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Estudos Históricos

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Estudos Históricos
Pedro Puntoni

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A GUERRA D"'\ RÁRBAROS
Através desta cole<;áo, visa-se a dar maior divulga<;áo as mais POVOS INDfGENAS E A
recentes pesquisas realizadas entre nós, nos domínios de Clio, COLONIZAc;ÁO DO SERTÁO
bem como, através de cuidadosas tradu<;óes, por ao alcance de
NORDESTE DO BRASIL, 1650-1720
~m maior público ledor as mais significativas produ<;óes da
historiografia mundial. No primeiro caso, já foram publicadas
várias teses universitárias, que vinham circulando em edi<;óes
mimeografadas; no segundo, tradu<;óes de autores como Paul
Mantoux e Manuel Moreno Fraginals. Entre uns e outros, isto
é, entre a historiografia brasileira e ;i estrangeira, a cole\ªº
também procurará divulgar trabalhos de estrangciros sobre o
Brasil, isto é, de "brasilianistas", bem como estudos brasileiros
mais abrangentes, que expressem a nossa visáo de mundo. Em
outras etapas, projetam-se coletaneas de textos para o ensino
superior. A metodo~ogia da história deverá ser devidamente
contemplada. Como se ve, o projeto é ambicioso, e se destina
nao apenas aos aprendizes e mestres do ofício de historiador,
mas ao público cultivado em geral, que cada vez mais vai
sentindo a necessidade e importancia dos estudos históricos.
N em poderia ser de outra forma: conhecer o passado é a única
maneira de nos libertarmos dele, isto é, destruir os seus mitos.

EDITORA HUCITEC EDITORA HUCITEC


N a segunda mctadc do século XVII, a ex-
pansio da fronteira colonial na América
portuguesa criou novas zonas de contato e fric-
~ao com as popula~0es autóctones, nem sem-
pre .integradas ou subjugadas pela for~a mili- E studos H istóricos 44
tar ou pela iniciativa dos missionários. No caso
dire<;ao de
das capitanias do norte do Estado do Brasil,
onde se estabcleccra um sistema económico Fernando N ovais
e social bascado na produ~ao de a~úcar, o pro- l stván Jancsó
cesso de expansao da economia colonial im-
plicou duas formas distintas de apropria~ao do
território e de organiza~io social. De um lado,
a zona produtora da mercadoria de exporta-
~ao, o a~úcar, e do sistema produtivo coadju-
vante (alimentos, tabaco etc.). De outro, a zona
da pecuária: o sertao. Para esca regiao conver-
giam as tensoes e conflitos resultantes da ex-
pansao territorial da Colonia. Tensoes essas
agravadas com o dcscnrolar dos acontecimen-
tos das guerras holandesas, que envolveram
na dinamica conflituosa do mundo colonial
vários povos autóctoncs de maneira irrever-
sível. Com efeito, entre 1651 e 1704, o sercao
foi palco de urna série de conflitos entre os
povos indígenas e os colonos luso-brasileiros
- conflitos que em seu conjunto foram co-
nhecidos na época como a Guerra dos Bár/Ja-
ros, porque por "bárbaros" se tomavam os in-
dígenas que imaginavam estar "invadindo"
as fronteiras do Império portugues e criscao.
Apesar de alguns historiadores procurarem
interpretá-la como um movimento unificado
de resistencia (como uma "confedera~ao"),
essa caracteriza~io é coeva aos acontecimen-
tos, participando da lógica de extermínio a que '
chegou a poHtica indigenista do lmpério. Re-
sultado de diversas situa~0es criadas com o
avan~o da fronteira da pecuária e a necessida-
de de conquistar e "limpar" as cerras para a
cria~ao do gado, esta guerra envolveu vários

Capa: Dan~a dos indios tarairiús. Óleo de Alben Eckout,


1654
1
<ESTUDOS HISTÓRICOS
TfTULOS Ef\I CATÁLOGO

Po1111gal f Brasil na C1ise do A11tigo Sistema Colo11ial (1777-1808), Fernando Nova is


1Jftta11101f0Sfs da Riq11rza - Sao Paulo, 1845-1895, Zélia t-.laria Cardoso de Me llo
O E11gf11ho (vol. 1), Manuel ~loreno Fraginals
P1i-Capitalis1110 e Capitalismo (A Formaflio do Brasil Colo11ial), Sedi H irano
O Engmho (vols. 11 f fil), tvlanuel ~iforeno Fraginals
A Borracha 11a Amazo11ia: Expa11srlo e Dfcadencia (1850-1920) , Barbara \Ve inscein
Europa, Fra11ra e Cforá: Origens do Capital Estrrmgeiro 110 Brasil, Oenise Mo meiro 'Iakeya
A /11dfpe11de11cia do Brasil, Carlos Guilherme Mota & Fernando Novais
A Espada de Drimoclfs: o Exército, a G11erra do Paraguai fa C1ise do lmpélio, Wilma Peres Costa
Na Bahia Contra o lmpério: Histó1ia do Ensaio de Sedi[iio de 1798, István Jancsó
Uma Cidade na TrrmsifiiO. Santos: 1870-1913, Ana Lúcia Duane L ana
1l1endigos, 1l1oleq11es e l!adios 11a Bahia do Século XIX, Walter Fraga Filho
Coló11ia e Nativismo: A História como "Biografía tia 1Vafiio", Rogério Forastieri da Silva
Portugal na Época da RestatJTYl[rlo, Eduardo D'Oliveira Fran~a
A Nova Atld11tida df Spix e 1J1arti11s: Nat11reza e Civilizarao na Viagem pelo 8rr1Sil ( 1817-1820), A GUERRA DOS BÁRBAROS
Karen Macknow Lisboa
Barrocas Famílias (Vida Familiar em 1l1inas Cera is no Século XVII/), Luciano Raposo de Almeida POYOS INDÍGENAS E A COLONIZA<;ÁO
Figueiredo
Uma Rfpública de Leitores: História e A-femória 110 & cepfiio das Cortos Chilenas ( 1845-1989), joaci DO SERTÁO NORDESTE DO BRASIL,
Pereira Furcado 1650-1720
O U11iverso do Indistinto: Estado e Sociedade nas 1l1inas Setecentistas ( 1735-1808), Marco Amonio
Silveira
Estado e Agricultura 110 Brasil: Política Agrícola e Moder11izafiio Económica Brasileira 1960-1980,
Wenceslau Gon~alves Neto
A Ciencia dos Trópicos: A Arte Jlédica 110 Brasil do Século XVIII, Márcia Moisés Ribeiro
A República E11si11a a Morar (Jlelhor), Carlos A. C. Lemos
A Nariio como Arte/ato: Deputados do Brasil 11as Cortes P01t11guesas (1821-1822), l\1árcia Rcgina
Berbel
AdministrafiiO e Escravidiio: idéias sobre a gestiio da agric11/t11ra escravista brasileira, Rafael de
Bivar Marquese
A Mísera Sorte: A escravidtlo afticana no Brasil holandes e as g11erras do tráfico 110 Atltintico su/
(1621-1648), Pedro Punconi
H ome11s de Negócio: A interiorizafiio da metrópole e do comércio 11as Minas setecentistas, J unia Ferre ira
Furca<lo
A República E11sina a Morar (1l1ellror), Carlos A. C. Lemos
A Historiografia Port11g11esa, Hoje, José Tengarinha
Bases do Fon11ariio Territorial do Brasil: O território co/011ial brosileiro 110 "longo" século XVI,
Antonio Carlos Robe rt Moraes
A Bolria e a Carreira da Índio, José Roberto do Amaral Lapa
A lmigra~iio Portuguesa no Brasil, Eulália Maria Lahmeyer Lobo
Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
www.etnolinguistica.org
00 MESl'"IO AUTOR, NA f\IES~IA COLE(:ÁO, NA EDITORA HUCffEC
PEDRO PUNTON I
A 1llísera So1te: a Escravidiio Africana 1JO Brasil Holandés eas Guerras do Trófico 110 A1/á111ico Su/, 1998

A GUERRA DOS BÁRBAROS


POVOS INDÍGENAS E A COLONIZAQÁO
DO SERTÁO NORDESTE DO BRASIL,
1650-1720


UNIVERSIDADE DE SÁO PAULO

Rútor Adolpho José Melfi


Vice-reít0r H é lio N ogu eira da Cruz

EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SÁO PAULO

Comissao Erli101ial José ?vlindlin (Presidente)


L aura de Mello e Souza
Murillo Marx
O swaldo P aulo Forattini
P linio l\lartins Filho

Diretor-preside11te Plinio Martins Filho


Diretora Editorial Silvana Biral
Dinttora Comercial E liana Urabayashi
Diretora Ar/111i11istmtiv11 Angela tvlaria Conceis;ao Torres
Editor-assiste11te Joao Bandeira ltJAPESP
"Copyright© 2000 by Pedro Puntoni

Dados lnternacionais de Catalogacyao na Publicacyao (CIP)


(Camara Brasileira do L ivro, SP, Brasil)

Puntoni, Pedro
A Gue rra dos Bárbaros: Povos Indígenas e a Colonizacyao do Sertao Nor-
deste do Brasil, 1650-1720 / Pedro Puntoni. - Sao Paulo: Hucitcc:
Editora da Universidade de Sao Paulo: Fapesp, 2002. - (Escudos His-
tóricos; 44)

Bibliografia
ISBN 85-27 1-0568-3 (H ucitec)
ISBN 85-314-0684-6 (Edusp)
"L' ignorance d u passé ne se borne pas a
l. Brasil - História - Pe ríodo colonial2. Brasil, Nordeste - H istó-
ria 3. Índ ios da América do Su! - Guerras - Brasil, Nordeste 4. Povos nuire a la compréhension du présent; elle
indígenas - Brasil, Nordeste l. Título. II. Título: Povos Indígenas e a compromet, dans le présent, l' action meme."
Colonizacyao do Sercao Nordeste do Brasil, 1650-1720. 111. Série. MARCH BLOCH. Apologie pour l'Histoire

02-0803 CDD-980.41 3 ou Métier d 'historien, 1949.

Índices para catálogo sistemático: " O meu intento neste trabalho foi servir
1. Brasil: Se rtao Nordeste: Povos indígenas: Guerras: Pe ríodo colonial: ainda cá aos índios, j á que nao posso mais
História 980.413 fazer lá [ ... ] ." ,.
2.Gue rras: Povos indígenas: Se rcao Nordeste: Brasil: Pe ríodo colonial: BERNARD DE N ANTES. Katecismo Indico
História 980.413 da língua Kariri, 1707.

Direitos reservados a
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Printcd in Brazil 2002
Foi fe íto o de pósito legal.

7
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SUMÁRIO

PREFÁCIO pág. 13
Agradecimen tos 18

l. NO ÍNTIMO DOS SERTÓES 21


A pecuária e os caminhos do sertao 22
Minas de salitre 29
F azendas e currais 34
Resistencia indígena e extermínio 43

2. O PAÍS DOS TAPUIAS 49


O "muro do demonio" 61
A missiona9ao entre os tapuias 71
Confedera~ao dos cariris? 77

3. GUERRAS NO RECÓNCAVO 89
Jornadas do sertao, 1651-1656 91
A Guerra do Orobó, 1657-1659 97
A Guerra do Aporá, 1669-1673 107
As guerras no Sao Francisco, 1674-1679 116

4. A GUERRA DO A<;U 123


A campanha de Antonio de Albuquerque Camara, Domingos
Jorge Velho e Manuel Abreu Soares, 1687-1688 133
A campanha de Matias Cardoso de Almeida, 1690-1695 145
A rendi9ao dos janduís, 1692 157
Guerra ofensiva x guerra defensiva ,, 163
O ter90 do mestre-de-campo Manuel Alvares de Morais Navarro 177

9
10 SUMÁRIO

'".5. O TERCO DOS PAULISTAS pág. 181


A "guerra do Brasil" 186
A Guerra dos Bárbaros e as jornadas do sertao 192
Paulistas e os "ares do sertao" 196
Cabos e soldados 202
Dinheiro e farinha 210

ICONOGRAFIA 225
ABREV I AT U R AS
6. PAULISTAS x MAZOMBOS 241
O massacre no Jaguaribe, 1699 243 ARQU J VOS

245 AHU Arquivo Histórico Ultramarino. Lisboa


U ma guerra injusta
255 APEB Arquivo Público do Estado da Bahia. Salvador
A devassa de Joao de Matos Serra Ajuda Biblioteca do Palácio da Ajuda. Lisboa
Armas de fogo 266
BNL Biblioteca Nacional de Lisboa. Lisboa
Da prisao do mestre-de-campo a dissolu~ao do terc;o 271 BNP Biblioteca Nacional de Paris. Paris
IEB Instituto de Estudos Brasileiros. Sao Paulo
EPÍLOGO 283 IHGB Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro
IHGRN Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. N atal
Anexo 1. Quadro cronológico 291
Anexo 2. Reis, governadores e capitaes-mores 293 COLE(:Ol::S DE DOCUMENTOS I M PRE SSOS E PERIÓD I COS
Anexo 3. Missoes e aldeamentos no sertao nordeste do Brasil ABN Anais da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro
no século XVII 295 ACS Atas da Camara, Documentos Históricos do Arquivo Municipal. Sal-
300 vador
Anexo 4. Tratados de paz, 1692-1697 ,,
ACSP Atas da Camarada Vi/a de Sao Paulo. Sao Pau lo
Anexo 5. O ter~o do mestre-de-campo Manuel Alvares de
AMP Anais do Museu Paulista. Sao Paulo
Morais Navarro em 1698 305
css Cartas do Senado, Documentos Históricos do Arquivo Municipal.
Salvador
FONTES E BIBLIOGRAFIA 307 DH Documentos Históricos da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro
,, RAM Revista do Arquivo Municipal. Sao Paulo
Indice das tabelas e dos mapas RMP Revista do Museu Paulista. Sao Paulo
Tabela 1. Oistribui~ao das etnias no ter\:O do mestre-de-campo Morais RGCSP Registro Cera/ da Camara Municipal de Sao Paulo. Sao Paulo
Navarro 206 RIAP Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano.
Tabela 2. Motivo das baixas no ter~o de Morais Navarro 209 Recife
Tabela 3. Valor das contribui~oes previstas na finta de 1654 para a jornada RIHGB Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro
do sercao, segundo as companhias das ordenan~as 215 RIHGC Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Ceará. Fortaleza
Tabela 4. Valor dos soldos no ter~o do mestre-de-campo Morais Navarro e RIHGRN Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. Natal
estimativa de custos totais 217
Tabela S. Oinheiro despendido com o ter~o do mestre-de-campo Morais
Navarro, 1698-1702 219

Mapa 1. Bahía, Pernambuco e capitanías anexas, século XVII 23


Mapa 2. O Reconcavo Baiano e o senao de dentro, século XVII 93
Mapa 3. Pernambuco e as capitanías anexas, século XVII 130
PREFÁCIO

