
assim a integração económica do território c seu povoamento.44 depois de descansar nas Jacobinas, costumavam parar em Capoame, um
A economia pastoril acabaria por gerar uma forma societária específi­ lugar distante oito léguas ao norte da cidade, onde o gado encontrava
ca, em face da litorânea propriamente dita, a que Capistrano quis cha­ pasto e os negócios eram feitos. Para se ter uma idéia do custo deste
mar de uma “época do couro”, cm referência ao mundo de objetos e trabalho, Antonil exemplifica que “quem quer que entrega a sua boia­
usos relacionados ao material ali tão abundante.4' Baseava-se cm um da ao passador, para que a leve das Jacobinas até o Capoame, que c
sistema de trabalho cm que a remuneração c organização social esta­ jornada de quinze, ou dezesseis ou dezessete dias, lhe dá por paga do
vam submetidas a regras estritas de dependência c lealdade, substancia­ seu trabalho um cruzado por cabeça da dita boiada”.47 Uma boiada de
das num universo de violência. O proprietário de imensas terras, como duzentas reses renderia, por exemplo, 80$000 réis ao passador. Este não
era o padrão nos tempos coloniais, c de grandes quantidades de gado seria um mau soldo pela empreitada, dado que um mestre-dc-açúcar,
responsabilizava vaqueiros pelo trato de algumas cabeças que ficavam por exemplo, que se encontrava no topo dos empregados do engenho e
sob seus cuidados c dos ajudantes que fossem recrutados. Ao contrário era uma profissão extremamente especializada, recebia, na mesma épo­
do sistema escravista dominante na monocultura da cana, o trabalho ca, cerca de 120$000 réis ao ano.4" Mas devemos sempre ter cm conta
era remunerado num sistema de parceria ou mesmo assalariamento por que o passador, por seu lado, assumia os gastos com os tangedores e
tarefas. Os vaqueiros, segundo Caio Prado Jr., recebiam um quarto das guias, tirando do gado a matalotagcm da viagem, isto é, a carne. De mo­
crias do gado, após um determinado período de tempo. Sistema que do que os custos do transporte, que não eram poucos, estavam embuti­
permitiria, segundo a avaliação dò historiador, o parcelamento da pro­ dos no pagamento. Os lucros da economia pecuária realizam-se alhures.
priedade, dado que o vaqueiro poderia logo arrendar ou adquirir uma Nas Jacobinas, nos inícios dos Setecentos, onde invernavam por alguns
sesmaria e estabelecer-se por conta.46 Creio, contudo, que esta não era tempo os gados vindos do sertão mais interior, as reses eram vendidas a
a norma. Posto que a alternativa existisse em teoria, a própria sobrevi­ 2$500 ou 3$000 réis, c o seu preço na Bahia — digo, na cidade — alcan-
vência do vaqueiro e de seus ajudantes (por vezes escravos), assim como ,'!çava 5$000 a 6$000 réis. E o boi manso, útil para os trapiches ou para os
o trato da boiada, deveriam consumir toda a paga. Ao que se somava o ^carros, era vendido ali por 8$000 réis.49 Nota-sc, portanto, que havia um
fato de que a esta “liberdade” do trabalho, na situação geral do escra­ gtoho mercantil para muito além do custo do frete, ganho este que lo-
vismo, implicava responsabilidades extremadas, motivo pelo qual to­ letava a classe intermediária de negociantes.
dos os possíveis prejuízos eram descontados nas costas do vaqueiro. ■•Oduro traball,o dos passadores, guias c tangedores de gado em nada
Outra forma de trabalho necessária e indispensável à reprodução do i|||einelhava à imagem arquetípica que nos vem dos westerns holly-
■ ■Si |l|újos, tantas vezes reproduzida na historiografia. Homens livres
Usca de algum ganho viviam em situação de extrema carência e
"Eazxndas <lc gado dos religiosos de Pernambuco cm 1746 (circa)”; “Informação ge­
ral da capitania de Pernambuco”. ABN, ?<S’:4)3-18, 1906. Ai
•B
José Jobson de Andrade Arruda. “A produção económica". In: M. li. Nizza da Silva.Ojt João Antonil. Cultura e opulência do Brasil. Lisboa, 1711, p. 1B9.
^WSèhwartz. Segredos internos. São Paulo, 1988, p- 271.
império luso-brasilrim, 1150-1822. Lisboa. 1985, p. 111-4. “tíré João Antonil. Cultura e opulência do Brasil. 1 jsboa, 1711, p. 190. Dos ta
J. Capistrano de Abreu. Capítulas de história colonial & Os caminhos antigos e o poeoc
5rímss<wí/a Brasil, cm 1618, sabc-sc que o preço (*c u,m VJC‘l no Nordeste cu cie
• 4>
mento do Brasil. Brasília, 196.1, p. 147. . A;
Ss/um boi de carro de 6 a 7 mil-rcis c um boi já feito cerca de 12 a 13 nu -reis.
Gaio Prado Júnior. l>orma{ão do Brasil Contemporâneo. São Paulo, 1953, p. 186-7/;iA
«>
NO í N T I M O D O S S E It T Õ E S 39
3« NO ÍNTIMO DOS SERTÕES Também no contexto das guerras dos bárbaros, o uso do cavalo nas
enfrentavam a rudeza deste trabalhe sertanejo, tal como retratada nes­
tropas sertanejas não foi regra. Apesar da presença de animais nos cur­
ta passagem de Antonil: rais e fazendas do sertão, a ausência de tropas montadas devia-se mui­
to mais à necessidade dc manter a mobilidade dos soldados nos matos
“Guiam-se indo uns adiante cantando para serem desta sorte se­
guidos do gado c outros vêm atrás das reses tangendo-as e tendo cheios de juremas e outros arbustos espinhosos que machucavam os
cuidado que não saiam do caminho e se amontoem. As suas jornadas pés e os rostos. Na maior parte das vezes não havia caminhos batidos,
sendo preciso romper moitas espessas e florestas de canas selvagens
são de quatro, cinco a seis léguas, conforme a comodidade dos pas­
com facões, enfrentando cobras, carrapatos, rios de formigas c outros
tos, aonde hão de parar. Porem, onde há falta dc água, seguem o
caminho de quinze a vinte léguas, marchando dc dia e de noite, com insetos daninhos. Como dificilmente pode observar o viajante que hoje
passa pelas estradas dc asfalto que cortam quase geometricamente o
pouco descanso até que achem paragem, onde possam parar, nas pas­
sertão, os caminhos e veredas no semi-árido, por onde fluíam as tropas
sagens dc alguns rios, um dos que guiam a boiada, pondo uma arma­
ção de boi na cabeça e nadando, mostra às reses o vão por onde hão e os guerreiros bárbaros, acompanhavam sinuosamente o sistema resul­
tante da respiração sazonal da bacia hidrográfica. No caso do Rio Gran­
dc passar”.50 de, por exemplo, afora os caminhos fluviais normalmente perenes (o
Muito provavelmente, grande parte deles seguia a marcha a pé pe­ Açu, o Jaguaribe e o Apodi), a rede de riachos e afluentes oferecia, tan­
to no inverno como nos tempos mais secos, veredas mais adequadas ao
los sertões interiores, pois o cavalo era antes dc tudo raridade e posse t
trânsito no meio da caatinga e dos matos espinhosos, além de garantir a
exclusiva dos grandes senhores c cedido apenas aos vaqueiros, como
instrumento indispensável de trabalho.51 De maneira geral, as crias do Vt
- -ÍJ
proximidade com as eventuais fontes de água. Na verdade, são raríssi­
gado cavalar não participavam da partilha, como sc depreende da des­
í mas as referências às tropas montadas na documentação. Em um episó­
4
dio, Martin de Nantcs, que sempre viajava nos matos a pé c dizia te­
crição dos currais dc Jácome Pereira no sertão baiano, presente em uma
carta dc arrematação datada dc outubro 1665. Além disso, os cavalos mer as “solidões vastas c assustadoras” dos sertões, conta que as tropas
arregimentadas para a guerra na região do rio Salitre, cm 1675, reuni-
eram parte reduzida do plantei de um curral. Segundo esse importante
documento, no curral do jurumungão, os cavalos eram 10% do plantei, ram, entre os portugueses, “cento e vinte homens, todos a cavalo"A’
e no curral do Frade da Sirica, apenas 6%. Naquele ano, o valor estipu­ í4'-'$!Em outra ocasião, quando era ainda sargento-mor do terço dc Matias
lado para cada cabeça de gado vacum acima dc quatro meses era de Cardoso, consta que Manuel Alvares dc Morais Navarro partiu com tre-
1 $700 réis, sendo que os cavalos mansos, com selas e freios, valiam mais íííW'5isentos homens de armas e uma tropa de 27 cavalos, formada a sua cus-
para lutar contra os bárbaros por “onze dias efetivos a fogo vivo até
do que o dobro: 4$000 réis.52
1 dinheiro dc contada. No curral do Jurumungão “havia 116 vacas pandeiros,
Pc. André João Antoni). (‘.ultiira t u/niíènda do lirasil. Lisboa. 1711. p. 189.
•” Gilberto Freire já havia mostrado como o cavalo cra “animal por excelência aristocrá- ■. «rega, 12 novilhos dc 2*anos, 19 novilhas da mesma idade, 20 bezerros e 22
tico c até autocrático”, realçando c garantindo o movimento necessário à dominação .''.‘l® 6 meses, que estão ainda por dizimar c pagar o partido ao curralciro criador,

1
do senhor dc engenho na rede patriarcal. Nordeste. São Paulo, 1951, p. 124. O cavalo ,’^ ideiras, duas poldras dc 3 anos, 2 poldros dc dois anos, mais duas poldras c
cra ainda importante mercadoria dc exportação para Angola. Cf. José Alípio Goulart.; um ano c nove cavalos mansos”. No curral do Frade da Sirica “havia 191
eiras, 27 bois dc entrega, 23 novilhas que vão a três anos, 15 novilhos e IS
O MvtdoPereira
w Jácome naformação do uns
possuía fírasil. Rio dc
currais dc Janeiro, 1964,c cavalar na região de Macassará,
gado vacum ic vão a 2 anos; que vão a dois anos 58, c novilhos da própria idade 43; c 47
entre o rio Real, (tapicuru c Inhambtipe, no sertão baiano. Parceiro do contratador ie vão a ano, c 44 novilhos da própria idade; c 18 bezerras fêmeas c 3 bezer-
dos dízimos Álvaro Rodrigues Meneses, morto c inadimplcntc. Jácome Pereira esta­ J dc 6 meses; c 10 éguas parideiras, c 14 cavalos mansos; 3 poldros dc dois
va envolvido com a falta dc pagamentos devidos. A arrematação dc seus bens estava? s poldras dc ano; c três poldros dc anos, dos quais poldros se deve ainda o
decidida deste 1662, c Pereira havia recorrido. Segundo o documento, ele possuía; parte do criador”. Carta dc arrematação por que o pe. Mateus Mendonça
escravos c outras fábricas "dc que sc podia desfazer e alhear tudo pela terra não SC $ currais dc Jácome Pereira, 13/10/1665. l)H, 22:177-84.
sua”. Naquele ano dc 1665, para pôr termo ao negócio, o Juiz dos Limites, acompag
abado dc um escrivão, fez o levantamento dc tudo que havia nos dois currais^
região, llm certo padre Mateus dc Mendonça acabou arrematou todos os bej

SiWiefc/teto/o» succinteetsinreredela mission dupeie. . ..prídlcateurrapurin,


NO ÍNTIMO OOS SKKTÒKS 41
40 NO ÍNTIMO DOS .SERTÕES
os derrotar”.5' Dc fato, sabemos que o terço dc Navarro, do qual sc “a pé e descalços marchavam os de São Paulo por montes e vales 300 a
preservou o livro de assentamento, não possuía sequer um cavalo, uma 400 léguas, como se passeassem nas ruas dc Madri”?,5s
vez que o regimento das fronteiras dc 1645, que estipulava as normas Parte da historiografia tem asseverado que o indígena contribuiu dc
para o seu preenchimento, era muito claro quanto à necessidade dc as­ forma privilegiada com a mão-de-obra da pecuária. De modo que, à dife­
sentar, tal como os soldados, cada um dos cavalos engajados. rença da evolução da economia açucareira da costa, baseada na escravi­
O vaqueiro, que tinha como principal função percorrer os campos dão do africano, a zona sertaneja teria assistido a uma adaptação mais ou
para controlar o gado e evitar que sc tornasse selvagem, precisava do menos tranquila das populações locais à economia pastoril. Dois fatores
cavalo, donde sua posição privilegiada, quase honorífica, no mundo ser­ colaboraram para alimentar esta proposição. Primeiramente, a repetição
tanejo. Como acessórios indispensáveis sc desenvolveram petrechos e de preconceitos, severamente enraizados no imaginário local, de que os
vestimentas que resultavam cm verdadeira couraça, capaz dc lhe fran­ indígenas eram incapazes de trabalho continuado e sedentário, em fun­
quear o sertão, e que desembocariam numa “íi civilização do couro”, na ção de sua “moleza”, “mentalidade primitiva”, “extremada rebeldia”, etc.;
famosa fórmula dc Capistrano de Abreu. Somente na segunda metade daí a sua inadaptabilidade ao trabalho agrícola e, por exclusão, a conse­
do século XVIII, depois do intenso desenvolvimento do interior da co­ quente acomodação à pecuária. Num movimento de quase naturalização
lónia em razão da mineração, é que o cavalo se democratizaria, ainda do uso dos indígenas como força de trabalho, supunha-se sua “utiliza­
que dc forma relativa. O “alvará das armas” de 1569, que estabelecia as ção” ótima na economia colonial, já que estavam “disponíveis”. Em se­
obrigações de portes de armas que todos súditos deveriam possuir, re­ gundo lugar, o desconhecimento ou menoscabo da exata dimensão da
conhecia que os moradores das ilhas da Madeira, Açores, Cabo Verde c J série de conflitos resultantes do contato da frente de expansão com os
São Tomé e “partes do Brasil” não eram “u obrigados a ter cavalos, por­ í grupos indígenas locais. Disso resultou, por exemplo, que um historiador
que pela qualidade da terra o hei assim por bem”.55 Os cavalos tampouco í da altura de Charles Boxcr, fiando-se exclusivamente no relato de Martin
foram usados nas guerras seiscentistas contra os holandeses, não por "j de Nantes, tenha concluído que, apesar dos excessos cometidos por al-
carência dc animais, mas por sua inadequação às condições ecológicas 'i guns criadores em face dos índios, “as relações entre os colonos e os
da zona da mata, onde inexistiam espaços abertos e o chão dc massapé ameríndios foram frequentemente amigáveis neste período no vale do
tornava os caminhos intransitáveis no inverno.5'’ No caso das guerras no rio São Francisco” e que se os vaqueiros “algumas vezes maltrataram os
sertão semi-árido, onde as juremas c outros arbustos espinhosos difi­ i aborígenes e tomaram suas terras, muitos ameríndios encontraram em-
cultavam o avanço dos animais, o uso do cavalo se fazia ainda mais in­ .prego nos ranchos”?9 Nada nos parece mais enganoso.
conveniente e praticamente impossibilitava a perseguição dos tapuias, jí ,, Em 1665, nos currais de Jácomc Pereira, por exemplo, os africanos
destros cm se internar na caatinga. Segundo Sérgio Buarque de Holanda, ^1^'^jbram descritos junto com o plantei do gado vacum c cavalar. No curral
a marcha a pé era o modo de locomoção característieo dos sertanejos, júrumungão havia 220 vacas, bois e cavalos, assim como “Gonçalo e
pois a locomoção animal "seria extremamente difícil c penosa nas bre­ JljJaria sua mulher escravos gentios dc Guiné, e Gaspar e Mateus mole-
nhas c lugares acidentados”.57 Preservavam, assim, "a tradição indíge­ curral do Frade da Sirica havia 487 vacas, bois e cavalos, jun-
na, alheia ao uso de quaisquer animais de transporte”, despertando o José e sua “escravos do gentio da Guiné”, e “Perpétua,
assombro dos espanhóis pelas dilatadas jornadas dc que eram capazes-j "^àgijngos, Pedro e João; e Pedro e Bento, moleques que andam fugi-
de fazer a pé. O padre Antônio Ruiz de Montoya não havia escrito quc| l^f^mais Manuel e Paulo, moleques que estão no curral”, além das
faÇas “Juliana Negra e Domingas Crioula, de 3 para 4 anos, c Marta
de fazer a pe.
|||h|^PS”. Seus preços foram estipulados em 44$000 reis por cabeça
Eollia dc serviços de Manuel Álvaros dc Morais Navarro. 15/12/1696. AHU, cód. 86.J •Jífà e 16$000 réis as crianças.'1" Se havia outros trabalhadores li-
fls. 246-8. í
$4
Alvará das armas dc 1569. In: M. dc Mendonça (cd.). Raízes daformação adutiSB
tratrva do Brasil. Rio dc Janeiro, 1972, vol. 1, p. 147. "fe Warque dc Holanda. 0 Extremo Oeste. São Paulo, 1986, p. 68 e 170.
$5
íWRálph Boxcr. The Golden Age of Brasil. Lisboa. 1995, p. 233.
Evaldo Cabra) dc Mello. (Miada restaurada. Rio dc Janeiro, 1975, p. 221-4. rô^iejírtctnatação por que o pc. Mateus Mendonça arrematou os currats c Jaco c
Sérgio lluanpie dc Holanda. Caminhos efronteiras. Rio dc Janeiro, 1957, p. 147. |í^/.10/1665. DH, 22-All^A.
presença do cavalo cm São Paulo, veja o capítulo “Do peão ao tropeiro", p. H
57
42 NO ÍNTIMO DOS SKRTOKS no Íntimo dos sertões 43
vrcs, o que é provável, não temos indicações. Estudando de maneira de Mott mostrar que havia escravos no Piauí como únicos responsáveis
quantitativa alguns relatos referentes ao Piauí, para o ano de 1697, Luís pelo rebanho (“fazendas onde escravos eram livres de seus senhores e
Mott mostrou que, pelo menos nessa região, o padrão histórico das re­ senhores dc si”), é de bom senso imaginar um estatuto particular para
lações de produção na pecuária contraria, em muito, as generalizações este trabalhador que o afastaria da escravidãotoutcourt. Estaríamos, pelo
da historiografia. Inicialmente, fica claro, pelos dados apresentados, que menos nos séculos iniciais da expansão do pastoril no sertão (creio que
"os índios não eram tão desejados e indispensáveis como mão-de-obra”. tudo faz-se diferentemente no XIX), bem longe do predomínio da mão-
Presentes de maneira minoritária nas fazendas de gado, representavam de-obra escrava, como quer Gorendcr. Podemos imaginar, ao contrário,
apenas 9% da mão-de-obra usada no pastoreio. Mais ainda, o autor con­ que a pecuária estruturou-se com a presença determinante do trabalho
clui que é errada a assertiva de que o trabalho livre fora a regra nestas livre (conformando uma relação escravista particular), e com a ausência
atividades. Dados demográficos nos mostram que, no mesmo ano de relativa do trabalhador indígena.
1697, 48% da população total envolvida com a pecuária era escrava.'’1 Relativa porque temos informações da utilização do indígena no tra?
Baseado neste autor, Gorendcr concluiu, após uma revisão dos mesmos balho da condução do gado para os mercados consumidores. Segundo o
documentos utilizados por Caio Prado Jr. e outros, que de fato a escra­ governador-geral, João de Lcncastro, os proprietários de gados manti­
vidão predominara na pecuária colonial.1’- Contudo, para um adequado nham em suas fazendas o número estritamente necessário dc escravos,
entendimento da questão, acredito que cabe ao historiador ter cons­ se fosse proibido que “os índios conduzissem esses gados, dos sertões
ciência das limitações óbvias da documentação para as generalizações para a Bahia ou seu Recôncavo ou [paraj Pernambuco, nunca os pode­
de ambos os lados do debate. Ao mesmo tempo, temos de considerar riam enviar, faltando aos povos aquele provimento tão essencial”. O
essas mesmas generalizações necessárias cm face da escassez de docu­ trabalho de guias e tangedores realizado pelos índios era, do seu ponto
mentos e estudos sobre o assunto e a importância das conclusões, uma de vista, muito útil para os próprios porque com as pagas ganham “com
vez que, ainda que temporárias c parciais, são fundamentais para o se­ que se vestir e as suas mulheres”. Os missionários forneciam os índios
guimento da pesquisa histórica. De toda maneira, ao contrário de aldeados pelo salário que fosse considerado justo, recebendo o paga­
Gorendcr, acredito que não se pode descartar o papel estrutural do tra­ mento e por vezes o repartindo “com grande prejuízo deles”. Lencastro,
balhador livre'1’’ na organização do pastoreio, donde a utilização de es­ em um papel sobre as missões, sugeria que o pagamento deveria scr
cravos apenas como ajudantes, como “fábricas”, c nunca sua presença fiscalizado pelos procuradores dos índios e escriturado na presença de
como vaqueiros. No final do século XVII, pelo menos para o Piauí, o um índio “mais ladino”. Sugeria, também, o estabelecimento dos salá­
absenteísmo ainda era a regra, e a presença dos vaqueiros e arrendatá­ rios que os índios deveriam vencer: do rio São Francisco à Bahia, 4$000
rios era fundamental para o bom funcionamento das fazendas.64 Apesar í|éis, do Ceará, 6$000 réis, do Piauí, 8$000 réis e do Paramirim para cima,
Í8$000 réis também.65
Li i is Mott. “Os índios c a pecuária nas fazendas de gado do Piauí colonial”. Revista de ■
».l Resistência indígena e extermínio
Antropologia. São Paulo, 22:74-5, 1979. Veja também do mesmo autor “Estrutura ■
demográfica das fazendas dc gado no Piauí colonial: um caso dc povoamento rural .í
centrífugo". ín: Idcin. Piauí colonial:população, economia e sociedade. Tcrcsina, 1985,”, gãj3£Sde o século XVI, o movimento de ocupação do sertão norte do
OfSiECpnfrontou o colonizador com os povos indígenas que habitavam
p. 71-92.
Jacob Gorendcr. O escravismo colonial. São Paulo, 1985, p. 425-42. gS^SBSões que se destinavam ã criação do gado. Após a expulsão dos
E importante notar que o termo “trabalho livre” deve scr perfeitamente contextua-
lizado para um correto dimensionamento histórico. Estamos muito longe do assà;,g
lariado moderno ou do proletário do mundo capitalista industrial. Contudo, o craba-.,.; - ------
lhador “livre” na situação colonial possuía prerrogativas quanto ao controle dc seuM| patrão não está: análise do absenteísmo nas fazendas de gado no Piauí
destino dc vida que cm muito o afastavam do escravo, configurando situações idem. Piauí colonial: população, economia e sociedade. Tcresina. 1985.
status diferenciadas, o que se fazia de primeira importância nesta dada ordem socialjgf
“Sc nos primórdios da colonização — 1697 — 90% das fazendas dc gado tinhflffl^ 0 senhor dom João de Lcncastro responde aos 16 pontos sobre as
«4
proprietários absenteístas, nossos dados não deixam dúvida de que a partir dos meSga 702. In: Virgínia Rau (cd.). Os manuscritos do arquivo da casa de Cadaval
dos rio século XVI11 o absenteísmo era exceção na estrutura fundiária do Piauí". Coimbra, 1956, vol. 2. p. 49-52.
NO IN I IMO DOS SERTÕES 45
44 no ín timo dos sertões
holandeses (1654) e a acentuação do movimento de expansão da pe­ memória oitocentista sobre o Piauí, entendia que “as frcqiicntc.s hosti­
cuária, conflitos antes limitados tornaram-se cada vez mais frequentes, lidades dos selvagens contra os primeiros povoadores” eram compre­
de modo que cm breve uma situação de conflagração geral surgiria às ensíveis, dado que para com estes intrusos os índios “não podiam ter
vistas das autoridades coloniais, sendo denominada à época “Guerra senão má vontade, visto que os olhavam como usurpadores de suas ter­
dos Bárbaros”. Os ataques constantes dos tapuias do sertão às fazendas, ras”. Eram, contudo, tidos pelo autor como “um embaraço todo dia,
plantações e povoados do Recôncavo Baiano resultariam cm uma série um grande mal que demandava pronto remédio para garantia da pro­
dc expedições punitivas que moldariam a dinâmica futura da guerra no priedade nascente e o que é mais, das vidas dos arrendatários e colonos
sertão. Nesse sentido, entre os anos dc 1651 c 1679, as guerras contra que afluíam em grande número”.'’'’ Por outro lado, a facilidade dc cap­
sertão.
os tapuias quesentido,
Nesse entre
“assolavam rlllV.i
” o Recôncavo.......
Baiano_ serviram de campo de tura do gado, dada a sua forma mais ou menos lassa de pastoreio, e,
provas para novas estratégias que determinariam a forma do extermí­ portanto, o interesse que despertou nos povos autóctones, que viam
nio que seria praticado nos séculos vindouros. A partir dc 1687, os le­ nos animais soltos a possibilidade dc satisfazer suas necessidades ali­
vantes dos tapuias ganharam radiealidade, em particular no sertão nor­ mentares, faziam com que os povos indígenas fossem tidos pelos colo­
te do então Estado do Brasil, isto é, Pernambuco c capitanias anexas, nos como grave transtorno à economia local.
principalmente no Rio Grande c Ceará. As chamadas “guerras do Açu”, Para os criadores de gado daqueles tempos, os povos autóctones eram
apesar dc serem normalmcnte tomadas como a Guerra dos Bárbaros- apenas mais um empecilho. Com isto, devemos nos afastar das concep­
corno um todo pela bibliografia, são na verdade o caso específico dos ções integracionistas do processo colonizador que resultaram nas teo­
conflitos desta região — do vale do rio Açu ou Piranhas —, no atual Rio rias de Darci Ribeiro, para quem os impulsos dc expansão ativados pe­
Grande do Norte. Não obstante, a sinonímia sc explica pela sua maior las sociedades mais “evoluídas” tecnologicamente revertiam, quase que
importância e significado. Posto que as diversas guerras movidas aos necessariamente, num “movimento dc incorporação histórica” que po­
índios bravos sc estenderam por todo o sertão pernambucano ou baiano, ria estes povos contatados “sob o domínio dc um centro reitor fazendo-
os episódios do Açu acabaram por cristalizar dc maneira mais dramática os transitar a outra etapa evolutiva, mas com perda de sua autonomia c
o resultado de décadas dc tirania c aniquilamento, mobilizando diver­ mediante a sua conversão em proletariado externo dc outros povos”.'* 7
sas nações cm conflitos continuados. Estes punham cm xeque o con­ ; \ Isto talvez seja válido para os grupos tópicos do litoral que de uma for-
trole das regiões dc fronteira do sertão de fora, na terminologia de ! ma ou de outra, foram recrutados para o trabalho nos engenhos de açú-
Capistrano de Abreu, ameaçando, segundo a interpretação coeva dos ■ i; çár, ou ainda, no caso da sociedade sertaneja paulista, para o trabalho
agentes coloniais, a integridade do Estado do Brasil. Reforçando isso, p. y^nas fazendas de trigo.'
* 3 No sertão setentrional, muito ao contrário, as
parte da historiografia tem dado como verídica uma grande confedera­ iíí^fejjúerras aos índios neste momento, por razões estruturais da forma da
ção articulada por diversos povos indígenas para barrar a invasão dos Mpljçvolução desta economia e do processo colonizador, longe de serem
colonizadores e a expansão da economia do gado. Noção que será dis­ ferras de conquista c submissão dc novos trabalhadores aptos ao ma-

cutida mais
Neste adiante.
novo contexto, o confronto peculiar ou geral que sc armara no
sertão fazia-sc, especificamence, entre a fronteira da economia pecuá- cronológica, histórica c corcográfica da província do Piauí (1855)". RHlGli.
ria c os índios de grupos não-túpicos, isto é, tapuias, historicamente^
irredutíveis. A forma específica da atividade económica que embasaraf :iro. Os brasileiros. 1. Teoria do Brasil. Pctrópnlis, 1978, p. 43. Em outro
irimcira edição é dc 1970, o antropólogo considerava, em breve passagem,
a ocupação, a pecuária extensiva de bovinos, implicou um acréscimo^
ícífico da conquista do Nordeste: “Os índios dos sertões do Nordeste opu-
das possibilidades de conflitos por duas razões. De um lado, a extremaij rcsistência possível à invasão do seu território (.. .|. Os grupos que mais
avidez dc espaço resultante do modo específico de criação dos rcba^S m & invasão foram trucidados, sendo os sobreviventes apresados como es-
nhos no contexto ecológico de carência, tal como o do sertão semi-ári^; i os canaviais da costa ou para reforçar a população das missões religiosas”.
a civdização. 4 integração das populações indígenas no Brasil Moderno. São
do, implicava o levantamento dos indígenas, moradores seculares,
não podiam tolerar a intrusão e a consequente destruição de suas
tes de subsistência. Nesse sentido, Pereira d’Alcncastre, autor dc ÚÁHbÍ
.ííégsl
46 NO ÍNTIMO nos SERTÕES No ÍNTIMO nos SERTÕES 47
ncjo do gado, eram tendencialmcnte guerras de extermínio, de “lim­ das centenas de grupos indígenas existentes na época, apenas 26 habi­
peza do territóno”.‘'‘' Sc houve expedições orientadas para a captura e tam atualmcntc na região, estabelecidos em 43 áreas. E, em termos cul­
escravização dos habitantes dos sertões, dc maneira geral, o escopo era turais, hoje somente os fulniôs se expressam em língua própria, ao pas­
sempre a matança, seja para refrear a “insolência" dc grupos resisten­ so que todos os demais conhecem apenas o português.71
tes, seja para abrir simplesmente espaço para as criações. Neste caso
particular, os impulsos de expansão resultaram em situações extrema­
mente nocivas e não-integradoras. Eato cheio de consequências para a
história das políticas indigenistas do império na America, bem como (c
principalmcnrc) para o destino destes povos, primitivos habitantes do
Brasil. A guerra dc extermínio somou-se o contexto deletério da acultu­
ração c miscigenação a que se submeteram alguns grupos indígenas que,
feitas as contas, preferiram alinhar-sc aos colonizadores. Os poucos que
conseguiam acomodar-sc em aldeamentos e missões eram utilizados em
serviços diversos e cuidados para que tivessem sua alma “salva”, na
maior parte das vezes dc sua própria vida c cultura. Dos que se passa­
vam ao lado dos colonizadores, os guerreiros hábeis eram normalmente
integrados às tropas enviadas para combater os irredentos. Para se ter
ideia do resultado do aniquilamento a que foram submetidas as socie­
dades autóctones, hoje, a população indígena do Nordeste como um
todo conta cm cerca de 36.000 indivíduos, ou seja 5,5% da estimativa
histórica à época do Descobrimento: pelo menos 652.000 pessoas, de
acordo com John Hemming.7" Quanto à diversidade destas sociedades,

,-h <.

O mesmo ocorrendo nos sertões meridionais e na Amazônia. Contrariando a visão


dominante na historiografia, John Monteiro demostrou que “as expedições dc
apresamento oriundas de São Paulo, pouco tinham a ver com a expansão territorial.
Muito pelo contrário: ao invés de contribuírem diretamente para a ocupação do inte­
rior pelo colonizador, as incursões paulistas — bem como as tropas de resgate da
região amazônica e dos •dcscimenws
* das missionários em ambas as regiões — con­
correram antes para a devastação dc inúmeros povos nativos. Parafraseando ('apistrano
de Abreu, a ação destes «colonizadores» foi, na realidade, tragicamente despovoadora”.
John Manuel Monteiro. Os negros da terra. São Paulo, 1993, p. 7-8.
Red Gotd. The C.onquest of lhe lirazilian Indians. Cambridge, 1978, Appendix, p. 487- : “ ’’ ' - - - ■———————■ •
SOI. Para o debate sobre o camanho das populações indígenas pré-colombianas, veja’.: ssfpr^m publicados em Marta M. Azevedo & Gislaine Eonscch. “Os índios e o censo
|®y|nÒgráfico dc 1991", lloletim da AI1A. Campinas, 2!>:15-30, 1998.
Willian Dcncvan (org.). The Ntttive 1‘opulations of the Américas in 1492. Madison, 1978. ij
John Manuel Monteiro critica a perspcctiva unidimensional dos cálculos de HemmingJ WpSajuma etnografia dos fulniôs, veja Estevão Pinto. Etnoloida brasileira (Rultttò — os
que, partindo dc uma demografia “estagnada" no marco zero dc 1500, supõe a histó-„*3 tapuias). São Paulo, 1956. Uma leitura crítica desse texto e das referências aos
ria destes povos como “a crónica de sua extinção": como de fato o faz. Veja “As popiiii gíSjgis,,encontra-se cm Dirccu Undoso. “Na aldeia dc la-ti-lhá (etnografia dos índios
lações indígenas do litoral brasileiro no século XVÍ: transformação e resistência"^ Nordeste). A/1N, //:21-45, 1991. Sobres as identidades emergentes, veja
llrasii— nas vésperas do mundo moderno. 1 .isboa, 1992, p. 124-5.0 censo dc 1991, Pefe figelISfiS dc João Pacheco dc Oliveira, “Povos indígenas no Nordeste: fronteiras ét-
primeira vez, incluiu os índios como variável. Para o Nordeste, o resultado é próxinj®: ^^^^uqçntidades emergentes” Tempo e Pmeuf/t. Rio dc Janeiro, ’7d:3l-4, julho/
à ívntsucin di> CEDI (35.570 indivíduos), ou seja. 40.175 indivíduos, assim disfflSH c dc Carlos Alberto Ricardo. “Os índios e a sociodiversidade nativa
buídos: Piauí (314), Ceará (2.694), Rio Grande do Norte (394), Paraíba (3-77w|| no Brasil”. In: Aracy I,. da Silva & l„. D. B. Grupioni. ri temática
Pernambuco (10.576), Alagoas (5.690), Sergipe (760), Bahia (16.023). Estes Brasília, 1995. p. 29-56.
2
O PAÍS DOS TAPUIAS

De SDK o início da colonização, os indígenas, para além de


sua utilidade como força dc trabalho, apareciam como aquele substrato
mínimo de povoadores necessário para a manutenção do domínio, ante
as tentativas dc conquista ou dc invasão dc outras potências europeias,
ou mesmo de resistência dc grupos nativos hostis.*1 Os grupos indíge­
c nas aliados ou pacificados permitiam uma margem de segurança à em­
i presa colonial perante as ameaças externas, isto c, de outras potências
européias, ou das ameaças internas presentes em um sistema baseado
■l' na compulsão extrema do trabalho/ A pcrccpção desta funcionalidade
f
específica dos povos indígenas no processo colonizador já havia sido
p pensada por Caio Prado Jr., para quem é certo que os portugueses pro­
3■ curaram, no início, aproveitar-sc do indígena “não apenas para obten-
’X.\.jção dele,-.pelo tráfico mercantil, de .produtos nativos, ou simplesmente
.
'j^íçómo aliado, mas sim como elemento participante da colonização”.’ Tra-
de usar os índios para prover uma base populacional, pois era

/-[Çjorcstan Fcrnandcs. “A sociedade escravista no Brasil”. In: Circuitofechado. São Paulo,


l 18.
Eíp quc Luiz Felipe de Alcncastro chamou de “dupla frente militar portuguesa":
“P.çsclc logo, as autoridades coloniais procuram fixar alianças com certas tribos do
râl.para barrar a ofensiva dos fndios hostis, por um lado, c defender os portos dos
los europeus, por outro lado”. O autor aponta ainda como fatores restritivos ao
go de escravos fndios a “sua vulnerabilidade ao choque microbiano e virótico”
"ilhamento" dos enclavcs produtivos da colónia, o que impedia o desen-
ento do intercâmbio entre as capitanias c, portanto, de um sistema regular de
K «cravos indígenas. Os luso-brasileiros cm Angplct: constituição do espaço econã-
"nsifan) no Atlântico Sul, 1550-1700. Campinas, 1994, p. 52-60.
Fofmcição do limsilcontemporâneo. São Paulo, 1943, p. 85.
49
50 o país dos tapuias <> PAÍS DOS TAPUIAS 51
funilamcntal compor o suporte mínimo de ocupação e defesa.' Certo
os mercenários coloniais na conquista do Maranhão, então sob o con­
que sempre se procurou atrair colonos com cabedais capazes dc realizar
trole dos franceses. Para ele, a conquista não se devia fazer com gran­
o enriquecimento da terra e o seu próprio, mas o papel destinado ao des custos nem com um grande exército, mas, pelo contrário, com “en­
indígena, na ordenação do mundo colonial, também o previa como um genho e manha”, porque os índios não eram gente de se conquistar
povoador apto a atender o seu caráter militar e de defesa, daí buscar pela força. Recomendava, com pragmático cinismo: “Quanto menos
mantê-lo cm sua "natural liberdade". Padre Antônio Vieira já tinha com­ puder ver o gentio em nós, e nos que o vão conquistar, tanto mais se
pleta percepção disto, como podemos ver na carta que escreveu a d.
fiarão no que lhes dissermos, e assim se reduzirão facilissimamente por­
João JV, cm que recomendava remédios para a situação dc escravização
que não é gente que se defenda por força, senão por fugir dc nós”. Sc
dos indígenas, pois, uma vez resolvida esta situação, “terá também a os índios abandonassem a expedição, isto é, sc não aceitassem fazcr-sc
república muitos índios que a sirvam c que defendam, como eles foram aliados dos portugueses, estes estariam em maus lençóis pela depen­
os que cm grande parte ajudaram a restaurá-la [aos holandcsesj”.’
dência que lhes deviam. Nas palavras do governador, os portugueses
O papel dc povoador, destinado ao indígena, desempenhava uma
não sc sustentariam “na falta das coisas”. A conquista da costa depen­
função estratégica na construção do domínio colonial. Os autóctones dia desta política de alianças: “sem eles”, continuava a carta, “mal sc
eram os únicos capazes de dar o conhecimento das terras e contribuir
poderá remediar nem povoar tão larga costa assim para o remédio de a
para as tropas com os homens necessários às diversas guerras c escara­ defender aos estrangeiros como de a cultivarem”." Dessa maneira, como
muças travadas entre os colonizadorcs e tribos que sc manifestavam já procurei mostrar cm outro trabalho, o processo de substituição do
hostis, c entre colonizadorcs dc diversas nações. O cronista Ecrnão Gucr- indígena pelo africano nas fábricas e plantações do Nordeste brasileiro,
reiro, no começo dos Seiscentos, reconhecia que os índios, além dc ne­ no primeiro quartel do século XVII, deve ter suas razões buscadas não
cessários para os diversos trabalhos, eram-no para a defesa da terra, pois
apenas na dinâmica do capital mercantil ou populacional, mas também
“quando algum inimigo ou corsário vem a ela, c pretendem dar, ou de­ na polícica de povoamento e de alianças militares levada a termo pela
sembarcar em alguma parte, que os índios à sombra dos padres são os Metrópole.9
que lhe defendem a desembarcação c os desbaratam com suas flechas, A indecisão sobre a legalidade da escravidão do indígena durou ape­
mais que os portugueses com os seus pelouros [balas de metalj”.6 In­ nas até o ano de 1570, quando a Coroa resolveu garantir o seu direito à
ternamento, os indígenas aliados poderiam ser usados para conter as ’ Jibcrdade, reproduzindo noção defendida pela bula de Paulo 11
tensões do sistema escravista, notadamente onde se baseava na mão- , Deus sic dilexit, dc 1537.
*" Não obstante, a lei dc 20 de março de 1570
de-obra africana, quer dizer, no seu núcleo mais dinâmico. Um jesuíta,
que viveu no Brasil um pouco antes da invasão holandesa, explicava
• 1 ""1 ' "
que os negros temiam aos índios, “porque pelos montes lhes vão a bus­ dc d. Diogo dc Meneses a el-rci sobre negócios do Maranhão, l.“/.3/l612. In:
'^■RS^íBarão dc Studart (cd.). Documentos para a história de Martim Soares Moreno. Fortaleza,
car, prender e castigar”.7 Íj419P5, P- 2. Sobre o "fundador” do Ceará, veja a monografia dc /Afrãnio Peixoto. Martim
De tal forma sc faziam indispensáveis em determinadas situações, ifttansMonno. Lisboa, 1940.
que, além da legislação protetora e da ação dos missionários, se impu­ Vípm resumo da questão sc encontra cm A mtsera sorte: a escravidão africana no llntsi!
nha uma política cautelosa dos mandatários na Colónia. Exemplo disto, flandis e as guerras do tráfico no Atlântico sul, 1621-1648. São Paulo, (1992) 1999,
foi a atitude do governador-geral do Brasil, d. Diogo de Meneses, que
* Capitulo 1. Veja também Fcmando Novais. Portugale o Prasilna crise do Antigo Sistema
escreveu ao rei, no ano de 1612, explicando como deveriam proceder- iptãl. São Paulo, 1978, p. 92-106. Para uma discussão historiográfica. veja o rcxro
IjBãrbara L. Solow. “Slavery and Colonization”. In: ldem. (org.). Slavery andthe Pise
'andeSystem. Nova York, 1991, p. 32-47; Luiz Felipe de Alencastro. “O aprendi-
Vera Lúcia /Amaral Fcrlini. 'Urra, trabalho e poder. São Paulo, 1988, p. 15-6. íj Õlda Colonização”. Economia e Sociedade, /:161, agosto de 1992; e Stuart Schwartz.
4
Antônio Vieira. “Carta ao rei d. João IV, 20/5/165.3. ín: fdem. Cartas. Rio dc Janeiro,^
$ ÍSsçl R. Mcnnard. “Why African Slavery? íaibor Force Transitions in Braz.il,
1949, p. «9-90. ' js
fêóond the South Carolina Lowcontry”. In: Wolfgang Kinder (ed.). Slavery in dte
Relaçam annua! das cousas que fnanem os padres da Companhia de jesus nas pattts fâ WifíErlagcn-NUmbcrg, 1990, p. 89-114.
t.
bidi/i oriental e no fírasil, Angola, Cabo Venle e Guinem, nos anos de 1602-1603. Lasudjk
atendia aos desejos dos jesuítas Luís da 03 e José dc Anchicta, que
1605, p. 114. ;W participado dc uma junta cm 1566 para definir a política indigenista. A guerra
Aptnl; Evuldo (librai dc Mello. OHnda restaurada. Rio dc Janeiro, 1975, p. 176.. Aga
7 sido invocada, pela primeira vez, pelo governador Mem dc Sá, quando
O PAIS DOS IAPUIAS 53
52 O PAÍS DOS TAPU1AS trazidos do sertão. As entradas de captura só poderiam scr feitas com a
• i' ;«v\ “fr/cr cativos os ditos gentios .
esclarecia os casos » qne ^'aocrrizaclas pelo rei ou pelo licença do governador-geral. A lei dc 11 de novembro dc 1595, porém,
aqueles ronvarlos em .',>s'inrltacoas que praticassem a antro- estabelecia que as guerras justas se fariam somente por ordem expressa
governador do Brasil, e no .. espanhol com suas solrsnca- do rei. Dez anos passados, a provisão de 5 de junho dc 1605, assim como
pofagia. Um poucos margem do dobajusKl (1>Ii, definid» de o alvará dc 30 de julho de 1606, revogavam definitivamente os termos da
ções teológicas, cm ortuga o franciscano Álvaro Pais, cuja lei de 1570, não considerando a legalidade do cativeiro indígena em caso
forma pragmática ainda no sccu‘ ‘ d<) lístado dc declarar guerra algum, fossem eles batizados ou ainda gentios. No entanto, foi a divulga­
doutrina acentuava o direito da g J dos inimigos se la- ção da nova lei dc 30 dc julho de 1609 que causaria maiores transtornos.
contra os infiéis donde a póblic<>s c não privados. A guerra Coincidindo com a chegada da nova Relação na Bahia, essa lei declarava
ziam segundo a lei, isto , ser Xtivamcnte condenada, c os ca- todos os índios definitivamente livres, fossem eles cristãos ou pagãos.
declarada por particularc. tido p|eno da instituição, se captura- Aqueles que tivessem sido ilegalmente capturados deveriam ser postos
tivos tornavam-se escravos, no st£ti „ Já no penodo em liberdade c todos os recibos e contratos relativos a sua venda, anula­
dos sob a autorização, Porta™°’ ’ ^regulamentou o uso dos índios dos. A lei implicava a Relação no seu cumprimento o que lhe dava vigor
filipino, a lei dc 24 dc fevereiro dc 1M g _________ sem precedentes. A reação dos moradores e autoridades da Colónia, as­
sim como os conflitos com os missionários resultantes da resistência a
___ —— ------ ■-------------- , ...... haviam comido o bispo Sardinha,
aplicação da lei, fizeram o rei ceder, promulgando, em 10 de setembro de
promoveu a guerra--------------------------------- ™ *
« ’ 1P’ t> 't i. So j
Cf. John Manuel Montc.ro Or n<> s-ullo XV1”. RlVlsMda So- •. 1611, uma nova lei que recolocava a legalidade do cativeiro cm caso dc
" Beatriz Pcrrone-Moisés. ‘A guerra just. -.5_J0 1990. Sobre a noção dc guerra a guerra justa ou de resgates. A partir de então, a guerra justa poderia ser
Mlriasdeira de Pesquise. “A Ovídio natural do selva- declarada por uma junta composta pelo governador-geral, o bispo, os
Za". veja também o estudo dc Joao Adollo HjnsA do
membros da Relação da Bahia, assim como representantes dos missioná­
gem c a guerra justa contra o G()ino sc sabe, as discussões cm torno
homem e do mundo. São Paulo, 99« £ 347 sofistitação do debate qumhcn s- rios, ao rei cabendo o direito de avaliar a decisão. Como mostrou Ccorg
da guerra justa na Aménca port igucs 4^ texU)S pcttlncntes de um Thomas, “as disposições da lei dc 1611 contribuíram para a fundação de
ta espanhol. Não poucas vezes, o e t desconforto com o gabarito dc j novos estabelecimentos indígenas, que deveriam servir especialmcntc
intelectual da altura de Antomo V ura, tm „ * tottcntc nos |
para a defesa das costas brasileiras”, assim como dos inimigos internos,
seus interlocutores. De toda " . nestas plagas. Como veremos, o poucointc- índios bravos e negros fugidos.1’
séculos XVI c XVII informava.a natufcza do homem tido por bárbaro
resse do homem português ern des« de , sc(> de Vitóruu .j. 'Em perfeita sintonia com a política traçada pelo regimento do go-
provavelmente esta associado a fo Aristólelcs feita por Francsco de V.tóna no | ■■ >verho-geral de 1548, esta lei de 1611, consolidava o “regime das mis-
Lmo sc sabe, a interpretação tom.sta d Aderivava nao da sua | ílpes” tal como elaborado pelos jesuítas (Manuel da Nóbrega, principal-
século XVI estabelecia que a dcsigu Sepúlvcda), mas das faculdades ã
natureza (como pretendia a leitura de Juan . * inferiores ou imperfeitos.
X t c-S que justificavam a -bm^o <tos P«vl Nc^ j y&yobrade Bartolomcu dc Las Casas, veja Marianne Mahn-Lot. Bartoloméde/jis Casaset
A violação dessa “lei natural” era. justa causa R a libcrdadc des indiens. Paris, 1982. Para a guerra justa no México, Peru, Chile e l-~ilipinas,
sentido, tal como Bartolomcu dc,c uma vida civil (a j g^eja'6 capítulo IX do livro de Lcwis Hankc. The Spanish Stng^e for Justice in lhe
dos indígenas, mas etc" cria j»stificar 3 “a3 ‘Xs W mjueslofAmerica. Boston, 1965, p. 133-46. Sobre as bulas papais c a expansão por-
afeição a costumes monstruoso. , ■ 1 Mun(lo Bucnos Aires, 1952, s:à lio ultramar, veja Charles Martial dc Witte. “Les bullcs pontificialcs et
Henrique de Gandia. Franã^ de ViW * ‘ |eituta (omista da doutrina de Wggfi jnsiori portugaise au XVcme sièclc” (extrait dc la Revued'Histoire Helesiastíque),
174-97 Jcan-François Courtinc pro . Lrntes-a refundação moderna, dc Vitó^^K rna',1985; e Idetn. “Les lettres papales concernant Pcxpansion portugaise au
■ria noirtigo “Direito natura. ed.rejtotHsgemcp || ifêjsiècle”. Nouvelle Revue de Science Missionaire. Immcuse, 1986.
a Suárcz.”. ín: Adauto Novaes (org^ AHõffncr. ÍJ^hòmas. Política indigenisia dos portugueses no Rrasil. São Paulo. 1982, p. 48 c
kkik n 291-333. Sobre o assunto, veja Rio dc Janeiro, 1977, JS?jàs 4a5 leis citadas estão no apêndice II, p. 220-33. Veja também Agostinho
PâkxÇrdigão Malhciro. A escravidão no Brasil:ensaio histórico-jurídiro-sorial(1866-
jSãoJaulo, 1944, vol. 2, p. 145-249; Rodrigo Otávio. Os selvagens (tmfriíwttos
fffetto. São Paulo, 1946; c Stuart Schwartz. Burocracia e sociedade no Brasil
Tsuprtma corte da Bahia e seusjuízes, 1609-1751. São Paulo. 1979, p. 99-112.
O PAÍS DOS TAPUIAS 55
54 o país nos iapuias as quais estava a urgência dc encontrar aliados, cm número c força, para
mente) na meunle do séeolo a manutenção do domínio.11' Assim, os holandeses, tão logo conquista­
ta»»-, nnm prinw.ro X príndpi.» pedagógica em ram o Brasil, perceberam que a dimensão política da manutenção do
dos catccúmcnos em aldeias adailta. 1 scr isolad()S da sociedade controle das áreas produtoras coloniais pela metrópole rcsolvia-sc numa
curso. Nestes povoados, os m ios ‘ )a de forma C()ntrolada. De necessidade de povoar as novas terras com súditos fiéis, o que, dc for­
colonial, para então poder vo ta naç~es eranl reunidos num ma mais aguda — neste momento de conflitos generalizados —, impu­
maneira geral, índios as idos a diversas formas de ressocia- tava um papel preciso aos grupos indígenas, que não o de escravos. De
único povoado para serem . • Neves () aldeítme„tl, era modo que havia maior pressão para a manutenção de uma relativa “li­
lização c de aculmraçao Como nwst^ „ a,deamentos slIb- berdade” destes grupos e para a sua organização em aldeias reduzidas,
“um grande projeto pcdag g religiosas, havia também as cha- isto é ressocializadas, o que os excluía, peremptoriamente, das reservas
metidos ao poder temporal das.^eanoS_ov^no.gera|) e mesmo alguns de mão-de-obra escravizáveis. Por outro lado, na situação generalizada
madas “aldeias d’el-rei Cujatascfmaras ol,ka alguns colonos, como de caos social criada depois da revolta dos luso-brasileiros dc 1645, prin­
aldeamentos particulares (sujeitos^ •• povoados, em associação cipalmente, fazia-se necessário impedir o incremento das tropas inimi­
em o easo em Sã.. >’« <0 ™ piimeim momenm. e dc,n.is as gas (portuguesas) com índios descontentes com as políticas da Compa­
com o governo geral, os jcsum.das nússionaçao _ proccd.amaos nhia das índias Ocidentais. Havia uma trava à preação tios indígenas
outras ordens religios . gj volantes ou expedições nulita- que orientava a demanda de escravos para fora. Os pernambucanos não
desrimentos de tribos indigc - ■ - «descercm” para perto dos povoa­ atribuíam a derrota da resistência, 'mais do que à traição de Calabar, aos
res “convenciam” índios alascadosa.descerem índios que apoiaram os batavos? Esta era a opinião dc frei Manuel Ca­
dos coloniais, onde viveriam em * ob:ctivos; “Tratava-se, em pn- lado, autor de uma crónica da guerra luso-holandesa (O ValerosoLucideno
Luiz Felipe de Alcncastro atenda. <<mansos>>> destinados eo Triunfo da Liberdade, 1648), que dizia serem os índios potiguaras e
meiro lugar, de criar,a‘ <<bravos>, Em segundei lugar, os tapuias “a causa e o principal instrumento dc os holandeses se apode­
a proteger os nwradt • coloniais, impedindo a tuga para a rarem de toda a capitania de Pernambuco c de a conservarem tanto
aldeamentos circunscreviam . • d c dos engenhos. En- tempo”.17
Antesta tropical d.» "^'“Xulívam os descimento, de in- Apesar de os holandeses terem estabelecido, tal como a coroa iberi-
mteíí . ca, o preceito da liberdade dos índios, tendo-lhes, antes mesmo da in-
• vasão dc Pernambuco, assegurado este direito,1'1 isto não significou que

••
guns povos indígenas scra seguid. P Q comerciam Para uma visão geral da história das relações indígenas com os holandeses no Brasil,
posse^do Nordeste brasileiro -Ionização,” entre.. %S|S^'‘‘yeja 0 capítulo quatorze <“The Dutch VVars”) do livro de John 1 Icinming. RedGold.
«SSO®i TheÇonquest of the Braziiiau ludiatri. Cambridge, 1978, p. 282-311 e o texto de Ailen
!cs batavos aprenderam gradualmcntc as regra. j* ^^0®|?^tW.-:Trclease. “Dutch Treatement of the American Indian, witli Partictdar Refcrcncc
Ncthcrlnad”. In: Howard Pcckhan & Charles Gihson (org.). Attitudes of Colo-
Towardthe American Indians. Salt Lake City, 1969, p. 47-59.
||||||W®(èi'Manucl Calado. 0 valeroso lucideno e o triunfo da Uberdade (1648). Belo Horizon-
Paulo. 1987.
consta no Regimento dc 1629, a liberdade do indígena devia scr respeitada
^^^^^g^jiraças conquistadas ou que forem conquistadas nas índias Ocidentais”. “Rcgi-
do Governo das praças conquistadas ou que forem conquistadas nas índias
dc I629”./?/4gA Recife, 57:289-310,1886. Preceito revigorado cm 1636,
dc que fala José Higínio no seu "Relatório...". José Hygino Duarte
Relatório sobre as pesquisas realizadas cm Holanda". RIAGP, M70-110,
li
R|BMfilBSRSS§!sPud: Mário Ncme. Fónmdas políticas no Rrasi! Holandês. São Paido, 1971, p.
15 Nos termos delau/.i aípcm. g|
mia e Sociedade. Campinas. 7:135-62, 1972.

í-
56 O PAÍS DOS TAPUIAS O PAÍS DOS TAPUIAS 57
não fizessem vistas grossas ãs práticas estabelecidas nas regiões mais O estudo do período holandês, c das políticas indigenistas da Compa­
distantes do controle dos predicantes da Religião Reformada, os prin­ nhia das índias Ocidentais, permite-nos melhor perceber que o proble­
cipais fiscais do cumprimento destas disposições.’1’ No entanto, ciente ma do estabelecimento de relações amigáveis com as tribos indígenas,
das necessidades conjunturais, o próprio conde de Nassau reconhecia a visando a sua participação no processo de colonização, relacionava-se
importância de manter tais aliados c alertava, em um relatório de 1644, diretamente com a demanda permanente de colonos para o povoamen­
que da amizade dos índios dependia em parte “o sossego e a conserva­ to e, sobretudo, para o reforço das tropas. Os mais conhecidos auxilia­
ção da colónia do Brasil c que se tendo isso cm vista dcvc-sc-lhcs per­ res dos holandeses eram os potiguares da Paraíba, que marchavam sob
mitir conservar a sua natural liberdade, mesmo aos que no tempo do rei o comando de Pedro Poti (parente próximo de Filipe Camarão, gover­
da Espanha caíram ou por qualquer meio foram constrangidos à escra­ nador das tropas indígenas do lado português) c de Antônio Paraupaba.”
vidão, como eu próprio fiz, libertando alguns”. Para alem disso, ordens Para além disso, Nassau tratou de atrair tribos tapuias para uma aliança.
foram dadas “para que não sejam ultrajados pelos seus commmandeurs Os janduís, habitantes do Rio Grande, foram os principais aliados dos
ou alugados a dinheiro ou obrigados contra a sua vontade a trabalhar batavos e já há tempos defendiam as conquistas do extremo Nordeste
nos engenhos; ao contrário, deve permitir-sc a cada um viver do modo das invasões de portugueses.-' Os cariris e goianases foram cortejados
que entender e trabalhar onde quiser, como os da nossa nação”.-" O objetivando-se estabelecer dificuldades na fronteira do rio São Francis­
que estava cm jogo era a preocupação, das mais constantes da política co, apesar de alguns grupos dos primeiros serem aliados dos portugue­
dos holandeses no Brasil, de manter as alianças com as tribos indígenas ses. A mando de Nassau, o holandês Roulox Baro empreendeu uma
do país, fosse para fins militares ou apenas de conservação do domínio, viagem ao “país dos tapuias”, visitando as tribos dos janduís situadas a
fosse mesmo para o serviço da empresa colonial.-’1 oeste da colónia.24 O resultado destas alianças holandesas far-se-ia re­
fletir no futuro dos conflitos entre os povos indígenas e os colonizado-
1’1
Para os signatários <1<> Bnrve discurso Sobn o estudo das f/uatm capitanias eon<iuistadas res portugueses, quando da expulsão da Companhia holandesa do Bra­
(escrito no ano de 1638, cm Recife), os moradores em geral dividiam-se cm livres ou sil. Como veremos, as guerras dos bárbaros foram em grande medida o
escravos. Os escravos podiam ser de tres categorias: da costa da África, do Maranhão resultado imediato da desestabilização das alianças militares firmadas*S
ou naturais do Brasil l lolandês. /\s duas últimas formas de escravidão, ainda segundo
o relatório, eram a permanência de práticas dos portugueses, que comerciavam indí­
genas no Maranhão “como eles traficam em Angola", c, a se fiar nas informações, os . de modo a não terem motivo de queixa, nem até hoje manifestaram nenhuma. /
brasilianos escravizados vinham de ser soltos pelas autoridades holandesas. “Breve Procuramos por todos os meios prendê-los a nós, empregando as diligências necessá­
discurso sobre o estado das quatro capitanias conquistadas de Pernambuco, Iramaracá, rias, prometendo a liberdade a toda a sua nação. conforme a tempos fizemos por toda
Paraíba e Rio Grande, situadas na parte setentrional do Brasil, escrito por J. M. de : a parte publicar em editais, começando com registrar todos os índios das diferentes
Nassau, Adríacn van der Dusscn e M. van Cctillen (1638)”. In: J. A. Gonsalvcs de S1 tribos, livres c escravos, residentes com os portugueses, no desígnio de libertar e
Mello (cd.). Fontes para a história do Brasil Holandês. Recife, 1981, vol. 1, p. (08. É fymandar para as suas aldeias os desta região e aqueles cujos senhores não apresenta­
bom lembrar que o Maranhão era tido como uma colónia autónoma do Brasil. Havia , ssem título legítimo de propriedade”. Bríeveu en Papiemt uit Ilmzilie, anno 1638, n."
sido conquistado pelos holandeses cm novembro de 1641, que se aproveitaram da ' T’’ 20, p. 44v. citado por Alfredo de Carvalho. “*l/m intérprete dos tapuios”. In: Avettlu-
ingenuidade do governador Bento Maciel Parente desprevenido porque confiante ‘ e aventureiros no Brasil. Rio de Janeiro, 1929, p. 165.
no acordo de paz entre as metrópoles. 3 •HÁçorrcspondência entre eles, por sua raridade, c documentação importantíssima para a
Relatório do Gonde de Nassau aos Heerrn XIX, apresentado cm 27/9/1644, citado porJ ^alho-história dos povos indígenas. “Dois índios notáveis e parentes próximos (cartas
Jtl
J. A. Gonsalvcs de Mello Neto. Tempo dos flamengos. Recife, 1947, p. 200. Até umál Ç^çíPoti c Camarão)". Edição c trad. port. Pedro Souto Maior, RIAP, 76:61-72,1912: c
assembleia da índios aliados foi organizada em 1645, onde reivindicavam, entre ou-;?, tupis dos Camarões". Trad. port. Alfredo de Carvalho, RiAP, 6<¥:281-305,1906.
tras coisas, a formação de uma câmara de cscabinos. “IJina assembleia de índios enf í; 1A!nNicuhof. Memorável viagem marítima e terrestre ao Brasil (1682). Trad. port.. Belo
Pernambuco cm 1645: documento inédito”. Edição c trad. port. Pedro Souto Maior,® rizontc/São Paulo, 1981.
«M/| 75:61 -77, 1912. j.ifl “Aessão “País dos Tapuias” é de Rouloux Baro, que viajou ao Rio Grande do Norte

21
Em um relatório, os membros do Conselho Supremo do Recife explicavam níender-sc com tribus de índios janduís (tarairu). Para ele, no entanto, o “País
procedimentos que abonavam a paz: “Quanto aos índios cmprega-mo-los o mais ipuías” quer significar a específica regiãoondc “rcina"o chefe Janduí. Rouloux
sívc) cm proveito da Companhia (das Índias Ocidentais! c não poupamos csforçaBg ^ilàfáo da viagem ao país dos tapuias (1647). Trad. port.. Belo Horizontc/São
nem despesas pura atrair o maior número deles, tratando-os com toda a considcrSÇi^ã vcj® ainda J. A. Gonsalvcs de Mello Neto. Tempo dosflamengos, p. 202.
c premiando os seus serviços muito mais gencrosamentc do que os nossos iniml^^a
■ ■

5 ,
58 o país nos tapuias (1 PAÍS DOS TAITIAS 59
no período mais agudo do conflito Portugal-Holanda e do realinhumento dês obstáculos colocava aos caminhos do colonizador, fazia-sc necessá­
consequente destes mesmo grupos. rio conseguir a colaboração dos íncolas, com ou sem o seu assentimen­
Afirmar que havia uma preocupação de engajar os indígenas numa to. Gertamenrc, nunca em seu proveito.
empreitada colonizadora, como povos aliados e integrados — convém Desde João Erancisco Lisboa,-’” tcm-sc insistido na idéia de uma le­
repetir —, não significa, mesmo entre os holandeses, diz.er que os indí­ gislação indigenista oscilante c ambígua, que encobria uma política que
genas foram poupados da escravização c do genocídio. Como se sabe, ora atendia aos interesses dos colonos, ora aos dos missionários. Aque­
ao conquistarem o Maranhão em fins de 1641, alegando a ausência de les procurando o puro lucro mercantil e, portanto, a escravização dos
escravos negros, os flamengos se viram na “contingência de usar o ín­ indígenas, e estes, a sua conversão c catequese, e, então, defendendo
dio, constrangendo-o ao trabalho".-5 E a “guerra pelo mercado de es­ sua “liberdade”. Caio Prado Jr., por exemplo, partilhava desta crença.
cravos", ao desestruturar o tráfico negreiro para o Brasil português, fez Acreditava que a Igreja (a Companhia de Jesus, particularmente), ao
recrudescer o tráfico de indígenas, particularmentc nas capitanias do isolar os indígenas e tentar monopolizar o direito de contato, acabava
Sul. Nas palavras de Luiz Eclipc de Alencastro, “o mercado de traba­ por entrar em choques constantes com os colonos. A Metrópole teria
lho compulsório montado pelos paulistas no Sul aparecia, literalmcnte, assumido nestes conflitos entre a Companhia e os colonos uma posição
como a salvação da lavoura baiana”.-'1 Por outro lado, a leitura dos do­ ambígua e oscilante, cm razão de sua incapacidade cm impor o próprio
cumentos relativos às diversas batalhas e escaramuças ocorridas nas di­ projeto — o índio como colonizador."' Mais recentemente, José Oscar
tas “guerras holandesas” nos tem mostrado que os índios estavam sem­ V■1 Beozzo via um “movimento pendular” na legislação, alternando-se leis
pre presentes compondo a maioria das tropas e exércitos. Por exemplo, de escravidão, articuladas com os interesses mercantis, e leis de liber­
a própria tropa de negros de Henrique Dias era, em 1646, formada por dade dos índios, associadas à vontade de dilatação da fé. z\ssim, os je­
500 negros, 200 minas c 700 tapuias.-7 Nas escaramuças e batalhas das suítas, quase sempre, lutariam por uma lei restritiva do cativeiro, contra
“guerras do Brasil", eram sempre os índios os primeiros a serem passa­ a sanha dos colonos “capitalistas".’1' Contudo, podemos perceber que a
dos no fio da espada e os últimos a serem considerados nos acordos de dualidade da política indigenista da Coroa portuguesa não configurava
guerra. Lusos c batavos disputavam a aliança com os índios que, nos propriamente uma oscilação. Com exceção da lei de 1609, logo abor­
seus matos, se tornavam soberanos. Para penetrar c fazer a guerra neste tada, esta política procurava regulamentar c legitimar a escravidão de
difícil ambiente — onde “tudo são índios, c tudo é dos índios” , como povos situados na âmbito do Império e inscrevia-se numa tradição
dizia o padre Antônio Vieira —, que, ao contrário do mar Oceano, gran- legislativa que sc embasara, antes de mais nada, em uma perccpção
disjuntiva do universo indígena. A proteção e ao privilegio da atuação
1 dos missionários somava-se a iniciativa de conquista c extermínio de
Mário Ncmc. Fórmulas /lolílinis no llrasil Holandês. p. 189. -- grupos indígenas considerados “bravios” ou irredutíveis. São ambigui­
“Historiadores paulistas sempre afirmaram que a maioria destes indios fora vendida & ,\..u
dades aparentes de uma legislação que sc forjava no bojo de um projeto
cm zona açucareira do Norte. Kebatcndo estas teses, Jolm Monteiro demonstra que
o grosso dos cativos oriundos do Sul c Sudoeste foi usado nos trigais, roças c transpor-
^colonial conduzido por uma política imperial. Eazendo as contas, é im-
tc de São Paulo. Somente um número indeterminado, mas necessariamente menor,, ^^^Íírtante notar que o debate sobre a guerra justa não pode ser tomado
de índios teria sido puxado pelos engenhos fluminenses c nordestinos para tapar OS
buracos do trato transatlântico [...). Ainda assim, existe uma relação de causalidade ,
entre as bandeiras ao Guairá-Tapes c o desacerto temporário do fluxo negreiro", fit ^^^w^ra quem a política indigenista da Goroa foi “unia série nunca interrompida dc hc-
luso-lirasilelivs em hngpla: constituifíío do espa(o económico brasileiro no Atlântico Sul, ISSOfs^ ^gBWjitaçõcs c contradições até o ministério do marques dc Pombal”, cm que “promulga-
I7tíâ. Campinas, 1994, p, 86 e 88. Veja também John Manuel Monteiro. revogava-sc, transigia-se, ao sabor das paixões c interesses cm voga, c quando
terra. São Paulo, 1993, p. 76-9. sc supunham as tdéias assentadas p<> uma vez, rccomaçava-se com um novo
A distinção entre “negros", “minas” e “tapuias”, pode indicar que os “negros” erarjr E||gI||Sfelor <i teia interompida”. Jornal de Timon. Lisboa, 1858, v. 3, cap. 9, p. 85. Apud:
a “da terra", isto é, indios brasileiros tupis e não tapuias, considerados povos insubmissç^ Hl|||||K|pisa Libcralli Belloto. "Política indigenista no Brasil Colonial. 157(1-1750". Revis-
Daí termos no batalhão “negro” tlc Henrique Dias, neste epistklio, 1.200 indígcr de Estudos Hrasileiros, São Patdo, Jd.SO, 1988; veja também Gcorg
lutando ao lado de 2<K) negros africanos. “Carta tlc Vieira a alguns comerciante^; MEfSgyjffifnas. Política indigenista dos paetagacses na fírasil. São Paulo. 1982. passim.
Brasil (12/9/1646)”. Compilada cm Joan Nicuhof. Memorávelviagem marítima ttt> BjEEêsO.prado Júnior. Formação do fírasi! contemporâneo, São Patdo, 1943, p. 85.
ma» Hrasil, (lótiê). Trad. port., Belo Horizontc/São Paulo, 1981, p. 299. das Missões — política indigenista »o fírasil. São Paulo, 1983, p. 1 í-7.
60 <) PAÍS DOS TAPUIAS
° PAIS n<)s I A I>|1| AS 61
como “lima luta pela justiça”, cm que se opunham defensores dos ín­ a política indigenista portuguesa no século XVI11, mostrou a correla­
dios contra os cruéis escravistas, mas antes dc mais nada como “uma ção que existia entre a definição da área dc domínio português c o es­
busca de legitimação (no sentido weberiano do termo)”, nas palavras treitamento dos laços de vassalagem com os povos nativos. É o “peso
de Pagden." Apenas à primeira vista contraditória c oscilante, a legisla­ político-estratégico” atribuído aos índios que definiria a “oscilação” da
ção indigenista portuguesa, que por vezes autorizava a escravização dos legislação portuguesa.” A bipolaridadc tupi-tapuia, marca fundamen­
povos indígenas (em caso dc “guerra justa” ou “resgate”) e por vezes a tal da perccpção da diversidade dos povos indígenas pelos colonizado-
coibia, era na verdade o resultado da pcrcepção das possibilidades dc
res, estava no cerne desta problemática, representando o corte entre
utilização da diversidade sociocultural dos povos autóctones c das pos­ aliados c inimigos, não só no imaginário, como nos contextos concretos.
sibilidades históricas do contato para a consecução dos objetivos con­
cretos da empresa colonial. Bcozzo, ele mesmo, mostra como Nóbrcga O “muro do demónio”
“passa de uma a outra visão”, sem perceber, no entanto, que se tratava
da mesma. Assim, o primeiro dos jesuítas no Brasil pedia a intervenção Essa classificação originara-se das crónicas c documentos resultan­
do monarca para que estimulasse a sujeição dos índios, para o auxílio da tes dos primeiros contatos, nos quais sc repetiam os preconceitos e va­
missão evangelizadora: “Se os quer [os índios) todos convertidos, man­ gas hipóteses que iriam produzir uma pcrcepção bipolar da humanida-
de-os sujeitar e deve lazer estender aos cristãos pela terra adentro e < dc indígena na América portuguesa. Podemos identificar esta distinção
repartir-lhes os serviços dos índios àqueles que ajudarem”, aconselha­ ' nas primeiras considerações acerca dos nativos encontrados pelos aven-
va.'-’ (Ima representação do final do século XVII, criticava justamente a í tureiros que chegaram às costas da futura colónia do Brasil, no início
missionação, que vinha sendo feita com intenções nada “católicas”. De •t dos Quinhentos. Como se tem conhecimento, eles depararam com po-
acordo com seu autor, os verdadeiros missionários foram os apóstolos, i vos indígenas que falavam, praticamcntc, a mesma língua: o tupi. Gân-
que não tinham terras, nem rendas, nem propriedades, “c não aqueles * davo escreveu cm sua História da Província de Santo Cruz. publicada
que, com título de serviço de Deus e bem das almas, andam procuran­ > em 1576, que “a língua que usam por toda a costa c uma”,w> mas notou
do terras e mais terras, com o pretexto de que são para os índios. O . ainda que estes indígenas estavam divididos por ódios inconciliáveis
título é santo: o intuito é diabólico; porque com Seu nome se procuram ' em vários grupos que ocupavam intermitentemente a enorme exten-
as terras c os índios, para sc servirem deles como seus escravos, para são do litoral. Os colonizadorcs, dc forma astuta, scrviam-sc destas di-
todas as suas lavouras, comércios, negócios e granjeios”.” £ . I-^visões para coordenar uma política dc dominação do território c das
Como sugeriu Beatriz Pcrrone-Moisés, a ideia dc uma legislação “tor­ populações autóctones — estratégia levada a cabo pelos portugueses,
tuosa e crivada de contradições” deve ser substituída por uma pcrcep­ ‘^|£$ranccses e holandeses. No entanto, sua relativa homogeneidade lin-
ção das diferenças com que eram tratados os grupos indígenas conside­ ^^^Óística e cultural logo permitiu aos colonizadorcs organizar sua per-
rados aliados, isto é, compreendidos como participantes das estratégias ^^O^pção em categorias que por muito tempo iriam persistir. Assim, des-
da consolidação do domínio, e aqueles considerados inimigos, ou seja, os primeiros contatos entre *os europeus e os povos indígenas que
que se recusavam àquela estratégia ou, simplesmente, foram destina­ ‘ bitavam o território da nova colónia, desenhou-se uma classificação
dos ao trabalho forçado. Assim, como diz a antropóloga, “à diferença . suas diversas “castas” que repousava, de maneira quase que exclu-
irredutível entre «índios amigos» e «gentio bravo» correspondeu um.j na identidade linguística.
corte na legislação e política indigenistas”.” Nádia Farage, estudando;
que consta, o termo tapuia foi utilizado primeiramente pelo mes-
’‘!í 16|^ronista Gândavo, que assim denominou uma tribo específica de
____________ $ || que habitavam perto do “rio Maranhão da banda do oriente”, e
11 Antltony Pugdcn. Iji caída dcl kontbre naturaí. Mudri, 1988, p. 18.
*-■ I lúdem, p. 15.
" W///õ’«,XXK459-64. ^rolhas dos sertões. Os povos indígenas no rio liranm e a colonização. Rio dc Janeiro,
“ Bciitriz Pcrrone-Moisés. “índios livres c índios escravos. Os princípios da legisla, 11-2.
indigenista do período colonial (séculos XVI a XVIII). In: Manuela Carneiro da C
nha (org.). História dos índios no ilnisii. São Paulo, 1992. p. 117. Magalhães Gandavo. História da província de Santa Cruz (1576). Belo Hori-
' 5o Paulo, 1980, p. 122.
62 O PAÍS DOS TAPUIAS O PAÍS DOS TAPUIAS 63
que seriam da mesma nação dos aimorés, “ou pelo menos irmãos cm do como um meio para a comunicação c a propaganda da fé, o tupi foi
armas”.’7 Entretanto, mais tarde, “tapuia” passou a designar um con­ estudado com interesse pragmático. Sc os jesuítas tinham em vista, an­
junto dc tribos que, apesar dc heterogéneo, era percebido, pelo esque­ tes de mais nada, um propósito utilitário, a sistematização objetivava
ma classifieatório, como portador dc traços de identidade. A grande dis­ garantira comunicação, “daí a tendência para deixar dc lado tudo aqui­
tinção originava-sc da observação de que os povos que habitavam ao lo que atrapalha muito c não prejudica, por sua falta, esscncialmente a
longo da costa “têm uma mesma língua que é dc grandíssimo bem para comunicação ”, escreveu Mattoso Camara.'- Todavia, como mostrou
a sua conversão”, nas palavras do Anchicta.58 Seriam assim povos cuja Christian Duverger, a decisão estratégica de recorrer às línguas indí­
identidade estaria associada à língua geral, como os jesuítas chamavam genas não deve ser entendida como uma simples escolha pragmática
o “tupi universal” que inventaram. Por outro lado, observou Anchicta, ditada pelas necessidades de comunicação. Estudando a iniciativa mis-
“pelos matos há diversas nações de outros bárbaros dc diversíssimas sionária dos franciscanos na Nova Espanha (México) colonial, o antro­
línguas a que estes índios |os carijós, tupis] chamam tapuias”.w Apesar pólogo mostra que a escolha de utilizar a língua nativa passava pela idéia
dc alguns dos primeiros jesuítas já apontarem para outras característi- de constituir o grupo missionário com uma espécie de “marca de dis­
cas, como, por exemplo, o fato de alguns destes tapuias não comerem tinção”. Assim, os missionários tomavam uma certa distância da his-
carne humana, a distinção linguística foi a mais importante, c funda- panidade, no caso, c não apareciam aos indígenas como "agentes da
mentava-sc na estratégia dc catcquização por eles definida. Ao lado da potência colonizatlora, mas como uma religião autónoma”.4' Salvo en­
inegável semelhança dc todos os dialetos tupis, o agrupamento das di­ gano, poderíamos bem utilizar estas soluções para o caso brasileiro. Aqui,
versas “castas” rcsolveu-sc na necessidade homogcncizadora que os no entanto, a própria administração colonial estava orientada a estimu­
primeiros missionários viam para lidar com os grupos nativos. '1 ratava- ? lar a vulgarização do conhecimento da “língua geral” c outras ordem
se dc entender para transformar, compreender as culturas indígenas para | religiosas deveriam seguir tal resolução. Os capítulos 21 c 22 do regi­
substituí-las pelo Evangelho. p mento do govcrnador-gcral Roque da Costa Barreto, de 1677, recomen­
Os jesuítas, desde cedo, determinaram que a catequese, ou a con- davam e até ordenavam que se imprimissem vocabulários.44 Em carta
quista das almas, seria mais facilmente realizada se usassem da língua de janeiro de 1698. el-rei autorizava aos padres carmelitas descalços que
dos naturais. Assim, a Gramdríca da Língua mais Usada na Costa do Bra- | catequizassem na língua dos índios para que “primeiro entendam os
sil, escrita por Anchicta c já utilizada em manuscrito no Colégio da Bahia j mistérios da fé na sua, e que depois se doutrinem na nossa, para que no
no ano dc 1556, acabou sendo impressa em 1595. Segundo a licença de J meio do tempo de a saberem não percam o fruto”.45
Agostinho Ribeiro, o livro “serviria muito para melhor instrução dos | Não obstante, esta estratégia dos jesuítas de valoração da “língua
catecúmenos c aumento da nossa cristandade daquelas partes e para í geral” encontrava oposicorcs no seio da Igreja mesmo. O bispo D. Pedro
com mais facilidade c suavidade sc plantar e dilatar nelas nossa Santa 1í
Fé”.40 O tupi, ou língua geral, que os missionários aprenderam c siste- '..T.
matizaram, era justamente uma língua franca.
* 1 Dessa forma, entendi- 'jp* 1
n >■ sos". Luís i''c)ipc Baeta Neves. O combate das soldados de Cristo nti terra dos papagaios;
t...