"Mu1TA CONFUSÁO. Muita luta. Muito mistério." É assim


que Camara Cascudo define a guerra dos índios no sertao do Rio Gran-
de, entre 1687 e 1704. Nas suas palavras, "a maior [campanha] que o
Brasil conheceu em todos os tempos" .1 Este episódio da Guerra dos
Bárbaros, conhecido como a Guerra do A~u, em razao da ribeira do rio
que abrigou a maior parte dos combates, foi sem dúvida o mais impor-
tante do longo ciclo de guerras movidas contra os povos do sertao nor-
destino. A Guerra dos Bárbaros, iniciada no que chamamos aqui as Guer-
ras no Recóncavo Baiano (1651-1679), rnarcou o destino da América
portuguesa e das civiliza~oes indígenas que resistiam a sua expansao.
Na verdade, mais se aproximou de urna série heterogenea de conflitos
que foram o resultado de diversas situa9oes criadas ao longo da segun-
da metade do século XVII, no quadro das transforma96es do desenvol-
vimento do mundo colonial, do que de um movimento unificado de
resistencia. Estes conflitos envolveram índios, moradores, soldados, mis-
sionários e agentes da Coroa portuguesa, e tiveram lugar na ampla re-
giao do sertao norte. o atual Nordeste interior do Brasil, que compreen-
de a grande extensao de terras semi-áridas do leste do Maranhao até o
norte da Bahia (ou seja, o vale do Sao Francisco), englobando parte do
Ceará, do Piauí, do Rio Grande do Norte, 2 da Paraíba e de Pernambuco.
Um dos episódios mais violentos de nossa história, a Guerra dos Bár- .
baros foi também um dos mais longos (1651-1704), concorrendo comas
guerras dos Palmares, ocorridas na mesma .época. Contudo, apesar da

1
Luís da Camara Cascudo. História do Rio Grande do JVorte. Rio de Janeiro, 1955, p. 96.
2 Neste livro, a capitania do Rio Grande é nomeada sem o adjeto "do Norte", que
passou a ser corrence após 1737 para diferenciá-la da capicania do Rio Grande de Sao
Pedro, depois Rio Grande do Sul.
13
14 PR EFÁ C I O PRE F Á C 1 O 15
'Vasta quantidade de documentos - muito maior, aliás, do que a relati- o segundo motivo ainda percence ªº ambito da documenta9ao, que
va a "Tróia negra" - , muito pouco foi escrito sobre ela, e isso por vá- nao apenas dificulta a pesquisa, como de fato nao registrou a série de
rios motivos. Primeiro, cerro desencantamento da historiografía por um conflitos com a dimensao pertinente. o fato é que pouco interessava a
/ ,. / • ••A • • •
período de nossa história tao importante, mas cujo trato com a docu- misera epope1a portuguesa nos trop1cos a sequenc1a quase 1n1nterrupta
menca9ao parecia muito árduo. Comprimida entre as guerras holande- de assassínios e massacres que acabaram, por pouco, reduzindo os po-
sas e a descoberca do ouro em Minas, com todo o encanto do século das vos autóctones até a sua completa extin9ao. Dessa maneira, os depoi-
Luzes, a segunda metade do século XVII, "<liante da pletora arq,~ivíst~ca mentos, os relatos e os testemunhos ficaram por séculos guardados no
do Brasil Holandes", nas palavras de Evaldo Cabral de Mello, faz a1n- recóndito de urna documenta9ao administrativa, referida as merces e
da hoje figura de parente pobre". Pois "sao raras as fon tes narrativas; a promo96es de funcionários da Coroa, as políticas mesquinhas que mais
documenta9ao, quase toda monotonamente administrativa, é de consul- diziam respeito a contabilidade das fazendas ou aos arreglos entre pe-
ta difícil e penosa e, merce desee carácer oficial, exclui automaticamen- quenos poderosos, leais súditos, do que a história dos homens. Nao há
te grandes fatias do passado colonial". De maneira que est~ do~umen­ sequer urna crónica coeva dos acontecimentos. O historiador dessas
ta9ao impossibilitou "as sínteses de período, tao ao gosto da h1stonografia guerras se ve, entao, <liante de um papelório no qual <leve garimpar,
oitocentista" ..~ Capistrano de Abreu, que entendía do assunto, confes- aquí e acolá, pequenos indícios, combase nos quais poderá formar urna
sava em 1887 a seu amigo Rio Branco que o que mais lhe seduzia era visao mais abrangente dos sucessos.
"o século XVII, principalmente depois da guerra holandesa". Na obra Por fim, como na época nao havia interesse em sequer registrar quem
de Varnhagen, nas suas palavras, "tirando o que diz respeito as guerras se aniquilava (e, como veremos, esta é sem dúvida urna das mais cho-
espanholas e holandesas, quase nada há para representar este século. cantes complica96es encontradas pelo historiador; afinal, quem eram
Preencher essas }acunas é porcanto o meu interesse principal. Para o os bárbaros?), isso ecoava, sem dúvida, na historiografía oitocentista,
estado do Maranhao, o problema nao é difícil, mas para o resto, sem formadora dos canones factuais de nossa História. A lengalenga
4
crónicas e apenas com documentos oficiais, parece-me tarefa árdua" . indianista de nossos romanticos, primevos historiadores, nao vingara para
Varnhagen, com efeito, nao dedica mai~ que dua~ páginas.a Guerra ,d~s além da pura afirma9ao do mito de um índio ancestral, espécie de ele-
Bárbaros na sua História Cera/ do Brasil, nas qua1s conclu1, com adagio mento referencial na reconstru9ao historicista da literatura romantica e
de fazendeiro: "Nas capitanías do Ceará e Rio Grande davam entao os de símbolo privilegiado da especificidade da pátria. Neste momento,
índios muito o que fazer" .5 Com exce9ao do tratamento dado ao episó- afora a Confederarao dos Tamoios, que Gon9alves de Magalhaes publi-
dio dos Palmares, impulsionado com o fortalecimento do movimento cou no mesmo ano em que Varnhagen trouxe a lume o primeiro volu-
negro, e o espa90 conquistado pelo escravo na historiografi~ mode~n~, me de sua História (1857), quase nada mais se escreveu sobre a resis-
principalmente de cepa marxista, qµe se preocupou em anahsar a d1na- tencia indígena ao invasor europeu. Os índios ficaram, por muitos anos,
mica das classes no período formativo de nossa na9ao, nada, quase nada, assunto apenas dos arqueólogos ou dos antropólogos. F oram estes, en-
ficou do período. fim, que trouxeram, pouco a pouco, a necessidade de se.escrever a his-
tória destes povos. F enomeno que ganhou impulso, como já foi di to,
com a nova carta constitucional de 1988, que garantiu direitos aos habi-
J Evaldo Cabral de Mello. A/ronda dos mazombos. Sao Paulo, 1996, p. 12. tantes ancestrais do (hoje) território nacional, como que reconhecendo,
-1 Carta a Río Branco, 30/3/1887. J. H. Rodrigues (ed.). Corresponde11cia de Capistrano de
Abreu. Río de Janeiro, 1954, vol. l , p. 113. Capistrano de Abreu, desta vez em carta a
desse modo, séculos de lutas por sua sobrevivencia.
Joao Lúcio de Azevedo (14/9/1916), explicava que "o ideal da história do Brasil seria Em nosso século, a história da Guerra dos Bárbaros já havia sido
urna e m que o lugar ocupado pelas guerras fl amengas e castelhanas passasse aos su- timidamente tratada por duas vertentes da historiografia. Urna pri-
cessos escranhos a ta is sucessos". Nao acreditava, contudo, que tal coisa pudesse ser meira, a historiografía regional, cearense, potiguar ou pernambucana,
fei ta de imediato: "rnlvez nossos netos consigam ver isco". Citado na "introdu~ao" de inscreveu os episódios na cronología local ou, ao correr da pena, na
José Honório Rodrigues aos Capítulos de história co/011i11/ & Os caminhos antigos e o
biografía dos pró-homens. l\.1ais recentemente, historiadores como
povoa111e1110 do Brasil. Brasília, 1963, p. 12.
s Francisco Adolfo de Varnhagen. História geral do Brasil. Sao Paulo, 1975, tomo 3, p. Carlos Studart Filho, para o Ceará, e Olavo de Medeiros Filho, para o
256. Rio Grande do Norte, atualizaram em termos modernos esta perspec-
16 PREF ÁC IO PREF Á C I O 17
,. tiva local. 6 Em Sao Paulo, já que os "bandeirantes" se haviam metido sológico do sertao e em suas conexoes comas políticas indigenistas em
indelevelmente nas guerras do Nordeste, a historiografia regional pro- prática. Neste sentido, procurei compreender os novos padroes que se
duziu talvez a melhor cronología, na letra de Affonso de Taunay. Seu imprimiam no relacionamento do Império com as na96es indígenas, to-
estudo, contudo, está quase que restrito a análise da documenta9ao madas, desde entao, como estorvo aexpansao e ocupa9ao do território.
da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, publicada integralmente, Em outras palavras, se as guerras seiscentistas esrao na raiz dos meca-
para o assunto, nas páginas da série Documentos Históricos. Inserido na nismos de aniquilamento destas humanidades originárias - constituin-
sua História Cera! das Bandeiras Paulistas, o episódio da Guerra dos do o preambulo do genocídio que seria em grande nledida completado
Bárbaros ganhou até urna edi9ao em separata nas páginas da Revista ao longo de século XIX-, o que vimos surgir no decorrer da Guerra
do Arquivo Municipal. 7 Outros conterraneos seguiram esses passos e dos Bárbaros foi urna nova orienta<;ao política do Império portugues,
nos deixaram páginas sobre tais guerras, algumas vezes até um pouco levada a termo pelos seus agentes coloniais com o fim de produzir o
constrangedoras, nas crónicas das atividades desses sertanejos. extermínio das na96es indígenas do sertao norte. Diferentemente do
Urna segunda vertente está relacionada a urna tentativa de escrever século XVI, quando, em contato comos grupos tupis da costa e no con-
urna história da resistencia indígena e articula-se, assim, com as pers- texto de afirma9ao do domínio, estas guerras objetivavam o extermínio
pectivas renovadas da história dos índios. Trata-se de um capítulo, na total e nao a integra9ao ou submissao. É certo que os Quinhentos assis-
verdade, do estudo mais compreensivo de John Hemming, sobre a con- tiram a guerras implacáveis contra os habitantes originais, como os caetés,
quista dos índios "brasileiros" (sic), e do livro de Maria Idalina da Cruz que haviam comido o hispo Sardinha, ou os aimorés e mesmo os tamoios,
Pires, Guerra dos Bárbaros. 8 Esta autora, com efeito, foi a primeira a ul- massacrados pelo governador do Rio de Janeiro, Antonio Salema, no
trapassar o universo restrito da documenta9ao da Biblioteca Nacional, ano de 1575. No encanto, jamais se haviam mobilizado tantas tropas e
incorporando pesquisa nos papéis do Arquivo Histórico Ultramarino. tanto esfor90 para debelar de "maneira definitiva" a resistencia dos au-
Originalmente disserta9ao de mestrado, este livro, que é referencia obri- tóctones a ocupa~ao de um vasto território. Os tapuias eram tomados
gatória a história da Guerra dos Bárbaros, restringe-se, porém, ao episó- por ampla e duradoura muralha que se erguia no serrao, obstando a ex-
dio aqui denominado "Guerra do A<;u", nao focalizando a Guerra de pansao do Império e a propaga9ao da "verdadeira" fé, como empecilho
maneira integral, como ela mesma explica. Hemming, por sua vez, está ao desenvolvimento da economía pastoril e a explora~ao dos minérios.
preocupado em historiar a conquista e o desaparecimento desses "ín- O livro está dividido em seis capítulos. No primeiro, procuro apre-
dios brasileiros", mas com interesse muito mais voltado para sua situa- sentar o quadro geral da expansao da pecuária, nos marcos do sistema
9ao presente. De toda maneira, ainda escava por fazer urna narrativa mi- colonial, para compreender os vetores da penetra9ao nos sertoes e a
nuciosa dos acontecimentos, pelo menos o quanto permitisse o maior dinamica dos conflitos que se estabeleceu, notadamente na segunda
esfor90 de pesquisa. metade do século XVII, na fronteira do nordeste da América portugue-
A perspectiva desse trabalho é inserir esses conflitos no quadro mais sa. A idéia é entender a natureza da resistencia indígena que implicará
compreensivo da forma9ao de urna sociedade na periferia do Antigo a guerra de extermínio promovida pelos luso-brasileiros. No segundo
Sistema Colonial. A dinamica da série sucessiva de batalhas e recontros, capítulo, discuto como as classifica96es conferidas aos povos indígenas
que se articulam nesse todo chamado de Guerra dos Bárbaros, foi pro- estao na raiz da defini9ao de urna política indigenista relativa aos ha-
curada sobretudo na estratégia militar implementada no contexto me- bitantes do serrao e embasam os sucessos da Guerra dos Bárbaros. Os
dois capítulos seguintes, "Guerras no Reconcavo" e "Guerra do A~u",
recuperam a narrativa dos acontecimentos, batalhas e recontros no Re-
6
Carlos Studart Filho. Páginas de história e pré-história. F orcaleza, 1966; e Olavo de concavo Baiano, entre 1651 e 1679, e no Rio Grande e Ceará, entre
Medeiros Filho. Aconteceu na capitania do Rio Grande. Nacal, 1997. 1687 e,, 1699, isto é, até a forma<;ao do ter<;o do mestre-de-campo Ma-
7 Affonso de E. Taunay. História geral das bandeiras paulistas. Sao Paulo, 1950, princi- nuel Alvares de Morais Navarro. No quinto capítulo, procuro compre-
palmence o vol. 6; e "A Gue rra dos Bárbaros". RAA/, 22:1-331 , 1936.
ender a exata dimensao desse ter90, no quadro mais amplo das for<;as
11
l\1aria ldalina da Cruz Pires. Guerra dos Bárbaros: resistencia i11díge11a e con/fitos no Nor-
deste colonial. Recife, 1990; e John Hemming. Red Gold. The conq11est o/ the brnzilian militares na Colonia, e apresento urna análise de sua forma9ao, com-
indians, Cambridge, 1978, capítulo 16, "Catcle'', p. 345-76. posi9ao, financiamento e dinamica. O capítulo final trata da atividade
18 PREFÁ C I O PREFÁCIO 19
,. do ter90 dos paulistas no sertao do Rio Grande, entre 1699 e 1716. colegas e amigos. Agrade90 a José Anhur Giannotti e a Luiz Felipe de
Tomando por base a narrativa do massacre de quatrocentos paiacus na Alencastro, pela confian9a e incentivo, e aos colegas da área de história
ribeira do Jaguaribe, em 4 de agosto de 1699, e dos desdobramentos e antropologia, John Manuel Monteiro, Miriam Dolhnikoff, Angela
posteriores, coma denúncia de abusos feita pelos oratorianos de Pernam- Alonso e Paula Montero, assim como aos outros amigos da Rua Marga-
buco, missionários dos ditos tapuias, procuro compreender os conflitos do de Mateus. Agrade90, em especial, ao grande companheiro, de idéi-
entre os paulistas e os moradores associados a "nobreza" pernambucana. as e princípios, Ornar Ribeiro Thomaz.
Para além da análise da situa9ao do conflito intra-elite colonial, quanto Agrade90 aos funcionários das diversas institui96es, arquivos e biblio-
a disputas por cerras, este episódio foi visto a luz da "fronda dos ma- tecas onde realizei a pesquisa, especialmente os do Arquivo Histórico
zombos", tal como escudada por Evaldo Cabral de Mello. Trata-se, en- Ultramarino em Lisboa e os da Biblioteca Nacional de Paris. Parte impor-
tao, de perceber as rela96es da guerra de extermínio movida contra os tante do trabalho foi feíta na magnífica biblioteca de José Mindlin, a
índios do sertao, tidos por bárbaros e indomáveis, comas disputas polí- quem agrade90, assin1 como a Cristina Antunes.
ticas que se gestavam na América portuguesa no final do século XVII. Em París, encontrei um ambiente de agradável discussao nos semi-
Disputas que estavam articuladas comas identidades regionais em for- nários da Sorbonne IV e da École des Hautes Études en Sciences Sociales.
n1a9ao, fosse no tocante ªº nativismo pernambucano, fosse no ambito Agrade90 a Kátia de Queirós Mattoso, professora, admirada historiado-
de identidades "grupais", no caso dos paulistas. ra e amiga. Outros mestres ajudaram este aprendiz, entre os quais, gos-
A proposta desee trabalho é, portanto, desvendar esses mistérios, nar- taria d e destacar Vera Lúcia Amaral Ferlini, Stuart Schwartz, Sérge
rar essas lutas, entender a confusao. No mais, como dizia o Rosa, "mes- Gruzinski, Laura de Mello e Sousa e Mary del Priore.
mo, da mesmice, sempre vem a novidade" . Agrade90 também o apoio dos colegas da pós-gradua9ao, companhei-
ros de gera9ao, particularmente a Iris Kantor, Karen Lisboa, Márcia
Agradecimentos Padilha Lo tito, Maria Cristina Wissenbach, Maria F ernanda Bicalho,
Sílvia Barrero Lins e Paulo Garcez Marins.
Este livro é versao, ligeiramente modificada, de minha tese de dou- No Nordeste, fiz amigos que partilham o interesse pelos tapuias
toramento apresentada em junho de 1998 ao Programa de Pós-Gradua- indómitos: F átima Manins Lopes, Maria Idalina da Cruz Pires, Marcos
9ao em História Social da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciéncias Hu- Galindo e Luiz Sávio de Almeida. Olavo de Medeiros Filho, que co-
manas da Universidade de Sao Paulo. Na ocasiao, contei com a crítica nheci em um encontro em Penedo, orientou-me nos arquivos do Insti-
judiciosa da banca, formada pelos professores José Jobson de Andrade tuto Histórico do Rio Grande do Norte com a mesma inteligencia e gene-
Arruda, lstván Jancsó, Manuel Correia de Andrade e Eduardo Viveiros rosidade com que me guiou pelos caminhos do sertao, na ribeira do
de Castro. Agrade90 a cada um deles pelas sugestoes, que espero ter A9u ou no sopé da serra do Acaua.
conseguido incorporar nessa versao que se apresenta ao leitor. Sou gra- Evaldo Cabral de Mello, mestre e professor, auxiliou-me com docu-
to pela confian9a e dedica9ao de meu orientador e amigo, Fernando mentos, livros e conversas. Em sua prosa encontrei Pernambuco e o
Novais. Nos últimos quinze anos, sua presen9a marcou nao apenas este Nordeste, aprendendo "um ceno equilíbrio leve, na escrita, da arquite-
trabalho, mas sobretudo minha forma9ao e meu destino. tura".
Agrade90 ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológi,co Outros amigos estiveram próximos nos momentos mais difíceis ou
(CNPq), que financiou este trabalho e me concedeu bolsa para estagiar divertidos <lestes anos de pesquisa. E entre eles, gostaria de agradecer
um ano nos arquivos e universidades europeus. Agrade90 também a especialmente a Ana Lúcia Duarte Lanna, Clóvis Cunha, Iside Mes-
Fundafiio de A1nparo a Pesquisa do Estado de Siio Paulo que concedeu quita, Maria Isabel Limongi, Rodrigo Naves, Vinícius de Figueiredo e
auxílio para a publica9ao desee livro. Tales Ab'Saber. Fernanda Barbara esteve presente em todos os passos
O Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), desde os tem- <leste trabalho, um pouco menos ao final, mas sempre presente. Dela
pos de bolsista do Programa de F orma9ao de Quadros, foi lugar de de- aprendi muito, em longos e prazerosos anos de convívio.
bate e reflexao no qual encontrei grande vigor e rigor intelectual. O Sou grato a meus país, Geraldo e Tiche Puntoni, que me apoiaram
projeto da tese ali nasceu e foi concluído, como suporte generoso dos incondicionalmente e permitiram a conclusao <leste trabalho.
20 PRE F Á C [O