s-t»
b&u« colonialismo e repressão cultural. Rio <le Janeiro, 1978, p. 146-7.
ifeLBfo autor indica, também, tpic os missionários estavam sob inllnêneia dos estudos
^linguísticos de seu teinpo. Na época, cntendia-sc que era desejável uma identidade
: estrutural das línguas do mundo, que resultaria cm uma gramática geral. Assim, utili-
M lbidcin,
José p. 140.
dc Anchicta. “Informação do Brasil c de suas capitanias (1584)”. In: Cartas, /»• ig^páram-sc da estrutura da língua latina (que aproximavam deste ideal) e dessa maneira
5X
formações, fragmentos históricos e sermões, llclo Horizonte/São Paulo, 1988, p. 310. ^■^disciplinaram o tupi, pensando cm oferecer aos índios uma "língua melhor" c ccrta-
gfoentc mais apta à comunicação dos bons costumes. J. Mattoso Camara Jr. Introdução
yt
Ibidcm.
José dc Anchicta. i\rte da grammãtica da lingoa mais usada na costa do llrasil. Coimbra*’ ' às línguas indígenas brasileiras. Riodc Janeiro. 1965, p. 101-2.
4(1
fâã# conversion des indiens de Nouvelle líspagne. Paris, 1987, p. 169.
“1595.
E afastemos de pronto a idéia de que a «língua geral» era uma demonstração dí ®ÍRçgimcnto de Roque da Costa Barreto, 23/1/1677, publicado em Jojo Alfredo I ábãnio
41
profundo respeito ctdtur.il às tradições indígenas; u «língua geral», ao que se sabc.cr^ Quedes. História administrativa do llrasil. Rio de Janeiro. (962, vol. IV, p. 188c tam-
um amálgama dc línguas indígenas, somadas ao português do século XVI c ao latir >ím nos DH, <í:353.
— não há «língua geral - real entre as tradições diferentes que encontraram os rcligl< nformação geral da capitania de Pernambuco”. ãfíiV, 2A,:385, 19(16.
O PAÍS DOS TAPUIAS 65
64 O PAÍS DOS TAPUIAS
Eernandes Sardinha, que seria morto e comido pelos caetés, repreen­ bitantes das terras interiores da região Nordeste era compreendida, en­
deu até certo ponto os jesuítas porque não acreditava ser correto usar a tão, como um mundo da alteridade em relação ao universo tupi. Anchicta
língua dos naturais. Nóbrega c o missionários utilizavam-sc, na verda­ acreditava que o nome “tapuia” queria dizer “escravos, porque todos
de, além da língua, de ritos, nomes, referências e mitos próprios dos os que não são dc sua nação têm por tais c com todos têm guerra”;49*
indígenas para alcançar seus objetivos. Mas o bispo reclamava tpie, se desse modo, a polaridade tupi/tapuia já queria, também, mostrar o des­
não convertidos totalmente à civilização cristã, os índios não poderiam tino que a colonização e a catequese haviam estabelecido para os gru­
ser salvos. Aprender o português era, assim, condição necessária, “por­ pos indígenas: ou tornarem-se escravos, ou cristãos aldeados pelos je­
que enquanto o não falarem, não deixam de ser gentios nos costumes”.46 suítas. Simão de Vasconcelos, em sua Crónica da Companhia de Jesus,
Mas os jesuítas não abririam mão da sua intenção. Nóbrega havia escri­ publicada em 1663, diz que aquelas gentes, que “sc afirma terem perto
to já no primeiro ano de sua chegada, em 1549: “'lemos determinado ir de cem línguas diferentes”, “são inimigos conhecidos de todas as mais
viver com as aldeias, como estivermos mais assentados e seguros, c nações de índios: com estas, e ainda com algumas das suas, trazem guer­
aprender com eles a língua e ir-los doutrinando pouco a pouco”.47*“Em ras contínuas. E desta tão conhecida inimizade lhe veio o nome de
meu nome expulsarão os demónios; falarão novas línguas”, não havia tapuia, que vale o mesmo que de contrários, ou inimigos”.1’1
dito o próprio Cristo, que mandara os apóstolos pregar? A partir da segunda metade do século XVII, outro elemento impor­
Da atitude dos inacianos nasceu uma postura importante para a defi­ tante para a caracterização dos bárbaros como infiéis, e não mais como
nição daquela polaridade que nos interessa aqui. Mattoso Gamara, luci­ gentios, era a percepção de que as alianças dos grupos janduís com os
damente, percebe que à medida que aprofundavam o conhecimento holandeses e a conversão de alguns deles à fé reformada era um fenô­
do tupi e aproximavam-se do entendimento dos costumes e da cosmo­ meno de amplas proporções. Presumia-se ainda que grande parte das
logia destes povos — cujo interesse estava, repito, na propagação da fé nações tapuias, retirada para o íntimo dos sertões na oçasião da derrota
—, os jesuítas passaram a desprezar as outras línguas, tal como o faziam dos holandeses (1654), mantinha contatos com os estrangeiros e pode­
os portugueses e os próprios tupis. Desconsideradas como objeto (ins­ ria, com eles, cavilar uma recuperação do Brasil. Esta era, sem dúvida,
trumento) da catequese ou da colonização, as línguas outras foram en­ uma das maiores preocupações da Coroa e dos governantes coloniais.
tendidas num todo genérico e indefinido a que se imprimiu — como Com efeito, uma das causas indicadas para o levante dos índios na ri­
o faziam os tupis — o nome de “tapuia", isto é, “aqueles que falam a beira do Açu era a comunicação entre estes índios rebelados e os es­
língua travada”: a barbaria.
* 1 A imensa heterogeneidade dos povos ha- 'I■T . -- trangeiros, notadamente os holandeses.51 Um memorial que a câmara
“l ■ de Natal endereçou ao rei cm 2 dc julho dc 1689 explicava que a
t- navegabilidade do Açu permitia que grandes navios de “piratas do nor-
Citado por Américo Jacobina Lacombe. “A Igreja no Brasil Colonial”. In: S. B. de ' -Ã
■W.
Holanda (org.). História gerai da civilização brasileira. São Paulo, 1968, vol. 2, p. 59.
“Carta ao padre Mestre Simão Rodrigues de Azevedo, 1549”. In: Manuel da Nóbrega.
47
Cartas do lirasii. Belo Horizonte/São Paulo, 1988. Em 1773, o pe. Manuel da Penha pequena, ou talvez dc tob, folha, coni algum outro .sufixo, notando-sc que neste easo
do Rosário, escreveria suas Questões Apologéticas para “mostrar que em nada peca o:y <>nSo deixa dc ter conexão com tapuol, folha {ú chileno soa como y guarani) cm chili-
■ífaèÃí Fernão Cardim. Tratados da terra e gente do lirasil (1590). São Paulo/Belo Ho-
pároco que na língua vulgar dos índios os instrui espiritualmente, não sabendo eles
nem entendendo a portuguesa”. Documento transcrito c publicado por José Pereira^ ' 1980.
^josé dc Anchicta. “Informação do Brasil c de suas capitanias (1584)”. In: Cartas, in-
da Silva. “Língua vulgar verstis língua portuguesa”. AHN, t IJ-.1-6Z, 1993.
Vale reproduzir a nota do tupinólogo Batista Caetano para o Tratado de Cardim) &dp>rmafões, fragmentos históricos e sermões, p. 310.
4K "Tapuya. E o nome genérico com que no Brasil os íncolas aliados aos europeus desig-“ ^ Simão de Vasconcelos. Crónica da Companhia de Jesus (1663). 1’ctrópolis, 1977, vol. 1,
navam as hordas adversas e principalmente as que não fala vam a língua geral. Anchieò) ’109.
escreveu Tapiia, Figueira, Tapyyia (o bárbaro), diferente de tapuia (a choupana), G&fi Omava-sc à presença real de uma ou outra nau de piratas, a provável repercussão da
Dias, Tapuya e Tapyiya, dr. França, Tapyyia, G. S. dc Sousa, tapuia, S. de VasconceH Ide Antônio Paraupaba à Holanda para pedir auxilio contra os portugueses. Com
Tapuya, Porto Seguro, Tapuy etc. Nos Anais da Biblioteca Nacional, consideram? fto, o governador dos potiguares fieis aos batavos apresentou aos Estados Gerais
composto dc lapy-eyi, dos comprados, dos aprisionados, dos cativos c recua ou chusr” memoriais, um cm 1654 c outro em 1656, onde resumia um histórico dos servi-
mas vc-sc que pode scr também laba-eyi, a recua, a plebe do povo, notando-sc air prestados por sua gente c pedia auxílio. Foram traduzidos e publicados por Pedro
tpie há o termo tapyi, choça, cabana que pode scr alterado de tog-pii ou to-pil,' E^Jjp Maior. “Fastos pernambucanos”, RlHGtí. 75:428-32, 1912.
66 o país nos tapuias O l»z\ í S D O S I A l> (I I A S 67
tc” ali pousassem para comerciar. Supunha-se que esces se comunica­ publicado no ano de 1587. Neste texto, o cronista estabeleceu, “segun­
vam com os tapuias, “Fomentando-os para os levantamentos ”.52 Apesar do informações que se tem tomado dos índios muito antigos”, que os
de haver vários indícios e testemunhos de que aqueles continuavam primeiros habitantes da Bahia foram os tapuias, “casta de gentio muito
zanzando pelas costas, procurando portos seguros para fazer aguadas c antigo”. Estes teriam sido lançados fora da terra por outro gentio, seu
comerciar com os nativos, esta teoria recorrente dc uma conspiração contrário, “que desceu o sertão, à fama da fartura da terra e do mar des­
batava era mais uma tentativa de justificar o cativeiro dos índios, por ta província, que sc chama tupinaes”. Alguns anos depois, “chegando à
meio da declaração de uma guerra justa. Segundo o autor anónimo de notícia dos tupinambás a grossura c a fertilidade desta terra, se ajunta­
um papel “sobre as razões tpie há para se fazer a guerra aos ditos tapuias"
ram e vieram d’além do rio São Francisco descendo sobre a terra da
(1691), esta nação de índios “tem dado palavra e feito pacto com o ho­ Bahia”, da qual se tornaram senhores. Segundo Gabriel Soares dc Sou­
landês, dc que tornando a terra se meter com ele logo cm oposição dos
sa, este relato foi tomado dos tupinambás c tupinás, “cm cuja memó­
portugueses”. Como uma nau grande c um patacho holandeses haves- ria andam estas histórias dc geração em geração”.56 Mais de um século
sem entrado no Açu, dizia que estes “saltaram cm terra c renovaram a depois, cm 1716, podemos verificar na notícia dc José Freire de Mon-
paz, trato e união que no tempo da guerra” tinham com os tapuias. Desse terroyo Mascarenhas a reprodução desra tese.57 Já no século XIX, em
modo, os tapuias levantados diziam para seus aliados que “logo o ho­ sua Corografia Hrasílica, Aires do Casal endossa a informação do cronis­
landês havia de vir a tomar a terra”, e desde então começaram “a tratar ta dos Quinhentos inserindo uns desconhecidos antecessores, os “anti­
mal aos brancos e pretos que os portugueses tinham postos em seus gos quinimuras, primeiros povoadores memoráveis do contorno da en­
currais, c a passar palavra a todos os de sua nação para em um mesmo seada dc 'lodos os Santos”.53*
tempo, em ocasião dc enchente dos rios, darem de repente, cada um Então considerada informação certa e segura, a notícia desta migra­
em sua própria instância sobre os pastores c gado, como fizeram”.5’
ção pré-cabralina repetiu-se por lugares incontáveis. Mais recentcmcn-
Einalmente, um terceiro elemento importante na abstração da di­ te, a idéia de que os tapuias eram habitantes ancestrais somou-sc aos
versidade social dos povos não tupis era a sua situação geográfica. preconceitos cicntificistas do século XIX c XX que queriam ver uma
Jaboatão, na metade do século XVIII, tinha por tapuias todas as nações ascendência cultural e histórica dos povos tupis: Antônio Borges dos
numerosas que se dividiam cm “perto de um cento de línguas diferen­ Reis, em conferência lida cm maio de 1900 no Instituto Histórico e
tes, c por conseguinte outras tantas espécies deles”, c que eram ''mais Geográfico da Bahia, dava à informação validade dc “última verdade
afeiçoadas às entranhas das brenhas e centro dos sertões".5' Na mesma épo­ : científica”, apesar de trair-sc cm um momento, ao afirmar que era co­
ca, na “Informação Geral da Capitania de Pernambuco”, definiam-se nhecida “dc longa tradição”. Para ele, a notícia da ancestralidade dos
os tapuias justamente pelo seu piurilingiiísmo e pelo contexto territorial. : ? tapuias, como primitivos habitantes do Recôncavo, permitia concluir
Eram “os naturais da terra que vivem no sertão c não falam uma língua : ) que eram estes os descendentes dos antigos homens originários da La-
nf-e--. -
geral, senão cada nação a sua particular”. Em oposição, estavam os
“cabocollos” (caboclos), que eram os “que moram na costa e falam lín­ ' ___________
gua geral".55 Esta oposição entre os povos do incerior c os do litoral J Gabriel Soares dc Souza. "Tratado discriptivo do Brasil, cm 1587”. RIllGR, A7V:277-
Èfti?8-185’•
estava, por sua vez, baseada cm uma notícia da dinâmica das migrações sffi|||Fv“Foram os tapuyas os primitivos habitantes deste grande país. A fertilidade dele o
indígenas, difundida desde o século XVI. A mais antiga informação so-.’, ^g|g|fez inundar dc outras nações bárbaras; primeiro dos tupinaes; depois dos tupinambás;
bre estas migrações é devida ao tratado dc Gabriel Soares de Sousa, • gWfaffiscndo uns c outros do centro do Sertão; a despojá-los das terras que dominavam;
-zj
||||f=/ocupando os últimos as vizinhanças da marinha, pouco a pouco foram mantendo pela
gHftstcna adentro os primeiros". Os orizes conquistados. Lisboa, 1716, p. 3.
Memorial da câmara dc Natal ao rei, 2/7/1689,1HGRN, caixa 65, livro 2,11.129. ■£
s.’ ||g|||UAelcs teriam sucedido “os tapuias pouco depois expulsos pelos tupinás vindos do
Sobre os tapuias que os paulistas aprisionaram na guerra c mandaram vender
SJ
moradores do Porto do Mar, e sobre as razões que há para se fazer a guerra aos ditos,', para onde se retiraram os segundos, que jamais cessaram dc inquietar aos seus
|||f|®pincedorcs. Os tupinambás, senhores dc ambas as adjacências do rio S. Francisco,
tapuias (1691), Ajuda, 54 Xil! 16,11. 162. ^WW|?zcndo guerra aos tupinás convizinhos, os dispersaram; c marchando adiante, foram
Frei Antônio de Santa Maria Jaboatão. Orbe serafim novo bmsifíco. Lisboa, 1761,
51 ^^^^p.ulsar os conquistadores do Recôncavo, obrigando-os a procurar também o sertão”.
gressão II, estância I, p. 7. O grifo é meu. 'fs
iSjjBobnucl Ayrcs do Casal. ÍMrvgrafia brasílica ou Relação histórico-geográfica do Reino do
55
“Informação geral da capitania de Pernambuco”. /1/bV, ?<S':483. 1906. SÍ3ign»//(18l7). São Paulo. 1943, vol. 2, p. 84.
68 O PAÍS II OS TAI’UIAS <> PAÍS DOS TAPUIAS 69
goa Santa c, portanto, confirmar a tese poligcnista da autoctonia do/m/o mente construída. São bárbaros aqueles assim considerados pelos “ou­
américantts.^ lese aliás defendida por Aníbal Machado, em seu /I raça tros” que podem scr integrados mais imediatamente à cristandade: os
fia Lagoa Santa ainda no ano dc 1941, e pelo próprio Rondnn, no prefá­ tupis. Em outras palavras, se Montaigne dizia que “cada qual considera
cio ao livro de Lima Figueiredo!"’ /Mfrcd Métraux, bem disrante des­ bárbaro o que não sc pratica em sua terra", devemos considerar ainda
tas posturas cientificistas e racialistas, não deixou de reproduzir e acei­ que a divisão entre tupi e tapuia compreendia uma noção dc “dupla
tar como verídica a tese de Gabriel Soares de Sousa. Para o etnólogo, a barbárie”, se assim podemos dizê-lo: a integração, ou aceitação abstrata
primeira migração tupi de que temos notícia deu-se, provavelmente, dos tupis co-mo a humanidade a ser incorporada (c, portanto, como ele­
ao longo do século XV, c foi levada a termo pelos tupinás (identificados mento legítimo do Império cristão), implicava a inscrição do tapuia na
como tupis, sinónimo, de tobojara, tabura, tapiguae), que invadiram as barbaria. Mas à noção de alteridade somava-se o seu contrário, que é a
terras dos tapuias na região costeira da Bahia etc. Como sc vê, repete- descoberta de uma nova humanidade no Novo Mundo. O processo dc
sc, então, a primeira informação, mas fundamentada, agora, numa aná­ construção da alteridade, e dc identificação do espaço da barbárie, ca­
lise comparada da mínima diferenciação linguística dos complexos tupi minhava paripasstt ao de integração dos novos membros. Afinal, não se
c guarani somada à analise da cultura material, indicando uma separa­ dominam povos porque são “diferentes”, mas, antes, tornam-se estes
ção relativamente recente — fato que, de certa maneira, acaba dando “diferentes” para dominá-los; esta tem sido um constante na história
crédito à hipótese do cronista.'1' Em verdade, a existência desta migra­ dos povos.'1' A construção da diferença e a integração por meio do do­
ção pré-colombiana específica encaixa-se na lógica religiosa do messia­ mínio são, portanto, as duas faces de um mesmo processo. Em um sen­
nismo tupi-guarani, tão bem estudado pela antropóloga Hélènc Clastrcs, tido heraclitiano, a catequese, que é um esforço para conquistar ho­
o que, sem dúvida, pode dar valor ao testemunho dc Gabriel Soares de mens iguais para o seio da humanidade-cristandade, faz-se no mesmo
movimento de identificação das diferenças (a serem apagadas) e das
Sousa.'1" semelhanças (a serem afirmadas). Gomo mostrou Manuela Carneiro da
Do que foi visto, nos primeiros séculos da colonização o nome ta-
pítia designava apenas um universo de diversidade que se definia, fos­ Cunha, o projeto evangelizador da Igreja romana pretendia inserir esta
se por contraste com a própria identidade que os grupos tupis apresen­ nova humanidade “na economia divina, o que implica inseri-la na ge­
tavam (ao menos no nível da relativa homogeneidade lingíiística), fosse nealogia dos povos. Para isso, não há solução senão a da continuidade,
na prescrição de uma divisão geográfica estanque entre duas humani­ senão abrir-lhe um espaço na genealogia dos povos”.''' De fato, segun­
dades, a costa e o sertão. 0 termo “tapuia", portanto, não poderia ser com­ do Baeta Neves, a “descoberta da América” não significava o “acha-
preendido como um etnônimo, mas sim como noção historicamente construída. mento de uma Alteridade lotai”, mas era entendida (pelos europeus)
Seu significado básico está associado a uma noção dc barbárie dupla- como um reencontro com regiões tpie haviam sc afastado física e espiri-
tualmentc em dado momento; afinal, todos eram filhos dc Deus: “A
«descoberta» c, antes, um conhecimento das partes até então dobradas,
59 A. A. Borges dos Reis. Os indígenas da llahitt. Salvador, 1916, p. 1-10.
“ A raça da Lagoa Santa. São Paulo, 1941; c “Prefácio”. In: Lima Figueiredo. índiosdo ,;
llrasil. São Paulo, 1939. ■:
Alfrcd Métraux. Ifi rivilization matérielle des trilais tupi-guarani. Paris, 1928, p. 290-1; ■i Carlos Rodrigues Brandão. Identidade e etnia: construção da pessoa e resistência pessoal.
c o estudo anterior “Lcs migrations historiques des Tupis-guarani". Journel de ta São Paulo. 1986, p. 8.
Sociêté des Amêricanistes, Paris, !9, 1927. As migrações tupi-guaranis no período prí- j -“Imagens de índios do Brasil: o século XVI". Revista Estudos Avançados. São Paulo,
colombiano e, portanto, a ocupação da costa brasileira por estes grupos, têm sido ' ■ /ftl02, 1990. Lcvi-Strauss mostrou rccentementc que a “abertura para o outro" que
rccentementc discutidas cm bases mais concretas, tal como a alternativa baseada na • > caractcrizava, dc maneira geral, a cosmologia c a sociologia dos povos ameríndios, era
iítí.
interpretação dc dados arqueológicos feita por J. J. Procnza Brochado (An Ecologjcnl pane dc explicação do mundo por um "modelo dc dualismo cm perpétuo desequi-
Mode!oftheEpreadof Pottery and Agrictdture into F.astern South America, Urbana, 1984). y-4líbrio". Viveiros dc Castro, cm artigo sem dúvida alguma brilhante, analisou o “pro-
Este acredita numa origem comum, “um nicho originário amazônico”, de onde os íggi^blcma da descrença” entre os tupinambás para mostrar como “foram ralvez os ame-
ígjíg^rfndios, c não os europeus, que tiveram a «visão do paraíso- no desencontro america-
protoguaranis teriam rumado para o sid, atrves dos rios Madeira e Paraguai e os ptoto-,
tupinambás para a foz do Amazonas, seguindo então a costa em direção ao leste e, Claudc Lévi-Strauss. História de lince. São Paulo, 1993 c Eduardo Viveiros dc
^JjiÇastro. “O mármore c a murta: sobre a inconstância da alma selvagem”. Revista de
depois, ao sul. , ^■■çhfittvpologia. São Paulo, IJSP, .15:21-74, 1992.
Terra sem mat, o prufetlsnio tupi-gnarani. São Pardo, 1978.
O PAÍS DOS TAPUIAS 71
70 O PAÍS DOS TAPUIAS * i
ocultas, de um mesmo mapa já há muito desenhado por uma só Mão”.65 cravizados “porque esta nação dos tapuias é como um muro cbm que o
Porém, não podemos perder de vista que a esta perspectiva integra- demónio impede a entrada dos pregadores evangélicos no interior do
cionista e universal do projeto da catequese católica {compelleeos intrare) sertão, em que os mais gentios da América, quietos, vivem aldeados
sobrepunha-se a continuidade do corte típico da situação de contato em seus territórios, de suas sementes e lavouras, [com] própria disposi­
nos marcos do etnocentrismo europeu. Na segunda metade do século ção para a recepção do Evangelho e [para] serem instruídos na doutrina
XVII, no quadro das insurreições indígenas na fronteira sertaneja do da fé”.6’
Brasil, o bárbaro seria, em suma, colocado mais além. O bárbaro era o
tapuia. Nesse sentido, a polaridade preponderante correspondia a uma A missionação entre os tapuias
forma sutil do corte “cristandade e gentilidade”. Sutil, porque se en­
tendia que, nos marcos do ecumenismo católico, a gentilidade se pu­ O período posterior à insurreição dos luso-brasileiros e à definitiva
nha de maneira privilegiada no espaço da propagação da fé, de modo expulsão dos holandeses foi um momento de reestruturação da econo­
que sua brandura ontológica era, na verdade, contrastada pela dureza mia devastada, de reordenação, portanto, da própria açucarocracia e da
imaginada no universo da barbárie. É que, desde os primeiros momen­ sociedade colonial.68 Analogamente, as políticas de aliança com os gru­
tos dos descobrimentos, a expansão da fé caminhara de braços com o pos indígenas e a própria situação destes também passaram por mo­
Império. Assim, como um outro componente — com certeza, de maior mentos de reordenação, que resultaram num incentivo à missionação
determinação —, estava a idéia de império, entendido não apenas como no sertão interior, cujo crescimento acompanhava de perto a expansão
a construção da preponderância portuguesa, no caso, mas como a ex­ da pecuária. As guerras dos bárbaros, ou seja, os episódios relativos ao
pansão providencial, no sentido forte do termo, do espaço cristão em Recôncavo Baiano ou à Guerra do Açu, fazem parte deste contexto.
face da barbárie ímpia. Concepção que reatualizava as noções clássicas Dois fatores foram fundamentais para sustentar as mudanças em curso.
de limes do período romano, mas as adequava ao processo de “demoni- Em primeiro lugar, os novos termos para a conservação militar do domí­
zação” da periferia do Império e, particularmente, dos povos ali habi­ nio — uma vez que, se havia uma relativa garantia diante dos inimigos
tantes.66 Como resumia, em 1691, o autor anónimo de um papel em externos, recentemente expulsos, a dinâmica mais evoluída da socieda-
defesa da “guerra justa”, estes povos deveriam ser conquistados e es- <
1
européias trazidas pelos colonizadorcs era resultantes do relacionamento com popu­
“ Luís Felipe Baeta Neves. O combate dos soldados de Cristo na terra dos papagaios. Rio lações existentes em suas próprias fronteiras, acentuando assim os característicos me­
de Janeiro, 1978, p. 32. Anthony Pagden, estudando a origem da etnologia compara
* dievais destas noções. Bárbaros, paganos, sahajesyprimitivos. Barcelona, 1987. Nesse
tiva, mostrou como, no início da colonização, o encontro com a diversidade americana mesmo sentido, veja o artigo clássico de W. R. Jones. “The Image of the Barbarian in
impressionou os europeus. Os primeiros naturalistas tiveram um certo problema em Medieval Europe”. Comparativo Studies in Society and History, 13:376-407,1971.
identificar e classificar a flora c a fauna do Novo Mundo, cujas qualidades lhes pare­ “ “Praticamente esta nação dos tapuias, em todos os tempos e idades, como consta da
ciam por vezes completamcntc inesperadas. Contudo, quando se tratava de enten­ tradição do mesmo gentio, foi sempre o inimigo comum e adversário de todas as
der a diversidade humana, as coisas eram ainda mais complicadas, pois "classificar outras nações da América, qual lobo’entre as ovelhas, e com a mesma sede insaciável
homens não era como classificar plantas. Potque, ao considerar a sua própria espécie, de estragar e beber-lhe o sangue. E como inimigo comum, c horrível monstro da
o observador não só tem de decidir o que está vendo, como também encontrar um natureza humana, como o descreve o pe. Vfesconccllos no Livro 2, $8 (fiicverbis), um
lugar para ele em seu próprio mundo. Esta tarefa é mais urgente e mais difícil se o tapuia, corpo nu, couros e cabelos tostados de injúrias do tempo, habitador das bre­
observador está convencido, como estavam os europeus do século XVI, da uniformi­ nhas, companheiro das feras, tragador de gente humana, armador de ciladas, um sel­
dade da natureza humana, uma crença que requeria que cada raça se ajustasse, den- vagem, enfim, cruel, desumano, e comedor de seus próprios filhos, sem Deus, sem
.tro de umas margens amplas, às mesmas pautas «naturais» de conduta”. Anthony Lei, sem Rei, sem pátria, sem república, e sem razão. Isto posto quem dirá não está
Pagden. La caída del hombre natural, Madri, 1988, p. 33. privado dos privilégios da lei, e que não está incurso em todas as posturas que conde­
“ Sobre a “demonização” da América portuguesa, veja Lauta de Mello e Souza. O infer­ nam um homem injusto a perpétuo cativeiro?”. Sobre os tapuias que os paulistas
no atlântico: demonologja e colonização, séculos XVI-XVlll. São Paulo, 1993, p. 21-46. aprisionaram na guerra e mandaram vender aos moradores do Porto do Mar, e sobre as
Sobre o conceito do “bárbaro” e suas articulações com a teoria de escravidão natural £ razões que há para se fazer a guerra aos ditos tapuias (1691), Ajuda, 54 XIII16, fl. 162.
resultante da leitura tomista de Aristóteles, veja o excelente trabalho de Anthony F Veja o capítulo VIII (“A querela dos engenhos”) do livro de Evaldo Cabral de Mello.
Pagden. La caída dei hombre natural, Madri, 1988, p. 35-87. Joan Bestard & Jesús | Olinda restaurada, p. 249-94 c o capítulo 4 (“A metamorfose da açucarocracia”) do
Contreras procuram mostrar, em seu eclético estudo, como as atitudes e instituições í Rubro veio. Rio de Janeiro, 1986, p. 151-93.
72 O PAÍS DOS TAPUIAS O PAÍS DOS TAPUIAS 73
f >.
de colonial tornava ainda maior o perigo dos “inimigos internos”, isto é, consideradas improdutivas, e também com o patrocínio de uma série de
os índios rebeldes ou os escravos fugidos. O autor anónimo do já citado expedições exploratórias, em busca de metais e pedras preciosas.72 -
papel de 1691 prevenia “que os moradores de Pernambuco se acham Em segundo lugar, a maior diversidade das ordens religiosas envol­
ladeados, e quase cercados de dois grandes inimigos pela parte do sul vidas como os novos grupos indígenas contatados implicava a necessi­
com os negros dos Palmares e pela do norte com os tapuias”.6’ Já em dade de se criarem mecanismos de controle e de internalização do pro­
1675, apoiando a missionação e o povoamento do sertão por meio de cesso decisório na burocracia imperial. Nesse sentido, a constituição de
aldeias de tapuias, Salvador Correia de Sá apontava para as utilidades uma Junta das Missões de Pernambuco em março de 1681, seguindo o
de poder enfrentar “os mocambos dos negros e mulatos fugidos que se exemplo da que fora criada para o Estado do Maranhão em 1655, deve
metem nessas terras despovoadas”, assim como aos assaltos que os pró­ ser compreendida como uma resposta do poder imperial às novas con­
prios tapuias fazem aos moradores. Em um longo voto feito em sepa­ junturas, ou melhor, a complexificação da atividade missionária.73 Su­
rado para uma decisão do Conselho Ultramarino, o antigo governador bordinada à de Lisboa, a Junta era uma espécie de tribunal especial
do Rio de Janeiro defendia a generalização do modelo dos “padres consultivo dedicado a essa matéria, como eram os da Fazenda e Ultra­
capuchos” para a evangelização dos povos do sertão. Envolvidos com a mar, formada pelo governador, que a convocava, o bispo (ou, na falta, o
missionação no São Francisco, os barbadinhos defendiam e fundação vigário-geral), o ouvidor-geral, o provedor da Fazenda e os prefeitos das
de missões nos sertões entre “o gentio que não quiser voluntário vir ordens religiosas da capitania que possuíssem aldeamentos e missões
para o mar”. Argumentavam que seria de muita utilidade “se estender a entre os índios. O seu objetivo, segundo a carta régia que a criara, era
nossa comunicação e vassalagem para as notícias dos muitos haveres dotar o governo local de um mecanismo descentralizado do poder im­
que se entende há pela terra adentro, donde estes índios se conservam perial capaz de interceder na resolução de. conflitos e propor in loco
com o seu natural”. O exemplo do acerto desta estratégia eram as “ín­ medidas e políticas para as atividades missionárias e para o processo de
dias de Castela” e “o exemplo contrário, se [via] em toda a costa do ocupação do sertão.74 Na Bahia, onde a lei de 1611 havia criado o cm-
Brasil que está despovoada de índios e com tão poucas notícias da terra
adentro que quase não há algumas”. Segundo Salvador se Sá, “este modo
de povoar” poderia não apenas resolver o perigo eminente destes ini­ n Hoomaert falava de um “ciclo missionário” no São Francisco, iniciado na primeira
migos internos, como expandir o domínio português até as colónias de metade do século XVII e terminado por volta de 1700. Como o leitor pode perceber,
estamos pensando cm uma outra coisa. Eduardo Hoomaert. História da Ignja no Bra­
Castela, “ficando só a raia [fronteira] no meio para o comércio, como
sil. Petrópolis, tomo 2,1971, p. 62-75.
experimentamos nestes reinos, por ser todo aquele território unido com n A Junta das Missões do Maranhão foi instituída por provisão de 9 de abril de 1655,
o nosso de Portugal e Castela [o são]”.*70 Alguns anos passados, ele repe­ que alterava a de 17 de outubro de 1653. Segundo o biógrafo de Vieira, foi este que,
tiria este seu mesmo parecer, lembrando como seria importante mandar indignado com as medidas que esta última impunha para a legitimação do cativeiro
jesuítas para fundar aldeias na fronteira, pois “a terra do Brasil não se dos índios, por motivos diversos, e colocava na alçada do desembargador sindicante,
e dos ouvidores a deliberação da liberdade ou não dos cativos, por iniciativa dos ofi­
pode povoar com a gente que há de ir da Europa, e despovoado com a ciais das câmaras do Maranhão e tio Pará, conseguiu em Lisboa a retificação do rei.
guerra também não serve de nada”.71 A ocidentalização da atividade Nessa ocasião, além de garantir o governo dos religiosos nas aldeias e missões do
missionária andava junto com o incentivo para a expansão da pecuária sertão, decretava el-rei que houvesse uma Junta das Missões que deveria determinar
pelos sertões, com a doação de novas sesmarias ou a redistribuição das a justiça do cativeiro dos fndios com base nos seguintes critérios: guerra justa, impe­
dimento da expansão da fé, quando resgatados da “corda”, quando vendidos por
outros índios. Tal como foram substanciados pela lei de 1.® de abril de 1680, válida
í para o Estado do Maranhão. AfTonso de E. Taunay. História ffrnldas handeiraspaulistas.
M Sobre os tapuias que os paulistas aprisionaram na guerra e mandaram vender aos .:>■ São Paulo, 1950, vol. 4, p. 228-35. Há um artigo recente de Paul Wojtalewicz compa-
moradores do Porto do Mar, e sobre as razões que há para se fazer a guerra aos ditos rando a atividade das juntas das missões do Maranhão e a de Araucânia, no império
tapuias (1691), Ajuda, 54 XIII16, fl. 162. F espanhol. Cf. “The Junta de Missões/Junta de Misiones: A Comparative Study of
70 Voto dc Salvador Correia de Sá sobre a missionação e o povoamento do sertão, Con­ £K"Peripheries and Imperial Administration in Eightcenth-century Iberian Empires”.
sulta do Conselho Ultramarino, c. 1675, AHU, Bahia, caixa 2,105. f Colonial Latin American Revim, 8:225-40,1999.
71 Consulta do Conselho Ultramarino, 2/12/1679, AHU, cod. 252, fis. 56v-8; ou DH 88, DkCarta ao governador de Pernambuco sobre se erigir a Junta das Missões, 7/3/1681,
|p “Informação geral da capitania de Pernambuco”. ABN, 28,1906, p. 379-80. Sobre a
168-71.
O PAÍS DOS TAPUIAS 75
74 O PAÍS DOS TAPUIAS ♦
brião deste organismo, apesar de uma decisão positiva do Conselho Ul­ Uma avaliação da bibliografia e da documentação permitiu organizar
tramarino em 1686, uma Junta das Missões seria formada apenas em uma tabela dos aldeamentos (veja o Anexo 3) e missões no sertão nor­
deste (excluindo, portanto, as aldeias da costa), particularmente nas ca­
1702.
De”acordo com a carta régia de 17 de janeiro de 1698, a Junta das pitanias da Bahia, Pernambuco e anexas, para o período (aproximado)
Missões de Pernambuco tinha ainda a obrigação de declarar e conferir do final do século XVI à segunda década do XVIII. Grosso modo, os 61
a nomeação dos missionários ou párocos que iam assistir nas aldeias dos aldeamentps listados distribuíam-se geograficamente da seguinte ma­
índios. Isso porque, para além da nomeação normal como faziam de cos­ neira: 26 no sertão de fora (Pernambuco, 12; Rio Grande, 9; Ceará, 3; e
tume os bispos, autorizados pelo padroado, havia de conferir quais eram Paraíba, 2) e 35 no sertão de dentro (Bahia). Com raras exceções, qua­
os “mistérios das missões”, isto é, as faculdades específicas que pode­ tro ordens religiosas dominavam completamente a missionação no ser­
riam possuir os missionários.” Em janeiro de 1701, estabelece-se a obri­ tão: os capuchinhos franceses, os franciscanos observantes, os jesuítas e
gatoriedade de assentar todos os negócios tratados na Junta, que se reu­ os religiosos da Congregação do Oratório de Pernambuco. Os capuchi­
nia todos os meses do ano, “assinando todos e declarando cada um o nhos eram os únicos, tirante um ou outro oratoriano, que tinham prer­
seu voto como lhe parecer, de que haverá um livro numerado e rubrica­ rogativas de missionários apostólicos, isto é, faculdades especiais pelo
do por vós”. Na ocasião, o rei exigia que fosse feita a devida averigua­ fato de que estavam diretamente subordinados à Santa Sé, ou melhor,
ção na compra e venda dos índios que não fossem negociados em praça à Congregação da Propagação da Fé (criada em 1622). Embora atuando
pública, isto é, os vendidos nos sertões, “onde não há justiças mais que na região sujeita ao padroado régio, poderiam agir livres dos laços das
os juízes”, e que a compra se faça na sua presença, "mostrando o título dioceses e em todo o território da Colónia.78 Preponderavam nas mis­
porque lhe pertence, chamando o escravo diante de si, que diga a dúvi­ sões no sertão de dentro, pelo menos até sua “expulsão” em 1702, ao
da que tem à escravidão, e que ninguém o possa comprar sem essa ave­ passo que os religiosos da Congregação do Oratório de Pernambuco do­
minavam as missões do sertão de fora. De maneira geral, os jesuítas
riguação”.77 davam preferência a missionar entre os povos tupis, bem como os taba-
jaras, nas serras do Ibiapaba (Maranhão). Contudo, possuíam várias al­
Junta do Maranhão veja Affonso de E. Taunay. História geral das bandeiras paulistas. deias de índios tapuias, em sua grande maioria “herdadas” de outras
São Paulo, 1950, vol. 4, p. 232-3. Em janeiro de 1698, em carta ao governador de ordens que tiveram de as abandonar, como a dos capuchinhos. Além
Pernambuco, el-rei, preocupado com as noticias do desleixo, ordena que sc cumpra a
necessidade de que a Junta “se estabeleça e continue em dois dias de cada semana".
disso, mantinham, nas proximidades dos núcleos urbanos, aldeias mis­
Mas, ouvindo o arrazoado da própria junta, cl-rei resolveu se conformar com a mensa­ tas, onde se supunha a dissolução da especificidade tapuia no contexto
lidade destas reuniões. Carta régia, 27/1/1699. “Informação geral da capitania de cultural túpico. A primeira missão jesuítica estabelecida nestes senões
Pernambuco”. ABN, 251385-6 e 388,1906. Veja também F. A. Pereira da Costa. Anais interiores foi, certamente, a de Nossa Senhora da Trindade de Massacará,
pernambucanos, Recife, 1952, vol. 4, p. 198-9. em 1639, na Bahia. As missões entre os índios cariris, como a de Santa
75 Em 1686, em razão de uma carta sobre o abuso dos administradores das aldeias dos
Teresa de Canabrava, Nossa Senhora da Conceição de Natuba, Ascen­
índios escrita pelo Marquês das Minas, o Conselho Ultramarino pediu vista ao procu­
rador da Fazenda da consulta sobre a necessidade de uma Junta das Missões na Bahia, são do Saco dos Morcegos e Nossa Senhora do Socorro de Jeru, foram
ao que esse respondeu positivamente, assim como o procurador da Coroa, para o ; estabelecidas provavelmente na segunda metade do século XVII.79
melhor controle do serviço desses mesmos administradores. Consulta do Conselho As primeiras missões capuchinhas devem seu início aos episódios
Ultramarino, 1/3/1686, com aprovação real cm 18 de março, DH 89,54. Para a criação i das guerras coloniais com a Holanda. Tendo conquistado Angola (São
da junta, veja a carta régia, 12/4/1702. In: Inácio Accioli dc Cerqucira e Silva. Me­
i' Paulo de Luanda) em 1641, os holandeses da Companhia das índias
mórias históricos e políticas da prwínàa da Bahia. Salvador, 1940, vol. 2, p. 150. Em
>'
São Paulo, foi criada uma Junta das Missões apenas em 1746, pela provisão dc 8 dc
maio. Francisco Adolfo de Vamhagen. História gemi do Brasil. São Paulo, 1975, tomo
s *«" Pietro Vittorino Regni. Os capuchinhos na Bahia. Salvador/Porto Alegre, 1988, vol. 1,
76 4, p. 88.
Carta régia, 17/1/1698, “Informação geral da capitania dc Pernambuco”. ABN, 2&.3K1, | v p. 283-95.
E-í’ -B. G. Dantas et alli. “Os povos indígenas no Nordeste brasileiro, um esboço históri-
1906. régia, janeiro 1701, “Informaçãogeral dacapitania de Pernambuco".ABN, 25:380,
77 Carta E‘ h co”. In: Manuela Carneiro da Cunha (org.). História dos índios no Brasil. São Paulo,
E.I' 1992, p. 441.
1906.
76 o PAÍS DOS TAPUIAS ‘ O PAÍS DOS TAPUIAS 77
Ocidentais acabaram capturando alguns missionários capuchinhos que dos capuchinhos franceses, abrangendo mais de 150 léguas, que fran­
de longa data vinham trabalhando na conversão daqueles povos africa­ queavam todos aqueles senões para os gados, com o que crescia a Fa­
nos, especialmente os “súditos” do rei do Congo, que havia se conver­ zenda real nos dízimos e os moradores na opulência.82 Com efeito, bom
tido ao catolicismo. Capturados os capuchinhos, foram trazidos alguns número dos currais penencia à ordem, que era das mais ricas da Coló­
deles, em 1642, para o Recife. Aí acabaram por colaborar com a rebe­ nia. Os oratorianos tiveram papel importante nas guerras do Açu, pois
lião de 1645 e a restauração de Pernambuco, em razão do que, após a estavam missionando justamente no sertão entre este rio e o Jaguaribe.
expulsão definitiva dos holandeses, ou mesmo um pouco antes disso, Como se verá no Capítulo 6, as aldeias “nova “e “velha” na ribeira do
lhes foi permitido se estabelecer no Brasil para o trabalho de conversão Jaguaribe, missionadas pelo padre João da Costa, estarão no centro dos
do gentio à fé católica. Em 1653, com a anuência do governo, fixaram- conflitos entre os oratorianos e os paulistas designados para a guerra no
se no Rio de Janeiro, e a partir do ano de 1670 expandiram suas mis­ Rio Grande.
sões pelo interior do Nordeste, especialmente entre os índios da nação
cariri.80 Em razão do rompimento das relações diplomáticas entre as Confederação dos cariris?
coroas de Portugal e da França, os capuchinhos bretões foram paulati­
namente impedidos de renovar o quadro de missionários do Brasil, até Sem dúvida alguma, a compreensão dos povos ditos tapuias como
resolverem retirar-se definitivamente em 1702. Suas missões passariam uma unidade histórica e cultural, em oposição não só ao mundo cristão
então para o controle dos religiosos de Santa Teresa, do Oratório de europeu, mas aos povos tupis, habitantes do litoral, foi um dos elemen­
Pernambuço, ou dos carmelitas descalços e, mais tarde, dos capuchinhos tos mais importantes na caracterização coeva da unicidade dos conflitos
italianos. ocorridos no Nordeste ao longo das décadas finais dos Seiscentos e ini­
A Congregação do Oratório de Pernambuco fora criada em 1662 por ciais dos Setecentos, no contexto específico do processo de expansão
iniciativa do padre João Duarte do Sacramento, que juntamente com da pecuária e, portanto, da fronteira.
seu companheiro João Rodrigues Vitória esteve no sertão do São Fran­ De fato, a extensa documentação colonial refere-se ao conjunto de
cisco e do Rio Grande por volta de 1659-61. Dedicaram-se principal­ confrontos e sublevações dos grupos tapuias do sertão nordestino como
mente à catequese dos tapuias do Norte, os tarairiús, que haviam sido uma “Guerra dos Bárbaros”, unificando, dessa maneira, situações e con­
aliados dos holandeses e ocupavam grande pane daquele senão, cujos textos peculiares. Por isso, tal como no episódio da chamada Confede­
currais e fazendas haviam sido abandonados nas guerras de restaura­ ração dos Tamoios, inventada pela intuição de Gonçalves de Maga­
ção. Em 1683, já eram 26 os missionários do Oratório de Pernambuco lhães,81 a Guerra dos Bárbaros foi igualmente tomada pela historiografia
que se encontravam “repartidos por aqueles imensos senões”, “tendo como uma confederação das tribos hostis ao império português, um ge­
as aldeias entre elas distantes mais de 150 léguas ao sertão de Pernam­ nuíno movimento organizado de resistência ao colonizador. Já Gonçal­
buco, com os tapuias sucurus e janduís os mais ferozes de todo aquele ves Dias, companheiro de indianismó de Magalhães, havia tratado das
gentio”.81 Neste mesmo ano, o padre Sacramento, prcpósito da con­ revoltas no Rio Grande nas páginas da Revista do Instituto Histórico.9*
gregação, dizia ao Conselho Ultramarino que eram suas missões e as Mais explicitamente, Francisco Borges de Barros, Pedro Calmon, Gus­
tavo Barroso, Horácio Almeida, entre outros, falavam de uma “confe-
“ Fidelis M. dc Primcrio. Capuchinhos em temas de Santa Cruz nos sfculos XVI, XVII e
XVIII, São Paulo, 1940, p. 217. Em dois volumes, a obra de Pietro Vittorino Regni. Os provavelmente dc autoria do padre Inácio Silva, é também referência importante:
capuchinhos na Bahia, permanece a mais completa e erudita sobre o assunto. “Notícia que dão os padres da Congregação de Pernambuco acerca da sua Congrega­
Consulta do Conselho Ultramarino, 4/3/1683, AHU, cód. 256, fl. 47v-8 (igual ao AHU, ção desde a sua ereção”. Edição e introdução por José AntOnio Gonsalvcs de Mello.
Ceará, caixa 1,33). Maria do Céu Medeiros. Igreja e dominação no Brasil escravista. O RIAP, 52:41-3,1984.
caso dos oratorianos de Pernambuco, 1659-1830. João Pessoa, 1993, p. 49-51. Para a “ Consulta do Conselho Ultramarino, 23/4/1683, AHU, cód. 49, fl. 19-20.
história dos oratorianos de Pernambuco, veja também F. A. Pereira da Costa. Anais “ Pedro Puntoni. “A Confederação dos Tamoios: a poética da história e a historiografia
pernambucanos. Recife, 1952, vol. 4, p. 45-8; Ébion de Lima. A congregação do Orató­
do império". Novos Estudos Cebrap, 45:119-30, julho de 1996.
rio no Brasil. Petrópolis, 1980; e o capítulo 3 do livro de Evatdo Cabral de Mello. A M A. Gonçalves Dias. “Catálogo dos capitão-mor e governadores da capitania do RGN”.
[ronda dos mazombos. São Paulo, 1996, p. 96-122. A crónica de meados do XVIII, R1HGB, XVIP.30,1854.
78 O PAÍS DOS TAPUIAS , , O PAÍS DOS TAPUIAS 79
t
deração dos cariris”.85 Termo adotado por vários de nossos manuais es> de Abreu.88 Apesar de não se enganar com a natureza dos tapuias, Tau-
colares, deve-se não apenas a referência obligé a Gonçalves de Maga­ nay, o historiador das bandeiras paulistas, entendia também que a Guerra
lhães, mas também à percepção de que todos os tapuias do semi-árido dos Bárbaros, no caso especifico do Rio Grande, era uma “uma grande
se resumiam em um só grupo étnico, o dos cariris. Paradoxalmente, a ofensiva generalizada, de verdadeira confederação de índios contra bran­
confusão é reputada a Cari Friederich Philipp von Martius, que pri­ cos”. Segundo ele, “depois do terrível exemplo da repressão branca nos
meiramente havia reagido, nas palavras de Artur Ramos, “contra o que sertões baianos, deu-se a coligação geral das tribos exasperadas pela larga
se chamou de tupimania, uma tendência que na realidade exprimia o e progressiva espoliação do seu território ancestral, diutumamente rea­
desconhecimento dos autores sobre as tribos brasileiras do imenso in­ lizada pelos civilizados”.89 Câmara Cascudo, que conhecia bem a do­
terior”.86 Com efeito, em seu Glossaria Unguarum Brasiliensum de 1867, cumentação colonial do Rio Grande, criticou em sua História aqueles
Martius determinava que os cariris ocupavam todo o sertão do São Fran­ que, “lembrando a dos tamoios”, chamavam a Guerra dos Bárbaros, “ro­
cisco até o rio Acaracu no Ceará, antes da serra do Ibiapaba.87 Como manticamente”, de confederação dos cariris-, “Não houve plano comum,
notou Olavo de Medeiros Filho, Irineu Joffily é que divulgaria tal idéia nem unidade de chefia. As tribos combateram aliadas ou isoladas. Ou­
de que todos os tapuias habitantes do sertão pertenciam à nação cariri, tras regiões estavam quietas, acordando para a morte quando o fogo se
inclusive os janduís e paiacus, opinião partilhada pelo próprio Capistrano apagava onde começara”. Preferia chamá-la de “Guerra dos índios”.90
E preciso deixar claro que a noção de uma “guerra geral” dos índios
“bárbaros” contra o império, quer dizer, de uma luta deste contra na­
“ Pedro Calmon dizia que “par esse tempo, nas bandas do Ceará, da Paraíba e do Rio ções com interesses e objetivos militares definidos segundo uma estra-
Grande do Norte retumbava os ecos da «confederação dos cariris»”. História da Casa
tégia consciente, era produto do olhar europeu e aparece, portanto, no
da Tom. Rio de Janeiro, 1939, p. 84. Francisco Borges de Barros, cm referência ao
| bojo da documentação colonial. Como se sabe, para a história colonial
poema do nosso romântico, concluía que “ao jeito dos tamoios que se confederaram
no sul, no meado do século XVI, os indígenas do norte formaram no século XVII — S dos povos indígenas no caso do Brasil — diferentemente da Meso-Amé-
1670 em diante — uma confederação” dos cariris. E as guerras do Recôncavo ele H rica — possuímos apenas documentos produzidos pelos colonizadores.
chamava de Confederação dos Gueréns. “depois da pacificação dos aimorés, os gueténs k Como corretamente concluiu o brasilianista John Hemming, se o pro-
rcãraram-se para o sertão. Reapareceram durante a invasão holandesa, fazendo
investidas pelas matas c vilas de Ilhéus". Bandeirantes e sertanistas bahianos. Salvador,
K cesso de resistência nativa à expansão da economia pecuária foi um dos
E mais importantes estágios da conquista dos índios, “foi também o me-
1919, p. 124. Segundo Gustavo Barroso, entre os anos de 1693 a 1713, “várias nações
cariris se confederaram contra o invasor”, quase destruindo “em seus fundamentos a K nos documentado. E como sempre, não há nada do lado indígena. Os
colonização portuguesa”, â margem da história do Ceará. Fortaleza, 1962,p. 56-7. Horício K nativos não deixaram nenhuma informação escrita e nenhum deles re-
Almeida hesita ao titular seu artigo: “Confederação dos Cariris ou Guerra dos Bárba­
Kpstrou sua versão da luta”.91 Daí as dificuldades teóricas e metodológicas
ros”. RIHGB, 31Ó-AG7-33, 1977. Bcbm que se depara o estudioso. Não podemos, então, escrever com su-
w Arthur Ramos, introdução à antropologia brasileira (vol. 1, As culturas não-européias).
Hfóèsso uma “história ao inverso”, recuperar uma visão dos vencidos, uma
Rio de Janeiro, 1943, p. 60. Martius, na sua conferência “O Estado dc direito entre os
autóctones do Brasil” de 1832, dizia serem mais de 250 o número dos grupos indíge­ Hkez que nos faltam fontes autentfcamente indígenas.92 A leitura crítica
nas no Brasil, e que os descobridores do Brasil teriam, “pasmados com a rudeza selva­ Mb cuidadosa da documentação administrativa nos fornecerá, apenas, uma
gem", reproduzido idéias erróneas, “entre outras, a opinião corrente durante muito ^Efeconstrução dos acontecimentos do ponto de vista do conquistador.
tempo que admitia a independência de certos povos que apenas eram tribos da ex­
tensa nação dos tupis e que havia um povo poderoso e bravio que denominavam
tapuios, quando é certo que a palavra tapuia na língua tupi, primitivamente, era a
nOlavo de Medeiros Filho. “Os tarairiús, extintos tapuias do Nordeste”. RIHGB, 3S&37-
designação coletiva para todos os povos ou tribos que não pertenciam aos tupis”. 0
1?2,1988; Irineu Joffily: Notas sobre a Paraíba. Rio de Janeiro, 1892, p. 141 ss., c veja
Estado de direito entre os autóctones do Brasil. Belo Horizonte/São Paulo, 1982, p. 16.0
btambém o prefácio de Capistrano de Abreu, p. 77-84.
Von dent Redttszustande unter den Ureimsohnem Brasiliens foi inicialmente publicado
bAffonso de E. Taunay. História gemidas bandeiraspaulistas. São Paulo, 1950, voL 6, p. 308.
em 1832 (Munique, Fleischer), a partir de uma conferência realizada na Real Acade­
nluís da Câmara Cascudo. História do Rio Grande do Norte. Rio de Janeiro, 1955,
mia de Ciências da Baviera no dia 28/3/1832. ■ te. 96-100.
87 Glossaria linguarum brasiliensum (“Glossário das diversas línguas e dialetos que fallad,
os indios no Império do Brazil”) nos Beitrãge zur Ethnographie und Sprachenhunde WedGold. The Conquest ofthe Brarifían Indians. Cambridge, 1978, p. 346-7.
Amerihas zumna! Brasiliens. Erlagcn, Druck von Junge & Sohn, 1867, volume 2 (zuf ■Bbmo o fez Nathan Wâchtel para o Peru, em estudo clássico: La vision des vaincus. Les
BfeKwrdÍB Pirou devant la conquíte espagnote, 1530-1570. Paris, 1971.
Sprachenkunde).
i
80 O PAÍS DOS TAPUIAS • i O PAÍS DOS TAPUIAS 81

Justamente, a própria idéia de um conflito uno e organizado, associado Nossa Senhora da Conceição do Rodela96, remeteu em 1697 pára o bis­
à noção não menos freqtiente na documentação, da existência de “confe­ po de Pernambuco, frei Francisco de Lima. Na sua “Descrição do ser­
derações” indígenas, tem de ser, eia mesma, objeto de reflexão.93 Se tão do Piauí”, o padre listou 37 nomes de grupos de “tapuias bravos”
estas existiram, foram mais na noção mais fraca do termo, simples alian­ em guerra com os moradores somente na freguesia de Nossa Senhora
ças entre nações e tribos para fazer face ao inimigo comum; jamais uma do Sertão do Piauí: aroaquizes, carapotangas, aroquanguiras, nongazes,
grande aliança orquestrada contra o Império português. Analisando a precatis, acuruás, bocoreimas, cupequacas, cupicheres, gutamês, goias,
resistência dos tupis ao invasor português, no episódio da dita “confe­ anicuás, aranhês, goarás, corerás, aiciteteus, aberiras, beirtés, macamasus,
deração” dos tamoios, Florestan Fernandes conclui que “as fontes de tramambés, anassus, alongás, aruás, ubates, meatãs, janduís, icós, arius,
funcionamento eficiente da sociedade tribal impediam a formação de corsias, araiês, acumês, coaratizes, jaicós e cupinharós; alguns deles sendo
um sistema de solidariedade supratribal”. Como pane constitutiva da chamados simplesmente de “rodeleiros”, “beiçudos” ou “lanceiros”.97
sociedade tupi, “os laços de parentesco que promoviam a unidade das Por isso, na falta de um estudo mais minucioso dessas denominações
tribos, engendravam rivalidades insuperáveis, mesmo em situações de e mesmo dessas etnias, basta notar aqui, para o bom entendimento dos
emergência”.* 1 Mudando o que deve ser mudado, o mesmo era válido capítulos seguintes, que, grosso modo, o sertão encontrava-se habitado
para os grupos tapuias, ainda mais fracionados, de modo que as guerras por dezenas de grupos étnicos distintos, entre os quais se destacavam
dos bárbaros se faziam seguindo o padrão dispersivo, que permitia aos os cariris e os tarairiús. Além desses, no sertão baiano, os paiaiases e
luso-brasileiros fragmentar a luta e “jogar índios contra índios”. anaios se viram envoltos nas guerras do Aporá e Orobó, e nada sabemos
A denominação dos grupos indígenas como tribos ou unidades polí­ sobre sua cultura ou modo de ser. Os cariris ocupavam notadamente o
ticas autónomas (reinos, por exemplo) e até mesmo a identidade de sertão de dentro e as margens do rio São Francisco. Já os tarairiús, natu­
alguns destes grupos, ou ainda a constante presunção de sua anomia, rais do sertão de fora, principalmente nas capitanias do Rio Grande e
também devem ser postas em questão.95 Para se ter uma idéia da difi­ Ceará, estavam divididos em diversas nações, em disputa entre si, que
culdade em determinar a identidade destes povos, basta olhar o docu­ levavam o nome de seus chefes (ou “reis”), como os janduís, canindés,
mento que o padre Miguel de Carvalho, que era cura da freguesia de
ca, neste particular. A “Convenção para a grafia dos nomes tribais”, estabelecida, em
” Sobre aidéia da confederação indígena na literatura e historiografia oitocentistas bra­ 1954, pela maioria dos membros da Reunião Brasileira de Antropologia, fixou regras
sileira, confira o meu artigo “A Confederação dos Tamoyos de Gonçalves de Maga- técnicas para a transcrição em termos fonéticos que, acredito, também devem ser
Ihãcsta poética da história c a historiografia do império”. Novos Estudos Cebrup, 45:119- observadas para o uso da etno-história. Convém notar que a “Convenção” estabelece
> que os nomes tribais de origem indígena, ao contrário dos nomes tribais de origem
30, julho de 1996.
M Florestan Fernandes. “Organização social das tribos tupis”. In: S. B. de Holanda (otg.). . portuguesa ou “amorficamente aportuguesados” (item 21), não devem ter “flexão
História geral da civilização brasileira. São Paulo, 1968, vol. 1, p. 85. Veja também, do i> portuguesa de número ou gênero” (item 22). Como neste trabalho lidamos com do-
mesmo autor, “Os Tupi e a reação tribal à conquista”. In: A investigação etnológjca e , ..cumentação exclusivamente de ofigem portuguesa, consideramos todos os nomes
outros ensaios. Petrópolis, 1975; e o estudo clássico sobre A função social dapterra na -v.indígenas como “amorficamente aportuguesados”. Veja o Mapa etno-bistórico de Curt
Nimuendaju. Rio dc Janeiro, 1981, e o artigo de Emmerich e Leite. “A ortografia dos
soàedade tupinambã. São Paulo, 1970.
” Não bastasse isso, há dificuldades na própria grafia dos ccnônimos. Afora nos obrigar f.,v nomes tribais no Mapa Etno-Histórico de Curt Nimuendaju”, p. 29-35. A “Conven-
a uma constante “arqueologia" das denominações nos textos historiográficos ou et­ p. ção de 1954” foi publicada na Revista de Antropologia. São Paulo, 11^:150-2, 1954.
nográficos, este é um problema cuja solução às vezes encontra-se na descoberta de tefrVeja também meu artigo “Tupi ou não tupi?”. In: Antônio Risério (otg.). Invenção do
uma referência absolutamente desprovida dc veracidade, mas cujo desenvolvimento fy.Brnsil. Salvador, 1997, p. 49-55.
produziu erros consideráveis. Nimuendaju, que em seu Mapa etno-bistória> do Brasil SbiAí, tomara-se “tutor” de Francisco Dias Mataorá, “capitão-mor de todos os índios da
aparentemente utiliza-se de diversos critérios, segue, no entanto, uma proposta de ip nação porcaz moradores dos sertões de Rodelas”. Esse queria vir ao reino para pedir
ordenação, como foi mostrado por Charlotte Emmerich e Yonne Leite. Preocupado ■jhalguma recompensa dos seus serviços nas guerras dos tapuias bravos, no descobri-
em manter as informações das fontes e garantir a riqueza do seu Mapa, Nimuendaju kvtnento do caminho do Maranhão e nas entradas do salitre. CCU 28/11/1698, AHU,
constituiu uma norma não explicitada que prevê, entre outras coisas, o registro dos RjPcrnambuco, caixa 13; AHU, Pernambuco, caixa 11.
grupos históricos c extintos na grafia portuguesa e dos grupos existentes em termos . K Miguel de Carvalho. “Descrição do sertão do Piauí remetida ao limo, e Rvmo. frei
fonéticas. Apesar de algumas pequenas imprecisões notadas, sem dúvida alguma é j BSfrancisco de Lima, Bispo de Pernambuco, 1697”. In: Ernesto Ennes. As guerras dos
esta proposta do antropólogo que deve guiar, ao meu ver, a investigação etno-históri- ; ETMnanx São Paulo, 1938, p. 370-89.
82 O PAÍS DOS TAPUIAS O PAÍS DOS TAPUIAS 83
paiacus, jenipapoaçus, icós, caborés, capelas etc. Ambas as etnias, cariris das do período colonial.101 Na verdade, já nas vésperas da independên­
e tarairiús, são das que dispomos de maiores e melhores informações cia, o sapuia foi registrado por Martius a partir das observações feitas
em relação ao seu modo de vida, costumes, cultura material e religião.98 em 1818, quando se encontrou em Pedra Branca com cerca de seiscen­
Os cariris foram inicialmente cortejados pelos holandeses, que pre­ tos cariris “scmicivilizados”. O vocabulário “cayriri-latim” que Martius
tendiam defender com sua ajuda a fronteira do rio São Francisco.99 A publicou a partir do material que ali recolhera, no entender de Adam,
primeira referência aos fndios cariris é provavelmente a da Descrição Ge­ deve ser tomado como um dialeto separado, dada a distância com rela­
ral da Capitania da Paraíba, escrita pelo holandês Elias Herckman em ção aos dialetos quipea e dzubucuá. Consta que os cariris de Pedra Bran­
1634. Segundo esse relato, eram os cariris uma nação do interior do ca, ainda no início do século XIX, haviam conservado mais ou menos
Nordeste brasileiro, fazendo parte do conjunto de populações generi­ intacto seu dialeto particular. Todavia, quando Ehrenreich aí esteve,
camente nominadas “tapuias”, isto é, não-tupis, e habitando “transver­ em 1891, pôde constatar que estes cariris haviam “desaparecido”.’02
salmente (dwers van) a Pernambuco”.’00 Posteriormente, como vimos, As missões capuchinhas são as de maior interesse do ponto de vista
foram missionados pelos religiosos católicos. Os cariris se diferencia­ etno-histórico, em razão da diligência com que os freis retrataram os
vam por quatro dialetos — camaru, sapuia, dzubucuá e quipea —, dos costumes, a cultura, a língua e o modo de vida dos índios sob seu am­
quais apenas três estão documentados. Uma Arte da Gramática da Lín­ paro (ou controle). Como sabemos, já haviam estado no Brasil missio­
gua Brasílica na Nação Cariri, do padre Mamiani, de 1699, e os catecis­ nários da ordem dos capuchinhos no início do século XVII, tendo nos
mos em dzubucuá e em quipea, de 1698 e 1709, constituem, junto com legado importantes relações, documentos valiosos para o estudo dos
os do tupi antigo, os únicos registros de línguas indígenas desapareci- povos tupinambás.'05 Da mesma forma, estes freis capuchinhos con­
tribuíram para o estudo dos cariris. Suas missões na segunda metade
” Lowie, Robcrt H. “TheCariri” c “HhcTmmrí'. HandbooiofSouth American Indians, dos Seiscentos entre estes índios produziram importante documenta­
Washington, 7:557-9 e 543-56,1946. Para um possível entendimento da diversidade ção, entre as quais nos são de extremo valor as relações do frei capu-* 108
dos povos indígenas no sertão do Brasil colónia, veja o Mapa etno-histórico de Curt
Nimuendaju. Rio de Janeiro, 1981; F. A. Pereira da Costa. Anais pernambucanos. Reci­
fe, 1953, vol. 5, p. 160-72; Carlos Studart Filho. Os aborígenes do Ceará. Fortaleza, 101 Bernardo de Nantcs. Katecismo índico da língua Kariri. Lisboa, 1707; e Luiz Vicenzo
1966; Thomas Pompeu Sobrinho, “Contribuição para o estudo das afinidades do Mamiani. Catecismo da outrina christãa na lingua brasilica da naçam kiriri. Lisboa, 1698.
Kariri”. RIHGC, 53:221-35, 1939, “Línguas tapuias desconhecidas do Nordeste, al­ Mamiani escreveu também uma Arte de gramatica da lingua brasílica da naçam kiriri.
guns vocábulos inéditos”. Boletim de Antropologia, Fortaleza, ano 2, v. 1, 1958, “Os Lisboa: Officina de Miguel Deslandes, 1699. Sobre as línguas indígenas desapareci­
tapuias do Nordeste e a monografia de Elias Herkman". RIHGC, 48:7-28,1934, e “As das, veja o estudo dc Aryon DalFIgna Rodrigues. Línguas brasileiras —para o conheci­
origens dos índios cariris”. RJHGC, LX/V:314-99,1950; Estevão Pinto. Osmdígpnasdo
mento das línguas indígenas. São Paulo, 1986, p. 17-39.
Nordeste. São Paulo, 1935; Carlos F. Ott. Vestígos de cultura indígtna no sertão da Bahia. 108 Lucien Adam. Matíriaux pour servir à Pitablissement ePune grammaire comparte des
Salvador, 1945; Aryon DalHgna Rodrigues. “Notas sobre o sistema de parentesco dialectes de la famille Kariri, Paris, 18^7.
dos índios Kiriri”. RMP, 2:193-205,1948; Olavo de Medeiros Filho. índios do Afu e
Meio século após terem sido expulsos da região da atual cidade do Rio de Janeiro, em
Seridã. Brasília, 1984; Robcrt E. Meader. índios do Nordeste, levantamento sobre os rema­ 1575, os franceses tentaram novamente estabelecer-se no território brasileiro. Entre
nescentes tribais do Nordeste brasileiro. Brasília, 1978; Cestmir Loukotka. “Les langues 1612 a 1615, esforçaram-se por construir e manter a posse de uma colónia no então
non-tupi du Brésil du Nord-est”. Anais do XXXI Congresso Internacionalde Americanistas, chamado Maranhão, ou, atualmente, na ilha de São Luís. Com apoio da regente de
São Paulo, 1955; W. D. Hohenthal. “Little Known Groups of Indiaits Reported in França, Maria de Médicis, e envolvimento dos capuchinhos, tentaram erguer no nor­
1696 on the rio São Francisco, in Northeastem Brazil”. Journal de la Societí des te do país uma “França Equinocial”, a exemplo daquela “Antártica” dos tempos de
Amíricanistes, Paris, 41, 7:31-41, 1952 e “As tribos indígenas do médio e baixo São Villegaignon. Entre os quatro primeiros religiosos capuchinhos que vieram com a
Francisco". RMP, 12,1960; Donald Pierson. O homem do São Francisco. Rio de Janeiro, primeira expedição de Daniel de la Touche, senhor de La Ravardière, e François de
1972, tomo 1, p. 226-34.; AfTonso A. de Freitas. “Distribuição geográfica das cribos na Rasilly, senhor de Aumelles, para a colonização do Maranhão, estavam Claude
época do descobrimento”. RIHGB, Tomo especial 2. Rio de Janeiro, 1915, p. 491- d’Abbevillc e Yves d’Evreux. Ambos escreveram a crónica desta missão. Estes textos
510; Luís Mott. “Etno-história dos índios do Piauí colonial”. In: Idem. Piauícolonial:
têm mais interesse para o conhecimento das coisas do Brasil e dos costumes dos
população, economia e sociedade. Teresina, 1985, p. 109-24. índios do que para a história da “França Equinocial” propriamente. Claude d*Abbe-
* J. A. Gonsalvcs dc Mello Neto. Tempo dasflamengos, p. 202. ville. Histoire de la Mission des pires capucins en PÍle de Maragnon et terces circonvoisines.
100 “Descrição geral da capitania da Paraíba, por Elias Herckman” (1634). RIAGP, 31:239, Paris, 1614 e Yves d*Evreux. Suite de Lhistoire des choses les plus mímorables advenues ès
1886. Maragnon, Paris, 1615.
84 o PAÍS DOS TAPUIAS o país dos tapuias 85
chinho Martin de Nances para o estudo da vida sociocultural destes Outro alemão que viveu anos entre os índios e mesmo chefiou um
povos. Sua Relation Sucànte et Sincere de la Mission dans le Brezilparmy grupo de janduís, que assolavam o sertão do Rio Grande, atacando fa­
les Indiens Appélles Cariris (composta, na verdade, de duas relações) zendas e currais, foi Jacó Rabbi. Ele deixou uma crónica sobre os ín­
descreve os hábitos e a cultura da sociedade cariri-dzubucuá, bem como dios que foi incorporada e publicada na História de Gaspar Barléus
do contexto histórico que seria responsável pela violenta reação des­ (1647).108 Além disso, o pintor holandês Albert Eckhout deixou, além
tes povos indígenas, em conjunto ou simultaneamente com outros.104 de alguns desenhos, dois óleos de um homem e uma mulher tarairiú,
Outro documento importantíssimo é a inédita Relation de laMission des assim como uma outra tela descrevendo uma dança de guerra destes
Indiens Kariris du BrezilSituéssurleGrandFleuvedeS. FrançoisduCosté índios. Serviram de base para todas as reproduções posteriores dos
du Sud a 7 Degrés de Ia Ligne Equinotiale, escrita pelo missionário tapuias, a começar por Frans Post e Zacarias Wagener.109 Os janduís,
segundo José Antônio Gonsalves de Mello, eram aliados tão ferozes que
capuchinho Bernard de Nances.
Os tarairiús, representados principalmente pelos janduís, que por muitas vezes mais pareciam inimigos. Os holandeses sempre se preo­
sinédoque costumam ser tomados, em grande parte da documentação cuparam em mantê-los afastados das zonas ocupadas, qualquer movi­
e da literatura, por todos os diversos grupos, devem sua melhor descri­ mentação era logo detectada e impedida. Em 1639, por exemplo, o rei
ção aos relatos holandeses, de quem eram “aliados infernais”.105 Assim Janduí aproximou-se de Natal com cerca de 2.000 tapuias, “arrancando
como os cariris, os tarairiús haviam sido contatados por ocasião da guer­ as roças, novas e velhas, que encontravam”. O governo do Brasil holan­
ra de ocupação das capitanias do norte de Pernambuco e estão re-fe- dês logo despachou os filhos de Janduí, que se achavam no Recife, para
renciados, pela primeira vez, ra Descrição de Elias Herckman.106 A man­ convencer seu pai de voltar aos sertões.1,0
do de Nassau, o holandês Roulox Baro, um alemão a serviço da Com­
panhia, empreendeu uma viagem ao “país dos tapuias”, em 1647, visi­
tando as tribos submissas ao “rei Janduí”.'07 gtm marítima e terrestre ao Brasil, (1682), Belo Horizonte/São Paulo, 1981, passim.
Para a questão do nome, veja a minuciosa nota (255) de José Honórío Rodrigues, na
p. 182.
•“ Gaspar Barléus. História dosfeitos recentespraticados durante oito anos no Brasile noutras
,M Martin de Nantes. Relation sucànte et sincere de ta mission. Quimpcr, 1706. partes sob o governo do ilustríssimo João Maurício copde de Nassau (1647). Belo Horizon-
105 E. van den Boogaart. "Infernal Allies, the Dutch West Indian Company and the V te/São Paulo, 1974, p. 260-9. Sobre este sertanejo, veja o capítulo “Um intérprete dos
Tarairiu, 1631-1654". In: Idcm (cd.). A Humanist Prince in Europe and Brasil. The & tapuios”, no livro de Alfredo de Carvalho. Aventuras e aventureiros no Brasil. Rio de
í Janeiro, 1929.
Hague, 1979, p. 519-38. $ 109 No Real Gabinete de Estampas de Dresden se encontra o códice de 109 folhas com
105 “Descrição gçral da capitania da Paraíba, por Elias Herckman” (1634). RIAGP, 31:239,
1886. Segundo Frans Leonard Schalkwijk, um outro panfleto, do piloto de uma na­ » desenhos de plantas, animais e índios do Brasil feitos por Zacarias Wagener no tempo
vio holandês, Gerrit Gerbrantsz. Hulk. “Een korte beschrijvinge, vande Staponjers R? . dos holandeses. Anexo aos desenhos, quegrosso modo reproduzem os óleos de Eckhout,
P encontram-se interessantes descrições do “omem tapuia” (desenho 95) e da “molher
in Brasiel, Van haer Leven, Doop, Houwelijck ende wonder Wercken” (Uma breve
descrição dos tapuias no Brasil, da sua vida, batismo, matrimónio e feitos milagrosos), Ktapuya” (desenho 96). Zacarias Wagener. Zoobiblion livro de animais do Brasil (1634-
publicada em 1635, é provavelmente a fonte da descrição de Herckman. O panfleto : 1641). São Paulo, 1964; veja também a tradução de Alfredo dc Carvalho. “O Zoobliblion
foi traduzido e publicado pelo mesmo historiador. Frans Leonard Schalkwijk. “Tapuias de Zacharias Wagner”. RIAP, X6181-95, 1903. Sobre a imagem do índio no Brasil
K j : Holandês, veja o livro de P. J. P. Whitehead & M. Boeseman. Um retrato do Brasil
no Rio Grande do Norte no tempo dos flamengos. R1AR LVH1:3OS-2O,1993.
K>t, Holandês do s&ulo XVH, animais, plantas egpitepelos artistas deJohan Maurits deNassau.
107 A expressão “País dos Tapuias” é de Rouloux Baro, que viajou ao Rio Grande do
Norte para entender-se com tribos de índios janduís (tarairiús). Para ele, no en­ Rio de Janeiro, 1989; o texto de E. van den Boogaart. “The Slow Progress ofColonial
tanto, o “País dos Tapuias” quer significar a específica região onde “reina” o che­ Civility Indians in the Pictorial record of Dutch Brazil, 1637-1644”. In: La imagen del
fe Janduí. Rouloux Baro. Relação da viagem ao país dos tapuias (1647). Belo Hori- indioen la Europa Moderna. Sevilla, 1990, p. 389-403; e o de R. Joppien. “The Dutch
zonte/São Paulo, 1979. Este relato foi publicado originalmente em uma tradução Mg Vision of Brazil: Johan Maurits and His Artists”. In: E. van den Booggan (ed.). A
de Pierre Moreau na coletânea Ràations veritables et curiettses ele Plsle de Madagas- H Ã
m Humanist Prince in Europe and Brasil The Hague, 1979, p. 297-376. Sobre a repre-
^■xâentação dos índios pelos colonizadores, veja o recente estudo de Ronald Raminclli.
car et du Brfsil. Paris, 1651, p. 195-246. Janduí, ou Nhanduí, queria dizer ema
pequena (de nhandu • cm). O Conselho do Brasil Holandês entendia o Janduí da colonizado: a representação do índio de Caminha a Vieira. São Paulo, 1996.
J. A. Gonsalves de Mello Neto. Tempo dosflamengos. Recife, 1947, p.204.
como uma espécie de rei soberano, com o qual estabeleceu diversos contatos e
alianças militares, tendo muito auxiliado aos batavas. Joan Nieuhof. Memorávelvia-
86 O PAÍS DOS TAPUIAS
O PAÍS DOS TAPui^s 87
Assim como para os cariris, no decorrer dos cem anos seguintes em holandeses, os tarairiús se viram como que desamparados após a ex­
que estiveram em guerras com as diversas nações tarairiús, ou as missio­ pulsão daqueles em 1654. É verdade que o termo de capitulação in­
nando, até a seu quase completo extermínio, os portugueses deixaram corporava uma cláusula de anistia para os índios que tivessem ficado
raríssimas descrições. 1,1 Todas elas feitas de maneira muito mais do lado holandês; contudo, a fama de irredentos e a relativa autono­
argumentativa do que expositiva, no contexto de “demonização” de mia que conseguiram manter, muito em razão da capacidade com que
um tapuia genérico e objetivando reabilitar a guerra justa. No “Me­ incorporaram a tecnologia militar do invasor (armas de fogo ou mesmo
morial de Certas Notícias e Lembranças” de 1703, Pedro Carrilho de estratégias), transformariam os tarairiús nos protagonistas principais
Andrade descreve genericamente os tapuias “janduís, ariús, paiacus, das guerras dos bárbaros.
caretiús e icós e outros anexos nas partes do Brasil, capitanias de Per­
nambuco, Rio Grande, Ribeiras do Açu e Jaguaribe”. Também o fez o
autor anónimo do papel de 1691, para quem se tratava de uma “gente
bárbara, de corso e tragadora de carne humana, amiga de guerras e
traições”.1,2 Com efeito, como haviam sido aliados incondicionais dos

1.1 “Quase completo extermínio”, porque vemos hoje ressurgirem os descendentes dos
tarairiús. Os quase seis mil xucurus que vivem hoje no município de Pesqueira, esta­
do de Pernambuco, a 220 quilómetros de Recife, fotam reconhecidos como legítimos
herdeiros das terras pelo presidente Itamar Franco em março de 1992. Estes índios
têm como seu ancestral João Femandes Canindé, “Rei dos Xucuru”, que teria orga­
nizado a resistência indígena contra os colonizadores portugueses no Nordeste no
século XVII. A Igreja no Brasil aberta ao mundo, 236:22, janeiro de 1996. Com efeito,
os xucurus (ou jucurus), eram tarairiús que haviam sido aldeados, pelos oratorianos,
principalmente na aldeia de Ararobá, que levava o nome do principal desses índios.
Primeiro dos xucurus a se batizar, este Ararobá de fato passou a chamar-se João
Fernandos Vieira, em homenagem ao restaurador dc Pernambuco que lhe havia dado
algumas ferramentas. Canindé, por sua vez, como se verá no Capítulo 4, era o princi­
pal dos chamados janduís, que haviam sido governados no tempo dos holandeses
pelo “rei Janduí” e havia realmente feito guerra contra os portugueses por longos
anos. Em 1692, porém. Canindé acabaria por se render e firmar um tratado de paz,
indo morrer com os seus em um aldeamento jesuíta, Guaraíras, futura vila de Arez.
Estes janduís eram por isso chamados por vezes de canindés. Contudo, não acredito
que os modernos xucurus estão de todo enganados em reverenciá-lo como grande
líder. Da mesma maneira, deveriam fazê-lo os jenipapo-canindés e os paicus do Cea­
rá, outros grupos emergentes, que se reivindicam descendentes dos tarairiús. Até
onde sei, a melhor etnografia dos xucurus ainda é a de W. D. Hohenthal. “Notes on
the Shucurú Indians of Serra de Ararobá, Pernambuco, Brazil”. RMP, &93-164,1954.
Sobre as identidades emergentes no Nordesce, veja o artigo de João Pacheco de Oli­
veira. “Fronteiras étnicas e identidades emergentes”. Tempo e Presença. São Paulo,
270:31-4,1993.
1.2 Memorial de certas notícias e lembranças, Pedro Carrilho de Andrade, Olinda, c.
1703, AHU, Pernambuco, caixa 16; Sobre os tapuias que os paulistas aprisionaram na
guerra e mandaram vender aos moradores do Porto do Mar, e sobre as razões que há
para se fazer a guerra aos ditos tapuias (1691). Ajuda, 54 XIII16, fl. 162. Uma síntese
etno-histórica dos tarairiús foi feita por Olavo de Medeiros Filho. “Os tarairiús, ex­
tintos tapuias do Nordeste”. R1HGB, 358:37-72, 1988.
3
GUERRAS NO RECÔNCAVO

Despe tpie foi criado cm 1548, para coordenar os esforços de


colonização portuguesa na America, o governo-geral aliou sua força po­
lítica ao seu poder militar estratégico.1 O regimento passado a Tomé
dc Sousa, em 17 de dezembro de 1548, previa a construção de uma
cidade para a sede deste novo pólo político-administrativo. A Bahia dc
Todos os Santos, donataria do falecido Francisco Pereira Coutinho, fora
comprada de seus herdeiros para este fim. Neste primeiro momento, a
criação de um governo do Brasil não pretendia, como normalmcntc sc
imagina, a reunião dos esforços dispersos em razão da criação do siste­
ma de capitanias hereditárias (as donatarias), tendo em vista a sua reu­
nião sob uma mesma orientação. Ambos os sistemas coexistiram até o
século XVIII, quando a última capitania foi revertida para o património
régio e a administração dos espaços imperiais passaria por uma série de
alterações. Seu papel fundamental foi o dc instituir c coordenar um
“pequeno comércio político-administrativo” com as vilas recentemen­
te criadas. Na verdade, o governo-geral, vinha “sujeitar vilas e seus ter­
mos a uma única orientação”.'’ •

O govcrno-gcral do Estado do Brasil foi criado pelo regimento passado a Tome dc


Sousa, cm 17 dc dezembro dc 1548. Na ocasião foram nomeados também um ouvidor-
geral, Pêro Borges, um provedor-mor, Antônio Cardoso dc Barros c um alcaide-mor,
Diogo Moniz Barreto.
Segundo Edmundo Zcnha, “c com estas vilas que sc estabelece o pequeno comercio
político-administrativo que a situação permitia. Circulação fraca, prejudicada por inú­
meras dificuldades, tendo como pontos dc referência as vilas cm si c não as capitanias
que, praticamcntc, tiveram existência mais ou menos teórica. Essas vilas municipais
formam o todo brasileiro colonial c por elas gira a força estatal que a metrópole des­
viava para cá”. 0 nninidpio no Hr/isil. 1532-1700. São Paulo, 1948, p. 26-7.
K')
1
90 «UERHAS NO RECÔNCAVO GIJERRAS NO RECÔNCAVO 91
A construção dc uma cidade na entrada da baía c a ocupação c povoa­ cidade”, passaram a dar saltos em outra parte do norte do Recôncavo e
mento do seu recôncavo, deram-se não sem conflitos com os primitivos campos vizinhos das serras que chamavam de Itapororocas. Em face
habitantes. No final do ano de 1555, uma rebelião dos tupinambás da dos ataques c matanças, os moradores locais, por não poderem mais lhes
ribeira do Paraguaçu foi prontamente reprimida por d. Álvaro da Costa, resistir, abandonaram as fazendas, que assim ficaram muitos anos des­
filho do governador-geral. A região, situada ao noroeste do grande la­ povoadas. Em 1627, a situação era dc tal gravidade que se reuniram em
gamar que é a baía de 'Iodos os Santos, era dc terras férteis c traçada junta o governador-geral, Antônio 'leles da Silva, c as principais autori­
por uma rede de outros rios e lagamares o que facilitava vivamente o dades do Estado do Brasil para tirar uma solução para o levantamento
transporte para o porto do mar, isto c, Salvador. O rio Paraguaçu, antes dos indígenas nos limites da cidade, em Jaguaripe c Paraguaçu. Coadu­
da cachoeira, era um território partieularmente cobiçado. Seus habitan­ nados com alguns negros, os índios haviam atacado alguns engenhos
tes originais, contudo, obstinar-se-iam cm resistir aos avanços da colo­ nestas freguesias c os currais dc gado dos campos do Aporá, causando
nização, atacando novamente os moradores c suas fazendas nos anos grande dano aos moradores c às fazendas. Despovoava-se, assim, a re-
de 1558 e 1559. O então governador da Bahia, Mcm de Sá, resolveu ' gião, o que afetava os planos de colonização e a produção de manti-
enviar uma grande expedição punitiva, composta dc 300 portugueses i mentos para a cidade c para as tropas. A junta, que sc reunia seguindo a
e cerca de 4.000 índios aliados, retirados dos aldeamentos jesuíticos do | resolução da lei de 1611, resolveu declarar guerra aos tapuias, eonsi-
litoral. Em setembro, os tupinambás do Paraguaçu foram derrotados c, I derando-a justa. No entanto, de acordo com Taunay, os resultados da
no loca), foi criada uma vila, sob invocação dc Nossa Senhora da Vitó­ [ reunião foram pouco práticos c por muitos anos aos moradores conti-
ria, também chamada de “Cachoeira”. Esta vila será importante entre­ í nuou cabendo o ônus de viver na fronteira. Dc fato, nos anos seguin-
posto comercial do Recôncavo Baiano ao mesmo tempo que servirá, f tes, as guerras holandesas ocupariam toda a iniciativa do governo-geral.
ate o século XX, como principal “porta” daqueles sertões. A navega­ Segundo Alexandre de Sousa Freire — que foi governador entre 1667-
ção, que era possível até o povoado situado nos pés de uma importante 1671 e historiou esses acontecimentos — naquele momento nada po­
queda-d’água, dava lugar aos caminhos terrestres. O viajante poderia, dia scr feito, “pela diversão das guerras de Pernambuco e mais capita­
então, acompanhar o curso do Jacuípc, mais ao norte, ou o próprio Para­
s guaçu, para depois seguir as veredas pelo sertão dc dentro.5
Se as terras mais próximas do lagamar eram ocupadas preferencial­
nias do Norte, cujos moradores tomaram as armas contra os holande­
ses”. Pela mesma razão, não as moveu contra o gentio bárbaro o conde
Vilapouca de Aguiar, que sucedeu Teles da Silva?
mente pelas plantações de cana c pelos engenhos dc açúcar, o interior
imediato do Recôncavo servirá sobretudo à criação de gado. Desde as J’ f Jornadas do sertão, 1651-1656
primeiras décadas do século XVII, os “índios bravos” do sertão (isto é,
tapuias) resistiam ao avanço da fronteira pastoril, causando problemas Em maio dc 1651, os ataques dos tapuias que desciam de suas al-
aos moradores das freguesias do Recôncavo Baiano, atacando vilas, en­ :?•;■?. deias, provavelmente situadas ao longo do rio dc Mauraú (Contas), “opri-
genhos, fazendas e criações. No ano de 1612, os “índios bravos” inva­ ‘ " miam" os moradores das freguesias do sul do Recôncavo e de Ilhéus.
I
diram o engenho e o distrito de Capancma, na freguesia de Paraguaçu. Nesse momento, a situação da guerra em Pernambuco permitia que o
,[■

5
Em 1621, mataram alguns “moradores e guardadores do gado” nos cam­ r^Tgovernador-geral, o conde dc Castelo Melhor, tomasse providências no
pos dc Aporá, na margem sul do Paraguaçu, a dezoito léguas da cidade, f ‘sentido de organizar uma expedição punitiva. O sargento-mor Diogo
“não deixando coisa viva”, o que fez aqueles sertões ficarem “por mui­ ^r^jde Oliveira Serpa foi nomeado cabo de uma “jornada do sertão” que
tos anos despovoados”. E não tendo já aí em que executar a sua “fero- 1. s|03deveria partir cm agosto, “por respeito das águas”, isto é, aproveitando
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II ‘
— -’ " ■ 1 ’ 1 - ---- ■■ —— — . . ■ —- — _ .
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Veja também Raynuindo Faoro. Os danos do poder:formapão do patronato político brast- ’’*i’' teáMt £°----- “ • Jc
posta dc Alex:,ndrc ■ Sousa
■ Freire tomada
feiro. Porto Alegre, 1976 (1958), p.144-5. •. J ........... -------- .......... . ivuv uiimuj cm assentono
emassento dia4/3/1669.
dia
nohistóricas
4/3/1669. Dll.3:
/J//, 3-,
205-16; ou in: Inácio Aceioli dc Ccrqueira c Silva. Memórias t políticas da
■' Cf. Francisco Adolfo de Varnhagen. História gpraldo llrasil. São Paulo, 1975, tomol, ' Pnvínàada fíahia. Salvador, (940,
pnvínàada llahia. 1940, vol. 2, p. 30-3. Veja também Affonso dc li. Taunay.
p. 299-313; c Jorge Couto. A constnifão do llrasil: ameríndios, portugueses e africanos, do, ‘.História gera! das bandeiras paulistas. São Paulo, 1950, vo).4, p. .316-8; e "Documento
início do povoamento afinais de Quinhentos. Lisboa, 1998, p. 262-8. s-sitl '*-docAa;~- :...... <-•
do códice •Livro ........ ■......do
Segundo 'Jovcrno do Brasil do Museu Paulista”. AMl\ .?:128.
■ Gi

■V
92 GUERRAS NO RECÔNCAVO
a estação boa dc chuvas. Mas, uma vez que as guerras no Norte contra no ltEcÔNCAVo 93
os holandeses ocupavam sobremaneira as forças regulares do Estado —
vale dizer, os dois terços de Salvador — uma série de medidas foi toma­
da visando aumentar o contingente desta jornada. Serpa recebeu or­
dem de incorporar à bandeira um certo Luís da Silva, que seria dc “muito
préstimo para este intento com os índios do Tapocurúmiry” (Itapecuru-
mirim). O governador sugeria ainda que o sargento-mor procurasse por
Garcia d’Ávila, pois passando pela sua Torre este poderia lhe “dar gen­
te” mediante a apresentação de uma carta. Da mesma maneira, per-
doaram-sc por meio de um bando todos os desertores da praça da Bahia
e do exército de Pernambuco, para engrossar a gente dc guerra. De
acordo com o plano traçado, a jornada deveria partir em direção a
Camamu, onde Serpa falaria com os principais das aldeias dos aimorés,
que estavam em guerra contra os tapuias. Em Boipeba, deveria recru­
tar um sertanista, Francisco Fernandes Preto, que j:í havia estado em
São Paulo muitas vezes e era “um grande língua”.5 Não temos mais
notícias dos sucessos desta entrada.
Em setembro de 1651, o governador-geral resolveu nomear Gaspar
Rodrigues Adorno como “capitão-mor dc toda a gente que ora mando
ao sertão”. Seu irmão, Agostinho Pereira, deveria ir junto como cabo e
portava a primeira via de sucessão, isto c, deveria substituí-lo cm qual­
quer circunstância. Alem disso, iam também o ajudante Manuel da Costa
e uma "marcha de 40 estrangeiros”, dividida cm duas tropas sob o co­
mando dos cabos João Pedi e João Jorge.6 Um ano depois, a situação
continuava grave, sendo que os próprios moradores de Jaguaripe tive­
ram dc enfrentar “a tulha do gentio”; alguns deles, com medo dos ín­
dios, “já dizem que querem largar a terra”. Adorno não se prontificava 0 Mapa 2. O Recôncavo Baiano c o sertão de l
ainda a pôr cm efeito a jornada, o que causava embaraços ao governo- :B rtJ0 dc dentro, século xvn.
geral.7 R

' Carta do conde de Castel Melhor para Diogo dc Oliveira Serpa, 22/5/1651. DH, 3: -i í
107-8. Há uma carta de recomendação ao senhor dc engenho Filipe dc Moura dc J-1
Albuquerque, 22/5/1651. DH, 5:110. Em carta de 12 dc junho ao governador da capi- í
tania dc Ilhéus, Antônio dc Couros Carneiro, o conde esclarecia que desejava o sos- 2 s
sego dos moradores pois não era “pequeno o que lhe fazem cm mandar farinhas". $
Conta que ordenou ao capitão Francisco da Rocha Fragoso que para lá se dirigisse JF.
com a sua companhia, para a qual Carneiro deveria garantir o sustento com farinha e
peixe, por parte dos moradores ofendidos pelo gentio. Carta do conde para o capitão- ’•!o
mor dc Ilhéus, 12/6/1651. DH, 5:112-3. -.jP
'■ Carta patente do cargo dc capitão-mor dc toda a gente que vai à jornada do sertão, na. < Jp
pessoa dc Gaspar Rodrigues Adorno, 4/9/1654, c carta patente dc Manuel Soares ‘ 1 jr

Robles, 15/9/1651. DH, 5/-.96-101 c 105-6.


’ Carta do conde dc Castel Melhor para a câmara da Bahia, 2/9/1652. DH, 5:185. .'ijpC
94 GUERRAS NO RECÔNCAVO cueuras NO RECÔNCAVO 95
Em 14 de setembro de 1654, o novo governador, Jerônimo dc Ataíde, aldeias do rio Itapecuru (Itapccurumirim), com quem tinha “particular
o conde de Arouguia, remetia nova lista das gentes e despesa necessá­ comunicação”, no sentido de convencê-los a acompanhar a gente que
ria para a jornada do sertão, que Adorno, segundo o documento, não se enviava em uma entrada contra os tapuias. Deveriam então fazer bas­
atrevia a empreender por sentir-se fraco, e neste caso animara-se o gen­ tante frecharia c dirigir-se a Salvador, onde lhes mandaria “contentar
tio, que descia com menos temor, c continuavam as hostilidades. ” Como de maneira que voltem com a melhor vontade” para a guerra. Na mes­
resultado de uma petição feita pelos moradores de Paraguaçu e Jagua­ ma ocasião, alertou aos capitães das aldeias de Jaguaripe e Maragojipc
ripe, “em que pediam se fizesse entrada ao gentio que por tantas vezes que tivessem prontos, “para a jornada que mando fazer brevemente ao
os havia assaltado matando gente considerável e impedindo a lavoura”, sertão”, todos os índios que nessas aldeias fossem capazes de marchar.u
reuniu-se, no dia 16 de outubro dc 1654, uma junta na câmara da Bahia, Em novembro de 1654, o governador-geral ordenou o retorno ime­
com a presença do governador-geral, dos edis e demais cidadãos. Esta diato do sargento-mor a Salvador. Certamente por conta das notícias da
junta concordou em que se devia por fim fazer a jornada por “ser con­ paz dos holandeses com os ingleses fazia-se necessária uma série de
veniente ao serviço dc Deus c de Sua Majestade e sua real Fazenda”.9* medidas preventivas, em razão de um ataque que se podia esperar dos
Acertou-se, então, o lançamento de uma finta para cobrir os custos da inimigos recentemente expulsos de Pernambuco.
'
* Isso atrasaria os pre­
expedição orçada em l:600$000 réis.1" Do seu lado, o conde de Arouguia parativos da jornada, mas não por muito tempo. Em 6 de dezembro,
incumbiu-se de tomar as medidas necessárias para garantir a reunião tendo os tapuias atacado novamente as fazendas e engenhos de Jagua­
do contingente necessário. O sargento-mor da Bahia, Pedro Gomes, de­ ripe, o conde pedia ao capitão Gaspar Rodrigues Adorno que viesse ra­
veria fornecer 600 índios, 50 infantes e 230 soldados da ordenança a pidamente à cidade para ultimara reunião da gente da infantaria c da
Gaspar Rodrigues Adorno. Os soldados deveriam ser recrutados nas com­ ordenança.1'’ Formaram-se cinco companhias para a nova jornada, e seu
panhias das freguesias do Recôncavo, principalmente entre os brancos V irmão, Agostinho Pereira, ia agora como sargento-mor." Segundo o re­
desobrigados e os mamelucos. Por sua vez, os capitães de cada fregue­ gimento da jornada, deveriam todos partir da Cachoeira (no Paraguaçu),
sia deveriam dar “a cada soldado uma espingarda c uma rodela [escu- íj-j onde se reuniriam, c avançar pelo sertão cm busca das aldeias dos tapuias
doj tomando-as para isso a quaisquer pessoas que nos seus districos as . rebeldes, fazendo as pazes com os «jue concordassem em se submeter
tiverem, das quais lhe dará recibo para por ele se lhes tornarem a resti- ;; ’ arrasando aos inimigos renitentes.”*
tuir acabada a jornada, c perdendo-se nela se lhe pagar”. O governador x á ’ Infelizmente, acabam aqui as notícias desta jornada. Tal como a de
lançou também um bando convocando os homiziados a participar." Os \ .AÍ1Í551, não sabemos suas consequências c resultados. Não obstante, ao
índios aldeados deveriam completar a tropa, uma vez que o fim desta ’
ação não era “só evitar os moradores do Recôncavo a opressão que pa-, '■'Carta do conde de Atouguia para o capitão da aldeia de Jaguari|>c, 1.710/1654. DH,
decem, mas reduzir aquele gentio ao conhecimento de nossa fé católi­ *3:217-8.
ca”. Foi solicitado que Garcia d’Avila tirasse da Torre — isto é, de suas 'íCarta a Pedro Gomes, 18/11/1654. DH, 3:237; cana do conde de Atouguia para Antô-
terras — uma quantidade de índios e mestiços, armados dc frecharia e Ihio dc Couros Carneiro, 18/11/1654. DH, 3:242-3: c DH, 4:36-7.
íjCarta a Gaspar Rodrigues Adorno, 6/12/1654. DH, 3:246-8. O capitão esteve, na ves-
“prontos para todas as horas”.12*O superior da aldeia do Camamu devç-A
ifipera do Natal, perante os oficiais da câmara da Bahia, quando o tesoureiro, Pedro
ria estar prevenido em fornecer 40 índios dos melhores, armados de^ gOMarinho Lobo, lhe entregou "os gêneros dc resgate para dar ao gentio levantado
frecharia e comandados por um cabo eleito pelo padre.u Alem disso, Q' ãndo para paz segura reduzir a nossa amizade que são 200 machados, 200 foices,
conde ordenou a Luís da Silva que conversasse com os principais da| 300 facas, 5 milheiros dc anzóis, 6 caixas de pentes, 6 maços de velório, 200 varas de
^^ffiíb de linho, 20 facões, 20 vestidos que tudo monta conforme seu custo dc 214$920
. Rodrigues se comprometeu, então, a em havendo guerra devolver os gêneros c
Carta do conde de Arouguia para a câmara da Bahia, 14/9/(654. DH, .7:223-4. * *alta o seu valor. ACS, 3:279-80.
R
«/ ACS. 3:27 (-3. rta patente dc Agostinho Pereira, 23/12/1654. DH, 3/: 153-4. Segundo a “sucessão
tlevou o capitão-mor Gaspar Roiz Adorno na jornada do Sertão”, as companhias
M» lbidcm.
Carta do conde de Atouguia para 1’cdro Gomes, 1654. DH, 3:225-7. chefiadas pelo capitão Francisco, “seu cunhado”, capitão Manuel Roiz Soares, capi-
II
Carta do conde de Atouguia para Garcia d’Ávila, 19/10/1654. DH, 3:228. tçxandrc Dias c capitão Bartolomeu (Jato. Carta régia 24/12/1654. DH, 4:42-3.
u Carta do conde de Atouguia para o superior da aldeia de Catuainu, 16/10/1654.^
15 "Çnto que levou o capitão-mor Gaspar Rodrigues Adorno na jornada do sertão,
Í654. DH, -7:37-42.
5:228-9.
96 QUEBRAS NO RECÔNCAVO GUERRAS NO RECÔNCAVO 97
final dc dois anos, outra expedição, organizada segundo os mesmos surreição incontrolável. A evolução das formas dc enfrentarriento des­
moldes, foi aprestada para fazer face aos tapuias rebelados do Recôncavo. tes inimigos passaria, então, por uma avaliação dos erros estratégicos
Desta vez o comando estava nas mãos do capitão-mor Tomé Dias Lassos, em que incorreram as tropas e, dado que se tratava basicamente dc sol­
que fora capitão da ordenança no Recôncavo nos tempos das guerras dados da ordenança c dc infantaria dos terços dc Salvador, pela percep-
com os holandeses. O regimento de sua jornada era idêntico ao de seu ção da necessidade dc uma mudança na sua natureza. Como vimos no
antecessor, e com ele deveriam ir quatro companhias de infantaria, numa capítulo anterior, esta viria acompanhada de uma guinada da política
delas Agostinho Pereira.19 Em 18 de outubro de 1656, el-rei determi­ relativa aos tapuias, tidos como bárbaros. Nada suavemente, o destino
{
nou que Pedro Gomes se encarregasse de tudo que tocasse a infantaria f das civilizações indígenas do interior da América, cada vez mais portu­
e mais gente que fosse na jornada do sertão, dando ao capitão-mor Lassos guesa, escapava dc suas próprias mãos.
todos os carros e cavalgaduras necessários para a condução dos manti­ i
1,
mentos, que foram conseguidos junto à câmara da cidade.211 Apesar de f A Guerra do Orobó, 1657-1659
tantos preparativos, Lassos conseguiu apenas fazer as pazes “com qua­ T
tro aldeias”, cujos principais prometeram que brevemente desceriam Mestre-de-campo-general nomeado para a guerra contra os holande­
*5
£
ses, Francisco Barreto dc Meneses havia tido papel decisivo no coman­
para mais perto das povoações dos moradores.21 E
Segundo a avaliação do governador Alexandre de Sousa Freire, a to­ do das forças dos restauradores, sendo, portanto, um experiente mili­
das estas expedições “uma e outra coisa faltaram; porque nem desce­ tar. Como já foi dito, o termo dc capitulação do holandeses, firmado em
ram [os índios], nem deixaram de repetir todos os anos, uma e muitas 1654, incorporava uma cláusula de anistia para os índios que “tivessem
vezes, os seus assaltos e latrocínios”.22 Apesar de seu fracasso, estas três sido rebeldes à Coroa de Portugal”, isto é, ficado do lado holandês. Os
jornadas — a de Diogo de Oliveira Serpa (1651), as tentativas do capi­ “tapuias de que é regedor João Duim” (Janduí) haviam sido perdoados
tão Adorno (1651-54) e a expedição de Tomé Dias Lassos (1656) — pelo mestre-de-campo em 4 dc maio de 1654, perdão esse ratificado
devem scr compreendidas como parte de um esforço do governo-geral | em 9 de setembro.______ Contudo, os conflitos
......wiiaiu, oc maneentre esses índios c os mora-
de formalização dos mecanismos de repressão e c controle das nações J--------do
dores 1 " "____ .2 continuaram, dc maneira que Barreto, feito go-
Rio Grande
tapuias, que entravam cm contato com a fronteira da economia colonial 'T vernador de Pernambuco logo após a cxpulsãt
jco logo após a expulsão dos holandeses, os havia
e acalhavam seu desenvolvimento. O malogro, naquele momento, não & mandado
mandado castigar.mwí»« O n sargento-mor r Antônio Dias Cardoso foi instruído a
significava que estes “capitães da gente enviada ao sertão” não tenham íH . marchar
marchar com infantaria para
com aa infamaria atacar os “rebelados”, “degolando a todos
para atacar
!; ■ ...... r--------- '
continuado em atividade no sertão. Ao contrário, como veremos, parti- J que forem de oito anos para cima, aprisionando as mulheres e crias”.21
auw, " nOsque?| Em 1657, Barreto foi nomeado governador-geral do Brasil c logo teve
ciparam ativamente dos sucessos das guerras dos
< bárbaros nos a
------- . je enfrencar 0 problema dos ataques dos tapuias ao Recôncavo, que
r sc seguiram. Do ponto dc vista da administração colonial, novas pers-'|
pectivas, contudo, urgiam para que os colonos pudessem fazer face a]j í continuavam a ocorrer, notadamente, nas freguesias dc Paraguaçu, Ja-
I! um movimento de resistência que se tornava, pouco a pouco, uma in-JLguaripe -_______e_ ------- ---- <-<•«_ ..... Ju .M., un.^u;i a
-----------------------

%&■£
*1
___ ,
Segundo
'b uiacauos todas
sua opinião,
s e morcos rrinm
e mortos trinta moradores
as tentativas naquelas freguesias.
de seus antecessores
& sua chegada à
2'
de fazer
Patente dc 'lomé Dias Lassos, 8/10/1656. DH,31:V)\-2 c 193. Regimento que Icvob^ “diferentes entradas no sertão com bastante golpe dc infantaria c ín-
I? o capit3o-mor na jornada do sertão, 9/10/1656. DH, 5:245-50. Seu regimento é iguO > .diòs domésticos e confederados para castigar a insolência com qtte os
ao do Gaspar Adotno, mas sem as referências a Luís da Silva. A “sucessão que í
fe;. bõrbaros costumam descer ao Recôncavo, nunca até hoje puderam ter
o capitão-mor Tomé Dias Lassos na jornada que vai ao sertão” ordenava quccmcasflíf
falecesse o capitão-mor não houvesse precedência alguma, c sim que todos juntot|
tomassem as decisões, 18/10/1656. DU, 5:250-1. is
DH, 5:252. S A. Gonsalvcs dc Mello. “Brito Frcyre, sua história c Pernambuco”. In: Francisco
20 Como fiança desta paz, trouxe consigo uma "uma rapariga, que lhe deram, nor fMS®KÍF>Áde Br’to Frcyre. Nova Lusitânia: História da guerra brasílica escrita por. . . (1675). Ra­
por fiHJW
lhe j.táfríSE&T ^977, s.p.; carta do conde dc Atouguia para o mestrc-dc-campo-gcncral Francis-
21 dc um principal”. Representação dos moradores das freguesias, 10/5/1657.
Proposta de Alexandre dc Sousa Freire tomada em assento no dia 4/3/1669. DtlL Barreto, 20/3/1655. DH, 3:265.
..jjibígís^rta dc Francisco Barreto ao rei, 1658. DH, 4:35(>-7.

3:205-16.
98 GUERRAS NO RECÔNCAVO G U K R R AS NO K ECÔNCAVO 99
efeito; porque foi sempre neles a sua maior resistência a ligeireza, e nos
sc assumida pelo povo da cidade, já que se tratava também do seu sos­
nossos o maior impedimento a ignorância da campanha, e o pouco uso sego.28 Prometia aos moradores enviar a infantaria aos sertões, parã o
daquela guerra”,25 Sua prática nas guerras do sertão lhe permitia julgar
que havia encarregado Pedro Gomes, promovido a sargento-mor do
os motivos do sucesso deste “novo modo dc guerra do gentio”:
mestre-dc-canipo-general,2’’ juncamente com o capitão Gaspar Rodrigues
Adorno. Ambos deveriam abrir uma estrada de carros, ao longo da qual
“'Iodas as vezes que fez entrada ao sertão sc não logrou por não estariam as casas-fortes com plantações dc mantimentos. Estimava-se a
achar a infantaria mantimentos, chegar cansada, não saber a campa­ necessidade de cerca de 30 ou 40 carros, para conduzir pelo menos 800
nha, não ter fortificação cm que se fazer para sua segurança c descan­
rações aos 300 infantes c 200 índios da expedição. Desse modo, inicial­
sar do caminho para melhor pelejam ter permanência na hostilidade
mente deveriam marchar 80 infantes para garantir a segurança dos que
que ia a fazer e que (com] este defeito apenas chegavam as nossas fossem erguer as casas-fortes e abrir os caminhos.'" A estrada deveria
tropas à vista do inimigo, quando ou por falta dc mantimentos ou i
partir da Cachoeira c seguir até a “borda da mata da serra do Orobó”,
receoso com a distância da retirada, ou realmentc por cansados e fal­
onde seria erguida a primeira casa-forte. O regimento passado para a
tas de governo se voltavam logo dando novo ânimo aos bárbaros”.2**’
expedição é claro cm recomendar que a estrada fosse feita segundo “os
caminhos dos gentios”, isto é, em “partes donde se achem águas, c pas­
Como o abastecimento das expedições ao sertão do Recôncavo era
tos para os bois: mas nem no caso que ache uma tão estéril que os não
tido como o ponto fraco dos esforços de guerra, a estratégia dc Barreto
tenha, deixe por isso de continuar a estrada, e a vai abrindo até a mata
foi enviar a infantaria para abrir um caminho, onde seriam construídas
do Orobó, na forma que o terreno permitir”. Além de definir o caminho
casas-fortes e estabelecida uma “muralha” de aldeias amigas. Mais do
para futuras expedições, Adorno e Gomes deveriam cuidar dc deixar
que isso, porém, tencionava oferecer assim uma infra-estrutura para que í assinalada a estrada, pondo “balizas em distância, que sc enxerguem
tropas “contratadas” de sertanisras experimentados se aprofundassem
de umas as outras: advertindo que a qualidade do pau seja a mais
no território e destruíssem toda resistência indígena, matando e cati­
incomestível que se achar, para que tenha duração”."
vando os rebeldes. As tribos de tapuias habitantes da serra do Orobó
Segundo uma representação dos mesmos moradores, as aldeias que
foram então identificadas como os agressores das fazendas c moradores
Lassos havia conseguido trazer para o sul continuavam rebeldes, o que
das partes do rio Paraguaçu, dos chamados Campos da Cachoeira, do
poderia prejudicar os avanços para o sertão.’2 A solução proposta por
rio Jacuípe, Campo Grande c Inhambupe, além dos que ficavam na Barreto foi ordenar, por um regimento de 21 de dezembro dc 1657, que
parte sul do Paraguaçu, isto é, as freguesias de Maragojipc e Jaguaripe.27
r
Objetivando chegar com as tropas até estes tapuias, em setembro de
1657, Barreto mandou que fossem feitas “casas-fortes nas paragens mais a
Cana dc Francisco Barreto acerca das casas fortes que se hão dc fazer no sertão, 10/9/
convenientes do sertão (do Paraguaçu], com infantaria bastante (para] 1657. DH, 86A39.
conservar as aldeias amigas, reduzir ou desbaratar as contrárias e segu­ Cana de Francisco Barreto para a câmara da Bahia, 15/9/1657. DH, 86: 143: Pedro
rar aquela campanha”. Para tanto, convinha que parte das despesas fos- Gomes havia chegado no Brasil em 1635. Participou ativamente das guerras contra os
5 holandeses, e fora sargento-mor do terço do mcstrc-dc-campo João dc Araújo (o terço
velho) c da gente da ordenança da capitania da Bahia, sendo provido, cm fevereiro de
1657, sargento-mor do mestrc-dc-cumpo-gcncra). Foi nessa condição que recebeu
Carta ao capitão-mor de São Vicente, Manuel de Sousa da Silva, 21/9/1657. ZW, 5:395. -^ sffiS
»S
Carta dc Francisco Barreto para a câmara da Bahia, 13/9/1657. D//, 86: 139-42. £ • esta missão. Cana do conde dc Atouguia ao rei, 3/2/1675. DH, 4:302. Mais tarde, cm
•b dezembro dc 1671, Pedro Gomes será feito mcstrc-dc-campo do Terço Novo. Luís
Orobó (C/da Mummata) é o nome de uma pequena árvore dc flores amarelas c fruto -j .èji ’
2? Monteiro da Costa. Na fíahia Colonial, apontamentos para história militar da cidade de
cm forma de estrela, cujas sementes contêm cafeína. Provavelmente abundante, dc-
Salvador. Salvador, 1958, p. 101.
signava a região dc serras situadas entre os rios Paraguaçu c Jacuípe. Apesar dc existir * Carta dc Francisco Barreto, 13/9/1657. DH, #0:139-42.
atualmcntc uma serra do Orobó, situada perto do município dc Rui Barbosa, o mais fg
correto c entendermos que, no século XVII, a chamada "serra do Orobó” comprccn- yj jfesí Regimento que levou o sargento-mor Pedro Gomes para abrir a estrada desde a Ga-
£ chocira ate o Orobó, 3/10/1657. DH, 4:52.
desse dc fato a região de serras que incluíam as serras de Santa Brígida (no municípiO/R
- Í0/5/1657. AC’.V, .7:346-47; c “Registro das razões que dão os moradores que ficam da
dc Jtabcraba), do Camisão (Ipuá) e dc São Francisco (serra Preta), entre outras queW MS-:
/ parte donde o gentio costuma fazer entradas", provavelmente na mesma data, 10/5/
compõem o planalto leste anterior à depressão do rio São Francisco. 1657. /163'. 7:347-5(1
100 GUERRAS NO RECÔNCAVO «IIKRUAS no recôncavo 101
o ajudante Luís Alvares fosse com os 25 soldados ate Jacobina, no alto as reses necessárias dos moradores. Na Cachoeira ficaria o capitão Bento
Itapecuru, para passar todas as aldeias de paiaiascs amigos, que eram Fernandes Casado, encarregado dc remeter mais farinha para a casa-for­
quinze, para a serra do Orobó, onde poderiam melhor se conservar c te e agenciar vaqueiros para conduzir o gado que conseguisse comprar.
“fazerem fronteira naquela parte aos bárbaros, que podem descer ao Como se vê, era necessário ir lastrcando a jornada com suprimentos,
Recôncavo”. Junto com Luís Alvares deveriam ir os principais dos sem o que a manutenção da tropa estaria completamcnte comprometida c a
paiaiascs e o crioulo Antônio, escravo do padre Antônio Pereira (outro empreitada ficaria “tão infrutuosa como haviam sido as outras”. O regi­
grande proprietário dc terras c gado), como língua e prático naquele mento ordenava que o capitão Aires inventariasse as farinhas, ferramen­
sertão. Pedro Gomes, “com muita infantaria”, estaria aguardando-os no tas e munições que houvesse na casa-forte e, recolhido o gado em um
Orobó para “destruir os tapuias seus inimigos”." Como se percebe, o curral, abatesse o necessário para os soldados levarem de moquem, com-
governador imaginava reforçar as tropas estacionadas na porta daqueles pletando-lhes a ração com “três quartas de farinha”. No comando da
sertões e firmar, com a presença desses tapuias aliados, uma “muralha” casa-forte, Aires deveria substituir o capitão Filipe Coelho pelo capitão
entre o Recôncavo e os bárbaros do alto sertão. Francisco de Brá, para que este concluísse a construção de uma aldeia
Contudo, estas expedições pareciam não surtir efeito algum. Segun­ nova que reuniria os índios das aldeias reais dc Maragojipe e Jaguaripe
do João Lopes Serra, Pedro Gomes conseguiu capturar apenas um ín­ e da aldeia de D. Clara. O objetivo era ter mão-de-obra suficiente para
dio, c toda a iniciativa servira apenas para deixar mais doentes c mortos o plantio de uma grande roça de mandioca e legumes capazes dc sus­
entre as tropas." Para tornar as coisas mais difíceis, não havia mais tra­ tentar a gente de guerra durante o inverno, quando as condições dos
ços de Luís Alvares e dos paiaiascs. Assim, no final de janeiro de 1658, caminhos impediam o envio dos mantimentos da cidade."
o governador achou melhor mandar reforços. Nomeou o capitão Bartolo- Gaspar Rodrigues Adorno estava aguardando a chegada do capitão Aires
meu Aires como cabo das quatro companhias de infantaria que apres­ para juntos partirem ao sertão, no rastro dos homens do sargento-mor
tou para desbaratar complctamcntc o “gentio bravo”. A guerra fora de­ Pedro Gomes. Como Luís Alvares c seus índios estavam sumidos, de­
clarada “total”, pois a expedição deveria perseguir os índios não só veriam fazer de tudo para localizá-los, como acender fogueiras e deixar
no Orobó, mas também no Utinga ou qualquer outra serra onde se ti­ sinais de sua passagem. O regimento de Aires sugeria que se fixasse uma
vessem retirado, c fazer-lhes guerra “desbaratando-os e degolando-os estaca no caminho, na qual sc deixaria uma carta para o ajudante c os
por todos os meios c indústrias que no ardil militar forem possíveis”. paiaiascs. Sc estes fossem encontrados, o capitão deveria esforçar-se para
Francisco Barreto se fiava no “valor e experiência” do capitão Aires, a convencê-los a não ficar na serra, dada a dificuldade dc sc enviar manti­
quem recomendava que fizesse “exceção deste rigor” apenas às “[mu­ mentos para lá. O ideal seria sc aldearem em torno da casa-forte, que
lheres] tapuias e meninos, [a] que dará a vida e [os] cativará”. E como seria fortificada com uma paliçada regular e um alojamento para 25 sol­
os tapuias tivessem o costume de esconder as mulheres e filhos longe dados. O cabo que ficasse na casa-forte tinha ordem para sc portar com
do campo das operações dc guerra, o regimento detalhava que era ne­ os índios paiaiascs “com todo o bom modo c prudência que pede a co-
cessário aprisionar um tapuia c torturá-lo (dando-lhe “tratos de clavina”) : municação de uns homens bárbaros para os ter conformes c inclinados” a
até que o local onde houvessem escondido o “mulherio” fosse revela­ pelejar “com qualquer nação que lhes fizerem guerra”.** Ao que parece,
do. Segundo o seu regimento, Aires deveria marchar ate Cachoeira, onde segundo informe de Barreto, um ano depois dessas ordens, “o mais ár-
se juntaria com os setenta tapuias aliados, que estavam sob as ordens < . duo do caminho” tinha sido vencido e estava aberta uma “estrada dc
de um certo Francisco Mulato. Com mantimentos suficientes para três : carro até a primeira casa-forte que fica feita, c dista da cachoeira 40 lé-
meses, deveriam ir até a casa-forte na ribeira do Paraguaçu, comprando : ; guas pelo sertão, e com quatro companhias dc infantaria c alguns índios
sc vai penetrando o mais interior para a parte das aldeias inimigas”.1’
A estratégia pensada pelo governador-geral previa, no entanto, um
“ Rcgimcnro dc Luís Alvares, 21/12/1657. DH, 7:58-9.
“ João Lopes Serra. “Vida o panegtiirico fúnebre a) senor AÍTonso Hirtado Castro do
Rio Mendonça. Bahia, 1676”, publicado por Stttart Schwartz. A Governar and His & 4” “ Regimento do capitão Bartolomeu Aires, 31/1/1658. /J//. 7:64-75 c 77-9.
Image hl fíaroque llrazil, thc Funeral Etdoff ofAfonso Furtado de Gastra do Rio de Ateu- íp.- Ibidcm.
dança Irt. . . Minncapolis, 1979, p. 44. "SÍ i;,3- ■ Carta dc Francisco Barreto para o capitão-mor de São Vicente, 27/2/1658. IM, 3:406.
1
102 GUERRAS NO RECÔNCAVO GUI- URAS NO RECÔNCAVO 103
outro elemento. Em setembro de 1657, alguns meses depois de ter to­ nham provado mais avantajadamente, e haja melhor opinião sua ex­
mado as medidas necessárias para garantir a permanência das tropas no periência e valor, com até duzentos índios bons soldados naquele gê­
sertão c de erguer uma “muralha de aldeias” na serra do Orobó, Fran­ nero dc guerra”. Com a promessa dc garantir a legalidade do cativeiro
cisco Barreto escrevia ao capitão-mor de São Vicente para acertar um con­ de todos os índios capturados na guerra, considerada justa pela junta,
trato com os paulistas. Julgando do “pouco uso que a infantaria aqui tem como já foi dito, o governador-geral esperava atrair os paulistas que se
de pelejar” a sua incapacidade para evitar as hostilidades dos bárbaros viam cm dificuldades depois das derrotas sofridas no Sul?9 Como numa
e conservar as aldeias amigas, Barreto entendia que “só a experiência concorrência, todas as condições, sobretudo da possibilidade de apre­
dos sertanistas desta capitania [os paulistas) poderá vencer as dificulda­ sar o gentio, foram lidas cm público c, “em lugares acostumados desta
des que os desta acham a sc destruírem totalmentc aquelas aldeias, que vila, mandaram fixar para que todos os moradores” tomassem conheci­
c o em que ultimamente consiste a confirmação das pacíficas e o sosse­ mento. No dia 17 de março dc 1658, juntaram-se, na casa onde funcio­
go do Recôncavo”. Considerando que na ocasião a briga entre as fac- nava a câmara de São Paulo, os oficiais, o capitão-mor Micro Pantoja
ções dos Pires e dos Camargos incendiava em guerra civil a vila de São Leitam e os “homens bons” “para acordarem sobre quem havia de se­
Paulo (“as armas desses moradores andam tão ocupadas em recíproca guir a jornada da Bahia”, tendo decidido por Domingos Barbosa Calheiros
ofensa de uns e outros”), não seria interessante “convertê-las contra e Bernardo Sanches Aguiar, “cada um com gente que pudesse tirar e
esses inimigos”?'** Para tanto, pedia que a câmara de São Paulo nomeas­ adquirir assim brancos como índios”.40 Calheiros era um dos mais im­
se um cabo, dois capitães c até vinte pessoas, “das que no sertão te- portantes chefes dos Camargos, e levava consigo o mais desordeiro de­
les, o capitão Fernando de Camargo, conhecido pela alcunha de “Tigre”.4'
•“ Barreto, afinal, fora quem pacificara esta “guerra civil" paulista. No final dc 1655,
inícios dc 1656, estiveram na Bahia dois procuradores dessas famílias para resolvera sertão bastante poder dc infantaria e índios nenhuma sc logrou o intento dc os
punição dos culpados das várias mortes sucedidas c sobre as eleições da câmara. Con­ castigar por falta dc pessoas inteligentes”. DH, 3:401-2. Em 13 dc outubro dc 1658,
sultada a Relação, esta decidiu pelo perdão dos culpados e conciliação nas eleições, Francisco Barreto passou outro alvará que pedia sc cumprisse “inviolavehncntc” a
(.'orno alguns haviam sido condenados à pena capital, ficava difícil a situação já que provisão passada pelo conde dc Atouguia para a pacificação das disputas entre os
eram dos principais da terra, particularmcntcos Pires. Como dizia o conde de Atouguia Pires c Camargos. DH, 5:329-30. Veja também A. E. Taunay. História seiscentista da
cm carta ao rei, “não era justo que pela porfia dc uma só mulher que era a parente Vila de São Paulo. São Paulo, 1927, partieularmente o vol. 2, p. 55 ss.
mais obstinada se perdesse uma capitania”. Assim, apesar da “natural inconstância e 17 Cana do govcrnador-gcral para Manuel dc Sousa da Silva, 21/9/1657. DH, 3:393-8.
brio daqueles homens”, o conde esperava conciliar as partes. Carta ao rei, 24/1/1656. Passou-se alvará para dar cumprimento em 13/10/1657. DH, 4:54-5. Barreto resolveu
/)//, 4:277-9. As coisas todavia não parece terem-se resolvido. Como cm São Paulo pôr em execução o assento que se fez no tempo do governador Antônio Teles da
havia um declarado novo conflito entre os Camargos c os Pires, os dois principais Silva, que resolvera por decisão de uma junta com o bispo c uns “teólogos” que os ín­
partidos da região, fazia-sc antes necessário apaziguá-los para conseguir organizar a dios pudessem scr cativados “para que por meio dc interesse houvesse quem volun­
bandeira. Carta do conde dc Atouguia para a câmara de São Paulo, 5/10/1654, c 7/12/ tariamente sc dispusesse a conquistá-los. E como os moradores de São Paulo são ho­
1655. DH, .7:221-2 e 299-301. Assim, no mesmo 21 de setembro dc 1657, responden­ mens que levados dele se expõem a perder as vidas no senão, donde continuamentc
do à carta dc 12 de julho, Francisco Barreto fora mais claro no tocante à forma de andam; ordenei ao capitão-mor daquela capitania e à câmara dc São Paulo os enviasse
conciliar as partes em disputa. Julgava melhor deixá-lo por conta do capitão-mor debaixo da palavra que lhe dei de que todos os bárbaros que aprisionassem na guerra
Manuel de Sousa da Silva que os convencesse a deixar “o castigo ou absolvição do (por no-la fazerem estes anos injusta) seriam escravos, c sc serviriam deles levando-
vigário ao recurso ordinário do administrador dessas capitanias. E tomem exemplo . r. .os a sua capitania donde os teriam debaixo daquele título até Vossa Majestade resol­
nos da dc Sergipe del-Rci (cuja influência foi a mesma) que também pela expulsão ver sc convém sc guarde o referido assento". Carta dc Francisco Barreto ao rei, 1658.
do seu vigário estão aqui presos, e com a maior parte de suas fazendas perdidas. O DH, 4356-7. Sobre o sertanismo paulista e a atividade apresadora das bandeiras no
que suposto trabalhe vosmccc reduzi-los para que não se passe da suavidade com ■j" século XVII, veja John Manuel Monteiro. Negros da terra. São Paulo, 1994, p. 57-98.
que os desejo favorecer à violência com que será preciso castigá-los". DH, 3:399. Na , * AGSfi 6 (ancxo):81 -2; Calheiros era o capirão-mor c a sucessão era do capitão Bernardo
carta dc mesma data aos oficiais da câmara da São Paulo, cujo "tribunal c cabeça do Sanches dc Aguiar, conforme carta dc Francisco Barreto, 10/9/1658. DH, 5:321-2. A
povo, e a seus acertos, ou desacertos se atribuem os do mesmo povo sempre incons- ' '' 12 dc maio, cm reunião dos oficiais com o capitão-mor, após sc fazer resenha dos
tante", Francisco Barreto prometia “usar antes com eles da benevolência com que * índios aldeados, decidiu-sc que não poderia tirar mais que sessenta deles para a dita
naturalmentc amo a todos os que procedem bem do que o rigor com que procedo expedição. ACSP, 6 (ancxo):90-l.
contra os que não fazem o que devem”, isto c, a paz e o engajamento na entrada, que > ^'••Basfliode Magalhães. Expansão geográfica do llrasil Colonial. Rio, 1935, p. 143-4; A.
sc fazia urgente pois “havendo-se mandado nos Governos passados três vezes ao -- dc E. Taunay. História gera! das bandeiras paulistas. São Paulo, 1950, vol. 4. p. 322-5.
104 GUERRAS NO RECÔNCAVO «herras no recôncavo 105
A expedição saiu de Santos no final de maio de 1658, tendo chegado rando que “cm cinco dias as veriam". Ao invés disso, os levaram “ao
à Bahia em 14 dc outubro. Dc acordo com o regimento passado a redor, por serras ínvias, e montanhas ásperas, sem jamais nunca pode­
Calheiros, o objetivo principal da jornada cra “fazer guerra às sete al­ rem chegar às ditas aldeias que buscavam”. Perdidas no serrão, as tro­
deias do gentio bárbaro |.. .J, fazendo o mesmo a todas as demais al­ pas paulistas viram seus mantimentos sc esgotarem rapidamente, de
deias que com estas sc uniram a fazer guerra; para o que lhe destruirá um lado porque iam acompanhados de sessenta paiaiases “esganados”,
todas as aldeias, matará os que lhe resistirem e aprisionará todos os que, • e de outro porque cies usavam “da indústria de aconselharem os nos-
havendo peleja, vencerem”. Estes maracassus c topins haviam sido iden­ i sos que não atraíssem caça para matar, nem cortarem pau para tirar mel,
tificados como os que “desumanamente vêm todos os anos matar os s por não serem sentidos dos tapuias epie nos faziam o mal”.
moradores de Jaguaripe e Maragojipe”. O regimento ordenava, ainda, | O fato é que os topins nunca foram achados. Segundo Sousa Freire,
que as tropas dos paulistas partissem para Cachoeira acompanhados de t “nem se podia achar, por não haver outra nação, mais que a dos
sua gente paga, dos homens da ordenança alistados c mais índios. Nes­ | paiaiascs”. Por esse artifício, “barateando, cansando c matando à fome
te povoado, agregariam os índios das aldeias do Jaguaripe e os voluntá­ I a nossa gente”, acabaram fugindo para os matos e atacaram o que res-
rios, alem dos carros que lhes seriam entregues pelo sargento-mor Pedro I tou da tropa, “depois dc consumida a acabada com as doenças, misérias
| e trabalhos da jornada”, matando vários que estavam guardando as mu­
Gomes.
Partiriam então pelo caminho dos Tocos, onde deveriam tomar em­ nições na aldeia de Tapuricc e o mesmo fizeram a outros na aldeia da
prestado quarenta escravos c quarenta cavalos em troca dos carros, que serra do Camisão.4-'
voltariam para Cachoeira. Desse pouso as tropas marchariam para as Francisco Barreto, irritado com o desastre de sua estratégia, tão mi-
Jacobinas, de onde despachariam dc volta os negros e cavalos que eram nuciosamentc articulada, resolveu enviar mais tropas em uma nova en­
apenas emprestados. Deveriam ajuntar os índios das aldeias que aí hou­ trada ao sertão, sob o comando dc 'lbmé Dias Lassos.44 Apesar de não
vesse e pedir ao feitor do padre Antônio Pereira que lhes entregasse haver indícios dc que esta entrada tenha ocorrido, vale registrar o tom
“um crioido muito prático nos caminhos e que servirá de guia até as do regimento que o governador prescreveu a Lassos, em 14 de fevcrci-
aldeias dos paiaiascs”, que cra o mesmo Antônio Crioulo que servira a ! '• to dc 1662. Constatada a traição dos paiaiases, todos os índios agora
Luís Alvares. A missão imediata de Calheiros era encontrar os paiaiases 1( deveriam ser olhados como inimigos e passíveis do mais cruel castigo e
e convencer seus chefes dc se aliarem aos portugueses. O ódio entre os extermínio. Chegando às aldeias, Lassos tinha ordem de queimá-las,
tapuias era estimulado, uma vez que sc explicava ao paulista que tives- J ; í degolar todos os homens e cativar as mtdheres c filhos, sem hesitação e
se particular cuidado com um tal Juquerique, uma vez que, por ocasião ; não se deixando enganar, pois, quando a sagacidade dos paiaiascs
*
y? í
da entrada de Luís Alvares, havia perdido vários de seus parentes, mor- s
tos pelos inimigos. Novamente, estes paiaiascs serviriam de guia junta- “• • • os obrigar a dissimular quererem paz conosco, neste caso, co-
mente com o crioulo Antônio.42 X nhecendo-sc pela informação que tirar secretamente de serem eles
Apesar de todas essas recomendações e preparativos, a primeira ex- ’ «
pedição dc paulistas contra os índios bárbaros fracassou completamen- ,í ~L
te. Porque, na verdade, como revelou alguns anos mais tarde Sousa í Proposta dc Alexandre dc Sousa Freire tomada em assento no dia 4/3/1669. DH,
Ercire, os paiaiases estavam há muitos anos enganando os portugueses, J 3:205-6. Este Antônio Crioulo, também conhecido por “Patciro” por alcunha, alem
arrogantes ao presumir a ingenuidade de seus inimigos. Na verdade,, Jj de ser “grande língua c mui obedecido dos gentios” cra jagunço do padre Antônio
Pereira c teve sua prisão decretada por uma portaria de 7 dc dezembro de 1668. Nilo
estando do lado dos rebeldes, estes tapuias teriam preparado uma ar-
pela traição das tropas paulistas cm conluio com os paiaiascs, mas porque ameaçava
madilha contra os paulistas, como provavelmente fizeram com Luís AI- . j
cqm outros criados dc Garcia d’Avila c do padre Antônio Pereira, o sargento-mor
vares. Acumpliciados com o “crioulo do padre Antônio Pereira", eles Antônio Guedes dc Brito que havia recebido sesmarias justamente na região dos
haviam prometido guiar as tropas para as aldeias dos inimigos, assegu- conflitos, entre os rios (tapicuru c Jacuípc, onde tinha oito currais com “muitos gados
'11 e escravos”. Ordem de Alexandre dc Sousa Freire, 6/12/1668. DH. 7.3W3-Z.
O capitão Francisco Dias ia por governador dos índios e tapuias mansos que forem na
J- Regimento que levou o capitão-mor'Domingos Barbosa Calheiros na Jornada do Scr-’^! jornada, segundo as ordens do capitão-mor 'Fome Dias Lassos. Ordem de Francisco
tão, 5/9/1658. DH, 5:321-7. 'í Barreto, 13/2/1662. DH. 7:77.
A
G U E R R AS NO RECÔNCAVO 107
os que descem ao Recôncavo (de que fará juridicamente uni assento dos “índios bravos”. Talvez estivesse mais ocupado com os danos cau­
pelo escrivão que leva, em que se Firmem todos os capitães e oficiais, sados peia epidemia de bexigas que grassou cm 1666, a princípio em
e mais pessoas que tiveram notícia dos ditos bárbaros) os segurará Pernambuco, depois passando para a Bahia e para o Rio de Janeiro.5"
com toda a cautela e benevolência e, se puder matar-Jhe os princi­ Mas, de fato, as coisas pareciam estar “calmas” c os tapuias não ataca­
pais e aprisionar todos com mulheres e filhos, o fará. E não podendo, vam mais com tanta frequência o Recôncavo.
degolará a todos, exceto os meninos e mulheres, que aprisionará e
trará a esta praça. O mesmo executará com os de quaisquer outras A Guerra do Aporá, 1669-1673
aldeias que com nome de amigas, entender ter notícias, ou evidên­
cias prováveis que são os que descem a fazer hostilidades”.4'' A paz relativa durou milito pouco, c logo novas expedições foram
enviadas contra os índios rebeldes do Recôncavo. Efetivando uma re­
Em 1663, Gaspar Rodrigues Adorno havia trazido à cidade de Salva­ solução de d. Pedro II (que em uma carta régia de 20 de fevereiro de
dor onze principais das aldeias da Jacobina, os únicos paiaiases que 1668 pedia que fosse achada uma solução conveniente), no dia 4 de
mostraram “alguma fidelidade”, sendo presenteados com vestidos. Em março de 1669, o então governador-geral, Alexandre de Sousa Freire,
23 de setembro, o sucessor de Barreto, Vasco Mascarenhas, o conde de apresentou uma “proposta sobre os tapuias” em uma “mesa grande”51
Óbidos, ordenava que Adorno transferisse todas as aldeias da Jacobina na Relação da Bahia e em presença do chanceler, doutor Agostinho de
que estivessem nas cabeceiras dos rios lguape, Cachoeira, Maragojipc Azevedo Monteiro, e demais desembargadores. A proposta foi aceita c
e Jaguaripe. Este parecia ser este o único remédio contra o “gentio bár­ firmada em um assento. Segundo este documento que, como vimos aci­
baro que costuma descer fazendo roubos, mortes e violências”.4'' Acom­ ma, historiava todos os conflitos do Recôncavo, já não bastavam duas
panhado de quarenta soldados brancos e cem índios, o capitão deveria companhias de infantaria, a de Lassos e de Pedro Gomes, para reprimir
convencer estes tapuias a mudar-se para mais perto das povoações. Os o gentio cada vez mais agressivo. Tendo invadido em 23 de outubro de
renitentes deveriam ser forçados a fazc-lo pelas armas, ou ainda des­ 1668 o distrito de Juquiriçá, o dito gentio “executou as mesmas cruel­
truídos.47 Estes índios, provavelmente, eram os mesmos que, em janei­ dades e roubos, matando 21 pessoas, entre brancos e negros, homens,
ro de 1665, foram assistir nas cabeceiras do Paraguaçu e Maragojipe, mulheres e crianças de tenra idade”. Poucos meses depois, atacaram os
para a defesa dos moradores.411 Um ano depois, temos notícias de que currais de João Peixoto Vicgas, sitos nas Itapororocas (na Jacobina), “don­
os ataques dos índios cessaram parcialmente no Recôncavo. O conde de queimaram quatro, mataram e feriram alguma gente. E, ultimamen-
de Óbidos diz ter mandado descer os índios do sertão para a serra do te, voltaram com grande poder às estâncias da vila do Cairu, as quais
Guairaru, “para a segurança dos moradores", c que os colonos dos dis­ investiram, e cm uma delas matara o alferes, cinco soldados c alguns
tritos de Maragojipe, Cachoeira e Aporá queriam atraí-los para mais perto moradores que com eles se puseram em defesa”.52 Um pouco depois,
de si, com promessas de gados e cavalgaduras. Encarregou, então, Ador­ os bárbaros atacaram novamente a vila de Cairu, fato que causou como­
no de, junto com o capitão Manuel da Costa, o vigário c quatro pessoas ção na Bahia. De um lado, porque q assalto se fez num dia de festa de
principais, novamente cobrar a contribuição prometida c intermediar a São Matias, 24 de fevereiro de 1670, c dc outro, porque os moradofc$
transação com estes índios.49 Ao fim e ao cabo, o conde de Óbidos não não imaginavam que os índios chegariam a invadir uma vila. Segundo
fez muito para sossegar os moradores do Recôncavo contra os ataques

* • Sebastião da Rocha Pira. História da Amérira Portuguesa (1730). São Paulo, 1976, livro
” Regimento de Tome Dias Lassos, i 4/2//1662. DH, 5:338-41. ; - 6,22, p. 170.
a A “mesa grande” era uma sessão plenária do rribunal da Relação da Bahia, presidida
* Portaria, 8/11/1663. l)H, 7:128.
■” Ordem que se passou ao capitão-mor Gaspar Rodrigues Adorno do que há de obrar i Pc>o governador-geral, para funcionar como consclheira no caso de assuntos de in>-
na ornada que vai ao sertão, 23/9/1664, /_>//, «6172-4. portãncia.
•“ Portaria para se darem vestidos e ferramentas para os índios que desceram do sertão, y*. Proposta dc Alexandre dc Sousa Ercirc tomada cm assento no dia 4/3/1669. /J//,
3:205-16; em janeiro dc 1669, os bárbaros haviam atacado as freguesias dc Jaguaripe
3/1/1665. l)H, 7:208.
*’ Ordem que levou o capitão Manuel da Cosia, 2/6/1665. /-•//, £140-1. s c Juquiriçá, fazendo mortes c roubos. Portaria, 29/1/1669. />//, 7:389.
108 GUERRAS no recôncavo GUERRAS NO RECÔNCAVO 109
Jaboatão, os tapuias deram no povoado “tocando suas cornetas e outros escreveu, então, à câmara dc São Paulo, que, no final dc maio dc 1669,
rústicos instrumentos dc guerra, como anunciando a todos uma última solenemcnrc afirmou que corresponderia ao apelo baiano. Inicialmcn-
e total assolação”. Neste entrevero morreram cerca de quinze morado­ ce, o governador convidou Vasguaçu — como era conhecido cm São
res. Para Rocha Pita haviam sido mortos apenas o capitão Manuel Bar­ Paulo o irmão de Fcrnão Pais de Barrns, Pedro Vaz dc Barros — para
bosa de Mesquita e dois de seus soldados.'’ chefiar a expedição. Sendo um dos homens mais ricos da capitania, ele
Segundo Sousa Freire, a “insolência" destes índios tornara-se “tão recusou o convite, alegando provavelmente a idade.55 Na ocasião, ou­
pública que, costumando eles a fugirem para as brenhas e matos, sc tros dois sertanistas se ofereceram para a missão: Estêvão Ribeiro Baião
deixaram estar à vista”, c passaram a atacar e roubar “várias casas, cer­ Parente e Brás Rodrigues Arzão.'6 O primeiro seria provido capitão-mor
cando c pondo fogo às que lhes resistiam”. De maneira que os morado­ da entrada e o segundo seu sargento-mor.57*Como prometido, os ter­
res, “com o temor das crueldades presentes tinham desamparado as suas mos do “contrato” previam a repartição das terras conquistadas aos ín­
casas e lavouras”, das quais "depende o total sustento desta praça e conser­ dios, assim como dos cativos. Além disso, foi concedida a dispensa do
vação dos engenhos pelas lenhas e farinhas". Sousa Freire arrazoava que, pagamento dos quintos em favor dos cabos, oficiais e soldados para que
em face da “natural perfídia e inconstância” destes índios, a solução dc “todos os que vão a esta jornada tenham não só a gloria dos os vencer
procurar firmar pazes cra totalmente inócua e punha em risco a sobre­ mas as utilidades que delas se lhes podem seguir”.5" João Lopes Sicrra
vivência da presença dos portugueses no Recôncavo. Concordando com referc-se a outras condições: os soldados receberiam soldos, seriam so­
Barreto, acreditava que somente “mandando degolar todos os que re­ corridos pelo governo, receberiam barcos e mantimentos para levar os
sistissem, declarando por cativos todos os que se aprisionassem, c asso­ prisioneiros a São Paulo c seus papéis seriam encaminhados à Coroa
lando todas as aldeias inimigas” poderiam “ficar livres os moradores e para a consideração das mercês.5''
sossegadas as hostilidades do gentio”. Enquanto os paulistas demoravam a aprestar sua gente, o governador
Depois de ter consultado todos os capitães c soldados que haviam enviou uma entrada com quatro companhias para enfrentar os índios.
estado naqueles sertões, Sousa Freire resolveu que o melhor a fazer era Em julho de 1669, passou carta patente dc “capitão-mor da entrada
preparar outra expedição dc paulistas. Mais uma vez, analisaram-se to­ que ora se manda fazer ao sertão a castigar ao gentio bárbaro” a Agosti­
das as leis e assentos tomados sobre as guerras anteriores e concluiu-se nho Pereira, entregando a ele um regimento. Iam como oficiais Feliciano
que a guerra era justa c os índios aprisionados deveriam ser escraviza­ Pereira, sargento-mor, Manuel Garro da Câmara, Francisco Dias e o co­
dos. A novidade era que sc prometia que as terras conquistadas seriam ronel Guilherme Barbalho Bezerra, como capitães de companhia.60 A
repartidas pelas pessoas que mais o merecessem na nova jornada, que expedição acabou localizando, no interior dos campos do Aporá, na mar-
Sousa Freire dizia estar preparando “com todo o calor”.54 O governador

205-16. Assinaram este assento: Alexandre de Sousa Freire, Agostinho de Azevedo


“ Segundo o historiador baiano, os moradores, assistindo à solenidade do dia dentro da Monteiro. Cristóvão de Burgos, Afonso Soares dc Afonscca, Bernardo Damaccdo
igreja matriz, com mulheres e crianças, sc viram acossados e fecharam as portas. Ma­ Velho, João dc Góis Araújo, Pedro Cordeiro dc Espinosa.
nuel Barbosa dc Mesquita c sete soldados arremeteram contra o inimigo. Aquele “dis­ “ Affonso dc E. Taunay. História gera! das bandeiras paulistas. São Paulo, 1950, vol. 5, p. 4
parando duas pistolas, e depois avançando com uma espada e rodela”, matou vários ; e 58. Carta de Sousa Freire ao capirão Pedro Vás dc Barros, 15/11/1669. Dll, 6:135-7.
índios ate tombar frechado. Temerosos dc tanta coragem, os bárbaros teria desistido, o * Affonso dc E. Taunay. História gera!das bandeiras paulistas. São Paulo, 1950, vol. 4, p.
que salvou os moradores. Sebastião da Rocha Pita. HistoriadaAmérica Portuguesa (1730). 364-5.
São Paulo, 1976, livro 6,64-70, p. 178-9; Affonso de E. Taunay. Históriageraidas bandei­ 57 Como sc pode notar, mais uma vez a escolha recaía sobre a gente da facção dos
ras paulistas. São Paulo, 1950, vol. 4, p. 361. Como a versão dc Rocha c mais romancea­ Camargos: Baião Parente, que havia sido juiz, da câmara dc São Paulo cm 1661-62, era
da, comoveu deveras Pedro Calmon, que, cm confusão com o assento de 1669, anotou cunhado de Calheiros (casado com sua irmã, Maria Maciel), lbidem. vol. 4, p. 322-5;
qtie haviam sido mortas 2J pessoas neste dia festivo. História du llrasil. Rio de Janeiro, ACSP, 6 (anexo):250.
1959, vol. 3, p. 740-1. Segundo o governador-geral, um capitão de infantaria c mais “ Ordem que levou o governador da conquista dos bárbaros Estêvão Ribeiro Baião
cinco soldados c alguns moradores vinham dc ser mortos por tapuias. Carta ao capitão- /- Parente, 12/8/1671. DH, 7:2(18-9.
mor dc São Vicente, 19/9/1670. DH, <5:148-9. Serra informa a morte dc Manuel Barbosa. , t; 57 João Lopes Serra. “Vida o pancguirico fúnebre. . . 1676”, p. 47-8.
João Lopes Serra. “Vida o pancguirico fúnebre.. . 1676”, p. 43. * Cartas patentes, julho c agosto de 1669. DH, 12:41-8. Como nenhum religioso sc
M Proposta dc Alexandre dc Sousa Freire tomada em assento no dia 4/3/1669. DH, 3: s
GUERRAS NO RECÔNCAVO 111
110 G U E RUAS NO K E G Ô N C A V O
gem sul do Paraguaçu, o lugar das aldeias dos índios topins, identifica­ quarenta soldados, c das aldeias de Gaspar Rodrigues Adorno, trinta
dos como os que promoviam essas descidas c assaltos no Recôncavo.''* 1 homens c o seu principal, Duarte Lopes. Caso não cumprissem essas
Para lá deveriam ser enviadas as tropas dos paulistas. É importante no­ ordens, o governador ameaçava colocar os paulistas no seu encalço e de
tar que estes índios eram falantes do tupi e, portanto, não se caracteri- “suas mulheres e filhos, para os castigar como traidores e ficarão escra­
zavam como tapuias. Apesar disso, eram tido por bárbaros c inimigos a vos dos capitães”. Do Espírito Santo e de Carnamu vinham alguns ín­
dios e seu capitão, Inácio Teixeira, c da Vila de Conceição, Leonardo
serem combatidos.
Apenas no governo de Afonso Furtado de Castro do Rio Mendonça, da Silva e treze índios.'
* 5 Arzão tomou um guia de João Peixoto Viegas
o visconde de Barbacena, os paulistas entrariam em ação. As tropas vi­ e seguiu para a “aldeia dos capitães dos paiaiases”, de onde, depois dc
nham por mar em duas embarcações que haviam sido enviadas a Santos distribuir os presentes, marcharam todos para os campos do Aporá.'’'1
para transportá-las.u O capitão-mor c o sargento-mor viajaram cm em­ Nesse entremeio chegou Baião Parente, que, para não se ver com um
barcações diferentes. Por alguma dificuldade, cm 20 de junho de 1671, posto diminuído, foi provido com uma patente mais alta, de “governador
chegaram à Bahia apenas Brás Rodrigues Arzão e sua gente. Como até da conquista dos bárbaros”, assumindo o comando geral das tropas.67
agosto dc 1671 não houvesse notícias da embarcação do capitão-mor,61* Uma vez reunida toda a gente, cm 27 dc agosto dc 1671, partiram
c fosse necessário aproveitar a oportunidade da boa estação dc águas, o dos campos do Aporá, com quatrocentos homens, entre brancos c ín­
governador-geral resolveu nomear Arzão como o capitão-mor da Con­ dios.61* Foram para as Piranhas pelo caminho de Pedro Gomes, que já
quista dos Bárbaros, despachando-lhe o regimento de Baião Parente.'4 estava bem gasto depois dc anos de abandono. Depois de marchar ao
Em julho dc 1671, ordens de recrutamento foram dadas visando ao au­ norte, em direção ao Orobó, acharam completamente desertas a aldeia
mento da tropa: os índios das aldeias de Itapororocas, nas terras de João de Tabaçu e outras duas. Avistaram então um batedor dos topins, que
Peixoto Vicgas, todos paiaiases, deveriam contribuir com pelo menos logo fugiu alertando seu povo.6'7 Dc fato, em 7 de outubro, o visconde
de Barbacena dizia ter notícias de que os paulistas já haviam topado
aventurou, foi nomeado um licenciado como capelão da jornada, um certo Manuel
com aldeias dos bárbaros c que estes haviam fugido, provavelmente
Rodrigues Mendes. Provisão do governador-geral, 22/8/1669. /)//, ZÍ.-3I7-9; Inácio para Cairu, onde os índios estavam acometendo.7"
Accioli dc Cer<|ucira e Silva. Memórias históricas e políticas da provinda da tíahia. Sal­ Apesar de terem recebido farinha em novembro, os paulistas, famin­
vador, 1940, vol. 2. p. 126-7.
tos e exaustos, tiveram de retornar, trazendo apenas sete cativos, o que
M Como escreveu Sousa Ereire ao pedir para o capitão-mor de São Vicente novo recru­ causou muita consternação ao visconde.71 Uma vez que a Fazenda real
tamento para uma jornada específica contra estes topins: “são demasiadas as priva­
não mais tinha condições de financiar a expedição, rcsolvcu-se convo-
ções que este Recôncavo da Bahia c vilas dela, Cairu c Carnamu padecem: com o
gentio bárbaro que depois de várias entradas que se lhe têm feito (cm que também
entram os moradores desta capitanias) todas com mau sucesso, mandei ultimamente
fazer uma que teve o mesmo: mas na mesma desgraça se logrou a felicidade de topar 45 Ordem que levou o sargento que foi com quatro soldados, 20/7/1671. DH, 7:161-2;
com as aldeias dos topins que são os que descem, nunca ate hoje descobertos, c es­ Carta patente, 9/7/1671. DH, 12:150 e 155.
tando tão perto que havendo-se gasto 21 dias na jornada os capitães-mores que fo­ “ Ordem que levou o sargento para levar os índios aos campos do Aporá, 21/2/1672.
ram, se acharam em sete nos campos do Aporá desde que partiram". Carta dc Alcxan- . DH, 7:211-2.
dre Sousa Ereire ao capitão-mor dc São Vicente, 15/11/1669. /)//, d: 131-5 c 141-3. la Ordem, 7/8/1671. DH, 42Q1-9,-, DH, <5:188-9; e registro da patente, 27/7/1671. DH,
w Carta dc Alexandre de Sousa Ereire escreve ao capitão-mor de São Vicente, 19/9/ < ■■■:' 242Í&-1.
Carta dc Afonso Eurtado ao governador dc Pernambuco. SMHfiJi.DH, 9:434. Segun-
1670. 27//,Taunay,
Segundo d: 148-9.o governador e Arzão acreditavam que ele havia naufragado, pois 1 do João Lopes Serra, a expedição, com 314 soldados c índios, partia então sob o
ambos haviam saído juntos dc Santos. Affonso dc E. Taunay. História gera! das bandei- Á ■; seguinte comando: Parente como chefe supremo; Brás Rodrigues Arzão, capitão-mor;
-'"Antônio Soares Ecrreira, sargento-mor; Gaspar Luba. capelão-mor; c Gaspar Velho,
ras paulistas. São Paulo, 1950, vol. 5, p. >7-8. At Francisco Mendes, Ecliciano Cardoso, Manuel Gonçalves Freitas, João Vicgas Xortcs,
w Ordem que levou o governador da conquista Estevão Ribeiro Baião Parente, 7/8/ ;
1671. Z)//, 7:207-8; Registro da patente, 27/7/1671. Z)/Z, 24:2tâ-l. Partia no comando : João Amaro Maciel Parente, Vasco da Mota, Manuel dc Hinojosa, como capitães dc
dos paulistas c de toda a gente auxiliar, com dois ajudantes, Antônio de Vidal c Antô- ; companhias. João Lopes Serra, “Vida o paneguirico fúnebre... 1676”, p. 47-8.
Ç* João Lopes Serra. “Vida o paneguirico fúnebre... 1676”, p. 57-8.
nio Ecrnandcs dc Sousa, um sargento-mor, Antônio Soares Ecrreira, e duas compa- ■
nhias, cada qual com seu capitão, Gaspar Velho Cabral, na vanguarda, c Vasco da = Carta do governador-geral ao capitão-mor dc São Vicente, 7/10/1671. DH, <5:191-3.
Mota, na retaguarda. Registros das patentes, 27/7/1671. DH, 27:263-75. ji r_ Francisco Ramos, que fora destacado para as conduz.ir, deveria tentar prender alguns
□ <■.
112 <; 11 li R R AS NO RECÔNCAVO guerras no recôncavo 113
car uma junta. Assustados com os gastos já efetuados (20.000 ducados, ao governador da conquista, que não reunisse os prisioneiros na casa-
ou algo como I7;2OO$OOO réis)/-’ os moradores ponderaram que já ha­ forte porque era difícil o seu sustento no sertão (no Ibituruçu) e que os
viam contribuído suficicntementc com impostos e, cm particular, para fizesse descer logo, onde estariam guardados “até que os paulistas pos­
o sustento da infantaria. O governador argumentou que esta não era sam fazer a repartição segundo o seu costume”.* 76 Mas não foi essa a
“uma guerra de largas e planejadas batalhas, mas dc imprevisíveis e intenção dos paulistas, que partiram à conquista das quatorze aldeias
destemperados assaltos”, de modo que apenas os paulistas poderiam dos “maracás” (maracassus). Depois de guardarem seus prisioneiros no
enfrentar tal inimigo. Assentou-se então uma nova contribuição para as arraial que haviam feiro nas Piranhas, levaram alguns índios consigo, já
tropas (cerca de 7:250$000 reis), com alguns reforços.7’ que estes não tinham espírito para fugir, pois as mulheres ficavam deti­
No início de maio dc 1672, os paulistas partiram novamente para o das como reféns.77
Orobó, de onde perseguiram os índios em direção ao sul, em uma re­ Em uma carta de 23 de novembro dc 1672 ao governador do Rio dc
gião extremamente seca. Em 2 dc julho, avistaram dois batedores ini­ Janeiro, João da Silva dc Sousa, o visconde comentava o sucesso dos
migos que foram seguidos por três dias até chegar em uma aldeia cha­ paulistas no sertão, que livrara a Bahia “desta opressão dc trinta anos”.
mada l Jtinga, da nação topim.71 Apesar de a maioria dos índios já haver A estratégia traçada quinze anos atrás por Francisco Barreto mostrava,
partido, alguns guerreiros ainda esperavam os paulistas com flechas. Na por fim, sua eficácia: aqueles sertanejos haviam desbaratado completa­
manhã seguinte, às 9 horas, um grupo de bárbaros sc aproximou e o mente as aldeias dos bárbaros, fazendo 1.500 prisioneiros. Para o vis­
capitão Manuel dc Lemos lhes falou, cm sua língua (o tupi), que os conde, pareciam suficientes as vitórias dos paulistas, e cm janeiro de
paulistas “não eram brasileiros jisto é, portugueses], mas um povo dife­ 1673, “como a seca fera] grande, [. . .] e pela fome que toda a gente
rente, seus parentes, c que poderiam comer juntos, casar seus filhos padece”, ordenou bruscamente que, “cm 24 horas”, Baião Parente des­
com filhas deles e as filhas deles com seus filhos”. Os topins ficaram cesse para o porto (Cachoeira) com todos os prisioneiros e gente de guer­
desconfiados do engodo e partiram. No dia seguinte, depois dc um ra.78 Os engenhos cederiam as embarcações para transportar os prisio­
recontro, os paulistas capturaram três inimigos, entre os quais seu prin­ neiros da Cachoeira para Salvador, e daí iriam para São Vicente.w Quando
cipal, um cerro Saeambuaçu, que na língua da tribo quer dizer “peixe os paulistas chegaram vitoriosos à cidade, no dia I." dc fevereiro dc 1673,
grande”. A perseguição se alongou por mais de trinta léguas através do dos Í.500 índios que haviam capturado restavam apenas 750, já que
árido sertão, até alcançar o rio São Francisco. Ao final, depois de algu­ metade havia morrido no caminho vítima de uma “quase peste”. Se­
mas “negociações”, as três aldeias dos topins sc renderam: Utinga, gundo Rocha Pita, tal era o estado dos prisioneiros que “os de melhor
Jacuasuí e Joiaicá Capitua.” feição não passavam dc vinte cruzados”. Depois de uma entrada sole­
Dado o seu grande número, houve dificuldades em alimentá-los e ne e uma calorosa recepção no palácio do governador, acertou-sc, en­
trazê-los todos para a cidade. Para piorar a situação, uma doença atacou tão, que partiriam no 1." de abril, “infalivelmente”.8"
os índios, que morriam aos magotes. O visconde pedia, em uma carta O sargento-mor, Antônio Soares Ferreira, c alguns dos capitães, de-

índios que desertaram c causavam problemas, assaltando nos caminhos. Portaria para n Carta do visconde a Parente, 4/11/1672. DH, <7:307-8; carta do visconde a Arzão, 11/
Francisco Ramos, 6/11/1671. 2W, Ã-69. Em dezembro, o ajudante Francisco dc Nc- ' 11/1672. DH, <7:312-3.
greiros tinha ordem de prender outros desertores: os índios Domingos “Potim.p. 77 Carta do governador-geral a Brás Arzão, 30/11/1672. DH, 8:327-8.
ba.”, João Dias, Gabriel, Baltasar c Mateus, tpic eram da aldeia de Maragojipe. Porta- ', • ” Carta a Manoel da Costa Moreira, 5/1/1673. DH, ,7:333-4. Já era grande a fome nas
ria, 6/1Í/Í67L DH, 8:73. li o capitão Francisco Barbosa Leal deveria prender a alguns crês vilas c maior seria com a chegada dos prisioneiros, de modo que o governador
índios da aldeia da cachoeira. Portaria, 10/12/1671. DH, <7:74. ordenou que se desfizessem todas as roças que estiverem capazes disso, 23/1/1673.
’’ Ducados sào moedas de prata espanholas. Segundo Stuart Schwartz, cm 1676, mil ; DH, 8:342.
reis valiam 435 maravedis, e 375 maravedis valiam 1 ducado dc prata. 4 Governarand ■77 Carta do governador-geral ao coronel Afonso Barbosa da França sobre mandar barças
//Zr Intaftf in Htimque lirazil, lhe l'unerrd Etdogy ofAfonso Enrtado de Castro do Rio dt para virem os paulistas, 14/1/1673. DH, 8:33l).
Mendonça by. . . Minncapolis, 1979, apêndice D, p. 83. ’ ” Ao que pedia, o governador, ao capitão dc Sergipe, João dc Munhos, que acudisse
71 João Lopes Serra. “Vida o pancguirico fúnebre... 1676”, p. 69-71. - com farinha, milho c feijão. Carta, 9/2/1673. DH, <7:343-4. Serra que descreve a entra-
u Atual cidade de l/tinga, às margens do rio do mesmo nome. *•: da dos paulistas com seiscentos cativos, a situou nos últimos dias de agosto dc 1673,
75 João Lopes Serra. “Vida o pancguirico fimcbre. . . 1676", p. 69-71. tendo sc equivocado como pode sc depreender da própria narração das outras expc-
114 GUERRAS NO RECÔNCAVO guerras no recôncavo 115
pois de venderem algumas peças, “para atenderem às suas despesas O fato cra que, segundo uma carta sua ao capitão-mdr de São
partieulares”, partiram para São Vicente com os prisioneiros/' enquan­ Vicente, o Recôncavo havia ficado “limpo dc gentio”.8'1
to o restante dos paulistas continuaria na campanha. Uma terceira ex­ Como recompensa, várias mercês foram concedidas em Lisboa aos
pedição, novamente contra os maracassns, foi arquitetada na sequên­ chefes paulistas.87 Além disso, como os campos c as terras conquistadas
cia. O padre Jacobo Gocleo deveria ir até Cachoeira encontrar-se com eram “excelentes”, o governador-geral já havia concordado com o pe­
os paulistas, acompanhado pelos índios da missão do Canabrava, no dido dos cabos dos paulistas dc se criarem duas povoações. Nesse sen­
São Francisco, onde assistia, assim como por trinta índios ou mais das tido, pediu que viessem de São Vicente alguns colonos.8* Uma portaria
aldeias do Camamu, todas jesuíticas.
* 2 Em arroubos dc zelo, o gover­ de setembro dc 1673 ordenava que fossem fundadas duas povoações,
nador garantia que estaria em pessoa em Cachoeira até o dia 15 de que “servissem de pião”, com oito léguas de média ordinária desta ca­
abril para “despachar os paulistas”, coisa que não cumpriu.
* *1 Em ju­ pitania para cada banda, e somente então dar-se-iam terras em sesmarias
lho, Baião Parente tinha conquistado três aldeias cm Maracás, ao sul ao seu redor.8'7 Porém, apenas Baião Parente ficou na Bahia c fundou
do Recôncavo, com mais de 1.200 almas. Não fosse o surgimento de uma vila, que levaria o nome dc Santo Antônio da Conquista.'81 O local
um outro (misterioso) grupo de paulistas, que veio por terra, teria tam­
bém aprisionado os xocós (ou cochos).
Segundo João Lopes Serra, desta vez, exatos 1.074 cativos foram * Curta do visconde dc Barbaccna ao capitão-mor, 10/7/1673. Dll, é:247-9.
” Em 6 dc outubro dc 1673, o Conselho Ultramarino considerou as dificuldades para
conduzidos até a cidade, onde entraram em finais de setembro de 1673.
reunir e mandar os papéis dos serviços dos cabos c capitães da conquista do gentio
Foram acomodados em acampamentos, esperando navios que os en­ bárbaro por estes terem sido solicitados por ordem direta do governador, serem dc
viassem a São Paulo.84 Na ocasião desta terceira expedição, Brás de São Paulo e não estarem prevenidos. Por isso, resolveu, ad referendum, que era justo
Arzão disse ter descoberto “os fumos das aldeias dos bárbaros que conceder as seguintes mercês: ao governador da conquista, Estêvão Ribeiro Baião
destruíram os primeiros paulistas que cá vieram”, provavelmente a (que conseguira mesmo assim mandar seus papeis), o hábito da Ordem de Cristo c
com a promessa dc comenda dc 2()0$00<) réis. “Como quer fundar uma vila”, que sc
aldeia do Camisão. Nessa altura, depois desses sucessos, o governa­ lhe desse 50$000 ate que o fizesse, c tOOSOOO quando se empossasse capitão-mor da
dor-geral desejava pôr fim às atividades. Dado que vários engenhos dita vila. Ao capitão-mor Brás Rodrigues Arzão, o hábito de Cristo e 70$<)()() dc tença,
começariam a moer nessa época, estava preocupado com que as tro­ sendo efetiva a metade. Ao sargento-mor Antônio Soares Fcrrcira, o hábito dc Cristo
pas deixassem logo o Recôncavo para não onerá-lo mais com a neces­ c 60$000 de tença, sendo efetiva a metade. Desde que apresentassem os papéis, aos
sidade dc prover mantimentos e não estorvar a produção dc açúcar.85 capitães Francisco Mendes Boint, Vasco da Mota c Manuel Gonçalves de Freitas, um
hábito qualquer e uma tença dc 20$000 c um alvará de lembrança para um oficio dc
justiça ou fazenda. Aos capitães João Amaro Parente, Fcliciano Cardoso e Antônio
Afonso Vidal, a promessa dc um hábito qualquer, 20$000 dc tença c o alvará dc lem­
dições. João Lopes Serra. “Vida o pancguirico fúnebre,.. 1676”, p. 72; Sebastião da brança. Ao capitão Manuel Lemos dc Siqueira, que morreu na guerra, por scr cunha­
Rocha Pita, História tia América Portttffusa (1730). São Paulo, 1976, livro 6, 83, p. 181. do de Baião Parente, um hábito de Santiago ao filho mais velho com 60$000 dc tença,
Kt
Portaria, 23/2/1672. Dll, 8:82 c 173. í ; ; sendo a metade efetiva, c para a viúva 40$0()0 efetivos c mais um alvará de lembrança
Carta do governador-geral para o pc. Jacobo Cocleo, 28/2/1673, 18/3/1673. Dll, &3S2 ...
X.» tfc para a pessoa com quem ela sc casír. Consulta do Conselho Ultramarino 6/10/1673,
c 357. Esse padre francês (Jacqucs Cocle), tido por cartógrafo, é o mesmo que enviou ,' AHU, cod. 252, fls. 11-2v; veja também AHU, Códice 245, fl. l()v. Em carta ao gover-
■U
cartas ao Conselho Ultramarino sobre um novo caminho do Maranhão, em 1698, efez
p nador-gcral, Afonso Furtado dc Mendonça, o rei ordenava que sc fizessem as mercês
um estudo c descrição dc todas as capitanias do Brasil, desenhando cambórn uma- que coubessem aos cabos c capitães que serviram na “guerra do gentio bárbaro”.
carta. Consulta do Conselho Ultramarino 23/1/1698. DH, 15:30-1; carta régia a D.,^;■ ?. Carta régia, 20/10/1673, AHU, cod. 245, fl. 4v.
Rodrigo da Costa, 26/1/1704. Dll, 34:256; catta dc D. Rodrigo da Costa ao rei, 29/7/ ' - .i •:?, Carta do visconde dc Barbaccna ao capitão-mor, 10/7/1673. Dll, tí;247-9. Dc fato, esta
1704. Dll, 34:257. Veja também .Serafim Leite. História tla Companhia de Jaus s» •f:. cra uma idéia antiga. Já cm 1671, o governador havia pedido ao capitão-mor Angelo
llrasil, 3:160-2. >3$ p: Pereira da Silva que descobrisse c informasse sobre o sítio da lagoa dos Patos que lhe
Carta do governador-geral para Francisco Barbosa, 28/3/1673. DH, <9:360-1 c 363. I V/ parecia conveniente para fazer povoações “para a conservação dos seus habitadores
Carta do governador-geral para Ribeiro Parente, 14/7/1673. DH, <9:373-4. João Lopes
H4
Serra diz que uma quarta expedição, comandada por Manuel Hinojosa, teria captura-,-,gj como para servirem dc fronteira ao nicsmo gentio”, 20/11/1671. DH, 8:71.
ífePortaria, 22/9/1673. DH, 8:176-7.
do quatrocentos cochos c descoberto um rio navegável, o Quitosc. João Lopes Scrra^jgl ^■ 'Portaria, 3/10/1673. DH, 8:176; Outra portaria, ordenava que os índios que vieram dc
“Vida o paneguirico fúnebre.. . 1676”, p. 76-79. 'i1®!
São Paulo ficassem com Baião para começar o povoamento, até segunda ordem. 22/9/
K5 Cartas do governador-geral a Parente e a Arzão, 28/7/1673. DH, 8:382-5. j-r ,1673. DH, 8:170. Em novembro de 1674, uma portaria pedia para que sc providen-
B’-
1 16 G U E R R A S N O H E G () N G A V O GUERRAS NO RECÔNCAVO 117
escolhido para a povoação foi o da aldeia dos xocós, que havia sido con­ Peixoto da Silva, nas margens do rio São Francisco na altura da barra do
quistada. Em outubro dc 1673, o capitão Manuel dc Hinojosa foi pro­ Salitre, haviam rompido antigas amizades c se rebelado. Temendo pe­
movido a “capitão dc toda a gente branca” da vila e, em novembro, a las fazendas, os donos dos currais mandaram despovoar aqueles sertões,
capitão-mor.9' Outrora ajudante da infantaria, Hinojosa havia servido e Francisco Dias d’Avila, senhor da casa da Torre, ofercceu-sc ao gover­
em Pernambuco e Angola e fora promovido a capitão dos paiaiases e nador-geral, visconde dc Barbacena, para, com “cem homens brancos
tapuias, no papel de cabo dos principais desses ditos índios da adminis­ armados e os índios bastantes a sua custa, fazer guerra ou obrar o que eu
tração de (Jaspar Rodrigues Adorno na Cachoeira, para que fossem go­ lhe mandasse para se seguraram aquelas povoações”. Esta entrada teve
vernados durante a guerra aos bárbaros.92 Em maio de 1675, Hinojosa um caráter mais privado, c desta vez os paulistas não foram chamados.
obteve autorização para mudar a povoação para um lugar mais conve­ Em julho, o governador escreveu ao senhor da casa da 'Forre agradecen­
niente, onde houvesse pescarias e caça.95 O senhorio da vila coube ao do sua iniciativa e alertando que mandara à capitania dc São Vicente
filho do governador da conquista, João Amaro Maciel Parente, que lu­ ordens “para que não venham os paulistas a perturbar as aldeias man­
tara como capitão de uma companhia. Mais tarde, (piando João Amaro sas”.95 D’Avila conseguiu, então, patente de capitão-mor da entrada,
quis voltar a São Paulo, vendeu-a com todas as terras ao coronel Ma­ que lhe punha à disposição os capitães de infantaria da ordenança c as
nuel de Araújo Aragão.9' Porém, ainda hoje nome do local continua in­ rcspectivas companhias que houvesse desde o rio Real até o São Fran-
vocando seu primeiro senhor. A atual cidade de João Amaro fica exata­ 91’ A expedição, na verdade, foi composta por duas companhias dc
cisco.*
mente à beira do Paraguaçu, na entrada da serra do Orobó. infantaria, subordinadas então a d’Ávila. A primeira, tendo por capitão
Domingos Rodrigues Carvalho e a segunda, Domingos Afonso Sertão.
As guerras no São Francisco, 1674-1679 Em outubro de 1674, o governador passou patente de sargento-mor a
Domingos Rodrigues de Carvalho, para que ombreasse com o capitão-
No início de 1674, os tapuias anaios das sete aldeias dos “guarguacs”, mor na expedição. Este sertanejo, capitão dc uma das companhias da­
que habitavam, com outros seus vizinhos, nas terras dos currais de João j queles distritos do coronel Baltasar dos Reis Barenho, potentado local,
i era experiente nas guerras contra os bárbaros.97 Embora Francisco Dias
d’Ávila tivesse a patente dc capitão-mor, provavelmente preferia assu­
ciasse unia suniaca que levasse o capitão-mor Brás Roiz. de Arzão e mais 43 soldados
dc volta a São Vicente. Ao que consta ele ia cm missão, recebendo ainda o soldo que mir outros riscos, dc modo que foi seu comparsa, Domingos Rodrigues
lhe cabia pela conquista do gentio. DH, 5:202-5. Em 1677, encontramos Brás Rodrigues de Carvalho, quem levou a termo esta expedição.
de Arzão como procurador da Câmara dc São Paulo encabeçando o movimento que se Em 10 de agosto de 1674, Carvalho derrotou, junto ao São Francis­
fez quando se espalhou a falsa notícia dc que Matias da Cunha, então governador do
* ' co, os anaios, valendo-se de uma pequena tropa dc 55 homens dc ar­
Rio dc Janeiro, estaria libertando todos os índios que chegassem a Angra. Affonso dc
i
E. Taunay. História geraldas bandeiras paulistas. São Paulo, 1950, vol. 4, p. 259-61. Em ■ . ‘.. mas e cem índios, O inimigo, segundo os cálculos do vencedor, dispu­
1679 era nomeado capitão-mor das gentes que iam ao serrão para o descobrimento p < nha de 400 arcos c 40 armas de fogo, além dc 60 canoas.9* Em janeiro
das minas. RfíCSP, / 7:203-4. I
de 1675, reprimiu com sucesso as. investidas dos índios do Sul, chama­
Carta patente, 2/10/í673. DH, l2:2M-5 e 298; Convinha então dar todo o necessário i
91
para a fundação da vila e como “para que esta aumente c necessário que haja oficiais
\ dos galachos," qUC “sujeitaram mais de 40 currais com morte dc alguns
de arte mecânica", doou o governador dois sítios dc terra para currais a Manuel Pes-
soa, oficial de barbeiro, que deveria, lá chegado, escolher dois ou três índios c lhes ;<•’
ensinar o oficio. 15/11/1673. DH, 5:186-185. Em janeiro dc 1675, partiu o alferes .' J Carta do governador-geral para Francisco Dias d'Âvila, 8/7/1675. DH, 5:416.
Manuel de Siqueira, com soldados c índios, para pramai roça c
ara plantar v legumes■ ■" povoação.
nat” ------- > . ;Jr
* ’
Carta patente, 5/7/1674. DH. 12313-5; DH, 5:398.
:.______ I" Hicronymo
Porcaria, 26/1/1675. DH, 5:209. Em maio, o serralhcrio . ' que
’Luís, — fon Jlp Carta patente de Domingos Rodrigues dc Carvalho, 6/10/1674. DH, /?:336-8. Veja
soldado da conquista, aceitava ir a povoação por 40$000 anuais. DH. 5:2. também, Pedro Calmon. História da Casa da Torre. Rio dc Janeiro, 1939, p. 81-2.
Cana patente dc Domingos Rodrigues dc Carvalho, 20/10/1677. DH, /.M7-2I.
•12 Carta patente, 28/5/1672. DH, l2-.Z25-b.
Referindo-se aos índios do Itatim, Sérgio Buarque dc Holanda lembrava que, em
•Kl Portaria, 18/5/1675. DH, 5:218.
•M
Sebastião da Rocha Pita. História da América Portuguesa (1730). São Paulo, 1976, livro uma ânua dc 1633, o padre Diog» Verter, considerava que “sob o nome de gualachos
6, 85, p. 181. João Amaro era tido por Accioli como o cabo dos paulistas. Erro repeti* , . comprecndem-.se todas as naçiics que não têm como própria a língua guarani". Don­
do, aqui c acolá, cm algum manual de escola. Inácio Accioli dc Cerqueira c Silvx*-J de o nome dc gualacho no Paraguai, corresponderia ao dc tapuia no Brasil. O mesmo
Memórias históricas e políticas da província da llahia. Salvador, 1940, vol. 2. p. 132-4. se aplicaria a estes galachos no Recôncavo? O Extremo Oeste. São Patdo, 1986, p. 68.
GUERRAS NO RECÔNCAVO 119
118 GUERRAS NO RECÔNCAVO se salvaram, “fugindo em direção à selva fechada”, e os dois .primeiros
moradores, brancos e escravos”. Ao mesmo tempo, as aldeias da parte
norte do mesmo rio haviam se rebelado, persuadidas pelo principal de foram capturados pelos índios aliados. Estes prisioneiros informaram
uma delas, que, “com alguma razão”, reagiu às insolências de que fora ; que de fato os tapuias vinham cm direção das tropas portuguesas. Se­
vítima. No mês seguinte, no comando das duas companhias, reforçadas gue, então, o relato do capuchinho, tão elucidativo da violência das guer­
ras naqueles sertões:
com 130 índios aliados, Carvalho deu com os anaios das aldeias dos guar-
guacs, o que resultou na morte de vinte deles e a captura de dez."” Em I
novembro, já gravemente enfermo o governador, sofrendo de “supres- i “Não havíamos ainda marchado três quartos de légua, quando en­
são da urina”, deixou ao cargo do secretário do Estado do Brasil, Bernar­ contramos o inimigo. Fez-se uma longa carga contra eles sem muito
do Vieira Ra vasco, escrever agradecendo a paz que d’Avila conseguira resultado, uma vez que os índios, batendo-se a flechadas, ficam em
firmar com os índios.101 De fato, em dezembro, o governo provisório movimento contínuo c movem-sc com tanta rapidez, cpie não c pos­
que substituiu Barbaccna depois de sua morte, no dia 26 de novembro, sível fazer pontaria com o fuzil; olham sempre para a arma apontada
promoveu Erancisco Dias d’Ávila, em paga de seus serviços, a coronel e mudam rapidamente de posição. Dcfendcram-se durante légua e
das companhias que tinha sob sua ordem e de outras a serem criadas na meia, batendo sempre em retirada, cm boa ordem, até que chegas­
ampla região do sertão do São Erancisco, à exceção da jurisdição do co­ sem a um riacho largo no caminho, que se chama o rio do Salitre.
ronel Barrenho e da costa, esta a cargo do capitão-mor de Sergipe.10' Atravessaram-no rapidamente a nado, protegidos por um grupo de
índios que sustentava o campo e que vieram manter-se nas margens
Em junho de 1676, tEAvila se via na barra do rio Salitre novamente
desse riozinho coberto de mato, donde atiravam com fuzis, c chega­
em conflito com os tapuias anaios levantados, c precisando de socor­
ram a pensar haver matado o coronel Francisco Dias d’Ávila. Quem
ro.1® Ordenou-se, então, o envio de pólvora c balas."" Segundo o capu­
chinho Martin de Nantes, estes índios “haviam senhoreado todas as estava a seu lado foi alcançado por duas balas, que lhe atravessaram
fazendas que chamavam curralo, dos dois lados do rio ]São Erancisco], a coxa. Nossa gente não ousou atravessar o rio, pois que ficaria ex­
numa extensão de cerca de trinta léguas, depois de haver matado os posta aos golpes do inimigo, cjue estava protegido. Este, porém, não
donos e seus negros (. . .] em número de oitenta e cinco, fazendo todos se julgou seguro. Receando serem dominados, os índios decidiram
os dias uma grande matança de gado”. Ele havia sido convocado pelo se atirar no rio de São Francisco, que resguardava o seu flanco, para
governador-geral a fornecer frecheiros cariris das quatros aldeias sob o o passarem a nado c, como o fizeram precipitadamente, as flechas,
controle de sua missão. Como os índios só concordavam cm partir em que traziam nas costas, lhes escaparam; de modo que eu tinha a im­
sua companhia, Martin de Nantes acabou testemunhando a ferocidade pressão de que mais de dez mil flechas foram levadas pela corrente­
dos combates. Iam com eles, sob comando de Erancisco Dias d’Avila e za. Vários tiros foram disparados contra eles, mas como estavam afas-
tados, mergulhado a todo instante, poucos os atingiram. Chegaram
seu sargento-mor Domingos Rodrigues de Carvalho, 120 portugueses
da região, “todos a cavalo", um capelão e dois outros franciscanos. De­ afinal a uma praia, a oitocentos passos de nós; atiraram ainda contra
pois de vários dias de marcha, em que tinham de ir matando o gado eles e, como estavam nus, vimos que alguns foram atingidos. Nesse
que encontravam para alimentar a tropa, foram avisados da posição dos íp, choque, segundo confissão que nos fizeram, perderam cerca de cin-
anaios por seis batedores. Pouco tempo depois, avistaram alguns tapuias ■ T; quenta homens. Dessa praia, atravessaram diante dc nós o resto do
que atravessavam o rio cm uma canoa. No dia seguinte, logo de madru­ í < rio c, temendo que nós os seguíssemos, se continuassem pela mar-
gada, encontraram cinco espiões, dois a cavalo e três a pé. Este últimos*104 gem do rio, enveredaram pelos matos, para alcançarem um certo
;=•laguinho, a seis ou sete jornadas do rio”.1"5

Consulta do Conselho Ultramarino,18/6/1675, AHIJ. cod. 252, íls. I9v-2O; ou DH, í Depois desse primeiro combate, as tropas procuraram algum gado
Igpara se alimentar c passaram a noite as margens do rio Salitre. No dia
"" <M:33-4.
Carta de Hernardo Vieira Ravaseo, 7/1I/Í675. D//, <V:429-30. atravessaram o rio c, encontrando grande quantidade de bois
Carta patente, 24/12/1675. DH, 12-.W)-W.
Carta a Antônio Gonçalves do Couto, 18/6/1676. /)//, 9:17. ' Martin dc Nantes. Reltitiun suninte et sincere <le l<t misiiott. Qnimpcr, 1706, p. 113-7.
104 Portaria, 18/7/1676. DH, S-.247. *
120 GIIERHAS NO RECÔNCAVO a H EUR AS NO RECÔNCAVO 121
e cabras mortos, mas já apodrecidos, resolveram marchar adiante. 'Irês lhe pagavam o soldo, que havia um ano e meio não lhe fardavam e a
léguas dali, havia uma fazenda queimada e saqueada, onde encontra­ seus soldados (não sendo mais que catorze brancos e dezesseis índios),
ram os cadáveres do dono c de um negro. Martin de Nantes relata: nem se lhe dava socorro, dc maneira que seus homens andavam espa­
lhados, “buscando a vida”, estando incapazes da missão que sc fazia
“Depois de cinco dias dc descanso, atravessou-sc o rio, os portu­ necessária.”1” Como os jesuítas disseram que poderiam evitar a guerra
gueses em pequenas canoas que encontraram e os índios c cavalos a enviando missionários, a questão parece não ter tido desdobramentos.1"''
nado. Acompanhamos as pegadas do inimigo, que foi encontrado Em janeiro de 1677, a junta trina, que substituía o falecido governa­
nesse pequeno lago, ou brejo, no interior da terra. Estava quase sem dor, dava notícia de que todos os anaios da região da serra da Jacobina, no
armas e morto de fome. Renderam-se, sob condição de que lhes pou­ alto Salitre, estavam levantados, mandando que o capitão-mor Agostinho
passem a vida. Mas os portugueses, obrigando-os a entregar as ar­ Pereira fosse punir os agitadores.11" Em carta dc 20 de fevereiro, pedia
mas, os amarraram e dois dias depois mataram, a sangue frio, todos aos oficiais da câmara de São Paulo que ajudassem na entrada que sc
os homens de arma, cm número de quase quinhentos, e fizeram es­ organizava contra os índios anaios no sertão do São Francisco, reunindo
cravos seus filhos e mulheres. Por minha felicidade, não assisti a essa uma frota poderosa de gente branca e índios.* 111 Numa carta na mesma
110
carnificina; não a teria suportado, por injusta e cruel, depois de se ocasião dirigida aos capitães Jerônimo Bucno (o “Pé dc Pau”), Francisco
haver dada a palavra dc que lhes seria poupada a vida.”"’'' Bueno (sobrinho c irmão dc Amador Bucno), Fernando de Camargo (com­
panheiro de Calheiros no desastre dc 1658), José de Camargo, Baltasar
Passados alguns meses, em um local chamado Canabrava, a setenta da Veiga, Antônio dc Siqueira, Bartolomeu Bucno e ao padre Mateus
léguas da aldeia de (Jracapá (situada cm uma ilha na altura do atua) mu­ Nunes de Siqueira, rogava “para o mesmo que em outro tempo se lhe
nicípio de Cabrobó, Pernambuco), os cariris, apesar dc aliados dos portu­ proibia, que é passar ao rio dc São Francisco” para conquistar os índios
gueses, foram atacados por alguns moradores interessados em escravos. anaios, que têm feito notável dano as nossas armas e aos moradores. Ale­
Segundo o capuchinho, haviam-nos provocado c ardilosamente conven­ gando que tais índios eram os mesmos que haviam desbaratado as tropas
cido o governador e lhes declarar guerra. Mais bem armados, os morado­ de Calheiros, “havendo eles degolado e desbaratado já tão várias bandei­
res acabaram por render os índios e, a sangue frio, mataram “em número ras de paulistas”, não se imaginava que estes sertanistas enjeitariam a
dc 180 homens de guerra, e tomaram suas mulheres e filhos, em número ocasião. Mas, dc fato, foi o que ocorreu.1’-’ No entremeio, o capitão Agos­
de cerca de 500, que tornaram cativos”. Levaram estes para a Bahia, onde tinho Pereira foi morto por alguns índios. Uma vez que os paulistas ha­
pretendiam “distribuí-los”. Entre eles estavam doze índios da aldeia do viam desistido da missão, a junta trina encarregou, em fins dc outubro
padre Anastácio dc Audierne, outro capuchinho que missionava entre os
índios aramares, numa aldeia situada a 20 [éguas da foz. do São Francisco. 101 Ao que ordenava a portaria dc 14 dc julho dc 1676 que se pagassem os atrasos para o
Como já havia ele obtido, tio falecido visconde de Barbacena, um salvo- bem do negócio. Quer dizer: 25 sírios de farinha, 200 dc previsão e 25 (ou 200?)
conduto para estes índios, Martin dc Nantes tratou dc defcndé-los, con­ mochilas dc alqueire; além de 30 espingardas, pólvora, munições c foices. DH, 3:254-
seguindo sua libertação por ordem da Relação da Bahia.10’ 5. Só cm julho de 1675, temos noticia do empenho em entregar a matalotagem, far­
das c ferramentas. Portaria, 1/7/1677. DH, 3:276-7.
A guerra deixara de ameaçar o sistema produtivo do Recôncavo e 1W Os jesuítas pediam armas c munições para armar os índios. Portaria, 16/9/1676. DH,
passara a mover-sc pelo interesse consolidado na captura, comércio e 8:265. Ao provincial José dc Sci.xas, da Companhia dc Jesus, oito espingardas c muni­
utilização da mão-dc-obra indígena. Desde meados de 1676, os mora­ ção, para a missão que manda aos maracás e tupinhuãcs que fazem as hostilidades na
dores de Maragojipe, Jaguaripe, Cachoeira e Campos alegavam temer serra do Guaiararu. Portaria, 8/8/1676. DH, 8:257.
os bárbaros maracás e tupinhuãcs que andavam pelas cabeceiras da ser­ 110 Cana ao capitão-mor Agostinho Pereira, 4/1/1677. DH, 9:34-5.
111 “E sc cm outro tempo mandou SA várias provisões que impedia a esses moradores
ra do Guaiararu, dc onde já haviam atacado alguns currais. Para não se
despovoar a região, o único remédio era chamar dc volta Estevão Ri­ (os paulistas) irem ao sertão: agora pela resolução que foi servido tomar o podem eles
fazer sem escrúpulo que declarou por cativos todos os que sc tomassem em guerra
beiro Baião Parente. Este paulista reclamava que havia cinco meses não que os bárbaros provocassem.. Deveriam comprar, por conta do donativo do dote
[da rainha de Inglaterra) e paz |dc Holanda), toda a pólvora c baia que pudessem para
ajudar a jornada. DH, 77:73-4.
íbidem, p.
,w íbidem, p. 118-9.
121-3; ordem, 23/10/1672. DH, Para a morte do governador, veja Carta, ZtyZWll. DH, !1-.7S-(y, c Affonso dc E. Taunay. História gfrttltlas baatltiras
João Lopes Serra. “Vida o paneguirico fúnebre.. . 1676”, p. 95 ss. paulistas. São Paulo. 1950, vol. 5. p. 49-51.
122 GUERRAS NO RECÔNCAVO
de 1677, Domingos Rodrigues de Carvalho que tomasse as providências
contra o levante destes bárbaros.11' Não obstante, logo Carvalho consta­
tou que o alarme era falso. Assim, “apenas" castigou os responsáveis pela
morte do capitão Agostinho Pereira, o que resultou na captura de 500 (ou
660) índios, entre homens, mulheres e crianças. Nesse sentido, em uma
carta de 23 de janeiro de 1678 pedia embarcações na Cachoeira para que
os cativos fossem enviados a cidade e só aí repartidos.114
O novo governador-geral, Roque da Costa Barreto, assumiu cm mar­ 4
ço de 1678, trazendo ordens de Lisboa para dar seguimento à decisão A GUERRA DO AÇU
de fazer guerra ao gentio bárbaro da fronteira, na freguesia Maragojipe,
ate que fosse de todo extinto. Essa política era resultado das petições
dos moradores, que repetiam as artimanhas denunciadas por Martin de
Nantes. Depois que tomou conhecimento do que realmente ocorria,
Roque Barreto informava Lisboa, em carta de 23 de janeiro de 1679, No final do século XVI, a Coroa empenhou-se na conquis­
que os índios não faziam mais guerra, senão “a defensiva, quando aque­ ta definitiva do Rio Grande aos franceses que andavam comerciando
les moradores os queriam cativar c servir-se deles como escravos, e nes­ com os indígenas. A expedição comandada pelos capitães-mores de
te caso em sua natural e necessária defesa das vidas c das liberdades Pernam-buco c da Paraíba, Manuel de Mascarenhas Homem c Eeliciano
não havia dúvida que cometeriam algumas mortes, roubando depois Coelho, partiu de Olinda no final do ano de 1597 e, cm 6 de janeiro do
disso algumas fazendas”. Ainda segundo o governador, era justamente ano seguinte, deu-se início à construção do forte dos Reis Magos. De­
Estêvão Ribeiro Baião Parente, capitão-mor dos paulistas, que aí vivia pois de uma série de escaramuças, com a intervenção diplomática dc
e que fora nomeado “governador de todo o gentio até o fim das hostili­ Jerônimo de Albuquerque, a quem fora entregue a responsabilidade da
dades”,1" que impunha tal ideia, interessado que estava cm sustentar- construção do forte, firmaram-sc as pazes com os índios potiguares.1 Mas
sc “a si e aos seus soldados com o preço daqueles miseráveis gentios”. o Rio Grande, cuja evolução dava-sc na órbita dc Pernambuco, restaria
Não obstante, ao Conselho Ultramarino parecia que, por ser a matéria como um território quase inexplorado por muitos anos ainda. Até 1618,
dc grande consequência, dever-sc-ia evitar os escrúpulos de Roque segundo o Brandônio, dos Diálogos das Grandezas, não havia na capita­
Barreto, “pois a sua [do gentiol quietação é só fingimento, e ser aquele nia do Rio Grande mais do que um engenho de açúcar, o dc Cunhaú,
bárbaro dc todo o Brasil de sua natureza inconstante, e não se obrigar fundado por Jerônimo dc Albuquerque. Como dizia o especialista nas
do meio da paz”. Por todas essas razões, o rei deveria ordenar ao mes- coisas do Brasil ao seu colega Alviano, isto se dava assim por ser a “terra
tre-de-campo-gencral que continuasse a “guerra naqueles sertões para mais disposta para pastos de gado”/ Com efeito, logo após a invasão
que dc todo se extingam as invasões daqueles inimigos e possam viver holandesa, os engenhos — que chegavam a 106 em Pernambuco, 20
os moradores daquela conquista com mais sossego”.11'’ cm Itamaracá c entre 19 e 20 na Paraíba — não passavam dc apenas
três no Rio Grande.-’ A criação de gado conheceria grande crescimento
após a expulsão dos holandeses. Na época do restabelecimento do se-
”•* Carta a Francisco Barbosa Leal, 17/11/1677. DH, 9:53; A patente de Carvalho, pro- ;
vendo-o a capitão-mor da jornada, esclarecia que era um homem dc valor comprova- .
do nas refregas que tivera com os índios anaios na região do rio Salitre, por duas 1 Cf. Sérgio Buarque dc Holanda. “Conquista da costa Icstc-ocstc”. In: (dem (org.).
vezes, cm 1664 c cm 1676, c na ocasião das guerras aos guasguacs no sertão do Piauí, ,
■ História geral da riviliztifão brasileira. São Paulo, vol. 1, 1966, p. 190-203.
cm 1675. Patente dc Domingos Rodrigues de Carvalho, 20/10/1677. DH, 13-M. \1 Ambrósia Fernandos Brandão. Diálogos elas grandezas tio Hrasil (1618). Recife, 1966,
* Inclusa na carta a Manuel dc Sousa dc Azevedo c Antônio dc Matos Carvalho, 3/2/
" ,
■ p. 19.
:■ 1 Cf. “Dcscripçâo das capitanias dc Pernambuco, Itamaracá, Paraíba, e Rio Grande do
1678. DH, 9:59-60.
16/4/1678,do
AHU, cód. 245, 40. Norte. Memória apresentada ao Conselho Político do Brasil por Adriano Vcrdonk,
Consulta Conselho Ultramarino, 2/12/1679, AHU, cód. 252, fls. 56v-8; ou DH,-:
k cm 20 dc maio de 1630”. RIAP, 55:215-27, 1901.
168-71. j.
123
124 A GIJEHRA no AÇU A (iHEKRA DO AÇU 125
nado da câmara na cidade do Natal, em 1659, foram publicados avi­ da vizinha Paraíba (1655-1657), quando prendera os dois filhos do prin­
sos conclamando os antigos moradores a retomar suas terras na capita­ cipal Canindé, tido por “rei dos janduís”, e os remetera com mais dois
nia, sob pena dc perdê-las. O capitão-mor, Antônio Vaz Gondim (1654- tapuias ao rei, quando este manifestou o desejo dc ver alguns espéci-
1663), seria responsável peia vinda dc 150 novos moradores e três mens dc seus vassalos índios.7 Já cm Lisboa, um dos janduís, um certo
companhias dc infantaria para efetivar a rceolonização do território de­ Antônio Mendes, fez um pedido ao rei para poder retornar ao Rio Gran­
vastado. Em 1676, encabeçados por um certo Domingos Ecrnandcs de c ajudar na redução dos seus conterrâneos, na serra do Capaoba. O
Araújo, sete requerentes pediam sesmarias dc cinco léguas por seis dc Conselho Ultramarino estava dc acordo, considerando que deveria ser
largura na ribeira do Açu, ao norte da capitania.4 enviado um padre para levar o “perdão que das culpas que estes índios
A região do Açu cra reputada pela grandeza dos campos e dc sua tiverem cometido cm sc lançar com os holandeses no tempo [em] que
frescura, nos quais muito gado podia ser criado. Segundo o autor do ocupavam aquelas capitanias”?
“Breve compêndio” (1690), Gregório Varela dc Berredo Pereira, trata­ Francisco Barreto, em uma carta ao novo capitão-mor da Paraíba,
va-se de um lugar dc muito difícil acesso, “por estar de distância dc Matias dc Albuquerque Maranhão (1661-1663), alertava para as notí­
trezentas léguas pelo sertão adentro, cm partes com morros de arcais e cias de que haviam fugido muitos índios das aldeias que ele ali “man­
cm outras de penedia mui agreste". Sua colonização mais intensa co­ dara pôr” e que “a maior parte deles est|ava] por trás da Paraíba e de
meçara no final da década dc 1670 e início de 1680. Povoado por tapuias, Pernambuco”.9 No mesmo ano de 1661, cm razão da crescente hostili­
“com diversas nações todas bárbaras c agrestes”, este sertão foi desco­ dade dos tapuias desta nação, Matias dc Albuquerque Maranhão escre­
berto inicialmcntc por alguns vaqueiros que aí fabricaram currais e vi­
veu para a regente d. Luísa de Gusmão, avisando que “os índios bárba­
viam em paz com os primitivos habitantes, “pelo interesse que tinham ros janduís residentes no distrito e sertão da capitania estavam rebelados
em lhes darem ferramentas de machados e foices, que é o que eles ne­ e declarados inimigos”. Haviam “causado tanto receio que os brancos
cessitam para cortarem as árvores e tirarem o mel dc pau, seu cotidiano tratam de fazer suas casas-fortes em que se possam defender dos re­
sustento”.' Contudo, essa paz duraria muito pouco e este sertão seria pentinos assaltos”. I,ogo cm janeiro de 1662, a regente ordenou que,
palco das mais sangrentas batalhas c atrocidades cometidas ao longo em virtude da gravidade da situação, “conviria fazer-lhe (aos janduís]
das guerras dos bárbaros. Os tapuias nativos, na grande maioria perten­
guerra com que sc extingam de uma vez” antes que acreditem no seu
centes à nação dos janduís, reagiram à presença e aos abusos dos mo­ valor, “por terem muita quantidade dc cavalos cm que sc exercitam
radores desde os primeiros anos da década de 1670. Alguns levantes com a doutrina que lhes deixaram os holandeses”.1" Assim, Matias de
isolados dc grupos indígenas precederam o movimento que tomaria Albuquerque deveria fazer a guerra, com pouca despesa e com auxílio
maiores dimensões e seria denominado, à época, de “levante gera) dos de seu sobrinho Diogo Coelho de Albuquerque, conseguindo “a obe-
tapuias” ou de a “Guerra do Açu”.
Apesar da dificuldade que tem o historiador cm fixar exatamente o
início desse conjunto dc conflitos, a maior parte da documentação in­ disso, todavia, c uma carta tio frei Manuel da Ressurreição, então governador, ao
capitão Manuel dc Abreu Soares, datada de 6 de dezembro de 1688, cm que diz:
siste em notar que a partir dos primeiros meses de 1687 assistia-se à
“cinco anos há que esta guerra sc começou, c um que c tão áspera, e viva como
retomada dessas revoltas c levantes que conduziriam, em movimento vosmccê vê". Afonso de E. Taunay. “A Guerra dos Bárbaros”. RAM, 22:31, 1936;
ascensional, a um estado de conflagração generalizada.6 Os motivos da carta do arcebispo para Manuel de Abreu Soares, 6/12/1688. DH, 10:343-6.
revolta remontavam aos abusos de João Fernandos Vieira, capitão-mor Affonso dc E. Taunay. História geral das bandeiras paulistas. São Paulo, 1950, vol. 6, p.
349-50.
A consulta traz o destino destes quatro índios: “é falecido um nessa cidade, outro está
na ilha Terceira, outro fugindo a nado do navio que vinha, se tornou para a Paraíba, c
' Fátima Martins 1 .«pes. Missões religiosas: índios, rvlonose missionários na colonização da
capitania do Rio Grande do Norte. Recife, 1999, p. 102-5. í? o quarto e o que faz esse requerimento”... Consulta do Conselho Ultramarino, 28/
11/1659. Apud: Fátima Martins Lopes. Missões religiosas: índios, colonos e missionários
5 “Breve compêndio do que vai obrando neste governo de Pernambuco o sr. governa- <
na colonização da capitania do Rio Grande do Noite. Recife. 1999, p. 118.
dor Antônio Luís Gonçalves da Câmara Cotitinbo etc.”. RIAP, 5/:264-65, 1979. , Carta dc Francisco Barreto para o capitão-mor da Paraíba, 20/7/1661. APEB, côd. 147,
* Para Taunay, estava “fora de dúvida” que sc devia fixarem 1683 o início da guerra do
fl. 141 v-2.
Açu, a qual tomava, por sinedoque, como a “Guerra dos Bárbaros”. O único indício ; ?
Carta régia 9/1/1662. AHU, cód. 275, fl. 315v.
126 A GUERRA DO AÇU A GUERRA IX) AÇU 127
dicncia das outras nações dos bárbaros contra os janduís que lhes des­ sas nações tapuias, mas dava por certo que havia ainda uma ou duas
sem pelas espaldas, não poderão escapar nem ter retirada”.11*Mas, dc nações “que faziam grande dano aos moradores que lá assistiam, ma­
fato, nesse momento, pelas palavras de Taunay, “nada ou quase nada tando-lhes e comendo-lhes o gado, frechando e matando alguns negros;
sc Os .1’
fez”conflitos e que no ano passado houvera considerável perda cm todos aqueles
com os tapuias se espalhavam por todo o sertão de fora. currais".16
Do Ceará, o capitão-mor Bento de Macedo dc Faria havia escrito ao rei Em 1687, as hostilidades foram desencadeadas por um pequeno de­
dando conta da opressão que sofriam os moradores com o gentio bárba­ sentendimento entre os tapuias c os moradores que resultou na morte
ro.” No Piauí, os tapuias da nação “payoquis” (paiacus) causavam pro­ do filho dc um principal. Para Berredo Pereira, o então capitão-mor do
blemas à expansão da pecuária. Consta que, em 1671, estes “tapuias dc Rio Grande, Pascoal Gonçalves dc Carvalho, que era um “velho tonto
corso” tentavam destruir as aldeias avassaladas, quase punham a perigo e dc pouco respeito”, teria demorado a atalhar a contenda, de modo
a fortaleza e faziam muitos “insultos” pelas estradas, “matando os cor­ que o conflito degenerou rapidamente.” Eximindo-sc da culpa, o capi­
reios que iam para Pernambuco”. Já no tempo do capitão-mor João tão-mor dizia que, “depois da expulsão dos holandeses”, estes bárba­
Tavares (1666-1670), esses tapuias aprisionaram “os filhos da nação dos ros com quem foram sempre “confederados” haviam-se recolhido “aos
jagoribaras, nossos amigos e compadres, que vivem mestiços com os sertões donde viveram sempre com natural ódio aos portugueses”. No
índios avassalados”. Quando soube do sucedido, o dito capitão-mor saiu exato dia 15 dc fevereiro dc 1687, os tapuias haviam-se levantado, ma­
com alguns soldados em sua perseguição, “para lhes tirar a presa, c, tando “quarenta e seis homens vaqueiros que assistiam no sertão da­
chegando a eles, os ditos tapuias lhe apresentaram guerra com trombe- , quela capitania, com gados, distantes 60 léguas daquela praça, fazendo
tas e tambores donde pelejando se mataram muitos c aprisionaram al­ grandes hostilidades nas fazendas dos moradores, e o mesmo dano fi­
guns”. Seu sucessor, Jorge Correia da Silva, em junta com o vigário da zeram nas capitanias da Paraíba e do Ceará”. Vendo o perigo, Carvalho
companhia c outros, decidiu que era conveniente “destruir-sc aquela diz ter tomado a iniciativa dc mandar marchar algumas tropas cm seu
nação para sossego daquela capitania”. Por volta dc 1672, com a con­ alcance, “as quais pelejando com eles por duas vezes os romperam e
cordância do governador de Pernambuco, Fernando de Sousa Coutinho, mataram a muitos e com este bom sucesso ficavam já aqueles morado­
o capitão-mor mandou destruí-los, “matando mais dc 200 e prisionando res mais aliviados das ameaços daqueles bárbaros”. Quando tomou co­
a muitos, com [o] que ficaram nossas aldeias sossegadas”.14* nhecimento do sucesso, o Conselho l lltramarino recomendou “que se
Alguns acordos pontuais foram tentados com os índios. No ano de aja com todo o cuidado c vigilância com estes índios”.1” Oito dias mais
1681, os oficiais da câmara de Nata) solicitaram que o capitão-mor en- V tarde, cm uma carta dc 23 dc fevereiro dc 1687, os edis da vila dc Natal
viasse um intérprete ao sertão para tentar estabelecer a “paz e união” pediam ao governador de Pernambuco, João da Cunha Souto Maior,
com os tapuias.” Não obstante, os conflitos persistiam na região do Açu. “socorro pelo risco em que nos achamos, diante da rebelião dos índios
Em seu governo, entre 1682 e 1684, Antônio dc Sousa de Meneses, o j tapuios que, no sertão de Açu, já têm morto perto de cem pessoas,
Braço dc Prata, passou uma patente de capitão das entradas daquele escarmentando os moradores, destruindo os gados, de modo que já não
sertão a um certo Manuel Nogueira Ferrcira. Este diploma, transcrito são eles senhores daquelas paragens”. A rebelião se alastrava c ganhava
sem data por Borges de Barros, dava notícias da situação tensa no ser- <- proporções preocupantcs. Pediam igualmente ajuda ao capitão-mor da
tão do Rio Grande e Paraíba. Ferrcira, ao que consta, pacificara diver- Paraíba e informavam que o capitão Manuel dc Abreu Soares já tinha
•; ido ao Açu para causar todo o dano possível ao inimigo?
'
* Em março, ao
Cana régia para Matias dc Albuquerque Maranhão, 9/1/1662. AHU, cód. 275, fl. 316.
i>
Afonso dc E. Taunay. “A Guerra dos Bárbaros”. RAM, 22:20, 1936. ■* Citado por Aftonso dc E. 'latinav. História geral das bandeiras paulistas. São Paulo,
<-■
1950, vol. 6, p. 306-7.
i.» Carta régia 25/1/1685. AHU, cód. 256,11.54v.
Provisão dc 1676 c certidões anexas. AHU, Ceará, caixa 1, 30. Veja também, carta “Breve compêndio. . .”. RlAl‘ 5/:264-5, 1979.
n
régia para Jão 'lavares dc Almeida, 2/10/1673. DH, 4:182. 5 Carta dc Pascoal Gonçalves de Carvalho ao rei, 19/7/1687. AH U, Rio Grande, caixa I,
Requerimento dos oficiais da câmara dc Natal ao capitão-mor, 23/8/1681. Aprrd: Fáti­ ’ 24; consulta do Conselho Ultramarino, 10/12/1687. AHU, cód. 252, fl. 117v; c DH,
15
ma Martins Lopes. Missões religiosas: indios, colonos e missionários na colonização da V «íh87-8.
capitania cio Rio Grande cio Norte. Recife, 1999, p. 120. ? Cartas da câmara dc Natal cm que suplicam socorro. 23/2/1687. IIIGRN, caixa 65,
A <; II Elt RA Do açu 129
128 A (iUERKA 1’0 A(>:U
sião se ajuntaram diversas nações dc alarves e fizeram grandds fúrias, e
que consta, o gentio bárbaro havia matado “mais de 60 pessoas entre
brancos e negros e ia continuando o mesmo estrago”. Apenas em ju­ juntas [em] grande multidão vieram até os arrabaldes do Rio Grande
nho, o governador-geral escrevia ao de Pernambuco mandando “socor­ matando a toda coisa viva que encontravam c fizeram grandes danos
rer com a brevidade possível à dita capitania com toda a gente, e muni­ em todas aquelas ditas paragens”.2' Em março de 1688, o governador
Marias da Cunha contabilizava os danos, dizendo que os bárbaros ha­
ções que puder ser; para que aqueles moradores não padeçam a sua
última ruína, na assolação com que os bárbaros a vão continuando”/1’ O viam matado “o ano passado mais de 100 pessoas entre brancos c escra­
capitão-mor do Rio Grande nomeou um certo Manuel de Prado Leão vos, destruindo mais de 30.000 cabeças dc gado”.21
como “capitão dos homens que servem na região do Açu”, para defen­ É muito difícil imaginar os motivos que levaram à conflagração dos
der os moradores dos assaltos dos tapuias, o que parece não ter surtido tapuias naquele momento. Dc toda maneira, é importante notar que,
efeito algum.* 21 No final de 1687, o capitão-mor dava conta das novas em seguida ã expulsão dos holandeses (1654), vários dos grupos indí­
hostilidades que fazia agora o gentio tapajá. O doutor Sebastião Cardo­ genas que se haviam postado no lado perdedor, notadamente os tarariús
so de Sampaio, que servia de procurador da Fazenda, foi ouvido no (entre os quais os chamados janduís, o principal grupo deles, que tinha
Conselho Ultramarino e disse que soubera que tais incidentes haviam este nome em razão do seu rei, Janduí), perceberam mais imediatamente
sido causados “porque os soldados daquela praça lhe mataram um ín­ a nova situação e vários deles recuaram para o mais íntimo do sertão.
dio, seu parente”, dc modo que convinha procurar sossegar o gentio. O Essa retirada parece ter sido considerável. Vieira, em uma carta ao pro­
vincial dos jesuítas, datada de junho de 1658, informava que na serra
rei deveria mandar examinar o procedimento do capitão-mor para sa­
ber se não “houvera com omissão culpável”. De todo jeito, decidia-se do Ibiapaba os padres da Companhia tinham dificuldades com “as gran­
que seria mais conveniente nomear para o governo da capitania uma des raízes de heresias dos holandeses, que entre eles deixaram planta­
“pessoa de capacidade e disposição”, bem como se fizesse “praticar dos” e com a desconfiança que era alimentada principalmente pela
(missionar] aqueles bárbaros, pelos padres da companhia”. Em feverei­ “companhia dos retirados de Pernambuco”, que se lembravam dos bons
ganhos das alianças com os holandeses.25 Segundo o relato de Matias
ro de 1688, estava-se à procura deste novo capitão-mor, com a certeza
de que o novo ouvidor, recém-nomcado para a Paraíba, devassaria o Beck, mais de quatro mil índios fugiram de Pernambuco, por terra, atra­
vés de Itaparica, Paraíba c Rio Grande, para se refugiar no Ceará.26 Con­
No final de do
procedimento anterior.
1687, 22* dos índios janduís ganhava maior enver­
a rebelião ta que estes índios “diziam abertamente que todo o Brasil havia sido
gadura. Pedro Carrilho dc Andrade, que participou da repressão ao le­ vergonhosamente perdido e entregue, por assim dizer, sem resistência
vante, explicou que os janduís “se levantaram nas ribeiras do Açu, aos portugueses”. Exasperados com o que consideravam traição de seus
Moçoró e Apodi, nos anos de 1687 para 88, matando a toda coisa viva e aliados, “a quem eles tão ficlmente serviram e ajudaram durante tantos
depois queimando c abrasando tudo, não deixando pau nem pedra so­ anos", temiam enormemente “cair nas mãos dos portugueses para so­
bre pedra dc que ainda hoje aparecem ruínas”. Segundo ainda o seu frer uma perpétua escravidão”. Nesse sentido haviam mesmo expul­
relato, milhares de cabeças de gado foram perdidas na ocasião. Além sado os holandeses que restavçm no Ceará, pois, “uma vez únicos sc-
disso, prenunciava-se uma provável aliança entre outras nações, o que / ; nhores do Ceará, eles não permitiriam nem aos portugueses nem aos
tornava a guerra ainda mais preocupantc. Segundo Carrilho, “nesta oca- alemães de ali se estabelecer e eles propunham fazer do Ceará o seu

livro 2, fl. 96v-7; Carlos Studart Filho. Pdginas de história e pré-história. Fortaleza, 7 A a Memorial dc Pedro Carrilho dc Andrade, 1703. AHU, Pernambuco, caixa 16.
1966, p. 65. * 21 Carta dc Matias da Cunha à câmara dc São Paulo, 19/3/1688. DH, //:I39-4O.
a> Carta dc Macias da Cunha para o governador dc Pernambuco, 17/6/1687. DH, !(hZ4S. .. 0 Cartas. Rio dc Janeiro, 1949, p. 199-205.
21 Patente Manuel dc Prado Leão, 12/8/1687. IHGRN, caixa 65, livro 2, fl. 102. / Ascrra do Ibiapaba ficava exatamente entre na fronteira do listado do Brasil com o
“ DH, <¥2:93-95. Consulta do Conselho Ultramarino, 6/2/1688. AHU, cód. 252, fls.ll9v- ! do Maranhão, cm face dc Camocim, no litoral. Desse modo, por vezes aparece como
20. O desembargador Sebastião Cardoso Sampaio havia sido enviado em 1676 para’à pertencendo ao Ceará, por vezes ao Maranhão. Para os fins deste estudo, situado na
verificar a a titulação c as condições das sesmarias que haviam sido concedidas na< '/■ segunda metade do século, consideramos a serra como parte da jurisdição do Maranhão,
como dc fato o era; de modo que, como pode perceber o leitor, o aldeamento dos
Bahia. Cf. Inácio Accioli dc Cerqticira e Silva. Memórias históricas e políticas da gíÇ jesuítas não consta do quadro das aldeias do Anexo 3.
àa da liahia. Salvador, 1940, vol. 2, p. 56-7. fe..-
■Á
A GUERRA Do AÇU 131
130 A GUERRA DO AÇU
lugar dc estabelecimento e dc encontro”.-’7 Pouco depois, Vieira locali­
zava seu principal abrigo na serra do Ibiapaba, que era na época um
“refúgio reconhecido e valhacouto seguro dos malfeitores". Os primiti­
vos habitantes daquelas regiões, os tabajaras, eram tupis e por isso mes­
mo interessavam sobremaneira aos jesuítas, cujas missões entre eles fi­
caram conhecidas cm razão da célebre “Relação” de Antônio Vieira. O
jesuíta sc lamentava, então, que, “com a chegada desses novos hóspe­
des, ficou Ibiapaba verdadeiramente a Genebra de todos os sertões do
Brasil, porque muitos dos índios pernambucanos foram nascidos e cria­
dos entre os holandeses, sem outro exemplo ou conhecimento da ver­
dadeira religião. Os outros militavam debaixo dc suas bandeiras com a
disciplina dc seus regimentos, que pela maior parte são formados da
gente mais perdida e corrupta de todas as nações da Europa”.2* IJm dos
objetivos principais destas missões cra atalhar a possível “contamina­
ção” das tribos tupis pela heresia calvinista trazida pelos tapuias. Quan­
do Jorge Correia de Silva servia como capitão-mor do Ceará, na década
de 1660, testemunhou que dc fato os jesuítas e seu missionário-geral,
Antônio Vieira, haviam retirado daquelas serras cerca de 300 “índios
pernambucanos”, isto é, tapuias, e “os índios tabajaras ficaram sossega­
dos”.-' Estes “índios pernambucanos” eram chamados dc acoansus (ou
anassus, segundo o padre Miguel dc Carvalho). Em 1708, não passa­
vam dc 200 indivíduos nas serras, ao passo que os tabajaras somavam
mais de 2.000?" Em uma petição dc 1720, estes tapuias diziam ser pa­
rentes de outros habitantes das serras do sertão do Araripe, a quem pre-

n Matias Bcck esteve no Brasil durante dezenove anos, cm 1649 foi ao Ceará, a pedido
do alto governo do Brasil, para procurar e encontrar uma mina de prata. Durante
cinco anos viveu entre populações selvagens, “brasilianos c tapuias” e relata, nesta
carta, a situação cm que sc viu uma vez entregue o Brasil aos portugueses. Como os
índios queriam atacá-los, acabaram por ccdcr o presídio aos portugueses c partiram
para a Martinica. “De coda maneira, cu acredico que os ditos brasilianos não tardarão
dc se colocar dc novo dc nosso lado, tão logo seja enviada uma força a qual eles
possam confiar” (p. 197). “Carta dc Bcck que trata do Ceará, Barbados, 8/10/1654”.
RIHGC, <¥2:195-6, 1964.
a “Relação da missão da serra de Ibiapaba". In: Vozes saudosas da eloi/Uincia, do espírito
do zelo e eminente sabedoria do padre Antônio Vieira da Companhia de Jesus, Voz histórica.
Lisboa, 1688, p. 19.
,fí Provisão do capitão-mor do Ceará de Jorge Correia dc Silva, 1676. Al-I U. Ceará, caixa
’ 1,30.
* Carta de Cristóvão Soares Reimão ao rei. 13/2/1708. AHU, Ceara, caixa 1, 70; Miguel
’' dc Carvalho, “Descrição do sertão do Piauí remetida ao limo, c Rvmo. frei Francisco
dc Lima, Bispo dc Pernambuco, 1697”. In: Ernesto Enncs. zlsguerras dos Palmares,
j’ São Paulo. 1938, p. 370-89.
132 A GUERRA DO AÇU A GUERRA 133 DO AÇU
tendiam visitar. Contavam “que quando seus avós se retiraram antiga­ da Rosa, cm seu Tratado Único da Constituição Pestilencialde Pernambuco
mente da Bahia vieram em companhia deles outros dois principais com (Lisboa, 1694), acreditava que a mais provável causa da epidemia eram
numerosas famílias, os quais passando o rio São Francisco sc separaram algumas barricas de carne putrificada que restavam da torna-viagem de
deles e se embrenharam nas dilatadas serras do Araripe, onde há mais um navio vindo de São Tomé. Consta que um tanoeiro do Recife, quan­
dc cem anos vivem escondidos, e poderão passar de quatro mil almas”.’1 do abriu uma delas, morreu imediatamente, c logo em seguida algumas
Para além desse ódios tradicionais, é certo que a reação dos tapuias pessoas da família, “estendendo-se o mal com tamanha rapidez que em
deveu-se muito mais à pressão sufocante do avanço da economia pasto­ poucos dias pereceram mais de duas mil pessoas”. Chamada de “bi­
ril, que demandava mais terras c mão-de-obra, fatores que implicavam cha” em razão dc uma autópsia realizada por um entendido em cirur­
arrocho sobre as populações da fronteira. As milhares dc cabeças de gia, Antônio Brcbon, que identificara em um cadáver algumas lombri­
gado citadas acima indicam a dimensão do crescimento da pecuária. A gas ou “bichas” c sugerira que fossem a causa dos males, na verdade
situação pestífera da Bahia c demais províncias do Norte também pu­ tratava-sc do primeiro surto dc febre amarela, originada da Ásia e pro­
nha em xeque o abastecimento de mão-de-obra nativa e ccrtamente vavelmente transportada das Antilhas, onde eclodira em 1648-49."
pressionava os moradores a promover razias e expedições dc conquista
nos sertões. O jesuíta Valcntim Estanccl, matemático c astrólogo, havia A campanha de Antônio de Albuquerque Câmara,
observado de Pernambuco um estranho eclipse da Lua cm dezembro Domingos Jorge Velho e Manuel Abreu Soares, 1687-1688
dc 1685, prognosticando que grandes males assolariam o Brasil.” Com
efeito, em 1686, uma doença, que trazia “um fervor dc sangue c sc se Em pouco tempo, os tapuias fizeram-sc senhores de todo o sertão,
lhe não acudia imediatamente se corrompia e matava cm breves dias”, assaltando os colonos na ribeira do Ccará-Mirim, a cinco léguas da capi­
assolou a capital do Brasil, atingindo “mais dc 25 mil pessoas”, segun­ tal. Diversas casas-fortes foram construídas, nas quais os moradores se
do o marques das Minas. O número dc mortos chegaria a novecentos." refugiaram: Tamandatuba, Cunhaú, Goianinha, Mipibu, Guaraíras,
Em Pernambuco, a peste teria matado mais dc três mil pessoas somen­ Potengi, Utinga c aldeia de São Miguel, assistindo em cada delas ape­
te no primeiro semestre dc 1687. Era imputada, segundo o autor de nas cinco ou seis homens.w* Dada a situação dc extremo perigo em que
carta anónima, ao pontilhão que ligava a cidade à terra firme feito por se viam os moradores dc Natal, um dos oficiais da câmara do Rio Gran­
ordem da câmara de Olinda, no ano dc 1683." O médico João Ferrcira de, Manuel Duarte de Azevedo, foi à Bahia para representar a necessi­
dade de um socorro.” A solução encontrada pelo governador-geral, em
; setembro, foi providenciar o envio dc duas companhias dos terços do
■” Petição dos acoansus, 12/10/1720. AHU, Ceará, caixa 1, 90. Em outra consulta, com Camarão c dos Henriques que deveriam partir sob o comando do coro-
carta do missionário padre João Guedes, temos mais notícia do empenho com que
intentavam essa descoberta dos parentes. Consulta do Conselho Ultramarino, 11/2/ z nel Antônio dc Albuquerque Câmara, que fora nomeado cabo da fac-
1721. AHU, Ceará, caixa l, 94. ;! i1-. ■ ______ _____________________________________ ___________ _
Inácio Accioli de Cerqucira c Silva. Memórias históricas epolíticas da província da Bahia. Carta anónima, 3/6/1687. AHU, Pernambuco, caixa 10. Uma representação desse
Salvador, 1940, vol. 2, p. 138. Sobre Valctim Estanccl, veja Serafim Leite. História da
’.t ’ pontilhão pode ser vista em um ex-voto dc 1729, na pinacoteca do Convento de
Companhia de Jesus no Brasil. Lisboa/Rio de Janeiro, vol. 8, p. 208-12. ’; Santo Antônio dc Igaraçu.
" Por conra dessa peste (na verdade, febre amarela), os oficiais da câmara de Salvador, ■<?'< pj-' M Lycurgo de Castro Santos Filho. História gera!da medicina brasileira. São Paulo, 1991,
cm 20 de julho, pediam permissão de erigir Francisco Xavier padroeiro, com procis- s? g;~;. vol. 1, p. 171; Inácio Accioli dc Ccrqueira e Silva. Memórias históricas e políticas da
são todo os anos no dia 10 de maio. Carta do marquês das Minas, inHftòb. DH, 89JA- y 3?, ‘ _ província da Bahia. Salvador, 1940, vol. 2, p. 138. Sobre as doenças c a mortalidade
7. Veja também Inácio Accioli de Ccrqueira c Silva. Memórias históricas e políticas da Ègrç' ■/ na colónia, veja Luiz Felipe de Alcncastro. "Peste c mortandades na formação do
província da Bahia. Salvador, 1940, vol. 2, p. 239-44. -1 fe', ■ mercado de trabalho brasileiro”. In: Antônio Risério (org.). Invenção do Brasil. Salva-
M Apesar de um engenheiro haver esclarecido que era necessária uma ponte de arcos, dor, 199?> P- •^‘8;c Francisco Guerra. “Medicine in Dutch Braz.il, 1624-1654”. In: E.
para que pudessem passar as águas do rio Belrcribe c mesmo das mares, c que permi- .^7
tisse o trânsito das canoas, resolveu-se pôr uma “muralha com alguns canos para a vS gjte van den Booggart (cd.). A Humanist Brince in B.ttropeandBraziL The Haguc, 1979, p.
472-93.
vazão do rio, e como aqueles não bastassem para este fim, alagou o rio todas as campi- Carta da câmara dc Natal ao governador-geral, janeiro dc 1688. IHGRN, caixa 65,
nas c várzeas da terra firme”. A águas, nestes pântanos, ficaram corruptas c desde livro 2, fl. 107v.
logo que a doença sc manifestou foi apontada como a causa pelos médicos locais, Carta dc Matias da Cunha para o capitão-mor do Rio Grande, 17/9/1687. DH, 1(1.250-4.
134 /X GUERRA OO AÇU A GUERRA DO AÇU 135
ção contra os bárbaros.’1’ Para tanto, pediu ajuda às autoridades de ocasião pelo governador, e nela votaram todos os teólogos, ministros e
Pernambuco, Paraíba e Rio Grande.’9 Essa expedição, de que temos oficiais maiores e mais sujeitos de grau, tendo-se assentado que a guer­
poucas informações, redundou em enorme fracasso. Em janeiro dc 1688, ra era “justa, devia ser ofensiva, e os prisioneiros cativos”.4’
Câmara c seus trezentos homens, depois de lutarem “todo o dia com Preocupado com o desenrolar dos acontecimentos e com a fúria que
mais de três mil arcos [.. .] até não poder mais resistir”, recuaram dei­ demonstravam os índios, Matias da Cunha procurou montar uma força
xando a campanha para o inimigo. O saldo: trinta soldados feridos. Cons­ maior, mais coordenada e que fosse capaz dc desbaratar dc uma vez os
ta que os índios se haviam apoderado das armas de alguns soldados. bárbaros.44 No início de 1688, o governador despachou uma série dc
Tamanha foi a derrota, que os moradores ficaram abalados a ponto dc ordens que procuravam articular expedições de pontos diversos e que
ameaçarem “despejar a capitania”/11 De fato, a magnitude das hostili­ entrassem no sertão simultaneamente para esmagar o inimigo. De um
dades estava produzindo um movimento dc fuga geral do moradores, lado, as tropas que partiriam dc Pernambuco, reorganizadas em torno
que tudo abandonavam, procurando por sua segurança e dc seus per­ do núcleo inicia) de Albuquerque Câmara c de Manuel de Abreu Soa­
tences. No dia 11 de janeiro de 1688, o capitão-mor do Rio Grande res, c de outro, vindo do Sul, as tropas dos paulistas que marchavam
baixou um edital para impedir este êxodo, alertando para o despovoa- para os Palmares, reforçadas pela bandeira de Matias Cardoso, outro
mento c considerando “traidor” todo aquele “de qualquer classe ou paulista que sc achava, na ocasião, entretido no sertão do rio São Fran­
condição” que tentasse sair da jurisdição, sob pena de ser preso e ter os cisco.45 Deveriam todos eles manter, na medida do possível, comunica­
ção para sc entenderem sobre o melhor modo de fazer a guerra, e agir
seus bens confiscados.41
O governo do Brasil resolveu improvisar uma solução para o caso. subordinados apenas ao governo da Bahia, sem nenhum comando cen­
Sabedor da jornada que preparava o paulista Domingos Jorge Velho con­ tralizado. A razão da estratégia de fracionar os contingentes achava-se
tra os negros dos Palmares, Matias da Cunha escreveu pedindo-lhe que na pcrcepção dc que a guerra contra estes índios não podia prescindir
a suspendesse c marchasse de Pernambuco “com todas as forças que de uma mimese do inimigo. Como veremos no próximo capítulo, estas
tiver, sobre aquele bárbaro, e fazer-lhe todo o dano que puder”. Dessa forças irregulares da Colónia deveriam ser “talhadas à feição do inimi­
feita, havia um incentivo a mais à bravura paulista. Como dizia o gover­ go”, na expressão de Oliveira Viana.46 Em outubro de 1688, o arcebispo
nador na carta: “Espero que não só terão todas as glórias dc degolarem d. frei Manuel da Ressurreição afirmava: “Como a guerra dos bárbaros
os bárbaros, mas a utilidade dos que aprisionarem, porque por a guerra é desordenada, e as suas invasões são repentinas, e ao mesmo tempo
ser justa resolvi em Conselho de Estado, que para isso se fez, que fos­ em diversas partes, sendo estas distantes, e impossível que um só su­
sem cativos todos os bárbaros que nela se aprisionassem na forma do jeito possa acudir a todas, é preciso que em cada uma governe separa­
Regimento dc Sua Majestade dc 611 ”.4-’ Essa junta fora chamada na damente o cabo a que tocar resistir-lhe, ou cometê-lo".4’ Noutra oca-