"' tvlinha companheira, Malu de Oliveira, carinhosamente incentivou-


me e tornou possível superar todos os obstáculos finais, todas as difi-
culdades. Leitora primeira, soube apontar os problemas e ajudou a
resolve-los. Sem ela, este livro nao chegaria a seu bom termo. Para ela,
este trabalho é dedicado. Com amor.

1
NO ÍNTIMO DOS SERTÓES

ALVIANO, nos Diálogos das Grandezas (1618), reclamava dos


moradores do Brasil por nao buscarem alargar a conquista para o senao,
"contentando-se de, nas fraldas do mar, se ocuparem somente de fazer
a\:Úcares". Posto que concordava com a idéia, seu interlocutor, Bran-
donio, explicava que os portugueses o faziam por preferirem ocupar-se
"naquele exercício de que primeiramente tiraram proveito". Tal diálo-
go prefigurava a percep~ao de frei Vicente do Salvador, para quem os
portugueses, avessos a interioriza\:ªº da conquista, arranhavam a costa
como caranguejos. 1 De maneira geral, a historiografía tem seguido es-
ses passos, ªºrelegar um papel secundário a pecuária, atribuindo a mi-
nera\:ªº' já no início do século XVIII, todos os méritos de permitir e
sustentar a ocupa~ao do interior da Colonia. Caio Prado Jr. via certa
injustÍ\:a nisso, dado que a pecuária fora atividade de grande importan-
cia, tanto para a economía como para a história da ocupa~ao do terri-
tório. Mais essencial, no particular, que a minera~ao, a pecuária ficara
todavía "recalcada para o íntimo dos sertoes". 2 Economía acessória ao
complexo a~ucareiro, a cria~ao de bovinos fornecia a tra~ao animal para

1
Ambrósio Fernandes Brandao. Diálogos das grandezas do Brasil (1618). Recife, 1966,
p. 7; e frei Vicente do Salvador. História do Brasil, 1500-1627 (1627). Sao Paulo/Belo
Horizonte, 1982, p. 59. Frei Gaspar da Madre de Deus, lembrando os primeiros tem-
pos da coloniza~ao, notava que todos os generos produzidos junco ao mar podiam ser
conduzidos facilmente a Europa, ao passo que "os do se rcao, pelo contrário, nunca
chegariam a porros onde os embarcassem, ou se chegassem, seriam as despesas tais
que aos lavradores nao fari am conca largá-los pelo pre~o por que se vendessem os da
marinha". JJ/emórias para a história da capitanía de S. Vicente, hoje chamada Sao Pattlo
( 1797). Sao Paulo/BeloHorizonce, 1975, p. 92, § 118.
2
Caio Prado Júnior. Fonnarao do Brasil conte111pora11eo. Sao Paulo, 1953, p. 182.
ZI
22 N O Í N T I tvf O D O S S E R T Ó E S N O Í N T I t-.1 O D OS S E R T Ó E S 23
" mover as máquinas dos trapiches, notadamente a n1oenda, e para o trans-
porte das mercadorias; servia também de alimento, nos dias nao proibi-
dos, para os habitantes dos canaviais e das cidades do litoral; e fornecia,
acessoriamente, o couro, que era utilizado para embalar os rolos de ta-
baco ou exportado como matéria-prima para Portugal. 3 •

A pecuária e os caminhos do sertao

O crescimento desta economia, bem como, paradoxalmente, suas difi-


culdades, é que permitiram a expansao do povoamento para o sertao. A
busca dos minerais preciosos, de maneira acessória, ajudaria a promover
o desbravamento do interior. As necessidades da cria\:ao do gado, como a
extensionalidade, for\:avam a pecuária a ocupar regioes mais interioranas,
ainda mais quando se valorizou o pre~o das terras próximas dos portos de
embarque e dos cursos fluviais. A separa9ao entre a cultura da cana e a
pecuária resultava, entao, do sistema geral da economía colonial, no qual
"as terras aproveitáveis, tanto pela sua qualidade como localiza9ao ao al-
cance do comércio exterior, sao avidamente ocupadas, nao sobrando es-
pa90 para outras indústrias", nas palavras de Caio Prado Jr. 4 Por outro
lado, a cria9ao dos animais nestes pastos sem fechos, isto é, na situa9ao
particular de inexistencia de formas mais aprimoradas de controle (tais
como cercas), e meio ao deus-dará, fazia-se extremamente perigosa as
planta~oes de cana, mandioca e outras. Daí a necessidade de urna carta
régia, em 1701, que proibiu a cria9ao a menos de 10 léguas da costa. 5

-' O couro era um produt0 semi-industrializado que se prepara va em fábricas de atanados