“ Cana ao governador dc Pernambuco, 15/91687.////, 7(7:248. Antônio dc Albuquerque contrato dc Domingos Jorge Velho com Souto Maior, para a campanha dos Palmares,
Câmara era auxiliar, juntamente com José Peixoto Vicgas c o sargento-mor Manuel datado dc 3 de março dc 1687, está na RIHG11,/:19, 1885.
Vieira dc Lima, da companhia do capitão Estêvão Velho dc Moura que tinha, desde u Carta dc Matias da Cunha para o capitão-mor da Paraíba, Amaro Velho Siqueira, 14/3/
1682, o comando da fronteira do Açu, desde as cabeceiras do Paraibu até o Xoró no i 1688. DH, /d:269.
Ceará, compreendendo o vale do Jaguaribc. Patente passada pelo capitão-mor do Rio :41 “E porque são várias as nações bárbaras que sc uniram para invadir aquela capitania c
Grande, Antônio da Silva Barbosa, 2/1/1682, citada por AfFonso dc E. Taunay. Histó- •' é tão considerável o poder com que juntas sc acham”. Carta do governador a Antônio
ria fítral ilas bandeiras paulistas. São Paulo, 1950, vol. 6, p. 306. de Albuquerque Câmara, 14/3/1688. DH, /(7:280.
■ ° Matias Cardoso dc Almeida c seu primo, Manuel Erancisco de Toledo, teriam assas-
w Garras de Matias da Cunha, 17/9/1687. Z)//, 70:250-4.
*' Carta dc Matias da Cunha para a câmara de São Paulo, 10/3/J688. DH, / 7:139-40; '. sinado um ouvidor c, fugindo dc São Paulo, foram com família c escravos viver cm
carta dc Macias da Cunha pura Domingos Jorge Velho, 8/3/1688. DH, l&.ZbZ-, e cana . . uma ilha no rio São Erancisco, que hoje fica cm frente à cidade dc São Romão. Scgui-
da câmara dc Natal ao governador dc Pernambuco, 27/1/1688. IHGRN, caixa 65, ■ ' ram depois para o Norte, indo fixar-sc na margem do Sào Erancisco, onde hoje é a
cidade de Morrinhos. Donald Picrson. 0 bomeut do São l'mnrísm. Rio dc Janeiro,
livro 2,11. 108. -
41 Edital do capitão-mor do Rio Grande, 11/1/1688, repetido pelo bando do governador / . 1972, tomo 1, p. 278.
*■ ’’* Oliveira Vianna. Populafões meridionais do llrasil. São Paulo, 1938, p. 83.
geral, 12/2/1688. IHGRN, caixa 65. livro 2. fl. l07v. c 109-109v., rcspectivamcnte.
i; Carta dc Matias da Cunha para Domingos Jorge Velho, 8/3/1688. DH, IO-.ZbZ. 0 í0 Carta do arcebispo para o governador dc Pernambuco, 4/12/1688. DH, /A336-8.
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136 A GUERRA DO AÇU A GUERRA 1)0 AÇII 137
sião, em carta ao capitão paulista e a Albuquerque Câmara, o arcebispo vernador pedia que a entrada fosse dirigida “como entender que possa
reconhecia que a estratégia <lc Matias da Cunha podia parecer estra­ ser mais ofensiva, degolando-os, c seguindo-os até extinguir, de manei­
nha: “um corpo com muitas cabeças fica sendo monstruoso”. Contudo, ra que fique exemplo deste castigo a todas as mais nações que confe­
pedia aos paulistas atentassem para o fato de que “a guerra destes bár­ deradas com eles não temiam as armas de Sua Majestade”. E explica­
baros é irregular e diversa das mais nações porque não formam exérci­ va, com minúcia dc funcionário, que, como havia declarado em Junta
tos, nem apresentam batalhas na campanha, antes são de salto as suas Geral (das Missões), os prisioneiros seriam feitos escravos para “o estí­
investidas, ora em uma ora em outra parte, já juntos, já divididos; com o mulo e gosto dos soldados”, mas que devia ser “muito importante o
que irregular também deve ser o método de os rebater”.41* reparo que vosmecé [Manuel SoaresJ deve fazer em não consentir que
Manuel de Abreu Soares partia no comando de 150 infantes do pre­ deixem de degolar os bárbaros grandes só por os cativarem, o que prin-
sídio de Pernambuco, com quatro capitães, 25 soldados de Itamaracá e cipalmentc farão aos pequenos c às mulheres de quem não podem ha­
igual número da Paraíba. Ele havia recebido uma patente de capitão- ver perigo que ou fujam, ou se levantem”.*51 Ao coronel Antônio dc
mor da entrada para garantir sua independência em face do capitão- Albuquerque Câmara mandou a mesma ordem sobre este particular:
mor do Rio Grande. Além desses, iam o governador do terço dos hen- “E vá vosmecé com a advertência de não consentir que nos conflitos se
riques, com cem soldados pretos, e o capitão-mor da tropa dos cama­ dê quartel a bárbaro algum grande, não ocasione a cobiça de serem os
rões, com quatrocentos. Soares tinha ordem para “tirar todos os arcos prisioneiros, cativos, como tenho declarado, deixados vivos, c poder
que quiser” das aldeias da Paraíba, isto é, recrutar todos os guerreiros acontecer a desgraça dc fugirem, ou tornarem a tomar as armas, que
que desejasse, para o que, segundo ordenou Matias da Cunha, o capi­ para despojos bastam os pequenos e as mulheres”.52
tão-mor daquela capitania, Amaro Siqueira, deveria reunir todos os ín­ Segundo o autor da crónica dos frades menores da província de San­
dios da aldeia da Preguiça (que haviam fugido das de Mipibu, Cunhaú to Antônio do Brasil, que transcreveu no século XVIII grossa papelada
e Guaraíras), estabelecendo um perdão aos que sc juntassem à tropa dc relativa às atividades dos franciscanos, Manuel dc Abreu Soares já an­
Antônio dc Albuquerque, para onde deveriam ser enviados.4’' O coro­ dava pelo sertão desde o início de 1687, por ordem do capitão-mor do
nel Antônio de Albuquerque, que havia sido derrotado, seria abasteci­ Rio Grande. Sua provisão na Bahia cm março dc 1688, com expressa
do com armas e munições c agregaria à sua gente uma companhia “de alforria da jurisdição local, visava, sem dúvida, reforçar a autoridade da
gente parda, e todos os degradados c criminosos”, que fora formada por iniciativa central do esforço de guerra. Fato não sem consequências no
um bando do governador, para assistir na mesma guerra, independen­ desenrolar dos acontecimentos, como veremos. Abreu Soares, cm uma
temente da jurisdição de Soares. Além disso, pretendia o governador certidão dc junho dc 1687, conta como fora enviado a fazer guerra aos
que, do rio São Erancisco, o paulista Matias Cardoso marchasse pelo índios da Ribeira do Açu, com 120 homens e os índios do Camarão,
sertão com trezentos soldados brancos c índios armados, abastecidos acompanhado dc um certo frei Manuel da Santa Rosa, franciscano. Er­
igualmente com armas c munições. Domingos Jorge Velho e André Pinto ■ gueu um arraial, com paliçada feita das madeiras dos matos locais, e em
suspenderiam a entrada aos Palmares para que “cada um pela sua parte ■ ; seguida franqueou a ribeira, “ajuntando a ossada daqueles corpos que
façam pelos sertões da Paraíba, Rio Grande e Ceará ao mesmo tempo o gentio infiel tinha morto atraiçoadamente”. Quando se achou uma
entradas com que entenderem podem afligir mais viva e danosamente trilha de índios para os lados do rio Salgado, Soares partiu cm seu cn-
aos bárbaros”. Estavam no comando dc mais dc seiscentos homens. * < calço com oitenta homens: “Pondo-me na trilha, a seguimos de dia c
Pernambuco deveria enviar, ainda, oitenta infantes à fortaleza dos Reis >í . de noite por ásperas serras, e dentro dc três dias me opus junto aos seus
Magos (dos quais cinquenta seriam entregues, com um cabo, a Antônio ?
de Albuquerque) c trinta à do Ceará.5*1
Em carta a Manuel de Abreu Soares, de 14 de março dc 1688, o go- bando do capitão-mor do Rio Grande perdoando os criminosos que sc engajassem na
defesa da capitania, 24/2/1688. História geral das bandeiraspatdistas. São Paulo, 1950,
vo). 6, p. 316.
4" Carta do arcebispo para os mcstrcs-dc-campo, 30/11/1688. DH, /d:347-51. S1 Carta dc Matias da Cunha para Manuel dc Abreu Soares, 14/3/1688. DH, 10'd.l^-h.
r‘ Carta de Matias tla Cunha para o capitão-mor da Paraíba, 14/3/1688. DH, M269. . _S ® Carta dc Matias da Cunha para Antônio dc Albuquerque Câmara, 14/3/1688. DH,
*%;
'Podas estas providencias foram tomadas no dia 14 de março dc 1688. DH, /di263-80;, 10-.2T1.
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138 A GUERRA DO AÇU G II K
ranchos, sem ser sentido, onde habitavam com o seu mulherio; ao rom­ reforço das tropas não pareciam seguir bom curso. Em maio de 1688, os
per da manha lhes dei um repentino assalto, fazendo neles grandes ma­ camaristas de Natal reclamaram do governador dc Pernambuco a ajuda
tanças, queimando-lhes os ranchos e mais despojos”. Temeroso de sua que ele não enviava, tendo-a prometido há mais de seis meses.5* Nesta
pouca força, recuou umas duas léguas para se recompor, aguardando o mesma altura, Matias da Cunha reclamava da pasmaceira do governa­
contra-ataque do gentio, o que de fato ocorreu. Da peleja tiveram os dor dc Pernambuco.59 De toda maneira, a situação da Fazenda não era
índios grande quantidade de mortos c feridos, a gente luso-brasileira muito confortável. O procurador, Rego Barros, escreveu em 3 dc outu­
apenas três feridos, e dois logo morreram. “Vendo-se o gentio derrota­ bro dizendo que não havia disponibilidade de recursos para as despe­
do, se retirou para o seu valhacouto no carrasco”, e a tropa retornou ao sas solicitadas. O governador-geral, com a Junta dos Ministros da Fa­
arraial onde assistiu por mais quatro meses, ate que lhe mandou mudar zenda, resolveu propor um novo regimento.60 Ao que parece, este foi
o capitão-mor do Rio Grande.51 Pedro Carrilho de Andrade, cm seu logo implementado, e no seu capítulo 30 permitia o uso dos dízimos,
memorial, nes dá um relato mais pessimista das iniciativas deste capi­ consignações c empréstimos no caso dc guerra. Mandou, dc todo jeito,
tão. Segundo ele, Soares chegou com seu troço na ribeira do Açu c “logo que a câmara do Rio Grande entregasse os 200$000 réis que prometera
os gentios bárbaros a sua vista lhe mataram dez ou doze homens e os ao capitão Bartolomeu Nabo Correia.6' Em junho, apesar dc serem pou­
despojaram das armas”.M De toda maneira, temos notícias de que no cos os infantes dos terços, os paulistas e mais gente de Pernambuco e
fina) de 1687, ou início dc 1688, Manuel dc Abreu Soares marchou para da Paraíba foram cm marcha, engrossar o efetivo dos que já se achavam
o sertão das Piranhas para encontrar o governador paulista. Domingos no sertão.62 E, em setembro, Matias da Cunha confirmou a patente de
Jorge Velho, e o coronel Antônio de Albuquerque, “e todos incorpora­ Agostinho César dc Andrade, novo capitão-mor do Rio Grande, e des­
dos seguimos as trilhas do gentio bárbaro com 25 dias de viagem, por tinou mais mil cruzados (400$000 réis) para a farinha, “para a destrui­
ásperas serras e travessias, faltando-nos os mantimentos, nos sustenta­ ção dos bárbaros e sossego dos moradores”.65
mos com várias raízes e frutas agrestes”.55 : As tropas de Pernambuco não pareciam conseguir os resultados es-
Abusando dc sua jurisdição, o capitão-mor do Rio Grande, Pascoal i perados, contrastando vivamente com o bom sucesso das forças dos
Gonçalves de Carvalho, ordenou ao sargento-mor, Pedro de Albuquer­ í paulistas. Em carta ao bispo de 29 dc setembro dc 1688, Matias da Cu-
que Câmara, irmão de Antônio, juntar-se com sua gente a Manuel dc . nha dizia ter recebido correio do falecido governador de Pernambuco,
Abreu Soares. Foi por isso repreendido pelo governo da Bahia, pois o Fernão Cabral,w datada de quarenta dias, dando conta do “mau suces-
sargento-mor deveria antes atender ao irmão que pedia socorro.56 Como
se vê, a interferência de Carvalho era incomoda à estratégia traçada na
Bahia, pois era certo que o governo-geral queria que as duas colunas ' B Os protestos foram enviados pelo procurador Gaspar Reboliças Malheiros c pelo ca­
operassem em zonas diversas.57 Por outro lado, as providências para o pitão-mor Francisco Bcrenger de Andrade. Carta, 29/5/1688. Apud: Carlos Studart
Filho. Páginas de história epré-história. Fortaleza, 1966, p. 68.
” Carta de Matias da Cunha a Souto fylaior, 30/5/1688. DH, /tf:28í.
51 Certidão assinada por Manuel dc Abreu Soares, 13/6/1687. Frei Antônio de Santa kA *® Carta de Matias da Cunha para o provedor da Fazenda de Pernambuco, 12/10/1688.
Maria Jaboatão. Orbe seráfico novo brasílico. Lisboa, 1761, livro anreprimeiro, capítulo A DH, 10:309.
." Carta de Matias da Cunha, 13/10/1688. DH, 10:309-11.
XVI, p. 66-7.
w Memorial dc Pedro Carrilho de Andrade, 1703, AHU, Pernambuco, caixa 16. ? í 62 Carta de Matias da Cunha, 2/6/1688. DH, 10:290.
55 Certidão assinada por Manuel dc Abreu Soares, 9/2/1688. Frei Antônio dc Santa Maria 41 Carta de Matias da Cunha para o capitão-mor do Rio Grande, 4/9/1688. DH, 10:298.
Jaboatão. Orbe seráfico novo brasílico. Lisboa, 1761, livro anteprimeiro, capítulo XVI, 2 Rego Barros deveria providenciar a farinha e enviá-la ao capitão-mor. DH, 10:300.
p. 66-7. De fato, uma cana dc Francisco Bcrcngcr dc Andrade datada dc 5 de junho Em compensação, os provedores da Fazenda da Paraíba, Rio Grande c Itamaracá
de 1688, respondida apenas em 4 de setembro, informava que os paulistas haviam deveriam entregar os dízimos c as propinas do governador ao dito Rego Barros. Carta
chegado ao rio das Piranhas c sc unido ao regimento dc Albuquerque. DH, /(F.300. ■ s r-7-: - dc Matias da Cunha para os provedores, 5/9/1688. DH, l(h30\.
56 “E este um caso por que vosmccc merece scr não só repreendido, mas severamente ■ “ Fernão Cabral, senhor de Zurara, cra alcaide-mor dc Belmonte c descendente dc
castigado c por isso lho estranho muito”. Carta dc Matias da Cunha para o capitão- Pedro Alvares Cabral. Assumiu cm julho dc 1688, mas não durou muito à frente do
mor do Rio Cirande, 28/8/1688. DH, 10:295. governo dc Pernambuco. No dia 9 dc setembro, logo após a morte do filho, Fernão
’7 Affonso dc E. 'íãunay. História geral das bandeiras paulistas. São Paulo, 1950, vol. 6, p. ' Cabral faleceu. Quatro dias depois, o bispo d. Matias de Figueiredo c Melo assumiu
' o governo, “sem adjuntos”, conforme uma patente da Bahia. Houve uma disputa so-
327. -'á
140 A GUERHA 1)0 AÇll A GIIEHHA l)() AÇU 141
so que tiveram as armas de Sua Majestade na campanha do Rio Gran­ tos. Os moradores do Cunhaú haviam sido atacados/19 os “arraiais esta­
de”, notícia que fora confirmada por Agostinho César de Andrade. Em vam sitiados, e os bárbaros tão insolentes, que escassamente lhes po­
meio ao desânimo geral, poucas horas depois de lida essa mensagem dem escapar os correios que por novas veredas trazem os seus avisos ao
chegaram dois índios, com 29 dias de caminho, portando uma carta dc Rio Grande”. Segundo Matias da Cunha, as tropas não poderiam resis­
Sebastião Pimentel, que estava entre os paulistas de Domingos Jorge tir “sem pólvora, sem armas e sem mantimentos”, e o provedor dc Per­
Velho. Ele informava da vitória que conseguiram em uma peleja de nambuco deveria “socorrê-los de qualquer fazenda que haja”, quer di­
quatro dias com os índios c de uma perseguição que fizeram no inte­ zer, usando do dinheiro dos defuntos c ausentes, ou do cofre dos órfãos.”'
rior, o que custara “uma notável presa de gados”, mas que, por falta de Na mesma ocasião, o governador-geral proibia aos moradores do Rio
pólvora e balas, tiveram de interromper. Escrevia então ao novo encar­ Grande dc descer com os gados, porque poderiam despovoar o interior
regado do governo de Pernambuco contando que esta notícia não lhe e “sc não poderem sustentar as nossas fronteiras se não os tiverem”.71
diminuíra a percepção do “sentimento de fraqueza que os pernambu­ Não obstante, para os paulistas as coisas pareciam melhores. Em 14 ou­
canos tinham mostrado antes, tanto contra a opinião de seu antigo va­ tubro dc 1688, Matias da Cunha recebeu uma carta dc Domingos Jorge
lor; fugindo tão declaradamente dos bárbaros, que entrando naquela Velho noticiando o bom sucesso de suas expedições. Demonstrando seu
campanha quase novecentos homens, se não acharam seus cabos com contentamento, o governador assentiu ao pedido de patentes feito pelo
duzentos; sendo motivo para o medo, não tanto o superior poder das chefe dos paulistas. Diferentemente das que haviam sido passadas para
várias nações, que sc uniram para os estragos daquela capitania, como a a expedição aos Palmares, que não lhes garantiam o direito aos soldos,
divisão da nossa gente, e a desobediência de um capitão de infantaria prometeu-lhe a patente de governador de um regimento a ser criado
chamado Antônio Pinto”, que se amotinara com alguns soldados/0 Em com a reunião de sua gente, com proeminências de mestre-dc-campo,
carta de outubro dc 1688, para Agostinho César dc Meneses, vocifera­ ao que enviava assinada a carta patente, alem dc uma de sargento-mor,
va que sc nada fora feito ate agora era por desrespeito das ordens/16 O . quatro de capitães c dois de ajudantes, todas em branco para que ele as
mestrc-dc-campo dc Pernambuco, Zenóbio Axioli de Vasconcelos, que preenchesse. “Espero que vosmecê me repita novas de outros maiores
era encarregado dos terços de infantaria, informou que o terço de Soa­ sucessos, até finalmentc me vir a última, e mais gloriosa de se ter aca­
res reduzira-se dc seiscentos para duzentos soldados e que Albuquerque bado a guerra c ficarem totalmente extintos os bárbaros”.7-
estava só, com um capelão e um trombeta, fato que merecia o seu co­ Não obstante essas vitórias paulistas, as notícias do Rio Grande pre­
mentário nostálgico: “Ação verdadeiramente incrível do antigo valor ocupavam o governo pelo “aperto cm que ficavam as nossas fronteiras
pernambucano, mas c certo que são já poucos aqueles que então lhe pelo grande poder e atrevimento dos bárbaros”. Corriam informações
deram a fama”. Recomendava, então, o envio dos dois terços dc Pernam­ dc que Domingos Jorge Velho e Antônio de Albuquerque Câmara se
buco c a mobilização das ordenanças/17 Quanto às gentes enviadas da achavam sem gente, armas, munições e mantimentos. Para reforçar o
Paraíba pelo capitão-mor Amaro Velho Ccrqueira, haviam desampara­ ;socorro que imaginava já ter sido enviado, o governador-geral mandou
do e voltado todos, pelo que mereciam castigo/16 5':^" . ; uma sumaca para o Recife com 40 arrobas de pólvora fina e 120 de chum-
Em outubro, a situação da guerra era crítica. Os índios aproveitavam ,;bo, para daí ir em outra embarcação à Paraíba e seguir por terra até o
a desorganização das tropas de Pernambuco e realizavam novos assal- /“quartel nas Piranhas", onde seria dividida entre o paulista e Albu-
«^aquerque Câmara. Por terra, enviava também mais dois troços de gen-
|tj??te. Um, dc 150 homens brancos e até 300 índios (reconduzidos das al-
bre a forma dessa sucessão, dado que o senado da câmara quis arrogar-se o poder,
^/;3eias e de uma e outra banda do rio São Francisco pela parte do sertão),
nomeando, sem podê-lo, o bispo. 'ilido “nulidades", segundo Matias da Cunha, que
>o.'iiKio
tinha as prerrogativas. Carta ao t ’ , “ntilidadcs ’ c ’......«m» Pvnldo-.i-ÍM TO^para reforçar a tropa do mestrc-dc-campo dos paulistas. Outro, das al-
,s^unuoMairas^^» ‘>,^H do
Cabral dc Mello. A fromht tios mazombos. São Paulo, 1996, p. 54-5.

Carta ao bispo, 29/9/1688. DH, 1(7:307-8. Veja rambém carta dc Matias da Cunha Carta dc Matias da Cunha para o governador dc Pernambuco, 14/10/1688. D//, /í?:322.
governador de Pernambuco, 28/8/1688. DH, 117:294-5. Carta do governador-geral para o provedor JoJo do Rego Barros, 18/10/1688. /.)//,
Carta dc Matias da Cunha, 13/10/1688. DH, /A309-11. UO /A328-3O.
rz.
Carta de Matias da Cunha para o mcstre-dc-campo, 14/10/1688. DH, lOàW-ZO. 5?^ Cartada Matias da Cunha para o capitão-mor do Rio Grande, 18/10/1688. DH, /</:330-l.
67

6X
Carta <le Matias da Cunha para o capitão-mor da Paraíba, 14/10/1688. DH, /0:32í. Carta dc Matias da Cunha para Domingos Jorge Velho, 13/10/1688. DH, /lh313-5.
A GUERRA Do AÇU 143
142 Ac ribeiras
deias GUERRA DO a<,.
do São Erancisco com mais de 200 brancos e 300 índios necessário carregar mantimentos com que se hão de sustentar”. O in­
das vizinhanças (rodelas c demais nações), reunidos na vila do Penedo conveniente estaria em que, mesmo que fossem alcançados, “o maior
para o reforço da tropa de Albuquerque Câmara, que passava agora, a despojo desta vitória serão entre vinte c trinta tapuios mortos e outros
exemplo do paulista, a ser “governador de toda a gente que tiver à sua tantos feridos”. Dessa forma, seria sempre necessário andar atrás deles
ordem”, com as mesmas proeminências c soldo de mestre-dc-campo. para evitar as extorsões e danos que haveriam de fazer os que sobrevi­
Segundo as ordens de Matias da Cunha, que escreveu a ambos para vessem, “e o pior será, como é certo, que não só essa nação, senão mui­
reforçar sua estratégia, eles deveriam ter jurisdições independentes, tas que hoje estão quietas se hão de levantar, induzidas facilmente dos
ambas subordinadas porém ao capitão-mor Agostinho César. Além dis­ outros, e teremos novas rebeliões que castigar; e eterna aquela guerra e
impossível a quietação dos moradores daquela capitania”. Além disso,
so, remeteu-lhes cem espingardas.71 a guerra traria grande despesa à Fazenda Real. Ulhoa calculava que as
As expedições da gente pernambucana, como vimos, não se mostra­
vam eficientes na contenção dos bárbaros, e apenas os paulistas pare- i entradas que Afonso Furtado mandara fazer no sertão da Bahia haviam
ciam oferecer algum tipo dc solução no curto prazo. A estratégia traçada custado algo cm torno dc 30.000 cruzados (“o que sei porque servia
pelo governador na Bahia poderia não surtir muito efeito, uma vez que naquele tempo o meu pai Antônio Lopes Ulhoa dc provedor-mor da
coordenar de maneira eficiente tropas que agiam tão distantes no ser­ Bahia”). Sua proposta de “um caminho mais suave para a quietação”
tão era de fato algo quase impensável. Nesse contexto, algumas pro­ dos índios era que o capitão-mor do Rio Grande, que estava para ser
postas mais articuladas surgiam, como a de José Lopes Ulhoa. Este fi­ nomeado (isto é, ele, de preferência), entrasse no exercício de suas fun­
dalgo da casa dc Sua Majestade fora soldado na Bahia dc 1663 a 1665, ções “publicando uma sanguinolenta guerra contra estes tapuios, fa­
capitão dc infantaria c provedor-mor da Fazenda Real (como seu pai, | zendo algumas preparações para ela, convocando ainda que suposta-
Antônio Lopes Ulhoa). Em março de 1688, servia como soldado na Junta mente o terço do Gamarão a que todos esses tapuias tiveram sempre
do Comércio c pleiteava o posto de capitão-mor do Rio Grande, para o grande temor”. Enquanto fizesse as diligências para essa suposta guer­
que enviara a Lisboa um papel em que apontava soluções para o levan­ ra total, o capitão-mor deveria buscar,
tamento dos índios.74 Segundo ele, “nas rebeliões ou se usa dos meios
da indústria para a quietação ou das armas para o castigo”. Nesta se . com todo o segredo, alguns vaqueiros moradores naquele ser­
deveria usar de ambos, “trabalhando porém mais no da indústria pela tão com os quais esses tapuios comem e bebem e a quem chamam
natureza dc vida c trato desta nação e porque também pelo outro será compadres, c aos que entender são de maior confiança e fidelidade
mais dificultoso o castigo”. Para ele, estes tapuias (“a que chamam os obrigará com dádivas que hão de custar muito pouco e com pro­
jandoins”) eram muito diferentes dos outros “porque não têm aldeias messas que é melhor buril para semelhantes corações, c os mandará
nem parte certa em que vivam e sempre andam volantes, sustentando- a que vão buscar estes tapuios e lhes digam, vendendo-lhe por fine­
se algumas vezes dos frutos da terra c caça que matam c outras de al­ za o aviso tudo o que o capitão-mor intenta contra eles e que sem
gum gado que lhes dão os vaqueiros ou eles roubam”. Com relação às dúvida ficarão destruídos e.que só terão por remédio dc vir pedir-
entradas feitas na Bahia quarenta anos antes, tratava-se dc reconhecer ; lhes paz e dar toda segurança a ela” .75
que estas guerras seriam muito mais difíceis, pois na ocasião eram “di­
ferentes as nações porque tinham aldeias certas”. Assim, querer casti- Ulhoa não tinha “dúvida de que este gentio intimidado nessa forma,
gar estes homens pela força das armas parecia-lhe “quase impossível e í, é pelos que eles presumem ser seus amigos e confidentes, há dc vir
muito inconveniente”. Quase impossível porque logo que tivessem ; . pedir paz, a qual o capitão-mor concederá repreendendo-os e amansan­
notícia das expedições fugiriam e, por mais cuidadosos c diligentes que do-os muito asperamente pelas suas línguas”. Para garantia da paz, de-
fossem seus perseguidores, “não os poderão alcançar pela ligeireza com . 4, ; veria, então, tomar “cinco ou seis filhos dos maiorais como reféns os
que este gentio marcha e pouco peso das armas que levam sem lhes ser . ► quais terá em sua companhia na fortaleza”.
i A prática de tomar reféns dos povos que concordassem em subme-
" (Carta dc Matias da (Cunha para o governador de Pernambuco, 4/12/1688. DH, fA33M. y.,-
u Consulta do Conselho Ultramarino, 30/3/1688, AHU, Rio Grande, caixa 1. ’ í Consulta do Conselho Ultramarino, 30/3/1688. AHU, Rio Grande, caixa I.
144 G II li IIK A 1)0 AÇU
A GUERRA IM) AÇU j 45
tcr-sc ao comando do governo português cra, como sabemos, difundida |e sertão com os quais esses tapuios comem c bebem” eram riiais do
no inundo colonial. E um mecanismo importante de controle, que de­ que sertanejos conhecedores do modo dc vida indígena ou cúmplices
monstra cabalmentc a superioridade relativa dos luso-brasileiros nas dc seus costumes; segundo Ulhoa, os índios os tinham por “compadres”,
guerras contra os tapuias. A empresa colonial cra, ao fim c ao cabo, orien­ donde podemos perceber que as relações dc parentesco eram estreitas
tada por um aparelho estatal, cujas redes de poder garantiam, em esca­ e implicavam um universo social específico, cujas exatas dimensões,
la desconhecida pelos índios, operações dc vingança c repressão que os infelizmente, não podemos aferir.
capturavam numa nova cspacialidade do terror. Os índios viam-se sub­
mersos em uma guerra totalmcntc diversa dos confrontos controlados e
A campanha de Matias Cardoso de Almeida, 1690-1695
estanques da dinâmica guerreira tradicional. Os inimigos não só eram
mais numerosos, mas mais organizados e persistentes. A “memória bu­ O recurso aos paulistas, que restabelecia a solução encontrada na Ba­
rocrática” do poder estatal permitia um processo amplificado de domi­
hia há quarenta anos, impunha-se como a única alternativa possível.
nação, cuja racionalidade particular sc aperfeiçoava, 'lai estratégia de Além da tropa dc Domingos Jorge Velho, já destinada aos Palmares, fa­
manter a obediência tios aliados por meio dos reféns, segundo Lopes zia-se necessário um reforço. Com efeito, no início de 1688, Matias da
1 Ilhoa, havia sido posta em prática por um seu parente em semelhante Cunha já havia escrito aos edis São Paulo, alertando que o Rio Grande
alteração na Bahia e demostrara resultados.7*’ Por que não repeti-la? De­ se achava “oprimido” pelos bárbaros. Contava ainda que a decisão da
vemos notar, contudo, que nem sempre tal solução foi a mais eficaz. junta era por declarar cativos os bárbaros prisioneiros, de acordo com a
Havia sempre o risco de, com tamanha tirania, exasperar ainda mais os provisão de 1611; assim, pedia que convencessem os paulistas a virem
índios. Em uma carta para o capitão-mor do Rio Grande, o governador- pelo sertão, não só pelo interesse do serviço do rei, mas pelos escravos.
geral, João dc Lencastro, considerava as dificuldades dessa prática e 0 governo daria as munições necessárias “donde avisarem que as que­
indicava outras soluções: “bem creio quão difícil é confirmar-se paz com rem, que é só a despesa que a Fazenda Real pode fazer pelo presen­
os bárbaros sem reféns, c que os [meiosj mais seguros são os resgates te".78 Como vimos, os planos de Matias da Cunha já previam a incorpo­
dc que vosmccc necessita para os mover”.77 ração do paulista Matias Cardoso às forças portuguesas, ordenando que
Apesar de haver falhado cm sua eleição e de que a sua proposta jamais se deslocasse do sertão do São Francisco para o teatro da guerra.
seria implementada, esse papel de Ulhoa revela importantes dimen­ Após a morte de Matias da Cunha, em 24 de outubro dc 1688, víti­
sões envolvidas no contexto dessa guerra. Primeiramente, a pcrcepção ma da bicha, o governo foi assumido por uma Junta Provisória composta
dc que a resistência desses povos, por sua específica maneira dc interagir do chanceler da Relação, Manuel Carneiro de Sá, c do arcebispo, dom
com a ecologia local e por suas técnicas militares fragmentadas, produ­ frei Manuel da Ressurreição. Este último, que restou com o poder de
zia uma situação endémica de insegurança c conflitos impossível dc ser . fato, escreveu a todos envolvidos nos conflitos pedindo que se guar­
controlada a não scr por uma estratégia de aproximação c intimidação. dassem inteiramente as ordens do falecido no tocante às guerras dos
Nesse sentido, sua proposta ficava a meio caminho dos termos do dile­ bárbaros.79 Dc fato, cm uma carta, dc 30 dc novembro de 1688, aos ofi­
ma que dominou o debate sobre a natureza dessa guerra: dc um lado, a ciais da câmara dc São Paulo, o arcebispo explicava que, assim que mor-
proposição do extermínio completo dos índios c, de outro, sua integração ? reu Matias da Cunha, o secretário do Estado, Bernardo Vieira Ravasco,
subordinada à ordem colonial. Em segundo lugar, que esta estratégia ■
mostrara-lhe a carta que havia enviado em março. Vendo que ainda não
traria resultados à medida que sc reconhecessem e se pusessem ao seu ' r havia chegado resposta, reiterava o pedido, pois, segundo ele, eram “en-
serviço as relações existentes entre os povos indígenas e a população : tão mui cruéis as hostilidades que aqueles moradores padeciam; é ain-
dc moradores daqueles sertões. Aqueles “vaqueiros moradores naque-

■f Carta, 10/3/1688. DH, //.-I39-40. “li por não faltar a diligência alguma, escrevi à câ-
Alem disso, recomendava o envio de dois religiosos da Companhia para os caccqute ; f ' mara dc São Paulo para que daquela capitania venha outro socorro de paulistas pelo
Papel de José Lopes Ulhoa visto pelo Conselho Ultramarino, 23/3/1688. AHU, Rio
■ sertão, e não tenho pequena confiança dc que venha fazer este grande serviço a El-
Grande, caixa 1, 26. ' , ■ Rei meu Senhor...”, 4/10/1688. DH, /d:336-8.
” Carta do governador-geral ao capitão-mor do Rio Grande, ZíWfM. DH, 38:325-& .j í ” Canas do arcebispo, 29/10/1688. DH, 10:332-5.
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146 A GIIEHKA DO AÇII
A GIIEKRA Do AÇU 147
d;i maior o aperto em que hoje se vêem os nossos arraiais, por ser in­
permanecendo “obstinados”, mas outros, que desceram ao rio Potcngi,
comparavelmente maior o poder os bárbaros que o das nossas armas”.
bem perto da cidade, pediram pazes e o capitão-mor lhes concedeu sob
Das fronteiras, chegavam avisos de que as tropas não se atreviam a in­
certas condições?
* Os moradores, entretanto, reagiam com pavor a essa
vestir contra os índios nas suas aldeias, e que eles chegaram “a vir cer­ iniciativa do capitão-mor. Temiam que os tapuias tivessem pedido a paz
car os nossos quartéis”, onde estavam Domingos Jorge Velho e Antônio
para dela sc aproveitar, tomando conhecimento da cidade c seu entor­
Albuquerque Câmara, “os quais, pelejando quatro dias com os bárba­
no e preparando, assim, uma ofensiva final.1**’ Em rota de colisão com o
ros, por falta de munições se retiraram aos quartéis de que saíram”/" paulista Domingos Jorge Velho, Agostinho César dc Andrade tramava
Não havia nenhuma notícia do reforço do sargento-mor do Ceará, que também sua retirada da capitania, onde estorvava seus interesses pes­
estaria cm marcha para o Rio Grande com quatrocentos tapuias?1 Ou­ soais no comércio dc escravos índios. Os edis enviaram um requerimento
tra informação dava conta dc que a fortaleza do Rio Grande não tinha
ao paulista solicitando sua permanência, atropelando claramcnte as prer­
mais do que “sete soldados estropiados”, e de que Domingos Jorge Ve­ rogativas do capitão-mor. Aquele, com prazer, disse que ficaria c cum­
lho e /Mbuquerque Câmara estavam “retirados por falta de munições priria sua tarefa, que era a dc destruir completamentc os tapuias?7
aos quartéis das Piranhas”?- Por outro lado, os moradores continua­ Em dezembro de 1688, o paulista Matias Cardoso zanzava pelo ser­
vam a deixar o país, fosse pelo assedio dos índios, fosse pela destruição tão do Rio São Francisco cm busca dc farinha. O falecido governador o
causada pelas próprias tropas, que consumiam os recursos locais. Em
dezembro, o arcebispo pedia a Manuel dc Abreu Soares que pusesse
cuidado e parcimónia nas rações, pois sua gente vinha fazendo grande Jtf
Cana ao capitão-mor Agostinho César dc Andrade, 14/5/1689. DH, /P:356-8.
estrago nos gados, com “grande prejuízo de seus donos, os quais por 86
Carta da câmara dc Nata) ao governador-geral, 22/1/1689. IHGRN, caixa 65, livro 2,
essa causa sc vão retirando: c é lastima que não tenham contra si os fl. Il7-8v.
H7
bárbaros, mas os mesmos que os deviam defender, para a sua ruína”. Requerimento da câmara de Natal a Domingos Jorge Velho. 23/3/1689, carta dc Do­
Segundo a carta, /Xbreu reconhecia que “o sucesso do Açu foi causa da mingos Jorge Velho à câmara de Natal, 23/3/1689, IHGRN. caixa 65, livro 2, II. 119-
119v e fl.120, rcspcctivamentc. A história das relações entre os “intrusos" dc São
fugida da maior parte da gente”. Havia ficado com poucos milicianos, Patdo e os poderes locais no Rio Grande sempre foi marcada por desavenças c situa­
infantes, henriques e índios dos camarões, e resolvera desamparar a ções conflituosas (com veremos no Capitulo 6). Em agosto de 1689, cm várias cartas,
posição do Açu, para escândalo da Bahia, que via nessa atitude a entre­ o arcebispo dá conta da contenda que houvera entre Domingos Jorge Velho c o capi­
ga da capitania ao inimigo?’ Pedro Carrilho de Andrade conta que Soa­ tão-mor do Rio Grande, Agostinho César dc Andrade. Segundo o informe dos oficiais
res, que já tinha oitenta anos, e sua gente assistiram apenas cinco ou da câmara “o capitão-mor para estorvar o intento bom que tinha o paulista”, cativou
as mulheres c filhos dos tapuias. Esta “bagagem" fora deixada pelo mcstrc-dc-cam-
seis meses naqueles sertões e por falta de mantimentos se retiraram, ' po na aldeia tios jesuítas como “refém" para a “segurança dos pais c maridos que
deixando o inimigo senhor da campanha.1*4 ■ consigo levou para o serviço de Sua Majestade c línguas das suas marchas". Agosti­
Segundo informações do capitão-mor do Rio (irande, Agostinho César nho César repartiu os cativos com três ou quatro do seu séquito. Na ocasião, chegan­
de Andrade, em fevereiro de 1689 os bárbaros haviam-se fracionado. Al­ do o novo governador dc Pernambuco, Matias Vidal, “vendo o mal que capitão-mor
guns janduís, chamados panatis, resolveram continuar as hostilidades, obrara nesta ação, a injustiça e a ruína que seguiria dc fazerem este dano âs famílias
que andavam cm serviço dcl-rei. o persuadira a mandar repor na mesma aldeia os
mesmos que tinha cativado". Nada obstante, os oficiais da câmara de Natal, que ha­
viam denunciado os excessos, mudaram repentinamente dc opinião c repetiram o
Carta dc Matias da Cunha para a câmara dc São Paulo, 30/11/1688. DH, //.-142-5.
W) desmando: “confederados brcvcmcntc com o capitão-mor concordaram cm sc lhe
Hl
Na carta ao governador dc Pernambuco, 4/12/1688./J//, /d:336-8. ? dar na aldeia timndtuosamcntc um assalto cm 7 de junho, c levaram perto dc duzen­
Carta do arcebispo ao provedor da fazenda de Pernambuco, 4/12/1688. DH, /O-.339-43..
X’ tas almas que ali assistiam sujeitas, c as repartiram entre si para o seu serviço". Don­
KV
Carta do arcebispo para Manuel dc Abreu Soares, 6/12/1688. DH, IA343-6. : fea 'a. de sc conclui que sc estavam mal com o capitão-mor era por ele, na primeira vez. não
Memorial dc Pedro Carrilho de Andrade, 1703. AI IIJ, Pernambuco, caixa 16. Scgun- .. haver repartido os cativos. O arcebispo c govcrnador-gcral ordenava, então, a repara-
X4
do Matias da Cunha, quando Manuel dc Abreu Soares sc retirou, ele tinha oitenta
ção imediata do acontecido, pois “desta sorte cessará dc imediato a justa queixa dos
anos c estava cm apuros ainda por conta da traição. Carta dc Matias da (.'tinha, 14/10/
pais c maridos c sc darão por obrigados a servir com mais fidelidade nas guerras em
1688. DH, /d:315. Recebera, por serviços prestados, uma ajuda dc custo dc 200 cru-
que andam". DH, it):3tâ-7; veja ainda a carta do arcebispo ao capitão-mor do Rio
zados e outras duas dc 100 cruzados para cada filho. Carta dc Matias da Cunha ao Bjf Grande, 27/8/1689. DH, /P:369-7I; e a carta de Domingos Jorge Velho ao arcebispo,
governador dc Pernambuco, 12/10/1688. DH, !0:3ZS~(>. 27/8/1689. DH. ÍO:37\-3.
A GUHRRA Do AÇU 149
148 A (ÍIIERRA PO AÇU cias feitas pelos paulistas.91 Manuel Camargo havia proposto capítulos
havia recomendado ao arcebispo, por informações do mescre-dc-campo
com condições desmedidas cm um papel enviado ao secretário do Es­
Antônio Guedes de Brito e do provedor-mor Francisco Lamberto, para
os quais o paulista era homem dc grande valor. Dc fato, Cardoso tinha tado. Matias Cardoso não fizera pedidos menos excessivos: uma “mul­
grande experiência no sertão. Já havia sido voluntário nas expedições tidão dc postos maiores, capitães e soldados brancos, mas ainda para os
dc Fernão Dias Pais e fora nomeado, em 1681, pelo administrador-ge­ índios, que como infantes deveriam ser pagos c fardados”. Segundo o
julgamento do arcebispo, ambos não haviam tratado do serviço do rei,
ral das Minas da repartição do Sul, D. Rodrigo Castel Branco, como
tenente-general da leva dc Sabarabuçu, que partira em busca das mi­ “senão que considerando-se uns c outros o único c total remédio da
nas dc prata.
** l-'rei Manuel da Ressurreição não duvidava de que a câ­ defesa daqueles povos, só puseram os olhos na sua conveniência”. Ain­
mara dc São Paulo e o capitão-mor de São Vicente o elegeriam por já se da que fossem mais “moderadas” as exigências dc Matias Cardoso, tudo
achar assim tão próximo do teatro da guerra. Em seu pedido aos edis de o que possuía a Fazenda Real seria insuficiente para o pagamento de tan­
São Paulo, cm novembro, o arcebispo concluía que haveria interesse tos postos. O fato era que os paulistas que tinham vindo antes haviam
dos paulistas, “tão costumados a penetrar os sertões para cativar índios proposto condições bem diferentes. Fora “nesta suposição c experiên­
contra as provisões dc sua majestade”, em fazê-lo agora “em serviço do cia” que o arcebispo os convocara. Estes haviam recebido as honras dos
seu rei como leais vassalos seus”.m A oferta a Matias Cardoso era nomeá- postos de comando; os capitães, os privilégios dc infantaria paga e no ge­
lo “governador” do regimento que sc formasse, com as mesmas “proe­ ral “os prisioneiros e as terras conquistadas que nunca tiveram dono”.
minências dc mcstre-dc-campo, c como tal vencer o soldo desde o dia Como vimos, o governador havia concedido a Matias Cardoso as mes­
em que partiu”.1'" Na mesma ocasião, pedia que o vigário dc São Paulo, mas prerrogativas de Domingos Jorge Velho. Nesse sentido, em carta
Domingos Gomes Albernaz, animasse os paulistas a vir em socorro do ao capitão-mor de São Vicente, o arcebispo esclarecia que não convinha
que viesse o Camargo. Quanto ao Cardoso, apesar desses desacordos,
Norte, reiterando a oferta dc cativos.91 que fosse à Bahia para ajustar sobre como se lançaria na campanha.95
Na verdade, dois paulistas haviam-se oferecido para o serviço: Ma­
nuel Camargo e Matias Cardoso. Em fevereiro de 1689, a câmara de Este, no entanto, demoraria ainda alguns meses para realizar a viagem.
Ofertas dc auxílio eram feitas por outros grupos interessados em par­
São Paulo concordava cm dar todos os poderes a Matias Cardoso, que
havia sido encarregado de fazer gente para a conquista tio sertão do Rio ticipar do esforço de guerra, objetivando auferir, assim, algum ganho.
Grande.93 Segundo Pedro Taqucs, este estava com sua gente no rio São Nenhuma delas, não obstante, conseguiu sc concretizar. O socorro que
vinha do rio São Francisco, a cargo do coronel André Pinto Correia, se
Francisco, aguardando João Amaro Maciel Parente, que permanecera
em São Paulo juntando mais homens. Em 18 de junho de 1689, Paren­ desvaneceu porque “tendo a gente junta, fora tal a seca, que impossi­
bilitava os caminhos”, de maneira que ele mandara todos retornar para
te saiu dc São Paulo c foi dar com seu chefe, que esperava agora as
ordens da Bahia.93 Em agosto dc 1689, o arcebispo estranhava a falta de as suas casas.96 Em julho de 1689, o futuro matador de Zumbi, André
vontade para o serviço de Sua Majestade e o despropósito das exigên- Furtado de Mendonça, sc oferecia para livrar a capitania de Ilhéus das
hostilidades dos bárbaros pelo preço de 5 mil cruzados em dinheiro dc
contado, além das condições contraídas com os outros paulistas. A ne­
Provisão 28/1/1681. Apitd: Pedro 'làqucs dc Almeida Pacs Leme. Informação sabre as gativa do arcebispo foi bem direta: “Toda a capitania dos Ilhéus não
KM minas de São Paulo (1112). São Paulo, p. 142-3; e Nobiliarquia paulistana histórica e vale vendida, o que vosmecé quer sc pague [com] a sua vinda.97 Em
genealógica. São Paulo, 1980, vol. 2, p. 44-58 c 198-201.
Carta dc Matias da Cunha para a câmara dc São Paulo, 30/11/1688. DH, 11:142-5.
muitas outras famílias com o intuito dc fundar uma vila, para o que tinha a anuência
da Bahia. Carta, 9/3/1690. DH, /P:388-93.
W Carta,
“. . . não só com oDH,
9/12/1688. 11:147-9.
estímulo do credito a que os empenha o seu nome e as honras que
.* Carta do arcebispo aos oficiais da câmara de Sâo Paulo, 31/8/1689. DH, 77:154.
91
devem esperar dcl-rei meu Senhor, mas com a conveniência própria da multidão dc
bárbaros que cem para vencer c aprisionar, pois estão declarados cativos". Carta de .“ Carta do arcebispo ao capitão-mor de São Vicente, 1/9/1689. DH, 11:155-8.
* Carta ao capitão-mor Agostinho César dc Andrade, 14/5/1689. DH, /<A356-8.
Matias da Cunha, 9/12/1688. DH, //:149. -17 Inclusa na resposta do arcebispo para André Furtado, 31/8/1689. DH, //: 151-2. André
Pedro Taqucs. Nobilian/uia paulistana histórica e genealógica. São Paulo, 1980, vol. 2, ;. Furtado de Mendonça era das primeiras famílias dc São Paulo c havia sido capitão-
19/2/1689. 4CS7J 7:374.
p.56. Quando sc deslocou para o São Francisco, Marias Cardoso havia trazido a sua e dc-infantaria e sargento-mor do terço dc Domingos Jorge Velho, segundo sua folha dc
9-1
i A GUERRA <)<) AÇU 151
150 A (iliKRRA 1)0 AÇU
Penedo, aprestava-se outra ajuda ao esforço de guerra no Rio Grande, Pinto Correia, no sertão do São Francisco.1"’ Havia notícia dc qiie a gente
por iniciativa do capitão-mor da vila de Penedo, Pedro Aranha Pacheco, dc Cardoso degolara recentemente cerca de 260 tapuias, o que, nas
dos capitães Gregório Bezerra, Antônio Martins Pereira e Domingos palavras do arcebispo, servia para “desenganar aos pernambucanos do
Antunes Viana e do sargento-mor José Fcrreira Ferro. Em fevereiro, o gênio dos paulistas”.1"2 Naquele momento, a Fazenda não tinha condi­
arcebispo prometia o envio de carne e farinha para os índios: “Pouco ções dc concorrer com a despesa dc mais tropas, de modo que o arce­
menos dc trinta catanas, que nem nos armazéns, nem na praça as havia, bispo confiava que a participação dos paulistas abreviaria a guerra. Ele
e escassamente se puderam achar nos navios”."'11 Em março, 26 catanas desejava, uma vez confirmada a chegada destas tropas, fazer outra jun­
haviam sido enviadas, mas Aranha Pacheco escreveu que não podia pôr ta-geral para acertar os termos do arranque final.
adiante a expedição porque não havia conseguido reunir a gente neces­ A percepção de que os paulistas eram mais aptos c menos dispen­
sária, pois ainda faltavam seiscentas mochilas de farinha. No entanto, o diosos comandava as mudanças propostas nos rumos da guerra. Com
que mais dificultava a reunião da gente era que os principais não que­ efeito, nesse momento a situação era muito difícil, o que exigia medi­
riam aceitar as patentes expedidas na Bahia por não serem da infantaria das que reduzissem os gastos. Segundo um memorial que a câmara de
paga, isto é, por não lhes renderem soldos. Segundo o arcebispo, Ara­ Natal endereçou ao rei cm 2 de julho de 1689, o levantamento do gen­
nha mentira sobre o ânimo e os preparativos visando fraudar a Fazenda tio havia provocado até então a morte dc cerca de duzentos homens e
Real, pois nada justificava a sua desistência, uma vez que aquela região a perda dc 30.000 cabeças de gado grosso c de mais dc mil cavalgadu­
mais vizinha ao mar não experimentava a seca que havia nove meses se ras, além da ruína dos mantimentos c lavouras. Os edis pediam que a
padecia no sertão. Desse modo, os ditos capitães não passavam de “su­ Fazenda sc comprometesse a pagar os gados e fazendas confiscados pa­
jeitos mimosos”, e “se eles já o haviam sido [capitães], seriam só dos ra sustento das tropas regulares. No Rio Grande, a Fazenda estava tão
currais cm que estavam próprios, ou alheios, cm que não tinham o me­ extenuada que o contrato dos dízimos fora rematado cm 340$000 réis,
recimento, nem a honra que pelas minhas patentes lhes dava”."" De em 1689, c chegara a 900$000 antes do início das guerras. Pediam que
fato, de acordo com o regimento do governador-geral de 1677, os pos­ o rei ordenasse que apenas os paulistas, os henriques e os camarões
tos de infantaria pagos só eram permitidos aos soldados com mais dc ficassem no campo até “sc destruir e arruinar todo o gentio, ficando
dez anos dc serviço. Os paulistas haviam sido uma exceção. esses sertões livres para sc colonizarem”. Isso porque esta “casta dc
Parte do reforço de Matias Gardoso chegou à Bahia no mês de agos­ gente” cra mais apta ao tipo de guerra cm curso, “por scr mais ligeira c
to dc 1689. O paulista Manuel Alvares dc Morais Navarro, sargento- ! continuada, acelerar a aspereza dos montes e capaz de seguir o gentio
mor, veio de São Paulo por mar com 23 soldados, índios e brancos, os pelo centro dos sertões e fazem menos despesas à Fazenda Real”."11
quais o arcebispo logo enviara ao São Francisco para juntar-se a Cardo­ Uma vez que os paulistas eram “costumados a penetrar sertões e a
so. Navarro partiu com cartas, mas desprovido, pois nos armazéns só sc sustentarem sem mais concurso dc mantimentos que o que acham
havia esmerilhões, um tipo de espingarda tão grande que cra de difícil • . nos seus arcos e nas suas espingardas”, a melhor maneira de dar segui-
maneio. a- mento ao esforço de guerra c poupar a Fazenda Real seria dcsmobilizar
Em razão disso, o sargento-mor ia com ordens para recuperar as cin­ .■ as tropas regulares c das ordenanças que sc encontravam no sertão e,
quenta espingardas e as munições que estavam com o desistente André ■^ aproveitando a presença dc Matias Cardoso, encarregá-lo dc toda a ini-
Jj:: ciativa. A opinião dos moradores do Rio Grande era que não convinha
jsí fazer a paz com os índios e que a normalização das atividades no sertão
serviços, 23/7/1715. AHU, Pernambuco, caixa 11. Pedro 'Iaques o põe como capitão-
& só seria obtida com a sua total destruição. O citado memorial da câmara
de-infantaria da Leva de Sabarabuçu, em que ia Matias Cardoso como tenente-gene- '■
ral, no ano dc 1681. itiforma(ão sobre tis minas de São 1'atdo (1772). São Paulo, p. 42. ' ■’ g?; de Natal pedia a consideração do rei para que fosse posta cm execução
Carta do arcebispo ao capitão-mor da vila dc Penedo, 9/2/1689. Dll, /0:353-4. / a ordem do governador-geral, isto é, a destruição dos tapuias, “guer-
'n Carta do arcebispo ao capitão-mor da vila de Penedo, 28/3/1689. DH, /L>:35b. . ;r
Cf. o capítulo 41 do Regimento de Roque da Costa Barreto, 23/1/1677, publicado cm j--
João Alfredo Libânio Guedes. História administrativa do flrasií, Rio dc Janeiro, 1962, 7 Carta, 28/8/1689. DH. /(A375-6.
vol. IV, p. 188 c também nos DH, 6-, veja também a carta (inclusa) do capitão-mor Carta do arcebispo ao Matias Cardoso, 27/8/1689. DH. /l>:371-73.
Pedro Aranha Pacheco, 21/3/1689. DH, /d:359-62. -) 10 Memorial da câmara de Natal ao rei, 2/7/1689. IHGRN, caixa 65, livro 2, fl. 129.
152 A GI1KRRA DO AÇU A t; i r I-: K l< A no AçU 153

rcando-sc com cie até dc todo se acabar”.1"4 No entanto, a guerra total sete companhias, cada uma sob o comando dc um capitão, ti saber,
supunha a convocação de mais tropas de sertanejos paulistas. Esse era Miguel dc Godói Vasconcelos, João Pires dc Brito, João de Godói Mo­
o parecer do governador na Bahia. Segundo um alvará seu, datado de 4 reira, Luís Soares Ferrcira (substituído em julho por Mateus Martins
dc março de 1690, a ideia dc que a guerra, por parecer a princípio cão de Prado),"" Amaro Homem de Almeida, Diogo Rodrigues da Silva e
irregular, implicava uma estratégia de divisão das tropas (encarregan­ João Freire Farto."" João Amaro Maciel Parente, que era filho dc Baião
do-se três cabos independentes uns dos outros) que sc mostrara com- Parente, ficou como capitão-mor das companhias de tropas, isto é, su­
pletamcntc errada. Isso porque não sc tinha conseguido naqueles dois bordinado a Matias Cardoso, mas com proeminência sobre elas.11" Tan­
anos a extinção dos bárbaros, “que era o último progresso e principal tas companhias visavam, antes dc mais nada, garantir a maior mobilida­
fim do sossego daqueles povos”. A guerra, ate então defensiva, deveria de das armas “nos vários acidentes que na campanha se oferecem com
translbrmar-sc. Segundo o docuntenco, as tropas “não devem esperar o gentio irregular”. Para que se procedesse com toda a clareza na recei­
defensivamente nos arraiais, em que se acham as mesmas armas, senão ta c despesa da dita guerra aos bárbaros, o arcebispo nomeou também
seguindo-os até lhes queimarem c destruírem as aldeias, e eles ficarem um almoxarife com o seu escrivão, assim como um armeiro, um tal de
totalmcnte debelados e resultar sua extinção”. Como para este gênero Domingos João, oficial que deveria erguer uma tenda para consertar as
dc guerra nem a infantaria paga nem a da ordenança se haviam mostra­ armas.111 Além disso, reforços de cerca de 450 até 500 índios da região,
do eficazes, ainda segundo o exemplo da Bahia de quarenta anos atrás, além dos que podia levar das capitanias do Norte, foram-lhe concedi­
o melhor a fazer era cntrcgá-la a cargo dos paulistas e, no caso, “a um só dos com a intenção de “abreviar a guerra em tpie sc podem gastar dois
sujeito, a cujo arbítrio ficasse livre à disposição da guerra”: Matias Car­ anos em um só”.11-
doso de Almeida.105 De fato, em março dc 1690, <> arcebispo resolveu Os paulistas deveriam guarnecer o posto do Açu, que havia sido aban­
reformar Antônio dc Albuquerque Câmara e Manuel dc Abreu Soares, ! donado por Manuel Abreu Soares, porque a região era muito importan­
mandando que retirassem de seus presídios toda a infantaria paga, te e “passagem para o Ceará”. Apesar de, em junho dc 1690, “não se­
miliciana c preta do terço de Henrique Dias, à exceção dos índios do rem tão contínuos os assaltos do gentio pela oposição que sc lhes fazia
Camarão c de outros índios das aldeias, que deveriam ficar para acom­ com os índios domésticos c moradores”, convinha manter lá alguns
panhar o paulista. Apenas o regimento de Domingos Jorge Velho deve­ paulistas.1,1 Embora a Fazenda Real estivesse “exausta”, como alertou
ria ficar cm pé, o tpial poderia “empreender como isento da jurisdição o governador de Pernambuco, marques dc Montebclo, o rei achava, em
de Matias Cardoso”.1116 carta de dezembro de 1691, que o presídio do Açu era “mui convenien­
A reforma de março de 1690 fora extensa e visava a uma completa ! te para impedir o dano que nos fazem os índios”, dc modo que, agora
reorganização do esforço de guerra. Matias Cardoso fora nomeado “mes- sob o comando dc Matias Cardoso, deveria continuar recebendo uma
tre-dc-campo e governador desta guerra que há de fazer por turvo estilo ’ ajuda de I5O$OOO réis por ano cm farinhas, legumes e sementes das
a esses bárbaros”. Manuel Alvares de Morais Navarro continuava como rendas da infantaria da capitania dc Pernambuco.1” Inicialmcnte, um
sargento-mor do regimento. Seu ajudante era Manuel da Mata Coutinho í arraial fora estabelecido no Jaguaribc, dc onde pretendiam acabar dc
e o alferes de infantaria, Antônio Fcrnandes da Silva.107 Foram criadas . ê

Canas patentes, abril de 1690. DH, 30: 15-29. Km julho dc 1690, o governador, saben­
Íbidem. ...I do da grave doença que dera na gente branca c índios que ia com Matias Cardoso no
"« Alvará, 4/3/1690. DH, y-J
rio São Francisco, aceitou substituir Luís Ferrcira. DH, 30:9Mi.
Curta do arcebispo ao capitão-mor do Rio Grande, 10/3/1690. DH, /0:382-4; c carta,- Çj Cartas patentes, julho de 1690. DH, 30:99-109.
patente de Matias Cardoso, 4/4/1690. DH, 30:1-\2: c carta do arcebispo ao rei, (J4L I” Carta patente dc Matias Cardoso, 4/4/1690. DH, 30:12-4.
1690. In: Inácio Accioli de Ccrqueira c Silva. Memórias históricas r políticas da prtnfa-'
* 1,1 Recebendo este um salário dc 60$000 réis ao ano, enquanto durasse a guerra, DH,
ria <la H/ihia. Salvador, 1940, vol. 2, p. 288-9. As cartas do governador dc Pernambuco/-^ 30:30-4.
o marquês dc Montcbclo, ao capitão-mor do Rio Grande c para Manuel dc Abreu', ■t,u Carta patente dc Matias Cardoso, 4/4/1690. DH, 30:12-4.
Soares. Domingos Jorge Velho c Antônio dc Albuquerque Maranhão, datadas dc l.‘/L Cana, 29/6/1690. AHU, Rio Grande, caixa 1. 29 (ou RH/GRN, Í0: 123-4) vista na con­
12/1690, dão conta dessa decisão. BNL, Coleção pombalina, códice 239, fls. 295-7. ' iw sulta do Conselho Ultramarino, 10/11/1690. AHU, cód. 265, fls. 62-62v.
"" Garras parentes, 28/7/1699. Z)//, ./íM 10-2. ^4 114 R1HGRN. 70:125.
A (iltUKUA 1)0 AÇU 155
extinguir “as relíquias dos janduís, paiacus e icós”."5 Aí, no entanto, os- reforçar a presunção tios luso-brasileiros de que estas nações tapuias
paulistas padeciam muitas dificuldades. Em maio dc 1691, Matias Car­ mantinham contatos com os estrangeiros e tramavam contra o impé­
doso escreveu ao marquês de Montebelo pedindo que lhe remetesse rio.121 lido como “rei dos janduís”, a principal etnia em guerra contra
os socorros prometidos, ao que foi respondido, cm julho, que haviam os luso-brasileiros, consta que Canindé tinha sujeita toda esta nação,
dificuldades burocráticas: a provedoria tinha ordens dc conter os gastos dividida em 22 aldeias, sitas no sertão que cobre as capitanias de Per­
da Fazenda Real.’'6 No final do ano, uma epidemia de sarampo “havia nambuco, Itamaracá, Paraíba e Rio Grande, nas quais havia “treze para
dado” entre os soldados c prejudicava a moral.1’7 Em janeiro de 1692, quatorze mil almas, e cinco mil homens dc arco, destros nas armas dc
Cardoso alertava o governador de Pernambuco que suas tropas haviam fogo”.122 Como vimos acima, Taunay lhe imputava o início das hostili­
se retirado do Ceará para a capitania do Rio Grande, “donde ficava fa­ dades no Rio Grande, ainda no governo de João Fernandes Vieira.12’
zendo fronteira aos bárbaros”, isto c, do Jaguaribe para o Açu. "s Segun­ Ao que parece, nesta ocasião, grande quantidade dc escravos foi
do Studart Filho, Matias Cardoso deixara João Amaro Maciel Parente trazida à cidade. No entanto, mais uma vez. polemizava-se sobre a lega­
no Ceará, comandando o arraial. Contudo, sete meses após a sua parti­ lidade desse cativeiro. Como remate da controvérsia, uma carta régia
da, esta tropa estava praticamente aniquilada. Sem socorros e abasteci­ de 17 janeiro de 1691 revogou a guerra justa que, como visto, fora de­
mentos, passou sérias aperturas, de modo que, com o consentimento clarada nos termos dc uma junta feita pelo falecido Matias da Cunha.
de Cardoso, resolveu também recuar para o Rio Grande, o que fez dan­ 0 novo governador-geral, Câmara Coutinho, quando ainda estava no
do uma volta enorme dc 150 léguas."9 comando de Pernambuco, reunira a Junta da Missões, na qual se discu­
Domingos Jorge Velho, apesar de privado do soldo, continuou na tiram a pertinência e a legalidade desta guerra. A verdade é que, prote­
peleja com os índios pelo menos até o final dc 1689.1-’" Com efeito, cm gido pelo seu “escrúpulo”, Câmara Coutinho havia açambarcado a oferta
outubro, seu sargento-mor, Cristóvão de Mendonça Arrais, obtivera uma de escravos, comprando todos os tapuias aos paulistas. Seu argumento
importante vitória sobre os bárbaros, que resultara na captura do princi­ era de que os soldados não poderiam perder “sua presa”. Assim, muito
pal dos janduís, Canindé. Juntamente com este, Arrais havia capturado falsa mente, dizia que de início pretendera entregar os cativos aos pa­
um “pirata” (cuja nacionalidade nos é desconhecida), o que ajudava a dres da Companhia dc Jesus para que fossem catequizados. Mas como
estes fugiriam aos matos novamente, revendera-os aos moradores. Ex­
plicava ao rei que fizera uma lista dos escravos, com os preços anota­
1,5 Carta ao capitão-mor Agostinho César de Andrade. 2/4/1691. Ml. M408-10. dos, para que fossem posteriormente resgatados. O rei mandava, por
Carta d<> governador de Pernambuco para Macias Cardoso, 16/7/1691. BNL, Coleção isso, que se os passassem para as aldeias no Rio de Janeiro, de onde não
pombalina, eódice 239, tis. 343-4, poderiam fugir.124
1,7 Carta, 11/12/1691. Ml, 7A-414-6. Esta decisão causou grande consternação aos paulistas que se viam
* Carta, 29/1/1692. DH, AM19-21 c 421-3.
"
Carlos Studart Filho. Páginas t!r história e pré-história. Fortaleza, 1966, p. 101-2.
Fm abril dc 1691, o governador-geral resolveu dar-lhe baixa da guerra dos bárbaros ficamos sabendo que ele pedira um bando com perdão aos criminosos, no que fora
(“vosmecé vá descansar tio trabalho dos bárbaros, no da conquista dos negros”), se­ \ atendido não sem certo escrúpulo e que pedia para, acabada a guerra dos bárbaros, ir
guindo o conselho do eapitão-mor do Rio Grande, Agostinho César, para quem não ife ao mocambo dos Palmares. Ao que o governador assentia, mas com dedos pois a
parecia necessário manter-se dois arraiais dc paulistas na zona conflagrada. Carta do missão era de Domingos Jorge Velho, mas como esse não tinha forças suficientes,
governador-geral a Domingos Jorge Velho, 10/3/1690. Ml, /d:398. Exonerado dos Matias ccrtamentc ia acabar a guerra dos bárbaros antes de que aquele desse cabo
títulos da guerra dos bárbaros, mas mantendo o de mestre-de-campo para a guerra nos negros, dc modo que, como ambos eram paulistas, e deveriam se entender, acha-
nos Palmares, este para lá seguiu com sua gente. Junto iam alguns índios rendidos do va que era natural que Matias acabasse sc unindo a Domingos. Carta do arcebispo a
“rei dos janduís", “cm razão do ódio que naturalntcntc todo o gênero dc índios tem í Matias (àirdoso, 28/7/1690. Ml, 7(1:399-400.
aos negros". Carta do governador-geral para o capitão-mor do Rio Grande, 2/4/1691. í ’ 121 Carta do governador-geral para o capitão-mor do Rio Grande, 2/4/1691. Ml, /(A408-10.
Ml, /(l:408-l(); Carlos Studart Filho. Ptigittas<lthistóriarpré-história. Fortaleza, 1966, ,u Assento das pazes com os janduís, 10/4/1692. AI III, Pernambuco, caixa 11.
p. 94-5 e 98-9. Vaie notar que, segundo a vontade da llahia, quando Matias Cardoso í ' la Curiosamente, consta que de|>ois dc converso Canindé adotou justamente o nome do
cumprisse o seu dever, também sc voltaria (tara a guerra dos negros. li nesse particu­ 4;: herói da restauração pernambucana. Carta, 2I4IW)\.DH, M408-Í0; e carta do capitào-
lar, Domingos Jorge Velho estava obrigado a ter sempre presente que aqitele cra-lhe i'1 mor do Rio Grande à câmara dc Nata), 12/2/1695. IHGRN, caixa 65, livro 3, fl. 54-5v.
“superior cm algumas circunstâncias". Garra, 9/3/1690. Ml, /í>:388-93. Mais tarde, g-t Carta régia para o governador-geral. 17/1/1691. Ml, .3.1:343-6.
A GUERRA 1)0 AÇll 157
156 A GUERRA 1)0 AÇU
envolvidos na guerra dos bárbaros. Nesse sentido, Matias Cardoso ha­ aquela luz de Deus e tios mistérios da fé católica que lhes7 basta pa­
via incumbido seu sargento-mor, Manuel Alvares de Morais Navarro, ra sua salvação. Porque cm vão trabalha quem os quer fazer anjos,
de esclarecer se os prisioneiros bárbaros podiam ser declarados escravos antes de os fazer homens. E desses assim adcpiiridos e reduzidos,
ou não.1'5 Disso dependia, afinal, seu interesse em meter-se na guerra. engrossamos nossas tropas e com eles guerreamos a obstinados c re­
Circunstanciando a posição dos paulistas, a decisão do rei fora contes­ nitentes a se reduzirem: c sc, ao depois nos servimos deles para as
tada de forma veemente em dois papéis cujos autores nos são desco­ nossas lavouras, nenhuma injustiça lhes fazemos, pois tanto é para
nhecidos. Um deles sofismava cpie as capitanias do Rio Grande e Ceará os sustentarmos a eles e a seus filhos como a nós e aos nossos. E isto
não podiam se “conservar sem a total ruína do gentio, e que esta se não bem longe de os cativar, antes se lhes faz um irremunerável serviço
pode obrar senão pelo meio dos paulistas, e estes a não hão de executar em os ensinar a saberem lavrar, plantar, colher e trabalhar para seu
sem o interesse dos prisioneiros”. Para o autor desse papel, apesar de a sustento. Goisa que antes que os brancos lhos ensinem, eles não sa­
situação estar controlada, os tapuias, recolhidos nas brenhas dos matos, bem fazer. Isto entendido, senhor?”12"
impediam a tranquilidade dos moradores, de modo que era notório que
sc devia conceder o cativeiro dos índios, “porque este c o fim principal Somente em 1695, como se verá mais à frente, o Conselho Ultrama­
com que os paulistas fazem a guerra”. A recusa de permitir-lhes cativar rino irá reconsiderar a legalidade do cativeiro. O que desanimará, deve­
os índios traria ainda maiores danos a estes, uma vez. que seria difícil ras, Matias Cardoso.
imaginar que “farão prisioneiro algum com o detrimento de o segurar,
sustentar e conduzir, sendo mais fácil matá-los a todos de qualquer sexo A rendição dos janduís, 1692
c idade”.1"' O outro documento alegava que o que estava em jogo era
“a conservação da posse e domínio de El-Rci Nosso Senhor no Estado Canindé fora posto cm liberdade por Domingos Jorge Velho em tro­
de Pernambuco, para a disseminação do evangelho ao gentio morador ca da promessa de mostrar-lhe as minas de prata e de esmeraldas, su-
no interior do sertão e território de Portugal”. Depois de arrazoar a bar­ postamente situadas cm uma serra baixa junto do rio Jacu, a 30 léguas
baridade desses homens c sua afinidade com os holandeses, pedia por de Natal, assim como uma outra de esmeraldas no rio dos Camarões,
seu cativeiro, se não “perpétuo”, ao menos “por vinte anos”, ou ainda pouco distante — minas que os flamengos haviam descoberto “dois anos
que fossem resgatados pela Fazenda Real “aos paulistas, por taxado e antes de sua expulsão”.121' Trato que, sc verdadeiro, acabou resultando
racional preço”, e mandados, então, “à beira-mar com sacerdotes que em nada. Apesar disso, no início de 1692, Canindé enviou ao novo go-
os catequizem”.127 Domingos Jorge Velho, por sua vez, usava de eufe­ vcrnador-geral, Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho, um pe­
mismos c procurava dissimular a escravidão: cm uma carta ao rei de dido formal de paz. No dia 5 de abril de 1692, trazidos por um certo
1694, explicava cinicamente que não sc tratava, na verdade, de “cativar capitão João Pais Florião (um português casado com a filha de Nhangujé,
os tapuias (como alguns hipocondríacos pretendem fazer crer a Vossa maioral da aldeia jacaju, c cunhado recíproco do rei dos janduís),1W ha­
viam chegado à Bahia dois chefes tapuias: José de Abreu Vidal, tio de
Majestade)”, mas de Canindé, e Miguel Pereira Guajiru Pequeno, maioral de “três aldeias
“. . . adquirir o tapuia gentio bravo c comedor da carne humana para também sujeitas ao mesmo Canindé”. Acompanhados de mais quinze* 113
o reduzir ao conhecimento da urbana humanidade c humana socie­
dade à associação e racional trato, para por esse meio chegarem a ter
,a Cana dc Domingos Jorge Velho ao rei, 15/7/1694. In: Ernesto Enncs. As guerras dos
Palmares (subsídios para a sua história). São Paulo, 1938, p. 204.
IB Sobre os tapuias que os paulistas aprisionaram na guerra c mandaram vender aos
moradores do Porto do Mar, e sobre as razões que há para se lazer a guerra aos ditos
Sobre o9/3/1690.
125 Carta, gentio que sc /í7.388-93.
DH. rebelou nas capitanias do Seara, Rio Grande c Paraíba (c. 1690?),
tapuias (1691), Ajuda, 54 XIII 16,11. 162.
113 João Pacs Florião era neto de outro de mesmo nome, que fora aeusado dc inconfidên­
Sobre os
'-’7 Ajuda, tapuias
54X11 que os patdistas aprisionaram na guerra c mandaram vender aos
4 52. cia pelo desembargador Luís Salema dc Carvalho, na Bahia. Cf. nota (iv) de Rodolfo
moradores do Porto do Mar, e sobre as razões que há para sc fazer a guerra aos ditos
Garcia na História geraldo Hrasildc Francisco Adolfo dc Varnhagcn (São Paulo, 1975),
tomo 3, p. 278.
tapuias (1691), Ajuda, 54 XI í I 16,11. 162.
158 A GUERRA DO AÇU A <; 11 ER KA Do AÇII 159
outros índios c índias, foram à presença do governador-geral, a quem foi aceito pelo governador, pois, como havia dito a rainha regente cm
falou José de Abreu Vidal, "em língua portuguesa não bem falada”, ex­ 1662, eram este os “mais atrozes” daquelas capitanias, donde convinha
plicando que vinham de 380 léguas para pedir, em nome do rei Canindé, muito firmar as pazes c garantir assim para o apoio dos cerca de 5.000
uma “paz perpétua”. Depois de cinco dias dc reflexão c debates, ofe­ arcos contra qualquer ameaça ultramarina ou mesmo brasílica “a inva­
receram, então, as proposições de paz vocalmente cm sua língua, que dir pelo mar as praças das capitanias do Norte, ou seus habitadores pelo
foi explicada em português por um intérprete. Os termos destas propo­ sertão”. Caso contrário, “poderiam desgostados unir-se às mais nações
sições, redigidos no assento dc pazes de 10 de abril (veja o Anexo 4), bárbaras c continuar-sc a guerra”."-’
eram os seguintes: (1) que o Canindé c os três maiorais reconheciam o John Hcmming, com certo exagero, acreditava que “a proeza militar
rei dc Portugal como "senhor dc todo o Brasil c das terras que as ditas dos janduís, assim como sua destreza política”, haviam lhes dado “algo
22 aldeias ocupavam” c lhe prometiam obediência; (2) que o rei e seus único na história tio Brasil: reconhecimento como um reino autónomo
sucessores "sejam obrigados a guardar-lhe c fazer-lhe guardar por seus e um tratado dc paz com Portugal”."1 Sc é verdade que os portugueses
governadores e capitães-gerais a liberdade natural em que nasceram e consideravam Ganintlc como “rei dos janduís”, isto se refere muito mais
em que pelo direito das gentes devem ser mantidos, como os mais ao legado da forma como os holandeses sc relacionavam com estes po­
vassalos portugueses”; (3) que os índios “desejam ser batizados e se­ vos do que a uma verdadeira compreensão da autonomia política de
guira lei cristã dos portugueses; sendo para esse fim tratados como gente seus inimigos. Com efeito, os holandeses tomavam os diversos grupos
livre, e não oprimidos contra sua vontade”; (4) que sc os portugueses tarairiús como nações autónomas, governadas por reis. Nesse sentido,
fossem atacados na Bahia, Pernambuco, Itamaracá, Paraíba ou Rio Ciran­ Janduí representaria um corpo político independente, c Ganindé seria
de eles sc comprometiam a pôr cm sua defesa "cinco mil homens dc seu herdeiro. A documentação portuguesa, vez ou outra, se refere aos
armas”; (5) assim como se comprometiam a lutar contra as nações in­ principais ou chefes indígenas dos grupos tarairiús como “reis”, contu­
dígenas que sc declarassem inimigas; (6) sc nas serras das terras que do em nenhuma condição os considera como de fato autoridades políti­
possuíam aparecessem "alguma mina ou minas de ouro, prata, ferro, cas autónomas. Por isso, este “tratado de paz” deve ser entendido mais
preciosas, ou dc outra qualquer outra espécie, ou notícia dc as haver”, como uma capitulação de obediência, do que como um contrato. A fór­
dariam logo conta disso ao governador; (7) não incomodariam os currais mula protocolar não deve esconder a verdadeira natureza do documen­
dc gados no Rio Grande, permitindo que os antigos sesmeiros repovoas­ to. Logo após a assinatura deste assento, o precavido governador pediu
sem o sertão, em troca, além dc poderem "livremente” pescar nos rios ao capitão-mor Constantino dc Oliveira que examinasse as reais causas
c praias, ficariam “reservadas, para o sustento e conservação de cada que haviam levado a este pedido de paz.,M Apesar da desconfiança, cm
aldeia dos janduís, por serem muito populosas e as terras muito largas, julho de 1692, o governador diz ter aceito as “capitulações dc obediên­
dez léguas dc terra de cada banda, ainda que nelas entrem as ditas cia" e confirmou os termos do tratado.11* ’ Como avaliava a Coroa, o mo­
sesmarias concedidas até o presente”;111 (8) que os moradores não os tivo do pedido dc paz, apesar da “natural inconstância c ódio que esta
tomariam como cativos para o trabalho; (9) que ajudariam na rccdificação nação tem à portuguesa, desde que seguiu as partes da flamenga”, pa-
da fortaleza do Rio Grande; (10) “e sobretudo que nenhum capitão ou
cabos dos paulistas os possa perturbar, inquietar, nem fazer guerra, e
deles seja livre e isenta gcralmcntc toda a nação dos janduís”. O que ,J! Assento das pazes com os janduís, 10/4/1692. AHU, Pernambuco, caixa 11, 43. Este
assento está transcrito no Anexo 4. Veja ainda a consulta do Conselho Ultramarino.
8/1/1693 (com parecer do rei dc 18 dc fevereiro). AHU, Pernambuco, caixa 11; ou
1 •” “.. . e as que daqui por diante sc concederem, levarão a cláusula e condição para não ' . DH, 89:229-32.
prejudicarem a dita terra reservada a cada aldeia; para que sem terem dúvidas se "r< 111 John Henuning. RtdGoM. The Gonr/uest of dte llraziliun Indians. Carnbridgc, 1978, p.
conservem paciftcamcnte as aldeias e tenham cm que plantar seus mantimentos para ; 361.
o sustento dc suas famílias". Passados oito anos, tal prática dc “demarcar as terras ;; Cana, 17/4/1692. DH. /0:426-7.
indígenas”, sempre inclusas cm sesmarias, foi transformada na “doação" dc uma íé- “ Carta de Câmara Cominho ao rei, 18/7/1692. DH, 34:42; e carta dc Câmara Coutinho
gtta cm quadra paru as aldeamentos. Veja o alvará sobre a medição da légua de terra '5 j
para o capitão-mor do Rio Grande, 3/10/1692. DH, ,M:293. llnr dos principais cabeças
para as aldeias, 23/11/1700, nos Anais tio Arquivo 1’tihhm do listado da Hahia, Salvador, ,
que sc aprisionaram na guerra do Rio Grande e que estava preso na cadeia do Recife
29:13-5, 1943. era um tal dc João Pregador, que era muito estimado rios bárbaros c “tinha grande
A GUERRA Do AÇU 161
160 GUERRA DO AÇU Mata Coutinho, Matias Cardoso e seus capitães reivindicavam do go­
rccia ser o medo das armas lusas ott, até, “porque esta guerra contínua
enfada até os mesmos bárbaros”.* 1*’'* As dúvidas que se levantaram sobre verno-geral na Bahia o pagamento dos soldos atrasados, que não eram
quicados por conta de uma proibição da Coroa que contestava os ter­
a palavra dos bárbaros foram consideradas inconvenientes pelo Conse­
lho Ultramarino, que era do parecer que se confirmasse a dita paz.1’7* mos das patentes passadas pelo arcebispo frei Manuel da Ressurreição.
A paz andava ao lado da desmobilização, e esta era estimulada pela Como havia ordem de que “fora os filhos da folha [isto é, os regular­
negligência com que se viam tratadas as tropas dc Matias Cardoso. Em mente assentados) se não fizesse despesa nenhuma mais”, os pagamen­
julho de 1692, Sebastião Pimentel, capitão-mor do Rio Grande, dava tos extraordinários se achavam suspensos. Dada a impaciência dos seus
soldados, Cardoso ameaçava ir-se para Pernambuco, onde buscaria “pes-
conta do estado desesperado dos soldados paulistas. Em razão dc cer­
tos desentendimentos com o marquês de Montebelo, Matias Cardoso soalmcnce a resolução a esta praça”. O marquês de Montebelo tentou
pôr panos quentes, dizendo já haver enviado cartas pela frota passada,
viu-se sem apoio nem armas suficientes para continuar no sertão c es­
creveu ao governador do Brasil pedindo licença para se recolher. Nada pedindo uma solução para o problema. Preocupava-se, no entanto, com
obstante, Câmara Coutinho resolveu animá-lo, alegando estar providen­ o moral dos soldados; rogava a Matias Cardoso que os animasse “nos
ciando armas e fardamento, assim como o retorno dos paulistas que ha­ desmaios da sua desesperação”.14" Em julho dc 1692, escreveu nova­
viam fugido com o capitão-mor João Amaro Maciel Parente e se viam mente ao rei perguntando como faria para honrar as promessas feitas
por frei Manuel da Ressurreição ao “bom paulista”, dado que a fazen­
envoltos nas guerras dos Palmares ou zanzando peio Ceará.Uma re­
presentação da câmara dc Natal, de julho 1693, considerava que “de­ da não tinha mais recursos.141 Era muito certo que antecedentes, como
a “Revolta da Cachaça” (1660-61) ou a do Terço Velho dc Salvador
pois dc oito anos” de guerra a situação era muito grave, dc modo que os
moradores se sentiam completamentc esbulhados por não poderem mais (1688), indicavam a solução negociada.14- Apenas cm janeiro de 1693 o
Conselho Ultramarino iria tratar desses atrasos dos pagamentos. Dcci-
cuidar das culturas nem das criações. O problema estava cm que as tro­
diu-sc que, se a guerra fosse defensiva e seu rompimento não permitis­
pas destacadas para protegê-los e fazer face à resistência indígena aca­
bavam se enfastiando “pelo intratável e asperezas” da região. Assim, se a consulta ao rei, pela urgência das providências cabíveis, far-se-ia
tão logo gastavam os mantimentos, os soldados retiravam-se às suas pá­
trias, “uns fugidos e outros dc licença fazendo nesta [capitania] matalo- i« Carta a Marias Cardoso, 29/1/1692. DH. /í?:419-2l c 421-3.
tagem dc alguma vaca e lavoura dos pobres moradores, [c] a gente de ui Carta de Câmara Cominho para o rei, 18/7/1692. DH,34A\A.

São Paulo de quem esperavam grande efeito o fazem da mesma forma, As dificuldades com os soldos podiam pôr cm risco a disciplina militar e tornavam a
concentração dc soldados na cidade sempre uma situação delicada. No Rio de Janei­
dando desculpa dc o serem mal socorridos”.”9* ro. cm 1660, a chamada Revolta da Cachaça, insurreição contra a fiscalidade c o go­
O atraso no pagamento dos soldos quase inviabilizou o esforço de 1 verno de Salvador Correia de Sá, contou com intensa participação dos soldados cm
guerra, ainda mais quando o cativeiro era considerado injusto. No final razão do atraso do pagamento dos soldos. Luciano R. dc Almeida Figueiredo. Revol-
dc janeiro dc 1692, por meio dc seu procurador, o ajudante Manuel da tas. fiscalidade e identidade colonial na América portuguesa: Rio de Janeiro, fíahia e Minas
Cerais, 164J-1761. São Paulo, 1997, p.'32. No mes de outubro dc 1688, uma alteração,
ou motim, ocorreu na cidade da Bahia. Cerca dc trezentos soldados "se encontram na
casa da pólvora, dizendo que lhe pagassem o que lhe deviam que logo tornariam para
séquito”. Gomo custava ao erário mantô-lo na cadeia, o marquês <le Montebelo per­
as suas bandeiras”. O cabeça da alteração era um certo João da Silveira de Magalhães,
guntou ao rei se não seria melhor deporcá-lo para Angola, ao que o rei respondeu que
que havia sido mouro c estava na Bahia servindo como soldado. Não sabemos como a
se lhe enviasse para Angola onde se lhe daria uma praça dc soldado “«•» <;■>«•
quccs»
esse ;
lhe daria
sustente, porque cm qualquer outra parte uma praça
que fique no Brasil, se pode dar ocasião do crise evoluiu, mas a situação só foi contornada dc fato dois anos depois «piando o
mesmo temor, dc passar aos seus naturais c inquietar aquela conquista”. Carta ao rei novo governador, Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coucinho, chegou. Ele man­
5/9/1692, consulta do Conselho Ultramarino, 9/12/1692. AHU, Pernambuco, caixa dou prender o cabeça c o enviou para Angola com alguns dos principais da alteração.
Quanto aos soldados, já tinham escapado para o sertão, tão logo souberam da chegada
11; carta regia 18/12/1692. AHU, cód. 256. fl. 147. dc Coutinho. Carta ao Rei. 16/6/1691. DH, 3.7:335-7; c a carta regia (inclusa), 1602/
'■y' Carta ao «rapitão-mnr do Rio (»rande,17/4/1692. /J//, /í>:425-6. 1692. Z>//, .7.7:442; Sebastião da Rocha Pita. História da América Portuguesa ( 1730). São
Consulta do Conselho Ultramarino, 8/1/1693 (com parecer do rei dc 18 dc fevereiro).
Paulo, 1976, livro 7,58-60, p. 201. A descrição mais documentada da revolta do terço
AHU. Pernambuco, caixa 11; ou DH, 80:229-32. Velho ó a de Luís Monteiro da Costa. Na lla/tia Colonial, apontamentos para história
Carta dc Câmara Coutinho para Matias Cardoso, 3/10/1692. DH, 38:294-96.
militar da cidade de Salvador. Salvador, 1958, p. 111-36.
Representação da câmara dc Natal, 29/7/1693. AHU, Rio Grande, caixa I, 32.
162 A GUERRA DO AÇU A GII E R R A |)o AÇII 163
uma junta das principais pessoas do governo para ajustar “a despesa junho de 1694 o mestre-dc-campo paulista parecia ainda estarem ativi­
que poderia fazer e de que efeitos se havia de tirar”.'4' De fato, os dade. Na ocasião, seguindo as determinações de uma carta régia de 27
paulistas estavam desamparados. Em junho de 1693, os socorros pro­ de dezembro de 1693, o novo governador, João de Lencastro, ordenava
metidos a Macias Cardoso ainda não haviam sido enviados, porque não a Matias Cardoso que procurasse de uma vez uma solução, fosse ela
se arrumara uma sumaca capaz de levar a seco a pólvora e os ferros tla pacífica ou a guerra “com todos os meios que se possa sustentar”.149 É
Bahia.144 Em uma carta do ouvidor-geral, Antônio Pereira de Berredo,
certo, no entanto, que no ano de 1695 a gente de Matias Cardoso já
consta que os paulistas que estavam a sete léguas de Natal ameaçavam havia abandonado a luta no Rio Grande, deixando a capitania aos cui­
largar tudo c partir para o rio São Francisco, pois não recebiam soldos, dados de seus moradores. Bernardo Vieira Ravasco, em carta para o con­
patentes, nem socorro. Matias Cardoso dizia, na visita que lhe foi feita de de Alvor datada de 1695, comentava que o mcstre-de-campo estava
pelo ouvidor-geral, o capitão-mor e os oficiais da Câmara, que tinha re­ “muito velho, enfermo c incapaz” e que, como ele e seus cabos nunca
cebido apenas os 150$000 réis da Bahia há quatro anos, nada mais.”5 receberam soldos nem as presas prometidas, acabou por desamparar a
Sebastião Pimentel acreditava que havia, então, o risco de que os pau­ capitania.150 Rumou para o São Francisco, onde estabeleceu rendosas
listas, “mortos de fome”, não conseguissem mais controlar a situação e fazendas de gados vacum e cavalares, com as quais legou abundante
de que a guerra se espalhasse para o resto do Estado do Brasil, já que património a seus herdeiros.151
estas campanhas eram abertas.14'’
Contudo, ainda em combate, Matias Cardoso fez uma nova entrada Guerra ofensiva x guerra defensiva
aos índios do Ceará no 1.” de novembro de 1693. Nessa refrega, alent
de lhe matarem um filho, foi gravemente ferido. Nessas condições, nada Em maio de 1694, João de Lencastro tomou posse no governo-geral
mais aconselhava sua permanência nos sertões. Como escreveu Studart na Bahia. Com ordens para investigar as riquezas minerais do sertão,
Filho, “fugindo às agruras de uma campanha que ameaçava eternizar- parecia estar interessado em encontrar uma definitiva solução para a
se, um a um o foram desamparando seus melhores auxiliares, até que, guerra dos bárbaros e garantir assim as bases para a recuperação das
julgando-se demasiado enfraquecido para prosseguir na luta, já sem capitanias ao norte de Pernambuco. Em uma carta de julho de 1694 ao
pólvora, nem balas, retirou-sc o mestre-dc-eampo para as suas fazen­ capitão-mor do Rio Grande, dizia que era necessário o fim das guerras,
das”.147 Para este historiador, a campanha dos paulistas, iniciada cm 1690,
para o que sugeria que fosse procurada a paz acima de tudo: “Porque
durou até 25 abril de 1694. Sua afirmação bascia-se no genealogista mais serviço lhe [ao rei[ fará vosmecê em contrair e perpetuar a paz
Pedro 'Iaques, que por sua vez constatou esta data cm uma carta pa­ com o gentio do que na extinção de todos com grandes vitórias”.15- Como
tente de um capitão que lutou junto com Matias Cardoso, Antônio Alves vimos acima, igual recomendação havia sido dada a Matias Cardoso um
Figueira.14" Todavia, a precisão dessa data pode ser discutida, pois em***• mês antes. Ao que parece, a postura inicial desse governador refletia a
determinação da Coroa de encaminhar uma solução que contemplasse
Consulta do Conselho Ultramarino, 8/1/1693. AHU, Pernambuco, caixa 11; ou l)H, os esforços de paz intcntados.pclo antigo capitão-mor do Rio Grande,
89-.230-Z. A carta régia, nestes termos, foi expedida dia 21/2/1693, AHU, cod. 245, fls. recentemente reeleito ao posto. De fato, quando morreu Sebastião
228-228v. Não obstante a tentativa do governador-geral, João de l-cncascro, de lançar Pimentel, Agostinho César de Andrade, de maneira extraordinária, foi
uma finta sobre os moradores, ou tnesmo nos gados do sertão, ainda cm 1696 o paga­ novamente nomeado capitão-mor pelo governador-geral, entre outros
mento não havia sido feito. Carta de João de Lencastro ao rei, 13/7/1693. Ml, 34'35-
motivos porque se imaginava que, sendo conhecido dos janduís, com
8; e carta de João de Lencastro a Matias Cardoso, 12/11/1696. Ml, 38:4}4.
H4 Carta de Câmara Coutinho ao capitão-mor do Rio Grande, 12/6/1693. /)//, JA297.
quem firmara as pazes, quando soubessem de sua posse, “o tornarão a
Carta, 3/11/1692. AHU, Rio Grande, caixa 1, 32. O que foi considerado pelo Conse­ buscar para as renovarem”.15’*110
111
lho Ultramarino, consulta do Conselho Ultramarino, 23/11/1693. AHU, Rio Grande,
Carta dc João dc Lencastro para Matias Cardoso, 4/7/1694. /J//, .38:303-5.
**• caixa de35.
Carta 1, Sebastião Pimentel, 4/8/1693. AHU, Rio Grande, caixa 1, 35. 110 Mi, 84A23-1.
,4’ Carlos Studart Filho. Páginas de história e pré-história. Fortaleza, 1966, p. 102-03. 111 PedroTaqiies. Nobiliarr/uiapaulistana histórica egenealógica. São Paulo, 1980, vol. 2, p. 201.
'■*“ Trata-se da carta patente passada a Figueira com data de Santos, 5/3/1729. Pedro Carta dc João dc I .encastro para o capitão-mor do Rio Grande, 24/7/1694. Ml, .38:322.
Taques. Nobilian/ttia paulistana histórica egenealógica. São Paulo, 1980, vol. 2, p. 57. ,u 6/3/1694. AHU, cód. 245, fls. 247-247v.; ou Ml, .W:303-5.
a r;tt iírka i)<> açu 165
164 a rka i <. wndo lido várias informa- alguma confusão nessas datas (pois o acordo do rei está assinado cm 12
Os membros do Conselho 1 ira™ ’de Melo Castro, pensavam dc dezembro), as cartas nesse sentido, ordenando que se seguissem as
ções de João de Lencastro c v - “definitiva solução” para o disposições de Lencastro, já haviam partido para o governador dc
que realmente era importante adot‘ nCssoas práticas e intehgen- Pernambuco, o capitão-mor do Rio Grande e a Câmara do Rio Grande
no dia 3 de dezembro.15'’
tes na matéria para assentar cmais c d(;spcsas devenam Nesse contexto de arrefecimento da rebelião dos tapuias, ganhava
essa guerra”. Uma ""f^^do Estado do Brasil, dondea solução força a idéia de que era necessário um esforço dc repovoamento e de
sobretudo ser feitas pela Fazenda do intercssc dtí Lencastro estabelecimento dc uma ocupação mais perene nas regiões de frontei­
seria iniciativa exclusiva do do Norte estava, contudo, mui- ra. E a idéia vinha dc longe. Em carta de outubro de 1692, Câmara
pelas questões militares nas■ caP^m ador.gcral e às disputas Coutinho punha-se de acordo com o plano dc Matias Cardoso de sc
to mais ligado as suas veleK!^? Pernambuco. Podemos imaginar que povoar o Açu e propunha que houvesse aldeias ou estâncias de índios
de jurisdição com o governador dci c acontecimentos para ga- em forma de arraiais, principalmente “para a oposição aos bárbaros e
ambos pretendiam contro ar a evolução dos^*
dos tapuias silvas que sc rebelaram”. Para este efeito, ordenou ao mar­
rantir a proeminência resultante do t tropas Madas Cardoso, quês dc Montcbelo, governador dc Pernambuco, que mandasse vir do
tado do vácuo deixado com a disse. ç escrito ao seu coiega dc Ceará o capitão Erancisco Pinheiro, com a obrigação dc trazer seus pa­
No dia 31 de junho de 16M, Lcnca. convenjcnte para o Rio Grande, rentes e outros índios para aquela fronteira. Alem disso, todos os índios
Pernambuco sobre o que parecia n um tant0 ofen. que houvesse com o mestrc-dc-campo Domingos Jorge Velho deveriam
tendo sido respondido, em 2 dc jm , * cópia de uma carta do rei ser restituídos para as capitanias de Pernambuco e Paraíba.156157 Confir­
siva. Caetano de Meloe Castro.lhe ..entregava os particula- mando essa determinação, em março de 1694, uma carta régia ordena­
datada do dia 6 de março Pas^0’ "JhoU a confusão dc jurisdições, va que no Açu, Jaguaribe e Piranhas fossem postas seis aldeias de ín­
res do Rio Grande - Lencastro <=s > levava Cactano dc Melo c dios, duas em cada um destes sertões, com cem casais cada c com vinte
Lembrava que o título de capitao g subordinação ao soldados pagos e seu cabo.15" Para formar as seis novas aldeias, deve­
Cascra «. «Penus ^“nadaras daquela eapirania”. riam concorrer as câmaras e capitães-mores de Pernambuco, pois a
governo-geral que sempre tiveram> og ..descuido” do ofi- Fazenda Real não podia gastar mais nada dc seu rendimento. A impor­
lronicamente, imaginava que po deixaria de avisar do fato ao Con- tância dessas aldeias era destacada cm um arrazoado de Lencastro ao
cial que escrevera tal carta, mas na ficaria sua autorida-
selho Ultramarino. Pois, se fosse estava no Sui com 0
de completamente “hqu>dadano Comefeito, a matéria foi analisada 156 AHU, cód. 256, fl. 186v-187. Por outros motivos, mas dc modo revelador dos ânimos,
governo dc Antônio Pais de Sandc; d ? de dezembro dc 1694, sen- em novembro dc 1696, Lencastro repreendera duramente Gactano dc Melo dc Cas­
peloConselho Ultramarino naconsultadcj^ aQ rci «quc a tro dizendo que o Rio Grande devia obediência diretamente à Bahia, c estava fora da
sua jurisdição, conforme queria o<rei na carta régia. A resposta agastada do governa­
do que pareceu melhor aos seus Melo [Castro] não foi por sc privar dor de Pernambuco explicava que então ele não tinha nada que ver com o Rio Gran­
ordem que sc passou a Caetan? d . -o senão por sc adiantar o remé- de c que, portanto, nada faria em seu proveito. Lencastro teve dc censurá-lo dura­
ao governador da Bahia da sua j co^o’de mais perto poderia acudir mente chamado-o, cm longa carta, ao cumprimento dc sua subordinação à Bahia.
dio à guerra do Rio Grande, q , do rci> rcafirmOu-se, Cartas de 26/11/1695 c 18/2/1696. DH, 33.377 c 387-91.
U7 Carta de João dc Lencastro para o capitão-mor do Rio Grande, 3/10/1692./J//,.?<"/:292.
com aquelas disposições c meios. - Lencastro era supe-
Em novembro dc 1692, o conselho tomou conhecimento do “miserável estado cm
então, por meio de cartas e o ^‘^Xkios militares.'55 Dc fato, com .
que sc encontram as praças c capitanias do Brasil” assim com das extorsões c ruínas
rior de Melo c Castro no tocante aos negocio. decorrentes dos assaltos repetidos dos bárbaros. Sebastião Pimentel havia represen-
;; tado que se achava sem munições c a artilharia da fortaleza sem poder dc fogo e
__________________ . ivil/1694 AHU.cód.252.nS.178-l7«v.;ouM j desmontada, ao que sc determinava que deveria sc lhe enviar socorro por meio dos
■m ConsultadoGonsdhoUltramar.no, 15/U/16M. governadores das capitanias. Consulta do Conselho Ultramarino, 23/11/1693. AHU,
,W:263’5- -dc 17/12/1694 consulta do Conselho Ultramar.no, 7/12/1 • ■■ cód. 252, íls. I70v-1; ou DH, M-.242-4.
o “está bem" do rc. e dc 17/12/lbM. ‘ ... AHU, cód. 245, fls. 247-247v.; ou DH, .W:303-5.
AHU, cód. 252. íls. 179-179v.; ou DH, 89M>
166 A GUERRA DO AÇU A GUERRA Do Aç[) 167
governador de Pernambuco. De um lado, havia uma “razão militar”: toda imundice de cobras e mais bichos peçonhentos c raízes de paus
uma linha de aldeias amigas seria importante para a defesa das frontei­ e ainda que com poder dc armas se queira conquistar é coisa impos­
ras do norte das capitanias da Paraíba, Itamaracá e Pernambuco. Dc sível por esta causa e andarem dessa sorte sempre de levante, além
outro, o sistema económico das grandes lavouras dependia, em certo de serem muitos, cm quantidade de diversas nações e os conquista­
sentido, do fluxo de animais dos sertões pernambucanos. Segundo João dores com armas, mochilas de mantimento e água às costas, desta
de Lencastro, “dos gados do Rio Grande se sustentam gcralmente os sorte atrás deles pelos sertões, lhes não podem fazer dano nenhum.
povos desta capitania e das duas outras; que de sua carne resulta o im­ E eles com os assaltos muito grandes como têm feito e fazem e lar­
posto que se paga para a infantaria; c de seu serviço a permanência de gando-se por esta causa a dita capitania, como é fronteira as |dc]mais,
todos os engenhos e canaviais cm Pernambuco; c que dos açúcares encorpar-sc-á o dito gentio c não poderá moer engenho nenhum da
que neles se lavram dependem a carga das frotas e o comércio mercan­ Paraíba nem dos sertões de Pernambuco.”
til, sem o que não se pode conservar esta praça”.159 Além desse “cordão
defensivo”, imaginou-sc que o povoamento poderia reconstruir a eco­ A única alternativa para poupar o dispêndio da Coroa, do ponto de
nomia local c garantir a segurança. Em fevereiro de 1694, o rei deter­ vista dos moradores, cra impedir o gentio, “indo o Camarão |a tropa dc
minou que fossem doadas as terras fronteiras dos índios às pessoas índios dc Pernambuco], que está comendo soldo [isto é, encostada na
interessadas em povoá-las e cultivá-las “para que também com estas folha dc pagamentos], aposentar-se no Açu com a sua gente c mulheres
povoações se ajude a defender da invasão dos contrários”.IMI c fazerem na dita paragem um arraial”. Poderiam plantar mantimentos
Os moradores do Rio Grande haviam formulado dc maneira extensa no Ceará, onde estavam mais de mil arcos dc guerra, ou seja, mais de
essa nova estratégia para a guerra dos bárbaros em uma petição ao rei, mil índios guerreiros. Duzentos ou cem casais poderiam scr enviados
escrita no ano de 1694, que foi analisada no Conselho Ultramarino ape­ para o “Gegoaribe” (Jaguaribe) fazer outro arraial, “na mesma forma
nas em fevereiro do ano seguinte. Nela, os moradores reunidos louva­ das aldeias mansas que tem a capitania da Paraíba”, e outros duzentos
vam as qualidades da capitania, uma das “melhores que Vossa Majesta­ ou ccm casais para as Piranhas. Além disso, imaginavam que era possí­
de tem nas partes da América”, porque ela é enorme, tem “sal criado vel recrutar ccm ou duzentos índios com cem moradores no Rio Gran­
por natureza” e “produz tão grande abundância de gados e tão fertilís­ de para formar duas bandeiras, cada uma com seu cabo c mais oficiais
simos pastos tão largos que podem dar carnes para todo o Brasil c todas que lhes fossem necessários, os quais, cortando o sertão por cima anda­
as matalotagens dos navios do comércio deles e coiramas para este rei­ riam incorporados fazendo saídas dc um arraial para outro. Desta sorte,
no, c ainda achando-se certo terem-se destruído com este levante do tais arraiais poderiam prover-se de mantimentos c assim se bloquearia
gentio tapuia mais de 900 mil [sic] cabeças de gado está suprindo as o trânsito dos índios de maneira que “não possam dos sertões dc cima
capitanias de Pernambuco e Paraíba com carnes e boiadas para manejo virem valer-se dos sertões de baixo, na beira-mar, nem virem a aprovei­
dos engenhos e carros dos lavradores”. Falavam também do pescado, tar as frutas c mantimentos dos tempos cm que cm cima lhes faltam”.1'’’
na costa c nas lagoas, das plantações de farinhas e legumes, dos susten- Com se percebe, os moradores, circunstanciavam a proposta das “seis
tos agrestes e da possibilidade de sc fazerem engenhos de açúcar. Isso aldeias” c não mencionavam sequer a necessidade dos paulistas.
não fosse o gentio rebelado, cujos assaltos eram impossíveis de resistir, Contudo, essa estratégia, que parecia do agrado do Conselho Ultra­
pois ele marino, tinha opositores. Entre eles, o irmão do padre Antônio Vieira e
secretário do Estado do Brasil, Bernardo Vieira Ravasco, que também
“. .. é de corso sem ter casas nem assento e só donde anoitece dor­ era proprietário de terras e currais no I tapicuru, no São Francisco, c no
mem no campo como animais que são e como tais é o seu sustento, Rio Grande, entre o rio Perogi e o Corotão.,w Em uma carta para o con-