ou curtumes de solas. As primeiras eram indúscrias maiores, seja pela quancidade de
tanques e palames, seja pelo número de escravos. Na metade do século XVIII, nas
cinco fábricas de atanados existentes no bairro da Boa Vista, em Recife, o número
médio de escravos era de 28 por instala~ao. O de Domingos Ribeiro de Carvalho, o
maior deles, tinha 127 tanques para curtir "com casca" (casca de angico) e 49 escravos
de se rv i~o. Neste mesmo momento, os currumes de solas de Pernambuco, mais mo-
destos, tinham em média dez escravos de servi~o. Existiam, enrao, 22 deles no mes-
mo bairro de Boa Vista, no Mercatudo, nos Afogados e na vita de lgara~u. "lnforma-
9ao geral da capitania de Pernambuco". ABN, 28:479-81, 1906. Só o tabaco consumia
em 1711, a se fiar em Antonil, cerca de 27.000 solas; e a exporca~ao de couro do sercao
do Nordeste para Portugal alcan9ava 90 mil meios de sola. No total, porcanto, o co- Mapa 1. Bahia, Pernambuco e capitanías anexas, século XVII.
mércio aclanrico consumia cerca de 72 mil solas, o que resultava no mesmo número
de reses abatidas. Pe. André Joao Antonil. Cultura e opu/e11cia do Brasil, por s11as drogas
e minas. .. etc. Lisboa, 1711 , p. 187-8. Veja ainda o segundo volume do livro de José
Alípio Goulart. O Brasil do boi e do co11ro. Rio de Jane iro, 1965.
4
Caio Prado Júnior. Formapio do Brasil contempordneo. Sao Paulo, 1953, p. 182.
5
Roberto Cochrane Simonsen. História economica do Brasil: 1500/1820. Sao Paulo, 1978,
p. 15 l.
24 N O Í N T 1M O D O S S E RT Ó E S N O Í N T I M O D O S S E RT Ó E S 25
Segundo Anconil, as fazendas e os currais de gado se sicuavam onde que as do seu quinhao. Na mesma ocasiao, se engenhou ali urna chou-
havia "largueza de campo e água sempre manan ce de rios ou lagoas". pana, coberta de palha, para o curraleiro, que e ra o índio Valério da
De fato, as condi9oes climáticas e de relevo do sercao, ao tempo que C ursunga. N esce ficaram tres novilhas, urna vaca e um touro. O se-
impossibilicavam a agricultura, dada a aridez do solo, permiciam a cria- gundo foi levantado no dia 10 do mesmo m es e ano, na ponta do
9ao. Ainda que a forragem da caacinga nao fosse ideal, a "largueza" dos cabo Sao Tomé, pelo capirao Riscado, que, dias depois, e a pouca
chapadoes e a forma9ao rala da vegeca9ao facilicava m a passagem fran- distancia desee, armou um oucro deixa ndo em cada um deles cinco
ca dos homens e animais, dispensando qualquer preparo prévio da pai- novilhas e um to uro". 11
sagem.6 Segundo o autor anónimo do "Roceiro do Maranhao", docu-
mento do fin al do século XVIII, nao havia nestes sertoes "aquele hor- O povoamenco do interior, segundo Caio Prado Jr., fora obra de dois
roroso trabalho de deitar grossas macas abaixo e romper as cerras a forc;a movimentos diversos de expansao da obra colonizadora. De um lado, a
do bra90"; "pouco se muda na superficie da cerra, rudo se conserva quase mine ra9ao, que provocara, por sua natureza, o deslocamento brusco e
no seu primeiro estado". 7 As fazendas de gado, grosso modo, acompa- precipitado de populac;oes e constituíra muito mais urna "nebulosa de
nhavam as margens dos rios, urna vez que na regiao semi-árida o forne- estabelecimentos separados e isolados uns dos outros". De outro, a pe-
cimento de água era fator essencial para garantir a ocupa9ao e a cria9ao netra9ao levada a cabo pelas fazendas de gado, que, ao concrário da mi-
do gado. Os ríos Sao Francisco, ao sul, e o Parnaíba, ao norte, eramos nera9ao, fazia-se de maneira contígua e contínua. 12 Todavia, a explica-
principais eixos da ocupac;ao, por serem rios perenes; os demais, na 9ao para esta expansao deve ser buscada nas dificuldades da situac;ao
maioria seus afluentes, ainda abrigavam algumas das fazendas. 8 Por ou- económica da Colonia, e nao em urna dinamica quase "natural" de cres-
tro lado, as salinas descobercas no Ceará e nas Lagoas, bem como os cimento. O período posterior a expulsao dos holandeses do Nordeste,
barreiros salgados (chamados de "Iambedouros") do Sao Francisco fa- em 1654, foi extremamente difícil para a economia a9ucareira no Bra-
voreciam a expansao da pecuária no Nordeste. 9 O escabelecimento de sil. Segundo Stuart Schwarcz, se é verdade que fatores internos penali-
urna fazenda, onde se podiam fundar vários currais para criar gado va- zaram a atividade produtiva, tais como epidemias, secas e outras cala-
cum e cavalar, fazia-se de maneira sumária, o que explica a rapidez com midades naturais, os problemas mais forres residiam e m fatores exter-
que a fronceira pastoril se. expandiu. Como resumiu o autor do "Rotei- nos: o crescimento da concorrencia interimperial, com a ascensao da
ro do Maranhao", "levantada urna casa coberta pela maior parte de produ9ao antilhana e, a partir de 1680, a conseqü~nte infla9ao dos pre-
palha, feicos uns currais e introduzidos os gados, estao povoadas tres c;os dos escravos, dado o aumento da procura em Africa. Nesse sentido,
léguas de cerra e escabelecida urna fazenda" . 10 Podemos ver a simplici- a Coroa procurava urna alternativa para repor as perdas no trato colo-
dade do escabelecimento desses currais em um documento citado por nial. Expedic;oes ao interior, antes até desencorajadas, passaram agora a
Oliveira Vianna, o "Roceiro dos sete capitaes", do sertanisca Miguel receber apoio e mesmo a ser agenciadas pelo governo-geral. 13
Ayres Maldonado, em que descrevia sua viagem aos campos dos Goi- Ao lado do esforc;o de restaura9ao dos engenhos descruídos e da re-
tacases, em 1664: cupera9ao da economía ac;ucareira, a empresa colonial portuguesa na
América voltou-se para a expansao territorial em direc;ao ao interior e,
"O primeiro curral foi levantado no dia 8 de dezembro de 1663, porcanto, ao Ocidence. O processo de ocupac;ao do sertao era dinamiza-
pelo capicao Joao de Castilho, em cerras que para esse fim lhe cedeu do pelo incremento do povoamento e pela diversificac;ao das acividades
o capicao Miguel da Silva Riscado, por achá-las aquele mais próprias producivas. Ao lado do gado, seguiam as expedi9oes em busca de ri-
quezas, pedras e metais preciosos. O governo-geral, notadamente a partir
6
·caio Prado Jú nior. Fon1111ftio do Brasil contempordneo. Sao Paulo, 1953, p. 55.
7
"Roteiro do J\1 aran hao a Goiaz pela capicania do Piahui". RIHGB, LX//:88, 1900. 11
Oliveira Vianna. E volu{tio do povo brasileiro. Sao Paulo, 1933, p. 64-5.
x J\1aria l dalina da C ruz Pires. Guerra dos Bárbaros. Recife, 1990, p. 37. 12
Caio Prad o Júnior. Formapio do Brasil conte111porñ11eo. Sao Paulo, 1953, p. 50-1.
9
Roberto Cochrane Simonsen. História econiJmica do Brasil. Sao Paulo, 1978, p. 157 e 13
Scuart Schwarcz. "Incroduccion". In: ldem (ed.). A Governor and His lmage in Baroq11e
Caio Prado Júnior. Fonnafiio do Brasil contempordneo. Sao Paulo, 1953, p. 56. Brazil, the Funeral Eulogy o/ Afonso F11rtado de Castro do Rio de Mendot1fa by. ..
10
"Roteiro do Maranhao a Goiaz pela capitania do Piahui". RIHGB, LX//:88, 1900. Minneapolis, 1979, p. 13-7.
26 N O Í N T l M O O O S S E RT Ó E S NO Í N T 1 l\'l O O OS S ER T Ó ES 27
,. de Afonso Furcado de Castro do Rio Mendonc;a (1671 -75), passou a in- Associado ao que chamamos aqui o processo de "ocidentalizac;ao"
centivar e coordenar este movimento de "ocidentalizac;ao" da colonia. da empresa colonial, um outro vetor da expansao da presenc;a por-
A expedic;ao de Fernao Oias País (1673-81) e o estímulo dado aos tuguesa nos sertoes de fora foi a busca de um caminho terrestre que
paulistas para buscarem as minas do sertao sao exe mplares desea nova ligasse o Estado do Maranhao ao do Brasil. Este caminho era urna ne-
dinamica. O novo regimento de Roque da Costa Barrero (1677), suces- cessidade de longa data, nao só pela ajuda ao comércio entre os dois
sor de Mendonc;a, é incisivo nestas novas func;oes dos governadores. E stados, como pelas fronteiras que abriría. Seu interesse imediato resi-
Revitalizando o regimento das minas, datado 1618, a monarquía espe- día no fato de que o regime dos ventos e das correntezas na costa Les-
rava que o governador o fizesse "cumprir inteiramente, ajudando e fa- te-Oeste do Brasil praticamente impossibilitava a navegac;ao entre o
vorecendo este negócio [do lavor das minas de o uro e prata do Brasil], Maranhao e as capitanías do Norte. Segundo o padre Antonio Vieira,
de maneira que haja sempre pessoas, que se animem a continuar o be- esta era sem dúvida "urna das mais dificultosas e trabalhosas navega-
neficio das minas" .14 Como veremos mais adiante, também a política c;oes de todo o mar Oceano" .17 A navegac;ao só era possível nos meses
missionária deveria se adequar a esta viragem da empresa colonial. As de inverno, e mesmo assim apenas de madrugada, com a brisa da terra,
Juntas das Missoes - criadas primeiramente no Maranhao em 1655, o que era coisa incerta. Para se ter idéia, urna sumaca despachada por
mas logo tornadas operacionais no Brasil - pretendiam internar as mis- André Vidal de Negreiros, em 1656, procurando Camocim, gastou cin-
soes, criando aldeias nos sertoes e nao mais "descendo" os novos qüenta dias para montar até o rio das Preguic;as. Oesistindo do intento,
catecúmenos para o litoral. O objetivo era manter povoado o interior da retornou ao Maranhao em apenas doze horas. Noutra feíta, um cerco
América, expandir a ocupac;ao da empresa colonial e, ao mesmo tempo, Manuel de Sousa d' E<;a, enviado com algumas cartas a Pernambuco,
enfrentar os problemas que esta mesma expansao criava. acabou aportando em Porto Rico. Somava-se a essas dificuldades a hos-
As duas principais correntes de povoamento geradas pela expansao tilidade permanente dos tremembés, habitantes das costas, que acom-
da economía do gado no norte da Colonia foram a proveniente da Bahia, panhavam as naus esperando um descuido para atacá-las e roubar as
que acompanhando o curso do Sao Francisco e do ltapicuru colonizou mercadorias. 18
o que Capistrano chamou de o "sertao de dentro", e a outra que, par- Capistrano de Abreu, fiando-se no biógrafo de Gomes Freire de
tindo de Pernambuco, ocupou os "sertoes de fora" , isto é, as regioes Andrade, acreditava no bom sucesso do capitao-mor do cabo do Norte,
mais próximas do litoral, até atingir o Ceará. Assim, o sertao baiano, ou Joao Velho do Vale, que havia sido incumbido pelo governador do
"interior", compreendia toda a regiao que ocupa o atual território do Maranhao de achar o caminho do Brasil. Segundo o biógrafo, Velho do
estado, incluída a margem ocidental do Sao Francisco, mais o interior Vale teria até escrito urna narrativa, ainda perdida ou extraviada. 19 No
do Piauí e o "território dos Pastos Bons", regiao do alto ltapicuru e río
das Balsas até Tocantins. 15 O sertao "exterior", ou pernambucano, era
costa da C idade até a barra dorio Sao Francisco, cerca de 80 léguas, e, rio acima, cerca
mais próximo ao litoral. A corrente de povoamento, inicialmente acom-
de 130 léguas, até a barra chamada de Água Grande. O sercao de Pernambuco se
panhando a linha costeira num território semi-árido que impossibilita- estendia na margem direita do rio Sao Francisco até a cidade de Olinda, cerca de 80
va o plantío mesmo da cana e se estendia da Paraíba ao Ceará, passan- léguas, ade ntrando até a barra do rio Agua~u , cerca de 200 léguas. Veja também Caio
do pelo Rio Grande, acabou se encontrando com as correntes baianas, a Prado Júnior. Fom1ariio do Brasil contemporaneo. Sao Paulo, 1953, p. 56-7. J. A. Gonsalves
medida que se interiorizava, particularmente pela bacia do rio Jagua- de Mello publicou tres roceiros setecenciscas indicativos da penetra~ao pernambucana
até o extremo limite do território da capitania, o Carinhanha. Trés roteiros de penetrorño
ribe. 16 do tenitótio pernambucano (1 738 e 1802). Recife, 1966. Sobre o assunto, veja ainda
José Alípio Goulart. O Brasil do boí e do couro. Rio de Janeiro, 1965, vol. 1, p. 17-28.
14 Cf. capítulo 54 do Regimento de Roque da Cosca Barre to (1677). C f. NI. C. de Men- 17
" Re la~ao da missao da serra de lbiapaba" . In: Vozes soudosos da eloqüencia, do espírito
don~a (ed.). Raízes da fon11afiiO administrativa do Brasil. Rio de Janeiro, 1972, vol. 2, do zelo e eminente sabedoria do padre Antonio Vieira da Companhia de Jesus, Voz histórica.
p. 838. Lisboa, 1688, p. 21.
15 J. Capistrano de Abreu. Capít11los de histó1ia colonial & Os cn111i11hos a11tigos e o povoa- ix Carlos Scudart Filho. Páginas de história e pré-histório. Fortaleza, 1966, p. 140-2.
19
mento do Brasil. Brasília, 1963, p. 147 ss. Tal era a vontade de ver tal documento, que Capistrano de Abreu havia dito ao seu
16 Antonil, que escrevia no início dos Setecentos, tinha urna visao mais escrita do po- amigo, Joao Lúcio de Azevedo, em carta de 14 de setembro de 1916: "creio que cairia
voamento. Para ele, o sercao da Bahía era considerado a por~ao de cerra que corría a em delíquio se lesse o roteiro de Joao Velho do Vale". Apud: J. H. Rodrigues. "Inero-
28 N O Í N T 1 J\I O D O S S E R T Ó E S N O Í N T I M O D O S S E RT Ó E S 29
~ encanto, seu sucessor, Antonio de Albuquerque Coelho de Carvalho, retorno chegou em Sao Luís em outubro de 1695, trazendo cartas do
em urna carta de 21 de julho de 1692, relatava que as atividades dos governador do Brasil, Joao de Lencastro, ao governador do Maranhao
paulistas em seu distrito eram também para dar prosseguimento ao des- em que pe dia que este atacasse os bárbaros que se refugiassem nas ser-
cobrimento do "caminho do Brasil", ''por niio tere1n efeito as muitas dili- ras de Ibiapaba, "distrito <leste governo". O governador do Maranhao
gencias que fez joao Velho do Vale" .20 Tal descoberta ocorreu apenas respondeu que tal empresa era impossível sem que os paulistas fossem
em 1695, quando um sargento-mor, Francisco dos Santos, e alguns sol- aj udados pelos índios do Sao Francisco. 23
dados aventuraram-se no sercao para "ver por donde poderá ficar mais
breve [o caminho], para que se facilite o comércio" .21 Triunfante, Fran- Minas de salitre
cisco dos Santos acabou sendo recebido no palácio pelo governador ge-
ral, acompanhado dos índios que trouxe. F oi logo providenciada a co- Apesar de a pecuária ter sido a maior responsável pela expansao da
municac;ao do feíto, tanto para a Coroa como ao colega do Maranhao, e fronteira oeste do Brasil - para além da difusao quase vegetal do gado,
enviada outra expedic;ao de volea, com o sargento-mor, acompanhado em suas respirac;oes lentas e condicionadas pela fertilidade ocasional
agora por um cerco capitao André Lopes, além de seis soldados e 25 do semi-árido, ou da resistencia constante do tapuia - , foi a busca
índios. A idé ia era que alguém de Pernambuco se inteirasse do cami- embriagada por metais preciosos que impulsionou o portugues ao ínti-
nho e que logo fosse definido "um piloto inteligente [isto é, um guia] mo dos sertoes, em agudas entradas, desde o século XVI. Porém, pas-
para se graduar o sertao e se dividirem com certeza as terras que tocam sado o ímpeto inicial, quando perdiam forc;a os mitos de Paraupava ou
a cada Estado e se evitar o embarac;o das jurisdic;oes" .22 A expedic;ao de Sabarabu~u, depois das tentativas frustradas do século XVI e das expe-
dic;oes fracassadas dos invasores holandeses, o eldorado destocara-se para
mais longe. Em verdade, como mostrou Sérgio Buarque de Holanda,
du\:ao" dos Capítulos de história colonial & Os caminhos antigos e o povoamento do Brasil.
após o malogro da expedi~ao do mameluco Antonio Días Adorno (1574),
Brasília, 1963, p. 142. O biógrafo é Domingos Teixeira. Vida de Comes ~reire de Androde. que entrara pelo río Caravelas em busca de e.smeraldas, o ímpeto ex-
Lisboa, 1727, vol. 2, p. 246. Para a atividade de Joao Velho do Vale d urante as guerras plorador arrefecia. Nao pelo desatento nas buscas de minas, mas antes
holandesas, veja ainda Francisco Adolfo de Varnhagen. Históf'ia geral do Brasil. Sao em virtude da "destruic;ao crescente dos índios domésticos da costa".
Paulo, 1975, como 3, p. 159. Havia sido a mansidao dos tupiniquins que fizera da regiao de Porto
20 Carta inclusa na Consulta do Conselho Ultramarino, 31 /10/1692, AHU [Papéis avul-
sos], Pe rnambuco, caixa 11. Alguns anos passados, esse mesmo Joao Ve lho do Vale se
Seguro, ao sul do Reconcavo Baiano, a porta de entrada para as expedi-
via metido cm "excessos" praticados contra os índios das aldeias de lbiapaba, onde c;oes ao sertao de dentro. 24 Paradoxalmente, a destrui~ao dos índios da
tinha ido por cabo de urna tropa para descer alguns deles. A carca régia de 12/12/1697 costa, por doenc;as, abusos ou guerras, também impulsionava os colo-
pede providencias ao governador de Pernambuco. AHU, cod. [códice] 256, fl. 259v. nos a se internar nos sertoes, agora em busca de mais mao-de-obra ne-
21 Carta de Joao de Lencascro para o governador de Pe rnambuco, 21/5/1695. DH, 38: cessária para os engenhos de avúcar, cuja economía crescera nas déca-
339. Segundo Taunay, anos antes, um cerco capicao Manuel Álvares Carneiro já havia
conseguido passar para o Maranhao acravés daqueles sertoes com urna pequena tropa
de soldados e índ ios. Com o in cuico de fixar a exata roca desse "caminho do Brasil",
23
voltou por ordem do governador do Maranhao em 1684, "em que se gastaram quatro Carta do governador do Maranhao para Joao de Lencastro, 15/3/1696. DH, 38:405.
meses padecendo as incleme ncias do tempo com grande risco de vida". Em 1695, Sobre a quesea.o do caminho do Brasil, veja ainda Ceres Rodrigues Mello. "O Senao
j oao de Lencastro o autorizou a explorar um caminho mais breve "gaseando nela Nordestino e suas permanencias (séc. XVI-XIX)". RIHGB, 356:3 12-S, 1987. O rei se
quinze meses por ser mais de 300 léguas com grande risco em razao dos ríos que mostrava preocupado com a determina\:ªº da "divisao dos limites de um e outro
passavam e gentio bárbaro que habitava aqueles sert5es. "Patente de Manuel Gon- estado a respeito dos dízimos", em carca ao governador do Maranhao de 25/1/1696.
\:alves Pereira, 28 de mar\:o de 1695, assinado pela infanta", citado por Affonso de E. In: Barao de Studart (ed.). "Documentos re lativos ao mestre-de-cam po Moraes
Taunay. História gerol das bandeiras paulistas. Sao Paulo, 1950, vol. 6, p. 287-8. No Navarro". RIHGC, 31: 163, 1917.
24
entanro, o governador do rvfaranhao, Antonio de Albuquerque Coelho de Carvalho, o Sérgio Buarque de. Visoes do paraíso. Sao Paulo, 1977, p. 46-8. Veja também, do mes-
tinha por pessoa desonesta pois "nao sendo sercanejo, e menos piloto" e nganara ao mo aucor, "A minera\:ao: antecedentes luso-brasileiros". In: ldem (org.). Histório ge-
Lencastro, "pois na maior parte do caminho seguiu o de Francisco dos Santos". Carca ral da civilizariio brasileira. Sao Paulo, 1968, vol. 1, p. 228-58. Para as expedi~oes
do governador do Maranhao para Joao de Lencascro, 15/3/1696. DH, 38:406. quinhenciscas ao interior da Bahía, veja Francisco Borges de Barros. Bandeirantes e
22 Carta de Joao de Lencascro para o governador do Maranhao, 16/7/1 695. DH, 38:342-4. sertanistas bahianos. Salvador, 1919, p. 25-33.
30 N O Í N T l ~1 O O O S S E R T Ó E S N O Í N T 1 ~l O O OS S E R T Ó E S 31
" das d e 1570-80. Segundo Stuart Schwartz, esta política de deslocamen- várias outras expedi<;oes foram organizadas ao sertao; todas, no e ntanto,
to for<;ado de indíge nas se fazia no exato momento da transi<;ao .do tra: confirmariam apenas a existencia do salitre. Fran-cisco Dias d'Ávila, que
2
balho autóctone para o importado, isto é, para a escravidao afncana. :i e ra sobrinho do desconfiado Belchior, e ntrou nesses sertoes e ntre 1625
. - "
Nao obstante, as expedi96es de prea9ao, ou mesmo as m1ssoes evan- e 1630. Desta expedi9ao haveria participado Domingos Fernandes
gelizadoras", nao desejavam outra coisa do que descero~ í~dios pa.ra a Calabar, tido como grande traidor da causa per-nambucana nos tempos
costa. Com exce<;ao da pecuária, é certo que apenas a at1v1dade m1ne- dos flamengos, que m ais tarde informaria o relatório de Walbeeck a
~