141 Petição dos moradores da capitania do Rio Grande, vista no Conselho Ultramarino
,w Carta dc João dc Lencastro [rara o governador dc Pernambuco, 5/6/1694. DH.38'. cm 28/2/1695. DH. 84:120-2.
311-2. O padre /Antônio Vieira c Bernardo Vieira Ravasco eram filhos de Cristóvão Vieira,
C<insulta <lo Conselho Ultramarino. /?//, <YP:248-9. que veio do reino para Salvador como escrivão dos agravos c apelações, na ocasião da
168 A G II ER l<A 1)0 AÇU «IIEKKA Do AÇU 169
de de Alvor,1'’’ presidente do Conselho Ultramarino, datada de 5 de mação que se deu a Sua Majestade para mandar pôr nas Piranhas e Açu
agosto de 1694, Ravasco arrolava argumentos contra esta tese do “cor­ seis aldeias”? De maneira orquestrada, este bandeirante queria ame-
dão de aldeias” para proteger as capitanias do Norte. Deduzia que as I drontar o rei alegando que, assim que fossem acertadas as pazes com os
aldeias seriam inviáveis, pois ninguém havia calculado que “uma al­ | tapuias, estes as negaceariam “com qualquer navio estrangeiro que vier
deia de duzentos casais contém, com a família, seiscentas bocas” c que, àquela costa, pois tanto suspiram pelos holandeses, e é certo [que] se
dada “a inconstância e impaciência natural dos índios, no mesmo pon­ qualquer inimigo lhes desse armas de fogo, só eles bastavam para nos
to que lhes faltar o comer hão de desamparar as aldeias”. Dessa manei­ conquistarem por terra pois são tantos como as folhas, e no valor não
ra, segundo sua opinião, não haveria Fazenda Real que sustentasse es­ lhes excedemos mais que na desigualdade das armas”. Sua sugestão
sas aldeias, e mesmo que houvesse farinha suficiente seria muito difícil era “trazerem naquela campanha ao menos 400 homens de armas pau­
entregá-la, seja pela distância, seja pelo fato de que os índios sempre listas e o cabo prático daquela campanha", isro é, ele mesmo. Com uma
andavam com as mulheres e crianças para não as deixarem expostas aos infantaria bem provida, esta tropa assistiria na campanha “efetivamen­
bárbaros. Por fim, como era conhecido de todos, “em nenhum desses te dando-lhes [aos tapuias] guerra a fogo vivo derrotando-os com as ar­
sertões podem estas aldeias plantar provimentos porque tudo são cam­ mas, a fome e a sede, para que vendo-se impossibilitados e conhecen­
pos improduzíveis de mandioca e só excelentes para gado”. Argumen­ do a sua total ruína se provoquem a pedir paz e concederem-se-lhe com
tava, também, com as atividades dos bárbaros, que, apesar da paz com condição de os postar fora da terra”.'<ó Como veremos, sua candidatura
o Canindé, não haviam cessado. Como as aldeias distariam da cidade era promissora.
do Rio Grande (Natal) entre 35 c 50 léguas, nada de fato impediria aos Em suma, duas possibilidades se apresentavam para uma “definiti­
bárbaros livremente circular e vir assaltar a cidade. Ravasco sentencia­ va solução” da guerra no Rio Grande: ou a paz com os índios, que seria
va: era notório que “a cultura da terra não impede os bárbaros”, 'lodos garantida pelo povoamento do sertão — fosse com este “cordão dc al­
aqueles que haviam pedido terras em sesmaria tinham interesse em deias”, fosse pelo incentivo a novos moradores —, ou a guerra conti­
tratar das pazes com os índios só pelo pretexto de ficar com elas. Para o nuada, estruturada cm novas e mais poderosas bases militares. A pri­
secretário, seria mesmo impossível que os bárbaros aceitassem as pa­ meira estratégia, como estávamos vendo, fora considerada no Conselho
zes, pois se lhes oferecia algo que já possuíam, os seja, as “terras fron­ Ultramarino c resultara cm uma série de ordens régias. Ravasco denun­
teiras de que eles são senhores assim pelas suas setas como pela na­ ciava a impossibilidade material dc sua execução e revelava que o inte-
i resse que a motivava era a posse da terra. Com efeito, os moradores
tureza”. 164
Por trás desta arenga, estava, sem dúvida, a idéia de que a solução que defendiam tal estratégia almejavam tomar para si as terras dos ser-
seria chamar novamente os paulistas. Não havia o sargento-mor do ter­ ■ tões c preocupavam-se com a interferência do governo-geral ou, por
ço de Matias Cardoso, Manuel Alvares de Morais Navarro, escrito nes­ K• outro lado, como atuais proprietários dc sesmarias ainda não ocupadas,
te mesmo ano um “Discurso sobre os inconvenientes que tem a infor-* lo temiam a possibilidade dc que um novo terço de paulistas fosse contra-
tado sob a promessa das terras g serem conquistadas, como o fora o de
< Domingos Jorge Velho. Para tanto, estavam dispostos a “patrocinar” a
primeira criação da Relação da Bahia, cm 1609. Ravasco, além dc possuir o cargo i< ocupação e pacificação do sertão, financiando a construção de um pre-
dcsccretário do Estado c Guerra do Brasil, cra também fidalgo da casa dc Sua Majcs*
r ■ sídio. Por outro lado, a arenga do secretário do Estado do Brasil, como
tade c alcaide-mor da capitania dc Cabo Frio. Como secretário do Estado do Brasil —
desde 63, pelo menos, até a sua morte cm 1697 — Ravasco tinha enormes poderes,
i se percebe, embasava um outro partido, disposto a patrocinar a guerra
pois controlava não somente a memória das decisões tomadas, c suas implicações na í e controlar os dispositivos militares a serem mobilizados. Este partido
gestão presente, mas também todos os procedimentos peculiares da administração. F “baiano” (e pró-paulista) pretendia influir, dessa maneira, na política
Quando morreu, dois dias depois dc seu irmão, deixou o ofício para seu filho, Gonça- L' fechada das capitanias anexas à de Pernambuco, dominadas pela no-
lo Ravasco Cavalcante dc Albuquerque.
*'■' Francisco dc ’í avora, primeiro conde dc Alvor, havia sido governador cm Angola
(1677-1680) c governador do Estado da índia (1681-1686). Experiente cm assuntos ,u Discurso sobre os inconvenientes. . . etc., c. 1694. APEB, Livro 4." dc ordens régias,
do ultramar, desde 1693 exercia a função dc presidente do Conselho Ultramarino. 1694-95, fl. 76-9. Apud: Afonso de E. Taunay. “A Guerra dos Bárbaros”. RAM, 22:143-
,w Carta dc Bernardo Vieira Ravasco ao conde dc Alvor, 5/8/1694. Dll, <W:123-7. 51, 1936.
170 A GUERRA PO AÇU A GUERRA 171I><) m;V
brcza da terra."’'' Ainda na citada carta ao conde de Alvor, Ravasco pre­ atraí-los ao Rio Grande. Ravasco, com certa insolência, lembrava o pre­
gava que a guerra do Rio Grande não deveria “ser defensiva com as sidente do Conselho Ultramarino que a lei de 1611 mandava expressa­
três aldeias’’, pois “a guerra defensiva não consiste nela, senão na ofen­ mente cativar os gentios que fizessem guerra aos portugueses e esta
siva que se há de fazer os bárbaros e nesta é que há de haver a perma­ determinação continuava válida, apesar dc o próprio d. Pedro II achar
nência até os desbaratar e extinguir de todo”. Bom exemplo era a Bahia, que não. Não havia ele estudado todas as cópias de cartas que havia na
onde, depois de Cairu e o Recôncavo haverem padecido “40 anos de secretaria do governo e constatado que cm “nenhuma consta que
guerra defensiva”, os tapuias foram derrotados somente com a vinda derrogou a tal lei por mais que a Sua Majestade se tenha informado o
dos paulistas, “indo a conquistá-los mais de 100 léguas dentro de suas contrário”?"’” O caso exemplifica a certa arrogância típica da burocracia
aldeias”. Acreditava que letrada, cujo ponto de vista “técnico” (ou os seus próprios pontos dc
vista políticos) conferia-lhe mesmo um sentimento de certa autonomia
“. . . para se fazer a guerra é o único meio andar perpetuamente na em relação à vontade do soberano.
campanha um corpo de 600 homens de armas, dos quais sejam 100 A carta enviada ao presidente do Conselho Ultramarino surtiu o efeito
brancos c 500 índios expeditos, dos quais hão de ser 70 paulistas c desejado. Reunidos em 2 dc março de 1695, seus membros definiram
40 mulatos c mamelucos, tpie se podem tirar ao presídio de Per­ com mais apuro a estratégia a ser seguida. Ponderaram que “seria mui­
nambuco, com um mestre-de-campo, um capitão-mor, um sargento- to conveniente fiar Sua Majestade esta empresa deles [paulistas| por
mor e oito capitães. E que este mestre-de-campo tenha jurisdição ser [gente de| grande valor, e muito prática na que se faz nos sertões e
sobre as aldeias do Ceará, Paraíba, Pernambuco e rio São Francis­ mui sofredora do trabalho e costumada a vencer esses inimigos com
co para de todas tirar, revezadamente, os índios bem armados e de que guerreiam sempre”, c que se ordenasse ao governador da Bahia
maior valor que lhes parecer e escolhidos os mais fáceis de achar, que fosse aplicada a lei dc 1611, ou seja, que fossem feitos cativos os
(do] que casais com família que fazem número de mil e oitocentas ditos bárbaros, “por ser menos mal que eles percam a liberdade do que
almas (isto é, na proposta da formação das aldeias], e que de São os expor a que os paulistas passem os rendidos ao fio da espada como
Paulo se mande vir por mar um capitão-mor com 100 índios e 20 costumam obrar quando se não podem aprisionar deles para o seu ser­
brancos com dois capitães”."’7 viço e conveniência, e por este modo se lhes pode atalhar esta violên­
cia”. O que se devia fazer com brevidade, porque se entendia que os
Para o sucesso deste empreendimento era necessário pagar os soldos ditos rebelados, perseguidos pelas armas portuguesas, poderiam se re­
dos paulistas, além de fardas e pano dc algodão, assim como “resgates fugiar na serra dc “Goapaba” (Ibiapaba), no Maranhão. O rei concor­
para índios de armas, sejam cativos os prisioneiros que tomarem”. Quan­ dou no mesmo dia, dizendo que se devia mandar vir os ditos paulistas,
to às terras, que fossem dadas a cies apenas as que conquistassem, e “sem que se divirtam [atrapalhe] os que estão nos Palmares”.170 Uma
não para outros que “só com a sua informação as pretendem”. O cati­ carta régia, assinada em 10 de março dc 1695, ordenava que o governa-
veiro dos índios deveria ser autorizado, pois essa era uma condição para dor-geral levantasse um terço de paulistas, com soldos pagos e postos
regulares dc infantaria, para a guerra aos bárbaros do Rio Grande.171
Convertido às opiniões de seu secretário e ciente dessas novas deci­
Sobre a “nobreza da terra”, principalmentc no período post bellum, veja o capítulo 5,
sões de Lisboa, era provavelmente com certo prazer que Lencastro es­
“A metamorfose da açucarocracia”, de Evaldo Cabral de Mello. Rubro veio. Rio dc
crevia ao governador Melo de Castro no dia 20 maio de 1695, para lhe
Janeiro, 1986, p. 151-93.
Carta de Bernardo Vieira Ravasco ao conde dc Alvor dc 5/8/1694. DH, 84:123-7. Taunay contar que recebera ordens de que o intento do rei era “dar-sc fim a esta
confundiu as histórias. Para o historiador das bandeiras, o secretário teria sido autor
da sugestão dc se trazerem os paulistas feita ao arcebispo em 1688. Para tanto, se
baseava cm uma certidão que dizia haver na coleção Lamego do IEB. Affonso de E. IM Carta de Bernardo Vieira Ravasco ao conde dc Alvor. 5/8/1694. DH, 84:123-7.
Taunay. História geral das bandeiras paulistas. São Paulo, 1950, vol. 6, p. 343. Na ver­ *** Cf. António Manoel Hespanha. Ar vésperas tio l-eviathan. Instituições e poder politiro.
dade, como estamos vendo, Ravasco teve importante papel na definição da estratégia Portuga! sérulos XVl-XVHl. Lisboa, 1986, p. 292.
ofensiva baseada nos paulistas, mas apenas neste momento posterior ao fracasso da m Consulta do Conselho Ultramarino, 1 .“/3/1695. AI IU, cód. 252, fls. 182v-3v.
expedição dc Matias Cardoso. 1,1 Carta régia ao governador-geral, 10/3/1695. DH, 11:252-4.
172 A GUERRA l>O AÇU A GUERRA l>o Aç;| 173
guerra, e deixar à minha disposição a forma que parecer mais regular dc Lcncastro. Caso raro na prática concelhia, sua nomeação contrariava com-
se conseguir”. Segundo ele, tudo dependia da “gente cpte há de fazer, e pletamente a vontade dos membros do Conselho Ultramarino. Na ses­
do cabedal com que se há dc conservar”. Mudando de posição, como são do dia 11 de dezembro dc 1694, os doutores José de Freitas Serrão e
vimos, conta que estava decido a “empreender aguerra ofensiva, que c o João dc Sepúlveda Matos, assim como Bernardim Freire de Andrade e
único remédio que tem a segurança da capitania do Rio Cirande”. No Tristão Guedes preferiram confirmar a decisão do governador-geral, in­
entanto, via-se cm dificuldades para obter os recursos necessários a uma dicando Agostinho César de Andrade como primeiro voto, c deixando a
nova expedição dc paulistas. Enquanto tardasse uma solução, ordenou candidatura dc Bernardo Vieira dc Melo em último lugar; já o conde de
ao capitão-mor do Ceará, Ecrnão Carrilho, que se metesse com os ín­ Alvor preferia Valcntim Tavares Cabral, mas igualmente tinha Melo como
dios de sua capitania na fronteira do Jaguaribe, alternando-os com de última opção. E, contudo, o despacho real de 20/12/1694, nomeou o ca­
outras aldeias porque não levavam família. Para o Açu, enviou os cem pitão dc lgaraçu para enfrentar a crise no Rio Grande.”5
homens que sobravam do terço do Henrique Dias. Quanto ãs Piranhas, Não são comuns os processos dc escolha dos capitães-mores que não
o experiente capitão-mor, algoz que fora dos Palmares, informava que, resultassem dc decisões consensuais. Prerrogativa do Conselho Ultra­
como lá não havia bárbaros, não se fazia necessária nenhuma providên­ marino, a indicação dos lugares-tenentes para as capitanias que eram
cia.”-’ Não obstante, o governador havia recebido petições de curraleiros propriedade da coroa passava pela análise das folhas de serviço (com­
do Pinhancó que davam conta de hostilidades de tapuias que haviam provadas por declarações anexas) dos candidatos que se apresentassem
matado mais dc doze moradores e roubado gados. Assim, deveria pro­ c pela proposição, cm uma consulta ao rei, da uma lista classificada. O
ver os postos do principal da aldeia das Piranhas, que chamavam Mangua- preferido, gcralmcnte, era sempre o escolhido. A decisão de d. Pedro
guapc, com um cabo c vinte homens de confiança de Teodósio dc Oli­ talvez tenha sido motivada justamente pela discussão no Conselho e
veira Ledo, capitão-mor das Piranhas, Cariris c Pinhancós. Não só para pela falta de consenso. Poderia haver também um desejo dc favorecer
a segurança daquelas capitanias, mas “pela do novo caminho que se aos pernambucanos, reivindicação antiga, e ao mesmo tempo fortalecer
abriu do Estado do Maranhão até esta praça, como Sua Majestade man­ um grupo que pudesse mitigar o poder do governador-geral: divide et
dou: pois se não se desimpedir dos bárbaros, não se poderá frequentar [ impera. Nem vinte dias de sua posse, Bernardo Vieira dc Melo começa-
por ele a comunicação entre os dois Estados”.”1 > ria a implementar uma política para a guerra do Açu contrária a que
Contudo, os moradores do Rio Grande, associados à açucarocracia ! vinha sendo proposta pelo Conselho Ultramarino c implementada pelo
pernambucana, não desistiam de sua estratégia. Em meados do ano de
1695, os partidários dc uma solução pacífica ganharam um importante
aliado, quando um integrante da “nobreza da terra”, Bernardo Vieira de neto dc Antônio Vieira dc Melo. Em 1675. fora nomeado capitão de infantaria da
Melo, assumiu, junto com o posto dc capitão-mor do Rio Grande, a lide­ ordenança da gente solteira do rio Capibaribe (carta patente 12/1/1675). Filho dc pais
rança dos interesses da elite local. O futuro campeão da “Guerra dos c avós “de conhecida nobreza c limpos dc sangue", lotou nos Palmares (certidão 29/
11/1686). Eni 1686, era capitão-mor da companhia dc cavalos da freguesia da Vargem
Mascates”, que oporia mazombos e rcinóis no Recife em 1711, era então (carta patente 19/12/1686). Em 1689; tcnentc-coronel da infantaria da ordenança de
herói da Guerra dos Palmares, havendo comandado a expedição final que Pernambuco (carta patente 9/8/1689), quando lutou contra os guergues levantados,
aniquilara o quilombo, ganhando como prémio este seu novo posto.174 indo ao “Limite do Sapato”, perto do Ararobá, onde tinham terras c gado os padres
Vinha substituir Agostinho César de Andrade, que com já foi dito acima, da Congregação do Oratório. Em 1690, era juiz ordinário da vila dc lgaraçu (certidão

fora indicado como capitão-mor por medida extraordinária de João de 8/5/1690) c, em 1691, capitão-mor da vila dc lgaraçu (carta 5/7/1691). Em razão de
seus serviços no combate aos negros dos Palmares, foi premiado com o posto dc
capitão-mor do Rio Grande (29/7/1695-15/8/1701). Papéis dc Bernardo Vieira dc Melo
apresentados cm 1728. AHU, Rio Grande, caixa 1, 66. Veja também o, um pouco
Carta <1<> governador-geral ao governador dc Pernambuco, 20/5/1965. Dll, 33:331-4. j elogioso, artigo dc Tarcísio Medeiros. “Bernardo Vieira de Melo c a guerra dos bárba­
*
17
Carta de João de Lcncastro para o capitão-nior da Paraíba, 21/5/1695. £)//, 38:337-8. j ros". RIIIGRN, 59-61:25-51,1967-69; c EvaldoGabral dc Mclla/1j.ronda dosmasombos.
17.1
Em carta ao Teodósio de Oliveira Ledo, de 31 de maio de 1695, ficamos sabendo que ' São Paulo. 1996, p. 285-6.
ele tinha trinta ou quarenta espingardas para armar a dita aldeia, cuja nação era da sua ; ,,n Consulta do Conselho Ultramarino sobre a nomeação dc pessoas paca o posto dc
capitão-mor do Rio Grande, com votos declarados, 11/12/1694. In: Ernesto Enncs. As
confiança. Dll. .?<S:341.
Natural de ípojuca, capitania de Pernambuco, era filho dc Bernardo Vieira de Meloe guerras nos Palmares. São Paulo, 1938, p. 222-32.
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174 A GUERRA DO AÇU A GUERRA 1)0 AÇU 175
governo-geral. Com efeito, ã revelia das decisões do Conselho Ultra­ do pelo jesuíta Sebastião Figueiredo. Segundo o relato de Vieira, como
marino, o novo capitão-mor do Rio Grande convocou, no dia 16 de ju­ haviam sido postos ali pelos missionários junto com alguns tupis, ha­
lho de 1695, a câmara e todos os moradores “dc mais suposição” para viam ficado muito insatisfeitos, porque estes tapuias tinham aversão aos
decidir o que era mais conveniente para a segurança e aumento das caboclos. De tal maneira, que dois deles haviam levantado sítio e fugi­
povoações tão duramente atingidas pelo levante dos índios. Na oca­ do “para as brenhas onde habitavam”. Vieira conta que conversou com
sião, leu as cartas que o rei enviara, particularmentc a dc 3 dc dezembro os índios, dizendo que podiam escolher o sítio que quisessem. Eles fi­
do ano passado, em que se concluía pela necessidade dc uma solução caram “tão satisfeitos”, que o Canindé mandou prender os desertores
definitiva. Interpretando um tanto livremente essa resolução, insistiu e, “chegando a sua presença, mandou dc improviso matar ao que achou
com os presentes que era vontade expressa do rei que se buscasse uma mais culpado, mandando-me logo dar parte que assim o fizera para exem­
solução pacífica, com o que concordava e muito, pois, como disse na plo dos mais, sendo esta ação entre eles tão desusada que se não viu
ocasião, “tinha mostrado a experiência os impossíveis que havia para ainda neste bárbaros coisa semelhante”.1?!í Acompanhado do Canindé
extinguir os bárbaros [ej só por meio da paz podia haver quietação”. e dc alguns desses tapuias, a tropa do capitão-mor se pôs em marcha
Para favorecer sua interpretação da ordem regia, noticiou, então, a paz para chegar quatro meses passados ao lugar do futuro presídio, na ribei­
que o capitão-mor do Ceará acabara de fazer com os índios paiacus e a ra do Açu. Segundo o seu relato,
“destruição que estes (agora aliados) fizeram aos icós lá no interior do
sertão”, de modo que o gado podia fluir sossegado do Ceará para o Rio “. . . um campo tão plano que o regam três rios, que pelas margens
Grande. Os paiacus de fato haviam feito um acordo de paz, donde se dele correm tão copiosos que o que no verão é delicioso c agradável à
imaginava a necessidade dc aldeá-los para a defesa do caminho do Cea­ vista se reduz no inverno a um mar que nove dias contínuos andei em
rá. Ocupando as margens da lagoa de Apodi (perto do atual município balsas vadiando-os sempre acautelado, por reconhecer nos bárbaros
de Apodi), ao sul da chapada, esses tapuias controlavam uma região es­ grande indícios de me quererem acometer, e dando as águas uma pe­
sencial para a condução dos gados do Ceará para Pernambuco ou Bahia. quena suspensão cheguei ao lugar que se elegeu mais conveniente
Concordando cm fazer as pazes, os moradores, reunidos cm 1695, te­ para sc formar o presídio a que dei princípio no dia dc Nossa Senhora
miam ainda a instabilidade dos tapuias, tendo decidido que o melhor dos Prazcres, cuja invocação lhe ficou. Mas, cresceram tão copiosa­
era fazer na ribeira do Açu um presídio, “com gente que pudesse re­ mente os rios, que me suspenderam poder continuar a obra e estive
frear qualquer impulso dos bárbaros", o qual se comprometiam a sus­ em sítio passante de 40 dias em os tjuais nos sustentamos de frutas
tentar com farinhas por seis meses.176 agrestes por se nos acabar a farinha c não poder chegar um barco cm
Entre fevereiro e março de 1696, ousando a empresa, Bernardo Vieira que mandei conduzir e a que havia dc ficar no presídio, e por essa
de Melo e seu comparsa, Afonso dc Albuquerque Maranhão, que havia falta padeci e toda a tropa grandes doenças,'79 sendo eu o que estive
sido feito “capitão-mor das entradas do sertão”, se meteram nos matos com mais evidente risco. E disposto tudo na melhor forma que pude,
com 36 soldados dos henriques, enviados pelo governador dc Pernam­ deixando o gentio todo sossegado, os moradores satisfeitos já com
buco, e vinte criminosos voluntários, em razão do perdão que se publi­ passante de 40 cabeças de gado
situadas
* que as desceram da capitania
cara.177 Foram ter com o Canindé, rei dos janduís, que se encontrava do Ceará. Donde estavam reclusas, pelo impedimento que lhe fazia, a
junto com os seus aldeado num lugar chamado das Guaraíras — antiga rebelião dos bárbaros, me recolhi para esta cidade”."10
aldeia potiguar localizada na beira da lagoa do mesmo nome —, assisti-

'lermo, 16/7/1695, c carta dc Bernardo Vieira dc Melo ao rei, 25/4/1697. AHU. Rio ouvidor da comarca, Cristóvão Soares Rcitnão, 6/1/1696.1I1GRN, caixa 65, livro 3, fl.
Grande, caixa 1, 40. Veja também, 1-utima Martins Lopes. Missões religiosas: índios, 67-67v.
colonos e missionários na colonização da capitania do Rio Grande do Noite. Recife, 1999, ,7* Papel de Bernardo Vieira dc Melo. 1697. AHU, Rio Grande, caixa 1,40, ponto 5.
p. 151-2. Doenças “que causavam um geral catarro e cursos de sangue"; explicação na certidão
1,7 Este posto fora ocupado anteriorntente pelo falecido Manuel de Abreu Soares. Cara assinada pelo moradores do Açu. 25/4/1697. AHU, Rio Grande, caixa I, 66.
Patente passada por Bernardo Vieira dc Melo ao capitão-mor das Entradas do Sertão, Is> O capitão Teodósio da Rocha ficou no governo do presídio. Papel dc Bernardo Vieira
30/12/1695. 111GRN, caixa 65. livro 3, fl. 65 v; bando dc Bernardo Vieira dc Melo c do dc Melo, 1697. AHU, Rio Grande, caixa 1,40, pontos I e 2; veja também a carta dos
GUERRA 1)0 AÇU 177
Na imagem do capitão-mor, a rebelião dos bárbaros — tal como as documentos que comprovariam o acerto de sua estratégia e,.dessa ma­
águas do Açu que transbordaram, urdo alagando e trazendo embaraços neira, desautorizariam as iniciativas dc erguer um novo terço de paulistas.
à presença dos conquistadores — encontrava-se agora reclusa. Nesse Em razão desse contexto, o historiador não pode deixar de considerar
sentido, desejoso de afastaras iniciativas do governador-geral, Bernardo que tais diplomas tenham sido feitos ad hoc, talvez mesmo na própria
Vieira de Melo lhe havia escrito, antes mesmo desta sua expedição, em “casa dc morada do capitão-mor”, como ambos iniciam. Com efeito,
junho de 1695, para dizer que “esses sertões” estavam “limpos de tanto a “retificação da paz feita com os tapuias janduís da ribeira do
tapuios”, donde se fazia desnecessária sua intervenção.”11 Sua iniciativa Açu”, datada de 20 de setembro de 1695, como o “tratado dc paz feito
era, claramente, contrária ã articulada na Bahia e indicava, desde já, a com os tapuias ariús pequenos”, datado de 20 de março de 1697, apre­
rota que o levaria a uma colisão com o terço dc paulistas que Lencastro sentam redação idêntica (ver Anexo 4).,M Como se sabe, não restaram
tratava de criar, como veremos no próximo capítulo. Incansável em tentar muitos desses tratados na documentação do período. Com exceção da
dissuadir o rei de levantar um terço de paulistas cm seu quintal, o capi­ referencia feita à paz de 1692 com os janduís e do “protesto de fideli­
tão-mor enfileirava argumentos. No final de abril dc 1697, ccrtamente dade” dc 1702 (de que tratarei mais à frente), não tenho conhecimento
visando reverter a opinião do Conselho Ultramarino, um papel de sua de nenhum outro documento parecido. Dessa maneira, é difícil estabe­
lavra sobre a situação da capitania relatava suas atividades c ponderava, lecer se havia algum procedimento protocolar na sua redação que justi­
detalhadamente, várias providências que julgava necessárias para um ficasse a cópia exata dos termos nesses diplomas. De toda maneira, isso
melhor governo. Para ele, os bárbaros eram de “uma imensidade tão é incerto. Bem mais simples será supor, não uma fraude aberta, mas um
grande que se tiverem o ânimo e disposição, conforme as forças e quan­ exagero. Não é impossível imaginar tpic o capitão-mor de fato firmou
tidade, será impossível conquistarem-se”. No entanto, uma vez que seu paz com os ariús pequenos e retificou a paz com os janduís da ribeira
modo dc “acometer não é mais que o de rapina”, “qualquer tropa nos­ do Açu, representados na figura do principal Taya Açu. Contudo, afo­
sa sendo bem ordenada basta para intimidá-los”. Reeditando a propos­ gado na própria aversão que lhe causava a chegada iminente dos intru­
ta dos cordões de aldeias, mas desta vez considerando a conservação sos paulistas, quis conferir certa solenidade a um acordo comezinho c
dos presídios, o capitão-mor dizia que todos os gastos da Fazenda Real rotineiro, cuja imponência lhe interessava. Afinal, diferentemente do
e todas as “intoleráveis importunações e demasias” sofridas pelos mo­ tratado feito com o Canindé, que com efeito representava um conjunto
radores para a conservação da paz com os bárbaros poderiam ser evita­ de várias tribos, estes papéis traduziam os arreglos resultantes da rendi­
dos se os presídios do Açu, Piranhas e Jaguaribe fossem devidamente ção de grupos quase que isolados de tapuias. Nesse sentido, ao que
consta, foram vistos com desdém pela Coroa, que já pusera em marcha,
conservados.IW
Juntamente com esse papel, o capitão-mor do Rio Grande encami­ desta vez cm versão ampliada, a máquina de guerra paulista.
nhou cópias de do/s tratados de paz feitos com tapuias dc sua capitania,
0 terço do mestre-dc-campo
oficiais da câmara dc Natal ao rei, 24/4/1696. IHGRN, caixa 65, livro 3, fl. 74-74v. 0
Manuel Álvares de Morais Navarro
rei agradeceu esses trabalhos da jornada ao Açu cm uma carta dc 15/1/1698. AHU,
Para comandar o “novo terço” do Açu, foi escolhido o sargento-mor
1,1 cód.
Carta246,11. 60de
de João v. Lencastro para o governador da Paraíba, 2/9/1695. DH, 38:372. Em
" do terço de Matias Cardoso, Manuel Alvares de Morais Navarro. Feito
maio dc 1697, o governador dc Pernambuco, Caetano dc Meio c Gastro, confirmava
. . mestre-de-campo, segundo a carta patente de 25 de maio de 1696, era
a notícia do capitão-mor, contando que o “levantamento do gentio sc achava sossega­
do", tanto no presídio do Geará como no Açu, e que se haviam “passado para os seus “ certamente a pessoa mais indicada para o posto, pois tinha já grande
distritos muitos moradotes c acrescentado novos currais c que neles sc necessitava
de sacerdotes". Garta regia ao governador dc Pernambuco, novembro dc 1697.
RiHGRN, /(A 126-8. A decisão do rei bascou-sc no parecer do Gonsclho Ultramarino. “* O fato dc o mesmo escrivão, Manuel Eusébio da Costa, haver transladado ambos os
Consulta do Conselho Ultramarino, 21/8/1697 (carta inclusa do governador dc assentos no livro dc registros da secretaria do governo do Rio Grande não explica a
Pernambuco, 14/5/1697). AHU, cód. 265, fls. 117-117v. semelhança. Cópia do tratado de paz feita com os tapuias ariús pequenos, 20/3/1697,
Papel dc Bernardo Vieira dc Melo, c. abril dc 1697. AHU, Rio Grande, caixa 1,42, c cópia da retificação da paz feita com os tapuias janduís da Ribeira do Açu”, 20/9/
169S. AHU, Rio Grande, caixa l, 40.
ponto 18.
178 A GUHRKA DO AÇll A GUERRA 179
Do AÇU
experiência na Guerra do Açu.'w Não obstante, Navarro parecia poster­ Depois que o mcstre-de-campo retornou ao Rio de Janeiro, seu exa­
gar sua entrada cm ação. Antes dc partir para o Rio Cirande, ele tinha to paradeiro não se sabe, e tampouco o sabia o governador-geral, que,
conseguido uma licença para ir a Portugal, onde rogou c recebeu certas com certa aflição, escreveu uma carta, datada de 19 de outubro dc 1697,
mercês reais. Enquanto não voltava da Corte, seu irmão, José dc Mo­ para as câmaras das vilas de São Paulo c todas as circunvizinhas (San­
rais Navarro, que era capitão-mor de uma das companhias, ficara em tos, São Vicente, Ilha de São Sebastião, Taubate, Ilha Grande, Santa
São PauJo ajudando a levantar o terço.11" Ana de Moji, Parnaíba, Itu de Nossa Senhora da Candelária c Jundiaí
de Nossa Senhora do Desterro), procurando fazer chegar ao paulista a
ordem para que se comunicasse com o governo geral e confirmasse a
(.'arca patente, 25/5/1696. AHU, Rio Cirande, caixa 1, 60. Natural dc São Paulo, filho
dc Manuel Alvares Murzeio, Navarro havia servido por cinco anos como alferes da
patente de cabo deste novo terço: “Para que o levante com toda a bre­
fortaleza dc Vera Cruz dc Itapema, passando a capitão dc infantaria da ordenança vidade possível e eu |Lencastro] possa com a mesma socorrer aquela
antes dc scr nomeado, cm 8 de abril dc 1688, sargento-mor do terço dc Marias (lardo- capitania que espero ver com todo o sossego, por meio das armas dos
so de Almeida. Nessa ocasião, fez diligencias dc juntar alguns paulistas c os levar por paulistas, sempre vitoriosas dos bárbaros do Brasil”. Além disso, envia­
mar ate a costa do Rio Cirande, mas. devido a problemas com a embarcação, parou na ra a Navarro uma cópia da carta do rei e patentes cm branco para que
Bahia, dc onde partiu por terra, cerca dc 220 léguas, levando ordens c munições
necessárias ao terço dos paulistas no sertão rio São Francisco. Depois disso, voltou à nomeasse alguns capitães e oficiais para o terço. O provedor da Fazen­
Bahia para tomar novas ordens com o govcrnador-gcral, frei Manuel da Ressurreição, da do Rio dc Janeiro deveria adiantar alguns meses de soldo e assistir
tendo retornado ao sertão passando pela Jacobina, "caminho milito mais dilatado’’, com o mantimento necessário, porque dali iriam embarcar para a Bahia.
levando consigo 200 índios armados de diversas nações para os entregar a Matias Prometia o Lcncastro, por ordem do rei, que daria aos paulistas, de
Cardoso. Ao total, andou 400 léguas nas guerras. Certa volta, quase se afogou no Rio sesmarias, “todas as terras que no Rio Grande conquistarem”.”"'Como
Pajaú, quando uma canoa afundou. Ainda como sargento-mor, partiu com .500 ho­
mens de armas c uma tropa dc 27 cavalos, formada a sua custa, lutou contra os bárba­ se vê, não havia problemas quanto ao pagamento dos soldos, já que os
ros por " 11 dias efetivos a fogo vivo até os derrotar”. Continuou sua jornada padecen­ postos eram preenchidos por ordem expressa da Coroa como de “in­
do muita sede c necessidade, até que se juntou com Matias Cardoso c fizeram um fantaria paga”, isto é, como tropas regulares.137 Em agosto dc 1698, o
arraial. Passados catorze dias, foi buscar os bárbaros cm seu alojamento, atacando-os. governador do Brasil mandava cartas aos capitães-mores da Paraíba e
Tendo notícia que vinham atacar o arraial, se pôs com vinte homens a caminhar a
do Rio Grande para que em tudo facilitassem a entrada do Navarro,
noite inteira até dar dc madrugada no seu alojamento c pelejar até as 9 da manhã,
quando o inimigo se colocou em retirada deixando 60 prisioneiros. Navarro foi ferido
que desembarcaria na Paraíba (pois ia por mar para evitar o desgaste da
por uma flecha na coxa direita. Como havia uma peste dc sarampo no arraial, resolve­ gente c dos currais que cruzaria no caminho caso fosse por terra) e
ram se retirar para .50 léguas distante do Ceará com 450 homens de armas para guar­ adentraria o sertão para fazer um arraial no lugar que parecesse mais
necer os enfermos, onde ficaram sob a tutela de Navarro por quatro meses. Chefiou, conveniente para dar combate aos bárbaros. Pedia que fornecessem car­
então, vários comboios que traziam mantimentos de Pernambuco, não sem encon­ nes e mantimentos necessários à tropa, pagos dirctamentc com o di­
tros com os bárbaros. Atacaram, divididos cm dois troços, os bárbaros que assediavam
a cidade do Rio Grande a menos de três léguas, c "degolaram todos”. Sendo manda­
nheiro que o provedor-mor haveria de enviar anualmente da Bahia.1®
do de volta ao arraial do Açu com 200 homens, deu com eles numa “gorras embosca­ O mcstrc-dc-campo retornou de Portugal ao Rio de Janeiro, daí pas­
da” e depois os seguiu por cinco dias c noites, até lhes matar a aprisionar muitos c sou a Santos até chegar cm São Paulo. Encontrou seu irmão, tomou
que decidissem fazer as pazes. Domingos Jorge Velho, que estava então no Palmares, conhecimento dos preparativos e, de volta ao Rio, zarpou com parte de
pediu ajuda porque os soldados não paulistas haviam fugido, c Cardoso mandou
Navarro com duas companhias que marcharam 130 léguas ate acharem o Velho com
apenas cinco soldados. Aí, Navarro enfrentou alguns negros que atacaram o arraial. servir de “exemplo para que os mais paulistas se animem”. AHU, cod. 86, fis. 246-8.
Depois foi ajudar a construir a estrada dc 40 léguas até as povoações do Orobá, para Sobre os pedidos de mercês por serviços prestados, veja o estudo de Clconir Xavier
dc lá trazerem mantimentos. Folha dc serviços dc Manuel Alvares de Morais Navarro, de Albuquerque. A remuneração deserviços degfterraholandesa. Recife, 1968.
15/12/1696. Aí IU, cód. 86, fis. 246-8. “ Carta de João de Lcncastro, 19/10/1697. Z///, //:252-4.
Certidão, 1/8/1698. AHU, Rio Grande, caixa 3, 43. Dc fato, o paulista apresentou sua w Para pagar os mantimentos sacados no Rio, o governador, em razão do risco que há
folha dc serviços no Conselho Ultramarino c conseguiu, cm 15 de dezembro dc 1696, “de mar c piratas”, ordenava ao provedor do Rio que sacasse uma letra sobre o prove­
em razão de sua dedicação ao serviço do rei quando sargento-mor de Matias Cardoso, dor-mor, usando antes algum soldo que a ela pertença. Carta dc João de Lcncastro
a mercê de scr feito fidalgo com hábito dc Cristo, recebendo tença de 150$000 réis. para o provedor da Fazenda do Rio de Janeiro, 19/10/1697. Dll, //:259-60.
Seu filho mais velho recebeu outro hábito e tença dc )2$000 réis. Essa graça deveria Ia Carta de João de Lcncastro para o capitão-mor da Paraiba, 30/8/1698.1)H, 3^:444-8.
180 A GlIliRRA OO AÇU

sua gente para a Bahia.1*9 Foram na fragata Santa Catarina de Sena e


Três Reis Magos, do capitão Antônio Veloso Machado, fretada por re­
comendação do governador do Rio, Artur de Sá e Meneses.1'* Este mes­
mo navio, que chegou à Bahia cm 1." de agosto de 1698, levaria o terço
para a Paraíba logo no mês seguinte. Embarcados em direção ao porto
da Paraíba, os 193 oficiais e soldados do terço do mestre-de-campo Ma­
nuel Álvares dc Morais Navarro enfrentariam fortes tempestades, em
uma viagem que duraria até o dia de Natal.191 Passados oito meses, no
dia 10 de maio de 1699, Manuel da Mata Coutinho c Manuel de Siqueira
Rondon, os dois capitães que faltavam de São Paulo, chegaram à Bahia
O TERÇO DOS PAULISTAS
acompanhados de setenta soldados, assim brancos como índios dc ar­
mas. Foram enviados por terra a toda pressa para completar o terço do
Navarro.192

Na América portuguesa, a organização das forças milita­


res envolvidas na conquista c controle dos domínios da Coroa foi es­
tabelecida desde o regimento do governador-geral Tome dc Sousa, cm
1548, que dispunha as diretrizes da empresa colonial. O governador de­
veria, no exercício dc suas atribuições, zelar pela segurança da Colónia
e do povoamento das novas terras, para o que contava com armada, gen­
te, artilharia, armas e munições c tudo o mais que fosse necessário. Cum­
pria, antes dc mais nada, fortificar as barras c os portos de acesso às
praças de comércio.1 Contudo, para além do enquadramento das tropas
regulares, que garantiam basicamente a resposta às outras forças orga­
nizadas no contexto de disputa intcrimpcrial que se esboçava no Atlân­
tico sul, o governador deveria castigar as tribos rebeladas ou arredias,
assim como impedir os distúrbios imanentes à violenta sociedade escra­
vista em gestação. Porém, no início da colonização, os poderes públicos
não tinham condições de realizar de maneira eficiente o controle e de­
fesa do território diante dos inimigos “internos”. Para tanto, dever-se-
ia utilizar os guerreiros obtidos junto às tribos amigas assim como os
soldados das linhas auxiliares. O regimento de 1548 fixava formas de
Certidão, 1/8/1698, AHU, Rio Grande, caixa 3, 43.
Relação do dinheiro que se cem despendido com o Terço dos Paulistas de que é recrutamento c dc organização desta linha auxiliar, cujos encargos eram
mestre-de-campo Manuel Álvares de Morais Navarro, assinado por Antônio Lopes dos moradores. Nesse sentido, para além das linhas regulares, a força
Ulhoa, 19/8/1702.1EB, códice 4 A 25; carta de Lencastro ao governador do Rio, Artur privada garantia a homeóstasc do sistema. A Coroa tinha para si que
dc Sá c Meneses, 26/8/1698. DH. //:265-7. poderia armar toda a população das colónias por imposições legais. Desse
Lista dos soldados do terço do mestre-de-campo Manuel Álvares dc Morais Navarro
que vai para a Paraíba do Norte que saiu do porto da Bahia cm primeiro dc setembro
dc 1698. 1HGRN, caixa 89. 1 Regimento do governador-gera! Tomé dc Sousa, 1548. In: M. G. de Mendonça (cd.).
Carta dc João dc Lencastro para o capitão-mor do Rio Grande, 3/5/1699. DH, c
Olavo dc Medeiros Filho. Kconlmu na capitania do Rio Grande. Natal, 1997, p. 130-2. Raízes da formação administrativa do fíntsií. Rio dc Janeiro, 1972, vol. 1, p. 46-7.
tKt
182 O TERÇO DOS PAULISTAS o tiíhço DOS 1’A u i. is I AS 183

modo, o “alvará das armas” dc 1569 cornava obrigatória aos homens li­ quadra c um tambor. O capitão-mor possuía ele mesmo tima das com­
vres a posse de armas de fogo e armas brancas.-’ panhias, que cra servida também por um sargento-mor, seu substituto
É claro que a presença desses armamentos e dessas posições dc for­ natural, e por quatro ajudantes. No caso das ordenanças, os senhores
ça disseminados pela sociedade contaminava o seu cotidiano com vio­ ou os donos das terras dc um termo deveriam, a princípio, ser automati­
lência. Todavia, devemos ter em conta que este arsenal estruturava-se camente providos no comando das tropas como capitães. No caso da
no nível superior das linhas auxiliares, postas, na maior parte dos casos, Colónia, na ausência desses “donos”, cabia ao capitão-mor e às câmaras
ao serviço dos arranjos dos poderes locais e da construção das hierar­ nomear os capitães de companhia c os seus ajudantes imediatos. Como
quias sociais. Isso porque o serviço das ordenanças organizava a popu­ as câmaras eram a expressão dos estratos superiores da sociedade local
lação segundo o corte social existente. As forças auxiliares da Colónia — ao contrário do grosso da tropa, constituída de gente simples — a
foram regulamentadas, por assim dizer, com o disposto no “regimento- hierarquia superior das milícias era formada pelos senhores locais, pro­
geral das ordenanças” de 1570/ Este regimento instituía os corpos dc prietários ou “homens bons”, donde a reprodução da ordem social ga­
ordenança formados pelo engajamento obrigatório de todos os morado­ rantir a funcionalidade esperada da organização militar. A provisão de
res de um termo (jurisdição administrativa) com idade entre dezoito e 15 de maio de 1574 complementou esse regimento, esclarecendo que,
sessenta anos, com exceção dos eclesiásticos c dos fidalgos. Idealmente, onde houvesse uma só companhia, o comando seria exercido pelo ca­
tanto as tropas regulares como as ordenanças eram constituídas cm ter­ pitão c não mais pelo capitão-mor. Em verdade, à medida que as capi­
ços — mas, à diferença das tropas regulares, as milícias das ordenanças tanias hereditárias passavam ao controle da Coroa, isto é, tornavam-se
não recebiam soldo. Tratava-se de uma organização derivada da Espanha, capitanias reais c portanto território sob a administração direta da Mo­
onde o tercio era originalmcntc um regimento de infantaria paga c pro­ narquia, o posto administrativo superior nos limites de sua jurisdição
confundia-se nominalmente com o de capitão-mor e era provido pelo
fissional.4
Em teoria, o terço deveria ser formado por 2.500 soldados, reparti­ rei. Ora, esse capitão-mor exercia também as funções relativas ao corpo
dos cm dez companhias, compostas, cada uma, de 250 homens, todos das ordenanças, controlando sobremaneira a nomeação dos capitães dc
subordinados ao capitão-mor (ou mestrc-dc-campo). Estas companhias, companhia. O regimento de 1570 cra claro: cabia ao capitão-mor “re­
sob o comando dc um capitão, por sua vez, deviam dividir-sc em dez partir os habitantes da cidade, vila ou conselhos em esquadras de 25
esquadras de 25 homens. O capitão dc companhia tinha ao seu serviço homens c para cada esquadra escolher um capitão de companhia que
um alferes, um sargento, um meirinho, um escrivão, dez cabos de cs- . será seu cabo”.5 Todos estavam, por sua vez, subordinados ao governa-
dor-geral, que exercia o supremo comando das forças militares, como
capitão-general.
Alvará das armas, 1569. In: íbidem, vol. I,p. 145-51. Tantos meandros podem parecer confusos ao leitor e, de fato, por
1 Rcgimento-gcral das ordenanças, 1570. In: íbidem, vol. I, p. 157-78. vezes confundiam os próprios contemporâneos, gerando discussões so­
1 Stuart Schwartz. “A Note on Porttigrtcse and Brazilian Military Organization”. In:
The (lovernor and llis ímage in Ramque Rrazil, lhe Funeral F.tdogy ofAfonso Furtado de bre prerrogativas c jurisdições.por vezes intermináveis e com muitas
Castro do Rio de Mendonça by Juan Lopes Sierra. Minncapolis. 1979, p. 173-7. A intro­ consequências. Já vimos no capítulo anterior como abusos e interven­
dução dos tercios na Espanha dcvc-scà iniciativa do capitão Gonçalo dc Córdova que, , ções causavam disputas entre as autoridades, cuja distância, por si só,
desenvolvendo os princípios da arte da guerra suíça —cuja infantaria cra formada por .<: < podia causar sérias barafundas. Das mais conhecidas foi a que opôs o
falanges dc 6.000 a 8.000 homens, eriçadas cm piques, c oferecia uma resistência
importante à cavalaria — c os associando a utilização ampliada das armas dc fogo, yJ
governador dc Pernambuco ao da Bahia, na metade do século XVII.
“concebeu uma organização cuja unidade principal cra a connelia, esquadrão ou terço <4.5 i Como sc sabe, durante a guerra holandesa, foi criado para d. Fernando
dc 6.000 homens, comandada por um coronel c dividida cm 12 companhias ou batalhões i";-. Mascarenhas, o conde da Torre, o posto dc mcstre-dc-campo-gcncr.il
dc 500 homens cada, comandadas por um capitão ou alferes ahtndeirado-, a cada 100 ■ j ; para organizar o esforço militar contra os invasores. A questão ficou con-
homens destas companhias competia um cabo de batalhão-, c a cada 10 homens um ?.-4 . fusa depois da Restauração, quando Francisco Barreto, que era então o
cabo de esquadra. Em cada terço ou cotvnelia, 10 companhias constavam de 200 piqueiros, y. •
200 rodeleiros e 100 arcabuzcíros cada; e as duas restantes eram cxcJusivajncntc dc
piqttciros”. Carlos .Selvagem. Portugal Militar: compêndio de história militar e naval de í , • * Apud: Graça Salgado (coord.). Fiscais e meirinhos: a administração no fírasil colonial.
Portugal. Lisboa, 1991, p. 332-4. ' Í V Rio dc Janeiro, 1985, p. (00-2e 164.
184 O TERÇO DOS PAULISTAS <> TlíRÇO Dos PAULISTAS 185

mcstre-de-campo-general, foi nomeado governador de Pernambuco. Já de 22 de outubro de 1658, a Relação concordou em punir o governador
em outubro de 1655, o governador-geral, conde de Atouguia, preocupa­ de Pernambuco."1 Segundo Rocha Pita, Barreto resolveu depor Negrei­
va-se com o problema do provimento dos cargos militares do exército ros, ordenando que o mestrc-de-campo Nicolau Aranha Pacheco mar­
de Pernambuco. Segundo seu entendimento, o mcstre-dc-campo-ge- chasse da Bahia com o seu terço e assumisse o posto. O desembargador
neral o era apenas dc Pernambuco e, portanto, naturalmcntc subordi­ Cristóvão dc Burgos de Contreiras deveria ir junto para prendê-lo. No
nado ao capitão-general, ele mesmo. Todavia, l* 'rancisco Barreto insis­ entanto, este, “amainando na tempestade por escusar o perigo”, recuou
tia em prover os cargos e postos que vagavam em Pernambuco sem o e arrependeu-se dc suas ordens." Em Lisboa, o rei não gostou desses
conhecimento do governo na Bahia, por conta dc uma antiga prática, excessos de Barretos c, em uma carta 5 dc abril do ano seguinte, censu­
corrente nos tempos das guerras com os holandeses. Atouguia escreveu rou o envio dos ministros a Pernambuco. Em agosto, o governador se
uma carta ao rei pedindo que desse uma solução às indefinições juris- defendia e estranhava a repreensão, pois afinal estava apenas defen­
dicionais, c restituísse o prestígio do governo na Bahia.1’ A solução veio dendo suas prerrogativas; preferia que o rei tirasse logo “o posto que
dc outra maneira, pois cm 1657 Francisco Barreto tornou-se governa­ ocupo, porque não me atrevo a servi-lo entre desobediências aplaudi­
dor do Brasil, mantendo o posto dc mcstre-de-campo-general. Quase das e supostas culpas castigadas”.
três anos depois da reclamação do conde de Atouguia, o novo governa­ Confundindo o seu governo dc uma só capitania com o dc todo o
dor, Francisco Barreto, ainda que não concordando com os argumentos Estado do Brasil, Negreiros apenas exercia um tipo de arrogância fre­
dc seu antigo opositor, reunia cm si a antiga querela de jurisdições: era quente nos governadores de Pernambuco do pós-guerra. A Monarquia
ao mesmo tempo mestrc-de-campo e capitão-general. não hesitava, mas se aproveitava de tais situações para intermediar os
No entanto, André Vidal dc Negreiros, que sucedera Barreto no go­ conflitos e oferecer um ponto de fuga ao jogo político cm curso num
verno de Pernambuco, resolveu prover, sem dar conta ao governo-ge­ território tão distante. Em 1661, o rei passou uma patente ao novo go­
ral, os postos dc capitão-mor da ilha dc Itamaracá c dc secretário do vernador de Pernambuco, Francisco Brito Freire, que esclarecia que
exército, além dc criar, nomeando-lhe com soldo, o dc governador da todos os oficiais de guerra, justiça e fazenda das capitanias dc Pernam­
praça do Recife. Quando Francisco Barreto tomou posse, recolheu to­ buco e anexas lhe deveriam obedecer. Como o rei não havia especifica­
das as provisões de Negreiros e sc recusou a cumpri-las, “pretendendo do quais eram as capitanias anexas, criara-se uma nova celeuma, pois
introduzir por este meio nova separação c independência deste gover­ em junho de 1661 o governador de Pernambuco deu ordens para as
no”. Ao que ordenava o provedor dc Pernambuco fazer cumprir suas três companhias da Paraíba, o que causou consternação da população,
provisões, não pagando ou aceitando as do Negreiros.7 Barreto passou que se recusava ã subordinação ao governo de Pernambuco. Dc fato,
então um alvará para que Negreiros “conhecesse que era súdito deste desde os tempos da guerra dos holandeses, a gente da Paraíba relutava
governo”, ao que este retaliou mandando prender o escrivão c dois ca­ em tomar-se como anexa, defendendo sua isenção. Segundo Francisco
pitães que haviam ido a Olinda para fazer cumprir as patentes passadas Barreto, que saiu cm defesa dos moradores, no âmbito da de Pernam­
da Bahia. Segundo uma carta dc Barreto, como Negreiros trazia “tão buco sc incluíam apenas “as vilas do rio São Francisco, Alagoas, Porto
atemorizados os vassalos de Vossa Majestade daquela capitania, c tão Calvo, Scrinhaém, Santo Antônio e lgaraçu, e outras muitas freguesias,
atropelada a justiça, [. . .] não houve pessoa alguma secular nem ecle­ que por dilatadas têm capitães-mores c sc reputam como capitanias”.
siástica que se atrevesse a intimar-lhe o agravo”.” Em 8 de janeiro de Estas eram as anexas, e “não as da Paraíba e Rio Grande, que são cida-*11
1658, Francisco Barreto contava que havia proposto aos ministros da
Relação que fosse punido André Vidal, o qual insistia em usurpar a ju­ ; 19 0 texto do assento dc 22/10/1658 está publicado na nota (v.) dc Rodolfo Garcia na
risdição que o rei concedia ao capitão-general.9 De fato, em um assento . Históriantml tio fírasil tlc Francisco Adolfo de Varnhagcn (São Paulo, 1975), torno 3.
p. 220-1.
11 Rocha Pita, livro 6. 11-2, p. 167-8.
. “ Carta ao rei, 22/8/1659. Dll, 4:369-71. Para a questão dos conflitos de jurisdição, veja
'■ Garta ao rei, 16/10/1655. DH,
’ Carta, 20/9/1657. /?//, /!>:253-5. a tese dc Vera Lúcia Costa Acioli. “Jurisdição c conflitos: a força política do senhor dc
" Carta, 21/8/1658. DH. 4:329-2. engenho”. Cadernos de História, Recite, 7,1989; e para o caso dc Negreiros c Barreto,
■' Carta ao rei, 8/1/1658.DH, 4:358-60. T particularmcnte, veja p. 74-111.
O TERÇO IH)S PAUL IS IAS 187
186 O THRÇO ”‘,s PAU C IS t A« „
campo aberto.16 Segundo Evaldo Cabral de Mello, o sistema'de defesa
des, e ltamarac^ q^ Brito Rdrc’ datl|° que Matias de Albuquerque aplicou contra os holandeses, de 1630 a
era ■■.u.e.k.uu.eu.c xubo.d.- 1636, era “um sistema misto”, no qual as forças convencionais concen­
trava m-sc
nado” ao seu governo.”
. numa praça-forte, o Arraial, guarnecida pela artilharia e pelas
A “guerra do Brasil tropas regulares c situada à retaguarda de uma linha de postos avan­
,, -nn- r nm a Restauração cm 1640, c a subsequente guerra com a çados, as estâncias, ocupadas por tropas irregulares dc índios, negros
Espanha. Portugal constituiria um A^adaTaí c soldados da terra. Entre uma e outra estância, vagam as esquadras
volantes que continuadamente emboscam c assaltam os invasores.
Itón^pénàsem 161«°No Bnsd. I.>gò depois da exPuls3o Enquanto o Arraial preenche uma função estratégica, as estâncias c
r TuXes í. Bahia, cm 1626, foi formado o prime.ro rerço de rn- as esquadras volantes têm um objetivo puramente tático”.17
dos hotandese . criou.sc o Terço Novo, em oposição ao erço
lantana paga. Lm homens cada. Como resultado As estâncias eram controladas pelos “capitães-de-emboscada”, car­
VWhrr, ambos, fotan, também criados outros ter- gos de liderança criados por Matias de Albuquerque, logo no início da
das gueuas-<^Henrique Dias e dos índios dc resistência. Estes “capitães” estavam no comando de um punhado de
KpS.. “a—Se homens que eram destacados para controlar uma determinada região.
Com uns trinta ou quarenta homens (vários deles índios “frecheiros”,
N‘>"C| 'Xm XníXXX'dcIrSdítdos eirropeus nas vilas e ci- ' í!• isto é, hábeis com as flechas), estas guerrilhas deviam, também, ator-
dXX o Bras^o^am. ma^a eq= ' mentar o inimigo c desbaratar-lhe os postos c comunicações. Por outro
lado, não se tratava apenas dc fazer a guerra, mas também dc sustentar
I

emrc milicras reguhmsol)tkla „a evolução do . vquem a fazia. As guerrilhas, ao zelarem pela várzea, impedindo a entra-
“rXXxilbms. processo ges.ado no conrex.o da pnmerra ;:; da dos holandeses, cuidavam da produção dos alimentos e do açúcar, o
combustível da guerra. Os portugueses, segundo o memorial dc João
í;'cXo fmeas» dí expedipo das tropas regulares européias. envia- , Cardoso, tornavam-se invisíveis nos matos, onde eram imbatíveis. E os
Com o tracasbu u i \ resistência local à ' ?'r
■holandeses não se poderiam sustentar, pois, “fechado o mato, tudo te-
das na armada espanhola de OquemPe «n'XeXX". que bus®! : S> kj :

■^ria dc vir da Holanda, o que era para eles caro, incerto c insustentá-
invasão batava limitou-se a uma estratug g „„Kurava deixar aos ? ’ □'L í-yèl”.18 Contudo, a “guerra lenta”, uma vez impossibilitado o apoio es­
a

cava a manutenção do impasse m cal, querdutjduI()B i..;


holandeses o controle das pr«Ças-lortes ™"‘^o “ da a P merado pelo mar, não poderia manter o domínio do interior por muito
3$ gtémpo diante do enorme conqngentc do inimigo. Segundo Cabral dc
dc açúcar. » espera de uma por Ma®
exequível. Nesse contexto, ganhou espap.au nuepa rr ç,*
lias de Albuquerque, irmão o caprr.ro (-[.'.amada à época de “guerli’^ iOtvComo escreveu Duarte de Albuquerque: “sua utilidade |das emboscadas] cada dia se
que Coelho, e comandante da resrstentra. \P sultara da ta- 1 fazia mais notória pelo grande temor que o inimigo foi delas conhecendo. Não ousava
brasílica" ot. “guerradoBr».l". essa e«» ™ '<úa cidade ou nr /sair nem mesmo às hortas da vila que ocupava. Com a presença destes capitães dc
possibilidade de oferecer resrstencra aos holandeses n. •emboscada, não só se lograva o presente efeito, como dc futuro servia ela de muito,
■ivedando-lhes, com este receio, o comerciar com os moradores, e obstando-lhes, por
i;Scis anos, de apoderaram-se da campanha”. Duarte dc Albuquerque Coelho. Memó-
' fias diárias de la Guerra dei llrasil, pordisrurso de nueveanos, empeçando desde el MDGXXX,
Carta ao rei, 9/6/1661- D//. *
405-«. KJ1654). Recife, 1944. p. 57.
14

15
** ...j J; gJJvaldo Cabral de Mello. Olinda restaurada. Rio dc Janeiro, 1975, p. 24, c 231.
^Memorial de João Catdoso.. . Apud: Serafim Leite. “Os jesuítas — contra a invasão
Éllíblandcsa”. RlHGli, I83AW, 1944.
Salvador, 195H.

f
188 O TERÇO DOS PAULISTAS
O TERÇO DOS 189
PAULISTAS
Mello, este esquema estratégico luso-brasileiro havia sido desmontado ao que este lhe dizia: “vosmecê me deixe com os índios por me fazer
com a queda do forte dos Afogados em 1633, pois agora as tropas holan­ mercê, que cu sei como me haver com eles, que sei que me vêm buscar
desas tinham acesso a Várzea, o que tornara “insustentável a linha dc dc paz”. A guerra brasílica de Albuquerque não respeitava as regras da
estâncias em torno do Recife, a qual já pode ser flanqueada facilmente arte militar, exagerando na crueldade e não dando quartel aos prisio­
pelo Sul”.1'' neiros e feridos. Seu “mortal inimigo”, o general La Ravardière, em
A guerra brasílica diferia das técnicas científicas dc guerra tão em uma carta dc novembro dc 1614, acusava o capitão-mor dc nada prati­
voga na Europa moderna. O uso dos índios, c dc sua arte militar, era car daquilo “que toca à nossa arte”: “porque tu quebras todas as leis
essencial. De maneira geral, as companhias organizadas com base em praticadas cm todas as guerras assim cristãs, como turquescas, ou seja
milícias voltadas a expedições específicas (ao sertão, por exemplo) de­ em crueldades, ou seja na liberdade das seguridades”.24 Segundo Cabral
veriam contar com o reforço dos índios domésticos ou mansos, pron­ de Mello, esta seria a primeira indicação da consciência de uma “guer­
tamente requisitados a seus senhores ou missionários.-" A presença do ra brasílica”, que sc definia como a percepção dc uma arte ou estilo mi­
indígena era constante e acabava, pela sua adequação ao meio e às litar peculiar do Brasil e melhor adaptado às condições ecológicas c
técnicas necessárias, conferindo o caráter das atividades militares. Na sociais.25 Dc fato, na Europa do século XVII a guerra làzia-se com gran­
verdade, os índios aldeados, num arremedo do serviço das ordenanças, des movimentos de tropas, meditados e disciplinados, batalhas cam­
organizavam-se também em “companhias” chefiadas pelo capitão-dc- pais, exércitos mercenários c muitas regras. A arte da guerra era, então,
aldeia ou capitão-da-nação. Criado pela lei de 1611, este posto deveria essencialmcnte a arte de se fazer sítios, ou dc rompê-los. Mas nem sem­
ser provido pelo governador-geral entre pessoas de “boa geração e abas­ pre fora assim. Segundo Gcoffrey Parker, a “pequena guerra” (elerkleine
tados dc bens, e que nenhum modo sejam de nação” (isto é, cristãos- Kriege) ou a “guerrilha” havia sido uma etapa importante na condução
novos).21 No entanto, o posto de capitão-de-aldeia seria freqiicntemente da guerra na Europa do século XVI. Ao lado dos confrontos espetacula­
concedido aos “principais" (ou chefes) das tribos aliadas. As patentes res e das grandes batalhas, toda a história militar europeia está cheia de
destes capitães-de-aldeia fixavam o dever que tinham de, “com toda a
pequenas guerras que causaram grandes estragos ao inimigo. Não
gente da dita sua nação (tribo), ir para a parte que se lhe tem determi­ obstante, este tipo de guerra desapareceria com a demolição da rede de
nado”, e de manter com os portugueses “fiel amizade e comunicação”?2 fortalezas que a sustentava, no final do século XVI c início do XVII.26
Caio Prado lembrava que, particularmente no contexto do Diretório Apesar de Portugal não estar atualizado às novidades da arte da guerra
pombalino (1757) essas “ordenanças indígenas” foram importantes au­ européia — muito cm razão dc ter sido poupado, pelo menos até a guerra
xiliares da administração colonial na tarefa de governar essas popula­ de Restauração (1640-1668) com a Espanha, dc conflitos em escala no
ções “mal assimiladas”.25 continente —, vários dos comandantes e oficiais, bem como soldados
Já no início do século XVII, o capitão-mor Jerônimo de Albuquerque das tropas regulares que combateram nesta “Guerra do Brasil”, eram
“Maranhão”, no cimo dc seus sessenta anos de vida, muitos em bata­ gente mobilizada dos campos da Europa, onde haviam lutado cm con­
lhas c em tratos com os índios, explicava a seu camarada Diogo do Cam­ dições totalmentc diferentes. D. Luis dc Rojas y Borja, veterano das
pos Moreno, em alusão à sua experiência europeia, que esta guerra que guerras de Flandres, (|uando veio ao Brasil, teria exclamado, indignado
faziam aqui no Brasil não era “guerra dc Flandrcs”, isto é, à moda euro- com o tipo dc luta que travavam na terra, que “não era macaco para
péia. Na Jornada do Maranhão (1614), Moreno se assustara com a con­ andar pelo mato”.27 Desse modo, podemos compreender a novidade
fiança que Albuquerque havia depositado na aliança com os naturais,

!** Diogo do Campos Moreno. Jornada do Maranhão por ordem de Sua Majestadefeita no
''' Evaldo Cabral dc Mello. Olinda restaarada. .., p. 233-4. ano de 1614. Rio de Janeiro, 1984, p. 38 e carta de La Ravardière a Jerônimo de
-’1’ Nelson Wcrncck Sodrc. História militar do fírasil. Rio dc Janeiro, 1965, p. 29-32. Albuquerque, 21/11/1614, p. 56
41 Lei sobre a liberdade dos índios, 1611. In: Georg Tbornas. Política iudigenista dos 'í a Evaldo Cabral dc Mello. Olinda restaurada. . ., p. 230.
portugueses no fírasil. São Paulo, 1982, p. 231. * Gcolfrey Parker. l.a rfuolution militaitr, la guerre et l’essor de 1'Ocrident,
Patentes cm branco dc 1672. DH, I2:2i 1-4. Paris, 1993, p. 65.
Caio Prado Júnior. 1’ormafão do fírasil contemporâneo. São Paulo, 1953, p. 326. . " Evaldo Cabral dc Mello. Olinda restaurada. . ., p. 236.
190 O IERÇO DOS PAULISTAS O TEltço DOS PAU listas 191
auc significavam as “companhias de emboscada” criadas por Matias dc sílica” era o resultado não só da acomodação da arte militar europeia
Albuquerque. Em relação à subversão total da arte da guerra praticada às condições ecológicas do Nordeste, como também da assimilação de
nela gente de JerÔnimo de Albuquerque, cratava-sc então dc um agffor- técnicas locais dc guerra. Mais ainda, na forma mista que assumira a
\unM adequando as técnicas militares locais a uma equaçao entre o guerra volante no Brasil, nas palavras dc Cabral de Mello, o uso das
ZSinhaJ regulares e as linhas auxilrares, isto é, as ordenanças, re- guerrilhas não se originava “em considerações de ordem tecnicamente
forcadas por sua vez, pelo elemento indígena. militar", uma ve/. que estaria associado “nestes inícios de guerra 11630-
Esse processo peculiar fazia-se no quadro mais amplo drts transfor­ 1636] ao fato de que a guerrilha oferecia a única maneira de utilização
mações da arte da guerra na Europa. Com efeito, no bojo da formaçao militar da camada mais ínfima c economicamente marginalizada da
Estados
dos
* nacionais, enormes mudanças tecnológicas, organizacionais população local, mestiços c ociosos, malfeitores, foragidos da justiça d’cl-
Estratégicas no campo militar acabaram produzindo uma verdadeira rei, inábeis para a disciplina das guarnições como antes já sc tinham re­
revolução, capaz de explicar, em parte, a primazia da civilização ociden­ velado refratários à rotina dos engenhos”.’* 11 Mas, como foi dito, à utiliza­
tal e a constituição dos impérios coloniais. Os traços mais importai ção destas camadas marginais, de criminosos freqiicntemente aliciados
dessa revolução foram: a utilização crescente das armas dc fogo, as tra s- por bandos c editais que lhes ofereciam o perdão em troca do alista­
formações subsequentes no sistema de dclesa, com as fortalezas dc tra­ mento, somava-sc o uso do indígena. Como sc percebe, fazia-se mister
ço italiano (com bastiões) substituindo a rede secular de fortificações o comando da guerra estar nas mãos de indivíduos conhecedores das
medievais, o declínio da cavalaria em favor da "1‘antana, o aumento “manhas e engenhos” da terra. Resumindo a questão, o padre Antônio
expressivo do contingente dos exércitos c sua profissionalização. Vieira dizia que, para a guerra no Brasil, bastava um sargento-mor, “e
' No mundo colonial, onde grande parte dessas novidades nao sc fa­ esse dos da terra c não de Eivas ou de Elandres”. Mais ainda, o Brasil,
ziam sentir dc imediato, a superioridade obtida pelas forças europeias que tinha “tantas léguas de costa e dc ilhas c de rios-abertos”, não ha­
fora garantida pela capacidade de assimilaçao c de acomodaçao dc tec- veria de sc defender, “nem pode, com fortalezas nem com exércitos,
nicas^c estratégias nativas, adaptando-as aos contextos eco ogicos e so­ senão com assaltos, com canoas, e principalmcntc, com índios e muitos
ciais mais diversos. Thornton notou que, de fato, a inabilidade dos eu­ índios; e esta guerra só a sabem fazer os moradores que conquistaram
ropeus cm reproduzir na África o tipo dc conquista cm larga escala, tal isto, c não os que vêm dc Portugal”.’1
como sucedido na América Central os teria convencido a levar a seno A longa guerra de restauração dc Pernambuco (1645-1654) teve seu
as armas, as técnicas e a organização locais: “como resultado deste reco­ sucesso garantido, entre outras coisas, exatamente pela utilização desta
nhecimento, uma nova arte da guerra se desenvolveu combinando ar­ forma adaptada de fazer a guerra no contexto colonial. Como mostrou
mas c estratégias européias e africanas”.29 Nesse sentido, a guerra bra Cabral de Mello, existia uma homogeneidade brasileira da experiência
militar dos chefes da restauração. De fato, ambos os lados, holandeses
ou luso-brasileiros, utilizaram-se de linhas auxiliares transformadas: gru­
pos de combate aclimatados aos matos c compostos, cm sua grande
(Paris 1993). A edição original, cm inglês, c dc 1988. mas a cdiçao ira ,
ãíém dc estar mais atualizada, responde às objeções dos críticos, l»n-cularrnentc_as maioria, por indígenas ou sertanejos e matutos. Segundo o historiador,
dc Jcremy Black <d AUfíMty Remlution? Mifítary Changeand huropean Soc,r^ ‘ após a expulsão dos holandeses em 1654, a guerra volante conhece um
A / ,;<• iltalilands 1991) lim 1995, David Eltis contribuiu para o debate com rápido processo de “arcaização”. Em outras palavras, a “guerra brasílica”
ís™-A "
decaíra para uma arte militar adequada apenas às “áreas arcaicas, afas­
Yoík J995). *
tadas da marinha e das praças fortes, técnicas quase que só para serta-
nistas de São Paulo e bugres c negros aquilombados dos sertões do
Nordeste”. No início do bséculo XVIII, uma especialização dc funções
ainda ”ivro de (trio M. Cipolla. Guns andSai/ in tbe Ear/y PAase ofhutvpeat. W
“ Evaldo Cabral de Mello. 0/inda restaurada. . ., p. 217-48.
„ X War in Angola .5754680-. Ga.npa^e Stttdits *
11 Carta de Antônio Vieira ao rei d. João IV, 4/4/1654. ('atlas (seleção dc Novais 'leixei'
ra]. Rio dc Janeiro, 1949, p. 166.
Sorirty andUistory, .W(2):36l, 1988.
r
192 O TIÍKÇO DOS PAULISTAS

se imporia: para as guerras dos sertões, contra os bárbaros levantados O TEKÇO DOS PAULISTAS 193
interinamente o posto dc governador-geral, ofereceu a Domingos Jor­
ou os negros aquilombados, a “guerra do mato”; para fazer face aos es­ ge Velho a patente dc governador de um regimento a scr criado com a
trangeiros na marinha, as “regras militares científicas”.12
reunião de sua gente, com proeminências de mcstrc-de-campo, além
de uma de sargento-mor, quatro de capitães e dois de ajudantes, todas
A Guerra dos Bárbaros e as jornadas do sertão
em branco para que ele as preenchesse. E todas essas patentes valen­
do soldos, à diferença das atribuídas para fazer guerra aos negros dos
Depois da expulsão dos holandeses, as soluções inicialmcnte pro­ palmares.15 Matias da Cunha, por sua vez, ofereceu a Matias Cardoso
postas e encetadas pelos governadores para os conflitos passavam pela
nomeá-lo governador dc um regimento com as mesmas “proeminên­
utilização das tropas regulares estacionadas nas fortalezas, ou ainda pela
cias dc mestre-dc-campo, e como tal vencer o soldo desde o dia em
mobilização das milícias das ordenanças cm esquadras volantes. Estas
que partiu”.16 O qtie se oferecia eram postos de oficiais das tropas re­
improvisações, que levavam em conta a experiência dos cabos e solda­
gulares, isto é, da infantaria, cujo provimento, segundo o “regimen­
dos na guerra “ao modo” do Brasil, sempre pareceram o meio de repri­ to das fronteiras” dc 1645, só podia ser concedido se comprovado o
mir os levantes dos índios bárbaros. Não obstante, tal situação evoluiu
serviço como soldado por seis anos, no caso do mcstre-de-campo, e
para a consolidação de um novo tipo de força militar nativa: as expedi­
quatro anos, no caso dc sargento e alferes.’7 No entanto, o pagamento
ções organizadas expressamente para um evento no sertão. As “jorna­ desse soldo não foi reconhecido imediatamente pela Coroa c causou
das do sertão”, também chamadas de “entradas” ou “bandeiras”, eram
postergações embaraçosas.
na verdade empresas patrocinadas pela autoridade competente, fosse o O interesse e a premência dc utilizar estas tropas especializadas no
governador ou o capitão-mor, que provia com um título de caráter ex- tipo de esforço militar exigido esbarravam nas dificuldades originadas
clusivamcntc honorífico um capitão ou um cabo de uma esquadra e lhe do processo cm curso dc formalização da atividade militar. Como vi­
passava um regimento definindo sua tarefa e, sobretudo, sua jurisdição
especial. No caso das entradas destinadas à punição de grupos indíge­ mos, somente com a Restauração, Portugal constituiria um exército per­
manente em termos modernos. Dc fato, o chamado “regimento das fron­
nas ou à captura de escravos, este título, na verdade, significava a ga­ teiras”, de 25 de agosto de 1645, que criou o posto dc vcdor-gcral do
rantia da legalidade da expedição, nos termos da lei de 24 de fevereiro
exército, objetivava estabelecer as bases da regulamentação das tropas
de 1587.u
portuguesas deslocadas para as guerras com a Espanha. Ao vedor cabia,
A remuneração do serviços prestados poderia vir a posteriori, com
como diz o próprio nome, “ver” as tropas de infantaria e montadas e
mercês e favores da Monarquia ou mesmo com a garantia do butim fazer-lhes auditoria, assim como justificar e acompanhar os gastos e o
obtido, fosse em escravos, fosse cm mantimentos. Geralmente, o go­
pagamento dos soldos.1* * Esse regimento, apesar de circunscrito ao epi­
vernador, ao prover um capitão para uma jornada ao sertão, poderia sódio da guerra de Restauração, tinha sua validade expandida, como
fornecer armamentos e matalotagem suficientes para abastecer a ex­
era normal, para todos os contextos posteriores no Império português,
pedição. O pagamento dos soldos não era de praxe. Com o desenrolar servindo dc regulamento para várias questões relativas aos postos de
da Guerra dos Bárbaros, desde os episódios no Recôncavo baiano, al­ infantaria situados no Brasil. A hierarquia das tropas regulares, normal­
gumas exceções foram praticadas pelos governadores gerais, mas sua
mente, previa que o encarregado geral de uma jurisdição fosse também
validação no âmbito da administração metropolitana sempre resultava
o governador das armas. Segundo o gênero da companhia, c estamos
cm confusões administrativas. Em 1671, o visconde de Barbacena con-; r: ■
cordou em pagar soldos aos oficiais e soldados da tropa de Estêvão
;• Lopes Serra. “Vida o pane^uirico fúnebre al senor Affonso t-urcado Castro do Rio
Ribeiro Baião Parente.14 Frei Manuel da Ressurreição, que ocupava '• Mendonça, Bahia, 1676”, publicado por Scuurc Schwartz. 4 Governarand//w itnaff in
Baroque Braãl.. p. 47-8.
u Cana, 14/10/1688. Dtí, 7(7:313-5.
J- Evaldo Gabral de Mello. Otinda restaurada. . ., p. 242 e 245-7.
* Carta, 9/12/1688. />//, 77:147-9.
,J Lei sobre os índios que não podem ser cativos e os que podem ser, 24/2/1587.Irc
s Veja os capítulos 14 a 16 do Regimento das fronteiras de 1645. In: M. G. dc Mendon­
Gcorg Thoinas. Política indigpnista dasportugueses no Brasil. . ., apêndice II, p. 222-4.
•u “Condições pelas «piais os paulistas vão conquistar os bárbaros", inclusas em Joio; a ça (cd.). Raízes dafonnafão administrativa do Brasil..., vol. 2. n tet >-e/-
Jbidcm. sovada Brasil.... vo| 2 p ~
í},- ■
194 O TRRÇO DOS paulistas O TERÇO DOS ISTAS 195

falando apenas das ocupadas dos eventos terrestres, variavam as deno­ No interior dos domínios senhoriais, cada engenho deveria ter seus “ofi­
minações. Na infantaria, havia o mestre-dc-campo, o alferes, o sargento ciais de engenho”, que tinham a obrigação de “passar mostra” (veri­
(oficiais), os cabos e soldados (praças). Na cavalaria, o general de cava­ ficar a presença) nos dias santos ou domingos (para não atrapalhar os
laria, o tenente-general dc cavalaria, o capitão dc cavalos (oficiais) e os trabalhos), e a falta nisso implicava multa dc l$000 réis para os pobres
soldados (praças). Além disso, havia a artilharia, onde existiam o capi­ e 4$00() réis para os ricos; no caso dos soldados das companhias dc ca­
tão dc clavinas c os clavineiros (os alferes eram proibidos) e as outras valo, a multa cra ainda maior: 20$000 réis. Além disso, cm cada fre­
companhias específicas. No Brasil, estacionadas no território havia guesia o capitão era o responsável para que fossem mantidas as roças
notadamente tropas dc infantaria. Os postos de oficiais, cuja renda dos plantadas em conformidade com as necessidades de sustento das tro­
provimentos (os soldos) era dc grande interesse para os seus proprietá­ pas. Ao sargento-mor cabia “passar mostra” cm todas as companhias de
rios, podiam representar, em parte, apenas uma tença honorária. Don­ ordenanças da capitania.'1"
de o regimento, neste particular, preocupar os proprietários dos postos, Nesse contexto, poderíamos imaginar que as tentativas de frei Ma­
uma vez que o vedor-geral c seus auditores estavam interessados prin­ nuel da Ressurreição c dc Matias da Cunha esbulhavam a regulamen­
cipalmente cm deslindar fraudes e suspender os rendimentos dos au­ tação tão preciosa dos reformadores portugueses. Daí a resistência que
sentes c desocupados. encontraram na Metrópole. Na verdade, tal como em Portugal, busca­
Passados vinte anos, os abusos eram ainda motivo dc preocupação. va-se um enquadramento da informalidade das linhas auxiliares (orde­
Em 1664, o rei havia pedido ao governador-geral, o conde dc Óbidos,
nanças) em regras mais estritas dc um exército regular, apto ao escopo
que averiguasse o excessivo número dc mestres-dc-campo, tenentes centralista do governo-geral da Bahia. Em outras palavras, adequar uma
e oficiais maiores do exército de Pernambuco. Com efeito, o conde acha­ realidade preexistente à normalização militar imaginada pela adminis­
va que a “disciplina militar” cxcusava tais excessos. As ordenanças tração colonial. E, no caso das tropas paulistas, a novidade cra ainda
podiam muito bem substituir as tropas regulares na defesa da terra c, maior, uma vez que essa “linhas auxiliares” vinham de um contexto
deste modo, desonerar a Fazenda e, em última instância, os próprios em que as ordenanças tinham evoluído de uma maneira totalmente
moradores: “. . . em cada freguesia basta um capitão de ordenança para peculiar, especializadas que eram na “guerra brasílica”. A força especi-
a gente dc pé e [para a gente] dc cavalo, dois coronéis; que, se se ofere­ ficamente paulista de organização destas expedições sertanejas sobre-
cer ocasião, o valor dos moradores, e não o número desses cabos [ofi­ por-sc-ia no Nordeste aos arranjos militares tradicionais, implicando um
ciais das tropas regulares], os há de levar a obrigação de sua fidelidade, desdobramento, ou evolução, de suas disposições originais em face das
e não será justo que, quando devem descansar em paz para reedificar novas funções em jogo.
suas casas e aumentar suas lavouras, padeçam o inconveniente de obe­ O recurso aos paulistas significaria a adoção decisiva da arte da guer­
decer a tantos oficiais maiores como se ainda estivessem em guerra ra colonial, apta enfrentar o modo de guerra dos bárbaros. A sua
viva”.’9 No pós-guerra, as ordenanças haviam sido reestruturadas se­ institucionalização na ordem militar do Império seria, pouco a pouco,
gundo o regimento de 25 de setembro 1654, passado ao então governa­ condição para o recrutamento. *
dor-geral, conde de Atouguia. Procurava-sc, através de um controle mais
estrito, garantir a disponibilidade das tropas, sempre bem armadas c
treinadas. O regimento determinava que cada soldado das ordenanças
deveria possuir uma arma, arcabuz ou espingarda, um arrátel dc pólvo­ “ Regimento dc 25/9/1654, conde dc Atouguia. DH, 4-AT4-1. O regimento dc Roque
da Costa Barreto, dc 1677, que vinha substituir o dc Tome dc Sousa, esclarecia que
ra, 24 balas e o morrão necessário. Quem não tivesse este equipamento
as companhias de Ordenanças da Bahia deveriam cxcrcitar-sc cm suas freguesias
deveria pagar multa dc cinco tostões e, em caso de reincidência, 6$000
todo o més e fazer “aíardos gerais três cada ano”. Os postos na Bahia passariam a ser
réis. As companhias eram divididas cm “companhias de cavalo” e “com­ providos pelo govcrnador-gcral. A partir de 1704, os postos das ordenanças cm todo
panhias de pé”, dependendo da forma como o soldado se apresentava. o Estado do Brasil passaram a ser providos pelo govcrnador-gcral c não mais pelos
capitães-mores. Cf. os capítulos 15 c 16 do Regimento de Roque da Costa Barreto,
23/1/1677, publicado cm João Alfredo Libânio Guedes. História arlministrativa th
Brasil. Rio dc Janeiro, 1962, vol. IV, p. 173-96; c Rodolfo Garcia. História política e
Carta do conde dc Óbidos ao rei, 18/3/1665. APEB, cód. 135-1, fl. I79v-8O. administrativa tio Brasil (1300-1810). Rio de Janeiro, 1956, p. 112.
196 O TERÇO DOS PAIII.ISTAS O TERÇO DOS l’AII|,ISTAS 197
c polêmicas intermináveis.45 Outra vertente, derivada de Capistrano de
Paulistas e os “ares do sertão” Abreu, interpretava a bandeira como qualquer expedição destinada ao
sertão. Segundo seu “esquema”, existiam bandeiras paulistas, pernam­
Os sertanistas da vila dc São Paulo de Piracininga particularizavam- bucanas, baianas, maranhenses c amazônicas.46 Hélio Viana, seguindo
se, desde o final do século XVI, por possuir um estilo militar perfeita­ essa orientação, organizou uma tipologia do “bandeirantismo” na qual
mente adaptado às condições ecológicas do sertão. Na opinião do pa­ diferenciava “ciclos”: o dc apresamento de indígenas, o dc ouro de la­
dre Antônio Vieira, eram os paulistas “os mais valentes soldados dc todo vagem, o dc sertanismo dc contrato, o do ouro e o de povoamento.47
o Brasil”.'" Essas “bandeiras” paulistas tinham uma dinâmica e um modo Tais soluções ecoam, ainda hoje, nos manuais escolares, mas servem
de operação ajustados para seus intentos de penetração nos sertões em mais à simplificação do que à compreensão da história. Nada disso deve
busca do provável mineral precioso ou do infalível cativo indígena. Sa­ nos interessar aqui.
biam manejar a situação dc carência alimentar e eram destros para a Quanto à distinção entre bandeiras e entradas, Jaime Cortesão já nos
navegação nos matos fechados, nos cerrados ou caatingas. Como mos­ mostrou que os documentos não estão de acordo. Dc fato, bandeiras,
trou Sérgio Buaripie de Holanda, “a arte dc guerrear torna-se, em suas entradas, jornadas, expedições c conquistas tinham significados inter-
mãos, um prolongamento, quase um derivativo, da atividade venatória, cambiáveis e variavam conforme o contexto. De maneira geral, estes
e é praticada, muitas vezes, com os mesmos meios”/- A mobilidade são termos igualmente comuns cm todas as capitanias c regiões do Bra­
característica dos paulistas estava condicionada à insuficiência do meio: sil. “Bandeira”, especificamente, era a forma como se designavam tam­
“distanciados dos centros dc consumo, incapacitados, por isso, dc im­ bém as companhias das ordenanças, isso por um motivo bem simples:
portar em apreciável escala os negros africanos, eles deverão contentar- segundo o capítulo 17 do regimento de 1570, “cada um dos capitães
se com o braço indígena — os «negros» da terra; para obtê-lo é que são das companhias” deveria ter a sua bandeira de ordenattçii, que era carre­
forçados a correr sertões inóspitos e ignorados”. Segundo o historiador, gada pelo tambor ou pelo alferes.4" Donde toda a documentação, tal
com mais “liberdade e abandono do que cm outras capitanias”, a colo­ como demonstrou Cortesão, falar indiferentemente dc bandeiras e com­
nização em São Paulo realizou-se “por um processo de contínua adap­ panhias. “Entrada” c “Jornada”, como parece evidente, são denomina­
tação a condições físicas do ambiente americano”. Nesse processo, o ções de expedições ao interior do país, que podiam ser levadas a termo
indígena, seus costumes e técnicas tornaram-se seus aliados preciosos.43 por um terço completo, ou por algumas companhias, ou bandeiras, des­
A historiografia, dc maneira geral, tem apontado a bandeira como tacadas para tal. Daí as denominações serem feitas por analogias. Não
uma forma característica da organização militar que estruturou a socie­ obstante, seria errado não perceber que a bandeira sertanista, na sua
dade paulista. Designando como coisas distintas as entradas e as ban­
deiras, pretendia-se robustecer a idéia dc uma especificidade regional.
u O bandeirismo paulista e o recuo do meridiana. São Paulo, 1936; o capítulo 4 dc seu
As primeiras seriam as expedições organizadas pelos colonos, por conta
Resumo da História de Hão Paulo. São 1’aulo, 1942. p. 153-222; o capítulo “Bandeiras c
própria, objetivando a caça do gentio. Já as bandeiras seriam expedi­ entradas” dc seu livro O ouro e a paulistãnia. São Paulo, 1948, p. 28-34. Em arroubos
ções de caráter misto, meio civil, meio militar, que, além do cativeiro patrioteiros, Ricardo Román Blanco tinha as bandeiras na conta da “mas genial y
dos índios, se interessavam nas descobertas dc metais preciosos.44 Em extraordinaria organización bélico-militar, que la Historia de la Humunidad conocc".
São Paulo, as bandeiras teriam moldado um modo de vida: o “bandei- Sua redundante tese dc doutorado, entre outras coisas, procura mostrar as relações
rismo” ou o “bandeirantismo”. Alfredo Ellis Júnior foi, sem dúvida, o entre as expedições dos sertanistas paulistas e a legião romana ou as falanges mace-
dônicas (sic). Las liattdeiras, instituciones Micas americanas. Brasília, 1966.
paladino desta interpretação que alimentou numerosos outros estudos * “Esquema das bandeiras”. In: J. Capistrano dc Abreu. Capítulos de história colonial &
Os caminhos antigps e o povoamento do lirasil. Brasília, 1963, p. 338.
n Hélio Vianna. História do lirasil. São Paulo, 1965, vol. 1, p. 192-202. Para um balan­
“ Carta ao marquês dc Niz.a, 20/1/1648. In: Cartas (seleção dc Novais 'Iêixeira|. Rio dc ço crítico da historiografia paidista, veja o excelente capítulo primeiro da tese de
Janeiro, 1949, p. 63. doutoramento dc liana Blaj. A trama das tensões: o processo de metrantilização de São
Sérgio Buarquc dc l lolanda. Caminhos efronteiras. Rio dc Janeiro, 1957, p. 146. Paulo colonial, 1681-1721. São Paulo, 1995, p. 25-68.
w Sérgio Buarquc dc Holanda. Monções. São Paulo. 19 *70, p. 16, Regimento das ordenanças de 1570. In: M. G. dc Mendonça (cd.). Raízes daformação
11 Aliatar l.orcro. Capítulos fie história militar do Ilrasit. Rio dc Janeiro, 1946, p. 131-40. administrativa do lirasil..., vol. 1, p. 162.
198 O TERÇO DOS PAULISTAS O TERÇO DOS PAULISTAS 199
feição paulista, resultou de uma evolução específica da instituição assaltos nossas povoações, casas, igrejas, lançando fogo aos ingover-
miliciana portuguesa, que, generalizada na sociedade do Planalto, con­ nos, matando gente c roubando os bens móveis que podem carregar,
formou “um gênero de vida típico, próprio, específico da gente de São e conduzindo os gados, e criações e quando acudimos o dano está fei­
Paulo”.49 to. E eles [andam| escondidos entre os matos onde os nossos soldados
Segundo um papel anónimo, de 1690, a experiência havia demons­ não podem seguir com a mesma segurança, instância e diuturnidade
trado, até então, que nem a infantaria, “nem ainda as ordenanças” ha­ por [estarem] carregados de ferro e mochilas, em que carregam o seu
viam sido “capazes para debelar estes inimigos nas incultas brenhas e sustento que não pode ser mais que para quatro ou seis dias c [ao
inacessíveis rochedos e montes do sertão”; “só a gente de São Paulo é passo quej os bárbaros [têm seu sustento] nas mesmas frutas agres­
capaz de debelar este gentio, por ser o comum exercício penetrarem os tes das arvores, como pássaros, nas raízes que conhecem e nas mes­
sertões”.5" A razão disso era a forma como os tapuias faziam guerra nos mas imundices de cactos, cobras, e caças dc quaisquer animais e
inatos, o que exigia uma tática e uma tecnologia especiais. Grcgório aves”.52
Varela de Berredo Pereira, o autor de um “breve compêndio” sobre o
governo pernambucano de Câmara Coutinho (1689-1690), tinha para si Ora, segundo ainda este autor, teria sido exatamente por isso que a
“que se este inimigo [os bárbaros| fizera forma de batalha, depressa “Divina Providência” criou na província de São Paulo “os homens com
[seria] desbaratado”. Mas, como explicava, tal não era o caso, porque se um ânimo intrépido, que se inclinou a dominar este miserável gentio”.
tratava de nações “fora de todo o uso militar”, isto é, da forma europeia Semelhantes aos inimigos silvícolas, pois viviam “sempre em seu se­
moderna de guerra, “porque as suas avançadas são de súbito, dando guimento”, acabaram por “ter por regalo a comida de caças, mel silves­
urros que fazem tremer a terra para meterem terror c espanto e logo se tre, frutas, e raízes de ervas, e dc algumas árvores salutífcras e gostosas
espalham e [sej metem detrás das árvores, fazendo momos como bu­ de que toda a América abunda”. E nos “ares do sertão” que suas vidas
gios, que sucede às vezes meterem-lhe duas e três armas e rara vez se se fazem “gostosas”, sendo que “muitos deles nascem, e envelhecem”,
acerta o tiro peio jeito que fazem com o corpo”.51 nos matos: “Estes são os que pois servem para a conquista e castigo
Outro papel anónimo, de 1691, também argiiia que as “grandes ex­ destes bárbaros, com quem se sustenta, e vivem quase das mesmas coi­
pedições de infantaria paga, e da ordenança, com grandes despesas da sas, e a quem o gentio só teme e respeita”.5-’ Era exatamente o que
Fazenda Real e contribuições dos moradores” vinham resultando sem explicava, dez anos antes, o autor de um outro papel que sugeria o uso
efeito “não por falta de disposição dos cabos, nem de valor nos solda­ dos paulistas para a defesa da colónia do Sacramento: “Porque são ho­
dos, mas porque, repare-se nesta circunstância, pela eleição do meio só”. mens capazes para penetrar todos os sertões por onde andam continua-
Isso porque, segundo o autor desse papel, seria “necessário para a con­ mente, sem mais sustento que coisas do mato, bichos, cobras, lagartos,
quista destes gentios” adaptar-se ao seu “modo de peleja”, que era “fora frutas bravas c raízes de vários paus, e não lhes é molesto andarem pe­
do da arte militar”, pois los sertões anos [a fio] pelo hábito que têm feito àquela vida”.54
Ao modo de guerra dos tapuias — “de ciladas e assaltos [que] é como
“.. . eles [vão] nus, e descalços, ligeiros como o vento, só com arco e um raio que passa”, na expressão de Pedro Carrilho de Andrade55 —
flechas, entre matos, c arvoredos fechados, os nossos soldados em­ deveria corresponder uma tática peculiar. A forma específica das “re­
baraçados com espadas, carregados com mosquetes, e espingardas e gras paulistas” para o ataque aos índios, chamada de “albarrada”, era
mochilas com seu sustento, ainda que assistem o inimigo não o po­
dem seguir, nem prosseguir a guerra: eles a cometem de noite por
u Sobre os tapuias que os paulistas aprisionaram na guerra c mandaram vender aos
moradores do Porto do Mar, e sobre as razões que há para se fazer a guerra aos ditos
*’ Jaime Cortesão. Introdução à história das bandeiras. Lisboa, 1975, p. 50-69; c Raposo tapuias (1691), Ajuda, 54 XIII 16, f|. 162.
Tavares eaformação territorial do Brasil. Rio de Janeiro, s.d., p. 51-81. u Ibidcm.
50 Sobre o gentio que se rebelou nas capitanias do Ceará, Riri Grande c Paraíba, c. 1690, M Informação anónima do Brasil, década de 1680. BNP, códice 30,11.209. Para um retrato
Ajuda, 54 XII 4 52. desses “bandeirantes” cm ação, veja também John Hcmming. RedGold. TheConipiestof
51 “Breve compendio do que vai obrando neste governo de Pernambuco o Sr. governa­ the limzilian lodians. Cambridgc, 1978, p. 238-53.
dor Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho etc.". RllKlB, 5l-.2(>7, 1979. u Memorial dc Pedro Carrilho dc Andrade, 1703. AHU, Pernambuco, caixa 16.
200 O TERÇO DOS 1'AUI.ISTAS

<> TERÇO dos i-auLisTas 2OI


assim estabelecida em um regimento de 1727: a aproximação sc fazia denanças locais, a utilização dos sertanejos paulistas parecia solução
com cautelas indígenas, seguindo os rastros, “sem tosse nem espirros”,
necessária. Avaliando o mal desempenho das jornadas dos capitães Diogo
até chegar bem próximo do inimigo e então, com um grito medonho de Oliveira Serpa (1651), Gaspar Rodrigues Adorno (1651-54), Tomé
para apavorá-los, fazer o assalto.51’ Os paulistas imitavam, assim, o modo Dias Lassos (1656) e Bartolomcu Dias Aires (1657), o novo governa­
de guerrear dos índios. Frei Vicente do Salvador explicava que os ín­ dor-geral do Brasil, Francisco Barreto, resolveu pela “contratação" de
dios costumavam aproximar-sc sorrateiramente da aldeia de seus con­
uma companhia dc paulistas experientes. Gomo já foi dito, o mestre-de-
trários, “de maneira que possam entrar de madrugada e tomá-los des­
campo-gcneral nomeado para a guerra contra os holandeses conhecia
cuidados c despercebidos, e depois entram com grande urro dc vozes e
bem as vantagens do uso da arte da guerra brasílica. Feito governador
estrondo dc buzinas c tambores que é espanto”.57 Mas a tática dos de Pernambuco logo após a expulsão dos holandeses, havia mandado
paulistas previa também algumas negaças. Em 1676, o capitão sampau- castigar os tapuias do Rio Grande e “tirar a ocasião dos (destruir os] mo­
lista Manuel de Lemos quis enganar os topins que estavam levantados
cambos” dos negros dos Palmares/’1 Quando escreveu ao capitão-mor
na região do Recôncavo baiano, falando-lhes que os paulistas “não eram
de São Vicente para acertar um contrato com os paulistas, julgava que
brasileiros, mas um povo diferente, seus parentes e que lfcitas as pa­
apenas estes “sertanistas” poderiam enfrentar com sucesso os índios
zes] poderiam comer juntos, casar seus filhos com filhas deles, e as fi­ bárbaros. Dessa maneira, foi a expedição capitaneada por Domingos
lhas deles com seus filhos”.5* Outro costume era o de amedrontar com Barbosa Calheiros contra os topins no Recôncavo baiano (1658), que
fortes ameaças aos inimigos, como o fez Domingos Jorge Velho com os inaugurou a presença dos paulistas nas guerras do sertão nordestino.
cracuís rebeldes do rio São Francisco.59 Segundo João Lopes Serra, que Inicialmcnte “contratados” sob promessas dc cativos, terras e, dc
descrevia o modo genérico das táticas paulistas,
maneira incerta, soldos, a participação dessas tropas treinadas para o
combate nos matos evoluía para maior formalização nos quadros da cs-
“. . . tão logo as bandeiras encontram os bárbaros, eles (os paulistas]
trucura militar do Estado do Brasil. Com efeito, é justamente o que sc
fingem que o capitão-mor está próximo com mais tropas e que sua
rendição é necessária, caso contrário seriam todos mortos pelas ar­ passa no governo de João de Lencastro (1694-1702), quando as estraté­
gias para o enfrentamento dos tapuias rebeldes na Guerra do Açu sc
mas de fogo — c o fazem entender o que isso significa atirando cm
alguns animais, que eles matam, coisa que assusta grandemente aos esgotavam c a própria presença do Império na região estava cm perigo.
Perigo imposto muito mais pela longa duração da guerra, que degene­
bárbaros. Se eles se rebelarem, os paulistas fazem-nos entender que
rara o povoamento do sertão pernambucano, do que pela ferocidade
os perseguirão mesmo que se espalhem pelo senão”/'" dos combates. Para Lencastro, “só esses homens” eram “capazes de
fazer guerra ao gentio”, como já o haviam demonstrado na Bahia, “dei­
Como vimos no Capítulo 3, com a intensificação dos “ataques” dos xando em poucos anos essa capitania livre de quantas nações bárbaras a
bárbaros às fazendas e vilas no Nordeste c o completo fracasso das oprimiam, extinguindo-as de maneira que de então até hoje, se não sabe
investidas das tropas regulares ou das jornadas organizadas com as or- haja nos sertões que conquistaram gentio algum que o habite”,M Nesse
sentido, como vimos no capítulo anterior, seguindo os conselhos do se­
cretário do Estado do Brasil, Bernardo Viera Ravasco, o rei ordenou em
Regimento que se deu a Pedro I .colino Mariz, 1727, citado por Pedro Calmon. Histó-
ria do Rrasil. Rio dc Janeiro, 1959, vol. III, p. 721-2. uma carta dc 10 de março dc 1695 que o governador-geral levantasse
” l'rei Vicente do Salvador. História do Rrasil, 1500-1627 (1627). São Paulo/Bclo Hori­ um terço de paulistas para a guerra aos bárbaros do Rio Grande, na vila
zonte, 1982, p. 85 de São Paulo c nas mais circunvizinhas/’5 Domingos Jorge Velho, cm
w João Lopes Serra. “Vida o paneguirico fúnebre.. . 1676”, p. 69-71.
J'' E Bcrnard de Nantes. Relatiou de la mission des indiens Kariris du Rrezilsitues surte
grandftettve de S. Franfois du costêdu Sud a 7 degrfs dr la ligue Equiuotiale. 12/9/1702, “ Carta do conde dc Atoirguia para o mestrc-dc-campo general Erancisco Barretto, 20/
manuscrito dc coleção particular, 11. 22 c ss. 3/1655. DH. .1:265.
João Lopes Serra. “Vida o paneguirico fúnebre. . . 1676”, p. 71-2. Gomo veremos no “ Carta dc João dc Lencastro ao governador de Pernambuco, Remando Martins Mas-
capítulo 6, o mestrc-dc-campo Manuel Alvares dc Morais Navarro ficou marcado
carenhas, 1 í/í 1/1699. DH, .JÍ':86-92.
pelo ardil com que agiu no massacre dos paiacus da ribeira do Jaguaribc. “ Carta régia ao governador-geral, 10/3/1695. DH, 11:252-4.
202 O TERÇO DOS PAULISTAS O TERÇO DOS PAULISTAS 203
1694, havia opinado sobre o caráter um pouco lasso das cropas dc São do terço totalizava apenas 227 homens cm armas. Para aumèntar o nú­
Paulo ate então. Segundo seu parecer, as tropas com que iam “à con­ mero, Lencastro havia ordenado, em janeiro dc 1699, qUe Bernardo
quista do gentio bravo desse vastíssimo sertão não leram] de gente ma­ Vieira dc Melo mandasse cm auxílio do paulista quantos arcos pudesse
triculada nos livros dc Vossa Majestade, nem obrigada por soldo, nem retirar das aldeias de Alagoas do Guapcru (Guajiru) e das Guaraíras.*6’
por pão dc munição”; antes, eram "umas agregações que fazemos alguns Além disso, lançou-se um bando que concedia perdão aos criminosos
de nós, entrando cada um com os servos dc armas que tem e juntos que fizessem parte da conquista dos bárbaros no Rio Grande. O mes-
íamos’’.64 Diferentemente do que se praticara, a novidade era que se tre-de-campo, apoiado nesta decisão, fez ele mesmo um edital convo­
tratava agora dc erigir um terço de infantaria, isto é, de tropas regula­ cando os criminosos “metidos no sertão” a se apresentarem, sob pena
res, cujos postos deveriam ser devidamente assentados e pagos. Na ca­ de serem presos c remetidos ao capitão-mor/'
* Lencastro ordenou ao
pitania dc Pernambuco, existiam então apenas os terços da guarnição capitão-mor do Ceará que fossem dados os índios que Navarro pedisse
da vila do Recife, da cidade dc Olinda, dc Itamaracá c o terço dos das aldeias de Paranantirim, Paupina, Purangana, Guanacis e “três lo­
Palmares, recém-criado/'5 O terço dos Palmares c o da Guerra dos Bár­ tes da nação jaguaribara”.6” Como veremos, estes guerreiros índios de
baros eram representativos do processo de formalização da "guerra bra­ fato se agregaram ao terço mais tarde. Em sua configuração original, o
sílica” que se enquadrava cm sua especificidade no sistema militar do terço possuía 44 oficiais (19%), ou “praças de primeira plana”, e 183
Império português c ganhava uma identidade particular, com uma le­ soldados (81%), entre os quais onze cabos dc esquadra e dez tambores.
gislação própria. Essas guerras previam contratos para a remuneração Os oficiais, além dos dez capitães dc companhia (o mcstre-de-campo
dos serviços que ultrapassavam o simples pagamento dos soldos, com acumulava o posto de capitão dc sua própria companhia), eram quatro
promessas de cativos e terras, c uma legislação especial que garantia a ajudantes (dois do número e dois supras, todos na assistência do mes-
utilização de crueldade máxima para com os inimigos. Isso porque, para tre-de-campo), dez alferes, um sargento-mor e dezenove sargentos. O
além da natureza das técnicas militares em uso nos matos e sertões, capelão, frei Antônio de Jesus, era irmão do mestre-de-campo e estava
típicos do modo “brasílico” da arte da guerra, estas tropas tinham auto­ com ele assentado. Como foi dito acima, durante a viagem os paulistas
rização expressa dc assim tratar os inimigos contra os quais elas haviam haviam perdido vários soldados por conta dc uma bexiga. Entre eles o
sido mobilizadas: sejam eles bárbaros ou quilombolas, ambos tidos por sargento-mor Antônio Ribeiro Garcia, o capitão Antônio Raposo Barreto,
infiéis c inimigos do Império português c, portanto, do orbe cristão. dois sujeitos de “maior suposição”, o sargento Clemente de Cardoso e
o alferes Domingos do Prado.7" Para substituir Antônio Ribeiro Garcia
foi nomeado no posto o capitão-mor de uma das companhias, José de
Cabos e soldados Morais Navarro.71 Como não é provável que ele tenha acumulado os
Gomo foi dito no final do capítulo anterior, para comandar o “novo postos, por ser proibido pelo regimento das fronteiras, sua companhia
terço” do Açu, foi escolhido o sargento-mor do terço de Matias Cardo­ deve ter sido integrada à outra. Não obstante esse detalhes, temos re-
so, Manuel Alvares de Morais Navarro. Segundo a “lista dos soldados
do terço do mcstre-de-campo ” e a “lista dos assentados na companhia a Carta de João dc Lencastro para o capitão-mor do Rio Grande, 21/1/1699. Z>//, 39:20.
do capitão Manuel da Mata Coutinho”, ambas de 1698, quando o terço “ Bando do governador-geral para a capitania do Rio Grande, 1698. IHGRN, caixa 65,
foi formado c se reuniu na Bahia, possuía dez companhias, como era de livro 3, fl. 88v.; e edital que o mcstrc-dc-campo mandou lavrar, 18/2/1699. IHGRN,
caixa 65, livro 3,11. 90v.
regra, incluindo a do mestre-dc-campo.66 No entanto, é claro que não “ Carta dc João dc Lencastro para o capitão-mor do Ceará, 21/1/1699. Dll> 39'-21.
havia 2.500 homens inscritos, muito pelo contrário. O contingente total ” Carta dc João dc Lencastro para o governador dc Pernambuco, 10/12/1698. D11,38:455-
6 c Garra dc João dc Lencastro para o Morais Navarro, 21/1/1699. DH, 39:b-\ 1.
M Carta dc Domingos Jorge Velho ao rei, 15/7/1694. Apud: Ernesto Enncs. As guerras ” Cana patente 7/1/1700. AHU, Rio Grande, caixa 3, 43. José dc Morais Navarro era
elos Palmares (subsídios para a sua história). São Paulo, 1938, p. 205. O grifo c meu. “de ordinária estatura, alvarinho, cara comprida, olhos c cabelos negros dc idade dc
*' Relação dos oficiais dc milícia pagos que servem na capitania dc Pernambuco, por 24 anos; sentou praça dc capitão de infantaria dc uma companhia do terço pago da
Sebastião de Castro c Caídas, 20/6/1710. AHU, Pernambuco, caixa 17. campanha do Açu" cm 13/8/1698, com 7$640 reis de soldo por mês. No dia 11/7/1700
"• IIIGRN, caixa 89 c caixa 65. A segunda foi publicada por Olavo dc Medeiros l-ílho. passou a sargento-mor do terço, com I3$OOO reis de soldo por mês. Certidão dc fé dc
Aconteceu na capitania do Rio Grande. Natal, 1997, p. 122-9. ofícios, 4/10/1705, AHU, Rio Grande, caixa 1, 61.
2(H o TERÇO DOS 1»A U I. I s TA S O TERÇO DOS 1’AUI.ISTAS 205

fcrências ãs dez companhias, seja na lista elaborada pelo escrivão 1-ran- de soldados (92%), podemos obter um quadro étnico e etário, além dc
cisco Pinto, na mostra que diz ter passado o terço, seja na lista dos as­ informações sobre sua origem c fisiologia.
sentados na companhia do capitão Manuel da Mata Coutinho, que che­ A etnia era descrita cm referência a um grupo (negro da guiné, cariri
caram mais tarde. Além da companhia do mestrc-dc-campo Manuel paiacu, por exemplo), ou a um aspecto fisiológico da cor (alvo, triguci-
Alvares de Morais Navarro, as outras nove era chefiadas pelos seguin­ rmho, pardo etc.). Dessa forma, consideramos mais adequado agrupar
tes capitães: Bento Nunes de Siqueira, José Porrate de Morais Castro, na labela 1 as descrições em termos mais genéricos, como “brancos”,
losé dc Morais Navarro, Manuel da Mata Coutinho, Antônio Raposo índios , negros c “mestiços”, ao mesmo tempo em que mantive­
Barreto, Salvador de Amorim e Oliveira, Francisco Lemos Matoso, An­ mos a descrição original. Cerca de trinta registros (12,3% do total) têm
tônio Gago dc Oliveira e Manuel de Siqueira Rondon.72 este item incompleto ou não declarado, de modo que as porcenta­
IJma das novidades instituídas pelo regimento das fronteiras era a gem sao feitas sobre o total incluso. O dado que mais sobressai é que a
obrigatoriedade de se manter um livro dos assentamentos de cada ter­ maioria absoluta (54%) do contingente é formada por índios, o que con­
ço p ira que fosse possível o controle dos pagamentos dos soldos c do firma as assertivas que fazíamos acima, demonstrando que mesmo os
serviço dos oficiais e soldados. De acordo com o capítulo terceiro do indígenas eram formalizados nas tropas regulares, sendo providos nos
regimento, nestes livros de protocolo se declarava “o dia em que come­ postos dc soldados. Havia queixas dc que sua presença apenas infla-
çaram a servir c as praças dc primeira plana se porão cada uma cm sua cionava o montante dos pagamentos devidos ao terço, dc maneira que
l iud i e as dc soldados da mesma maneira, declarando-se em cada as­ se desconfiava de fraudes mediante a inscrição de “índios broncos”
sento’a terra donde cada um é natural, e o nome do pai, e os sinais do cuja identificação era por vezes difícil aos encarregados da fiscalização.’
rosto e estatura do corpo, c os anos dc idade em que assentou praça . Com efeito, as descrições dos indígenas são sempre sumárias e se limi­
O “livro do escrivão do terço dos paulistas do mestrc-dc-campo Ma­ tam, na maior parte das vezes, ao prenome. Assim, Gaspar, Miguel, Sil­
nuel Alvares de Morais Navarro”, isto é, o livro dc assentamento deste vestre c Dom Pedro, por exemplo, eram “índios da terra”, isto é, da
terço, encontra-sc hoje, ainda que desfolhado e disperso nos arquivos terra dos paulistas, c tinham sido assentados em 1698. Apresentar outro
do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.' Alem Gaspar, Miguel, Silvestre e Dom Pedro, no lugar daqueles, cm uma
disso, várias das latidas estão prejudicadas e, por vezes, ileglveis. Nao mostra cinco anos depois, não era coisa difícil de se fazer. Os 27 cariris
obstante, é depositário dc valiosas informações, uma vez que cumpria à da Paraíba, que foram assentados no dia 22 de outubro de 1699 e rece­
risca o estabelecido no regimento das fronteiras e, pelo conjunto obti­ biam de soldos 1$866 réis cada, poderiam render no conjunto uma quan­
do dc registros, permite-nos fazer ilações estatisticamente Sl8",^an'<'s- tia nao desprezível de 50$382 réis. Pior ainda, em alguns casos, alguns
Dos 243 registros que conseguimos recuperar, 19 dc oficiais (8%) e ZZ4 tapuias que recebiam soldos residiam alhures. Este foi o caso dos “ta­
puios paiacunucnscs” do sargento-mor José de Morais Navarro, a que
pedia a manutenção do pagamento, mesmo estando eles assistindo em
’• As patentes tios oficiais estão registradas, entre agosto c outubro de 1698. Dl, 167-
204 Lista dos soldados do terço do mestrc-dc-campo Manuel Alvares dc Morais uma missão jesuíta.” Por vezes, uté a legalidade das guerras podia ser
Navarro (1698). 1HGRN. caixa 89; c a lista dos assentados na companhia do capitão contestada por conta do pagamento dos soldos. Em 1712, os oficiais da
Manuel da Mata Coutinho (1698). IIIGRN, caixa 65. O quadro completo do terço câmara de Natal denunciavam o mesmo sargento-mor por interceder a
dos paulistas, no início de suas atividades, pode ser visto no Anexo 5. ,_ favor dos panacuaçus, índios jurados de guerra, porque temia que as
n Veia os capítulos 14 a 16 do Regimento das fronteiras dc 1M5. m: M. C. dc Mcn- - praças c meias-praças de soldados que lhe mandou pagar a Fazenda
donça (ed.). Ratzrs <!“ formafão administrativa do lirasil. Rio de Janeiro, 1 )ti, vo. ,
» rílGRN caixa 34. Quando o terço foi dissolvido cm 1716. sendo incorporado ao da
” Com efeito, o sargento-mor do terço dos Açu, José de Morais Navarro, escreveu ao rei
fortaleza dos Reis Magos cm Natal, sua documentação aí repousou ate que. nas pn- ..
meiras décadas deste século, foi transferida para o acervo do lnsututo Histonco c , U- r™ i .r-J:lnc,ro <JC l7I4> t,,zen,fo <!'■«. como havia estabelecido o governador Sebas-
Geográfico do Rio Grande do Norte. Desejo aqui agradecer a Olavo dc Medeiros - ‘-V Ma° C aStr° ° os Pawcus, ou “tapuios paiacunuenses”, <|Uc estavam assen-
filho, esse grande estudioso da história potiguar, pela ajuda inestimável durante mi- ; p .os nas companhias do terço recebiam meio soldo dc paga, tal como “o gentio de
nhas pesquisas neste Instituto. Devo a ele e a fátima Martins Lopes o auxílio na s- a mares , por serem muito fiéis tendo lutado até contra seus próprios parentes. Por
transcrição dc alguns documentos, que se encontram cxtrcmamcntc prejudicados. ocasião dc umas perturbações, cm 1713, quando os caborés deram guerra aos mo-
O TERÇO DOS PAULISTAS 207
206 O TERÇO DOS PAOI.ISTAS
■dc-campo Morais Navarro quis aceitar a ordem c seus índios acabaram matando o capitão “às
Tabela 1. Distrtbiiição^la^miasjit^S’^> do mcstrc-i % frechadas atrozmente”. Em consulta geral, o governo decidiu que de­
número
descrição _____
grupos 50 23,5% veriam ser capturados e punidos apenas os culpados e que, sc os outros
alvos 17,4%
brancos índio (genérico) 37 insistissem em sc manter levantados, todos deveriam ser punidos, ma­
8 3,8%
índios canindé 12,7%
tando-se os resistentes, segundo a “provisão extravagante” dc 1611, isto
27
cariri
4 1,9% é, em guerra justa.77
do silva
15 7,0% Prática comum, instituída pelos paulistas no ser-tão dc Pernambuco,
pai-acu 11,3%
tapuia
24
0,5%
era manter a “bagagem” (como eram chamadas as crianças e mulheres
1
13.6%
:n»nlatado
7 3,3% dos tapuias que acompanhavam as marchas) como refém cm um al­
mestiços moreno
7 3,3% deamento “seguro”, enquanto os guerreiros cumpriam um recrutamento
trigueiro 5,2%
pardo
11 forçado cm alguma expedição de guerra. Em 1689, a contenda entre
3 1,4%
cariboca 8,9%
Domingos Jorge Velho c o capitão-mor do Rio Grande, Agostinho César
19
8,9% preto
100,0%
de Andrade, resultara de que o segundo roubara a “bagagem” que o
negros 213
Fonte: Livro do 100.0%do terço dos paulistas do mcsrrc-de-cainpo Manuel Alvares de Mo­
escrivão
mestrc-dc-campo havia deixado na aldeia dos jesuítas como “refém”
'Total
para a “segurança dos pais c maridos que consigo levou para o serviço
rais Navarro, IHGRN. caixa 34. de Sua Majestade e línguas das suas marchas”. O paulista estava muito
Real pelos tapuias dc seu terço", isto é, os soldos c meios-soldos, não preocupado com a reação dos tapuias, caso soubessem da esparrela.™
Por outro lado, quando os tapuias levavam consigo suas mulheres e fi­
76
fossem
lheNão honrados.
obstante, 76
o grosso da presença indígena nas expedições milita­ lhos, também podiam ter problemas. Consta que, em 1712, alguns
res era resultante da agregação informal de guerreiros “aliados”, segun­ tapuias abandonaram o terço por causa das opressões que sofriam dc
do a conveniência momentânea, fosse pelo pagamento de presentes e outros soldados e “das dezenas de atrocidades (cometidas contra] tapuias
ferramentas, fosse pela promessa de derrotar inimigos centenários, fos­ casadas c solteiras”.7'*
se pela simples coação, instigando temor dc castigo ou outras violên­ Por outro lado, os paulistas também encontravam resistência ao re­
cias. Gomo se percebe, gcralmente o recrutamento dos índios nas al­ crutamento dc índios da parte dos moradores, constantemente interes­
deias “aliadas” cra também momento de grande violência c, por vezes, sados na mão-de-obra. Em 1704, um-a carta régia esclarecia que não se
motivo de novos levantes. No segundo semestre dc 1677, por exem­ deveria tirar os índios das aldeias para “sc encher o terço dos paulistas
plo, o governo-geral ordenara o capitão-mor Agostinho Pereira Bacelar que assistem no Açu, [. ..) pela aversão que os tais índios têm aos
a “reconduzir” (quer dizer, recrutar) os índios necessários para a jorna­ paulistas, e que só das aldeias da Paraíba sc pode tirar algum, por terem
da ao sertão de Baião Parente nas aldeias do Itapccurumirim, Massacará já servido com os mesmos paulistas”. E sc alguns índios fossem recru-
e Natuba. Havendo recolhido nas duas primeiras alguns índios, o prin­ < tados, deveriam sê-lo voluntariamente ou granjeados pelos paulistas
cipal da última, um certo Cristóvão (que tinha patente dc capitão), não “pela sua diligência c indústria”, c jamais contra a sua vontade, “por­
que desta vexação se poderá seguir que muitos desamparem as aldeias
em que estão em grande dano do meu serviço e dos moradores desta capita-

radores, como o sargento estivesse em Pernambuco, os paiacus sc retiraram para uma


aldeia administrada pelos jesuítas. Como o padre responsável havia recomendado ao n Patente, 20/10/1677. ////, /.617-8. A patente do capitão dos índios garantia “que ne­
governador que desse baixa nos assentos desses índios no período que não estavam nhum dos cabos das frotas dc São Paulo, nem outras quaisquer pessoas delas, que por
na companhia, o sargento-mor pedia que o rei considerasse que o pagamento fosse aquelas panes forem, entendam com o dito capitão, nem perturbem a gente da sua
continuado, pois "não ê possível sustentarcm-sc sem o soldo porque sem ele só po­ aldeia". Patente, 9/4/1678. DU, l33\-2.
dem fazer andando a montaria pelas serras e muito remontadas do arraial c sendo ” Carta do arcebispo ao capitão-mor do Rio Grande, 27/8/1689. DU, /í£369-71;ea carta
assim não podem estar prontos para o serviço”. RUIGRN, 1P: 159-62. de Domingos Jorge Velho ao arcebispo, 27/8/1689. DU, /rt.371-3.
Carta dos oficiais da câmara de Natal ao governador dc Pernambuco, 2/12/1712. ” Carta dos oficiais da câmara de Natal ao governador dc Pernambuco, 2/12/1712.
IHGRN, caixa 75, livro 5, 11. 101-102v.
IHGRN, caixa 75, livro 5, íl. |01-2v.
208 O TERÇO DOS PAULISTAS o terço nos paulistas 209
nia, privando-se do benefício que recebem dos mesmos índios".*“ Os oficiais grande, cor pálida, cabelo grisalho, estatura mediana e refeito dc cor­
da câmara de Natal haviam se queixado da falta dc índios para o seu po”. Já Brás Rodrigues Gato, natural do Espírito Santo, 32 anos, era
serviço cm razão de se achar a maior parte deles alistada no terço dos “espigado dc corpo, nariz acachapado, ventas grande, cara comprida, e
paulistas, “o que se deveria remediar tirando-os do dito terço c meten­ com muitos dentes menos assim debaixo como dc cima".
do nele muitos vadios c índios do Ceará grande donde há quantidade c A idade media dos inscritos no terço era de 29 anos, a distribuição
menos ocupação”.1** Em 1706, consta que tamanhas eram as tiranias pra­ cra surpreendentemente homogénea.1*4 O soldado mais jovem era An­
ticadas pelos paulistas, que Francisco de Castro Morais, governador de tônio Leitão Arrozo, que assentou como cabo de esquadra com apenas
Pernambuco, disse que “lhe parecia ser mais fácil unirem-se lobos com doze anos. E o ancião, Antônio Carvalho Maciel, filho de Diogo Carva­
ovelhas que os índios aos paulistas”. Em razão do que ordenava que lho, com 54 anos, “cabelo espesso e com [mechas] brancas, rosto com­
fosse suspenso o envio dc índios do Ceará para o Açu, pois lhe parecia prido, olhos pequenos e uma verruga ao pé do nariz da parte direita”.
que o melhor cra que os paulistas os recrutassem entre os bravos e não Ambos eram de Pernambuco e assentados em 1699.
entre os aldeados, a não ser em casos precisos."-’ Outra informação de grande interesse refere-se aos motivos das bai­
No terço dc Navarro, apenas 9% dos soldados eram “pretos”, do gen­ xas. Como se pode observar na Tabela 2, entre as razões das baixas nos
tio da Guine, do reino dc Angola ou de Pernambuco. Só um c descrito 129 assentamentos de que temos notícia, a esmagadora maioria cra a
claramcntc como forro: Lino Barbosa, soldado preto que era “crioulo ■ deserção, isto é, o soldado sumiu ou fugiu (63,5%). Por outro lado,
forro de Pernambuco, do terço de Henrique Dias” c tinha trinta anos pouquíssimos deram baixa por morte (11%) ou por doença (4%). Havia
quanto tomou assentamento em 1700, o que não o impediu de fugir >-• motivos mais prosaicos, como o caso do soldado Francisco Mendes de
oito anos depois. A maioria dos tambores, espécie dc ajudante que ia . Sousa, que, em 21 dc janeiro de 1715, depois de servir por dezesseis
junto com o alferes c acompanhava a bandeira da companhia, também I anos, conseguiu sua baixa porque “deu outro por si”. João Malhciros
cra de negros. Apesar da proibição cabal do Regimento das Fronteiras p" já havia feito o mesmo em 1705, pondo “um homem no seu lugar”,
de se alistar um criado como soldado, os tambores eram exceção, pois tí; As fugas podiam ser combinadas: os negros Marcos Ruiz, Dionísio Pc-
reira e Francisco Alvares, todos assentados no dia 28 de junho dc 1704,
não recebiam soldos. l^f-íforam dados por fugidos na mostra dc 27 de outubro do ano seguin-
O capítulo 17 do Regimento das Ordenanças dc 1570 estabelecia
’ 1 -W
que o capitão da companhia “fará servir um criado seu [como tambor], h í tc, ao passo que Antônio Velho, Cosmo da Silva, Francisco Gonçalves
que para isso mandará ensinar, pelo honrado cargo que se lhe dá‘” — c
—0/. e Manuel da Costa estavam fugidos na mostra dc 27 de setembro de
que podemos generalizar para as tropas regulares.«' O- mestiços erarn/cQ
’** Os 4706.
muiro poucos, ainda mais se considerarmos que as denominações - ««r-BÍ:
“pat-^Gjc<,-‘.
do”, “moreno” c “trigueiro” não necessariamente se referiam a mesti- ^.jflfocla 2. Motivo das baix;:;is no terço do mcstrc-dc-campo Morais Navarro
O garoto de quinze anos José da Gosta Pinheiro (filhos ^.yWtivo___ __________ número
ços stricto sensu. L o____ ... jiumiu
do sargento do número, Antônio Pinheiro) era “espigado do corpo, cara' ^normal"
. 82 6.1.5
20 15.5
comprida, da cor morena, cabelo estirado, olhos pretos”- Francisco Mcn-gi fimorrcu
14 10.8
des de Sousa, natural de ígaraçu, 27 anos, tinha “olhos grandes, eccu 5 3.9
insferido 5 3.9
.3 2.4
Carta da infama de Portugal ao governador de Pernambuco, 18/7/1704. AHU, oójfeffl ______ __________________________________________ 129_____________________ 100,0 _
Kl»
257,11. 138v-9. Vi; ' gEtatc: Livro do escrivão do terço dos paulistas do mcstrc-dc-campo Manuel Alvares de Mo-
Carta da infánta a<> capitão-mor do RioGrandc, 1.3/8/1704. AHU. cód. 257, fl. 154y.jg ‘LNavarro, 11IGRN, caixa 34.
XI

carta da câmara dc N.-ita) é dc 5 dc fevereiro.


X.’
Carta do governador de Pernambuco ao capitão-mor do Ceará. 19/8/1706. AHU, o
257, 11. I77v-8. Repete a mesma ordem, na mesma data, ao capitão-mor do1
AHU, cód. 257,11. 178. JÕos 227 membros do terço dos paulistas, há informações sobre a idade dc apenas
XV
Regimento das ordenanças dc 1570. In: M. C. dc Mendonça (cd-)- Raíxesdafons ílíátenta c nove.
atbninistmtlvti tio lirasll. Rio dc Janeiro, 1972, vol. L p. 162.
210 O TERÇO DOS PAULISTAS O TERÇO DOS PAULISTAS 21 1

terço dos paulistas, o rei, preocupado com o possível absenteísmo


Dinheiro e farinha destes, ordenou cm carta régia de 3 de novembro de 1698 que se lhes
pagasse na mostra, mas no Rio Grande.81' De nada adiantou, pois em
Como vimos acima, o regimento das fronteiras criou o posto de vedor- 1708, quando o provedor da Eazenda do Rio Grande foi pagar os
geral para regulamentar, antes de mais nada, a fiscalização do pagamento soldos, percebeu que estava remunerando soldados que ou haviam
do soldo das tropas. Nesse momento, as mostras, como que um rccadas- fugido ou falecido, fraude que resultou ent uma ordem régia para que
tramento, passaram a ser periódicas e com fiscalização rigorosa, tornan- o mcstrc-de-campo restituísse o dinheiro.'81
do-se a ocasião do pagamento dos soldos. Só receberiam os presentes Os soldos, como é natural, variavam de acordo com a posição do in­
e toda tentativa dc burlar a fiscalização seria punida com multas, prisão divíduo. Ainda compulsando a documentação relativa ao terço de Ma­
ou degredo. Como não havia vedores no Brasil, a função era desem­ nuel Alvares de Morais Navarro, podemos apresentar um quadro des­
penhada pelos provedores. De fato, desde 1638, de acordo com o regi­ tes valores c calcular o seu custo total em salários. Na verdade, o soldo
mento de dom l,'ernando Mascarcnhas, conde da Torre, na Colónia as era pago sem muita regularidade, donde as várias reclamações e pedi­
mostras era feitas sob olhar do mestre-de-eampo, que deveria conferir dos de liberação dos dinheiros, e seu resultado final era uma conta de
os nomes no livro dc assentamento, juntamente com o provedor-mor.
* ’ chegada cm que eram descontados todos os gastos e adiantamentos
O pagamento dos soldados da infantaria era feito no “dia da mostra”, e feitos pelo soldado. Além disso, havia uma outra dimensão importante
era comum haver queixas sobre o acerto das contas, pois a cobrança das na arregimentação dos soldados. Estes, apesar de valerem individual­
dívidas dos soldados era feita simultaneamente, tal como era “estilo pra- mente pelo recebimento dos soldos que lhes correspondiam, acaba­
ticar-sc cm toda parte”. Esta parecia a única maneira de evitar as quei­ vam, por vezes, servindo como uma “reserva de renda” do mestre-de-
xas c, dc toda maneira, não seria “tão grande a dilação que há em que campo ou do capitão da companhia, verdadeiros “senhores da guerra”.
passe o dinheiro da mão do soldado a quem se dá, à do sargento que Contentes com poder se alimentar c vestir de sua atividade, ou mesmo
está com ele na ocasião da paga”.8'1 Em 1690, preocupado com o infelizes pelo recrutamento compulsório, é certo que os soldados deve­
descalabro da situação dos dois terços cm Pernambuco, o governador riam, no final das contas, deixar grande parte do seu pagamento nas
“tucano” Câmara Coutinho87 chegou ao cúmulo do zelo: ordenou que a mãos de seus “senhores”, isto é, oficiais, ou mesmo faziam-se apenas
mostra fosse feita “na sala do palácio, mandando lançar bando um dia constar, para que um capitão recolhesse para si os soldos. Era o que
antes ao som das caixas”. O dinheiro era dado “na mão”, c “ali se exa­ denunciava, em 1700, o capitão-mor do Rio Grande, para quem o mes-
mina o soldado que assiste e serve e o que não aparece não tem nada”. tre-de-campo paulista estava “comendo as praças de tapuias, que an­
Bcrredo Pereira revela que havia muitas fraudes, como pessoas que só dam pelos seus ranchos e de soldados, alguns que nem na mostra apa­
apareciam no dia da mostra, ou ainda meninos alistados, “filhos daque­ receram”.*91 Era um típico caso em que o roto ria-sc do esfarrapado.
les que serviam na câmara”.8* Passados alguns anos, com respeito ao Bernardo Vieira de Melo havia sugerido, três anos antes, que os vinte
soldados da fortaleza de Natal “fossem escolhidos [...] entre os natu­
rais c aqui pagos”.92 Em janeiro dc 1698, sem perceber a patifaria, que
Regimento de dom Fernando Mascarcnhas, 13/8/1638. l)H, 79:187-209. ia travestida de zelo público e um certo nativismo, o rei resolveu que
Kit
/?//. Jfb.194-5. ele tinha razão de dar preferência aos naturais para servirem de solda­
N7 F.stc seu apelido fora dado por Gregório dc Matos, por possuir um grande nariz, “que j
entra na escada duas horas primeiro que seu dono”. Alem disso, o poeta o satirizava dos nos presídios porque os de fora logo que chegavam tratavam de
corn seu preconceito: falava dc seu “sangue mameluco", acusando-o de ser “filho do
Espírito Santo e bisneto de um caboclo”. Obras completas. Bahia, 1968, vol. 1, p. 201- ■
23. Apnd: nota de José Antônio Gonsalves de Mello. In: Gregório Varela de Berredo :
Pereira. “Breve compêndio...”. A7/1/1 57:292, 1979. m Carta régia a Jo3o de Lencustm, 3/11/1698. AHU, eód. 246, fl. 76v.
Mandava, ainda, que fossem feitos vinte dois livros dc assento: “vinte para os dois ** Carta régia 28/5/1709. AHU, cód. 257, fl. 235v.
terços c um para a primeira plana listo c os oficiais) c outro para os artilheiros, para ' 91 Carta de Bernardo Vieira dc Melo ao rei, b/bO700. AHl), Rio Grande, caixa 1, 49.
por eles se continuarem as mostras, fazendo novo assento neles”. Gregório Varela dc 97 Papel dc Bernardo Vieira dc Melo, c. abril dc 1697. AÍIU, Rio Grande, caixa 1, 42,
Bcrredo Pereira. “Breve compendio. . .”. RhM', 5/:273-4, 1979. ponto 6.
212 O TERÇO DOS PAULISTAS O TERÇO DOS PAULISTAS 213

fugir, e os naturais eram “mais empenhados na conservação da terra governo-geral assumia a restituição das perdas dos moradores. Quando
onde nasceram”.9' Contudo, em junho de 1698, o governador-geral governador-geral, Francisco Barreto ordenou que os mantimentos ne­
alertava que essa história dc Bernardo Vieira de Melo criaria um cami­ cessários para a vinda da gente paulista ao sertão da Bahia se fizessem
nho para desvios fiscais, pois “os capitães-mores do Rio Grande hão de por conta da Fazenda Real.9’1 A portaria dc 16 de outubro de 1658 auto­
meter no número dos vinte soldados seus filhos, criados c escravos pela rizava a tomada das reses que fossem necessárias ao sustento da gente
conveniência da praça e dar-lhes baixa em findando o seu posto".94 Dan­ do sertão, para “que sc suprisse a falta dc baleia e bacalhau” que eram
do o braço a torcer, o rei respondeu que, “suposto que o que representais enviados da Bahia. O tenente-general da artilharia, Pedro Gomes, de­
|era] mais convincente, se continu[asse] com a forma do que até agora veria, ainda segundo esta portaria, passar recibo aos donos dos currais
se usava”. O provedor da Fazenda do Rio Grande é que devia ficar discriminando também a qualidade das reses tomadas porque a satisfa­
encarregado de passar a lista do assentamento c fazer a mostra, confor­ ção dessa dívida ficaria por conta da câmara da Bahia.'" Mas, como o
me o regimento das fronteiras.9' Tais práticas, como se percebe, des­ leitor pode imaginar, a regra cra que o prejuízo fosse dos criadores. Se­
moralizavam a hierarquia e o serviço militar, dando lugar à corrupção e gundo o padre João da Costa, quando Navarro c uma tropa de quatro­
outras vilanias. Nesse sentido, descrente do potencial do exército lu­ centos homens chegaram à ribeira do Jaguaribe, no final de julho de
so diante do inimigo holandês, o padre Antônio Vieira, no sermão da 1699, todos os moradores “fugiram dele e se retiraram, seja pela injusti­
visitação de Nossa Senhora (Bahia, 1640), havia se queixado: “Como ça com que lhe quer tomar as suas terras, ou por se não verem obriga­
havia de se restaurar o Brasil, se o capitão de infantaria, por comer as dos a vender-lhe gados fiados, para nunca verem o dinheiro deles”. João
praças aos soldados, os absolvia das guardas e das outras obrigações mi­ da Costa, missionário do Oratório de Pernambuco, conta que as tropas
litares. . .?”■.** do terço não comiam há dois dias c que o mcstrc-de-campo “estava
Na rotina da vida militar cm tempos de campanhas, o exército vivia determinado a dar licença [aos seus homens] para tomarem os gados da
dos mantimentos e recursos enviados pela administração colonial, as­ ribeira que quisessem”. Vendo tal disposição, temeroso de que “se ar­
sim como do controle e da repartição dos recursos locais. Na Europa, ruinasse toda a ribeira e houvesse muitas mortes”, ele mesmo diz ter
este uso dos recursos locais, típico na dinâmica da guerra dos tempos pago o gado: “Fiz tanto por acudir ao exército de Sua Majestade, como
modernos, era conhecido pelo nome de lirandschatzung (dinheiro dc por evitar os danos que sc temiam”."10 No ano seguinte, quando os fa­
incêndio), isto é, o exército ameaçava incendiar ou saquear uma região mintos soldados do terço chegaram à barra do Ceará-Mirim, os morado­
se não lhe fosse concedido um tributo em espécie ou cm mantimentos, res, assustados, explicaram que não tinham mantimentos suficientes.
como “taxa de proteção”.9’ Mudando o que devia ser mudado, as coisas 0 mestrc-dc-campo estava autorizado apenas a fazer “negócios particu­
funcionavam da mesma maneira nos sertões ocupados pelas forças mi- lares” para o sustento das tropas, desde que o povo não fosse preju­
licarcs encarregadas de defender os moradores de uma ameaça “exter­ dicado.101
na”. As vilas, as fazendas c os currais entregavam gados c farinha aos Por vezes, impostos extraordinários (fintas) podiam ser criados para
seus “protetores”, acreditando que estes custos seriam menores do que fazer face aos custos das expedições contra os tapuias. A fórmula era
as perdas no caso de um ataque dos índios. Em algumas ocasiões, o assim explicada por Francisco Barreto ao governador do Maranhão,
Pedro dc Melo: “O estilo que nesta praça se observa nas ocasiões que
se manda fazer guerra ao gentio bárbaro é dar à câmara tudo o que se há
Carta do governador dc Pernambuco. RIHGRN, 70:129-30 c 134: Carta régia 16/12/
mister para a jornada, e pagá-lo o povo, pois em benefício dos morado-
1698, AHU, cod. 256, fl.278; seguindo a resolução da consulta do Conselho Ultrama- ■ :
rino, 23/12/1697. AHU, cód. 252, fls. 213-4.
'« RIHGRN,
Carta regia10:135.
ao governador dc Pernambuco 17/9/1698. AI IU, cód. 256, fls. 282v-3. ■í * Alvará, 13/10/1657. D//, 4:55-6.
■* “Sermão da Visitação de Nossa Senhora, no Hospital da Misericórdia da Bahia” (1640). \ ” Portaria que se passou a Pedro Gomes para tomar o gado necessário para o sustento
In: Sermões do padre Antônio Vieira da Companhia de Jesus. Lisboa, 1690, sexta parte, p. > í da gente do sertão, 16/10/1657. DH, 4:56-7.
” Carta do padre João da Costa, ribeira do Açu, 26/8/1699. AHU, Pernambuco caixa 14.
408.
GeolTrcy Parker. /.« révolution militaire, !a guerre et 1'essor de POrcideat, 1500-1800. í 101 Carta dos oficiais da câmara dc Natal ao mestrc-dc-campo, 22/11/1700. IHGRN, cai-
Paris, 1993, p. 95. i L xa 65, livro 3, fl. 97.
214 O TERÇO DOS PAULISTAS
O TERÇO |)()S PAULISTAS 215
rcs, e por livrá-los das hostilidades que os tapuias lhe causam se faz tal Tabela 3. Valor das contribuições previstas na finta de 1654 para a jornada do sertão,
despesa”."’2 De fato, cm 1654, para realizar a jornada contra os índios segundo as companhias de ordenanças_________________
que assolavam o Recôncavo Baiano, uma junta reunida na câmara de Companhias dc ordenança. , .___________________________ valor (íeis)

Salvador estimou que seria necessário providenciar a compra de bens do capitão Manuel Carzo, no Paraguaçu I3()$0()0
do capitão Sebastião Brandão, no Paraguaçu 1703000
para serem dados aos índios que pretendiam recrutar e para o sustento do capitão Belchior de Araújo da Sanhara, no Paraguaçu 2-l$0()<)
da infantaria. Para os primeiros, “300 machados, 200 foices, 500 facas, do capitar» Antônio dc Magalhães, no Sergipe rio Conde lôOSOOO
10 maços de velório, 10 caixas de pentes, 500 tesouras, 4.000 anzóis, do capitão Felipe Barbosa, no Sergipe do Conde I4O$()()()
de Pernanmerin 80$000
1.000 varas de pano de linho, 20 vestidos para os principais e 100 ma­ dc Nossa Senhora do Socorro 8()$0UO
chados”; para a infantaria, “20 facões, 500 mochilas, 500 alqueires de dc Pace 60$(M)0
dc Matoim 80$0()<)
farinha que se não pagarão mais de doze vinténs, 40 quintais de peixe,
dc Cutigipe 60$0(M)
pão, 200$000 réis para uma ajuda dc custo para a infantaria, c outros dc Paripe 60$000
200$000 para o cabo c seus capitães”."” Os custos destas partidas foram dc Piraia 40$0(H)
calculados e seu encargo seria lançado por finta a todos os moradores dc 'laparica .303000
dc Santo Amaro de Jaguaripe 3t)$000
de Salvador e do Recôncavo."" No dia 24, constatando que o rol dos dc Jaguaripe 1003000
gêneros necessários para a jornada orçava em cerca de l:600$000 réis, a dc Vitória e liugia |6$0()<)
câmara repartiu os encargos pelas freguesias, e os capitães das ordenan­ dc Santo Amaro da Pitanga 6()$0(K)
do capitão Francisco de Melo, na cidade “de porta a porta” 703000
ças deveriam se responsabilizar pela cobrança dos valores de seus su­ do capitão Filipe Cardoso, na cidade “de porta a porta" 603000
bordinados (veja Tabela 3). A maior parcela recaiu sobre as freguesias do capitão Nícolau Botelho, na cidade “de porta a porta" <>03000
de Paraguaçu, Jaguaripe c Sergipe do Conde, que haviam feito uma do capitão Antônio dc Souza da Praia, na cidade "dc poria a porta" 6O.$OOO
do capitão Antônio Pereira, “que é a dos bairros de porta a fora" 20$000
petição para a guerra.
Total__________________________________________________ ______________________ 1:5903000
Quatro anos passados, a finta ainda esperava para ser lançada, pois a
Fonte: ACS, 5:273-4.
expedição não havia emplacado. Em 13 de fevereiro dc 1658, uma jun­
ta na câmara de Salvador resolveu que os moradores concordavam em
ser lançados, desde que com justiça. Além dc que, de agora em diante, mação registrada no livro de atas da câmara de Salvador, o comissário
não assumiriam mais gastos sem serem consultados nem aceitariam ser da Inquisição, o jesuíta Simão de Soto Maior, ameaçava com excomu­
a eles obrigados, pois tinham medo de que tal pagamento se tornasse nhão sc o governador-geral insistisse em cobrar o imposto dos familia­
“uma finta perpétua”.105 Algumas pessoas estavam excluídas natural­ res, o que parecia um abuso aos olhos dos oficiais da câmara.107 Alguns
mente do pagamento de tais taxas, como os pobres c os oficiais “que anos depois, em 1656, foi passada uma lei, reafirmada pela carta régia
trabalhem por seu braço”." * ’ De maneira geral, os familiares do Santo de 9 de dezembro de 1662, em que o rei estabelecia que “daí em dian­
Ofício conseguiam escapar da tributação destinada ao sustento da in­ te não se isentasse privilegiado’algum morador do Brasil por razão de
fantaria e às demais despesas de guerra. Como podemos ver na rccla- hábito, qualidade ou ofício a pagar os donativos e contribuições para o
sustento da infantaria dos presídios”.,0M Por vezes, a resistência ao pa­
18/1/1663./)//, 5:188.
gamento dessas contribuições irritava as autoridades. Em 1673, o go­
”” 14/10/1654. ACS. 5:271-3. vernador-geral Afonso Furtado sc exasperava com os criadores do Aporá:
HM A CS, 5:271-3. “Quando o gentio lhe tirava as vidas, roubava a fazenda e lhe comia os-
A6’ó’, 5:368-9. Ainda no dia 23 dc novembro dc 1661, os oficiais da câmara de Salvador gados, e davam por perdidos os seus cabedais, sofriam todos estes ma­
mandaram vir perante si os cidadãos para que fosse aprovada uma resolução de sc les, e agora que se vêm livres dc todos, uns sc queixam dc quatro vacas
fazer guerra ao gentio bárbaro que sc rebelara e causava estragos c fazia hostilidades
nas freguesias dc Jaguaribc, Cachoeira, Boipcba c Cairo, guerra “para que sc extin­
guisse todos”. E “para sc fazer a dita guerra queriam c eram contentes que sc lanças­ Curta, 9/5/1651. 6XV. /:35-6.
se finta por todos os moradores dela...”. ACS, 4:91-3. Carta régia, 9/12/1662. In: Inácio Accioli dc Cerqncira c Silva. Meinúritis Aistórínis e
"* ACS, 5:271-3. polítiais <tu província cia ttahia. Salvador, 1940, vol. 2. p. 125-6.
216 O TERÇO DOS PAULISTAS O TERÇO DOS PAULISTAS 217
que ferem ou matam, e outros negam até o mantimento para aqueles Tabela 4. Valor dos soldos no terço do mestrc-dc-campo Morais Navarro e estintati-
va dc custos totais
que os foram livrar”.1"'' Alguns anos depois, essa mesma destruição foi
Posto________________ réis I mês
causada pelos próprios soldados, que consumiam os recursos locais — quantidade total
Mestrc-dc-campo 245000
este, um tios motivos alegados pelo governador-geral para reformar as Sargcnto-mor
I 245000
135000 I
tropas dc Antônio de Albuquerque Câmara c Manuel de Abreu Soares Capitão de companhia 75640
135000
10 765400
Alfcr<-‘s 25666
em 1690. 10 265660
Ajudante 15866
É certo que um grande atrativo para as tropas dos paulistas era a pro­ Sargento
4 75464
15866 19
messa dc que lhes seriam cedidas as terras conquistadas aos índios. Se­ Cabo dc esquadra 15866
355454
II 205526
guindo o padrão do convite feito a Domingos Jorge Velho, o regimento Soldado______________ 15866 ____ 183 3415478
do terço de Manuel Alvares Morais Navarro garantia aos paulistas a posse Toi.il_________________ _____________________
„’.w
________________ __
544$'«2
de todas as terras que conquistassem."" Como veremos, esse tipo dc Fonte: Livro do escrivão do terço dos paulistas do mestrc-dc-campo Manuel Alvares de Mo­
rais Navarro, II1GRN, caixa 34; Certidão dc fé dc ofícios, 4/10/1705, AI 1(1, Rio Grande, caixa
disposição resultava em conflitos com os moradores c proprietários, cm 1,61; Certidão, 25/5/1696, AHU. Rio Grande, eaixa I. 60.
razão das incertezas quanto aos limites e dos abusos dos mestres-de-
campo, que nunca hesitaram em misturar currais e fazendas com terras
“devolutas”. Não obstante, o valor dos soldos não era desprezível. No Como o leitor pode avaliar, o dinheiro gasto pelo terço era alto, con­
caso do terço dos paulistas, o mestrc-dc-campo recebia 24$000 réis por siderando que no ano de 1689 o contrato dos dízimos dc toda a produ­
mês."1 Alem disso, Navarro acumulava, por ser fidalgo com hábito dc ção do Rio Grande fora rematado cm 340$000 réis, e chegara a 900$000
Cristo, 15O$OOO dc tença por ano, e mais outro soldo como capitão dc antes do início das guerras. Uma “relação do dinheiro que se tem des-
companhia, que equivalia a 7$640 réis por mês. Em um ano, recebia da < pendido com o terço dos paulistas”, assinada pelo provedor-mor Antô­
Eazenda Real 529$680 réis. Os outros soldos seguiam os valores da Ta­ nio Lopes lllhoa, descrevia todos os gastos realizados desde a formação
bela 4. Alguns deles poderiam variar, como o soldo do sargentos, que j..- do terço em São Paulo até 1702."’ A Tabela 5 resume as informações
chegava a 2$283 réis, ou o dos soldados índios, que normalmentc eram ; deste documento e as agrupa por tipos de gastos. Havia, principalmen-
pagos em meios-soldos, isto é, a metade do valor grafado no livro de te, custos relativos ao pagamento dos soldos, aos mantimentos envia-
assentamentos; isto porque a outra metade era, na maior parte das ve­ dos e, no caso desse terço, que fora formado cm São Vicente, ao frete,
zes, devida ao capitão do aldeamento ou aos missionários por eles res­ isto é, ao transporte de toda a gente. No frete foram despendidos
ponsáveis, como qualquer outra atividade remunerada de índios sob |: 2:082$620 réis, c /Xntônio Vcloso Machado levou quase a metade disso
administração."- O custo total do terço, tal como se apresentou em 1698, (1:020$480) pelos seus serviços. O capitão do navio Santa Catarina de
£7
era dc 544$982 réis por mês, o que implicava a considerável soma de > 83
fé'
Sena e Três Reis Magos faturou bem e ainda recebeu do governador-
6:539$784 réis ao ano.1 LI Si: geral uma patente de capitão-dc-mar-e-guerra. E que se tratava de um
•» Í2.TÁ;. “recomendado ” do governador dd Rio, Artur de Sá c Meneses, a quem
fe?
João de Lencastro queria agradar. Em uma carta de agosto dc 1698,
>
Carta a Gaspar Dias, 19/7/1673. DH, £378. ■d;;
torna-se explícito esse caso de favoritismo. Além desse obséquio, dizia
Carta de João de Lencastro para Morais Navarro, 4/2/1699. />//, 50:41-5. .o governador, “[deixei] o afilhado de vosmecê [Machado] provido ao
AUU, Rio Grande,
Tal situação caixa
persistiu até aI,dissolução
60. do terço, cm 1712. Uma portaria do governador^ gs.. posto de ajudante do terço; e não me descuidarei dos seus acrcscenta-
dc Pernambuco, anexa ao “livro do escrivão”, ordenava que o provedor do Rio Gran- '
^' jnentos, para que vosmccê conheça quão poderosas são para comigo as
dc desse baixa definitiva aos “meios soldos” que os tapuias inscritos venciam. Livró?,^ glpjlias recomendações”.115 Os “socorros”, isto é, o dinheiro enviado para
do escrivão do Terço dos Paulistas do mestrc-dc-campo Manuel Álvares dc MoraiLSj pagamento dos soldos, totalizavam 25:290$184 réis — valor bem dc
Navarro, nota dc 31/5/1712. IHGRN, caixa 34, fl. 138. ’ ggí àcordo com a projeção que fizemos acima, pois os 544$982 réis por mês
”'
Cinco anos passados, apesar da diminuição do contingente do terço, o valor total do?.«fc __________
115
soldos continuava pratieamente o mesmo. Km 1703, foram pagos 12:570$800 róL|a
relativos aos dois anos anteriores, ou seja, 6:285$400 réis ao ano. Carta do govcrnadcátífíK 19/8/1702. !EB, córl. 4 A 25.
geral ao provedor da Fazenda dc Pernambuco, 17/9/1703. Dll, .70:193-4. Carta ao governador rio Rio, 26/8/1698. />//, //:265-7.
■!-5âfe
218 O TEK<:° DOS PAULISTAS O TERÇO DOS PAULISTAS 219
estimados reJ»l,^tar’am’ Para <» período de quatro anos (1698-1702), em Tabela 5. Dinheiro despendido com <> terço do mestrc-dc-campo Morais Navarro, 1698-1702
* s- E interessante notar que o pagamento se fazia em par­
26.159$136 r<J Categoria Evento
Data Valor (réis)
ecias dcsconcinuatlas, e a maior delas só foi liberada cm 1702, por conta frete Antônio Vcloso Machado, capitão do Navio Santa
dc um assent1’ conselho da Fazenda, quando o tesoureiro-geral man­ Catarina dc Sena c ‘Ires Reis Magos, cujo navio fora 1698 7003000
fretado do rio para trazer os paulistas
dou enviar-sc’ ao tesoureiro de Pernambuco a quantia dc 12.000$000. Antônio Vcloso, por levar os paulistas da Bahia até a
Isto porque, apesar de a carta regia dc 11 de janeiro de 1701 estabele­ Paraíba 1698 4003000
Conserto da aguada que fez o tanoeiro
cer que a cap
* tan*a Kio Grande e o Açu passavam à jurisdição de Pelo frete dc 35 pessoas que a sumaca dc Manuel 1698 273700
Pernambuco. os postos militares com soldo continuavam a ser providos Ferrcira Raimundo levou dc Santos para o Rio de 1698 1063000
por ele, govpmador-geral, e, portanto, pagos pela Fazenda Real."0 Os Janeiro
Pelo frete dc levar Navarro com oito pessoas da Bahia
mantimento^ lluc incluem gastos com matalotagcm, medicamentos c até Santos quando ele foi levantar o terço
1696 543000
Para Antônio Vcloso Machado, urna arbitragem pelo
ferramentas, importavam em l:363$039 réis. frete 3003000
Não estão computados, como é natural, os dispêndios com a alimen­ Para Antônio Vcloso Machado pelo frete dc 29 pipas
tação das cr<’Pas ao longo desses anos todos. Em tempos normais, as e doze barris que trouxe do Rio Grande para a Ba­ 20$480
hia
tropas regu|:'rcs> acolhidas nos presídios, costumavam receber farinha A Manuel Roiz Paiva, despenseiro desta fragata
de mandiocP tla administração para o seu sustento; c, em especial, cm A João Roiz Buarcos. mestre da sumaca Nossa Se­ 53850
nhora do Bom Sucesso, pelo frete dc 32 soldados de 64$U00
sua versão rf>a*s perene: a uí-antã, ou farinha dc munição, ou ainda fari­ Santos a Ilha Grande
nha de guerí;l> eomo era chamada."7 Na Bahia sc estruturou, na meta­ Antônio Soares, mestre da sumaca NS da Encarnação,
150$<)0(l
de do século XVII, uma divisão regional que fixou as zonas produtoras por trazer vários capitães e soldados da Paraíba do
Sul à Bahia
de mantimentos, liberando o Recôncavo para a produção dc açúcar. A Fretes e carretos de várias coisas
câmara dc .Salvador estabeleceu um contrato com as vilas dc Boipeba, Frete c comboio do socorro que sc remeteu da Bahia 363210
Para José Porrarc dc Morais Castro, pelo gasto que 683380
Cairu e Carí>aniu para o fornecimento dc farinha, principalmente para havia dc fazer com o alferes, sargento c mais gente 1503000
as tropas mobilizadas por conta das guerras holandesas e das guerras que foram cm sua companhia para comboiarem os 4
contos dc réis
contra os b:lrkaros. Este contrato, chamado dc “conchavo da farinha",
estipulava Uma quantidade mínima dc farinha a ser entregue c tabela­ Subtotal
2:082$620
va o seu preÇ°- Depois de lançada a primeira jornada do sertão, em 1651, Mantimento Gastos dc matalotagcm e outros aprestos no Rio dc
Janeiro 1698 7853385
uma das ma* ores preocupações do governo geral, envolvido na fase mais Ferramenta que José Carvalho Pinto fez para os
crítica da gtiorra contra os holandeses, era garantir o fornecimento dc paulistas 1698 4753840
farinha de piandioca para as tropas, impedindo o seu descaminho. Das 79 arrobas c 28 libras dc carne fresca para a mata-
lotagenr 1698 193184
vilas de Cafiamu, Cairu e Boipeba provinha a maior parte deste aJi- ? Para Pantalcão de Sousa Porto, pelos medicamentos
que se lhe deviam 663580
mento, agoía procurado por atravessadores que especulavam com o seu
4 alqueires de sal para salgar a carne
preço. O conchavo ílue fizera o governador, constrangendo a venda de Quatro tachos dc cobre 5$600
2.400 sírios farinha no ano de 1649, comissionado por Diogo de Oli­ Subtotal
103450

veira Scrpm desagradou sobremaneira aos moradores, que, em termo Soldo


1:3633039
datado de fevereiro de 1652 e registrado no livro das atas da câmara de ! Socorro ao terço
Socorro aos oficiais e soldados 12/1699 19730184
Soldos do mestrc-dc-campo 6:0003000
Socorro 1203000
Carta régi-.' 11/1/1701. RIHCRN, M137. carca dc cl. Rodrigo da Costa. 2/12/1703.?' 23/09/1701 4:000$000
Consignação dos dízimos remetidos com socorro
ZW, 3í»:205-06. Reafirmado em 11/1/1704. AHU, cód. 246, I23v. A partir dc 1704,« f Socorro ao terço dos paulistas 1702 1:200$00()
terço dos paulistas deveria ser pago justamente pelos dízimos da capitania do Rio 18/08/1702 l2:000$000
Subtotal
Grande, sendo que o que faltasse seria coberto pela fazenda real da Bahia. R/fíCRN, ________________________________________________________ z-21ffg>%Hfrl 25;290$ 184 , y
•: Total geral______________________________________________ __ __________________28:7353843 /
A ij,

/rt 145-6 0 l53-


Sobre a fiiònha da mandioca, veja o estudo de Carlos Borges Schmidt. “O pão dl -.
!

Fonte: Relação do dinheiro que se tem despendido com o terço dos paulistas dc que é mes-
terra”. 127-348. Zj . trc-dc-canipo Munirei Álvaros de Morais Navarro, por Antônio Lopes Ulhoa. Bahia, 19/8/
■ííiil 1702. IEB, cód. 4 A 25.
220 o TERÇO DOS PA U I. ISI AS
° I liRÇO Dos
Salvador, expunham a tirania dc tal procedimento, “que vinha ser qua­ ...... PAULISTAS 221
que seja necessário mandá-las vosmecê buscar violentamente como
se um tácito estanque”.11" fará”.1’1 Em fevereiro dc 1652, respondendo ao apelo das câmaras, o
Esta venda obrigada, "um tácito estanque”, disfarçava o crescente conde reitera que o conchavo deveria scr mantido “sem sc inovar coisa
fiscalismo que implicava o aumento das tropas c do esforço de guerra. alguma”, dc maneira que a farinha deveria ser entregue sem reclama­
Os povos, sentindo-sc vexados por esse “conchavo da farinha”, adota­ ções c em boa qualidade, pois estava vindo pouco cozida e grossa.124
vam soluções heterodoxas para escapar à opressão fiscal. Com efeito, o No final do ano, o conde ameaçava de prisão os oficiais da câmara de
conde dc Castelo Melhor havia tomado uma serie dc medidas para con­ Cairu e Boipeba se não cumprissem imediatamente o acertado.125 No
ter o desvio da farinha por embarcações, entre as quais o envio do te­ início de 1654, o nervo govcrnador-gcral, o conde de Atouguia, resolveu
nente-general da artilharia, Pedro Comes, com sua gente."'' A câmara amenizar a contribuição que as três vilas deviam em farinha.'26 Depois
dc Camainu, a mais rebelde, sc recusou a contribuir com 250 alqueires de uma série de ajustes no “conchavo da farinha” ao longo dos anos
dc farinha para a jornada do sertão.'-’'’ Enviado entre junho e agosto de seguintes, em 1673 uma ordem do govcrnador-gcral consolidava a vo­
1651, Pedro Gomes deveria, então, fazer cumprir esta ordem e exigir cação da região para a produção de mantimentos: proibia a construção
explicações da câmara.1-’1 Em 9 dc outubro, todavia, o conde mandava de engenhos e a plantação de cana nas três vilas “por serem o sustento
este rccolhcr-se a Salvador, responsabilizando o governador dc Ilhéus desta praça, e podendo eles [os engenhos] ser a ruína dos da Bahia”.127
pelo recolhimento da farinha do “conchavo”, já que era sua a culpa pelo 0 mesmo foi reafirmado em abril do ano seguinte, estipulando uma
descaminho cm razão das vistas grossas que fizera às lanchas que por lá pena “dc perdimento” c um castigo dc prisão.12"
passavam. Recomendava certa prudência na ação de modo a não come­ O transporte da farinha para os arraiais c as tropas estacionadas no
ter muita violência que desestimulassc a produção, já que a Fazenda sertão longínquo cra motivo dc preocupação c exigia esforços redobra­
não dava conta de pagar tudo do que precisavam as tropas.1*” Não dos. A carência de mantimentos implicava a necessidade de abreviar o
obstante, cm carta dc 12 dc dezembro, ao tenente de mcstre-de-campo tempo de permanência no sertão. Em 1675, preocupado com que con­
Gaspar de Sousa IJchoa, o conde rccomcndava-lhc que fizesse enten­ siderava “o principal problema das entradas”, o governador-geral, Afonso
der ao povo das vilas que antecipassem a remessa da farinha, “antes b Furtado, mandou Pedro Gomes fabricar uma casa-forte no lugar que
■ parecesse mais conveniente para armazém dos mantimentos, a 34 lé-
IIX
A6'.V, 3:132. Sobre a produção dc alimentos na economia colonial, veja o capítulo com
■ ■ guas da Cachoeira, com um cabo e guarnição suficiente. Comerciantes
este título da tese dc Francisco Carlos Teixeira da Silva. Morfologia da escassez: eríses • interessados deveriam ser contratados para colocar cm carros e cm com-
de subsistência e política económica no Brasil Colónia (Salvador e Rio de Janeiro, 1680- ? boio “certo número dc alqueires dc farinha todos os meses na mesma
17W). Niterói, 1990, p. 122-77. V casa-forte”; daí a mandaria “buscar o governador da conquista, pelos
tw Carta do govcrnador-gcral para os edis da vila dc Cairu, 27/6/1651. DH, 5:116.
u*
-índios com a escolta que era necessária por amor [por temor] aos bárba-
Feiras, as farinhas deveriam scr enviadas a Camamu, de onde seriam cm parte reme- - í tos”. No porto da Cachoeira havia outro armazém com um “almoxarife
lidas para a Cachoeira onde sc ajuntavam os índios aliados sob o comando do capitão- £
mor Gaspar Rodrigues Adorno. A carta ordena que sejam enviadas cento c cinqilenta -j,
de todas as farinhas que das freguesias do Recôncavo concorriam a se
sírios da dita farinha, o que nos permite imaginar o número dos índios. A pressa da
ordem justificava-sc pela certeza dc que estes índios eram “gente que não atura sem Cana, 12/12/1651. £>/?, 5:143-44.
comer”. Carta ao Pedro Gomes, 7/8/1651. DH, 5:122. Outra fonte dc financiamento ^' Carta_ do govcrnador-gcral
^rwinauut-gcrai para paru as três vijas, 14/2/1652. DH, 3:149-50.
da jornada foi a finta lançada cm 1650 pela câmara nas freguesias dc “Pcroasu".^- fe?J? Cana 5/12/1652. DH, 5:189-90.
m Carta 3:189-90.
(Paraguaçu), 4<)0$l)00 réis, c a dc Jaguaripe, 120$000 réis, c, cm 1651, pelo governi- 'r ----- 25/4/1654.
Cartas, -........... - DH, 5:204-8. As farinhas deveriam continuar, então, a scr enviadas
dor nas freguesias dc Sergipe, 200$000 réis, sendo responsáveis os capitães Filipe das três vilas (8.000 sírios deveriam scr recolhidos) c o capitão Antônio dc Couros
Barbosa, Antônio dc Magalhães c Baltasar dc Araújo, c de Pernanmerim, 50$000réis, i te ■ Carneiro providenciar para que fosse aberto um caminho por terra de Mapcndipe ao
sob a responsabilidade do capitão Miguel Teles. Os fintadores, cobrado o dinheiro ■rio Jaguaripe, “para que no caso que sc impedia a condução das farinhas dessas
'rio dc Jaguaripe,
dos moradores, deveria entregá-lo ao tesoureiro eleito pelo governador dc modo qu®7,-J vilas por mar sc facilite par terra”, í8/11/1654. DH, 5:242-3; DH, ■4:36-7. Este respon­
o cabo d:i jornada, Gaspar Rodrigues, pudesse pedir, por meio de um rol, o que foSSC^ dera que cra impossível fazê-lo por muitos inconvenientes, dc modo que sc ordenou
necessário. Isto dc acordo com o termo dc 12/7/1651. 5:167-9. que então reparasse o
-■------ ■ caminho antigo, 17/12/1654. DH, 5:249-50.
Carta do govcrnador-gcral para Pedro Gomes. 31/8/1651. DH, 5:126-7. -iíj; í"1»—• do „...^,„ JV1«ic-gcral aos edis da vila dc Cairu, 27/2/1673, DH, <¥:349.
governador-
Carta do govcrnador-gcral para Antônio dc Couros Carneiro, 16/10/1651./?//, 5:7-13^^» tí^ 21 Carta do governador-geral aos edis das três vilas, 4/4/1674. DH, S:3H7-H.
222 O TlíHÇO DOS l’A UI. IS I AS O TEKÇO DOS PA III.1S I AS 223
lhe entregar”. liste oficial deveria dar recibos para a satisfação dos capi­ querque, que passaria recibo. Já os negros c índios seriam sustentados
tães das mesmas freguesias das quantias que entregavam. E deste ar­ pelos povos das capitanias, à exceção dos do Rio Grande, onde quase
mazém se remetia a farinha ate a casa-forte, onde um outro recebedor nada sobrara das plantações ou dos gados.111
passaria um recibo para a conta do primeiro almoxarife. liste recebedor Na realidade, a situação era bem difícil. Manuel Á)vares de Morais
da casa-forte, por sua vez, ia remetendo farinha para as tropas no sertão, Navarro, (piando fora sargento-mor da bandeira dc Matias Cardoso, arra­
conforme solicitação. Eoi esse sistema, afirmava o governador-geral, que zoara longamente sobre as dificuldades do abastecimento das tropas es­
“facilitou a dificuldade dos mantimentos e pôde perpetuar-se a con­ tacionadas nos sertões do Rio Grande e Ceará: “principalmente por se­
quista dc todas as aldeias das várias nações que se desbarataram e vie­ rem estas paragens das Piranhas, Açu, Jaguaribe incapazes de planta, é
ram prisioneiras a essa praça, ficando totalmente livre”.1"' de necessidade lhe mandar mantimentos dc fora, e dc bem longe”. Se­
Em tempos de guerra, como havíamos dito, estes gastos geralmente gundo ele, do Ceará podia ir mantimento para o arraial dc Jaguaribe, dis­
recaíam sobre os moradores das regiões conflagradas e implicavam for- tante de 30 léguas, mas de nada adiantava, pois “esta capitania é tão mi­
nccintenco de alimentos para os soldados mobilizados, fossem eles das serável que de Pernambuco lhe vai todos os anos farinha para o presídio
tropas regulares, fossem das ordenanças. Não obstante, no caso das guer­ que nela tem”. Igual problema tinha o arraial do Açu, que era distante de
ras contra índios no interior, dada a carência de mantimentos no sertão Natal pouco menos de 30 léguas, mas como esta cidade nada podia for­
semi-árido, o envio regular de farinha era imprescindível para o prosse­ necer, dependia também dc Pernambuco. Para o arraial das Piranhas iam
guimento das atividades militares. Apesar de aqui e acolá ser possível farinhas do rio São Francisco, distante mais dc 80 léguas. Além disso,
às tropas, notadamente destes sertanejos mais acostumados, ir satisfa­ havia o custo do frete, uma vez que para a proteção de cada comboio
zendo suas necessidades com os achados nos matos, matando gados ou seriam necessários ao menos 150 homens de armas, para vencer tão dila-
se alimentando dc cobras e lagartos, a presença duradoura de grandes . radas distâncias, “por terras do inimigo”, carregando grandes quantida­
contingentes, por vezes resistindo a prolongados sítios, exigia forneci­ des de farinha.112 Como vimos, estes argumentos serviam, na ocasião, para
mento contínuo dc alimentos. Nestas condições, a tropa deveria rece­ dissuadir o Conselho Ultramarino da ideia de estabelecer as seis aldeias
ber uma ração mínima que consistia, segundo o regimento do almo­ no sertão, estratégia formulada, segundo seu opositores, de maneira in­
xarife c o escrivão que acompanhavam as tropas de Estêvão Baião Pa­ h consequente pelos moradores do Rio Grande, cm uma petição ao rci.,u
rente em 1672 para conquista do sertão, cm “um alqueire de farinha 0 fato é que, no contexto do sertão semi-árido, sem farinha não seria
cada mês, uma libra e meia de carne de vaca fresca, cada dia, e havendo < possível manter as tropas. Bernardo Vieira de Melo bem sabia que da
peixe ou outro algum mantimento fora dos nomeados se dará o que sc quantidade de farinhas dependia a manutenção do presídio do Açu, pois,
ordenar o dito governador” da expedição.1'" No caso da Guerra do Açu, : como ele lembrava ao governador-geral, também os bárbaros supunham
quando o governador Matias da Cunha resolvera organizar uma ação ' que a fortaleza resistiria enquanto “tiver com que se sustentar”, c que,
mais coordenada contra os bárbaros, no início de 1688, estipulara que a uma vez “acabada a farinha, ficarão eles outra vez senhores das suas ter-
Fazenda Real arcaria apenas com os custos dc armas, munições e fardas \ í! ;-<ras em que vivem mais confiados que na paz”.111
para os índiosS e
C piutua, »** limite
pretos, no
-» *
••••
»vw de 600$000 réis.
~-v............... - As câmaras de Olinda, ££
Paraíba, com o envio de infantes das suas guarnições, te y
* jg-
ítamaracá c Puríiiuu, Win ______ _
riam dc arcar com a farinha para o seu sustento. Como - -- - alguns morado- "&( fcf ------------------------
— 1—«MQIVl/IX.
______________
res de Olinda eram “também interessados nas terras e currais” do D:"• r5| ÉSfeíií-Ãy
r1~ RÍÓ *
Carta dc Matias da Cunha
4 rri«z>»
*rDiscurso
^.. _ j para
....... ........... o capitão-mor da Paraíba, 14/3/1688. l)H, 1O-.2.W).
Grande, a câmara desta cidade deveria contribuir com 300$000 réis e as --’1 dc ia
Morais _Navarro, no Arquivo do listado da Bahia, livro 4.” dc ordens rc-
Ã" 8*® » 1694-95, fl. 76-9. Apud: Afonso dc li. 'làonay. “A Guerra dos Bárbaros”. RAM,
duas outras, com 75$OOO réis. Da contribuição
IlUinyuM de Olinda,, 100$000 -— , réis, ..^4 F 22:143-51, 1936.
farinhas administradas por Albu-^| 1 Petição dos moradores da capitania do Rio Grande, inclusa na Consulta do Conselho
eram para Matias Cardoso e o resto cm Ultramarino, 28/2/1695. i)li, òV:12O-2. Segundo Bernardo Vieira Ravasco, cra dc co-
feí-Ú nhccimcnto geral que “cm nenhum desses sertões podem estas aldeias plantar pro-
----------------------
lí’ Curta do governador-geral para d. Pedro de Almeida, governador de Pernambuco, vhncntos porque tudo são campos improduzíveis dc mandioca c só excelentes para
3 iMí ^do". Carta de Bernardo Vieira Ravasco ao conde de Alvor, 5/8/1694. D/I. S4:\23~7.
fevereiro de 1675. DH. /i>: 107-8.
Regimento passado por Antônio l.opcs Ulhoa, 22/4/1672. Dll, 79:144-8. Carta (inclusa) ao govcrnador-gcral, 10/9/1696. />//, .?<S’:4l5-6.
iconografia 225

No livro dc Thcvet (1575), as guerras entre os índios no Brasil são representadas como em­
bates sem regras, caóticos. Para o olhar europeu, os indígenas, dcspntvidos de uma “arte da
guerra", não passavam de guerreiros violentos e impetuosos. “Combate dos Selvagens (entre
os maragajás e os tabajaras)", estampa no livro de André Thevet, Iji (Msmogfnphie Unrtmelle.
Paris, 1575.

iÇP8 eilrolx;us desenvolviam uma arte da guerra racionalizada, na qual até os movimentos ne-
:*çessários para a o|>cr.ição de um mosiptetc eram estudados c disciplinados. A estampa nos
^ ijnostra alguns dos movimentos previstos cm um livro de exercícios militares inglês dc 1642.
226 ICONOGRAEIA
iconogRA|.ia 227

Mestiços lutam ao lado dos


tupiniquins, usando arnias
de fogo ou mesmo arcos:
uma representação da ali­
ança com os povos indíge­
nas, da incor|x>ração de sua
tec-nologia militar. Detalhe
da estampa “Combate com
os Tupiniquins" de Théo-
tlore de Bry. Estampa feita
para a edição dc Viagfm ao Neste mapa do Brasil, as “nações” indígenas são grosseiramente localizadas. Note que os
lirasil de llans Staden “tapuias" ocupam todo o interior, das margens do Prata ao Amazonas. Mapa de João Teixeira
(1578) em l.e 'íbíâtre du Albernaz, o velho (1631).
Nouvrau Monde, 1592.

pas e exércitos. “Cena dc Combate Entre Holandeses c Portugueses”, óleo de Gillis Peetcrs Demonstração da Barra de Santos segundo João Teixeira Albemaz, o moço (c. 1650). Vemos,
(164(>)/Coleção Beatriz c Mário Pimenta Camargo, São Paulo.
ao alto, a vila dc São Paulo.
228 ICONOGRAFIA «<:onq<jrafia 229

Imagens como esta difundiam a idéia do


marcírio dos missionários na Kuropa. O sa­
crifício do padre Francisco Pinto, segundo
a estampa de Abraham van Diepenltecck
(1661 (/Biblioteca Nacional, Lisboa//b«>z7-
São Vicente retratada no livro de Viagem ao Reino do Rrasil, de 1624. Nicolas van («celkcrchen, Brasis: Cousas Notdvris e Espantosas (A Cons-
no Reys-Aoeri van Aet Rijcke Rrasilien (1624>/Koninklijkc Bibliothcek, Haia/Ncstor Goulart trufão do Rrasil, IS00-1S25). 1 .isboa, 2000, P- FJlAl.ClíCVJ PÍXTV.1 1X3V. /ktf-Xraw
•ur jylet Jjee-Jetei .» Jen tt X» ***»
Reis. Imagens de Vilas e Cidades no Rrasil Colonial. São Paulo, 2000, p. 75. p. 135.

A fortaleza dc Vera Cruz dc Itapema, diante da


vila de Santos, onde Manuel Alvares de Morais
Navarro havia servido por cinco anos como alfe­
res, passando a capitão de infantaria da ordenan­
ça antes de ser nomeado, em 8 de abril dc 1688,
sargento-mor do terço de Matias Cardoso de ■íi Abrantes da comarca do Norte", Bahia (c. 17‘>4)/AHU, Lisboa/Nestor Goulart Reis. Ima-
Almeida. Desenho no AHU, l.isboa. & ^as e ('idades no Brasil Colonial. São Paulo, 2000. p. 63.
230 1C O N O G R A F I A
iconografia 231

/•AJI

A capitania de Ilhéus no desenho de João Teixeira Albcrnaz, o velho (1602-1666). À direita,


|xxlcmos ver as três vilas dc Cairu, Camamu c de Boipcba, produtoras dc farinha dc mandio­
ca para o abastecimento do Recôncavo, da cidade e das tropas dc infantaria aí estacionadas
(c. I63l)/Ms. da Maporeca do Itamaraty, Rio dc Janeiro/lsa Adonias c Bruno Furrcr. Mapa:
Imagens da Tonnafáo Territorial llrasileira. Rio de Janeiro: Fundação Emílio Odebrecht, 1993, Depois dc derrotar os índios do Paraguaçu, os portugueses criaram a vila de Nossa Senhora
p. 196. da Vitória, também chamada dc “Cachoeira". Esta vila, situada nas margens do rio Paraguaçu,
- z * será importante entreposto comercial do Recôncavo baiano ao mesmo tempo que servirá, até
o século XX, como principal “porta" daqueles sertões. “Villa de Cachoeira” (c. 1792), ilustra­
ção do ms. dc Joaquim dc Amorim Castro. "Memória Sobre as Espécies de Tabaco...” New
York Public Library, Nova York.

“Rio Grande", desenho de J. Vingboons/IAHGP, Recife/Ncstor Goulart Reis. Imagens de


Vilas e Cidades no lirasil Colonial. São Paulo, 2000, p. 125.
ô

“Pcrspcctiva da Fortaleza da Barra do


2 Sií-TíÇjiTl
Rio Grande” (c. 1609). Ilustração do 5Í

códice "Relação das Praças Fortes do' ÍSI


Brasil" dc Diogo de Campos Morcno,Tj4||jp
■ -JRi
existente
VAIJIVHIV no Arquivo Nacional 1cnedd, ;’tj^^^
— |.y.
Tombo, Lisboa/Ncstor Goulart Reil.-^; Wa da Fortaleza dc Nossa Senhora dc Assunção do Ceará (c. I73O)/AHU, Lisboa,
Imagens de Vilas e Cidades no Brasil Colo­ riarir.- Cousas Notáveis e lispanrosas (A Construrão do Brasil 15M-tdd5). Lisboa, CNCDI’,
<210.
nial São Paulo, 2000, p. 125.
232 JCON ()(> R A l; I A

iconogkai-ia 233

mulato e„m w arlIlas: uma rapicira


'>ainhi* Quotcjjsh com * k’
^buS"
. ...... . arcai, 1K (fc «n» Ido ripou
* ’
’l>i,rj Portam, râ, regular pira as rm-
Pas) com fecho dc^meira. sistema dc
A “guerrilha", guerra de emlxiscadas ou a “guerra nos marras" cra a forma de combater utili­
>r»ea (aet,mpM|Ia(|„ Sar|uircl dc lu­
zada pelos índios e logo assimilada pelos colonizadores. Nesta estampa, do início do século
as) c uma adaga, dj 1Jia| podemos ser ape­
XIX. Rugendas retrata os indígenas resistindo a uma tropa de mulatos. M. Rugendas. Voyage
nas o pomo. Óleod^ifrert Eckhotit. 1MI-
l‘ittom</ue duns le Rmil. Paris, 1835.

Ao pé do cx-voto, podemos len “Um dos especiais favores «|Ue tem recebido 6554 ^^'«uC
de Igataçu de seus padroeiros S. Gosme c S. Daniião, foi o defenderem-na d# PeS,e,íandt>
1 . chamaram (osj males tpie infestaram a todo Pernambuco, e duraram mui® anos- c0,n<V jc
• '.‘I no de 168S, c ainda <pie passaram a Goiana c a outras freguesias aderetc, só a nc|as
■ 5$->
Uma fábrica dc farinha de mandioca. Detalhe da estampa “Pernambuco” do ljvn> de Viagtei Írí1? Iguaçu deixaram intaeta, por que saírem (que| 2 ou 3 pessoas us tm<i<.~- •<" Rt-',n”’
ao Reino do iirasil, dc >624. Nicolas van Geelkerchen, no Reys-fioeri van hrt
> Rijckc
, çgj,-,; 56
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a outra, .............. 1 é notória
tudo 4 pessoas
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para a mcmriràtcpfe csW n<>
igreja
(1624)/Koninklijke Bibliotheek, Ilaia/Nestor Goulart Reis. hna^ns de Vilas e Cidades no Brasil j|
■IHT utode 1729 e o deu dc esmola. Manuel Ferreira dc (itrvalho". Ex-na. pertenci'" *'
j.i;4 *1® Cosnte e Damião (1729)/Muscu de Igaraçu, Igaraçu.
('olonifil. Silo Paulo. 21MX). p. 75.

234 ICONOGRAFIA
iconografia 235

Esta tela é uma das poucas remanescentes das que foram pintadas por Post no Brasil. Vemos
os índios tarairiús desembarcando na proximidade do forte. “O Antigo Forte dos Três Reis
O pintor holandês Eckhout representou um guerreiro tatairiú com seus armamentos. Com Magos no Rio Grande", Frans Post (1638)/Muscu do Louvrc, Paris. Nelson Aguilar (org.).
uma mão, ele segura quatro dardos e um propulsor, e com outra, um tacape decorado com Mostra do Redescobrimento: o olhar distante. São Paulo: Associação Brasil 500 Anos Artes Visu­
incrustações de anéis (feitos de concha) e um enfeite plumário. O cobre-nuca que desce ais, 2000, p. 82.
pelas costas do índio é dc penas dc cma. Nhanduí ou janduí (que em tupi queria dizer "ema
pequena”) era o nome que se dava ao “rei” do tapuias, e a todos de seu grupo. Barléus nos
relata que esse enfeite cra empregado nas cerimónias realizadas por ocasião das semeaduras.
Na verdade, além dos janduís, os tarairiús — que protagonizaram as guerras dos Bárbaros na
sua segunda fase (Guerra do Açu, 1687-1704) — compreendiam também os canindcs e [taiaçus.
Óleo dc Albcrt Eckhout, 1641.

'làcapes tarairiús/Museu Nacional da Dinamarca (Copenhague)/Nelson Aguilar (org.). Mos- z,


tra do Redescobrimeitto: artes indígenas. São Paulo: Associação Brasil 500 Anos Artes Visuais, Em outra versão desta paisagem, Post dispõe os tarairiús conversando com holandeses.
2000, p. 162. Estampa baseada cm desenho dc Frans Post, na História,..(lc Gaspar Barléus (1647).
236 IKON OGRA EI A
igonograeia 237

O conde Maurício dc Nassau criou brasões para as quatro capitanias conquistadas. O emble­
ma do Rio Grande c uma ema, ave característica da região c associada a» nome do principal
dos rapuias tarairiús. O (àmscllio do Brasil l lolandês entendia o Janduí como uma espécie
dc rei soberano, como o qual estabeleceu diversos contatos c alianças militares. Estampa
baseada em desenho de Erans Post, na Histórw...dc Gaspar Barléus (1647).

gbi 7iegFaL«âSg!Í

V "3S

í
i do Rio Grande caçando emas, moqitcarido carne (pígina anterior) festejando uma vitória c caçindo o
A facilidade dc captura do gado, dada a sua forma mais ou menos lassa de pastoreio,
«ou o interesse nos povos autóctones, que viam nos animais soltos a possibilidade dc
izcr suas necessidades alimentares. Estampas baseadas cm desenho dc i'’rans Post, na
a- dc Gaspar Bariéus (16)7).

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238 ICONOGRAFIA
ICONOGRAFIA 239

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-«■*»- * >*-..
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O desenho desta mulher tarairiú sentada foi certamente um dos eslroços que serviram ao óleo
de Albcrt Eckhout (à direita). Nesta imagem alegóriea, contudo, a índia tapuia é representa­
da como canibal. Para alguns cronistas, os tarairitis, diferentemente dos |«>vos tupis, praticavam
apenas o endocanibalismo. Dc todo modo, para o olhar europeu, essa era a imagem da barbárie
"o tapuia gentio bravo c comedor de carne humana”./.Staatliche Musccn zu Berlin/Ana Ma­
ria de Moraes Belluzzo. O lirasil dos Viajantes. S. Paulo: Objetiva, 199'1, p. 99.

“ “—
~ “
Tropa dc soldados e índios sai cm marcha no Rio Grande (do Norte), seguida de sua hiffigon - ;
como eram chamadas as mulheres c crianças que a acompanham com mantimentos. Estampa àe
Frans Post, meados tio século XVIl/Vinheta (detalhe) do mapa 4 (capitania do Rio Gran-p
de) entre as páginas 24 c 25 na História... de Gaspar Barléus (1647). ’
240 ICONOGRAFIA

K A 1‘ F.CISM o
CATECISMO
INDICO
DALINGVAK.AR.1R1S,
DA DOUTRINA

ACRESCI NTADO DE VARIAS


Pmiicis dimintuesA mcucs, adapu-
CHRISTÃA
da> .VI gemo, & capacidade dos Na Língua Braíilica
índios doBraíil,
l 1.«>
l r. RERNdtlVDO
ra o m n
VE N4NTES,
DA NAÇAO KIRIRI
dfyoflolw-,
COMPOSTO
6
Pelo P. LUÍS VINCENCIO
A.í
(> I' F E R E C / D <>
Mtn Al.n»^ K MUV ÍXJ! R8V
M AM IA NI, PAULISTAS x MAZOMBOS
Da Companhia de JESU S, Mifliona-

DOM JOAÒ V tio da Província do BraíiL

S. N. (JUE DEOS GUARDE.


f
Manuel Álvares de Morais Navarro e seus homens,
L 1 S B O A,
S.Oilkiiu <k VAI.ENTIM DA COSTA LISBOA,
embarcados na Bahia no dia 1." de setembro de 1698, enfrentaram rigo­
1 ).-,l.nl.i.l<nprcif >rde Sai Meiíeftidc.
Na Offiúnaêc MIGUEI. DEÍLANDES, rosas tempestades cpie os impediram de navegar com conhecimento da
M. !•<;( tx hrprr.íur <ie Sua Migeíhdc.
1698
Csatteiu jílKrtjfjinetelJjujhfaivailc terra, pois não puderam parar cm Pernambuco c aí tomar um prático
que os conduzisse até a Paraíba, de onde marchariam por terra. Logo
manifestou-se um surto de bexigas que vitimou muitos, entre eles o
sargento-mor, Antônio Ribeiro Garcia, e o capitão Antônio Raposo Bar­
reto, dois sujeitos de “maior suposição”, além do alferes Domingo Pra­
do e do sargento Clemente Cardoso; e mais 25 soldados pelo menos.'
i-
Navarro mandou, então, dois homens seus com uma canoa para que
procurassem socorro cm terra. Como a canoa não voltou, deram-na por
perdida c decidiram seguir com o navio. Tendo a viagem durado mui­
to, passaram fome, pois tinham mantimentos para apenas vinte dias.
h
Apesar de enfrentar várias alterações na infantaria, desejosa de ter em
terra, Navarro conseguiu acalmar seus homens. Quando a situação fi­
cou insustentável, permitiu qaic um bote com trinta soldados tentasse
chegar a terra; acabaram naufragando c retornando, miraculosamente
salvos, à fragata. Dada a enorme confusão em que se achavam, conse­
guiram levar a nau até perto da costa e encalhá-la. Pouco depois, uma
-
.TTii!
jangada que passava lhes deu a notícia de que não estavam muito lon-
< • ■ y.
i?,| ge do Rio Grande. Apesar disso, Navarro preferiu voltar à fragata e ten-
entrar na barra, onde por fim o navio sc despedaçou ao tocar uma
pedra. Já cm terra c livres do perigo, muitos padeceram no entanto por

Primeira página do assento


das pazes com os janduís de
Carta dc João dc I xncastro para o governador dc Pernambuco, 10/12/1698. DH, .W:455-
10 dc março de 1692. Manus-
6; Cana dc João dc Lencastro para Morais Navarro, 21/1/1699. DH,3%'\ I; c Olavo
crito do AHU, I de Medeiros Filho. Aconteceu na capitania do Rio Grande. Natal, 1997, p. 122.
241
242 l‘z\ li I. I STA S A' MAZOMBOS
PAULISTAS X MAZQMHOS 243
estarem doentes de bexigas. O capitão-mor, Bernardo Vieira dc Melo,
dependência do capitão-mor do Rio Grande, Bernardo Vieira de Melo.5
e todos os moradores, nitidamente insatisfeitos com a chegada desta
Como o paulista escolhera o Açu para seu arraial, o capitão-mor sentia
tropa, se haviam metido nos inatos para não dar socorro aos doentes, sua jurisdição ser maculada e, juntamente com os sesmeiros e morado­
abandonando-os ã própria sorte. Navarro conta que ele mesmo teve de res, temia por seus interesses.6 Todo o esforço para a construção de um
erguer barracas para os doentes, 'lendo morrido mais de “sessenta e presídio no sertão estaria agora eclipsado pela presença dc um forte con­
tantos homens de seu terço” e, terminada a farinha, ele resolveu ir pes- tingente de forasteiros. Contudo, logo cm agosto de 1699, um episódio
soalmentc à Paraíba solicitar o socorro do capitão-mor, Manuel Soares
envolvendo os paulistas e os tapuias paiacus missionados por um padre
dc Albergaria. No caminho, longe dc 40 léguas, foi acometido dc uma do Oratório de Pernambuco iria desencadear uma batalha jurídica c ecle­
esquinência (amigdalite), “que lhe foi necessário ir se sangrando” (isto siástica que marcou a história do terço c a evolução dos acontecimentos
é, fazer sangrias). Fracassando em seu intento, acabou voltando sozi­ da Guerra do Açu.
nho, “dormindo algumas noites por partes desertas”. Quando chegou,
teve informação de que os tapuias, animados com a notícia das desgra­ O massacre no Jaguaribe, 1699
ças por que passava o terço dos paulistas, estavam todos levantados com
impulso de matar os moradores, os quais se haviam recolhido a uma No final de julho de 1699, o mestrc-dc-campo Manuel Álvares de
casa-forte. Mesmo assim, Navarro marchou com o seu terço para a cam­ Morais Navarro, acompanhado dos capitães 'lèodósio da Rocha e Pedro
panha “a esperar a fúria e arrojo do tapuia”, fretando uma sumaca para Carrilho de Andrade, partiu de seu arraial no Açu com 130 infantes e
conduzir os incapazes de marchar por terra e levar as munições neces­ cerca de 250 tapuias aliados da nação dos janduís, marchando cm dire­
sárias. Marcharam cerca de 60 léguas e, não encontrando os tapuias, ção à ribeira do Jaguaribe. No dia 30, chegou às proximidades da aldeia
chegaram à ribeira do Açu, onde fizeram um arraial.-’ dos paiacus do principal Matias Peca, chamada também da Madre de
A tarefa do terço dos paulistas não tinha nada dc específico, a não Deus e missionada desde 1697 pelo padre João da Costa, oratoriano da
ser policiar a capitania do Rio Grande c adjacentes, contendo os índios Congregação dc Pernambuco. Esta expedição partira em busca dos
bravos c matando todos os que fossem “irredimíveis”. Era assim resu­ caratiús (ou ariús), índios da nação dos tarairiús que habitavam mais
mida pelo governador-geral, cm carta ao mcstrc-de-campo: “Advirto além no Ceará.7 O padre João da Costa acabara de chegar de uma visita
vosmecê que se algum gentio estiver de paz c se rebelar, como costu­ à outra aldeia de paiacus, do principal Jenipapoaçu, sita 25 léguas aci­
mam, faça pelas vias que lhe parecer toda a diligência possível para se ma no Jaguaribe, onde havia, segundo uma sua informação, dado início
tornarem à antiga paz; e se de todo o não quiserem, ou se conhecer o a uma igreja pequena na qual celebrou a primeira missa na festa de
façam por alguma velhacaria, lhe fará vosmecê guerra como lhe ordeno ' Nossa Senhora, donde lhe ficou o título de Nossa Senhora da Escada.
no seu regimento”.’ Nesse sentido, o Conselho Ultramarino conside­ . O paulista e suas tropas foram recebidos pelo missionário c pelos paiacus,
rou novamente “justa” a guerra contra os bárbaros para que os paulistas . c
a quem solicitaram ajuda para a guerra justa que sc faria contra os cara­
pudessem cativá-los c assim “ficar animados”.1 Navarro tinha total in- - ■ tiús. Alguns dias depois, marcharam ao encontro dos índios dc Jenipa­
poaçu, que os esperavam para engrossar a tropa. Supondo o mesmo dos
- Informação para Sua Majestade do sargento-mor, capitães, ajudantes, alferes e mais ,'^j
■ tapuias, partiam cheios de segundas intenções.
oficiais do terço dc que é mestrc-dc-campo Manuel Alvares dc Morais Navarro, arrai- j Por volta das dez horas da manhã do dia 4 de agosto de 1699, o paulista
al do Açu, 3/7/1701. AHU, Rio Grande, caixa 1, 60. Certidão dc Manuel Alvares de esua gente chegaram ao acampamento desses paiacus, que, aparente­
Morais Navarro, Rio Grande, 20/11/1698. AHU, Rio Grande, caixa 3,43. mente, os receberam com grande festa e contentamento. Em frente
’ Carta do governador-geral ao mcstrc-de-campo, 11/12/1698. DH, J&459-6I.
J Com o cuidado dc que fossem cativados apenas os ditos bárbaros c que se fizessem. íU
arraiais dc Índios mansos, que funcionassem de anteparo aos ataques, porque “se' 5 Carta dc João dc Lencastro para Morais dc Navarro, 4/2/1699. O/l, 30:41-5.
pode melhor adiantar assim os progressos da guerra, com também a segurança dos -.> 4 Carta dc Lencastro ao capitão-mor do Rio Grande, 2/8/1699. DH, 39:67-9.
lugares cm que assistem”. Consulta do Conselho Ultramarino, 24/10/1698. AHU,.'.^“
7 Seguindo os passos dc Estevão Pinto, Carlos Studart Filho sc enganou cm considcrá-
cód. 252, íls. 228v-9; c carta regia ao governador-geral, 2/12/1698. AHU, cód. 246, fl.
los, juntamente com os caratiús, como cariris. Os nbarífftirs do Craní. Fortaleza, 1966,
82v. ííl
p. 71.
244 PAULISTAS X MAZOMBOS
PAULISTAS .V MAZOMBOS 245
aos infantes, alinhados para a mostra c tocando-lhes a caixa (o tambor), Tamanho massacre seria apenas mais um das guerras dos bárbaros
os tapuias dançavam. O mestre-de-campo, acompanhado de alguns de no qual o ardil comandou a estratégia adotada do recontro — dos inú­
seus tapuias, ficou ao lado do Jenipapoaçu observando os festejos. Um meros travados pelas tropas luso-brasileiras —, não fosse mais um epi­
clima de mútua desconfiança desagradava a ambos os lados e a ten­ sódio que prefigurava o conflito entre a “nobreza” pernambucana e o
são chegou ao seu maior ponto quando um grupo, liderado pelo irmão poder do governo-geral, no caso personificado no seu proposto, o mes­
do principal, se aproximou do mestre-de-campo. Repentinamente, e tre-de-campo do terço subordinado à Bahia. Informados pelo missioná­
sem pestanejar, Navarro mandou parar a caixa e atirou com uma carabi­ rio João da Costa dos horrores praticados pelos paulistas contra índios
na, matando o tapuia. Esta era a senha para que os soldados abrissem aliados e batizados, isto é, da injustiça da guerra nos termos da lei de
fogo contra os paiacus. Navarro, alguns dias mais tarde, contava cm uma 1611, o capitão-mor do Rio Grande, Bernardo Vieira de Melo, seus alia­
carta como havia preparado com cuidado a cilada: ao seu comando, a dos, moradores c fazendeiros, assim como o próprio bispo de Pernam­
infantaria havia dado carga, “reservando 25 armas, fazendo frente para buco, moverão montanhas para punir e afastar os forasteiros das terras
a parte onde tinha arrumado os nossos tapuias por me querer segurar, do sertão que, imaginavam, lhes pertenciam por direito. Embora esses
se não valessem da ocasião”. Em outras palavras, temeroso, com vere­ conflitos expressem, nas palavras de Maria Idalina da Cruz Pires, “uma
mos, da traição dos seus próprios aliados janduís, dispusera que a fileira luta pela posse da terra e da mão-dc-obra” (e esta era o opinião do Ba­
de infantes disparasse contra os paiacus, guardando o fogo os 25 solda­ rão de Studart), devem ser inteiramente compreendidos, em sua di­
dos em frente do grupo de aliados que o mestre-de-campo tinha perto mensão política, no contexto mais amplo da “Fronda dos Mazombos”,
de si para se garantir de um ataque inesperado. Mas, “como tivessem tal como estudada por Evaldo Cabral de Mello.9
mudado de intento, [estes janduís] avançaram com todo o valor e se­
guiram aos que deram costas, matando quase a todos [os paiacusl”, en­ Uma guerra injusta
tre eles Jenipapoaçu, que teve a cabeça quebrada. Os paiacus mata­
ram apenas dois homens do paulista c “feriram muitos com armas de Diante de tal sucesso, o padre João da Costa, em uma carta de 26 de
fogo e setas”, ao passo que foram mortos às centenas. Para ser mais agosto de 1699, conta que logo começou a reunir os índios sobreviven­
exato, segundo vários testemunhos, que discordam pouco entre si, mor­ tes, que reclamavam da traição praticada pelos paulistas, mostrando “um
reram cerca de 400 nesta emboscada c outros 300 foram aprisionados. maço de cartas de paz que o mesmo mestre-de-campo lhes deu e antes
Navarro parecia mais modesto: “Fizemos cômputo dos seus mortos, dele o capitão-mor do Ceará”. Persuadindo-os de que ele particular­
achamos passarem de 250, fora os muitos de que tivemos notícia em mente não tinha culpa nenhuma, conseguiu a promessa de que volta­
Jaguaribe foram morrer ao longe”. Segundo o testemunho de um feri­ riam para a aldeia se ele libertasse alguns dos cativos. Alugou, então,
do, estavam quase todos mortos, e “como tivessem a bagagem [mulhe­ três cavalos e, com dois acompanhantes, foi ao Açu em viagem de nove
res e crianças que acompanhavam as tropas indígenas] metida no car­ dias. Ao encontrar o mestre-de-campo, arrazoou pedindo-lhe que liber­
rasco [espécie de mata pequena c mais áspera que a caatinga], esta teve tasse alguns dos paiacus, más Navarro foi irredutível e seus oficiais che­
tempo de se pôr cm fuga durante a peleja, que quando acudimos a garam mesmo a ameaçar o missionário. Segundo o testemunho deste,
ela era tarde, e das que se apanharam coube a parte da infantaria 230 “não [achariam] dificuldades em tirar-me a vida os que tão inconscien­
e tantas cabeças, fora as com que se ficaram os tapuias [janduís]”. No temente a tiraram a tantos, mas eu tenho assentado de não desistir da
entanto, tão logo o padre João da Costa foi ter com ele no arraial do - empresa e de conseguir a liberdade dos inocentes, ainda que me custe
Açu, vinte dias mais tarde, disse que os poucos que escaparam haviam
contado os mortos “nomeando pessoa por pessoa serem passante de
quatrocentos mortos, fora os que esqueceram pelo número ser gran­ ’ O barão de Studart dizia sobre os acontecimentos posteriores ao massacre no Jaguaribe
de”.1’ cm 1699: “no fundo estavam o ciúme do mando e o interesse pecuniário em jogo”.
Veja a “introdução" dos “Documentos relativos ao mestre-dc-campo Morais Navarro".
RiHGC, 3l):35l), 1916. Veja ainda, Maria Idalina da Cruz. Pires. Guara tios Rárbaros:
" Carta do mestre-dc-campo ao governador-geral, 25/8/1699. AHU, Rio Grande, caixa'" resistência iiiilignia e conflitos no Nortleste cohmial. Recife, 1990, p. 102; c EvaldoCabral
1,47. 1 lá tinia cópia desta carta no IEB, códice 4 A 25. de Mello. >1 fltmtla rios mazombos. São Paulo, 1996.
246 PAULISTA S X M AZO M H O S
PAULISTAS .V MAZOMBOS 247
a vida”.1*1 Navarro, em uma carta ao rei de maio de 1700, contava uma conversa ele lhe “significou os intentos danados do mestrc-de-campo,
história diferente (e um tanto esdrúxula): João da Costa, homem que mas por termos tão escusos” que não pode percebê-los.
cuidava mais do “seu particular e da conveniência dc alguns parentes”,
fora até o Açu porque ambicionava conseguir alguns cativos para um “E como ele se não podia explicar para que lhe não levantassem
sobrinho seu. Diante da negativa do mestrc-dc-campo, tendo cm vista algum testemunho que o desacreditasse ou o obrigassem a fazer al­
que a presa era da infantaria c não sua, ele “se enfureceu” e deu, jun­ guma ação da qual depois lhe redundassem algum dano, deu em
tamente com seus aliados, “sinistras e falsas informações” ao bispo de outra traça (ardil] para ver sc podia atalhar as injustas mortes e cati­
Pernambuco." veiros que se intentavam, e me pediu fosse falar com o mestrc-de-
Com efeito, em razão desse seu fracasso, o missionário do Oratório campo c lhe pedisse sc concordasse com o capitão-mor do Ceará para
de Pernambuco resolveu apelar ao seus superiores e ao bispo, pedindo que este ajudasse ao mestre-de-campo no que pudesse c sc desse
providencias no âmbito da Junta das Missões. A versão do missionário nos tapuias que o merecessem e se conservassem os mais que esti­
acusava Morais Navarro de vilania, impiedade e, acima dc tudo, bruta­ vessem de paz. O que tudo entendi se dirigia a que o capitão-mor
lidade descompensada, capaz dc pôr em risco a missão evangelizadora impedisse as mortes dos meus tapuias. Obedeci, fiz a diligência, mas
das ordens religiosas no sertão, bem como a segurança dos moradores, mal sortiu o efeito em nada, porque o mestre-de-campo me respon­
que era, afinal, sua principal tarefa. João da Costa missionava já há al­ deu que dc nenhum modo se podia contar com o capitão-mor por ter
guns anos na aldeia da Madre dc Deus. Como dizíamos acima, quando esse dito queixas contra ele”.11
voltava de uma aldeia nova de paiacus, no dia 30 de julho de 1699, ■
encontrou o mcstrc-de-campo do terço dos paulistas e sua gente “com _• Conformado e ignorante das verdadeiras intenções do paulista, João
ânimo, ao que me disseram, de matar os tapuias dc minha aldeia e cati­ da Costa até providenciou gado para saciar a fome dc seu exército
varem-lhes os filhos”. Segundo seu testemunho, em uma conversa que ;?(como vimos no capítulo anterior). Ainda segundo este relato, o paulista
teve com o mestrc-dc-campo, este se mostrou “muito escrupuloso (para ' afoi com sua tropa a 11 léguas acima da aldeia velha e 15 léguas abaixo
me enganar melhor)” acerca da guerra que vinha fazer. João da Costa ãtfa nova, e, mandando chamar alguns tapuias desta (que ele, missio-
lhe explicou que a guerra que pretendia fazer aos da nação paiacu era . Kfnário, havia levado consigo “para aprenderem os caminhos”), pediu
injusta, “por cessarem neste gentio as razões que fazem a guerra líci- ”=* Stjue ajuntassem todos os paiacus dc ambas as aldeias, com seus filhos
ta”. Ao que ele lhe respondeu “que estivesse de todo sossegado”, por- ; ^mulheres:
que aos paiacus “não havia de fazer mal algum, por ser expresso contra ? {
o seu regimento e que aquela tropa ia dar guerra a outra nação a que ‘ÇM S. “Obedecendo os tapuias a este engano, vieram todos os que esta-
chamam caratiús, c chamando o principal da aldeia lhe fez uma prática ■ fflnvam ali mais perto, uns trabalhando nas fazendas, c outros em casas
assegurando-lhe muitas vezes que não vinha dar guerra aos da sua na-. rtíde seus compadres, trazendo os meninos e mulheres, e no outro dia
ção”. Quando o mestrc-dc-campo sc afastou, o capitão Tcodósio lapelas nove do dia chegáramos tapuias da aldeia de cima, cujo princi-
Rocha, “homem dc boa consciência e grande entendimento”, demo^m áspal era Jenipapoaçu, c juntos todos os deixam a receber os tapuias
rou-sc para prosear com o missionário.12 Segundo João da Costa, nestàí#;H
mestre-de-campo com uma dança; eles também vieram dançan-
__________________ ■
iptlo, uns com armas, outros sem elas”.
10 Carta do padre João da Costa, ribeira do Açu, 26/8/1699. AHU, Pernambuco, caixfâgS|
pÉQuando vieram beijar a mão do mestre-de-campo, esse deu um si-
m. - .■
" Carta dc Manuel Alvares dc Morais Navarro ao rei 6/5/1700. AHU, Rio Grande, caixyMI W^ disparando no que tinha diante dc si “um bacamarte e atrás dele
1,51. ' 5<jigpãraram todos os mais soldados que me mataram mais de 400 ta-
12 Este capitão, apesar dc integrar o terço dos paulistas, era natural de PcrnambucÒjgg||||
®i^s”; outros fugiram, muitos ficaram feridos c foram feitos 260 cati-
morador do Rio Grande, c havia governado o presídio dc Nossa Senhora dos
res, fundado por Bernardo Vieira dc Melo, na ribeira do Açu. Papel dc Bernargg||||||
Vieira dc Melo, c. abril dc 1697. AHU, Rio Grande, caixa 1,42; c carta do rei a Bcrnárí!o|j|j|| gàrta do padre João da Costa, ribeira do Açu, 26/8/1699. AHU, Pernambuco, caixa
Vieira de Melo, 15/1/1698. AHU, cod. 246, fl. 60v.
248 PAULISTAS .V MAZOMBOS l'AII|.I.STAS ,V MAZOMBOS 249
vos entre as mulheres e crianças. Segundo João da Gosta, a ideia de tal ribeira do Açu assinavam uma certidão, com dezesseis capítulos, que
investida dos paidistas — “este diabólico conselho” — fora dada por confirmava a justiça da guerra movida contra os paiacus.17 Aumentada
um missionário paulista, o padre João Leite de Aguiar. Este missioná­ em 31 assinaturas, uma outra certidão sustentava ainda a história do
rio do Hábito de São Pedro era velho conhecido de Navarro, pois fora paulista c atestava que estes paiacus não mereciam nenhuma confian­
capelão de Matias Cardoso. Depois da dissolução do terço cm 1695, ça, pois eram “os que se aliavam com os flamengos”.1"
assistiu cm aldeias no (.cara, onde foi acusado de abraçar algumas con­ A reação não demorou muito. No dia 23 de setembro do mesmo ano,
veniências mais temporais”, isto c, um curral de gado.14 Com brios se­ tendo ouvido as queixas de João da Costa, o bispo de Pernambuco, frei
paratistas, cm 1696, havia proposto ao Conselho Ultramarino a criação Francisco dc I.ima, expediu uma pastoral declaratória que excomunga­
de uma câmara no povoado pegado a fortaleza do («cará, justamente va o mcstrc-dc-campo e todos os que insistissem cm manter cativos os
para atalhar os abusos e o desgoverno cm que se achava a capitania, tapuias dc sua missão.1'' Os paiacus de Jaguaribc, segundo o missioná-
entregue às vontades dos capitães-mores.15 O plano de Navarro, se­ rio, receberam a notícia com grande júbilo, a ponto dc que, “quando
gundo o oratoriaoo, era primeiro matar os paiacus para depois conse­ ; ■ chegam à porta da igreja onde está pregada a carta de excomunhão que
guir a assinatura de todos os moradores de Jaguaribc em uma certidão ? mandou o reverendo bispo, a beijam como relíquia sagrada”. Além dis-
de guerra contra eles, para dar satislaçao a Sua Majestade . Contudo, ;. so, levavam as cartas de paz, passadas pelos capitães-mores, pendura-
não lhe parecia que “os moradores tenham assinado ao mestre-de-cam- ■ ■ das no pescoço como talismãs?" Já os paulistas e o governo da Bahia,
po a certidão”, porque lhe conheciam “o intento que é tomar-lhes as ? obviamente, receberam a notícia com grande apreensão. Os capitães
terras c esta só é a verdade que hão de levar as certidões”.16 No que em ; ; £ Bento Nunes dc Siqueira c Pedro Carrilho, que foram à Bahia como
parte se enganava, pois, no dia 24 de outubro, dezenove moradores da procuradores do mcstrc-dc-campo, fizeram registrar no arcebispado vá-
ÍV rios papéis em defesa dos paulistas, entre os quais recursos à pastoral
do bispo.-1 Para o propósito da Congregação do Oratório de Pernambuco,
------------------------
II Pc. João I .eitc dc Aguiar, clérigo do hábito de S. Pedro, natural da vila de São Paulo, . j 2?,?. Tomás Consolino, o mcstrc-de-campo poderia inventar diversas razões
foi nomeado cm 1689. pelo bispo do Rio de Janeiro, capelão-mor do terço de paulistas./-> ^j “para se desculpar desse horrendo crime, todas elas encaminhadas a
de Matias Cardoso cpic mandara levantar o arcebispo da Bahia, quando governador. inculpar os tapuias c seu missionário, mas bem consideradas são todas ou
Aguiar diz ter andado “pelo vastíssimo sertão do Brasil" mais de 900 léguas, por qua- iá
=-•■‘.^falsas ou frívolas e incapazes para corarem sua maldade neste caso, o
tro anos a sua “custa” “até que os paulistas se retiraram porque lhes faltou o necessário £
principalmentc pólvora c bala, marcharam os paulistas para outras várias conquistas, p ;qual a todos deu que sentir e chorar”.2’ Dc fato, ainda segundo João da
uns para o Maranhão, outros para os Palmares c eu para Pernambuco, dc ondeo
reverendo bispo d. Matias de Figueira c Melo, me mandou que voltasse paraacapi-, !|^;.Cenidão dos moradores precedida dc 16 capítulos, 24/10/1699. In: Barão dc Studart
tania do Rio Grande a redução de uns tapuias chamados jaguaribes”, provavelmente stt?’ (ed.). “Documentos relativos ao mcstrc-de-campo Morais Navarro” RIHGC 5/186-
paiacus. Conta que, depois dc dois anos, teve bom sucesso os reduzindo c aldeando ^^,90.1917.
a cinco léguas da fortaleza do Ceará. Diz ainda tpic esteve com os tapuias janduísno. |||g.j.Çertidã<> dos moradores da ribeirq do Açu, 23/4/1700. AHU, Rio Grande, caixa I, 50.
tempo do governador Caetano de Melo c Castro (1693-99), e que nada conseguiu; %ci;; k • •! mandamos com pena dc excomunhão maior ex de facto ao mcstrc-dc-campo
porque eram “rebeldes c absolutos" c responderam “que não queriam missão põt- EgKSi paulistas Manuel Alvares dc Morais Navarro c aos capitães, cabos ou pessoas cm
que os sacerdotes traziam consigo caruguaras, que no idioma brasílico que dijçf gWjBuj° P°dcr estiverem os índios ou índias e seus filhos pertencentes à missão do padre
doenças, ou mal contagioso. ..” (em tupi, ka'ruam — corrimento — quer dizer mal da ^"°sta, assim da aldeia velha como da aldeia nova do distrito do Jaguaribc os
ou enfermidade causada por feitiço; quebranto, mau-olhado”). Carta do l c. João ^g^tiais estavam aldeados sobre a proteção do dito missionário”. Pastoral de frei Fran-
dc Aguiar ao rei, 5/5/1696. AHU, Ceará, caixa 1, 46. Em 1694, João Leite dc Affii ^MgÇisco dc Lima, bispo dc Pernambuco, 23/9/1699. Jn: Barão de Studart (cd.). “Docu-
assistia ao tapuias jaguaribaras, aldeados sete léguas ao sul da fortaleza do Cearas ^^^entos relativos ao mcstrc-dc-campo Morais Navarro”. RIHGC, 3h 178-80, 1917.
padre Aguiar havia sido enviado por saber a língua geral, mas os tapuias não a sabl®n ÍMg^an:1 do Padre João da Costa, ribeira do Açu, 6/11/1699. AH U, Pernambuco, caixa 14.
“sendo melhor fazê-lo (ensiná-los) pela portuguesa”. Havia reclamação dc Fefl dc Bento Nunes dc Siqueira ao vigário do Ceará, 19/10/1699. In: Barão dc
Carrilho contra este padre que parecia ter desleixado de suas obrigações para .^ ® 3rt “D°eumcntos relativos ao mcstrc-dc-campo Morais Navarro". RIHGC,
çar algumas conveniências mais temporais", isto c, um curral dc gado. Consui&J B» Hf-,76'7' 191 z Essc d°sslê aeabou na coleção particular do barão dc Studart que o
Conselho Ultramarino, 22/8/1696. AI IU, cód. 265, fls. 110-1. |g ^©nsereveu c publicou nas páginas da RIHGC. 3 l:\M-223.
1% Consulta do Conselho Ultramarino, 4/9/1696. AHU, cód. 265, tis. 111-2. RS dc Tomás Co"solin“. prepósito da Congregação do Oratório dc Pernambuco,
Carta do padre João da Costa, ribeira do Açu, 26/8/1699. AHU, Pernambuco, ca«|j HggffPte129/6/1700. AHU, Pernambuco, caixa 14.