radora poderia fixar popula<;oes nos sertoes, mas, como sabemos, so- Companhia das Indias Ocidentais, em 1633. Este relatório revelava que
me nte coma descoberta do ouro e dos diamantes na regiao mais tarde havia sido achado muito salitre nestas serras situadas no sertao pernam-
chamada das Minas Gerais, entre 1693 e 1695, é que a interioriza<;ao da b ucano, na altura de Olinda e a quinze dias de viagem. Anos mais tarde,
Colonia intensificar-se-ia, porém deslocada para o Sul. exp ulsos os holandeses, urna cópia do roteiro de Moréia teria passado
No caso do sertao norte, apesar do malogro inicial na descoberta de as maos do padre Antonio Pereira, genro de Francisco Días d'Ávila, que
metais preciosos, um outro elemento menos nobre conc~rreu dev~ras e ncarregou, en tao, os irmaos Joao Louren<;o e Manuel Calhelhas de pro-
para o devassamento, em particular, do médio Sao Francisco: o salitre cede r a novas pesquisas, em 1655. Pesquisas que foram aparentemente
(nitrato de potássio), que era utiliza<;!o para a fabrica9ao de pólvora ne- infrutíferas. 27 Os delírios causados pelas miragens dos el dorados serta-
gra. Importado entao sobretudo da India, o salitre fundamentava urna nejos eram, por outro lado, explorados habilmente por pandilhas que
indústria importantíssima no século XVII, quando as armas de fogo re- plantavam amostras de minério com o fim de obter as gra<;as reais pro-
presentavam um avan<;o tecnológico inestimável para a afirma<;ao das metidas. Assim agira um bisneto de Belchior Dias, o coronel Belchior
potencias coloniais. É verdade que: no co.ntexto espec.í~c? da segunda da Fonseca Saraiva Dias Moréia, o "Muribeca". Incumbido pelo gover-
metade dos Seiscentos, a Coroa hesitara <liante da poss1bihdade de urna nador Afonso Furtado, meteu-se em 1675 na serrado "Caniny" [Cariri?]
auto-suficiencia das regioes periféricas do lmpério na produ<;ao desta de onde voltou com amostras de mispíquel que ele havia devidamente
importante provisao de guerra. Porém, a praticabilidade de abastecer preparado, misturando minério de prata. Todavía, para desgra<;a do Mu-
urna colonia tao distante durante os conflitos interimperiais do Atlanti- ribeca, esta "prova" acabou afundando coma embarca9ao que a levava
co Sul sornada as dificuldades de fornecimento da India, resultara no a Lisboa. As expedi<;oes futuras, como a de Rodrigo do Castelo Melhor,
apoio ~s iniciativas de pesquisa do salitre no sertao do Brasil. Havia re- em 1677, jamais teriam sucesso em achar prata. A explora9ao mineral
ferencias as minas no sertao da Bahía, desde o final do século XVI. Pedro do sertao ficaria por conta do salitre. 28
Barbosa Leal, nas Denunciar;oes de Pernambuco (1593-95), disse que a O autor de urna informa<;ao anónima do Brasil, de final do século XVII,
expedi<;ao de Belchior Dias Moreia achara salitre junto ao rio (por isso asseverava que, "no sertao da Bahía, sempre ouvi dizer que havia sali-
mesmo) de mesmo nome. 26 Com efeito, quando Moréia, neto do Ca- tre" . Recomendava, neste sentido, que o reí mandasse fazer "urna ofici-
ramuru e primo do cronista Gabriel Soares de Sousa, resolveu dar pros- na de pólvora e desta prover as conquistas, como Angola, Sao Tomé, e
seguimento as pesquisas interrompidas pela morte de Cristóv.ao Barros, nossa colonia do Sacramento, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Pernambuco,
adentrando o sertao no ano de 1595 ou 1596, consta que tena achado, ltamaracá, Paraíba, Río Grande, e Ceará, no que pouparia considerável
nas serras do "Oroquery" , ametistas e salitre, e em Itabaiana, muita prata. cabedal que gasta no prover do reino de pólvora estas conquistas". 29
Todavía, como nao conseguira certeza nas promessas dos privilégios em
troca da notícia da localiza9ao das minas, Belchior morreu sem as reve- 27
O padre Antonio Pcrci ra, da Casa da l o rre, obtivcra, c m 1654, urna sesmaria na barra
lar, do que originou-se, segundo Basílio de Magalhaes, "a lenda célebre do dico rio, o que gerou conflitos com Bento Surrcl e Manuel da Silva que procura-
das minas de prata que atravessou todo o resto da nossa evolu<;ao colo- vam as minas por ordem do governador-geral. Registro de urna carca de sesmaria, 11/
nial". De fato, estimuladas por esses sonhos de riquezas e eldorados, 4/1654. DH, 19:442; portaria, 22/3/ 1672. DH, 8:84; e Carta do governador-geral para o
governador de Pernambuco, 3/6/ 1671. DH, 9:41 7-8. Veja rambém Pedro Calmon. His-
tória da Casa da Torre. Rio de Janeiro, 1939, p. 37-52.
25 Stuarc Schwartz. Segredos internos. Sao Paulo, 1988, p. 52-3. zx Basílio de Magalhaes. Expon.sao geographica do Brasil Colonial. S. Paulo, 1935, p. 48-56.
29
Z(> Pf'imeira visitarlio do Santo Ofício as partes do Brasil, denunciaroes de Pernambuco ( 1593- "E sendo que se fizesse cm quantidade, a poderia mandar vender a seus vassalos a
1595). Sao Paulo, 1929. doze vinténs a fin a, e a meia pataca a grossa, no que teria um grande rendimento e
32 N O Í N TI M O DOS S E R T Ó ES N O Í N T 1M O D O S S E RT Ó E S 33
Com e feito a busca das minas ganharia grande impulso no governo de qu e teria de ser bancada dois anos ao menos pela Fazenda, poderia
Afonso Fur~ado de Mendonva (1671-75), no contexto de superavao d.a de pois ser arre ndado.32
crise da economia avucareira. 30 Em agosto de 1671, numa carta ao cap1- o empreendimento, porém, nao ava nvaria antes da iniciativa de Joao
tao Joao de Castro Fragoso e a Manuel da Silva Pacheco, enviava-os a de Le ncastro, que, em 1692, enviou pela frota uns barris de amostras e
serra de Picacará, no sertao, onde havia notícia de existirem ametistas, convenceu a Coroa do acerro da empresa.-n Depois de várias diligen-
prata e outras pedras. Para tanto, recebi.am um salvo-conduro e ~ma cias e exped ivoes, e de gastar 7:339$390 ré is e ntre 1692 e 1698, o resul-
recornendavao de auxílio para que serranrstas famosos, como Francisco tado foi pífio:'"' Seu sucessor no governo do Brasil, d. Rodrigo da Costa,
Oias d'Ávila, padre Antonio Pereira, Domingos Rodrigues Ca~alho, esclarecía que as n1inas de salitre "que há nesse Estado [nao] sao per-
ajudassem-nos com todas as informav6es necessárias. Co~stava ain~a a manentes, porque tanto mais que se lhes tira a primeira flor, todas as
carta de urna ordem para que examinassem também as minas do salitre mais cerras sao de limitado e fraco rendimento". 35 Nesse sentido, consi-
e mandassem amostras. 31 dera ndo as "grandes des pesas", d. Pedro II decidiu, em 9 de agosto de
E st a como várias outras expediv6es, fracassou e resultou apenas 1706, interromper a fábrica de salitre. 36 D e toda maneira, a busca do
em bri~as e ciúmes entre os descobridores ~os presumi.dos se.smeiros n1inério resultara em diversas situav6es de conflito e em internav6es
das cerras. De todo jeito, seriam necessános grandes invesumentos mais agudas no sertao do Sao Francisco, donde haver significado um
para retirar o salitre do sertao e nao havia na Bahia pessoa com cabedal dos vetores de agravamento das tensoes entre os tap uias e os colonos.
para realizar sozinh~ tal empresa. Ist~ po~que~ segundo u~ parecer do Na maior parte das vezes, a mao-de-obra utilizada para a extravao e o
Conselho Ultramarino de 1679, relauvo as minas nos sertoes da Jaco- transporte era de índios, como os araques, tambaquéns, paiaiás e sacariús,
bina (na ribeira dorio Salitre), nao se podia conduzir o minério ~istu­ tapuias aldeados por missionários que os forneciam para o "servi90 do
rado com cerra ou pedra, como aparecía na natureza, mas devena ser salitre". O pagamento desees servi9os nem sempre era pontuaJmente
crazido já "apa rtado e purificado com cozimentos, que de outra sorte realizado, o que obrigava a interven9ao do governo-geral. Em 1703, res-
seria paga r carreros de cerra em lugar de salitre" . Dessa maneira~ "for- pondendo a urna representa9ao do capitao dos índios papiases, Paulo
vosamente se deviam lavrar primeiro as oficinas no mesmo sít~o das Gonvalves, d. Rodrigo da Costa ordenava que o capitao-mor Antonio
minas, as quais deveri.a m constar de um~ grande casa par~ as unas e de Almeida Velho, responsável pelas minas, pagasse os salários dos ín-
caldeiras onde se hav1a de separar o salitre, outro armazem para se dios em atraso. 37 As vezes, outras denúncias de abusos surgiam, como a
recolher depois de puro, casas para o almoxarife ou feitor e alojamento do missionário freí Lázaro da Purificavao, que pedia, em 1705, que seus
para os negros de todo aquele servivo, além dos ~ua~téi~ que eram
necessários para alguns soldados que segurassem ~ 1ns~anc1a dos. ass:l-
12
tos dos índios cincunvizinhos". O transporte sena fe1to pelo no Sao · Consulta do Conselho Ul tramarino, 9/12/1679. DH, 88:172-4. Há um papel, de 1694,
Francisco abaixo, mas era necessário outro armazém "junto a um ro- em que se explica em detalhes o modo de preparar o salitre. Sobre como proce der no
chedo" (cachoeira de Paulo Afonso) que fazia o rio inavegável, onde fazer do salitre do modo seguinte, 1694, BNP, ms. portugueses, códice 30, fls. 495-7v.
.u Carta de Joao de Lcncastro ao rei, 13/7/1692. Ajuda, 51-V-42, fl.18v-9.
deveria ser descarregado e passado a cavalo até as outras embarcav6es, 34
Rela9ao das despesas do salitre, de 6/5/1692 até 24/4/1698. DH, 84:77-81.
que 0 levariam a vila de P~nedo. Outro caminh~ possíve.l era ~or terra 35
Carta de d. Rodrigo da Cosca ao governador de Pernambuco, 22/2/1705. Dfl, 39:225-6.
36
até Jacobina, onde devena haver outro armazem. Tal invesumento, Carta ao govcrnador-geral. AHU, cod. 246, 217. Veja cambém Sebasciao da Rocha
Pita. História da Amé!ica portuguesa (1730). Sao Paulo, 1976, livro 8, 19-23, p. 212-3.
Sobre a explora9ao do saliere na América portuguesa, veja ainda: Ernesto Carrara
com isto impediría que nao viesse dos reinos estranhos para este Estado por ~e~ó­ Júnior & Hé lio Meirelles. A indtístria química e o dese11volvi111e11to do Brasil, 1500-1889.
cio". I nforma9ao anónima do Brasil, década de 1680, BNP, ms. portugueses, cod1ce Sao Paulo, 1996, particularmente o tomo 1, p. 133-8; Joao Pandiá Calógeras. As minas
30, fl . 208. . . do Brasil e a s11a legislaftlo. Río de Janeiro, 1905, vol. 11; Sylvio Fróes de Abrcu. A
30 Stuart Schwartz. "lntroduction". In: ldem (ed.). A Governor nnd Hrs l mage tn Baroque 1iq11eza 111ineral do Brasil. Sao Paulo, 1937; Sylvio Frócs de Abreu. Rec11rsos 111i11ernis do
Brazi/, the Funeral Eulogy o/ Afo11so Furtado de Castro do Rio de Mendonfn b)'· · · Brasil. Río de Janeiro, 1973, vol. 1; E. Oliveira & L. Araújo. "Salitre na Bahía". In:
Minneapolis, 1979, p. 13-7. . _ Boletim da Divisiio de Fomento da Prodt1ftio Mineral, 66, 1945.
31 Ordcm que Jevaram Joao da Cosca Fragoso e .t-.1anuel da Silva Pacheco que vao ao •
17
Carta de d. Rodrigo da Costa para o capicao-mor Antonio de Almeida Velho, 29/12/
descobrimento das minas, 1/8/1671. DH, 4:204-5. 1703. ABEB, cod. 147, fl. 160.
34 N O Í N T I ~I O D O S S E RT Ó E S N O Í N T f ~ I O DO S S E R T Ó E S 35
.. índios fossem poupados, ou ainda havia queixas de que os oficiais do Com ceno exagero, Antonil afirma que, apesar de tao imenso, quase
salitre buscavam cunhatas nas aldeias alegando o servic;o do salitre, mas, todo o sertao da Bahía pe rtencia a apenas duas famílias: a da casa da
na verdade, "em desservi90 de Oeus" .38 Torre e a do falecid o mestre-de-campo
,, Antonio Guedes de Brito. A pri-
meira, dos Garcia d 'Avila, possuía 260 léguas das margens direitas do
F azendas e currais rio Sao Francisco, nas costas da Chapada Diamantina, e cerca de 80
léguas no lado do Raso da Catarina. Já os herdeiros do mestre-de-cam-
No final do século XVII, o sertao encontrava-se totalmente devassado po possuíam desde o morro dos Chapéus, na Chapada Diamantina, até
e explorado, ainda que esparsamente ocupado por urna rala popula9ao. a nascente do rio das Velhas, no cora9ao das Gerais. Espalhava-se por
É em Antonil que encontramos a melhor descri9ao da ocupac;ao, no iní- estas vastíssimas propriedades urna miríade de currais, vários deles de
cio do século XVIII, do sertao da Bahia e de Pernambuco, entao as duas arrendatários que pagavam por um sítio, de ordinariamente urna légua
importantes regioes criadoras. Segundo o jesuíta, no sertao da Bahia em quadra, 10$000 réis de foro por ano. 41 Essas famílias controlavam,
estavam os currais postos na borda dorio Sao Francisco, das Velhas, das também, grande parte do sertao de Pernambuco. Em 1700, o governa-
I~as, Verde, Paremerim, Jacuípe, Pojuca, Enhambupe, Itapicuru, Real, dor Fernando de Lencastro, em carta ao rei, escandalizava-se com a
Vaza Barris, Sergipe e outros, "em os quais, por informac;ao tomada de mesquinharia dos grandes proprietários daqueles sertoes (além dos dois
vários que correram este sertao, estao atualmente mais de 500 currais, e já mencionados, e seus herdeiros, Domingos Afonso Serta o) - mora-
só na borda aquém do rio Sao Francisco 106". O sertao de Pernambuco, dores na jurisdic;ao da Bahía, que nao queriam conceder outra légua
na mesma época, escava povoado com gados nas margens do rio de "para a sustentac;ao de cinco párocos, cinco léguas de terra, urna para
Caba9os, do rio de Sao Miguel, das duas lagoas do rio do Porto Calvo, cada um, e aos missionários, índios e tapuias das suas missoes". Maté-
dos ríos Paraíba, Cariris, Paiaú, }acaré, Canindé, Parnaíba, das Pedras, ria que parecia gravíssima ao Conselho Ultramarino e que inspirou a
dos Camaroes e Piagui. Igualmente povoadas estavam as margens do redac;ao do alvará de 23 de novembro do mesmo ano, que determinava
rio Preto, dorio Guaraíra, do rio Iguac;u, do rio Corrente, do rio Guari- como obrigatória tal doa9ao. 42
guai, da Lagoa Grande, do rio Carainhaém e do Piagui grande, assim As ordens religiosas eram também grandes proprietárias de fazendas
como a margem direita do Sao Francisco, mas enviava-se diretamente de gado no sertao. Segundo urna descri~ao de meados do século XVIII,
o gado para a Bahia, por ficar "mais perto, vindo caminho direto, do na jurisdic;ao de Pernambuco as ordens recebiam proventos de várias
que indo por vol tas a Pernambuco". As boiadas achavam pasto para des- fazendas e currais de gados em pontos diversos do sertao de dentro. O
canso nas Jacobinas, pela maior freqüencia das chuvas nestas serras, de convento do Carmo da Reforma do Recife possuía quatro fazendas de
modo que tomavam de tres a seis meses para chegar ao mercado da gado na ribeira do Jaguaribe e urna no Cariri que rendiam por ano
cidade. Os currais do sertao de Pernambuco, sendo em maior número 700$000 réis. O H ospício de Guadalupe do Carmo da Reforma, nafre-
do que os do sertao me ridional, totalizavam, ainda segundo a descric;ao guesia de Camaragibe, tinha urna fazenda de gado com meia légua de
de Antonil, oitocentos. Havia currais de duzentas até mil cabec;as de
gado, e fazendas que possuíam vários currais poderiam chegar até 20.000
cabe9as. O jesuíta arrisca que o rebanho total do sertao seria de meio 41
Pe. André Joao Antonil. Cult11ra e op11/encia do Brasil. Lisboa, 1711 , p. 186. Já foi
milhao de cabec;as, para as partes da Bahia, e de 800.000, para Pernambu- notado pelo autor do "Roteiro do Maranhao a Goiaz pela capitania do Piahui" (R!HGB,
co, de onde, porém, provinha urna fra9ao do gado consumido no Re- LX//:60-1, 1900) que os habitantes do sercao costumavam demarcar urna légua an tes
de atingirem as tres mil bra~as, que era a sua medida legal. Dessa maneira, no geral a
cóncavo.39 Em 1708, somente na ribeira do Jaguaribe havia duzentos distancia em léguas era irregular e desigual , isto é, nao implicava urna referencia no
currais, segundo o ouvidor-mor Cristóvao Soares Reimao.40 seu sentido literal. Estes dados de Antonil nao devem, porcanto, ser !idos sem re-
serva.
42
Carta de Lencastro ao rei, 28/6/ 1700 e consu lta ao Conselho Ultramarino, 24/9/1700.
.ll! Carta de Rodrigo da Costa para frei Lázaro da Purifica\:aO, 19/2/1705. DH, 40:335; AHU, Pernambuco, caixa 14. Os autos da data de cerra aos párocos e aos índios sao de
carca ao ca pitao Antonio de Almeida, 9/8/1704. DH, 40: 162. 5/2/1703. AH U, papé is avulsos de Pernambuco, caixa 15. Veja o alvará sobre a medi-
39 Pe. André Joao Antonil. C11/111ra e op11le11cia do Brasil. Li sboa, 1711, p. 183-5. ~ao da légua de cerra para as aldcias, 23/11/1700 nosAnais do Arqrúvo PtÍb/ico do Estado
"'º Carca régia 18/7/1709. AHU, cod. 257, fl. 254. da Bahia. Salvador, 29:73-5, 1943.
36 NO TI ~ I O O OS S E R T Ó ES NO ÍNTIJ\10 DOS SE R TOES 37
"' cerra e m quadro que rendía 96$000 réis. O convento do Carmo da Re- criatório e seu comércio era a condui;ao dos animais para os mercados
forma, na Vila de Goiana, tinha urna fazenda de gado que renderia 20$000 cosceiros. Os próprios vaqueiros e seus ajudantcs nao poderiam em hi-
réis. O Colégio dos Jesuítas do Recife tinha uns currais de gado nos pócese alguma desempenhar esta fun9ao, sob o risco de interromper a
Cariris e no Rio Grande que resultavam por ano, ded11ctis expe11sis, 150$000 criai;ao. Os animais aptos ao corte eram escolhidos na época cerca ou
réis e urna fazenda na margem do Sao Francisco chamada Urubu-Mi- desejada e as boiadas, de cem, duzentas ou mesmo trezentas cabe9as
rim, com um par de currais, que rendía por ano 200$000 réis:u Apesar de gado, conduzidas ordinariamente para as cidades por um tipo espe-
de a renda gerada por esta atividade ser muito baixa, é cerco que tinha cializado de vaqueiro, chamado de passador, pois era pago por cabe9as
grande importancia pelo fato de realizar-se internamente, permitindo " passadas" de um lugar ao outro. No caso das boiadas que iam a Bahia,
assin1 a integrai;ao económica do território e seu povoamento. 44 depois de descansar nas Jacobinas, costumavam parar em Capoame, um
A economía pastoril acabaría por gerar urna forma societária específi- lugar distante oito léguas ao norte da cidade, onde o gado encontrava
ca, em face da litoranea propriamente dita, a que Capistrano quis cha- pas to e os negócios eram feitos. Para se ter urna idéia do custo desee
mar de urna "época do couro", em referencia ao inundo de objetos e trabalho, Antonil exemplifica que "quem quer que entrega a sua boia-
usos relacionados ao material ali tao abundante. 45 Baseava-se em um da ao passador, para que a leve das Jacobinas até o Capoame, que é
siste1na de trabal ho em que a remunera9ao e organizai;ao social esta- jornada de quinze, ou dezesseis ou dezessete dias, lhe dá por paga do
vam submetidas a regras escritas de dependencia e lealdade, substancia- seu trabalho um cruzado por cabe9a da dita boiada". 47 Urna boiada de
das num uni verso de violencia. O proprietário de imensas cerras, como duzentas reses renderia, por exemplo, 80$000 réis ao passador. Este nao
era o padrao nos tempos coloniais, e de grandes quantidades de gado seria um mau soldo pela empreitada, dado que um mestre-de-ai;úcar,
responsabilizava vaqueiros pelo trato de algumas cabei;as que ficavam por exemplo, que se encontrava no topo dos empregados do engenho e
sob seus cuidados e dos ajudantes que fossem recrutados. Ao contrário era urna profissao extremamente especializada, recebia, na mesma épo-
do sistema escravista dominante na monocultura da cana, o trabalho ca, cerca de 120$000 réis ao ano. 48 Mas <levemos sempre ter em conta
era remunerado num sistema de parceria ou mesmo assalariamento por que o passador, por seu lado, assumia os gastos com os tangedores e
tarefas. Os vaqueiros, segundo Caio Prado Jr., recebiam um quarto das guias, tirando do gado a matalotagem da viagem, isto é, a carne. De mo-
crías do gado, após um determinado período de tempo. Sistema que do que os custos do transporte, que nao eram poucos, estavam embuti-
permitiria, segundo a avalia9ao do historiador, o parcelamento da pro- dos no pagamento. Os lucros da economía pecuária realizam-se alhures.
priedade, dado que o vaqueiro poderia logo arrendar ou adquirir urna Nas Jacobinas, nos inícios dos Setecentos, onde invernavam por alguns
sesmaria e estabelecer-se por conta.46 Creio, contudo, que esta nao era tempo os gados vindos do sertao mais interior, as reses eram vendidas a
a norma. Poseo que a alternativa existisse en1 teoria, a própria sobrevi- 2$500 ou 3$000 réis, e o seu pre<;o na Bahía - digo, na cidade - alcan-
vencia do vaqueiro e de seus ajudantes (por vezes escravos), assim como 9ava 5$000 a 6$000 réis. E o boi manso, útil para os trapiches ou para os
o trato da boiada, deveriam consumir toda a paga. Aoque se somava o carros, era vendido ali por 8$000 réis. 49 Nota-se, portanto, que havia um
fato de q ue a esta "liberdade" do trabalho, na situai;ao geral do escra- ganho mercantil para muito além do custo do frete, ganho este que lo-
vismo, implicava responsabilidades extremadas, motivo pelo qual to- cupletava a classe intermediária de negociantes.
dos os possíveis prejuízos eram descontados nas costas do vaqueiro. O duro trabalho dos passadores, guias e tangedores de gado em nada
Outra forma de trabalho necessária e indispensável a reprodui;ao do se assemelhava a imagem arquetípica que nos vem dos westerns holly-
vvoodianos, tantas vezes reproduzida na historiografía. Homens livres
em busca de algum ganho viviam em situa9ao de extrema carencia e
43 "Fazendas de gado dos religiosos de Pernambuco em 1746 (circa)"; "lnforma~ao ge-
ral da capitania de Pernambuco" . AB1V, 28:413-18, 1906.
.¡.¡ José j obson de Andradc Arruda. "A produ~ao económica". In : t-.1. B. Niz:ta da Silva. O -1
7
Pe. André Joao Antonil. Cultura e op11lencia do Brasil. Lisboa, 1711 , p. J89.
império luso-brasileiro, 1750-1822. Lisboa, 1985, p. 111-4. .Jis Stuart Schwartz. Segredos internos. Sao Paulo, 1988, p. 271.
-15 J. Capistrano de Abreu. Capít11/os de história colonial & Os cami11hos a111igos e o povoa- -l<J Pe. André Joao Antonil. Cultura e op11/éncia do Brasil. Lisboa, 171 t, p. 190. Dos Ditílo-
111e11to do Brasil. Brasília, 1963, p. 147. gos das gra11dezns do Brasil, cm 1618, sabe-se que o pre90 de urna vaca no Nordeste era de 4
46 Caio Prado Júnior. FonllafliO do Brasil Contemporaneo. Sao Paulo, 1953, p. 186-7. a 5 mil-réis, um boi de carro de 6 a 7 mil-réis e um boi já feito cerca de 12 a 13 mil-réis.
38 NO Í N T 1 ~1 O D O S S E RT Ó E S NO Í N T l ~ 1 O DOS S E R T Ó E S 39
" enfrencavam a rudeza desee crabalho sercanejo, cal como retratada nes- Também no contexto das guerras dos bárbaros, o uso do cavalo nas
ca passagem de Anconil: tropas sertanejas nao foi regra. Apesar da presen9a de animais nos cur-
rais e fazendas do sertao, a ausencia de tropas moneadas devia-se mui-
"Guiam-se indo uns adiance caneando para seren1 desea sorce se- to mais a necessidade de mantera mobilidade dos soldados nos matos
guidos do gado e oucros vem atrás das reses cangendo-as e rendo cheios de juremas e oucros arbustos espinhosos que machucavam os
cuidado que nao saiam do caminho e se amoncoem. As suas jornadas pés e os roscos. Na maior parte das vezes nao havia caminhos batidos,
sao de quacro, cinco a seis léguas, conforme a comodidade dos pas- sendo preciso romper moicas espessas e florestas de canas selvagens
eos, aonde hao de parar. Porém, onde há falca de água, seguem o con1 facoes, enfrentando cobras, carrapatos, rios de formigas e oucros
caminho de quinze a vince léguas, marchando de dia e de noice, com insetos daninhos. Como difícilmente pode observar o viajante que hoje
pouco descanso até que achem paragem, onde possam parar, nas pas- passa pelas estradas de asfalto que cortam quase geomecricamente o
sagens de alguns rios, um dos que guiam a boiada, pondo urna arma- sertao, os caminhos e veredas no semi-árido, por onde fluíam as tropas
~ao de boí na cabe~a e nadando, mostra as reses o vao por onde hao e os guerreiros bárbaros, acompanhavam sinuosamente o sistema resul-
de passar". 50 tante da respira~ao sazonal da hacia hidrográfica. No caso do Rio Gran-
de, por exemplo, afora os caminhos fluviais normalmente perenes (o
Muico provavelmence, grande parce deles seguía a marcha a pé pe- A9u, o Jaguaribe e o Apodi), a rede de riachos e afluentes oferecia, tan-
los sertoes interiores, pois o cavalo era antes de tudo raridade e posse to no inverno como nos tempos mais secos, veredas mais adequadas ao
exclusiva dos grandes senhores e cedido apenas aos vaqueiros, como transito no meio da caatinga e dos matos espinhosos, além de garantir a
instrumento indispensável de trabalho. 51 De mane ira geral, as crias do proximidade com as eventuais fontes de água. Na verdade, sao raríssi-
gado cavalar nao participavam da partilha, como se depreende da des- mas as referencias as tropas montadas na documenta~ao. Em um episó-
crivao dos currais de Jácome Pereira no sertao baiano, presente em urna dio, Martín de Nantes, que sempre viajava nos matos a pé e dizia te-
carta de arremata~ao datada de outubro 1665. Além disso, os cavalos mer as "solidoes vastas e assustadoras" dos sertoes, conta que as tropas
eram parte reduzida do plantel de um curral. Segundo esse importante arregimentadas para a guerra na regiao do rio Salitre, em 1675, reuni-
documento, no curral do Jurumungao, os cavalos eram 10% do plantel, ram, entre os portugueses, "cento e vinte homens, todos a cava/o". 53
e no curral do Frade da Sirica, apenas 6%. Naquele ano, o valor estipu- Em outra ocasiao, quando era ainda sargento-mor do ter~o de Macias
lado para cada cabe~a de gado vacum acima de quatro meses era de Cardoso, consta que Manuel Álvares de Morais Navarro partiu com tre-
1$700 réis, sendo que os cavalos mansos, com selas e freios, valiam mais zentos homens de armas e urna tropa de 27 cavalos, formada a sua cus-
do que o dobro: 4$000 réis. 52 ca, para lutar contra os bárbaros por "onze dias efetivos a fogo vivo até