iB
250 l'A II I. I S I AS ,V MAZOMBOS PAIII.ISTAS -V maz<>MH<)S 251

Costa, a possível alegação que o mestre-dc-campo poderia fazer, de que qiicles sertões, estando, muito provavelmente, prcscnícs n:l fundação
os tapuias lhe preparavam uma armadilha, só poderia ser falsa “porque daquela aldeia dos oratoriano.s.- >,•
não haveriam de ter 11a aldeias mulheres c meninos”.'1 Para evitar a Na longa carta que escreveu ao governador-geral, vínt<" passa­
reação dos inimigos, uma verdadeira conspiração convenceu o bispo que dos do massacre, o mestre-de-campo explicava que tini’*1 c,)nhccimen-
o melhor era fazer uma devassa que informaria o rei c o Conselho Ul­ to das cavilações de Bernardo Vieira de Melo desde tpiF‘ partira do seu
tramarino de modo a garantir a consecução do intento que agora perse­ arraial. Segundo Navarro, os janduís que iam com ele h;<Vl;,ni si(,° ardi-
guiam: a dissolução do terço.'1 losamente mal informados por dois aliados de seu advvrs;lr’(’’ os capi­
Segundo Pedro Lelou, que havia sido capitão-mor do Ceará por dez tães Antônio da Rocha e Baltasar Gonçalves Ferreira, t|ue os “fizeram
meses (1694) e era agora sargento-mor de Pernambuco, o cabeça do acreditar que eu |o mcstre-de-campo| os levava debaixo cngano para
conluio era Bernardo Vieira de Melo, liste, assim que soube do mas­ os mandar matar” para poder ficar com a sua “bagagem'’- Conversando
sacre, teria espalhado por todas as partes avisos c cartas, acusando a com os capitães dos janduís, Navarro os convenceu de st,il ^‘ddade e os
“cruel tirania c traição que tinha feito o paulista". Havia, igualmente, desarmou de praticarem qualquer traição. Resolvida css;l ,ndisposição,
obrigado alguns moradores de sua facção c os oficiais da câmara “a con­ ao chegar no Jaguaribe, fingiu nada saber das intenções ‘*í,s Paiacus <lc
firmar sua malícia”. Por meio da intervenção de “um dos homens mais Jenipapoaçu e os enredou na armadilha do dia 4 de agoj1"-’7
notáveis da terra”, Francisco Bercngucr de Andrade, que era seu tio e 0 conflito deflagrado com o massacre dos paiacus no J:,Rl,aribe, en­
cunhado de João Fernandos Vieira, o capitão-mor representou junto “ao tre paulistas e oratorianos, apoiados pelos “filhos da terra’’’ cr,,zava com
senhor bispo de tal maneira que |elc| foi causa de tirar devassa do caso os sucessos relativos ao conflito interno do Oratório dv l>ernambuco,
ou mandar tirar, como fez por um clérigo, c excomungar o paulista”. A especie de pré-guerra dos mascates por néris interpos^<,s ’ pala­
versão de Lelou e do partido dos paulistas era de que o capitão-mor do vras de Evaldo Cabral de Mello.-”1 |)e fato, nessa ocasií0’ ° sargento-
Rio Grande, junto com alguns seus comparsas, sabendo que o mestre- mor procurava mostrar o esdrúxulo da posição de d. Frant:ISC0 l-inia,
dc-campo, pessoa da consideração do governo-geral, desejava substi­ que confiava na representação de Francisco Berengtierd^ Andrade, um
tuí-lo, “induziu o gentio bárbaro janduí para que se unisse com a nação dos mais exaltados artífices da guerra clerical que sacudis1 ^Imda e Re­
paiacu |c] se fossem oferecer ao paulista para irem com ele dar guerra cife naqueles exatos dias. Segundo Lelou, Bercngucr tdria sit,° <ll|crn
aos ariús”. Bernardo Vieira de Melo teria dito aos janduís que “apa­ fomentara “frei Benedito a fazer o excesso que fez junto com um
nhando os paulistas em campanha os degolassem, afirmando-lhes que
se não faziam assim [. . .] o paulista os havia de matar c cativar a todos c “ Papéis dc Bernardo Vieira de Melo apresentados em 1728. AHU. Crandc, caixa
senhorear suas terras”/5 Com efeito, os Vieiras de Melo tinham desde 1,66; veja também Maria do Céu Medeiros. Igreja e dominafão >n>escravista. O
caso dos oratorianos de Pernambuco. I659-1&W. João Pessoa. 1993, p. & c E A- Pereira
o princípio um bom relacionamento com os néris. Em 1671, o pai de
da Costa. Anais Pernambucanos, Recife, 7:58-60, 1952.
Bernardo Vieira havia recebido terras no Ararobá. Juntamcntc com seu D “Tanto que chegamos a Jaguaribe, (soubc logo o inimigo ser ° mc" l’°der.
irmão Antônio, Bernardo Vieira lutou contra os xucurus (tarairiús) na- animando-sc como saberem ter mc faltado o socorro que pedi ao (P™- ° man­
daram saber, pôs-sc à minha espera. E como estes bárbaros não f7ZL'"'xcn5°
a Carta do padre João da (àista, ribeira do Açu, 26/8/1699. AHU, Pernambuco, caixa 14. debaixo dc traição para melhor lhes facilitar, mandei dizer-lhes res ? buscat debaixo
11 Os oficiais da Fazenda que estavam no arraial do Açu para fazer o pagamento do terço . dc toda a amizade c juntamcntc pedir-lhes socorro para dar nas outfJS naÇõcs POr scr
confirmavam que a guerra em justa e que “todos os que querem contradizer essa limitado o meu poder. / Com este aviso se animaram muito, sego11110 depois [nos]
verdade" csravam, na verdade, “buscando todos os mcitxs para que o terço de deses­ contaram os prisioneiros, para melhor executarem seu mau intento,
* 6'0 loR° “ |u'n-
perado se recolha". Certidão de Manuel da Silva Teixeira, provedor da Fazenda Real, • cipal buscar-mc ofereccndo-mc toda a sua gente para mc acompanl'jr’ c 601110 0 cor’
Manuel Fernandos de Melo, almoxarife, e Manuel Gonçalves Branco, escrivão da . ■ reio me dissesse os achara sem a sua família, lhes disse a mandasscni,ecoll'cr- 'l116 dc
Fazenda Real, 22/10/1699. In: Barão de Studart (cd.). "Documentos relativos ao mes- .. ■ outra sorte era darmos motivo dc desconfiança, assim o prometeu, c c"nia ccrtws> de
tre-de-campo Morais Navarro”. RlHfíC, Jl: 185-6, 1917. que os tinha recolhido marchei dc madrugada.. . etc. etc.”. Carta d<'n,estrc‘lle'ca,,1‘
Evaldo Cabral de Mello. /I frunda dos mazombos. São Paulo, 1996, p. 116-7; carta de ía P°a<>Sovcrnador-gcral, 25/8/1699. AHU, Rio Grande, caixa 1.47.
Pedro Lelou a d. João de I .cncastro, 17/12/1699. AHU, Rio Cirande, caixa 1,47. Sobre ;. Os membros da Congregação do Oratório eram também chamados <Fnóris <CI" n,z3°
Francisco Bercngucr de Andrade, veja também E A. Pereira da Costa. Anais Pernmn- s ;' Oacu fundador. São I- ilipe Néri),ou dc lóios, rccolctos ou manigrepd5- l,'vald<>Cabral
bucanos, Recilc, «7:341-3, 1952. «e Mello. A fronda dos mazombos. São Paulo. 1996, p. 96-7.
252 1’Al'LISTAS X MAZOMBOS
paulistas .v Mazombos 253

do Davi de Albuquerque (Saraiva]”."' Nesse sentido, o sargento-mor do dos néris dc Santo Amaro, que haviam sido expulsos. Para executar
prevenia o bispo de que, com sua atitude, dava milho ao bode, ajudan­ a ordem dc sua rcadmissão, fora indicado justamente uni certo frei Be­
nedito dc São Bernardo, da ordem de São Bento. É aqui que nossas his­
do aos que faziam de tudo para desmoralizá-lo.
A Congregação do Oratório, originada da iniciativa de padre João tórias se cruzam. Este beneditino acabou se deparando, na sua missão,
Duarte do Sacramento em 1662, era no final do século a comunidade Com a simpatia que o bispo dc Pernambuco, frei Francisco de Lima,
eclesiástica mais numerosa da Pernambuco. Seu objetivo principal sem­ tinha pelos néris da Madre dc Deus. À sua revelia, no dia 30 de setem­
pre fora a atividade missionaria, c João da Costa fazia parte de uma lon­ bro dc 1699, frei Benedito foi à Madre dc Deus cobrar a rcadmissão
ga tradição de dedicados catequistas enviados ao sertão para converter dos expulsos c foi recebido de forma hostil. Após algumas situações,
o gentio, que se temia inseminado pela heresia dos holandeses. Junta­ frei Benedito excomungou os néris e, cm resposta, o bispo acabou ex­
mente com a Congregação de Portugal, a casa pernambucana foi reco­ comungando o beneditino. Segundo (Jabral dc Mello, “as excomunhões
nhecida pela Santa Sé em 1671, quando lhe foram outorgadas as regras trocadas entre o bispo e o frade paralisaram a vida religiosa da capita-
de Valicclla, a principal casa dos néris italianos. Os oratorianos manti­ I nia, agredindo um cotidiano dominado pelo sagrado, às vésperas do pe-
nham um hospício em Santo Amaro que servia, sobretudo, ao repouso i; ríodo de festas religiosas dc fim dc ano”. Dessa forma, o conflito dege­
dos missionários. Desde 1672, quando o padre Sacramento resolveu nerou pela gente da capitania e pelos religiosos dc outras ordens, que
adotar as novas regras de Lisboa, conseguidas pela intervenção do pa­ ora tomavam o partido do bispo, ora do beneditino. Entre os mais exal-
dre Bartolomeu de Quental, seu mentor, as disputas sobre o entendi­ - • tados no lado deste último estavam os capuchinhos e os terésios, que,
mento da sua adoção dividiam os congregados. Como mostrou Evaldo juntamente com o advogado dos dissidentes, Davi de Albuquerque Sa-
Cabral de Mello, de quem nos servimos para tratar desse assunto, quan­ jV raiva, espalhavam o motim em discursos e comícios na cidade.’"
do padre Sacramento c outros religiosos resolveram transferir-se para o . Como mostrava Lclou, por trás do rábula c dc frei Benedito, e talvez
Recife, a discórdia ganhou dimensão secular. Resumindo o argumento, í.’ de toda a exaltação mazomba, estava o tio de Bernardo Vieira, Francis-
a instalação no Recife visava intensificar a pastoral cm área de grande i co Berengucr, descrito como um “mau homem c diabólico cm fazer
densidade demográfica, assegurando “o crescimento do Oratório em manifestos falsos, sem temor dc Deus, homem que traz 62 demandas
Pernambuco mediante sua inserção no meio urbano”. Não obstante, o '• • empatando a todas sem pagar nem restituir d’alhcio, um verdadeiro
núcleo primitivo, ligado ao recolhimento de Santo Amaro e mais inte­ perturbador da república, semeando nela mil cizânias”.” Exatos sete
ressado na missionação, opunha resistência a esta estratégia identificada . ; dias antes do início destes tumultos, o bispo não havia excomungado o
com os mascates recifcnscs. Não era à toa que o novo convento da Ma-; " mestrc-dc-campo do terço dos paulistas, a pedidos do partido que, ago-
dre de Deus fora construído em terreno doado por Antônio Fernandos; fij\ra, buscava desmoralizá-lo? Via-se então uma aliança circunstancial, na
dc Matos. Com a morte do padre Sacramento (1686), que seria em bre< g; qual tanto os “filhos da terra” como os “filhos do reino” uniam forças
vc empossado como novo bispo dc Pernambuco, o padre Luís Ribeirol t‘
ascendeu à prepositura. A partir daí, uma série de conflitos relativos às •f Evaldo Cabral de Mello. A fronda dos mazombos. São Paulo, 1996, p. 96-117. Segundo
regras c à política interna da congregação degenerou cm uma situação V, J-Z ■Pedro Lclou, Davi dc Albuquerque Saraiva era “natural da Covilhã, descendente
dc confronto aberto entre dois partidos, que se alinhavam de acordo ' ;V'‘ 1 daqueles que seguiam os cxacrandos ritos da lei velha, que fora mercê dc Deus tirar
com a disputa que dividia os “filhos da terra” c os “filhos do reino" a semelhantes da praça para o sossego dc seus povos”. Sobre esses conflitos, veja a cole­
Sem querer entediar o leitor com um resumo do que pode aprender-'?
fie tânea impressa para uso da Mcsa dc Consciência c Ordens: “Sumário das controvérsias
movidas cm a Congregação do Oratório dc Pernambuco, às quais se impõem última
com minúcia no exato texto do historiador da “Fronda dos Mazombos”^ decisão, assim pelos decretos da Sagrada Congregação de Propaganda Pide como pelo
o que nos interessa é entender que o conflito acabara por separar incluso Moto próprio do SS. Papa Clemente XI, com total extinção dc todas c perpé­
oratorianos das missões e os da Madre de Deus. Simplificando, depoB^í tuo silêncio, 1702”. BNP, ms. portugueses, cód. 28, fls. 361-8. Para a história dos
dc várias brigas e dcfecções, a querela foi bater no papa c depois oratorianos dc Pernambuco, veja também o livro de Maria do Céu Medeiros. Igreja e
dominação no iirasil escravista. () raso dos oratorianos de Pernambuco, 1659-1830. João
Relação eclesiástica dc Lisboa, que julgou favoravelmente pelo Pessoa, 1993; c Ebion de Lima. /I congregação do Oratório no Hrasil. Pctrópolis, 1980.
V?T.r
_ - - -c, Carta dc Pedro Lclou a d. João dc Lcncastro, 17/12/1699. AHU, Rio Grande, caixa
Carta dc Pedro Lclou a d. João dc Lcncastro, 17/12/1699. AI 117, Rio Grande, caixa 1,47.
rís-c
254 P1 > I. I S TA S .V M AZOM BOS paulistas .v mazombos 255
para escangalhar os paulistas. João da Costa — que, apesar dc missio­ listas, pernambucanos, baianos ou “filhos do reino”. Como queria
nário interessado nos negócios do sertão, não parecia nada simpático Capistrano dc Abreu, vivia-se um momento dc construção dc identida­
aos dissidentes dc Santo Amaro — contava com grande prestígio no des locais, inspiradoras do nativismo que alimentou diversas revoltas
estaMishment eclesiástico pernambucano, a ponto de, cm meio a tama­ no século que se iniciava. Não c muito improvável imaginar que, de
nhos dissensos, conseguir espaço para que sua queixa fosse apreciada volta a casa, onde as mulheres blasonavam a covardia de seus maridos
pela Junta das Missões, em reunião aliás boicotada pelos religiosos con­ diante dos estrangeiros, os rancores destes sertanejos “sãopaulistas”,
trários ao bispo, que, atinai, o tinham por excomungado.’2 cheios dc experiências conflituosas com os pernambucanos, tenham
Podemos aqui aventar outras possíveis conexões qtte revelam o ca­ insuflado o nativismo de seus compatriotas que, como alguns deles,
ráter político dos conflitos deflagrados com o massacre do Jaguaribe. haviam se metido no novo negócio da colónia. Valorizando as reais co­
Para Odilon Nogueira de Matos, a demanda enviada ao rei pela câmara nexões entre as diversas regiões da America portuguesa no final do sé­
de São Paulo, em 7 de abril de 1700, era o prenúncio da grande rivali­ culo, podemos imaginar que se assistia no Rio Grande, não apenas a
dade que oporia paulistas e emboabas na região mineira e que desem­ mais um capítulo da “Fronda dos Mazombos”, tão minuciosamente es­
bocaria nos embates de 1708-1709. Nesta carta, os paulistas pediam tudada por Evaldo Cabral de Mello, mas também ao primeiro episódio
exclusividade na doação das datas dc terras nas minas, pois haviam sido da chamada “guerra dos emboabas” — cm que, inversamente, os es­
“os descobridores c conquistadores das ditas minas, à custa das suas trangeiros seriam os paulistas e os peticionários, os pernambucanos.
vidas e gasto da sua Fazenda, sem dispêndio da Fazenda Real”/' Qua­
se simultaneamente (mas invertendo os papéis), no Rio Grande, os A devassa de João de Matos Serra
emboabas eram os paulistas. Como se sabe, havia diversas linhas de
clivagem, naqueles tempos, entre grupos dc colonos, fossem eles pau- Voltemos ao imbróglio no Rio Grande. João da Costa e seus prová­
veis aliados mazombos haviam conseguido comprometer o bispo na alta
Segundo Evaldo Cabral dc Mello, “os guardiães dos conventos franciscanos do Reci­ indagação do caso, de modo que o prelado resolveu fazer uma devassa
fe e Olinda mostravam-se os mais exaltados de todos, negando-se mesmo, com o para circunstanciar as suas decisões c as da Junta das Missões. O vigário
prior de Santa Teresa, a comparecer a uma reunião da Junta das Missões, marcada do Ceará, João de Matos Serra, acompanhado de um escrivão, partiu
para discutir a liberdade dos índios do Jaguaribe (Ceará), com a explicação dc esta­ com a missão dc anotar os testemunhos que confirmassem a versão de
rem canonicamente proibidos dc falar com o bispo c cot» os oratorianos”. Passados
João da Costa. Foram inquiridos, segundo os autos, vários moradores
dez anos, feito prepósito da Congregação, João da Costa seria tido por um dos mentores
do levante dos mascates cin 18junhodc 1711, que culminara noatentadoa Bernardo da ribeira do Jaguaribe, do Açu c da cidade do Natal, entre os dias 30
Vieira dc Melo c sua prisão. O oratoriano se fazia, então, inimigo figadal do partido ■ dc outubro c 30 de novembro de 1699. Com efeito, todos os testemu­
dos mazombos. Com efeito, nas palavras dc Evaldo Cabral de Mello, “o papel de­ nhos colhidos confirmavam, na letra, a versão do missionário. Repetin­
sempenhado pelos oratorianos ultrapassou dc muito o dc meros coadjuvantes do . do-se de forma maçante, com pequenas variações nos parágrafos, os autos
movimento rccifcnse, tornando-se seu verdadeiro cérebro”. A câmara dc Olinda ti­
f - da devassa revelam uma operação calculada para fornecer elementos
nha como certo o conluio entre João da Costa, “o congrcgado-mor dos levantados”,e
o capitão-mor da Paraíba, João da Maia da Gama, que reunia mais dc três mil homens, que incriminassem o mestre-de-campo c convencessem o Conselho Ul-
incluídos muitos tapuias, para o socorro dos mascates. Evaldo Cabral de Mello. A ' ‘ tramarino do desregramento das atividades dc seu tcrço.M Encaminha-
ftwulti dos mazombos. São Paulo, 1996, p. 115, 343 c 367. Veja a carta da câmara de, /
Olinda ao capitão-mor da Paraíba, cm que o acusam da cavilação revelada pela prisão ,
M
de um negro, correio das cartas para os capitães-mores das freguesias c para João da ., Veja, por exemplo, parte do depoimento que Cristóvão Soares de Carvalho, capitão
Costa, 26/6/1711. In: José Bernardo VemandesCrsma. Memórias históricas daptwvhàl y dc uma companhia dc ordenança da ribeira do Jaguaribe, solteiro, 45 anos, contou na
igreja da madre dc Deus da missão dc Jaguaribe: “Aos trinta dias do mês de julho
de Pernambuco. Recife, 1847, tomo IV, p. 77-85.
" Odilon Nogueira dc Mattos. “A guerra dos emboabas”. In: Sérgio Buarque dc Holandi < í-í?--.- entrou nessa ribeira o mestre-dc-campo do terço dos paulistas, Manuel Alves de Morais
(org.). História geral da civilização brasileira. São Paulo, vol. 1, p. 297, 1968. A melhçf Navarro, com grande parte da gente do seu terço e muitos tapuias do Açu da nação
2--f
crónica dos acontecimentos c a dc Charles Ralph Boxer, cm seu livro The GoidenA&lj janduí, chegou a esta aldeia da Madre dc Deus donde foi recebido assim pelo padre
fírazil. Growiug Pians of a Colonial Sociely, 1695-1150 (1962). Lisboa, 1995 (capítub \ ? missionário como pelos tapuias com muita cortesia c urbanidade tratando-se os tapuias
k? ’
III. "Paulistas and Emboabas”), p. 61-83. Veja também o clássico estudo dcJ.SouçTO t s» que acompanhavam o dito mestre-dc-campo com amor c amizade, [. . 4 c já indo o
dc Mello. Ihmboabas, chrmtiea de uma revolução nativista. São Paulo, 1929. - ^3 mcstrc-dc-campo por essa ribeira acima publicando ia a fazer guerra no gentio cha-
&
256 PAULISTAS .V MAZOMBOS PAULISTAS .V MAZOMBOS 257
da esta papelada no final dc junho de 1700 para Lisboa, o bispo pedia vez que os testemunhos registrados, sem exceção, limitaram-sc a repe­
que os conselheiros julgassem o acerto de suas atitudes cm face dc “uma tir a versão do missionário. Dc acordo com Navarro, a devassa fora feita
ação tão ímpia e tão contrária às leis”.'5 Como o leitor pode concordar, a sob constante ameaça dc reprimendas c por testemunhos dc “homens
acusação dc parcialidade dessa devassa não é dc toda extravagante, uma ineptos c miseráveis”, tendo sido concluída em Natal nos próprios apo­
sentos do capitão-mor. Além disso, na opinião do mestre-de-campo, o
escrivão que acompanhou o vigário do Ceará, um certo Baltasar Antunes,
mado caratiús, chegando defronte do presidio <|tic está nesta ribeira por sua maior defesa, era “homem maligno c revoltoso que está satisfazendo o degredo que
daí inundou chamar a um capitão por nome gianpapusú |.vrj, que era um dos que tinham
primeiro dado a nova Aldeia dessa mesma nação dos paiacus, escrcvcndo-lbc amistosa­
se lhe deu para o Ceará, por um crime que cometeu, homem que di­
mente c tendo-lhe muita amizade com consta de uma carta qnc lhe escreveu c ele teste­ zem está julgado neste reino por banido, de furto dc uma moça, que há
munha viu dizendo-lhe que fora com toda a sua gente para os ajudar a dar guerra aos anos sc furtou cm Guimarães”.’6
caratiús, e obedecendo prontamcr.tc o dito tapuia capitão com os seus mais aliados, c Pedro Lelou, cm sua defesa das ações do terço dos paulistas, per­
chegando a presença do dito mcstrc-de-campo com seus soldados melhores e filhos c guntava se era crime passível dc excomunhão matar o inimigo infiel,
tudo, lhes os deixou o dito mcstrc-dc-campo levar-se por quem os queria ver e dar algu­
mas dádivas indo os ditos tapuias humildemente prostrantlo-sc aos seus pés rendendo»
. . junto aos quais estavam “alguns batizados, cpie sc foram meter com
lhe |vassalagcm|, - | o dito mcstrc-dc-campo, sem alguma piedade, matou ao dito capi- eles com o mesmo desígnio de degolar o paulista”; pois se assim fosse,
rão com uma carabina quando sc lhe pôs |aos... ] seus pes, sendo essa a senha para os seus então deveriam estar excomungados “todos os príncipes c cabos da
soldados degolassem os mais tapuias paiacus, como antes lhes tinham dado por ordem : Europa”, “onde atualmente sc degolam uns aos outros, sendo batiza­
segundo sc publicou c mostrou o sucesso cm cujo conflito sc diz mataram mais dc qua- dos”. Além disso, o argumento de que as terras eram originalmente dos
tnx-entos c cativaram outros tantos entre pequenos c grandes, velhos c mulheres, entran­
do nestes muitos batizados c os mais catecúmcnos, tirania esta ipic escandalizou ao todos
índios e que os paulistas queriam tomá-las não se sustentava na lógica
os cristãos e deixou essa ribeira cm notável perigo, pois retinindo-se logo
lis retirando-se para o
logo para Açu,
o Açu, r da política do Estado moderno. Como poderiam dizer, na Junta das
[poderiam) os tapuias com facilidade c estimulados desta traição matar a todos os mora­ ; Missões, que “a terra é sua [dos índios] c não podemos tomá-la, como
dores desta rilrcira... etc.". Além dessa testemunha, foram ouvidas, no dia .10 dc outubro ’ < tomou cl-rci de Castela a Portugal, que possuiu tantos anos? E o reino
dc 1699 na igreja da madre dc Deus da missão de Jaguaribc: Domingos Pereira Ramos, de Nápoles, Sicília, Milão, em Espanha, Valcnça, Aragão e Navarra c
solteiro, 47 anos; Pedro dc Sousa, capitão de uma companhia dc cavalos dc ordenança da
rilreira do Jaguaribc, solteiro, 50 anos; Antônio Velho dc Brito, solteiro, 25 anos; Miguel
í- outras mais dominações que tinham legítimos herdeiros? E sua santi-
Pereira dc Abreu, solteiro, M) anos; José Coelho, solteiro, 35 unos; Belchior Pinto, capitão • dade, o Ducado dc Urbino, sendo príncipes católicos?”. E Lelou pros-
do presídio da ribeira do Jaguaribc, 48 anos; Matias Cardoso, casado. 40 anos; Manticl' £■ s ' seguia seu arrazoado:
Rabelo, solteiro, 25 anos; Manuel da Costa Romeiro, casado; Antônio de Faria, solteiro,
25 anos; (Jabriel Barlxisa Mendes, casado, 48 anos; João dc Sousa dc Vasconcelos, tenen-' “Pareccu-mc que mais aceito será a Deus extinguir esta vil cana­
te dc uma companhia dc cavalos dc ordenança da ribeira do Jaguaribc, solteiro c 66 anos; ,
Filipe dc Sousa, solteiro, 36 anos; Manuel Fcrrcira da Fonseca, solteiro, 26 anos. Teste- ,
lha e povoar as terras com criaturas que o louvam e levantam tem­
munhas ouvidas no dia 30 dc novembro de 1699 na ribeira do Açu: Francisco de Brito plos para neles sacrificar os sacrifícios c holocaustos que lhe deve­
• '■
Corrcia, casado, 50 anos; José Pereira, casado, 26 anos; Gabriel do Vale, solteiro, 22 anos; mos. E vejam como Cristóvão Colon [Colombo] c o da fama, Fernão
Jcrônimo Freire dc Carvalho, solteiro, 25 anos; Pedro dc Albuquerque, casado, 27 anos, Cortês, obraram no descobrimento desta América, e o formoso im­
Testemunhas ouvidas no dia 27 dc outubro dc 1699 na cidade do Natal: Gaspar Freire de\ 9'A.
pério novo que tem el-rei de Castela adquirido com as armas sem
Carvalho, capitão dc uma companhia dc ordenança do Rio Grande, casado c morador th L
embargo haverem tido suas controvérsias sobre a matança do gentio
cidade, 50 anos; Bento Teixeira Ribeiro, sargento-mor das ordenanças da capitania do Rio "
Grande, casado, 40 anos; Domingos Carvalho, casado, 40 anos; Manuel Trigueiro Soares, aj
■#' no ano de 1492, reinando el-rei d. Fernando, e hoje está com cida­
alferes, casado, 35 anos; Bento Pimcntcl, casado, 30 anos; Antônio da Costa, alferes di 7^ des imperiais com o México c cm seu com tanta grandeza c magni­
companhia da ordenança do Rio Grande, casado, 40 anos; Diogo (Pereira) Malhciros, ^. w ■f

ficência c poder que pode competir com as mais formosas da Espanha


capitão dc uma companhia da ordenança do Rio Grande, solteiro, 40 anos; Manuel GihjjtM
mes dc Araújo, solteiro, 45 anos; João Dias dc |Mclo], casado; Tcodósio (Graxismío|,i‘$r Jri e de França. . .”w
capitão dc uma companhia da ordenança do Rio Grande, casado. “Autos da devassa quç ~ , • Mí
mandou fazer o contra Manuel Alvares dc Morais Navarro, outubro/novembro dc 1700;í;.-.;£í;
AHU, Pernambuco, caixa 14. r; 'Carta dc Manuel Âlvarcsde Morais Navarro ao rei 6/5/1700. AI IIJ, Rio Grande, caixa 1,51.
" Carta do bispo dc Pernambuco ao rei, 29/6/1700. AHU. Pernambuco, caixa 14. ía’ Carta dc Pedro Lelou a d. João dc Ixmcastro, 17/12/1699. AHU, Rio Grande, caixa 1,47.
PAULISTAS .V MAZOMBOS 259
258 VAU LIS TAS .V MAZOMBOS
Não obstante, o mcstre-dc-campo e os paulistas eram acusados, nos sua loja com uma corrente no pescoço e grilhões nos pés”. Como sabe­
28 depoimentos transcritos nos autos, dc procurar tomar as terras não mos, este Baltasar Gonçalves era dos que haviam, segundo Navarro,
aos índios, mas aos moradores, forjando para tanto uma guerra justa que açulado os janduís à traição. Consta, ainda, que passando pelo sítio cha­
lhes permitiria proclamá-las conquistadas e, portanto, suas, uma vez que, mado Piancó, onde uma Maria da Costa tinha um curral de gado, o mes-
como já foi dito, o regimento do terço garantia aos paulistas a posse de tre-de-campo o mandara queimar e prendera o vaqueiro, tomando-lhe
todas as terras que conquistassem.”* Um dos moradores da ribeira do tudo o que tinha. Dizia, segundo a denúncia, “que quem naquele sítio
Jaguaribe, por exemplo, testemunhou que largamcnte se dizia que desta quisesse ter gado ou currais lhos havia dc aforar, ou alugar, porque aque­
vez o mestre-dc-campo viera fazer guerra ao gentio, “porem não na ou­ las terras eram suas, e eu (rei) lhas tinha dado. E com a mesma petulân­
tra [i.c, na próxima]", pois “logo havia dc vir fazer guerra aos morado­ cia impedira ao mesmo capitão dc cavalos daquela campanha, Antônio
res, queimando-lhe as casas e os currais pois os não queriam despojar- Alvares Corrcia, que não fosse povoar outras terras suas onde já havia
se sendo dele as terras por lhas haver dado Sua Majestade”. Navarro, tido o seu gado * ’.41
segundo este depoimento, chegara mesmo a colocar um edital na porta • I,
Estas brigas eram comuns na Colónia, notadamente neste momento
da igreja da Madre de Deus, no qual ordenava que “nenhuma pessoa de rápida expansão territorial e lenta consolidação dos poderes locais.
povoasse terras nesta ribeira por serem suas'” “pondo ‘ para ’isto graves!- Em julho de 1689, a câmara de Natal havia encaminhado ao rei um
penas assim de gados perdidos como de outros ’ -
castigos corporais • ’ 39 ; memorial que denunciava a violência imperante no sertão do Rio Grande
Em outra ocasião, os moradores do Rio Grande se queixavam que ele . ' - por conta das disputas por terras. Segundo o documento, a dcsigualda-
com seu terço “se alojavam junto às suas terras c usavam delas, dizen- \ , de na distribuição das sesmarias e a confusão dos limites entre elas eram
do que lhe pertenciam na forma do seu contrato”.4" De acordo com a ;<■ \ ãcausa da maior parte dos conflitos. Nesta capitania, dizia o documen-
opinião dc João de Lencastro, cm carta escrita ao rei cm janeiro dc 1700, • ; V to, havia “sujeito que possui 20 e 30 léguas sem ter cabedal para as
o motivo da conspiração que sc fez para destruir o terço não era outro' íípovoar, [ao passo que} alguns moradores desta capitania estão sem ter
do que o dc “Vossa Majestade haver concedido aos paulistas as terrasM nenhuma, c demais disso [havia] uma grande confusão nas demarca-
que eles conquistassem aos bárbaros daquela capitania”.*41 Sgíções e domínios, dc que resultam dúvidas nestes sertões, donde por
Nesse particular, vários eram os abusos e vexações praticados íW&tar distante o governo e justiça se averiguam as pelouradas [tiroteios];
Manuel Navarro, conforme denúncias substanciadas em uma carta ré£;fe por esta causa procedido muitas mortes”. Nesse sentido, os edis
gia de dezembro dc 1700. Como no caso do edital que o Bernardo Vieira^Wappediam que o rei enviasse o ouvidor-geral para que tomasse “conheci-
J . .
t____ Ininguémjf^^^jento
jurisdição, ,para que
dc Melo pôs nos sítios do Açu, por ser sua j. ’ _ '
_____ _
desta matéria, vendo as terras que há c as repartindo rcspectiva-
_________ I___________________ I . • • _ • i r, » > ..... .1
levasse gado sem o registrar, “por haver queixa dos moradores, êínente pelas pessoas desta capitania que tem servido a Sua Majestade
descaminhos e furtos que nisto havia”. Segundo denúncia do capitão^ jòm tanto desvelo à sua custa em toda essa guerra do gentio bárbaro e
mor, Navarro “mandara tirar o dito edital e o rompera dizendo que n‘^”’ ||tá atuaimente suprindo com suas fazendas”.43 Pedia-se, com efeito,
quclc sítio só ele governava, e rodos lhe haviam dc obedecer”. Outrflfe fosse colocado cm prática o estabelecido no alvará dc 10 de feve-
abuso ocorreu quando Vieira de Melo mandou o capitão da ribeira (Çjro de 1645. Considerando haver muitas terras devolutas no Brasil,
Açu, Baltasar Gonçalves, passar à mostra a gente da sua companhia/® I'lei ordenava que as que não fossem beneficiadas cm cinco anos
mestrc-de-campo não só sc recusou a entregar os soldados que estav^® ^veriam ser redistribuídas para quem melhor parecesse ao governa-
integrados em seu terço, como prendeu o dito capitão, mantendo-o “ ,;para o que se deveriam publicar editais. Isto já havia sido feito no
®po do visconde de Barbaccna, que, tendo notícia de que várias ter-
da capitania do Rio Grande estavam devolutas, mandou publicar
. • 1
Cana dc João dc Lcncastro para Morais Navarro, 4/2/1699. /)//, 59:41-5.
.M “Tcsrciminho <le Domingos Pereira Ramos", Autos da devassa que mandou 6
,W contra Manuel Alves de Morais Navarro. AI 11J, Pernambuco, caixa 14. ira régia 15/12/1700. AHU. códice 257, 11. 72v-3v.
Carta de Lcncastro para o mcstrc-dc-cainpo, 6/4/1700. /)//, .?9:114-6. èmórial que a câmara dc Natal endereçou ao rei, 2/7/1689, no 2. Hvro c registro
^caixas e provisões do senado da Câmara de na cal. de 1673 a 1690, eirado por .ar os
44) Carta dc Lcncastro ao rei, 7/1/1700. In: Barão dc Studart (vil.). “Documentos
41 vos ao mcstre-dc-campo Morais Navarro". RHIGC, .J/:2í>4-7, 1917. ' datt Filho. Páginas ilrInslória c f>iv-histõiia. Fortaleza, 1966, p. 129.
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260 PAULISTAS .V MAZOMBOS PAULISTAS .V MAZO.MBOS 261

novos editais para redistribuir as terras." Já cm 1676, a Goma havia en­ confirmações e cartas dentro de seis meses. No caso dc Pernambuco,
viado o desembargador Sebastião Cardoso Sampaio para verificar a ti­ foi comissionado nessa diligência um desembargador da Relação da
tulação c as condições das sesmarias que haviam sido concedidas no Bahia, João dc Puga c Vasconcelos, que tombou as terras da capitania,
sertão da Bahia.45 O regimento de Roque Barreto, de 1677, encomen­ identificando os atuais proprietários e garantindo, assim, seus direitos
dava que o governador ficasse atento ao povoamento e produtividade patrimoniais.49
das sesmarias, caso fosse constatado o não-aproveitamento das terras Na Bahia, a reação à devassa de João de Matos Serra veio cm segui­
dadas em sesmarias, deveria tirar as terras de seus donos e dá-las “a da. João de Lencastro acusava esse conluio dos sesmeiros de pretender
quem as cultive e povoem na forma do regimento das sesmarias”.4'' desestabilizar a presença do terço no sertão. Em uma carta ao seu pri­
Em 1697, Bernardo Vieira dc Melo relatava a situação do Rio Gran­ mo e colega de Pernambuco, Fernando Martins Mascarenhas de Len­
de, onde eram "tão grandes as confusões que há nesta capitania sobre castro, o governador-geral dizia que “o terço dos paulistas tem hoje con­
terras e datas delas que tem sido uma guerra civil entre muitos com mor­ tra si todas as pessoas que na dita capitania do Rio Grande têm terras
tes e demandas sendo coisa muito ilícita estarem muitos moradores da ) de sesmaria conquistadas aos bárbaros”. João da Costa, por sua vez, in­
Bahia e Rio de São Francisco senhores dc todos estes sertões”. Esta sinuava que seus interesses eram outros: “Os que vêm a reduzir almas
guerra civil, com as muitas mortes que praticavam os baianos, teria sido, não devem estabelecer currais”.50 Com efeito, os oratorianos eram co­
do seu ponto de vista, “a causa do levante do gentio”. Gomo se perce­ nhecidos por terem grande riqueza em terras no sertão e currais de ga­
be, o capitão-mor destilava aqui todo o seu ódio e a força dc seu nativis­ dos, doados cm grande parte por fiéis ou mesmo comprados com o di­
mo. Para ele, esses baianos eram “gente tão revoltosa que, em se vendo nheiro das esmolas. Maria do Céu Medeiros sugere que, com tantas
naqueles sertões, vivem como régulos”.47 Objetivando atalhar esta si- :" sesmarias, os oratorianos provavelmente não as podiam conservar to-
tuação conflituosa entre os moradores c, mais importante, visando abrir ; ?das, de modo que também estariam sujeitos às redistribuições.51 Fazia
oportunidades para os recém-chegados, João dc Lencastro promovia, V $ ,. sentido, portanto, seu alinhamento com os moradores e o partido dos
em 1699, mais uma publicação de editais oferecendo sesmarias aos in- " íí mazombos. Com relação à decisão da Junta das Missões que declarava
teressados. Uma carta régia de 12 de janeiro dc 1701 determinava a a guerra injusta e fundamentara a pastoral do bispo, Lencastro dizia,
redistribuição espccificamcntc para o Rio Grande.4" Dois anos depois, k , com certa exaltação, que “nenhuma junta ou tribunal poderia derrogar
o rei mandou pôr editais em todas as capitanias do Brasil para que os . ■f i uma lei viva”. Segundo ele, era certo que Bernardo Vieira de Melo pra-
sesmeiros ou donatários que tivessem datas dc terras apresentassem as it. ; ticava ações escandalosas no exercício de seu posto, como haver no-
£ meado seu filho de dezessete anos, que já era juiz ordinário (isto é,
fe í oficial da câmara dc Natal), como alferes da fortaleza. Mais grave ainda,
Alvará que ordena ao provedor da fazenda do Rio Grande mande pôr editais sobre as So­
n féS havia dado armas e avisos ao gentio “para que destruíssem o dito ter-
terras que se têm dado dc sesmaria, 13/9/1675. £>//, 25:456-7. ‘ 'í.
; ço”. Se tivesse provas, mandaria buscar-lhe “preso em ferros.. .”52 Em
Cf. Inácio Accioli de Cerqucira e Silva. Memórias Aistóricas epolíticas ria provinda da
is
Bahia. Salvador, 1940, vol. 2, p. 56-7. te * Consulta do Conselho Ultramarino, 6/6/1703. AHU, Pernambuco, caixa 16; c Autos
46
Cf. capítulo 24 do Regimento de Roque da Costa Barreto (1677). Cf. M. C. de
donça (ed.). Raízes da formação administrativa do Brasil. Rio dc Janeiro, 1972, vol. da diligência dc João dc Puga e Vasconcelos 12/1/1706 inclusa na constdta do Cônsc­
p. 779; e João Alfredo Libânio Guedes. História administrativa do Brasil. Rio dc Ja­ ia. lho Ultramarino, 30/8/1706, AHU, Pernambuco, caixa 16. João dc Puga c Vasconcelos
íh:.' havia sido ouvidor-geral cm Angola antes dc scr nomeado para a Relação da Bahia.
neiro, 1962, vol. IV, p. 181 ou também nos DH, 6.
O capitão-mor sugeria que o rei enviasse “um sesmeiro eom ordem que tomando íU- Sobre o "sistema semarial” no Brasil, veja o livro dc Costa Porto (Recife, 1965), cm
47
bem conhecimento de tudo repartisse essas terras como é razão e pelos que tenham particular o capítulo 31, p. 93-113.
posses para as povoar, e o sesmeiro tome conhecimento de todas as datas, termos Carta de Lencastro ao governador dc Pernambuco, 11/11/1699. l)U, 39:86-9.
demarcações delas e se façam as demarcações como terras dc Vossa Majestade dc Maria do Céu Medeiros. Igreja e dominação no Brasil escravista. O caso dos oratorianos
3.000 braças c não dc 2.500 braças como se medem as de donatário". Pa|>el dc Bernardo®^ de Pernambuco, 1659-1830. João Pessoa, 1993, p. 63-4.
Vieira dc Melo, c. abril de 1697. AHU, Rio Grande, caixa l, 42, pontos 2 c 12. Carta de Lencastro ao governador de Pernambuco, 1 l/l 1/1699. 1)11, 39:86-92. Se­
Carta de João de Lencastro para Bernardo Vieira dc Melo, 22/3/1699. /J//, 3A55-71^^ gundo o sargento-mor de Pernambuco, Pedro I .ciou, o capitão-mor do Rio Grande
4M
carta regia a João de Lencastro, 10/10/1698. AHU, cód. 246, fl. 71; c carta regia dc tinha feito “seu filho juiz, sendo rapaz sem ter idade, e juntamcntc o fez vossa senho-
ria alferes”. Para escândalo geral, "quando (o garoto] anda de juiz leva vara, c quando
1/1701. AHU, cód. 246, fl. I27v.
I
262 PAULISTAS .V mazombos paulistas a' Mazombos 263
uma carta ao próprio Bernardo Vieira de Melo, Leneastro o ameaçou: CostaJ que que era muito bem feito castigá-los”?* ’ Este Pedro Fcr-
“Se vosntccê continuar no ódio e má vontade que mostra ao mestre- nandes, sacerdote do Hábito dc São Pedro que ia como capelão do ter­
de-campo e seu terço. . . há de experimentar cm mim o mais rigoroso ço, testemunhara que naqueles dias, quando o mcstre-de-campo con­
castigo. . Leneastro escreveu também ao bispo de Pernambuco, du­ versava com o padre João da Costa sobre a “resolução que havíamos de
vidando da veracidade da versão dc João da Costa, pois tinha cm mãos tomar” (isto é, o que fazer para prosseguir no combate aos caratiús), o
uma carta escrita de seu próprio punho para Tcodósio da Rocha, “em dito padre “lhe facilitou todos os meios c disposições da guerra dizen­
que não só aprova, mas persuade a que sc faça guerra aos tais índios”.*54 do-lhe que muita mercê lhe faria não ir bulir naqueles que ali tinha na
Anexada aos documentos encaminhados pelos procuradores ao arcebis­ aldeia e, ainda [quc[ os da aldeia sc os achasse lá por fora misturados
po, esta carta era datada de 31 de julho dc 1699, isto é, quatro dias an­ com os outros, tudo ardesse porque ele missionário os não podia sujei­
tes do sucesso cm Jaguaribc e um dia depois da conversa relatada aci­ tar”.57 Dc maneira que, nesta versão, João da Costa como que “inven­
ma. Sua leitura atenta é muito importante: tara ” o interesse catequético dos paiacus da “aldeia nova” e não so­
mente teria apoiado o ataque dc 4 de agosto, como pedira que os
“Peço a vosmecê [Tcodósio da Rochal veja como sc obra na ma­ paulistas castigassem os da sua própria missão, “pois se mostravam mui
téria do escrúpulo em que ontem me tocou, que eu não lenho escrúpulo inobedientes c rebeldes, contcntando-sc que lhe deixasse ficar só os
de que se obre, mas de que se obre pouco, por estarem com o temor mui pequenos”.5* Como queria um dos capítulos dos moradores simpáticos
divididos, e como fugiram muitos, vendo-se picados podem dar so­ ao mestre-de-campo, a missão do Jaguaribc era lugar selvático: “Na pa­
bre as fazendas e fazerem alguma destruição, e ficam levantados, veja- ragem onde assiste o dito clérigo”, chamada erradamente de “missão
se o que se obra, que a mim me parece que só achando-sc muitos velha”, assistem “bem poucos tapuias que, na verdade, não tem obe­
Fm'”
juntos se pode fazer neles alguma coisa, c ainda assim é necessário ’*■ diência à Igreja nem a Sua Majestade”.51’
logo logo outro golpe que corte o resto, e sc não ponha-se esta ribei- - > ; t; Vários missionários confirmaram a versão do mcstrc-dc-campo; grande
ra em grande perigo”.55 j I^jLpartc deles, sintomaticamente, jesuítas c ligados à Bahia.
*' ’ Assenso Cago,
ífc&s.
Êyque — era m;MUn4rin na serrazin
—» missionário quandoaacaminho
Ibiapaba,quando
doIbiaptiha, caminhode dePernam-
Pcrnam-
Segundo a leitura do governador-geral, o missionário estava preocu- A gw?~;buco
ribuco passou pelo arraial do Açu c certificou-se de que o mestre-de-
pado em debelar os paiacus insubmissos, para o que havia mesmo
dido a ajuda dos paulistas. Teodósio da Rocha corrobora a história, di-ji' T b ■’ Certidão dc Tcodósio da Rocha, 21/10/1699; veja também a certidão dc Pedro Carrilho.
zendo que, na frente dele c dc várias pessoas, João da Costa havia ditd Barão de Studart (cd.). “Documentos relativos ao mcstrc-dc-campo Morais
ao mcstrc-dc-campo que “só desejaria [que] se lhe não entendesseconjP?’1 z fer /^Navarro”. RIHGC, 3l:\S2-4,1917.
os tapuias que naquela aldeia tinha capazes dc os doutrinar e instrui^) ®5íííB»Certidão dc Pedro Fernandos, 21/10/1699. In: Batão dc Studart (cd.). “Documentos
fS^fe-srçlativos ao mcstrc-dc-campo Morais Navarro". RJHGC, 31:181 -2, 1917.
na fé c que [scJ ainda desses se achassem alguns com os do Jcnipapoaçiçí?? rSÉh?~3Carta dc Manuel Alvares dc Morais Navarro ao rei, 6/5/1700 (outra). AHU, Pcrnam-
ardesse a tenha verde com a seca, porque ele os não mandava lá ir”. Pef^í ||H||líl>uco, caixa 14.
guntando, no dia seguinte, se tinha certeza dc que fazer guerra “a todfag |||BWÇapítulos dos moradores do Açu, 24/10/1699. In: Barão dc Studart (cd.). “Documen-
gentio que sc achasse fora da aldeia lhe seria de prejuízo ou era coís|gf|| relativos ao mcstrc-dc-campo Morais Navarro". RIHGC, 31:185-90, 1917.
injusta, presente o padre Pedro Fernandcs, me respondeu [Joãõ.i^O Bg®W£k>mo vimos acima, o apoio dos jesuítas da Bahia estava em sintonia com a posição
eles adotada na ocasião da lei dc 1." dc abril de 1680. Acostumado que está à
nggtíjf; 'ipólítica luso-brasileira, não creio que o leitor sinta algum embaraço ao julgar o
sc quer mostrar militar anda com bastão”... Cana a d. João de Leneastro, 17/í^ ISiBggpragniatismo dos soldados de Cristo, há tão pouco tempo cm confronto aberto com
BHr-?.rfòÍes “bandeirantes” dc São Paulo, li grande a bibliografia sobre o assunto, mas um
1699. AHU, Rio Grande, caixa 1, 47. H||l|g|$celcntc resumo do conflito entre “bandeirantes” c jesuítas, no sul da Colónia, está
53
Carta dc Leneastro a Bernardo Vieira dc Melo, 9/1/1700. DH,
Carta de Leneastro ao bispo de Pernambuco, 11/í 1/1699. Dll, 3M2-4. MMS^lJohn Hcmming. RrdGold. The Conquest ofthe fírazilian Indiaus. Cambridge, 1978,
M
Carta dc João da ( losta a Tcodósio da Rocha. Aldeia do Jaguaribc, 31/7/1699. Ler? BH&SKÍ254-82. Veja também os capítulos 3 c 4 do livro dc Aflbnso dc E. Taunay. Historia
55
autenticava odocunicnto, “de sua letra”, cm carta ao rei, 7/1/1700. In: Barão deSt da viHa deSão Paulo. São Paulo, 1926; c a introdução de Alice P. Canabrava.
(cd.). “Documentos relativos ao mestrc-dc-campo Morais Navarro”. RIHGC,3 BE^SKão Antônio Andrconi c sua obra”. In: J. A. Andrconi. Cultura e opulência do llrasil.
São Paulo, 1967, p. 9-112.
c 205. 1917.
264 PAULISTAS .V MAZ.OMHUS

campo fazia apenas a guerra justa, confirmando toda a história da per­ PAULISTAS X MAZOMBOS 265
bordinada ao governo-geral, não seria dali que deveriam vir os missio­
seguição do capitão-mor do Rio Grande. Segundo este jesuíta, Navarro
nários? O que piorava essa indisposição era o fato de que, desde 1693,
havia favorecido os padres cia companhia, pondo os paiacus (que sobra­
ram) cm duas aldeias, nas lagoas do Apodi (São João Batista) e do Jabuti uma carta régia decidira que os missionários enviados ao Rio Grande
receberiam suas côngruas dos dízimos desta mesma capitania, cujos
(Nossa Senhora da Anunciação, no Jaguaribe).6' Outro jesuíta, João
moradores eram <pia.se todos provenientes de Pernambuco.64 Bernardo
Guinzel (ou Guedes), que chegou ao arraial em 12 de outubro dc 1699,
Vieira de Melo, cm seu já citado papel de 1697, pedia diretamente ao
vendo a situação de penúria e de falta dc farinha por que passava a
rei “missionários plenos”, aproveitando para alfinetar os padres da Com­
gente de Navarro (“havia meses não tinha aparecido um só grão”), aca­
panhia dc Jesus, que erradamente, segundo sua opinião, insistiam em
bou por adiar viagem c se deixou ficar por ali. Tão logo a farinha che­
ensinar os tapuias na “língua dos mesmos índios”.65
gasse, o paulista sc comprometera a conduzi-los aos paiacus, entre os
No caso da aldeia de Guaraíras, que vimos no capítulo anterior, fica­
quais missionaria: “logo me verei entre meus queridos c por tantos ca­
ra clara a sua indisposição para com os jesuítas. Várias vezes queixou-se
minhos buscados paiacus”. Em uma carta em que pedia pela conserva­
da atividade desses missionários, responsabilizando-os, no fundo, pela
ção do terço naqueles sertões, Guinzel relata, com certa impudência,
morte do rei Canindc, cm 1699. Depois de marchar com sua gente pc-
sua posição:
-|os sertões do Açu, acompanhando a expedição dc Bernardo Vieira de
Melo (como vimos acima), Canindc tinha voltado para a aldeia dc
“E sc bem nessa última guerra que fez o mcstre-dc-campo se dimi­
Guaraíras, sob o controle dos jesuítas.
ji Alem dc queixar-se do convívio
nuiu notavelmente o número deles, nem por isso duvido que sc acha­
forçado com índios de outras nações, os janduís tinham o lugar por “in-
rão ainda bastantes para eu empregar neles o meu limitado zelo; e o ^salóbre“”.— ............
segundo Vieira dc Melo, “pelo sítio ser menos conveniente
fruto que sc tirará da dita diminuição será viverem os mais sujeitos e*
„ uu pela alia
pi-m natureza não acomodar fora do clima do sertão”. 'làlvcz por
sua natureza
serem mais capazes dc recebera doutrina cristã. Eu confesso que quan- * Soesse motivo, no ano dc 1698, o aldeamento foi vitimado por um “acha-
---------
do tive novas do estrago que sc tem feito nesta gente fiquei notável- !*
de maleitas, do qual morreram sete ou oito crianças e juntamente o
mente desconsolado; porem, como depois ouvi as razões que tinham-' ■®Mb®seu principal chamado Canindc”. Este foi o triste fim do “rei dos
obrigado o mcstre-dc-campo a dar-lhes guerra, não tive outro remédio,, Pjj
iíganduís".66 Em uma carta de maio de 1699, o capitão-mor denunciava
que conformar-me com a vontade dc Deus, pois ele foi servido permi- ~ sjque o clérigo Manuel Scrrão dc Oliveira, que o bispo enviara, havia se
tir que eles mesmos dessem causa a esta sua ruína”.w
recusado a batizar os índios, o que fez com que, “desgostosos tanto do
iacíhaque que experimentaram como da morte do seu principal, vendo a
Segundo Navarro, todo o rancor de João de Matos Serra era devido^íj
ao fato dc haver pedido missionários jesuítas na Bahia, de modo qu$M ipuca assistência que o padre lhes fazia, [fossem] buscando o seu cen-
“não fizera dele [Serra] caso”.63 Como se percebe, tratava-se de uma|| que é o sertão”. Avisado do sucedido, o capitão-mor foi pessoal-
^ente convencê-los a ficar e se estabelecer em outro sítio, mas parecia
espécie de transposição eclesiástica do mal-estar das questões de juris^T^
ue todos já haviam ido embora
* por receio dos paulistas. O que não
dição entre Bahia e Pernambuco, pois, como aquela capitania era su "èdiu que oito deles, como já foi mostrado acima, preferissem engajar­
ias tropas de Navarro, tendo sido corretamente assentados e incor-
------ 67
61 Certidão dc Assenso Gago, serra do (biapaba, 5/3/1702. AHU, Rio Grande, caixa 1»,
6» Carta de João Guinzel, jesuíta e missionário nas aldeias do Rio Grande, a João,
1 .cncastro, Arraial do Açu, 29/10/1699.1EB, códice 4 A 25. Vinte anos depois, quáWJ Sfa .verdade, metade da côngrua cru normalmentc assentada nos dízimos e a outra
já era reitor no colégio da Bahia, o missionário relatou seu encontro com este “tngjyl
tade safa da renda dos mesmos dízimos ou dc outra qualquer renda do Estado,
grupo” de cativos a caminho de Pernambuco, onde seriam vendidos. Suas pa
régia a Câmara Coutinho, 23/3/1693. DH, <W:132-3.
são agora duras para com Navarro. Parecer do padre João Guedes, c. 1720. In: Vir
apeide Bernardo Vieira dc Melo, 1697. AHU, Rio Grande, caixa 1,40, pontos 9 c 10.
Rau (cd.). Os manuscritos tio arquivo da ettsa de Cadava/mpritantes ao Brasil. Coi iína régia, 15/J/1698. AHU, cód. 246, fl. 60v. Carta dc Bernardo Vieira dc Melo ao
1956, vol. 2. p. 398. • £20/5/1699. AHU, Rio Grande, caixa 1,46.
<a Carta dc Manuel Alvares dc Morais Navarro ao rei 6/5/1700 (outra). AHU, Pcrnambji
de Bernardo Vieira dc Melo ao rei, 20/5/1699. AHU, Rio Grande, caixa 1, .O
caixa 14. lho Ultramarino recomendava que fossem enviadas cartas zelosas ao capif o-

A
266 PAULISTAS A MAZOMBOS I' A 111. 1 8 T A 8 -V M A Z O Kl B <> S 267
Desde cedo alguns conflitos pela repartição dos índios surgiram na temor, c sendo esta matéria de muita consideração se faz nestas partes
capitania, opondo moradores a estes missionários. Sobretudo tendo em pouco caso, pelo interesse de seus tratos”. Na mesma ocasião, informa­
vista que os jesuítas, por privilégio real, tinham controle dos aldeamen­ va ter dado parte ao governador de Pernambuco de que cm Jaguaribc
tos próximos aos povoados, como Mipibu c Guaraíras. onde residiam não se conservava “a proibição de se dar armas aos tapuias”, pois havia
sobretudo tupis mais adaptados ao modo dc vida da Colónia c, portan­ achado uma escopeta que um soldado daquele presídio havia vendido
to, mais aptos à faina das fazendas c currais. Em 1680, os jesuítas passa­ a um dos tapuias do seu terço: “Mandando o restituísse, estranhei mui­
ram a controlar a repartição desses índios, o que motivou reclamação dos to ao cabo não fazer disso comemoração, explicando-lhe eu os encargos
edis de Natal, que argumentavam que até então tal repartição se fazia, em que incorreram os que davam armas aos infiéis”.71’ Em resposta, em
segundo o estilo local, pelos capitães-mores e não pelos religiosos da Com­ janeiro dc 1700, o governador-geral pedia que o mcstrc-dc-campo Mo­
panhia. Pediam ao rei que reservasse aos jesuítas apenas o governo es­ rais Navarro se informasse “das pessoas que venderam e vendem ar­
piritual dos índios das aldeias pois, “melhor seria se fossem catequizar mas aos janduís c outro gentio”, autorizando-o a prender qualquer sus­
no sertão”/’3 Como podemos perceber, estes alinhamentos c a disputa peito.” Navarro alertou ao governo-geral, cm uma carta de maio dc 1700,
entre as várias ordens religiosas pelo controle dos aldeamentos orienta­ que os janduís planejavam “matar todos os moradores deste sertão a
vam a leitura que faziam os missionários do sucesso dc 4 de agosto. fim de lhes tomarem as armas, para com mais poder c melhor guarneci­
dos delas darem no meu arraial”. Em que pese certo exagero, era fato
Armas de fogo que os índios conseguiam também armas de fogo roubando os morado­
res. Na mesma ocasião, o paulista afirmava que alguns tapuias contrá­
A acusação mais forte feita contra os mazombos, tendo cm vista a rios haviam aparecido oferecendo cativos em troca de armas dc fogo,
pena capital cm que incorria o culpado, era a de fornecer armas dc fogo comércio que deveria ser impedido.7-
aos tapuias bárbaros. O sargento-mor de Pernambuco, Pedro Lelou, es­ A provisão sobre as ordenanças de 1574 estabelecia regras para o for­
creveu, na carta em que defendia as iniciativas de Morais Navarro, que, necimento dc armas dc fogo, de Flandres, Alemanha ou Biscaia, que
ao preparar a armadilha, Bernardo Vieira dc Melo deu “algumas dez ou deveriam ser oferecidas a bons preços. No Brasil, os mercadores, mer­
doze armas com munições” para induzir os janduís a atraiçoar os paulis­ ceeiros, tendeiros, entre outros, deveriam ter “pólvora, chumbo e mu­
tas.6'’ O mestre-de-campo, por sua vez, recomendava que Lcncastro nições para venderem às pessoas”.7' O comércio dc armas dc fogo para
desse ordens para que, “com penas rigorosas”, se proibisse “na capita­ o Brasil sempre foi uma atividade lucrativa e importante para a manu­
nia do Rio Grande que pessoa alguma possa dar armas aos tapuias que tenção do domínio português. Em várias ocasiões, a Coroa preocupou-
conosco estão de paz porque neles não tem estabilidade não havendo* se em garantir a produção de armas para a sua colónia americana. Em
1675, por exemplo, o Conselho Ultramarino mandou ver se o mestre
espingardeiro Simão Ecrnandcs^ morador de Porto Alegre (no Reino),
mor c aos paulistas e que a junta das missões julgasse as atitudes do dito padre. /'
Consulta do Conselho Ultramarino, 29/8/1699. AHU, cód. 252, fls. 226v-7v. Aindl.:&j> que havia feito cem espingardas para Angola, não tinha interesse em
cm 14 de dezembro dc 1701 (data da cana ao rei), o então capitão-mor do Rio Gran--ír’ lima encomenda para o socorro do Brasil. Foi firmado um contrato para
de, Antônio de Carvalho c Almeida, se via embrulhado com a recusa dos caníndésde^j
se Fixarem no local assinalado pela Junta das Missões, c sua solicitação ao rei fq/íj
respondida com um encaminhamento à mesma Junta. Consulta do Conselho íqfr- ?. Cana do mestre-dc-cam|x> ao governador-geral, 25/8/1699. AHU, Rio Grande, caixa 1,47.
tramarino, 9/5/1703. AUU, cód. 265, f). 168. Em 1704, sugere-se a incorporação ■C. " Carta, 8/1/1700. DH, 3Mb.
aldeia de dezesseis casais dc caboclos, porque assistem nela “poucos índios". CartÍTs^ : -?’■ Cana, 10/5/1700. AHU, Pernambuco, caixa 14.
Provisão das ordenanças, 1574. O “alvará das armas” de 1569, nos dá ideia dos tipos
regia, 9/8/1704. AUU, cód. 257, fi. 151 v.
Carta do oficiais da câmara do Rio Grande ao rei, 4/8/1680, inclusa na consultada;^- ! - dc armamento que podiam equipar as pessoas em meados do século XVI. As armas
Conselho Ultramarino, 31/10/1681. AHU, Rio Grande, caixa I, 14 e carta regia, lô^f^S: ' dc fogo eram o arcabuz, e a espingarda: as defensivas, a eclada ou capacete c a rodela,
1682. AUU, cód. 245, fls. 78-78v. Em 1680, cl-rei concedeu aos jesuítas a administra;'^ “tgí a adarga ou escudo; as armas brancas, que podiam ser qualquer espada dc marca; c as
ção espiritual e temporal tios indígenas, o que causaria reação tle vários moradores; ' ormas dc arremesso, o piquete, a lança, o dardo c a besta. Veja em M. C. tle Mcndon-
outras partes da Colónia. Carta regia ao governador-geral, 26/8/1680. /J//, (ÍK:8-9. /jÉ&J > fer-À' ’ -Ça (cd.). Rafcrs ãu formação aãministratrva ão fímsil. Rio de Janeiro, 1972, v,,l- !• p.
gf/': 172 c 145-51.
Carta dc Pedro l.clotiad. João de larncastro, 17/12/1699, AUU, Rio Grande, caixa i
r

268 PAULISTAS .V MAZOMBOS


PA ll 1.1 ST'A S .V MAZOMBOS 269
a entrega, todo agosto de cada ano, de 600 espingardas ou mais, a se­
exportável, o que não ocorria, como podemos perceber, com a própria
rem levadas pela frota. Ao custo dc 3$600 réis cada, as armas eram um
produção das armas, listas necessitavam dc fomos especiais para a fun­
pouco rudimentares; dc cinco palmos e meio de comprido, de bala de
dição do ferro, e exigiam grande investimento cm tecnologia.
arcabuz e com canos reforçados, “em cor, por não criarem ferrugem,
A venda dc armas aos índios sempre foi proibida. O regimento dc
provadas c postas na cidade a sua custa”. A fazenda adiantaria, na assi­
Tomé dc Sousa de 1548 já deixava claro que ninguém, “de qualquer
natura do contrato, 500$000 réis. Como no Brasil os moradores tinham
qualidade ou condição que seja”, tinha permissão para dar aos índios
grande falta de armas e o seu preço alcançava aqui entre 7 c 8$000 réis,
do Brasil “artilharia, arcabuzes, espingardas, pólvora, nem munições para
o negócio parecia lucrativo acima dc tudo.* 74 As armas deveriam ser en­
elas, bestas, lanças e espadas, c punhais, nem manchis, nem foices de
viadas, inicialmentc, para a Paraíba, onde João Eernandcs Vieira era ca­
cabos dc pau, nem facas da Alemanha, nem outras semelhantes, nem
pitão-mor e se esforçava por equipar as companhias das ordenanças.75
algumas outras armas dc qualquer feição, que forem ofensivas e defen­
Temos ainda notícias de que foram enviadas cem espingardas, da fábri­
sivas”. A punição para os infratores cra severa: “morra por isso morte
ca de Simão Fernandos, para o governador dc Pernambuco, que as dis­
natural, c perca todos os seus bens”.7” Não obstante, isso não impediu
tribuiu entre os moradores. Como não tpiis cobrar por elas, d. Pedro II
;; que, com o avançar das relações entre luso-brasileiros e indígenas e a
lhe enviou uma carta exigindo a quitação dessas dívidas.76
consolidação de algumas das alianças militares, fosse comum o arma-
As balas ou pelouros poderiam facilmente ser fundidos /’// loco. Da
T mento das tropas dc silvícolas agregadas nas expedições dc guerra c
mesma maneira, o murrão (como cra chamado o pavio) podia ser fabri­
■ entradas no sertão. Dessa maneira, o regimento dos governadores da
cado no Brasil. Em 1693, o governador Câmara Coutinho enviou para o
; capitania de Pernambuco, de agosto de 1670, circunstanciava esta proi-
Reino algumas arrobas dc amostra de uma “estopa dc embira” — ex­
5- bição limitando-a aos inimigos. Mandava que o governador tivesse cui-
traída da casca de uma árvore e muito usada no Brasil para a calafetagem < jfr dado “de mandar proceder contra aquelas pessoas de qualquer quali-
dos navios — e que dava um “bom murrão”. A idéia cra exportar para o
:;t7 dade ou condição que sejam, que derem ou venderem artilharia, armas
Reino. A estopa custava doze vinténs a arroba, que depois de limpa * •
‘ de qualquer sorte, pólvora c munição ao gentio que estiver cie guerra com
resultava em meia arroba de murrão, que custaria então 480 réis. O pro-
™ . os meus vassalos".7'1
blcma é que não havia aí quem a “obrasse” cm escala.77 Já a pólvora . ,,
(Jma das caractcrísticas mais importantes da Guerra do Açu, que a
vinha quase toda do Reino. Como já vimos no primeiro capítulo, um 4:; > 'diferenciou dc todos os outros conflitos anteriores, cra que várias das
dos vetores da penetração dos sertões baianos na segunda metade do ,:4
nações tarairiúus, os janduís, icós, paiacus ctc. tinham grande parte dos
sécido XVII foi a busca das minas de salitre, elemento básico no fabri-'
- ijf1 .seus guerreiros adestrada para as técnicas ocidentais de guerra, e, nota-
co da pólvora negra. Embora várias tentativas dc produzi-la em quan- > ^jZdamentc, possuíam armas de fogo e habilidade para utilizá-las. Grcgório
tidade tenham fracassado, tratava-se de uma tecnologia facilmente ~ H^rela de Berrcdo l>erc*riL acreditava que esses índios, que antes não
^ftfSabiam atirar com espingardas,«“hoje o fazem essesmelhor
índios, do nósnão
antes
queque ”?"
------------------------ . .. HO
71 Consulta do Conselho Ultramarino, 3/8/1675. Dll, 88A4-5. Carta régia, 21/8/1675,íífett 1'jipcpois de pacificados, os capuias eram imediatamente desarmados. O
AUU, cód. 245, fls. 23v-4. ÈBando que garantia o perdão a todos
75 Carta régia 7/11/1675. AHU, cód. 256,11. I3v. , _ ..........« wuus os paicus c icós, dc 1701, proibia
|^||6xplicitarncnte que usassem armas dc fogo, pólvora e chumbo, sob pena
7h Carta régia 8/11/1678. AHU, cód. 256,11. 27 c carta régia 12/11/1679. AHU, cód. 256, ...............
11.32.
77 “[...] o murrão se fazia de uma estopa que se tirava dc uma casca de árvore chamadijá^s
Tal ofensa estava prevista no capítulo 31 do regimento de 'lònté de Sousa (1548) c
embira, c que o murrão que se obrava dela fazia muito bom cravo, c que durava?^/
bastantemente o fogo nele, c que desta estopa havia toda a quantidade que quisesvg^ cncontra-sc repetida no capítulo 23 do regimento dc Roque da Costa Barreto (1677).
jfe^’'Çf. M. C. dc Mendonça (cd.). Raízes da fonna(ão administrativa do Rnuil. Rio dc
sem que é com que se calafetam os navios”. Carta dc 23 dc julho de 1693. ZMfe?
'-^'Janeiro, 1972, vol. 1, p. 46 c vol. 2, p. 778; c João Alfredo Libânio Gttcdcs. História
34:122-3. Segundo o Aurflio, a embira é “a designação comum a várias cspécicjtg? ‘í^jtdministrafiva do liriisil. Rio de Janeiro, 1962, vol. IV, p. 181 ou também nos /)//, 6.
arbustivas da família das timclcáceas c do gênero Daphnopsis, dc flores inconspícuasft O capítulo 14 do regimento passado a Ecrnão dc Sousa Coutinho, mas válido ainda
c que se caractcrizam por produzir boa fibra na entrecasca”. Ainda hoje, nos estalai;
Jaté 1740, “Informação geral da capitania dc Pernambuco”. AllN, 28:123, 1906.
ros ainda tradicionais da Bahia, como cm Valença ou cm Cajaíba (Camamu), a estopa ”jr“Brcvc compêndio do que vai obrando neste governo dc Pernambuco o sr. governa-
dc embira é utilizada para calafetar os barcos c saveiros. i^/ dor Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho etc.”. /Í///G7/, 5/:266, 1979.
270 paul is ias .v mazombos PAULISTAS X MAZOtyllOS 271
de serem submetidos a “três tratos de polé a braço”."1 Frei Manuel da mentas."' O fato é que muitos dos índios possuíam espingardas c arca­
Ressurreição acreditava que a guerra era tão áspera c viva, por “traze­ buzes c dever-se-ia tomar cuidado de não lhes deixar cair em mãos as
rem os bárbaros armas dc fogo, e não lhe faltar pólvora, quando eles a munições destinadas às tropas no sertão. Nesse sentido, o arcebispo
não fabricam”. Pedia, cm 1688, que Manuel de Abreu Soares, “com pedia ao capitão-mor Amaro Serqueira que tomasse todos os cuidados
todo o silêncio”, examinasse “donde lhe vem, ou quem lha dá c com o com o comboio que deveria arranjar para o envio da pólvora e chumbo
mesmo segredo e clareza que esta matéria pede me avise”."- O mesmo para Jorge Velho e Albuquerque Câmara, “por ficarem os bárbaros tão
fazia aos outros capitães envolvidos na guerra, Domingos Jorge Velho c costumados às armas de fogo com os nossos”.""
Antônio dc Albuquerque Câmara, aos quais pedia que investigassem Em 1703, passado o momento mais tenso do conflito com os mazom­
por que “até agora não lhes faltou pólvora nem bala para nos ofende­ f
bos, d. Pedro II ordenou que o mestrc-dc-campo ficasse atento com
rem”. Pois “o donde que possa vir c que não percebo; porque sendo relação às notícias dc que se vendiam armas aos índios inimigos, por­
certo que eles a não fazem, ou lhe vai da nossa parte, ou lhe vem de que acreditava, da leitura dc uma representação feita pelo procurador
outra de fora”."' O governador aventava três hipóteses para explicar a tio terço, o capitão José Porrate dc Morais, que a solução dc que o ouvidor
origem dessas armas: os índios as poderiam “ter tomado aos moradores da Paraíba deveria ir cm diligência todo ano fiscalizar tal atividade era
ar tal atividade era
do Rio Grande quando os matavam e devastavam aquela capitania"; ~ insuficiente para atalhar tamanho dano.1” Três anos depois, o governa-
existiam boatos dc que o capitão-mor da fortaleza tio Ceará estava co- ■ dor-geral mandou o desembargador Cristóvão Soares Rei mão “devassar
merciando com os índios e “lhes dera pólvora c munições que ainda í §^de algumas pessoas que moram no sertão, que vendem armas, pólvora
lhes duram”; c, por fim, os janduís poderiam as ter comprado dos na­ ^^pê-bala aos tapuias nossos inimigos”. Além disso, Filipe Bourei, missio-
ines auraiu , * ’1
P' ------------------
j 1 . * . '■■•■£ • • * ■ •' —nwuiti, missio-
vios
vios dc piiuiua que
OC piratas I-'-. vezes
i|iik por ------- entravam
------ .... /(que
no no Açu
* ...... cra navepve^g &ánojesmta, havia se queixado “de que os moradores de Cnnhaú e
. - .. • isnr /líwr-ínriíl dtí OITO lcillllis)» Kfll O (1UC SaL&Goiíininhíl COniprâVtUH
^agGoianinha compravam UiDltElS.
tapuias, fla rrnrv\
troco rio
de espingardas, c outros que os
por embarcações maiores por distância de oito léguas). Era o que dc-.
fendia Bernardo Vieira Ravasco, para quem “esses bárbaros ficaram tão 1 cativado em guerra”. Para devassar esse caso foi indicado o ouvidor
amantes dos holandeses” que “só por eles suspiram”, sendo capazes r, uel Velho de "
Miranda.
* ’
de se unir com “qualquer outra nação que não for a portuguesa, dando-ájÍB[
se-lhes armas dc fogo de que são muito destros contra ela”.** A tesed^^É| ;ão do mestre-de-campo à dissolução do terço
uma ajuda externa repercutia as explicações dadas para a insolência
índios e o início da rebelião, mas parecia inverossímil, pois, segundo,o|>|| fj-Na Junta das Missões, em Pernambuco, havia sido discutido o erro
governador, “esta não pode ser tanta que suprisse por tão largo tem^B fflàâcriação do terço dos paulistas para o sucesso da conversão do gentio,
po”."5 Desse modo, pedia ao governador de Pernambuco que mandaÉW aJroís era considerado que o uso da torça, “pelo grande medo e tcnior
se “averiguar com certíssima diligência esta matéria”."6 Contudo, <—oSsss,Ê “‘e têm [os tapuias] concebido desta gente”, não só iria impedir que
cia que as autoridades faziam mesmo era vista grossa a esse tráfico. js|índios descessem do sertão, mas o despovoaria.
*
' 1 Com efeito, em
1689, os oficiais da câmara dc Natal recriminavam o cauitão-mor. AeoiiÇ^g ^®^,dos acontecimentos no Jaguaribc, a frota trouxe uma carta régia
nho César dc Andrade, por passar um salvo-conduto aos tapuias da&
ção panati, porque era certo que estes índios eram falsos amigos éjjusgg
estavam trocando suas tlrogas por “frecharia”, pólvora, chumbo e rta dos oficiais da câmara dc Natal ao capitão-mor, 31/3/1689. IHGRN, caixa 2,
?,fl. t25v-6v.
sana, 6/12/1688. />//, /d:351.
á régia 3/8/1703. AHll, cód. 257.11. 135v-6.
Bando do governador dc Pernambuco sobre o perdão aos tapuias, 30/5/1701. IH Çttcírégia 15/10/1706, carta inclusa dogovernador-gera) ao governador dc Pcrnambu-
^20/2/1706. AHU, cód. 257, 11. I98v-9 (a carta dc Francisco dc Castro Morais foi
caixa 65, livro 3, fl. 115v-6v. ^Ijsáda na consulta do Conselho Ultramarino, 11/10/1706. AHU, cód. 265.11. 198).
*2
Arcebispo a Manuel tle Abreu Soares, 6/12/1688. DH, 10: 343-6.
nsulta do Conselho Ultramarino. 12/2/1700. AHU, cód. 252, lis. 234v-5. Com o
HÂ Carta, 30/1
Carta de J/l 688. DH.
Bernardo 10:347-5
Vieira Ravasco1. ao conde dc Alvor, 5/8/1694. DH, #4:123-7. ^iscordava abertamente o governador-geral. Em outubro de 1701, o governador
M
'ernambuco dava notícias do excelente trabalho do missionário pc. Miguel dc
JlS Carta. 30/11/1688. />//. /(Í347-5I. Ityàlho na redução dos janduís, o que suscitou o comentário agastado dc Ixncastro
w» Carta. 12/10/1688. DH. lO:3Z3-b.
pá ui. is i as .v mazombos 273
272 l’A II 1. I ST AS .V mazombos
quando eram “bárbaros" não haviam rompido jamais as pazes, quanto
dc 13 dc janeiro dc 1700 que mandava o mcstrc-dc-campo e seu terço
sc retirarem do Rio Grande. '- I .cneastro, desconsolado, dizia ao seu pro­ mais agora epie estavam aldeados c em obediência a João da Costa. O
tegido, cm cana dc 6 de abril, que mantlas.se rapidamente os documen­ fato é que “de nenhuma maneira se podiam levantar sem que o dito
tos que justificassem a utilidade dc seu serviço, bem como as certidões missionário o soubesse”, visto que era uma “verdade tão sabida e ex­
dos missionários (de que tratamos acima) para que pudesse enviar um perimentada nos sertões” que nenhum morador “se vigia nem teme de
dossiê logo no retorno da frota. Enquanto isso, em desrespeito comple­ índios que têm missionários", porque estes os avisariam com antece­
to às decisões dc d. Pedro II, pedia-lhe para continuar suas atividades
I dência. Na opinião do parecerista era muito duvidoso que o mestre-de-
no sertão, pois contaria com o apoio da Bahia.9’ Recebendo admoes­ campo, acostumado a viver da “meeluivelhice” (intriga), levasse a serio
as desinformações de pessoas interessadas na destruição dos tapuias.
tações de seu primo, o governador de Pernambuco, Leneastro respon­
deu em maio que havia sim recebido a ordem de retirar os paulistas do Em segundo lugar, a desculpa apresentada de que “o padre João da
sertão, mas que o Conselho da f azenda resolvera consultar antes o rei, Costa o persuadiu dc que fizesse a guerra” era ainda mais descabida.
anexando as novas informações do mcstrc-dc-campo.'
*
' O objetivo, como Não se podia presumir de “um sujeito dc tantas letras c prudência como
ele” que obrasse contra sua própria missão. Como o leitor sc lembra, o
é claro, era protelar estas tlccisõcs tão difíceis. fundamento desta acusação era a carta para Tcodósio da Rocha, escrita
No entanto, no final de 1700, padre Miguel dc Carvalho — um reli­ ’1

gioso entendido do sertão c, aparentemente, alheio às disputas locais no dia 31 de julho. Apesar dc haver assinado uma certidão cm 1699,
— foi chamado para dar um parecer sobre o imbróglio que envolvia os - confirmando a interpretação do conteúdo desta carta como uma clara
paulistas c os mazombos. (Jura da freguesia de Nossa Senhora da Con­ confissão da culpa do oratoriano, em uma acareação na frente do bispo
ceição do Rodela, cm 1697 — quando escrevera uma “descrição do ser­ < de Pernambuco e do próprio Miguel de Carvalho, o capitão Teodósio
^da Rocha confessou que “o conselho que nela dava o padre |João da
tão do Piauí”—, cm meados de 1700 estava missionando entre os
te^éosta] - sc entendia para as nações dos caratiús
• e icós”-. Declaração que
.................
janduís.1'5 liste padre era irmão dc Antônio dc Carvalho c Almeida, su­
cessor dc Bernardo Vieira de Melo como capitão-mor do Rio Grande- feíàçusava definitivamente Navarro, ou ainda, nas palavras de Carvalho,
entre 1700 c 1703, a quem o rei tinha cm ótima conta. Talvez por isso ' mesmo termo que se livra da culpa o padre, sc condena a toda o
||aÍnestre-dc-campo”. A partir desta investigação, suas recomendações fo-
seu parecer tenha tido grande influência na decisão do Conselho UltraV
*
marino.' Para Miguel dc Carvalho, era muito improvável que os paiaciisj^ffl irâm claríssimas. Além de aconselhar que o ouvidor da Paraíba, fazendo
estivessem com intenções de se levantar contra os moradores, pois, ^rreção na capitania do Rio Grande, passasse para o Geará a fim dc
“ eihor averiguar esta matéria, parecia-lhe incontestável que o mestre-
jÇrcampo “parece digno de exemplar castigo não só pela gravidade do
cm 6 dc dezembro: “mais boi» fora <|»c a espada estivesse sobre a cabeça desses bártejígíl Ipito, mas pelas gravíssimas c perniciosíssimas consequências dele, que
ros até <|»e dc todo sc sujeitassem; porque cuidar-sc que só com a brandura sc hãçf^^g ponderadas são as mais odiosas c as mais opostas à promulgação
amansar é, foi, c será engano sempre, c sem essas experiências ficam, e irão oscníiijí ,
Evangelho que o demónio poderia inventar c as mais contrárias à
monte cm monte, c principalrticnte (piando são envolvidos com paixões patticuhre&ã^
Carta dc Leneastro ao governador de Pernambuco, 6/12/1701. DH, 39:155-6. 1
if-dade e justiça”.97
Dèste parecer, considerou o rei que este caso era “digno de toda a
•>2
Carta régia 13/1/J7OO. AHU, cód. 246, 108.
Caua dc Leneastro para o mestrc-dc-campo, 6/4/1700. DH, 39:114-6. Nesta ' riguação e merecedor de um exemplar castigo”. Dc pronto, a carta
•H Leneastro recomendava epie o mcstre-de-campo escrevesse ele mesmo uma aã»
rei dando conta dc sua obra. Com vimos, Navarro escreveu não uma, mas várias"'
Em 24 dc julho, a frota ainda não tinha partido, mas os papeis do paulista já,h|
chegado. Carta dc João de Leneastro para o mcstrc-dc-campo, 24/7/1700. DH,‘3 ~ |®âtc documento, segundo Evaldo Cabrul dc Mello, ele “não poupava ninguém
Carta de João dc Leneastro para o governador dc Pernambuco, 7/5/1700, DH3£"X S&s desordens”, adotando um ponto dc vista equidistante. Seria essa informação
^o^reos paulistas endereçada ao mesmo secretário? Evaldo Cabral de Mello. Afrontla
•M Ernesto Enncs. Asfftemtsdos Palmares. São Paulo, 1938, p. 370-89; Carta dc Le~
mazombos. São Paulo, 1996, p. 121.
ao governador de Pernambuco, 6/12/1701. DH, 39:155-6; e AHU. Pernambuco,
'■* RIHGRN, flk 138-9. Dc fato, esse mesmo Miguel Carvalho (espécie dc inform ffflação do padre Miguel de Carvalho, 9/1 l/l 700; certidão dc 'leodósio da Rocha,
Bw.1699. In: Barão dc Studart (cd.). “Documentos relativos ao mcstrc-dc-campo
Monarquia) escrevera em outubro do mesmo ano, uma informação sobre a «S
do Oratório cm Pernambuco a Roque Monteiro Paim, secretário de Estadg |6gis Navarro”. RIHGC, 31-. 192-5 c 182-4, 1917.

Zrv
274 l> A U I. I S T A S ,V MAZOMBOS
paulistas .V mazombos 275
rcíii i dc 15 dc dezembro de 1700 ordenava ao ouvidor-geral da 1 araiba,
de estar na cadeia da cidade de Olinda, o mestre-de-canipo andava sol­
Cristóvão Soares Reimão, vulgo “Cotia”, que largasse seus afazeres c to. Nesse sentido o rei cobrou do governador-geral que o mantivesse
fosse ao arraial do Açu para prender o mcstre-de-campo e rcmcte-lo ou ÍatTauedc “ 7™^ ,ndh,,r da situaÇâo’ P01’s ” «ime de Navarro
oira a cadeia dc Pernambuco ou para a Paraíba, onde entenderdes
cra tal que ele pode merecer sentença de morte natural”. O processo
que pode estar mais seguro com o risco de fugir, e com o escrivão que contra ele demorava, pois Soares Reimão não conseguira sensibilizar,
vos parecer tireis devassa do dito caso, c dareis livramento aos culpados
ate então, o oiivulor-geral de Pernambuco para tpic fossem interpela­
nela com apelação para a casa dc suplicação desta Corte . ^insidc-
das as testemunhas do caso.- Muito provavelmente em razão das re­
rando ser injusta a guerra movida contra os tapuias da naçao | aiacus , percussões deste caso, o ouvidor de Pernambuco fora, no ano anterior
outra carta régia mandava que o ouvidor pusesse imediatamente em . nomeado como juiz privativo de todas as causas dos índios e tanuias
liberdade os cativos.'" Na mesma data, o rei cobrava dc Joao de Lencastro ; do distrito dessa capitania”, com expressas ordens de deferir “breve e
a execução de suas ordens dc extinguir o terço dos paulistas e fazer
fsumanamente os assuntos — daí sua responsabilidade de ocupar-se
restituir aos moradores do Rio Grande as terras que o dito mestre-de- ;. 1:, do julgamento do paulista."’5 1
campo lhes tivesse tornado”.'1’0 Lencastro perdia, ainda, a junsdiçao da . : A despeito de toda esta mixórdia, as hostilidades dos tapuiis le
capitania do Rio Grande e da região do Açu, agora sujeitas ao governo • .j ; vantados prosseguiam. Dessa forma, as tropas deveriam permanecer
dc Pernambuco, “atendendo a que pela grande distância que ficam da unidas sob o comando temporário do sargento-mor, José de Morais
Bahia não c fácil que daquela parte se acudam as desordem que ali ; . : Navarro, e partir para o sertão entre o Ceará e o rio Parnaíba, onde as-
podem acontecer”."’1 Já sem a jurisdição do terço, que lhe escapava ao . . sentariam um arraial e fariam guerra aos “tapuias parambesès”, a fim
comando. Lencastro, certamente consternado, escreveu ao ouvidor da ;
- M CV'i -f «7.7, “,mPcd,s's<'m a comunicação deste estado para o dito
Paraíba em abril dc 1701, ordenando que prendesse Navarro e o reme- : Mara. ° ’ Passados alguns meses, o governador de Pernambuco
tesse à cadeia de Pernambuco ou à da Paraíba, com muita diligencia , J acreditava ser impossível deslocar os paulistas por conta das altera­
Of
para que não houvesse a menor inquietação no terço. Mandava, assim, .< ' ções do gentio bárbaro do Rio Grande. Ao consultar a Bahia, recebeu
que entregasse na ocasião uma carta ao mestrc-dc-campo em que pe:.; fe .úmajesposta sardónica de Lencastro, na qual ele lavava as mãos, pois
dia tranqiiilidade ao amigo e dizia que a prisão cra a oportunidade para; Ê-.^Jei “Ph® Pasf*ado a jurisdição do Rio Cirande para Pernambuco e
que demonstrasse seu leal procedimento no caso.' Apenas em 8 de
mag Ca r* TWr dcdsõcs-,W Com° a extinção do terço ainda
julho, o ouvidor da Paraíba dava notícia de ter ido ate o Açu e provi-.^J
6 haV'a rcalizado’a tarefa Passava agora para Pernambuco. Em
dcnciado a soltura dos paiacus que se encontrassem cativos dos paulistas,^Étí? J ° gOvcrnador de ^rnambuco havia enviado, talvez por solicita-
quando então prendeu o paulista."’-' Apesar disso, em setembro, em veg J
S7U pnT°’ uma cana ao re' em CIUC dizia não ter recebido da
°rdCm a!gl,ma Sobre a deP°siÇão do terço de Navarro, ao que
•« para t mlO( poderia levar consigo seis homens dc vara, c os seus oficiais, e eram exigidas explicações.No ano seguinte, o novo governador
infamaria que entenderes vos necessária para vos acompanhar, a qual pedireisao®?- • j ^Slz:L
* 4
ísííFT-------------------------
vernador de Pernambuco c ao capitão-mor desta capitania da Paraíba . or / ■'
são iianhariam o ouvidor 2$000 reis por dia. o escrivão, dois cruzados, fora a sua^|g| AHÍ ’’ 25.7’.flS' 8O-8OV‘ Por - vez. foi mui-
F« í • condenado a dois anos de degredo para fora da vila e seu ter-
crita o meirinho dez tostões, c os homens de vara 250 réis, desde o dia que sa &S£r7v7 •‘T"’,0 rclaxan'cnto das PfiS(«s dos poderosos em eoncluio com os
Paraíba até a volta a ela, “pago tudo a custa dos culpados, e não tendo estes ben^O
XSS 'S f<>ram l’r<,mul»>das visando coibir esses abusos: a lei de 30/6/
custa dl Fazenda Real”. Carta régia 15/12/1700. AHU, cód. 257, fl._72v-.v.
(arta'régia ^xiraii ouvidor da Paraíba, 15/12/1700. AHU. cód. 257, fl. 74; e A» W/5/1681„arpc?‘1!‘ scvcras’ mas’ c,n razao 1,0 sua inaplicabilidade, foi reeditada em

Paraíba, caixa 4. A cópia desta mesma carta régia, enviada para o governado
Paraíba, caixa h./\ vopiu
nambtico, está
nambtico, impressa em
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âintíro om.vH no"lc<’" l’araowsmo posto o corregedor da cidade e, no Rio dc
('arta réiria
réeia ao govcrnador-gcral, 15/12/1700. Dll. .W:l
15/12/1700./)//, 18-Z
AZl 18-9. Wndo Maninslu gCfa Ca,’ltan,a- Carta ró«'a ao governador dc Pernambuco, F«r-
ta» (.arta reg a ao govcri ______ _____ 11/1/1701. RIHGRN.
b Pernambuco. IM31. .
(íarta régia ao governador dc KÍH^R^'^ Ai7'
if^ rf r Mascarcnhas de 1-cncastro, 5/11/1700. AHU. cód. 257 11. 56
Carta dc Lencastro ao ouvidor da Paraíba, 8/4/1701. Dll, 59:138 - „]
nu Garra H , ncastro ao ouvidor da Paraíba, 8/4/1701. Dll. .W.l 38-41.
cl"a do ouvidor da Paraíba ao rei (inclusa), 8/7/1701. consulta do Conselho Ul|
ICB ^‘rta XunCaStr" ao 8°vcr,,ador dc Pernambuco, 16/9/1701. Dll. .10:151-2.
rino. 8/11/1701. AHU. Paraíba caixa 4. ■; regia ao governador dc Pernambuco. 4/1/1702. AHU, cód. 257, fl. 93v.

0
276 PAULISTAS .V MAZOMBOS
PAULISTAS .V MAZOMBOS 277
dc Pernambuco, Francisco de ('astro Morais, que alimentava unta (na ribeira do Guará-Mirim), São Paulo (na ribeira do Poccngi) c São
“desconfiança pela causa” dos paulistas, apostava na sua dissolução. João Batista (na ribeira do Cnnhaú).”2*No início de 1703, o sargento-
Afinal, para que tantos gastos numa situação de aparente calma? Em nior havia pedido autorização para mudar o arraial do lugar onde esta­
uma carta de dezembro dc 1703, o governador-geral, d. Rodrigo da vam há três anos, para o sítio em que estivera Matias Cardoso.115 A ini­
Costa, tentava convencê-lo a aceitar a manutenção dos paulistas no ciativa era motivada pelas dificuldades tio clima c a falta cfágua. Al­
sertão, pois “o valor dos pernambucanos é muito para ser estimado, guns meses depois, cm setembro, o sargento-mor iria pedir licença para
mas sempre é boa a desconfiança”.1"1' Rodrigo da Costa, que tomou se retirar em razão dos “achaques que padece”.”4 O governador-geral
posse cm julho de 1702, manifestou sua simpatia pelo mcstre-de-cam- achava pouco conveniente abandonar o arraial, ainda mais porque seria
po c diligenciou por pagar os soldos atrasados c manter a unidade da necessário convencer a Junta das Missões. Em junho dc 1703, quando
tropa.1"’ ainda estava “preso”, Navarro recebera carta branca de d. Rodrigo da
Com a saída de Bernardo Vieira de Melo, aos poucos os paulistas Costa para que, nos casos relativos às guerras do gentio “que necessita­
voltavam a coser suas alianças com os agentes locais da Coroa. Alguns rem de remédio pronto”, resolvesse com seu parecer e de alguns cabos
I .
sucessos, como a prisão de uma liderança dos janduís, o “régulo Loyo”, I ■■■ mais inteligentes “o que for mais conveniente à segurança e quietação
cm agosto dc 1702, eram festejados pelo novo capitão-mor do Rio Gran­ dos moradores do Rio Grande e das mais circunvizinhas”.115 Navarro
de, Antônio Carvalho dc Almeida.* 111 Mais importante, sem dúvida, foi ficaria preso por pouco mais dc dois anos.1"' A documentação não nos
o “protesto de fidelidade” assinado por todos os “governadores c gran­ permite saber qual o destino do processo, que se encontrava engavetado
des da nação janduí” das três novas aldeias: Nossa Senhora de Aparecida na Relação da Bahia.117*O mais provável é que, passados os momentos
de maior animosidade, c muito cm razão da maneira como o terço se
acomodou na estrutura dc poder da Colónia, tudo dar-se-ia por esque­
IIW
’ Carta dc d. Rodrigo da Costa ao governador dc Pernambuco. 2/12/1703. DH, J9: 200-1. cido. Em setembro dc 1703, Rodrigo e Costa parabenizava Navarro pela
IIII
' Em agosto dc 1702, quando já era governador d. Rodrigo da Costa, este mandou 33 noticia “de estar solto c livre".11’*
f-í
mil cruzados ao terço, comandado pelo sargento-mor e, cm carta ao Navarro, lamenta­
‘•í
va muito o seu impedi mento. A ordem para pagar os atrasados dos soldos vinha dc
Portugal e fora passada para Pernambuco, cujo governador a comunicou cm junho 112
Protesto dc fidelidade a<> rei d. Pedro 11, de todos os governadores c grandes da nação
a Jlahia. Carta dc d. Rodrigo da Costa ao mcstre-dc-campo tio terço dos paulistas, janduí. Natal, c. 1702. IHGRN. caixa 65, livro 3, fl. (27-127v.
18/8/1702. DH, .70:162-4. ui
Carta de d. Rodrigo da Gosta ao governador dc Pernambuco, 14/7/1703. DH, 39:172-4.
III
Carta régia aos oficiais da câmara dc Natal, 9/5/1703. AHU, cód. 257,11. 121 v. Bernardo • ' ■ |H
Carta de d. Rodrigo da Costa a josc dc Morais Navarro, 17/9/1703. DH, 39:189.
Vieira de Melo foi capitão-mor do Rio Grande até 14/8/1701, quando foi substituído > T ,IS Carta de D. Rodrigo da Costa ao mestre-de-campo do terço dos paulistas, 15/6/1703.
por Antônio de Carvalho e Almeida. Cumpriu dois triénios, por pedido dos morado- . DH, 39:175
res c anuência da Coroa. Km 1707, candidatou-se ao posto dc capitão dc infantaria ' 1,4 Na certidão que passou para o sargento-mor, Navarro conta que “em tempo de mais
dos terços dc Pernambuco, sem sucesso, c, um ano depois, ao posto dc sargento-mor de dois anos t]uc estive preso”, acpíele o havia substituído
do terço dos Palmares, sendo nomeado pelo rei cm 14 de maio dc 1709 (carta patente do Açu, 8/1/1704. AHU, Rio Grande, caixa 3,43. com zelo. Certidão, arraial
117
25/9/1709). Depois dc canalizar seu nativismo c sua felonia contra o governador de v No final dc 1700, o rei pedia que o chanceler da relação da Bahia lhe mantivesse
Pernambuco, Sebastião dc Castro e Caídas, na “guerra dos mascates" (1710-11),onde informado da sentença sobre o dito agravo. Carta regia para o chanceler da Relação da
se imaginou que clamara por um república ad instar dos venezianos, acabou sendo \ Bahia, 15/12/1700. AHU, cód. 246, l40v.
preso junto com seu filho André, cni 1712. Enviados para Lisboa, na prisão do E
Carta dc d. Rodrigo da Costa ao mestrc-dc-campo do terço dos paulistas, 17/9/1703.
mociro, morreram cm uma noite fria, sufocados pela fumaça dc um fogareiro dc car- ‘ ’ DH, 39:187. Quanto às terras que reclamavam os patdistas como paga por seus servi-
vão, antes dc receber sentença ou “aproveitarem os favores da anistia". Consultado : ços, uma carta régia de julho do mesmo ano, resolvera que as sesmarias que estavam
Conselho Ultramarino, 7/8/1697. AHU, Rio Grande, caixa 1, 42: a provisão o dadas e povoadas antes do levante seriam restituídas aos seus antigos donos que as
reconduzindo ao governo do Rio Grande c dc 7/1/1700. AHU, Rio Grande, caixa 1,;, ■ ' ' ■ ■ haviam abandonado, e que aquelas terras livres seriam distribuídas entre os oficiais e
*?
66. Consulta do Conselho Ultramarino, 15/7/1701 c Consulta do Conselho Ultrama--.;» soldados do terço para que eles as povoem, "como se fez ao terço dc Domingos Jorge
rino, 18/1/1708. AHU, Pernambuco, caixa 17; papéis de Bernardo Vieira dc Melo ■,1 3^ ‘Velho nos Palmares”. Carta régia 4/7/1703. AHU, cód. 257, fl. 136. Luiz Eclipe dc
apresentados cm 1728. AHU, Rio Grande, caixa 1, 66; Evaldo Cabral de Mello. A i”:» Alcncastro, ao tratar da demanda por terras de Domingos Jorge Velho, discute as
Jronda dos mazombos. São Paulo, 1996, p. 285; c Tárcisio Medeiros. “Bernardo Vieira -,y.s razões da sedentarização tios patdistas. Os luso-brasileiros em Angpfa: constituição do
de Melo c a guerra dos bárbaros". RHIGRN, 59-6h34-(>, 1967-1969. i r espaço económico brasileiro no Atlântico Sul, 1550-1700. Campinas. 1994, p- 127-31.
278 PAUI.ISTAS X MAZOMBOS PAUI.Istas .v mazombos 279
Quando Francisco de Castro Morais tomou posse como governador do aos paiacus, as dificuldades cm manter missionários cm um sertão
de Pernambuco (3/11/1703), teve notícia de que os icós (tarairiús) ha­ tão afastado, levou os jesuítas a transferirem os índios pacificados para
viam matado dezoito moradores da ribeira do Jaguaribe, ao que encar­ aldeamentos mais próximos do litoral. Os do Jaguaribe foram levados
regou o terço dos paulistas de fazer-lhes guerra. O governador alegava pelos missionários João Guinzel c Vicente Vieira para o aldeamento de
que tinha respaldo da Junta da Missões, mas foi duramente cobrado Urutagui, na Paraíba. Já os paiacus do Apodi, foram levados por Filipe
pela Coroa a “enviar os votos”, isto é, a comprovação desta decisão, Bourel c Manuel Dinis para uma nova missão de Nossa Senhora da
coisa que não parece ter feito."'' O governador da Bahia demonstrou Encarnação, no lugar da antiga aldeia potiguar de Igramació no litoral
sua preocupação; afinal, até então a Junta das Missões vinha sistemati­ sul do Rio Grande (atual município de Vila Flor).123
camente impedindo as operações do terço dos paulistas no Jaguaribe.*120 Com o abrandamento dos conflitos com os tapuias, os paulistas se
De toda maneira, segundo uma certidão do padre Filipe Bourel, no dia viam cada vez mais embaraçados pelos interesses e razões particulares
11 de novembro de 1704 o terço saiu em campanha para fazer guerra dos moradores dacpielas capitanias. Em 1707, quando Sebastião de Cas­
aos ditos tapuias, que diziam estar confederados com os cariris c paiacus. tro c Caídas assumiu o governo de Pernambuco, o governador-geral,
Depois de longa marcha, deram no alojamento dos índios, matando-os Luís César de Meneses, pediu que averiguasse o terço dos paulistas,
e aprisionando todos, não tendo escapado mais que dois ou três. O mes­ preocupado que estava com o descaminho dos pagamentos. Segundo
trc-de-campo ficou ali, cuidando dos feridos e dos prisioneiros, enquanto ele, “ate o presente não tem vindo nenhuma clareza nas pedidas, nem
José de Morais Navarro corria com sua gente atrás do restante dos ta­ o número de praças |emj que o dito terço se acha, e me consta que dele
puias. Cinco dias depois encontrou os “confederados”, que se haviam só existem alguns capitães c oficiais c que há muito c grande descaminho
juntado aos guergues. Na batalha que se seguiu, morreram 150 tapuias, nas pagas que se fazem”.121 Como em 1704 o mestrc-de-campo pedira
entre os quais o principal dos icós. Ao que parece, esta teria sido a úl­ licença “por tempo de um ano a São Paulo”, “por lhe morrer sua mu­
tima grande expedição “pacificadora” do terço de Navarro. Nas pala­ lher”, passados dois anos, o rei, insatisfeito com tantas queixas dos mo­
vras de Bourel, “com a notícia dessas vitórias, temidos os mais gentios radores do Rio Cirande, que lhe pagavam os soldos mesmo em sua au­
habitadores dos sertões daquelas partes, vieram buscar o dito mestre- sência, havia mandado verificar se o paulista “reside no seu arraial”;
de-campo dando obediência e prometendo inteira fidelidade a Sua Ma­ caso contrário, ordenava a sua baixa imediata.1-’’ Não obstante, cm no­
jestade”.121 Sinal mais importante do fim das hostilidades foi a reco­ vembro de 1709 o pagamento continuava sendo enviado, apesar dos
•?!
mendação de Francisco de Castro de Morais, governador de Pernam- ■ repetidos protestos do governador-geral, que dizia ter notícia de que o
buco, que em carta ao rei de 20 de dezembro de 1705 propunha extinção
do forte real de São Francisco Xavier na ribeira do Jaguaribe.122 Quan- 'Wr ’
‘íÃC-1'
Situado 14 léguas acima da barra do rio Jaguaribe, foi necessário para fazer fronteira
< dos sertões c respeito aos tapuias, "porem hoje não servia aquele presídio para coi-
- sa alguma, por se achar já a dita ribe
*ira povoada com muitos moradores, mais de HO
119 infantil dc Portugal escreveu-lhe, em 18 de julho de 1704, pedindo explicações a 100 léguas para o sertão c porque o dito presídio não pode defender a barra por
sobre a guerra que mandara fazer “aos tapuias do corso, gentio bravo, e índios levan- íJW-.T.'- ' ficara 14 léguas. . De fato, o fortim foi abandonado em 1707. Cf. Carlos Studart
tados”, ordenando enviasse os votos de todos os membros da Junta das Missões. j Filho. Pdginas de hislória e pré-história. Fortaleza, 1966, p. 202-5. Sobre a fundação
Pouco mais tarde, o rei dizia tpie, apesar dc o governador haver insinuado, cm carta do presídio, veja consulta do Conselho Ultramarino, 13/8/1696. AIIU, Pernambuco,
dc 27 dc setembro de 1705, que enviara os votos, estes, contudo, não haviam chega- X" caixa 12.
do, de modo que deveria novarnente remetê-los, desta vez ao Conselho Ultramarino. Amissãodo Apodi foi retomada em 1706c novamente abandonada em l7l2.Sotnen-
da infanta de Portugal para o governador dc Pernambuco, Francisco de Castro - ■: te em 1725, os capuchinhos italianos recuperariam a missionação naqueles sertões.
('arca da infanca dc Portugal para o governador de rcrnarninjco, rnmcisco uc u»nv
..........................
Morais, 18/4/1704. AI IU, cód. 257, fl. 139. Carta regia ao governador de Pernambuco,, ..... '1 ÈJÍ;••• Cf. Fátima Martins 1 .opes. Missões religiosas: índios, colonos e missionários na coloniza-
28/9/1706. AHU, cód. 257, fl. 139; certidão do governador de Pernambuco explican- (do da capitania do Rio Grande do Norte. Recife, 1999. p. 153-4.
....... ... .................—’ — - . . ,. .
do a situação da guerra aos icós, 27/12/1705. AHU, Rio Grande, caixa 1, 60. ? Carta governador-geral a Sebastião de Castro c Caídas, 12/9/1707. l)H, .7^237.
Carta de d. Rodrigo da - Costa
• ao governador
• de
• Pernambuco,
• 16/9/1704. DH.
-- i/wcmi f\tl J#221^.j£^ffi Carta régia, 4/11/1704. In: Barão de Studart (ed.). "Documentos relativos ao mestre-
I *11 w
fep^dc-campo Morais Navarro”. RlllGG, .?/:2l9-20, 1917; carta régia 18/9/1706. AIIU,
121 Certidão de 1/11/1705. AHU,
LKIilUUU l/| |/i rt/.o tu iv-, »»i.. Rio Grande, caixa 1, 60.
—............ ,---------
c presídio, fundado em 1696 com vinte soldados, comandados por João da Mota,;<^||| sfe^Cód. 257, fl. 121, Baseada na consulta do Conselho Ultramarino, 4/9/1706. AHU, Rio
122 lístc ,
......... ........... —lis dc trinta soldados negros para garantir a segurança da população, Grande, caixa 1, 63.
já contara com mais
PAULISTAS x MAZOMBOS- 281
28(1 PAULISTAS .V MAZOMIIOS
terço “está muito diminuto dc gente c que o seu mcsirc-dc-cainpo fora Com o que acumulara nestes anos de guerras, e o mais que obtivera
para as minas do ouro a tratar de suas conveniências”.1-6 Em 1710, o rei nas Minas, tornou-sc então senhor de engenho e respeitável morador.
ordenou ao ouvidor da Paraíba, o “Cotia”, que se informasse dos deli­ Tendo sido provedor da Santa Casa e juiz da câmara de Olinda, ele
tos do mestrc-de-campo e, constatada a verdade das denúncias, man­ ainda vivia, cm 1745, em seu engenho dc Paratiba, nas vizinhanças da­
dasse prendê-lo nova e imediatamente. Na carta resposta de 3 de maio quela cidade (hoje município de Paulista).111 Seu filho, Domingos dc
de 1710, o ouvidor dizia que “o mestrc-de-campo havia dois anos que Morais Navarro, será capitão-mor do Rio Grande de 1728 a 1731.
se fora com negócio para as minas do ouro”, dc modo que ordenava ao Desde os acontecimentos de 1701, o terço teve seu contingente re-
■ duzido, permanecendo assim até a sua extinção em 1716, quando seria
governador de Pernambuco que se ele não se apresentasse no seu ter­
ço que se guardasse o que dispõe o regimento das fronteiras, isto é, sua incorporado, como um regimento, à guarnição da fortaleza dos Reis
Magos, na cidade do Natal. Em 1701, as dez companhias estavam re-
baixa imediata c desonrosa.1-’7 • duzidas a sete: a do mestrc-de-campo, as dos capitães Bento Nunes de
Passados três anos, o rei, ainda constrangido com o absenteísmo do ’
4 Siqucirtt, Francisco Lemos Matoso, Antônio Gago de Oliveira, Salva-
mestrc-de-campo, ordenava que ele se recolhesse ao seu terço com ur- :
gência, o que foi publicado nas capitanias da Bahia, Rio Grande, São -b dor de Amorim c Oliveira, que se encontravam no arraial do Açu, e as
Ff de José Porratc dc Morais Castro c Luís Lobo dc Albertim, que resi-
I2H
Rio dc Janeiro.” Ultramarino chegou a recomendar novamente ; diam cm Olinda.117 Passados dez anos, o rei pedia providências para
Emc1715,
Paulo o Conselho
^ reorganizar o terço, porque lhe constava que estava impossibilitado de
a sua prisão c a do sargento-mor.1-’ O que, porém, não ocorreu. Em 1732,■> '
cm uma petição, Manuel Alvares de Morais Navarro pedia a desobriga 0? $e “reenchcr” de soldados pela precariedade das condições no arraial.
da exigência da devolução das armas dc fogo que lhe haviam sido pas­ ÇFSugcriu-se, então, que este fosse mudado de local c que o terço, tal
RFcomo o dos Palmares, fosse reduzido c mais profissionalizado, ficando
sadas durante a atividade do terço. Pouco a pouco o paulista se integra-;
ra, paradoxalmcnte, na “nobreza da terra”, tendo até mesmo se casado^ iSempre a postos para uma eventualidade.111 Com efeito, em 1712, uma
com Teresa de Jesus Lins, descendente dos Wanderleys e dos Lins,’ ' Hbriortaria do governador de Pernambuco, anexa ao “livro do escrivão do
Bíerço dos paulistas”, informa que este ficara reduzido a duas compa-
famílias dos pró-homens dc Pernambuco.1
ano seguinte, os oficiais da câmara dc Natal, incomodados com a
Carta dc Luís César
__________________ Meneses a<> governador dc Pernambuco, 4/i 1/1709./)//, 3£242íáíí
(íom efeito, desde a proibição dc 1701, havia unta preocupação dc observar as oMcn^|i
I ência e deslealdade” dos tapuias incorporados ao terço, pediram
zidor de Pernambuco que mandasse retirá-los da capitania. Con­
do tei “para que não haja comunicação alguma dessas capitanias dc Pcrnamburo &f
Bahia com as minas de ouro dc São Paulo, nem dc uma c outra se poderem introduzir,-' to a Junta das Missões, a resposta veio em forma de bando, em
nelas gados, escravos ou outros quaisquer gêneros”, 20/7/1703. DH, 39-A85. Acàra : ordenava a que todos os moradores, que tivessem consigo tapuias
régia dc 7 dc fevereiro dc 1701 ao governador dc Pernambuco resolvia que ís, caborés ou capelas, que os remetessem para Pernambuco, dc
capitania não devia se comunicar pelos sertões com as minas tle São Paulo, nem da
seguiriam para o Rio dc Jtonciro. Não era para tanto. Os oficiais
tlitas minas se possam ir buscar gados ou outros mantimentos a esta sobredita captó
nia de Pernambuco, nem também dela trazcrcni-se as minas”, “informação gèrafp im então que o bando fosse cancelado, pois tal medida resultaria
ejuízo para os moradores que “não consentem na ida c venda dc
capitania dc 12/12/1710,
Carta régia Pernambuco ”. ABN,
AHU, 2áf:200,
cod. 1906.
257, fl. 290v. Apesar disso (o que dcmonstft iscravos, porque os tinham conforme a ordem de Sua Majestade,
dificuldades da burocracia do Império), segundo o barão dc Studart, Navarro^ do que, quase todos são fêmeas c, mesmo que fujam, não farão
sido nomeado, em (711, para governar o distrito do Serro do 1‘rio, no contexto 1 alguma, ao contrário, servem nas residências como chamariz aos
atividades apaziguadoras do novo governador do Rio de Janeiro, Antônio dcA
querque Coelho de Carvalho. Provisão do governador do Rio de Janeiro, 6/2fi
In: Barão de Studart (ed.). “Documentos relativos ao mcstre-dc-campo $$
BÃfohsodc E. Taunay. “A Guerra dos Bárbaros”. RAM, 22:283-5, 1936.
®||ja'dos que assinaram a certidão de 3/7/1701. AHU, Rio Grande, caixa 1,60.
Navarro”. RIIIGC, .H-.220-1, 1917.
Carta régia, 20/3/1714. AHU, cód. 246, fl. 359v. régia ao governador-gera), 24/4/1711. AHU, cód. 246, fl. 292.
Consulta Conselho
doJosé Ultramarino, gOõdo escrivão do terço dos patdistas do mcstre-dc-campo Manuel Alvares dc
Borges da8/4/1715,
Ponscca./)//, 98:250. pcrnambucana".(l
12»
Cf. Antônio Vitoriano “Nobiliarchia
*1
12
Navarro, nota dc 31/5/1712. IHGRN caixa 34, fl. 138.
t.V»
ABN, 47A05-0, parte 1, 1925. ■J
■ iS
p a 0 i. i s •> A S -V M AZO M R o S his cstão casa-

tapuias que o W^0mpt!o pelas

sendo substituído por um regimento,

duas companhias.’*

EPÍLOGO

Rei ri-apa cm 1704, a Guerra do Açu .sobreviria nos anos vin­


douros. Contudo, para alem dc uma pretensa guerra total proclamada
pelo jovem rei, d. João V, em 1708, ou a guerra justa movida contra os
janduís (chamados dc caburés c capelas), em 1712-13, não eclodiria ne­
nhum outro grande combate cm escala nos sertões do norte do Estado
do Brasil.1 Nesse sentido, podemos dar por encerrado o grande ciclo
das revoltas indígenas da segunda metade do século XVH. Segundo a
avaliação de um missionário do sertão, o padre Antônio dc Sousa Leal,
clérigo do hábito de São Pedro, estes recontros entre luso-brasileiros c
■tapuias estavam longe da guerra “justa” movida contra os bárbaros que
obstavam a expansão da fé c a propagação dos gados pelos sertões; ha­
viam degenerado na pura satisfação das ambições dos moradores e de
1 $eus capitães-mores, “porque todos são interessados nos cativeiros dos
"pobres dos índios”. Escrevendo cm 1720 para o Conselho Ultramarino,
$ Referia-se a “muitos casos dc guerras não só injustas mas aleivosas c
Jhuitas mortes c cativeiros leitos debaixo de paz e amizade, sendo cha-
*
IH" mados os índios dc propósito c convidados com enganos para esta alci-
} ^WÍsia e mortos a sangue frio aqueles que são capazes se tomar as armas
4
Kfflara a seu salvo lhe cativarem as mulheres c filhos”.2
Oí-Em dezembro de 1715, o governador-geral, marquês de Angeja, alc-
|&ra o cumprimento da ordem dc d. João V para autorizar a um certo
~ - , M , I . ,, . ro. 19/3/1713;bȒ^

’ Curta «ios oficiais da cantara dc Natal ao governador dc Pernambu cjmdrj je ífsbarta régia ao governador dc Pernambuco, 20/4/1708. AHU, cód. 257, fls. 214v-5;
do do governador dc Pernambuco, 24/5/1713; c carta dos oficiais c- - ™ .ia iiqvíjfer^
ao governador dc Pernambuco, 29/7/1713. IHGRN, caixa 75, livre7' ’ —-mV- pfearta ao govcrnador-gcral, 20/4/1708. AHU, cód. 2-16, fl. 240v; c carta resposta, 28/7/

|,-17Ò8. D/i, 34:298-9. Sobre a guerra aos caborcs c capelas, veja carta régia 3/4/1712.
135-135V, c fl. 136-137. adas „0 p'AHU, cód. 257, fl. 341;consulta do Conselho Ultramarino, 18/7/1713. l)ll, (>A':206-07-,
No início da década dc 20, estas companhias achavam-sc aqutrr , Q|ivõíl
atas da Junta das Missões dc 5/9/1712, 3/4/1713, 13/4/1713 c 11/2/1714. BNf.,
1’crrciro'íõrto, próximo dc Natal, onde o sargento-mor tinha um <Z |35- c fflColeçâo Pombalina, códice 115, fl. 36v„ fl. 37-9,11.42-43v c fl.SOv., rcspcctivjmcntc.
Medeiros Pilho. Aconteceu na capitania tio Rio Grande. Natal, 199/’ ,.„ovc'fr
KSxtosulta do Conselho Ultramarino, 29/10/1720. AI IU, Ceará, caixa 1, 93.
11/7/1723. AI II I, Rio Grande, caixa 3,43; c carta da câmara dc Natsr ” Wfafrau
Pernambuco, 16/2/1720. IHGRN, caixa 99, livro 6, fl. 137-0.
284 EPÍLOGO i< i* í l. o í; o 285
Manuel Alves de Sousa, capitão-mor da freguesia da Barra do Rio Gran­ Guinzel (ou Guedes) — que, com vimos, havia missionado entre os
de, que fizesse “toda a guerra ofensiva que puder, cativando a todos paiacus. Quando era missionário no Maranhão, entre outras, testemu­
[os bárbaros] que nela aprisionar, os quais serão rematados cm praça nhara um “bárbaro folguedo” promovido pelo mcstre-de-campo Antô­
pública para se tirarem os quintos de el-rci”? Para remédio destes e nio da Cunha de Souto Maior. Reunindo os amigos — e, entre eles, o
outros abusos, o padre Sousa Leal sugeria que fosse criada uma ouvidoria ouvidor do Maranhão, Luís Pinheiro — Souto Maior organizou uma “di­
no Ceará c que o rei proibisse a guerra aos tapuias que não fosse defen­ versão”: mandou seus homens soltarem uns tapuias anapuruçus “que
siva, “e que esta defesa seja somente dentro dos limites da tutela 1 [ele] tinha preso, obrigando-os a correr”; depois, ele e seus amigos, “ca­
inculpável”. O parecer do conselheiro Antônio Rodrigues da Costa, que valgando atrás deles, cortavam-lhes a cabeça”. Um de seus comparsas,
ecoa os argumentos do padre Sousa Leal, entendia que “a liberdade de o capitão Tomás do Vale Portugal, que se tinha por grande corredor,
guerrear os tapuias se desenfreara de tal maneira que os capitães e par- preferia perseguir os tapuias a pé. Tal violência levou a uma grande
ticularcs o faziam indistintamente, mesmo contra os mais pacíficos me­ revolta dos tapuias, prontamente reprimida com reforços vindos de
tidos nos sertões, só para os cativar”. O missionário clamava por um ' ■ Pernambuco /'
freio à barbárie dos portugueses, que praticavam uma guerra sem leis. . A justiça d’el-rei só se faria sentir em 1733, quando, considerando a
Nas suas palavras, se a Junta das Missões autorizasse a guerra ofensiva, í ;*
distância daqueles sertões e o desatino do ouvidor do Maranhão, foram
que fosse feita “como homens a outros homens e não conto homens a feras, ■ ; enviadas explicações para <|ue o ouvidor-geral da capitania do Ceará
í:
que é o que às vezes praticamos nas guerras que fazemos aos índios”.4 -i julgasse sumariamente os casos de cativeiro injusto e não esperasse a
O relato feito pelo padre Sousa Leal do quc se tinha passado no Piauí, íposição da Junta das Missões.7 A situação era de completa débâcle dos
no Ceará e no Rio Grande, entre 1700 e 1720, servia como base de sua “-iWí í|tapuias. No NJn mesmo
triocrtsn ano, o governador * yde
........ - ___ -----
. ~ vuiupo-ui eieuucte nos
Pernambuco, Duarte Sodré
petição por mais justiça. Este documento impressiona pela narrativa í fr ÊjPereira Tibau, podia informar que “ultimamente estamos senhores das
miúda de uma série de violências e abusos praticados contra os índiõs^íS j|i8|lias terras, que sendo todas povoadas deles quando estamos senhores das
as descobrimos,
que se tinham, à princípio, como aliados e pacíficos. No Piauí, Sousjrpp^l
nos achamos senhores delas e eles extintos, p^i
porque há apenas 41 aldeias
Leal ficara sabendo de episódios hediondos. No Ceará, piores: èín 400 léguas de terra da costa do mar, fora
cabiam neste papel os muitos males que nela tinham sofrido assim'^’^ r ”„8 Com efeito, quando a “paz” voltou ■_._i os sertões por ele aden-
índio aldeado da língua geral como a tapuia de várias nações da lín; ' ao sertão do Rio Grande c
eárá, os povos indígenas, derrotados c reduzidos,
travada, dos capitães-mores, soldados c moradores”. O fato é que “j , não mais represen-
líjim uma ameaça geral.
era o gentio senhor de sua liberdade, nem dos seus bens, nem de s íQsertão mais próximo ficava assim devassado e... despovoado. Afora
mulheres e filhas, nem sequer de suas vidas, pois era opinião geral íjjue preferiram refugiar-se no interior da mata amazônica, a maior
quelc sertão que era lícito matá-lo, porque não era cristão nem servirá dos poucos sobreviventes foi aldeada. Com o processo de ociden-
Deus”. Em certa ocasião, segundo conta o padre, um certo capitãó Jos’1
Nunes chamou a sua estância os tapuias amigos, chamados de “Viãai ação da empresa colonial, fosse por meio da formação das vilas e
áis na região das minas, fosse pela circulação das mercadorias pelos
e Anexis”, e, depois de os receber, fez vir os índios aldeados de Ibiag”
ãirihos do sertão, a violência para com os grupos indígenas tornou-se
para matá-los, dizendo que aqueles tapuias estavam na sua porta^l ílinica, implicando uma dinâmica de atrito permanente. Ao fim e ao
intenção de vingança. Depois de matarem muitos tapuias, José Mj"
/tanto os negros dos Palmares como os tapuias irredentos foram
os abrigou “a matar também as mulheres presas para que não fugi|; ázès de se opor às forças luso-brasileiras, muito mais poderosas,
c viessem a se multiplicar”.5 Outros exemplos de violências fora pçnas tecnológica e estrategicamente, mas porque tinham atrás
tados pelo agora reitor do colégio dos jesuítas de Olinda, o pad ftpi sistema social cuja complexidade c integração tornava inexc-

■' Carta do marquês de Angcja a Manuel Alves de Sousa, 9/12/1715. DH, S4$ £t do padre João Guedes, c. 1720. In: Virgínia Rau (cd.). Os manuscritos do arqui-
4 Consulta doOrnselho Ultramarino. 29/10/1720. AUU, Ceará, caixa 1,93. dasade Cadaval respeitantes ao tirasit. Coimbra, 1956, vol. 2, p. 394-400.
5 Exposição do padre António de Souza Leu), c. 1720. In: Virgínia Rau (cd.).tffP ■régia, 13/3/1733. AHIJ. Ceará, caixa 2, 79.
tos do arquivo da casa de Gadtrvalrespeitantes ao fírasit. Coimbra, 1956, vol. 2,’g (Áo o governador de Pernambuco, 9/10/1733. DH, 7lV:87. O grifo é meu.
286 EPÍLOGO lí I* í ix> G o 287
qúível a resistência, fosse ela interna ou externa, cm razão de sua frag­ rá no Pará tantos portugueses quanto são os bárbaros que hoje vi­
mentação ou dissociação. Os tapuias que sobreviveram ao extermínio, vem nos matos, como nós vivemos alguns tempos”.11'
submetiam-sc a uma dominação deletéria dentro dos limites dos
aldeamentos, espécie dc prisão cuja gravidade aumentava proporcio- Nesses termos, a idéia de catequese dos índios, da salvação das al­
nalmentc à violência dos sertões. mas c expansão da fé foi substituída paulatinamente pela idéia leiga de
IJma viragem importante ocorreu na metade do século. As políticas “civilização”." A disjunção fundamental entre índios mansos e bravos,
ilustradas do conde dc Oeiras, futuro marquês dc Pombal, nos marcos representada na classificação dos povos autóctones em tupis ou tapuias
de uma nova situação criada pelo Tratado de Madri (1750), procuraram e na formulação da noção da barbárie, que implicava a guerra justa, se­
incorporar definitivamente as populações indígenas ao Império. As leis ria substituída por uma nova política integracionista, que compreendia
de junho dc 1755, válidas inicialmcntc para o Estado do Grão-Pará c o Império como o espaço da “civilização”, e não mais como o orbe cris­
Maranhão, resultaram no “Diretório Geral dos índios” de 7 de julho de tão. Pombal imaginava assegurar uma população razoável para a defesa
1757, que reformulava a política da catequese indígena, praticamentc e desenvolvimento da América portuguesa, o que implicava a abolição
liquidando as missões existentes. No ano seguinte, o vicc-rci, conde dc todas as diferenças entre índios e portugueses e o refreamento das
dos Arcos, foi comunicado da sua aplicabilidade no Estado do Brasil. A guerras de extermínio. O duque de Silva-Tarotica — que, segundo
partir dc então, os índios eram declarados livres c sujeitos às leis co­ Kcnncth Maxwell, teve grande influência no pensamento dc Pombal
muns dos vassalos. As aldeias mais populosas foram alçadas em vilas — acreditava que os reis dc Portugal poderiam “ter no Brasil um Impé­
3
com governo político próprio, rcduzindo-sc, dessa maneira, o poder dos rio como a China”. Em carta ao ministro português, opinava: “Mouros,
missionários.1' Em uma carta a Francisco Xavier dc Mendonça Furtado, mestiços, todos servirão, todos são homens
---------- ou «n^oviyx
brancos, negros,,mulatos
seu irmão e governador do Grão-Pará c Maranhão, Pombal define com S são bons, se bem ............
governados. <[....... . | A população é tudo, muitos mi­
clareza as bases da nova política relativa aos índios: J lhares dc léguas dc desertos ..Ulivl 1'’ A carta “secretíssima” en-
... são inúteis".
Sitiada por Carvalho e Melo ao comissárii
5[t®fâás
isSí'.afí» s fronteiras
f* • ..........aírio português para a demarcação
“Até agora não se achou outro modo dc dominar as nações bárba­ com *"Espanha ao sul, Gomes Freire de Andrada, é re-
ras e ferozes que não fosse o de civilizá-las c de se aliarem com cias s ~'èladora. Pondera, de início, que “a força e a riqueza de todos os países
os que as dominam: vivendo os conquistadores e os conquistados/ consiste principalmente no número e na multiplicação da gente que o
debaixo da união da sociedade civil, c da obediência das rnesmasJJ|/|g| “abita”, o que se fazia ainda mais importante para a demarcação e dc-
leis, formando um só corpo político sem distinção alguma. [Se no.'1 esa da raia do Brasil. Como esse grande número dc gente “não pode
Brasil] se praticar com esses miseráveis índios o mesmo que aqujjí umanamente sair deste reino e ilhas adjacentes”, cra fundamental
[cm Portugal] praticaram os romanos, dentro de pouco tempo havev “abolir toda a diferença entre portugueses c tapes listo é, índios], privi-
|||giando e distinguindo os primeiros quando casarem com as filhas dos
“fundos; declarando que os filhos dc semelhantes matrimónios serão
'' Alvará estipulando que os vassalos casados com índios não sofrerão infâmia mú] >ytados por naturais deste reino c nele hábeis para ofícios c honras”.13
farão dignos da atenção real c serão preferidos nas terras em que se cstabclccçr^ni
para ocupações e postos, c seus filhos e descendentes serão hábeis para quaisf*'"
postos, 4/4/1755; Lei da liberdade dos índios, 6/6/1755; e Alvará estabelecendo" irtadc Pombal a Mendonça l■’urtado, 15/5/1753, citado por Frédéric Mauro. “Por-
os índios do Pará e Maranhão serão governados no temporal por governadores gal c o Brasil: a reorganização do Império, 1750-1808”. In: Lcslie Bcthcll (ed.}.
cipais e justiças seculares com inibição dos regulares, 7/6/1755. O Diretório qõejíí^™ tjstória da América Latina. São Paulo, 1998, vol. 1, p. 485.
observar nas povoações dos índios do Para e Maranhão enquanto Sua Majestade não ffi jjLuizFelipe dc Alcncasiro. “O fardo dos bacharéis". Novos listadosCebrap, 19:68-72,
daro contrário, de 7/7/1757, foi publicado cm Lisboa, na oficina dc Miguel Rodrig’ rhbrodc 1987.
1758. Sobre esta nova legislação c seus impactos veja Rita Heloísa de do duque de Silva-'làrouca a Pombal, 12/8/1752, eirado por Kcnncth Maxwell.
Diretório dos índios: um projeto de "civilização " no Brasil do sêctdo XVlll. B uís de Pombal:paradoxo do iluminismo. Rio de Janeiro, 1996, p. 54.
c /\ngcla Domingucs. Quando os índios eram vassalos: colonização e relaçõttditàdjk ggtgi secretíssima dc Carvalho c Melo para Gomes Freire dc Andrada, para servir de
Norte do Brasil na segunda metade do século XVlll. Lisboa, 2000. Rita de Almeíd|u||RH ®õ'Ctncnto ãs instruções que lhe foram enviadas sobre a forma da execução do Tra-
§oJdcMadri, 21/9/1751. Apud: Kcnncth Maxwell. A devassa da devassa. 4 inconji-
ca. em anexo, um fac-símile da prínccps do Diretório.
imineira: Brasile Portugal, f75(l-IXl)X. Rio de Janeiro, 1995, p. 31.
ti-, ,
Segundo a historiadora Angela Domingues, esta nova política era su­ dos os curibocas, mestiços, cabras, cafus c mais catres de que'()<;<>a terra289só
portada por uma ideologia colonial que tinha por base o reconhecimen­ é abundante”. O resultado seria uma violência endémica:
to do Brasil como “elemento vital para a sobrevivência do Reino e (aj
necessidade dc defender a soberania portuguesa e a integridade do ter­ “O perjúrio, os homicídios, a infidelidade, a vingança, a traição e a
ritório”. Neste sentido, a Coroa teria, por meio do estabelecimento das imodéstia são as paixões dominantes no país, ou dc seus moradores.
fronteiras políticas com as potências vizinhas, se empenhado em defi­ Desde meninos se habituam a matar e a ver matar com frequência
nir um espaço territorial no qual pudesse construir sua soberania ju- toda a casta de animais, perdem insensivelmente a compaixão e pra­
risdicional. Vale lembrar que tanto o Tratado de Madri como o de Santo ticam, ao depois, sem dificuldade com os indivíduos da sua mesma
ldelfonso (1777) recuperavam o princípio do direito romano do uti espécie o mesmo que sempre costumaram com as demais.sua Ealtos
mesma de
passidetis (como possuís). “E, para concretizar esse objetivo, havia que religião e doutrina, desconhecem a gravidade do perjúrio c da trai­
fazer do índio um vassalo europeu, através de um processo cultural de ção. Indóceis por natureza c falta de instrução, se arrojam a cometer
assimilação c integração”. Baseada na ideia dc que “os índios não eram todo o delito. .
ferozes por natureza, mas pelas más persuasões ou violências que os
luso-brasileiros lhes faziam”, identifica-se claramente uma exigência da As novas vilas do sertão foram, sem demora, controladas
Coroa dc que “a benevolência expressa através dos órgãos do poder nistradores recrutados entre os membros das elites vizinha P<>r admi-
central encontrasse correspondência na «humanidade» com que os sú­ sesmeiros ou seus propostos, c as populações indígenas [ -jas, grandes
ditos luso-brasileiros deveriam tratar os seus pares indígenas”.14 Tudo tc marginalizadas do convívio “urbano” ou submetidas paulatinamcn-
a
nas letras, é claro. ções dc opressão. Vários grupos ou indivíduos optariam, novas ...........sictia-
Como se sabe, não obstante esta política, a violência não deixaria tão
por uma estratégia de incorporação, negando, para tanto, certamente.
sua identi­
cedo de caractcrizar as relações entre os moradores e os povos indíge­ dade e seu passado indígena. Depois de um século de guerras sem quar­
nas remanescentes no sertão norte do Estado do Brasil. Como conside­ tel, de massacres programados, dc escravidão e violências, não res-
rava o ouvidor do Piauí, Antônio José dc Morais Mourão, na sua descri­ tavam muitos tapuias no que fora o seu país. Colocando às avessas o
ção daquela capitania, feita em 1772, os índios, mesmo os que foram julgamento do tempo, um típico representante da Ilustração portugue­
pacificados, “sempre vivem com violência, esperando ocasião oportuna sa, o autor do “Roteiro do Maranhão”, tinha os luso-brasileiros pelos
para se levantarem”. Ao olhar do magistrado, o sertão era o “receptácu- ■'< verdadeiros bárbaros. Registrou, na segunda metade do século XVIII,
lo de tudo que é mau”. Lugar da mistura e confusão dc povos, cujo L. sua cólera diante destes “indignos c tão bárbaros conquistadores” que
caráter era duvidoso. Depois dos primeiros descobridores, uma casta
fl - haviam entregue ao Império “países vazios do mais precioso, que eram
dc “criminosos, insolentes c os falidos” teriam buscado aqueles para­ índios, assassinados cm suas sanguinolentas bandeiras, e o passo que
gens, “não tanto para o seu aumento [progresso], mas para nelas oculta­ -com elas nos franqueavam para sermos testemunhas dos miseráveis res-
rem com segurança suas maldades e desregramento ”. Os índios, ao Á das referidas nações, todas ainda cheias de temor das mais violentas
mesmo tempo que se iam “domesticando”, mantinham “seus antigos A Matrocidades”. Nas suas palavras, estes capitães, em suas guerras, “ex-
vícios e costumes que nunca largavam”. Os negros chegavam cativos á Otinguirain muitas nações, que viriam a fazer uma grande parte do mes-
ou fugidos. Poucos eram os reinóis, mas mesmo assim “tomavam com : ; k |à^ho Estado, e das quais hoje até faltam os próprios nomes”.16
facilidade os vícios da terra, a que não podiam resistir, arrebatados, como '■ ;
se uma torrente os submergia”. Mourão declara seu horror à miscigena- Ç
ção, pois, para ele, nesta mistura e confusão dos sertões, formava-se “um.
só povo de nações tão diversas em que sempre se respira serem os mes;
mos vícios de cada uma delas realçada”;; “são esses demónios encamár$?3
®Bi’"Dcscriçiío da capitania dc São José do Piauí peio ouvidor Antônio José dc Morais
gH^Mourão”, Oiciras do Piauí, 15/6/1772. Al-III, Piauí, caixa 3, publicado cm Luís Mott.
14 Angela Doininguex. Quando os índios eram vassalos: adontzafiio r relações de poder M fé^.Pioufcolonial:população, economia e sociedade. 'Icrcsina, 1985, p. 22-33.
Norte do limsil na secunda metade do século XVIII. Lisboa, 2000, p. 131, 211 -2 A “Roteiro do Maranhão a Goiaz pela capitania do Piahui”. RUlGll, 1900.
ANEXOS

Anexo 1
Quadro cronológico
L A GUERRA NO RECÔNCAVO
1651-1656 Jornadas do sertão
1651 Diogo de Oliveira Serpa
1651-1654 Gaspar Rodrigues Adorno
í3'-
1656 Tomé Dias Lassos
T/ . .
1657-1659 A Guerra do Orobó / paiaiases, topins
1657 Pedro Gomes, Gaspar Rodrigues Adorno, Luís Alvares, Bartolomeu Aires
■í 1658 Domingos Barbosa Calheiros, Bernardo Sanches Aguiar, Fernando de Camargo
1662 'lòmé Dias Lassos
1669-1673 A Guerra do Aponí / paiaiases. topins
4/3/1669 Mesa grande na Relação da Bahia aprova proposta de Alexandre de Sousa Freire
1669 Agostinho Pereira localiza as aldeias dos topins
1671-1673 Estêvão Ribeiro Baião Parente, Brás Rodrigues Arzão
'•WH-,
1674-1679 As guerras no São Francisco / anaios
ir \ 1674 Francisco Dias d'Avila, Domingos Rodrigues Carvalho, Domingos Afonso Sertão
1677 Agostinho Pereira (morto)
23/1/1679 Roque Barreto informa que os índios estavam cm paz
w-
^ f/2. A GUERRA DO AÇU
1655-1687 Levantes isolados
15/2/1687 Levante geral dos tapuias do Rio Grande
1687-1688 A campanha de A. de Albuquerque Câmara, D. Jorge Velho e Manuel A. Soares

£ 1688
1688
A guerra é declarada justa na Bahia
Plano de Matias da Cunha: Albuquerque Câmara c Abreu Soares (Norte) / D.
Jorge Velho (centro) / Matias Cardoso (Sul)
1688 Proposta de José Lopes Ulhoa
5/1689 A. César de Andrade faz pazes com parte dos janduins, moradores reclamam
Memorial da câmara de Natal pede a guerra ofensiva
Sgf?’ 10/1689 O sargento-mor de D. Jorge Velho, Cristóvão de Mendonça Arrais captura Canindé
8^1690-1695
A campanha de Matias Cardoso de Almeida
ÉfeF. 3/1690
Reforma das tropas de Albuquerque Câmara e Abreu Soares pelo arcebispo;
Domingos Jorge Velho é mandado para os Palmares
1690 Matias Cardoso, João Amaro Maciel Parente, Manuel Alvares de Morais Navarro
1^7/1/1691 Carta régia revoga a guerra justa
c. 1691 Canindé posto em liberdade por Domingos Jorge Velho
ANEXOS 293
292 A N KX Os
Matias Cardoso faz retiraria do (.‘cará para o Rio Cirande Anexo 2
A rendição dos jandnís (embaixada de Canindé ã Bahia)
1692 Reis, governadores e capitães-mores
5/4/1692 Retirada definitiva dc Matias (àtrdoso
Guerra ofensiva .v guerra defensiva / João de Lencastro (1694-1702) Governantes de Portugal, 1640-17S0
1696
01/12/1640 06/11/1656 d. João IV (Duque dc Bragança) (1604-1656)
1694 Proposta da câmara dc Natal do "cordão de aldeias"
06/11/1656 29/06/1662 d. Luísa de Gusmão (regência)
1694 Carta de Bernardo de Vieira Ravaseo ao conde de Alvor
Discurso de Morais Navarro “sobre os inconvenientes de pôr seis aldeias" 29/06/1662 23/11/1667 d. Afonso Vi (1643-1683)
5/8/1694
Nova decisão do Conselho Ultramarino: a criação do terço e a guerra justa 23/11/1667 12/09/1683 <1. Pedro ll (regência)
1694 09/12/1706 d. Pedro II (1648-1706)
Carta régia de d. Pedro ll ordenando o levantamento do terço de paulistas 12/09/1683
-73/1695 31/07/1750 d, João V (1689-1750)
Bernardo Vieira de Melo e ;t câmara de Natal aprovam o "cordão de aldeias” 09/12/1706
■0/3/1695
Vieira de Melo e Afonso de Albuquerque Maranhão fundam presídio na ribeira
16/7/1695 Governadores-gerais (e vicc-reis) do Brasil, 1640-1719
início 1696 , 21/06/1640 ...........................................................
16/04/1641 vice-rei (I) Jorge Mascarenhas, marquês de Montalvão
Papel
do Açude Vieira de Melo ao Conselho para dissuadi-los da guerra ofensiva
16/04/1641 30/08/1642 Junta provisória: bispo d. Pedro da Silva de São Paio; Luís Bar-
4/1697 "Retificação da paz com os janduis da ribeira do Açu"
bailio Bezerra; e Lourenço de Brito Correia
20/9/1695 “Tratado de paz com os ariús pequenos”
O terço do mestre-dc-campo Manuel Alvares de Morais Navarro 30/08/1642 26/12/1647 Antônio Tellcs da Silva
2O/.5/J697
26/12/1647 10/03/1650 Antônio Telles dc Meneses, conde de Vila-Pouca de Aguiar
1699-1704 06/01/1654 João Rodrigues de Vasconccllos c Sousa, conde de Castelo Me­
Parente de Morais Navarro 10/03/1650
20/5/1696 lhor
Chegada á Bahia L--:
1/8/1698 l" ’ 18/07/1657 Jcrônimo de Ataíde. conde de Atouguia
Partiria para a Paraíba 06/01/1654
1/9/1698 Chegada de Manuel da Mata Cominho c do reforço * 24/06/1 <>63 Francisco Barreto de Meneses
20/07/1657
10/5/1699 13/06/1667 vicc-rci (2) Vasco Mascarenhas, conde de Óbidos
Massacre no JaguarilM: / Jenipapoaçu
Excomunhão dos paulistas por frei Francisco de Lima
I 24/06/1663
4/8/1699 08/05/1671 Alexandre de Sousa Freire
ã fe 13/06/1667
2.5/9/1699 26/11/1675 Afonso Furtado de Castro do Rio Mendonça, visconde de Bar-
Devassa de João de Matos Serra b gg;í 08/05/1671
11/1699 baccna
Carta régia ordena a retirada do terço | ^26/11/1675 Junta provisória: Álvaro de Azevedo; Agostinho dc Azevedo Mon­
15/1/1700 “Informação" do padre Miguel Carvalho 15/03/1678
Carta régia ordena a prisão de Navarro T.
9/11/1700 teiro (Cristóvão dc Burgos (iontreiras); e Antônio Gtiedes dc Brito
•j áí:. -
■5/12/1700 í H»15W1678 23/05/1682 Roque da Costa Barreto
8/7/1701 Prisão de Navarro A^í^/05/1682 04/06/1684 Antônio de Sousa dc Meneses, o "Braço de Prata”
Guerra contra os icósdo Ibrtc real na ribeira do Jagmtribc
1704 Proposta a extinção -<« ^^04/06/1684 04/06/1687 Antônio Luís de Sousa Teles de Meneses, marquês das Minas
20/12/1705 S$4/06/l687 24/10/1688 Matias da Cunha (faleceu)
6/1716 Extinção do terço '^1 ^$4/10/1688 08/10/1690 Junta provisória: arcebispo d. frei ManUcl da Ressurreição; e Ma­
nuel Carneiro dc Sá
<1/10/1690 22/05/1694 Antônio Luís Gonçalves da Câmara Cominho

1 ^22/05/1694
&/07/1702
03/07/1702
08/09/1705
João dc Lencastro
Rodrigo da Costa
03/05/1710 Luís César dc Meneses
W05/1710 04/10/171! Lourenço dc Almeida
H0/IO/171! 13/06/1714 Pedro dc Vasconcelos e Sousa, conde do Castelo Melhor

sB^17’4 21/08/1718 vice-rei (3) Pedro Antônio dc Noronha Albuquerque e Sousa,


conde dc Vila Vc/de e marquês dc Angcja
13/10/1719 Sancho dc Faro c Sousa, conde dc Vimieiro
Bfâl&MTiadores dc Pernambuco, 1648-1718

26/03/1657 Erancisco Barreto


26/01/1661 André Vidal de Negreiros
05/03/1664 Francisco de Brito Freire
31/07/1666 Jcrônimo de Mendonça Furtado (deposto)
13/07/1667 André Vidal de Negreiros
28/10/1670 Bernardo de Miranda Henriques
17/01/1674 Fernando de Sousa Cominho (faleceu)
14/04/1678 Pedro de Alntcida
21/01/1662 Aires de Sousa de Castro
13/05/1685 João de Sottsa
29/06/1688 João da Cunha Souto Maior
®B8 09/09/1688 Fernando Cabral (faleceu)
25/05/1689 bispo d. Matias de Figueiredo e Melo

■1
294 ANEXOS
ANEXOS 295
25/05/1689 05/06/1690 Antônio I .uís Gonçalves da Câmara Coutinho
05/06/1690 13/06/1693 Antônio Fclix Machado tla Silva e í .'astro, nuuqiiêsde Montcbelo
1.1/06/1693 05/03/1699 Caetano dc Melo de Castro ts -o is ■—
u
05/03/1699 03/11/1703 remando Martins Mascarcnhas dc l.cncastro
03/11/1703 09/07/1707 l>'rancisco de Castro Morais
09/07/1707 07/11/1710 Sebastião dc Castro c Caídas (deposto)
15/11/1710 10/10/1711 bispo d. Manuel Alves da Costa
10/10/1711 01/06/1715 Félix José Machado dc Mendonça Eça (lastro e Vasconcelos
01/06/1715 23/07/1718 l.ourcnço dc Almeida

Capitães-mores do Rio Grande, 1654-1718 o


u
xx/02/1654 04/12/1663............................................
Antônio Vaz Gondim
u
05/12/1663 06/12/1669 Valentim 'lavares Cabral c

06/12/1669 21/06/1673 Antônio de Barros Rego


21/06/1673 21/05/1677 Antônio Vaz Gondim
21/05/1677 02/11/1678 Francisco Pereira Guimarães (faleceu)
02/11/1678 03/04/1679 governo do senado da câmara
03/04/1679 03/09/1681 Manuel Muniz o
Z
03/09/1681 xx/10/1681 governo do senado da câmara
xx /I0/168I 25/05/1682 Antônio da Silva Barbosa
25/05/1682 xx/08/1685 Manuel Muniz s
30/08/1685 xx/06/1688 Pascoal Gonçalves de Carvalho
oo
xx/06/1688 22/08/1692 Agostinho (lesar de Andrade o o
22/08/1692 03/10/1693 Sebastião Pimentcl (faleceu) — r-
1^ X X O
03/10/1693 06/10/1694 governo do senado da câmara sC sO sÇ í-x
06/10/1694 29/06/1695 Agostinho César dc Andrade
29/06/1695 14/08/1701 Bernardo Vieira dc Melo
c
15/08/1701 xx/12/1705 Antônio de Carvalho c Almeida o -j
c

xx/12/1705 30/12/1708 Sebastião Nunes Colares
30/11/1711 20/06/1715 Salvador Alvares da Silva
O
20/06/1715 03/07/1718 Domingos Antado
JS
Cripitães-mores do Cettrú, 1645-1718 Q
S
14/07/1645 - -
20/05/1654 - ....................
Diogo de Albuquerque c.

20/05/1654 Álvaro de Azevedo Barreto (J


13/09/1655 Domingos de Sá Barbosa
14/12/1663 Diogo de Albuqucrc|uc
14/12/1663 João de Melo de Gusmão
s
*
27/O7/I666 João 'lavares dc Almeida
"u
05/08/1670’ Jorge Correia da Silva ca
02/10/1673’ João Tavares dc Almeida
*22
29/04/1678’ Sebastião de Sá cc
u
29/05/1681’ Bento de Macedo dc Faria c/> c/i CS X
26/12/1684’ Sebastião de Sá
19/07/1687’ Tomás Cabral de Olival
11/12/1693 14/11/1694 Fcrnão Carrilho
14/11/1694’ xx/08/1695 Pedro Lelou (deposto) 2
07/07/1699’ 23/09/1699 Fcrnão Carrilho 5 « 2
N fl
»fl U
23/12/1702 25/09/1704 Jorge dc Barros Leite E c
João da Mota 2 o 2
25/09/1704 Q..O
11/08/1708 25/08/1710 senado da cantara
25/08/1710 30/09/1713 Francisco Duarte dc Vasconcelos (deposto)
08/10/1713 30/18/1715 Plácido de Azevedo Falcão
30/08/1715 01/11/1718 Manuel da Fonseca Jaime
data da nomeação.
fl fl
x: -c
14. Ilha do Cavalo cariri N.S. da Natividade carmelita descalço 1702 BA No rio São Francisco c
capuchinho 1706 d

15. Ilha do jacaré aramurus S. Pedro capuchinho BA No rio São Francisco c


carmelita descalço 1702

16. Irupua cariri capuchinho 1687 BA No rio Sjo Francisco b


Ilha do Irapoa cariri St. Antônio carmelita descalço 1702 c
Ilha do Irapuá cariri St. Antônio capuchinho italianos 1746 PE No sertão do Cobrobó. freguesia dc k
NS da Conceição dos Rodelas

17. [tapicuru tupinambá N.S. da Saúde franciscano 1689-1834 BA f

18. Jacobina paracá Bom Jesus franciscano 1706-1859 BA f

19. Jcru N.S. do Socorro jesuíta 1698 BA a

20. Juazeiro tamaqueri N.S. das Gtotas franciscano 1706-1843 BA f

21. Manguinhos jesuíta 1698 BA a

22. Massaracá cariri N.S. da Trindade jesuíta 1639 BA


Massacarã cariri-cimbrc St. Trindade franciscano 1689-1854 f.a

23. Natuba (cariri) N.S. da Conceição jesuíta 1698- BA Ereta como vila dc Sourc a

24. Palmares cactc St. Amaro franciscano 1695-1699 BA f


caboclos St. Amaro franciscano 1746 AI. No distrito da vila de Alagoas K

25. Pambu capuchinho 1677 BA d


cariri capuchinho 1687 b
capuchinho 1698 a
tamaqueú / N.S. da Conceição franciscano / carmelita 1702 f. c
cariri
Ilha do Pambu cariri N.S. da Conceição capuchinho italiano 1746 PE No sertão do Cobrobó, freguesia dc k
NS da Conceição dos Rodelas
26. Patacuba capuchinho 1698 BA a
Pacatuba cajagôs E. Santo carmelita descalço 1702- c
27,, Pochim capuchinho 1682 BA No rio São Francisco d
caboclos capuchinho 1687 b
capuchinho 1698 BA a
jesuíta / carmelita 1702 c
^descalço ,

cípuclirnWô; 1677-1681 BA No rio São Francisco


d
capuchinho 1698
capuchinho a
1672 B.A
jesuíta 1687 d
procárodcla S. J. Batista franciscano 1697 b
____________ jesuíta 1698 f
31. Saco dos (cariri) N.S. da Ascensão jesuíta a
Morcegos 1698 BA Ereta como vila de Mirandela
32. Saí a
ca ri ri-cimbre N.S. das Neves
franciscano 1697-1863 BA
33. Salitre
£3™___________ S, Gonçalo
franciscano ] 703
34. St, Antônio BA
_________________ St. Antônio f
franciscano 1<>98
35. Vargem BA
cariri
capuchinho I6S7 a
Ilha da \argca poteáz c
BA
capuchinho 1593 b
brancarurus capuchinho italiano 1746
PE vc 7”^° d° Cobrobrt- f reguesia de k
______________________(tapuia)
da Conceição dos Rodelas
36. Aldeia da Mata, jocuruz
(tapuia) oratoriano 1700 PE
37. Ararobá

sucurus oratoriano
oratoriano A 80 léguas do Recife Ma
jocuruz (tapuia) 1683
oratoriano freguesia dc Ararobá
----------------------------------- chururú (tapuia) 1700
oratoriano 1746_________
franciscano _170’-176l PE
39. Ipojtica franciscano
caboclos 1746
caboclos oratoriano 1700
N.S. da Escada I E Nas margens do rio Ipojuca. 14
•40. Limocira oratoriano 1746
tapuia léguas da cidade
caboclos 1746 PE ra frcg1ucsia dc & Antônio dc o
41. Pontal --------------------- ------------- oratoriano
cariri N.S. dos Remédios franciscano ■------ —_________ Tnicunhaem, Jgarussú
' 7°3‘'761 PE 7'2° do Cob“>bó, freguesia de f
Ilha do Pontal tamaquiúz N.S. dos Remédios franciscano ínS da Conceição dos Rodelas
(tapuia) 1746
1679 PE m
nratoriano
ni □c
oracoriano 1670-1679 PE No rio São Francisco
43 (Rodelas)

ANEXOS
1679 PE m
44. Santo Antônio oratoriano
1702-1761 PE No sertão do Cobrobó. freguesia dc f
tâpuid N.S. do Ó franciscano
45. Sorobabc NS da Conceição dos Rodelas
N.S. do Ó 1746 k
Ilha do Sotobabé porcáz c bran- franciscano
carurus (tapuia)
1679 PE m
46. Tapessurama oratoriano
1704 s

franciscano 1705-1761 PE No sertão do Cobrobó. freguesia dc f


47. Unhunhum tapuia N.S. da Piedade
NS da Conceição dos Rodelas
franciscano 1746 k
Ilha do cariri N.S. da Piedade
Inhenhum
capuchinho 1670-1677 PB d
48. Boldrin
1705-1724 PB f
49. Cariris cariri N.S. do Pilar franciscano
capuchinho 1746 k
taypú (tapuia) .
jesuíta 1679 RG lagoa de Guajiru u
50. Guajiru potiguara S. Miguel
panati 1689
jandui 1689
1678 RG lagoa dc Guaraíras t. u
51. Guaraíras potiguara
(Çorahiras) k
caboclos, 1704
canindé
jesuíta 1746-1760 Ereta como vila de Arez (1760) k
S. João Batista
S. João Batista jesuíta 1700 RG No córrego das Missões, lagoa t
52. Apodi paiacu
do Apodi
terésio 1746 k
paiacu
N.S. da Piedade 1702 RG Na ribeira do Ceará Mirim t
53. Ceará Mirim *açu
panacu
S. João 1702 RG Na Lagoa de São João t
54. Cunhaú canindé
canindé N.S. do Amparo 1704 r
1706 i
55. Gomninha São João Batista jesuíta 1704 RG q

/V'.: ’< /j N . .

JJÇi, ta./: • • • .-r-*


■ * f’ - 6

56. Mjpíbu potiguara N.S. do Ó 1704 RG h. u


(Manebu)
caboclos S. Ana capuchinho 1746 k
57. Potengi curcma (tapuia) S. Paulo 1702 RG Na ribeira do Potengi t
58. (Sabatina) paiacu NS. da Incarnação jesuíta 1704 RG Rio Sabatina
59. Canguagá caboclos oratoriano 1700 CE
60. Jaguaribe paiacu Madre de Deus oratoriano 1687 CE Na ribeira do Jaguaribe
(aldeia velha) 1. n
61. Jaguaribe paiacu NS. das Montanhas oratoriano 1700 CE Distante 14 léguas da aldeia velha
(aldeia nova) 1. n

rumes: at vuu soore o estado das missões no senão da Bahia c informando acerca dos remédios apresentados para evitar os danos provenientes da falta dc
párocos c missionários. Lisboa 18/12/1698, assinada pelo conde dos Arcos, Miguel Nunes dc Mesquita c Francisco Pereira da Silva” acrescida dc unia
"representação anónima e do secretário. Roque Monteiro Paiva”. In: Eduardo Castro de Almeida. Inventário dos documentos relativos ao Brasil existentes
no Arquivo dc Marinha e Ultramar de Lisboa. AB.\r, 31,1909(2); b) Abregf de la relation du pèrt Prançais de Luce, capucitt de laprovincedes capucins de!a prvv. de
Bretagneloudiantleurs missione duBrtàK 1687?), publicado por Francisco Leite dc Faria. O padre Bernardo dc Nantes c as Missões dos captichinos Franceses
na região do São Francisco. Separata do I’ Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros, Coimbra. 1965. p. 45-46: c) Lista das nove missões que os
carmelitas descalços tinham tomado ou iam tomar posse, enviada a d. Pedro 11 pelo pe. André dc S. J. Batista. 20/9/1702. AHU, Bahia, caixa 90; d) Martin dc
Nantes. Relation sucãnte et sintert de la missstonduperr. . „prfdicateurcapucin, ntissionaireapostolique datis leBrezilpannylesittdimsoppélkscarirís. Quimper: Jcan
Perier, 1706; e) Relazioni delle missioni dei cappuccini dcIPAmerica. 12 I uglio 1731. APF SC America Mcridionalc 2, f. 308t-15v;f) Fr. Venâncio Willckc. As
nossas missões entre os índios cariris, 1681-1863. Santo Antônio, ?. 1953, / c 2, 1954 e /, 1955 c Fr. Venâncio Willckc. A Província Franciscana dc Santo
Antônio do Brasil através das suas estatísticas. Stndia, 19-A73-2f>7, agosto 1966; gi Parecer do Conselho Ultramarino. 4/3/1683. AHU, cód. 256. fl. 47v-8: hi
Carta régia a Cristóvão Soares Reimão, 8/11/1704. AHU. cód. 257, fl. 167; i) Carta régia a Cristóvão Soares Reimão. 8/4/1704. AHU. cód. 257, fl. I46v;//Cana
régia a Cristóvão Soares Reimão, 27/10/1706. AHU. cód. 257, fl. 200; k) Relação das aldeias que há no distrito deste governo dc Pernambuco c capitania da
Paraíba sujeitos à junta das missões deste bispado, em 1746(circa). Informação geral da eapitania de Pernambuco. p. 419-22; li Manifesto em que se relata tudo
o que sucedeu na Congregação de Pernambuco desde a sua fundação até o presente etc., circa 1700. AHU, Pernambuco, caixa 14; m) Lista das aldeias do
oratório segundo a CCU 24/11/1679. AHU, Pernambuco, caixa 9,2; n) Relatório dc Tomás Consolino, prepósiro da Congregação do Oratório dc Pernambuco,
30/6/1700. AHU, Pernambuco, caixa 14; o) Papéis de Francisco dc Brito Fteite analisados pot José Antônio Gonsalvcs dc Mello. Brito Frcyre, sua história c
Pernambuco. Apêndice à Nova Lusitânia: história da guerra brasílica (1675). Recife. 1977; p) Certidão, 26/5/1704 c 26/6/1704. AHU, Rio Grande, caixa 3. 43;
ANEXOS

q) Certidão, 11/7/1704. AHU, Rio Grande, caixa 3,43; r) Carta dc Cristóvão Soares Reimão à infanta, 8/4/1704. AHU, cód. 257. fl. 146v;s7 Carta da infanta dc
Portugal ao governador de Pernambuco, 28/7/1704. AHU, cód. 257, fl. 145; t) Olavo dc Medeiros Filho. Aconteceu na capitania do Rio Grande. Natal. 1997; ui
Fátima Martins Lopes. MissSrs religiosas. Recife. 1999.
299
300 /X N E X o s
ANEXOS 3(H
ntina ou minas dc ouro, prata, ferro, preciosas, ou dc outra qualquer outra espécie, ou notícia
Anexo 4 dc as haver, darão logo conta ao governador e capitão-gcncral do Estado com as amostras do
Tratados de paz, 1692-1697 que acharem.
Assunto das pazes com os janduís, 10/4/1692 7. ' Que todos os currais que estavam na capitania do Rio Grande nas terras que eles pos­
Em os cinco de abril deste referente ano, chegaram a esta cidade da Bahia José de Abreu
suíam ate o tempo da guerra, ele c os ditos principais, são contentes que se tornem a povoar.
Vidal, tio do (/.iiiindé, rei dos janduís. maioral dc três aldeias sujeitas ao mesmo rei. e Miguel Mas que sem embargo dc os senhores governadores-gerais deste Estado terem dado várias
Pereira Guajiru Pequeno, maioral dc três aldeias- sujeitas também ao mesmo Canindé, e com sesmarias a diversas pessoas ate o tempo da guerra; declaram tpte sempre ficarão reservadas,
eles o capitão João Pais Florião, português, em nome dc seu sogro putativo, chamado Nhangujé,
para o sustento e conservação dc cada aldeia dos janduís, por serem muito populosas e as
maioral da aldeia Sucuru da mesma nação jandui c cunhado recíproco do dito rei Canindé. a terras muito largas, dez léguas de terra dc cada banda, ainda que nelas entrem as ditas sesmarias
ctija obediência c poder objetivo está sujeita toda a nação jandui. difundida cm vinte c duas concedidas até o presente; c as que daqui por diante se concederem, levarão a cláusula c
aldeias, sitas no sertão que cobre a capitania dc Pernambuco, Itamaracá. Paraíba e Rio Gran­
condição para não prejudicarem a dita terra reservada a cada aldeia; para qnc sem terem dúvi­
de, em que há treze para quatorze mil almas c cinco mil homens dc arco, destros nas armas dc das se conservem pacificamente as aldeias c tenham em que plantar seus mantimentos para o
fogo. sustento dc suas famílias. E que também lhe serão livres, nos rios c praias, as pescarias que
E vindo estes maiorais nomeados com mais quinze índios c índias que os acompanhavam
costumavam fazer.
a presença do senhor Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho, do Conselho d’cl-rci
8. ' Que nenhum governador, capitão-mor, nem justiças lhes poderão fazer violência algu­
nosso senhor, comendador das comendas dc São Miguel de Bobadela, Santiago dc Bcnfc, São
ma, antes os conservarem sempre na sua liberdade; e nesta paz c quietação cm que preten­
Salvador dc Maiorca. almotacé-mor do Reino e govcrnador-gcral c capitão-general do Estado
dem viver. Mas que sendo necessário aos moradores daquelas partes alguns índios janduís
do Brasil, lhe representou o principal José de Abreu Vidal, em língua portuguesa não bem para suas lavouras, currais, pescarias ou engenhos, os pedirão a quem governar a aldeia pagan­
falada, e pelo capitão João Pais Elorião, seu intérprete, que eles vinham de trezentas c oitenta do-lhe seu trabalho, conforme c uso c costume naquelas partes, assim c da maneira que o
léguas a pedir e estabelecer com o dito senhor, em nome do rei dos janduís, (lanindé, uma paz faziam antes da guerra. E que sendo caso que o tal morador lhe não queria pagar, o capitão-
perpétua para viver essa nação c a portuguesa como antigos. E mandados levarem para depois mor c justiças lhes farão pagar pontualmcntc com efeico, o que tiverem merecido.
se conferirem as condições da proposta de paz cinco dias, a trouxeram vocalmcntc as proposi­ 9. ‘ Que também se obrigam a que sendo necessário para rccdificaçâo da fortaleza do Rio
ções seguintes, dc modo que mandamos proferir na sua língua c explicaram-nas nossos inter­ Grande alguns índios das aldeias dos janduís, lhe dêent os principais aquele número de índios
pretes. que o capitão-mor lhes pedir alternativamente, por scr serviço d'el-rei o tempo tpic servirem.
Primeiramente. Que o dito rei Canindé c os três maiorais, José dc Abreu Vidal, Miguel Mas não lhe poderão os capitães-mores fazer vexação alguma.
Pereira Guajiru Pequeno e Nhangujé, cm seu nome, reconhecem ao senhor rei de Portugal, 10. ' E sobretudo que nenhum governador ou cabo dos paulistas os possa perturbar, in­
dom Pedro, Nosso Senhor, por seu rei natural c senhor dc todo o Brasil c tios territórios que as quietar, nem fazer guerra, c deles seja livre c isenta geralmcntc toda a nação dos janduís, com
ditas 22 aldeias ocupavam; c lhe prometem agir como submissos vassalos com obediência as mais eficazes penas que ao senhor governador c capitão-mor parecer, para que vivam con­
para sempre, e aos mais senhores «pie lhe mandava a coroa dc Portugal; e o dito rei Canindé,
tentes e estejam prontos para o serviço d’cl-rei nosso senhor.
e os outros maiorais, c todos os mais desta nação prometem e juram, em nome de todos os O que tudo visto e ponderado pelo dito senhor Antônio Luís Gonçalves da Câmara Cou­
seus descendentes, a tal obediência, vassalagem e sujeição a suas leis, como a seu rei c se­ tinho, governador e capitão-gcncral deste Estado, atendendo ao particular serviço que o dito
nhor; rei Canindé, os mais principais acima nomeados faziam a cl-rei nosso senhor cm todas as
2.4 Que o dito senhor rei d. Pedro, c seus sucessores, sejam obrigados a guardar-lhe c fazer- proposições que ofereciam para se lhes conceder a paz e se ficarem evitando as despesas c
lhe guardar por seus governadores c capitães-generais a liberdade natural em que nasceram e contingências dos sucessos dc uma guerra que havia tantos anos continuava cm parte tão
cm que pelo direito das gentes devem ser mantidos, como os mais vassalos portugueses; c do
temota c com a nação dos janduís, que é a mais valorosa c pertinaz na sua defesa c ódio dos
mesmo modo a liberdade dc suas aldeias; c que nenhuma em tempo algum possa ser pessoa portugueses; sobre cujas hostilidades havia já a sereníssima senhora rainha regente, escrito ao
alguma de qualquer sexo, maior ou menor, da nação jandui, escrava nem vendida por qual- ' ■,>,
governador c capitão-geral Francisco Barreto, carta dc 9 dc janeiro dc 662, encarregando-lhe
quer título, motivo ou ocasião que seja passada, presente ou futura. . , a segurança dos vassalos daquela capitania, donde tem sido sempre os janduís os mais atrozes;
3. ‘ Que ele dito rei Canindé c todos os principais dc sua nação c gente de todas as ditas ■ vi
aldeias desejam ser batizados c seguir a lei cristã dos portugueses; sendo para esse fim trata-
e que por esse nteio seficava dispondo mais facilmente a introdução da doutrina evangélica
naquela gentilidade; e as armas dc Sua Majestade com cinco mil arcos a seu favor, contra
dos conto gente livre, c não oprimidos contra sua vontade; . S qualquer nação ultramarina ou brasílica tpic invadir por mar as praças das capitanias do Norte
4. ' Que o dito rei Canindé e os ditos maiorais c todos os mais principais das outras ladeias .
ou seus habitadores pelo sertão. E que sendo as terra dele vastíssimas, pediam necessaria­
se obrigam a guardar toda a fidelidade ao senhor rei de Portugal c sucessores de sua coroa,
mente para a conservação dc cada aldeia, a que poderia scr suficiente as suas lavouras. E
como os mais vassalos. E que sendo caso que alguma armada inimiga venha invadir essa praça sobretudo que se sc lhes não concedem as condições propostas, sendo todas tão justas c tão
da Bahia ou a dc Pernambuco, Itamaracá, Paraíba ou Rio Grande, porão em defesa dos portu- convenientes ao serviço dc Sua Majestade c sossego daqueles povos; poderiam desgostados
gueses cinco mil homens de armas, todas a ordem do senhor governador c capitão-gcncral '- jíg
unir-se as mais nações bárbaras, c continuar-sc a guerra com novo detrimento dos vassalos dc
qtie for deste estado, para com aviso seu marcharem a qualquer hora e tempo àquela praça a;:■ Sua Majestade, perda da sua Real Fazenda c inquietação das capitanias do Norte; além das
que ele os mandar; c para esse efeito estarão sempre bem prevenidos dc frecharia c arcos. mais suposições consequentes a sc tornar as armas, cujas contingências sc não deviam segu-
5. ‘ Que do mesmo modo se obrigam a fazer guerra a todos os gentios de qualquer nação (ffííJ :tír; c o fim das guerras era a paz a que se dirigiam, c agora sc lhe pedia sc resolveu o dito
que seja a quem os portugueses a fizerem por ordem do governador do Estado; e prometem , Senhor governador e capitão-gcncral a conceder cm nome d’cl-rci nosso senhor a paz ofereci­
ser amigos das nações dc que os portugueses o forem; e inimigo das contrárias à nação dos da nas dicas dez proposições com que o dito rei Canindé c maiorais que cm seu nome a vieram
portugueses; o que também guardaram rcciprocamcnte os governadores-gerais, mandando os pSgS
^buscar a pediram.
ajudar contra seus inimigos por ser benefício dos portugueses. ■ .S® .. E dc fato lhes prometeu guardá-las inviolavclmcnte, assim, c da maneira <|uc nelas sc
6. ‘ Que também se obrigam a que aparecendo nos serros das terras que possuem algumavgpj f-,Cóntém. E eles debaixo das ditas condições aceitar. De que me ordenou fizesse este assento

£..
302 A NEXOS ANEXOS 303
que formou com os ditos principais José dc Abreu Vidal, Miguel Pereira c João Pais Florião. damente se pudessem aldear e para maior capacitá-los lhes deu logo alguma ferramenta, man­
português, genro putativo do principal Nhangujé e as mais pessoas que se acharam presentes dando com eles pessoa que os fosse acomodar na parte mais conveniente, e para que bem
a este ato. E eu, Bernardo Vieira Ravasco, fidalgo da casa dc Sua Majestade, alcaide-mor da constasse tudo o tratado acima mandou o capitão-mor nomeasse homem branco mais seu
capitania dc (labo Frio, secretário do Estado e Guerra do Brasil, o fiz e escrevi nesta cidade do confidente que por sua parte aceitasse as condições impostas c assinasse este tratado com
Salvador, Bahia de Todos os Santos, cm os dez dias do mês dc abril, ano dc mil seiscentos e testemunha de tudo o sobredito, que lhes foi lido e explicado pelo melhor modo possível foi
noventa c dois. Antônio Luís Gonçalves da Câmara Goutinho, cruz do maioral José Vidal, cruz para que pudessem entender, para o que nomeou o dito chamado rei ao capitão-mor Gaspar
do maioral Miguel Pereira Guajeru Pequeno. João Pais Elorião, Brás da Rocha Cardoso, André Freire dc Carvalho, que com o dito capitão-mor assinou perante muitas pessoas que presen­
Cusaio. Bernardo Vieira Ravasco (assinado]. tes estavam e do mesmo chamado rei e dos seus interpretes que com ele se achavam c mais
tapuias que cm sua companhia vieram. E dc tudo mandou o dito capitão-mor fazer este assen­
Ai ll J. Pernambuco, caixa 11; publicado também por Ernesto Enncs. As guerras nos l‘almarrs. to c que se registrasse donde toca. Die ut supra. João dc Abreu Berredo o fiz. ano dc mil
São Paulo, 19.58, p. 422-6. seiscentos c noventa e cinco. Bernardo Vieira de Melo, cruz de 'lava Açu, Gaspar Freire de
Carvalho. O qual cu Manuel Eusébio da Costa transladei bem e fielmentc do próprio que
Retificação du paz feita com os tupuius janduís du Ribeira do Açu, 20/9/1695 está lançado no livro segundo dos registros da secretaria deste governo do Rio Grande a folhas
Aos vinte dias do mês de setembro deste presente ano nesta cidade do Natal na capitania cento c quinze a que me reporto.
do Rio Grande nas casas de morada do capitão-mor dela Bernardo Vieira de Melo e cm sua
presença se achou também o chamado rei dos tapuias janduís por nome Taya Açu o qual disse A1IIJ, Rio Grande, caixa 1, 40.
que vinha com sua própria pessoa retificar a paz que pelos seus principais tinha mandado
fazer visto que dc novo lha havia o dito capitão-mor mandado assegurar, enviando-lhe cm Trutudo de paz feita com os tapuias ariús pequenos, 20/3/1697
sinal desta um seu bastão c obrigado com isso vinha cm pessoa não só a retificar a mesma paz Aos vinte dias do mês de março deste presente ano nesta cidade do Natal na capitania do
se não a assegurar que em nenhum tempo por si nem por outrem dos seus haveria mais Rio Grande nas casas de morada do capitão-mor dela Bernardo Vieira de Melo c cm sua
guerra com brancos c se obrigava a ir em nossa companhia a fazê-la a todos os aqueles que presença se achou também o chamado rei dos tapuias ariús pequenos por nome Peca que
não quisessem admitir a nossa amizade, c prometia ser fiel vassalo do mui justo, invicto c habitam nos confins desta capitania no mais íntimo desses sertões o que disse que vinha com
poderoso Senhor Rei dc Portugal, nosso senhor, a que prometia servir c obedecer e aos seus sua própria pessoa ajustar a paz por estarem todas as nações mais vizinhas c que residem no
governadores c capitães-mores com pronta obediência como deve e e obrigado. E da sua distrito desta capitania unidas na mesma paz e nossa amizade, o que disse que cm nenhum
parte pedia perdão da desobediência e seus erros passados pelos quais prometia não só con­ tempo por si nem por outrem dos seus haveria mais guerra com brancos c se obrigava a faze-
descender a que se povoassem os sertões que a seu respeito se despovoaram, senão que com la a todos os aqueles que não quisessem admitir a nossa amizade, e prometia ser fiel vassalo
seus soldados ajudaria a fazer currais e casas como já dera princípio com os gados que agora do mui justo, invicto c poderoso Senhor Rei dc Portugal, nosso senhor, a que prometia servir
haviam chegado do Ceará ao Açu como dos mesmos homens que os haviam trazido constava e obedecer c aos seus governadores c capitães-mores com pronta obediência como deve c é
o que estava perto dos ditos capítulos feitos na paz tratada com os seus enviados, que são os obrigado. Is da sua parte pedia perdão da desobediência e seus erros passados pelos quais
que abaixo se declaram: prometia não só condescender a que se povoassem os sertões que a seu respeito se despo­
1. " que descendo dos sertões às nossas povoações não poderão trazer armas mais até o sítio voaram, senão que com seus soldados ajudaria a fazer currais c casas para se meterem gados
que chamam de Paupã ou da Pirutuba ou do Jacu, c vindo pela praia até a barra do Ceará nas terras cm que habitam, como o haviam feito os do Açu. E com isso o dito capitão-mor lhe
deu perdão dos seus erros passados c lhes segurou a paz que pediam tudo em nome do gover­
Mirim;
2. " que com os brancos que vão para o senão do Açu ou para donde eles habitam a enviar nador e capitão-general deste Estado, dom João dc Lencastro, c conforme sua ordem que
seus gados terão toda a conformidade e os ajudarão para os benefícios dos mesmos gados c para isto tinha. Porém, com as condições contidas nos capítulos seguintes:
condução deles pagando-lhes o seu trabalho; que descendo dos sertões às nossas povoações, não poderão trazer armas mais até o
.5." que se alguma outra nação se rebelar ou desobedecer, irão com os brancos a fazer-lhes sítio que chamam de Paupã ou da Pirutuba ou do Jacu, e vindo pela praia até a barra do Ceará
guerra até os reduzirem à nossa obediência; Mirim; ,
4. " que não consentirão cm sua companhia os escravos fugidos dos moradores, antes os 2° que com os brancos que vão para o sertão do Açu ou para donde eles habitam a enviar
prenderão e trarão abaixo e se lhe pagará a sua diligencia; ■ seus gados terão toda a conformidade e os ajudarão para os benefícios dos mesmos gados c
5. " que, porquanto entre nós vive alguma gente da sua nação, machos c fêmeas, já domés­ condução deles pagando-lhes o seu trabalho;
ticos, catequizados e batizados, que não pretenderão levá-los consigo para o sertão por não ser 3. “ que se alguma outra nação se rebelar ou desobedecer, irão com os brancos a fazer-lhes
justo que sendo batizados e filhos da igreja tomem ao barbarismo de que saíram maiormente ' guerra até os reduzirem à nossa obediência;
porque estio todos voluntariamente contentes c satisfeitos na companhia dos brancos. 4. ** que não consentirão em sua companhia os escravos fugidos dos moradores, antes os
I*' com isto o dito capitão-mor lhe deu a segurança c o dito perdão c paz que pediam tudo . prenderão c trarão abaixo c se lhe pagará a sua diligencia;
em nome do governador e capitão-general deste Estado, dom João de Lencastro, c conforme r . 5." que porquanto entre nós vive alguma gente da sua nação, machos c fêmeas, já domes-
a sua ordem que sobre este particular achou por carta sua a seu antecessor o capitão-mor i. ticos, catequizados c batizados, que não pretenderão levá-los consigo para o sertão por não ser
Agostinho César de Andrade, c logo pelo dito capitão-mor lhe foi admoestado o muito que .; justo que sendo batizados c filhos da Igreja tornem ao barbarismo de que saíram maiormente
lhe convinha assim como se sujeitaram à obediência de vassalos dc Sua Majestade, que Deus 2-í porque estão todos voluntariamente contentes e satisfeitos na companhia dos brancos,
guarde, e abraçarem juntamente a paz espiritual, querendo aldear-se e aceitar o sacerdote que ; ' E porque na sua rudeza pode haver alguma incapacidade de aceitarem estas condições
lhe administrasse os sacramentos e ensinasse a doutrina cristã, ao que respondeu o chamado. ii~ lhes disse o dito capitão-mor que nomeassem um branco seu amigo e confidente para em seu
rei, falaria cont todos os mais para se aldearem dando-sc-lhc na Ribeira do Ceará Mirim desu j » .nome aceitar as ditas condições e prometerem a observância delas, o qual elegeu o capitão
capitania terras donde pudessem fazer suas plantas por serem as do Açu muito secas para ■: ' Antônio Alvares Gorreia, seu condutor a queni buscaram por ser seu conhecido antigo por ter
nelas se plantar (ilegíveij e o dito capitão-mor lhe prometeu dar-lhe terras donde eles como- <' terras adonde é sua habitação e haver nelas tido gados que com o levante da guerra do dito
AN E XOS 305

gentio ANEXOS
304 se destruíram, o qual vendo serem as condições todas racionais c toleráveis as aceitou
c assinou este tratado em seu nome cm que também assinou como urna cruz <» dito rei Peca e
Anexo 5
um seu irmão por nome o capitão João Pinto Corrcia. 1< dc tudo mandou o dito capitão-mor
fazer este assento c tpie se registrasse donde toca. Manuel Euscbio da Costa o fiz no ano dc O terço do mestre-de-campo
mil seiscentos e noventa c sete. Bernardo Vieira dc Melo, cruz do Peca, cruz dc João Pinto Manuel Alvares de Morais Navarro em 1698
Corrcia, Antônio Alvares Corrcia. O qual cu Manuel Euscbio da Costa transladei bem c ficl- (1} companhia do mestre-de-campo Manuel Álvares de Morais Navarro: Antônio Ri­
mente do próprio que está lançado no livro seguindo dos registros tla secretaria deste governo beiro Garcia (sargento-mor, substituído por José dc Morais Navarro), frei Antônio dc Jesus
do Rio Grande a folhas cento c quinze c verso a que me reporto. (capelão), Francisco Fajardo Barras (ajudante do número), Roque Nogueira (ajudante do nú­
mero). Manuel Nunes dc Azevedo (ajudante supra), Inácio dc Távora (ajudante supra). Do­
mingos do Prado (alferes, morto), Domingos das Neves Ribeiro (sargento do número), Fran­
AHll, Rio Grande, caixa 1.40. cisco Nunes dc Siqueira (sargento supra), João do Prado (cabo). Salvador Dias (cairo), Jacinto
(tambor), e os soldados: Domingos João, José dc Sousa, Domingos dc Morais Navarro, João
Rodrigues, Antônio Ribeiro, Manuel da Costa. Francisco, José Leite, Manuel Simões, Inácio
Nogueira, Damásio Rodrigues, Francisco Mendes, Lourenço Barbosa, Inácio Fcrrcira, Se­
bastião Gago, Asccnso Fcrrcira, Leonel de Abreu.

(2) companhia do capitão Bento Nunes de Siqueira: Simão Ribeiro (alferes), Francisco
de Carata (sargento do número), Marçal Galhardo (sargento supra), Manuel Nobre dc Men­
donça (cabo), Antônio (tambor), c os soldados: Tomé Nunes, Geraldo de Carvalho, Cirilo
Pereira, Gonçalo Gomes, Gonçalo Rodrigues, José Alves, André dc Bitancor, Antônio Nunes.

(3) companhia do capitão José Porratc de Morais Castro: Manuel Pedroso (alferes),
Antônio Cabral (sargento), Antônio do Couto (sargento), André (tambor), c os soldados: Gon­
çalo Mendes de Morais, Manuel Rosado, Domingos Rosado, João Pirds, Sebastião Nunes,
r
Bernardo, Francisco do Couto.
i
I (4) companhia do capitão José de Morais Navarro: Francisco Antunes (alferes), Agosti­
nho Góis Meneses (sargento do número), Bento Mcira Barros (sargento supra), Agostinho
Rondon
_ (cabo), José Dias
__________________ Duarte. (cabo),
__ ________ Francisco (tambor),
............... .. .. e os soldados: Francisco da Cos-
_______________________ . ...
Mfc-ta, Anastácio Álvares, Manuel Marques, Francisco Alvares, Manuel, Domingos Soares, José
1, r« - . . de
fe Luís, Francisco í . Aguiar, Manuel
ir____ i .ída Costa t.': ___ João n.-i
Viana, Barbosa, <___ * r.________
__ _ João lMendes, ...
Afonso Dias,
f** Salvador Góis, João
CilwnHnr Rodrigues ÍMis. Inik) Rodrigues,
Rnclrívncs. S:ilvd<lnr Álvares, Sehaxttân
Salvador Alvtircs. Sebastião Pereira Lnhn,
Lobo.

•^1(5) companhia do capitão Manuel da Mata Coutinho: Marcclino de Oliveira (alferes),


sfÍManuel do Prado (sargento), Estêvão de Barcelos Machado (sargento), Manuel Cabral (cabo),
^.^desconhecido” (tambor), e os soldados: Sebastião Gonçalves, Ambósio dc Avânio, Miguel
5! jpomingues, João Antunes, Simão da Costa, Manuel da Costa, Antônio da Cunha, Francisco
ÍÊdrgcs do Prado, Amaro Lopes Maciel, Gaspar Gomes, João dc Góis, Luís Gomes, Francisco
Ssrreira da Costa, Jcrônimo de França Gaia, Roque da Costa, Pedro dos Santos Resende,
wtitânio Pais Barreto, Alberto Rodrigues, Adtônio das Neves Loureiro, Brás Rodrigues Gato,
jflrfòinio Tavares dc Oliveira, Lucas Antunes, Dom Pedro.

áwjfçompanhin do capitão Antônio Raposo Barreio: Diogo Barbosa (alferes), Marcos de


áwm&ira (sargento). Clemente de Cardoso (sargento, morto), José Ribeiro (cabo), Manuel Mcn-
wejlçabo), Manuel Raposo (tambor), e os soldados: Diogo Moreira, Gonçalo Silva, João Mar-
SWgj Francisco Barbosa, Francisco Pires, João dc Cubas, João Lopes, A|>olinário Martins, José
WiCruz da Apresentação, Eliseu de Macedo, Lázaro, Antônio, Amaro, Francisco, Antônio.

g||uftunpanhta do capitão Salvador de A morim c Oliveira: Francisco Ribeiro (alferes),


fflSjwúo Pinheiro (sargento do número), Silvestre Marques (sargento supra), "desconhecido"
llllpíròr). e os soldados: Domingos Francisco da Silva, Antônio Gonçalves Machado, Antônio
|l||Í|l^iitya, João de Sousa da Fonseca, Pascoal Gonçalves, Mateus Marinho, Mateus Gonçal-
|»gffljí?nuel dc Aguiar, Bento Rodrigues, João Nunes dc Siqueira. José Raposo, 'lòmás do
Igg||iKpdrigucs Dias, Grcgório Barbosa, Leandro da Cunha. Antônio da Silva, Domingos da
|gS|g|£>ábricJ, Baltasar. Valentim, Domingos, Domingos.
I
306 ANEXOS
(8) cumpunhia do capitão Francisco Lemos Matoso: Antônio Simões Moreira (alferes),
Francisco Antunes (sarnento do número), Manuel Pereira da Costa (sargento supra), António
(tambor), c os soldados: Manuel dc Lemos, Antônio dc Azevedo Raposo, João de Mcdina,
Manuel Delgado, João Nunes Sobrinho, João dc Lentos do Prado, Manuel Sovcral. Antônio
dc Mesquita. Manuel Mendes. Francisco Preto Rondon, Gaspar Rodrigues, Antônio Bonctc,
Donato Bonctc. Diogo de Braga. Diogo Lobo dc Oliveira, João Lobo dc Oliveira. Domingos
de Uzeda de Morais, Manuel Cardoso, Miguel Cardoso de Siqueira. Manuel Ferrcira, Fran­

cisco dc Candia, Marcclino Bonctc.


(9) companhia do capitão Antônio Guio de Oliveira: Salvador dc Siqueira Rondon (alfe­
V*
res), Manuel Luís Corrcia (sargento do número). Maninho Vaz. (sargento supra), Luís Nunes
(cabo), André da Silva (cabo), Gaspar (tambor), e os soldados: Antônio de Siqueira, João Mateus FONTES E BIBLIOGRAFIA
Rondon, João Batista Aranha. Silvestre, João Dias, António Dias. Celestino da Costa, João dc
Almeida. José dc Andrade, José Dias, Simão dc Btito. Miguel.

(10) companhia do capitão Manuel de Siqueira Rondon: Antônio Pereira Brito (alferes),
André de Carvalho (cabo), "desconhecido" (tambor), e os soldados: Bernardo Batista, Do­
mingos Morato de Bitancor, Francisco Martins Pereira, Manuel dc Góis Homem, Manuel -
Carneiro do Como, João Pereira. Antônio Gonçalves Pereira, Pedro da Silveira, Domingos da - 1. Fontes manuscritas
Maia. Manuel Pais. João Pereira. Domingos dc Araújo, Sebastião Corrcia, 1’aulino Riscardo,
Lázaro Gomes, Simão da (losta, Salvador Pequeno, Diogo, Pedro de Siqucirj, Inácio Delgado. '
d Arquivo I Iisiórigo Ultramarino (AHU)/ Lisboa
Códices: 49; 84; 85; 86; 93; 95; 112; 118; 119; 120; 122; 123; 124; 245; 246; 252; 253; 256;
257; 258; 265; 266; 275; e 276.
------------
Fonte: Lista ’ do terço
- ----- dos soldados ' do mcstre-dc-campo Manuel Alvares de Morais Navarro ...íSs/J Papéis avulsos (caixas): Bahia, 2 c 3; Rio Grande do Norte, 1.2 c 3; Paraíba, 4 e 6; Ceará,
(1698). IIIGRN, caixa 89; e a Lista dos assentados na companhia do capitão Manuel da 1 c 2; Piauí, I; Pernambuco. 9, 10. 11, 12, 13, 14, 15. 16. 17, 18 c 20.
Coutinho (1698). Jí IGRN. caixa 65. ■Ts®:á|

Arquivo Púbi.ico ix> Estado da Baiiia (APEB) / Salvador


fe^Códiccs da seção colonial: 147 (cartas do governo a várias autoridades |registros|, 1613-
1663); 148 (cartas do governo a várias autoridades |da capitania da Bahia j, 1697-1704);
c 135-1 (cartas do governo a Sua Majestade, 1654-1665).
ffiSyJlBLioTECA Nacional de Lisboa (BNL) / Lisboa
ggHjjtilcção Pombalina: códices 115 (“Livro dos assentos da Junta das Missões, cartas ordi-
Ê|gi| -nárias, ordens e bundos que se escreveram cm Pernambuco ao tempo do governador
|||SfeFélix José Machado”, 1712-1715) c 239 (portarias, ordens, bandos, editais etc. sendo
|®|[|íijgovcrnador d. Antônio Félix Machado, marquês dc Montcbelo, 1690-1693).

$yBihL,ioTECA do Palágio da Ajuda (Ajiida) / Lisboa


BaasíSumentos relativos ao Brasil: 51 V 42; 54 XIII 16; c 54 XII 4 52.

flsfipÓjTECA Nacional de Paris (BNP) / Paris


gfiffigBtfecritos portugueses: códices 28 c 30.
[■BSãgígg»-..
WHWITGTo Histórico e Geográfico do Rio Grande do Nonru (1IIGRN) /
H^NAtAL
-34,65, 75,89, c 99.

de Estudos Brasileiros (IEB) / São Paulo


|KBg|Í|£ <jç Yan dc Almeida Prado: códice 4 A 25.

Sr. JosE Mindijn / Sáo Paulo


la Mission des indiens Kariris du Brcz.il situés sur le Grand ilcuve de S.
30« hintiís !•; bibliografia F O N >• E S E BI li 1.1 OG R |.‘| A 3()9
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Título .4 Guerra dos llãrbaros: Povos Indígenas e a Colonização
do Sertão Nordeste do Hrasil, 1650-1721)
Autor Pedro Puntoni
Produção 1 lucitcc/Edusp
Imagem ela Capa Dança dos índios Tarairiãs (óleo de Alberr Eckout, 165-1)
Projeto ihe Capa Luís Díaz
Projeto Gráfico Equipe 1 Iucitcc
bálitoração Eletrónica Ouripcdes Gallcne
Revisão tle Texto e Provas Equipe 1 Iueitee
Atle-final Julia Doi
Aiulrea Yanaguita
Tercza 1 larumi Kikuchi
Divulgação Regina Brandão
Daniel Maganlia
Guilherme Maffci Leão
Secretaria Editorial Eliane Remiherg
Tormato 14 x 21 cm
Tipologia Casablanca 10,5/12
Papel Cartão Supremo 350 g/nr (capa)
Pólen Rustic Areia 85 g/nr (miolo)
Número tle Páginas 328
Tiragem 1500
Imsafdm 1 Iueitee
Eotolito MTJ Eotolito
Impressão e Acabamento Imprensa Oficial do Estado
grupos e sociedades indígenas concra morado­
res, soldados, missionários e agentes da Coroa
portuguesa. Não obstante, do lado português,
a homogeneização dos povos do sertão (os “ta­
puias”) — em oposição não só ao mundo cris­ Estudos Históricos
tão europeu, mas aos povos tupis, habitantes
do litoral — foi um dos elementos mais impor­
tantes para uma percepção unitária dos con­
flitos ocorridos no Nordeste. De fato, a exten­
sa documentação colonial refere-se ao conjun­
to de confrontos e sublevações dos grupos ta­ Através desta coleção, visa-se a dar maior divulgação às mais
puias do sertão nordestino como uma “Guerra recentes pesquisas realizadas entre nós, nos domínios de Clio,
dos Bárbaros”, unificando, dessa maneira, si­ bem como, através de cuidadosas traduções, pôr ao alcance de
tuações e contextos peculiares, isto é, os luso-
brasileiros viam-se enfrentando um levante um maior público ledor as mais significativas produções da
geral dos povos tapuias. historiografia mundial. No primeiro caso, já foram publicadas
A Guerra dos Bárbaros foi uma das mais várias teses universitárias, que vinham circulando em edições
longas, concorrendo com as guerras dos Pal­ mimeografadas; no segundo, traduções de autores como Paul
mares (1644-1695), da mesma época. De ma­
neira diferente, não se tratava aqui de defen­ Mantoux e Manuel Moreno Fraginals. Entre uns e outros, isto
der uma opção de resistência à escravidão e é, entre a historiografia brasileira e a estrangeira, a coleção
uma comunidade de escapados, mas a sobrevi­ também procurará divulgar trabalhos de estrangeiros sobre o
vência de culturas seculares, ou mesmo mile­
Brasil, isto é, de “brasilianistas”, bem como estudos brasileiros
nares, no território que sc via invadido. Apesar
de a Guerra dos Bárbaros configurar-se como mais abrangentes, que expressem a nossa visão de mundo. Em
um conjunto complexo e heterogéneo de ba­ outras etapas, projetam-se coletâneas de textos para o ensino
talhas, esparsas no sertão, podemos dividi-la superior. A metodologia da história deverá ser devidamente
entre os acontecimentos no Recôncavo baiano
contemplada. Como se vê, o projeto é ambicioso, e se destina
(1651-1679) e as guerras do Açu (1687-1705),
na ribeira do rio deste nome no sertão do Rio não apenas aos aprendizes e mestres do ofício de historiador,
Grande do Norte e do Ceará. mas ao público cultivado em geral, que cada vez mais vai
sentindo a necessidade e importância dos estudos históricos.
Nem poderia ser de outra forma: conhecer o passado é a única
maneira de nos libertarmos dele, isto é, destruir os seus mitos.
Pedro Puntoni é doutor em história social e pro­
fessor de História do Brasil na Universidade
de São Paulo. É também pesquisador do Cen­
tro Brasileiro de Análise e Planejamento (Ce-
brap). Publicou, nessa mesma coleção, o livro
A Mísera Sorte: a escravidão africana no Brasil
Holandês e as guerras do tráfico no Atlântico Sul,
1621-1648.

EDITORA HUCITEC

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