50
Pe. André Joao Antonil. C11lt11ra e opulencia do Brasil. Lisboa, 1711, p. 189. pagando em dinheiro de con cado. No curral do J urumungao "havia 116 vacas parideiras,
5' Gilberto Freire já havia moscrado como o cavalo era "animal por excelencia ariscocrá- 9 bois de entrega, 12 novilhos de 2 anos, 19 novilhas da mesma idade, 20 bezerros e 22
cico e até aucocrácico", real~ando e garancindo o movimento necessário a domin a~ao bezerras de 6 meses, que escao ainda por dizimar e pagar o partido ao curraleiro criador,
do sen hor de engenho na rede patriarcal. 1Vordeste. Sao Paulo, 1951, p. 124. O cavalo 7 éguas parideiras, duas poldras de 3 anos, 2 poldros de dois anos, mais duas poldras e
era ainda importante mercadoria de exporca~ao para Angola. Cf. José Alípio Goulart. poldros de um ano e nove cavalos n1ansos". No curral do Frade da Sirica "havia 191
O cava/o na fomta(tio do Brasil. Rio de Janeiro, 1964. vacas parideiras, 27 bois de entrega, 23 novilhas que vao a tres anos, 15 novilhos e 18
52 Jácome Pereira possuía uns currais de gado vacum e cavalar na regiao de Macassará, novilhas que vao a 2 anos; que vao a dois anos 58, e novilhos da própria idadc 43; e 47
entre o rio Real, ltapicuru e Inhambupe, no sertao baiano. Parceiro do contracador novilhas que vao a ano, e 44 novilhos da própria idade; e 18 bezerras femeas e 3 bezer-
dos dízimos Álvaro Rodrigues Meneses, morco e inadimplente, Jácome Pere ira esca- ros de perto de 6 meses; e 1Oéguas parideiras, e 14 cavalos mansos; 3 poldros de dois
va e n volvido com a falca de pagamentos devidos. A a rrcmata~ao de se us bens escava anos, e duas poldras de ano; e tres poldros de anos, dos quais poldros se <leve ainda o
decidida desee 1662, e Pereira havia recorrido. Segundo o documento, ele possuía dízimo, e a parce do criador". Cana de arremacacrao por que o pe. f\laceus Mendoncra
escravos e outras fábricas "de que se podia dcsfazer e alhear rudo pela cerra nao ser arrematou os c urrais de Jácome Pereira, 13/10/1665. DH, 22:177-84.
53
sua". Naquele ano de 1665, para por termo ao negócio, o Juiz dos Limites, acompa- f\1arcin de Nantes. Relation s11cci11te et sincere de la 111issio11 du pere. .. , prédicateur cap11ci11,
nhado de um escrivao, fez o levantamento de rudo que havia nos dois currais da missionaire apostolique da11s le Brez.il pam1y les indie11s appélles Catiris. Quimper, 1706,
regiao. Um cerco padre M ateus de l\tlendon~a acabou arremacou codos os bens, p. 113.
40 NO Í N T 1 l\ I O O OS S E R T Ó ES NO Í N Ti l\10 DOS SE RT ÓES 41
,. os derrotar" . 5~ De fato, sabemos que o ter90 de Navarro, do qual se "a pé e descal9os n1archavam os de Sao Paulo por montes e vales 300 a
preservou o livro de assentamento, nao possuía sequer um cavalo, urna 400 léguas, como se passeassem nas ruas de Madri" ?. 58
vez que o regimento das fronteiras de 1645, que estipulava as normas Parte da historiografia tem asseverado que o indígena contribuiu de
para o seu preenchitnento, era muito claro quanto a necessidade de as- forma privilegiada coma n1ao-de-obra da pecuária. De modo que, adife-
sentar, tal con10 os soldados, cada um dos cavalos engajados. re n9a da evoluc;ao da economía a9ucareira da costa, baseada na escravi-
O vaqueiro, que tinha como principal fun9ao percorrer os campos dao do africano, a zona sertaneja teria assistido a urna adapta9ao mais ou
para controlar o gado e evitar que se tornasse selvagem, precisava do me nos tranqüila das popula96es locais a economia pastoril. Dois fatores
cavalo, donde sua posi9ao privilegiada, quase honorífica, no mundo ser- colaboraram para alimentar esta proposi9ao. Primeiramente, a repeti9ao
tanejo. Como acessórios indispensáveis se dese nvolveram petrechos e de preconceitos, severamente enraizados no imaginário local, de que os
vestimentas que resultavam em verdadeira coura9a, capaz de lhe fran- indígenas eram incapazes de trabalho continuado e sedentário, em fun-
quear o sertao, e que desen1bocariam numa "civiliza9ao do couro", na c;ao de sua "moleza", "mentalidade primitiva", "extremada rebeldía", etc.;
famosa fórmula de Capistrano de Abreu. Somente na segunda metade daí a sua inadaptabilidade ao trabalho agrícola e, por exclusao, a conse-
do século XVIII, depois do intenso desenvolvimento do interior da co- q üente acomoda9ao a pecuária. Num movimento de quase naturaliza9ao
lonia em razao da minera9ao, é que o cavalo se democratizaría, ainda do uso dos indígenas COJllO for9a de trabalho, supunha-se sua "utiliza-
que de forma relativa. O "alvará das armas" de 1569, que estabelecia as c;ao" ótima na economía colonial, já que estavam "disponíveis". Em se-
obriga96es de portes de armas que todos súditos deveriam possuir, re- gundo lugar, o desconhecimento ou menoscabo da exata dimensao da
conhecia que os moradores das ilhas da Madeira, A9ores, Cabo Verde e série de conflitos resultantes do contato da frente de expansao com os
Sao Tomé e "partes do Brasil" nao eram "abrigados a ter cavalos, por- grupos indígenas locais. Disso resultou, por exemplo, que um historiador
que pela qualidade da terra o hei assim por bem" .55 Os cavalos tampouco da altura de Charles Boxer, fiando-se exclusivamente no relato de Martin
foram usados nas guerras seiscentistas contra os holandeses, nao por de Nantes, tenha concluído que, apesar dos excessos cometidos por al-
carencia de animais, mas por sua inadequa9ao as condi96es ecológicas guns criadores em face dos índios, "as rela96es entre os colonos e os
da zona da mata, onde inexistiam espa9os abertos e o chao de massape ameríndios foram freqüentemente amigáveis neste período no vale do
tornava os caminhos intransitáveis no inverno.56 No caso das guerras no rio Sao Francisco" e que se os vaqueiros "algumas vezes maltrataram os
sertao semi-árido, onde as juremas e outros arbustos espinhosos difi- aborígenes e tomaram suas cerras, muitos ameríndios encontraram em-
cultavam o avan90 dos animais, o uso do cavalo se fazia ainda mais in- prcgo nos ranchos". 59 Nada nos parece mais enganoso.
conveniente e praticamente impossibilitava a persegui9ao dos tapuias, Em 1665, nos currais de Jácome Pereira, por exemplo, os africanos
destros em se internar na caatinga. Segundo Sérgio Buarque de Holanda, eram descritos junto con1 o plantel do gado vacum e cavalar. No curra}
a marcha a pé era o modo de locomo9ao característico dos sertanejos, do Jurumungao havia 220 vacas, bois e cavalos, assim como "Gon9alo e
pois a locomo9ao animal "seria extremamente difícil e penosa nas bre- Ivl aria sua mulher escravos gentíos de Guiné, e Gaspar e Mateus mole-
nhas e lugares acidentados". 57 Preservavam, assim, "a tradi9ao indíge- ques". No curra} do Frade da Sirica havia 487 vacas, bois e cavalos, jun-
na, alheia ao uso de quaisquer animais de transporte", despertando o co com José e sua mulher, "escravos do gen ti o da Guiné", e "Perpétua,
assombro dos espanhóis pelas dilatadas jornadas de que eram capazes Domingos, Pedro e Joao; e Pedro e Bento, moleques que andam fugi-
de fazer a pé. O padre Antonio Ruiz de Montoya nao havia escrito que dos; e mais Manuel e Paulo, moleques que estao no curra}", além das
crian9as "Juliana Negra e Domingas Crioula, de 3 para 4 anos, e Marta
de 2 anos". Seus pre9os foram estipulados em 44$000 réis por cabe9a
54 Folha de servi9os de l'vlanue l Álvares de Morais Navarro, 15/12/1696. AHU, cód. 86, os adultos e 16$000 réis as crian9as.6º Se havia outros trabalhadores li-
fls. 246-8.
ss Alvará das armas de 1569. In: tvt. C. de l\ilendon9a (e d.). Raíus da forma(éio admi11ís-
511
1ra1iva do Brasil. Rio de Janeiro, 1972, vol. l , p. 147. Sérgio Buarq ue de Holanda. O Extremo Oeste. Sao Paulo, 1986, p. 68 e 170.
5" Evaldo Cabra! de Mello. O/inda resta11rada. Rio de Janeiro, 1975, p. 221-4. 59
Charles Ralph Boxer. The Go/de11 Age of Brazil. Lisboa, 1995, p. 233.
5 7 Sérgio Buarque de Holanda. Caminhos efronteiras. Río de Janeiro, 1957, p. 147. Para a <>0 Carca de arremaca9ao por que o pe. Mateus Mcndon9a arrematou os curra is de Jácome
presen9a do cavalo em Sao Paulo, veja o capítulo " Do peao ao tropeiro'', p. 148-59. Pcreira, 13/10/1665. DH, 22: 177-84.
42 N O Í N T 1 M O DOS SE R T Ó ES N O Í N T 1M O DOS S E R T Ó E S 43
~ vres, o que é provável, nao ternos indicav6es. Estudando de maneira de Mott mostrar que havia escravos no Piauí como únicos responsáveis
quantitativa alguns relatos referentes ao Piauí, para o ano de 1697, Luís pelo rebanho ("fazendas onde escravos eram livres de seus senhores e
Mott mostrou que, pelo menos nessa regiao, o padrao histórico das re- senhores de si"), é de bom senso imaginar um estatuto particular para
la96es de produ9ao na pecuária contraria, en1 muito, as generaliza96es este trabalhador que o afastaria da escravidao tout cou11. Estaríamos, pelo
da historiografia. Inicialmente, fica claro, pelos dados apresentados, que menos nos séculos iniciais da expansao do pastoril no sertao (creio que
"os índios nao eram tao desejados e indispensáveis como mao-de-obra". rudo faz-se diferentemente no XIX), bem longe do predomínio da mao-
Presentes de maneira minoritária nas fazendas de gado, representavam de-obra escrava, como quer Gorender. Podemos imaginar, ao contrário,
apenas 9% da mao-de-obra usada no pastoreio. Mais ainda, o autor con- que a pecuária estruturou-se com a presen9a determinante do trabalho
cluí que é errada a assertiva de que o trabalho livre fora a regra nestas livre (conformando urna rela9ao escravista particular), e coma ausencia
atividades. Dados demográficos nos mostram que, no mesmo ano de relativa do trabalhador indígena.
1697, 48% da popula9ao total envolvida com a pecuária era escrava. 61 Relativa porque ternos informa96es da utiliza9ao do indígena no tra-
Baseado oeste autor, Gorender concluiu, após urna revisao dos mesmos balho da condu9ao do gado para os mercados consumidores. Segundo o
documentos utilizados por Caio Prado Jr. e outros, que de fato a escra- governador-geral, Joao de Lencastro, os proprietários de gados manti-
vidao predominara na pecuária colonial. 62 Contudo, para un1 adequado nham em suas fazendas o número estritamente necessário de escravos,
entendimento da questao, acredito que cabe ao historiador ter cons- se fosse proibido que "os índios conduzissem esses gados, dos sertoes
ciencia das liinita96es óbvias da documenta9ao para as generaliza96es para a Bahía ou seu Reconcavo ou [para] Pernambuco, nunca os pode-
de ambos os lados do debate. Ao mesmo tempo, ternos de considerar riam enviar, faltando aos povos aquele provimento tao essencial". O
essas mesmas generaliza96es necessárias em face da escassez de docu- trabalho de guias e tangedores realizado pelos índios era, do seu ponto
mentos e estudos sobre o assunto e a importancia das conclus6es, urna de vista, muito útil para os próprios porque comas pagas ganham "com
vez que, ainda que temporárias e parciais, sao fundamentais para o se- que se vestir e as suas mulheres". Os missionários forneciam os índios
gu imento da pesquisa histórica. De toda maneira, ao contrário de aldeados pelo salário que fosse considerado justo, recebendo o paga-
Gorender, acredito que nao se pode descartar o papel estrutural do tra- mento e por vezes o repartindo "com grande prejuízo deles". Lencastro,
balhador livre6 J na organiza9ao do pastoreio, donde a utiliza9ao de es- em um papel sobre as miss6es, sugería que o pagamento deveria ser
cravos apenas como ajudantes, como "fábricas", e nunca sua presen9a fiscalizado pelos procuradores dos índios e escriturado na presen9a de
como vaqueiros. No final do século XVII, pelo menos para o Piauí, ,o um índio "mais ladino". Sugería, também, o estabelecimento dos salá-
absenteísmo ainda era a regra, e a presen9a dos vaqueiros e arrendatá- rios que os índios deveriam vencer: dorio Sao Francisco a Bahía, 4$000
rios era fundamental para o bom funcionamento das fazendas. 64 Apesar réis, do Ceará, 6$000 réis, do Piauí, 8$000 réis e do Paramirim para cima,
8$000 réis também.65
1>t Luis ~f ott. "Os índios e a pecuária nas fazendas de gado do Piauí colonial". Revista de
Antropo!ogia. Sao Paulo, 22:74-S, 1979. Veja também do mesmo autor "Estrutura Resistencia indígena e extermínio
demográfica das fazendas de gado no Piauí colonial: um caso de povoamento rural
centrífugo". In: ldem. Piattí colonial: populapio, economia e sociedade. Teresina, 1985, Desde o século XVI, o movimento de ocupa9ao do sertao norte do
p. 71-92. Brasil confrontou o colonizador com os povos indígenas que habitavam
Jacob Gorender. O escravismo colonial. Sao Paulo, 1985, p. 425-42. estas regioes que se destinavam acria9ao do gado. Após a expulsao dos
62

63
É importante notar que o termo "trabalho livre" <leve ser perfeitamente contextua-
lizado para um correto dimensionamento histórico. Estamos muito longe do assa-
lariado moderno ou do proletário do mundo capitalista industrial. Contudo, o traba-
lhador "livre" na situac;ao colonial possuía prerrogativas quanto ao controle de scu f\1ott. "O patrao nao está: análise do absenteísmo nas fazendas de gado no Piauí
destino de vida que em muito o afascavam do escravo, configurando situac;oes de colonial". In: Idem. Piauí colonial: populariio, economia e sociedade. Teresina, 1985,
status diferenciadas, o que se fazia de primeira importancia nesta dada ordem social. p. 100.
65
64
"Se nos primórdios da coloniza~ao - 1697 - 90% das fazendas de gado tinham Papel com que o senhor dom Joao de Lencastro responde aos 16 pontos sobre as
proprietários absenteístas, nossos dados nao deixam dúvida de que a partir dos mea- missoes, 26/7/1702. In: Virgínia Rau (ed.). Os manuscritos do arquivo da casa de Cadaval
dos do século XVII 1 o absenteísmo era exce~ao na estrutura fundiária do Piauí". Luís respeitantes ao Brasil. Coimbra, 1956, vol. 2, p. 49-52.
44 NO Í NT IMO f) O S S E RT OE S N O Í N T I l'vl O D O S S E R T Ó E S 45
~ holandeses ( 1654) e a acentua9ao do movimento de expansao da pe- memória oitocentista sobre o Piauí, entendia que "as freqüentes hosti-
cuária, conflitos antes limitados cornara1n-se cada vez n1ais freqüentes, lidades dos selvagens contra os prin1eiros povoadores" eram compre-
de modo que em breve urna situa9ao de conflagra9ao geral surgiria as ensíveis, dado que para com estes intrusos os índios "nao podiam ter
vistas das autoridades coloniais, sendo denominada a época "Guerra senao má vontade, visto que os olhavam como usurpadores de suas ter-
dos Bárbaros" . Os ataques constantes dos tapuias do sertao as fazendas, ras". Eram, contudo, tidos pelo autor como "um embara90 todo día,
planta96es e povoados do Reconcavo Baiano resultariam en1 urna série um grande mal que demandava pronto re1nédio para garantía da pro-
de expedi96es punitivas que moldariam a dinamica futura da guerra no priedade nascente e o que é mais, das vidas dos arrendatários e colonos
sertao. Nesse sentido, entre os anos de 1651 e 1679, as guerras contra que afluíam em grande número" .66 Por outro lado, a facilidade de cap-
os tapuias que "assolavam" o Reconcavo Baiano serviram de campo de tura do gado, dada a sua forn1a mais ou menos lassa de pastoreio, e,
provas para novas estratégias que determinariam a forn1a do extermí- portanto, o interesse que despertou nos povos autóctones, que viam
nio que seria praticado nos séculas vindouros. A partir de 1687, os le- nos animais soltos a possibilidade de satisfazer suas necessidades ali-
vantes dos tapuias ganharam radicalidade, em particular no sertao nor- mentares, faziam con1 que os povos indígenas fossem tidos pelos colo-
te do entao Estado do Brasil, isto é, Pernambuco e capitanías anexas, nos como grave transtorno a economía local.
principalmente no Rio Grande e Ceará. As chamadas "guerras do A9u", Para os criadores de gado daqueles tempos, os povos autóctones eran1
apesar de serem normalmente tomadas como a Guerra dos Bárbaros apenas mais um empecilho. Co1n isto, <levemos nos afastar das concep-
como um todo pela bibliografia, sao na verdade o caso específico dos c;oes integracionistas do processo colonizador que resultaram nas teo-
conflitos desta regiao - do vale do rio A9ll ou Piranhas - , no atual Rio rias de Darci Ribeiro, para quem os impulsos de expansao ativados pe-
Grande do Norte. Nao obstante, a sinonímia se explica pela sua maior las sociedades mais "evoluídas" tecnologicamente revertiam, quase que
importancia e significado. Posto que as diversas guerras movidas aos necessariamente, num "movimento de incorpora9ao histórica" que po-
índios bravos se estenderam por todo o sertao pernambucano ou baiano, ria estes povos contatados "sob o domínio de um centro reitor fazendo-
os episódios do Avu acabaram por cristalizar de maneira mais dramática os transitar a outra etapa evolutiva, mas com perda de sua autonomía e
o resultado de décadas de tiranía e aniquilamcnto, n1obilizando diver- mediante a sua conversa.o em proletariado externo de outros povos" .67
sas na95es em conflitos continuados. Estes punham em xeque o con- Isto talvez seja válido para os grupos túpicos do litoral que de urna for-
trole das regioes de fronteira do sertao de fora, na terminología de ma ou de outra, foram recrutados para o trabalho nos engenhos de a9ú-
Capisrrano de Abreu, amea9ando, segundo a interpreta9ao coeva dos car, ou ainda, no caso da sociedade sertaneja paulista, para o trabalho
agentes coloniais, a integridade do Estado do Brasil. Refor9ando isso, nas fazendas de trigo. 68 No sertao setentrional, muito ao contrário, as
parte da historiografia tem dado como verídica urna grande confedera- guerras aos índios neste momento, por razoes estruturais da fonna da
9ao articulada por diversos povos indígenas para barrar a invasao dos evolu9ao desea economía e do processo colonizador, longe de serem
colonizadores e a expansao da economía do gado. No9ao que será dis- guerras de conquista e submissao de novos trabalhadores aptos ao ma-
cutida mais adiante.
Neste novo contexto, o confronto peculiar ou geral que se armara no
sertao fazia-se, específicamente, entre a fronteira da economía pecuá- "l'vfemória cronológica, histórica e coreográfica da província do Piauí (1855)". RIHGB,
r,¡;

ria e os índios de grupos nao-túpicos, isto é, tapuias, historicamente 20:18-9, 1857.


"; Oarcy Ribeiro. Os brasileiros. J. Jéoria do Brasil. Petrópolis, 1978, p. 43. Em outro
irredutíveis. A forma específica da atividade económica que embasara
livro, cuja primeira edis:ao é de 1970, o antropólogo considerava, em breve passagem,
a ocupa9ao, a pecuária extensiva de bovinos, implicou um acréscimo o caso específico da conquista do Nordeste: "Os índios dos sercoes do Nordeste opu-
das possibilidades de conflitos por duas razoes. De um lado, a extrema seram toda resistencia possível a invasao do seu cerritório [... ]. Os grupos que mais
avidez de espa90 resultante do modo específico de cria9ao dos reba- se opuseram a invasao foram trucidados, sendo os sobreviventes apresados como es-
nhos no contexto ecológico de carencia, tal como o do sertao semi-ári- cravos para os canaviais da costa ou para refors:ar a populas:ao das missoes religiosas".
Os indios e a civilizarrlo. A integraciio d(ls pop11laroes indígenas no Brasil Moderno. Sao
do, implicava o levantamento dos indígenas, moradores seculares, que
Paulo, 1996, p. 65.
nao podiam tolerar a intrusao e a conseqüente destrui9ao de suas fon- 68
Sobre as fazendas paulistas, veja o livro de John Manuel l\1onteiro. Os negros da terra.
tes de subsistencia. Nesse sentido, Pereira d'Alencastre, autor de urna Sao Paulo, 1993.
46 N O Í N T 1 J\l O D O S S E RT Ó E S N O Í N Til\10 OOS S ERTÓES 47
nejo do gado, e ram te ndencialmente gue rras de exte rmínio, de "lim- das cente nas de gru pos indígenas existentes na época, apenas 26 habi-
peza do território" .69 Se houve expedi96es orie ntadas para a captura e ta rn atualmente na regiao, estabe lecidos em 43 áreas. E , em termos cul-
escraviza9ao dos habitantes dos sertoes, de maneira geral, o escopo era rurais, hoje some nte os fulnios se expressam em língua própria, ao pas-
sempre a matan9a, seja para refrear a "insolencia" de grupos resisten- so que todos os demais conhecem apenas o portugues.71
tes, seja para abrir simplesmente espa90 para as cria96es. Neste caso
particular, os impulsos de expansao resultaram em situa96es extrema-
n1ente nocivas e nao-integradoras. Fato cheio de conseqüencias para a
história das políticas indigenistas do império na América, bem como (e
principalmente ) para o destino desees povos, primitivos habitantes do
Brasil. Aguerra de extermínio somou-se o contexto de letério da acultu-
ra9ao e miscigena9ao a que se submeteram alguns grupos indígenas que,
feitas as contas, preferiram alinhar-se aos colonizadores. Os poucos que
conseguian1 acomodar-se em aldeamentos e missoes eram utilizados em
servi9os diversos e cuidados para que tivessem sua alma "salva", na
maior parte das vezes de sua própria vida e cultura. D os que se passa-
vam ao lado dos colonizadores, os guerre iros hábeis eram normalmente
integrados as tropas enviadas para combater os irrede ntos. Para se ter
idé ia do resultado do aniquilamento a que foram submetidas as socie-
dades autóctones, hoje, a popula9ao indígena do Nordeste como um
todo conta em cerca de 36.000 indivíduos, ou seja 5,5% da estimativa
histórica a época do Descobrimento: pelo menos 652.000 pessoas, de
acordo com John Hemming. 70 Quanto a diversidade deseas sociedades,

r,9 O mesmo ocorrendo nos se n oes me ridionais e na Amazonia. Contrariando a visao


d omi nan te na historiografia, John Monteiro d emostrou q u e "as e xp edi96es d e
apresamcnto ori undas de Sao Paulo, pouco tinham a ver com a expansao territorial.
Muico pe lo concrário: ao invés de contribuírem diretamente para a ocupa9ao do inte-
rior pelo colonizador, as incursoes pauliscas - bcm como as tropas de resgate da
regiao amazónica e dos «desci me ntos» dos missionários em ambas as regioes - con-
correram antes para a devasca9ao de inúmeros povos nativos. Parafraseando Capistrano
de Abreu, a ai;ao desees «colonizadores» foi, na realidadc, cragicamence despovoadora".
John Manuel Monteiro. Os negros da terra. Sao Paulo, 1993, p. 7-8.
70
Red Gold. The Co11q11est o/ the Brazi/ian lndians. Cambridge, 1978, Appendix, p. 487-
501. Para o debate sobre o taman ho das pop u l a~5es ind ígenas pré-colombianas, veja foram p ub licados em Nfa rca tvl. Azevedo & Gislaine Fonsech. "Os índios e o censo
Willian Denevan (org.). The Native Pop11/ations o/the Americas i11 1492. Mad ison, 1978. demográfico de 1991" . Boletim da ABA. Campinas, 29:15-30, 1998.
71
Joh n Manuel Monceiro critica a perspectiva uni dimensional dos cálculos de He mming Para urna ecnografia dos fu lnios, veja Estevao Pi neo. Et110/ogin brasileirn (Fulnió - os
que, partindo de urna demografi a "estagnada" no marco zero de 1500, supoe a histó- tÍ/timos 1np11ias). Sao Pau lo, 1956. Urna leicura crítica desse texto e das re fere ncias aos
ria desees povos como "a crón ica de sua extin9ao"; como de fa to o fa~ . Veja "As popu- cariris, encontra-se em D irceu L in doso. "Na aldeia de la-ci-lhá (etnografia dos índios
lai;oes indígenas do litoral brasileiro no século XVI: transformai;ao e resistencia" . tapuias do Nordeste). ABN, //:2 1-45, 1991. Sobres as ide ntidades emerge ntes, veja
Brnsil - 11ns vésperos do mundo moderno. L isboa, 1992, p. 124-5. O ce nso de 1991, pela os arcigos de Joao Pacheco de O liveira, "Povos indígenas no Nordeste : fronteiras ét-
pri meira vez, inclu iu os índ ios como variável. Para o Nordeste , o resultado é próximo nicas e identidades e mergentes" Tempo e Prese11;a. Rio de Janeiro, 2 70:3 1-4, julho/
a contagem do CEDI (35.570 indivíduos), ou seja, 40. 175 ind ivíduos, assim distri- agosto de 1993; e de Carlos Al berto Ricardo. "Os índios e a sociodiversidade nativa
bu ídos: P iau í (3 14), Ceará (2.694), Rio Grande do Norte (394) , Paraíba (3.778), contemporanea no Brasil" . In: Aracy L .. da Silva & L . D. B. Grupion i. A temática
Pernambuco (10.576), Alagoas (5.690), Se rgipe (760), Bahia (1 6.023 ). Estes dados indfge11a na esco/a. Brasília, 1995, p. 29-56.
"'

2
O PAÍS DOS TAPUIAS

DE soo início da colonizac;ao, os indígenas, para alén1 de


E
sua utilidade como forc;a de trabalho, apareciam como aquele substrato
mínimo de povoadores necessário para a manuten9ao do domínio, ante
as tentativas de conquista ou de invasao de outras potencias européias,
ou mesmo de resistencia de grupos nativos hostis. 1 Os grupos indíge-
nas aliados ou pacificados permitiam urna margem de seguran9a a em-
presa colonial perante as amea9as externas, isto é, de outras potencias
européias, ou das amea~as internas presentes em um sistema baseado
na compulsao extrema do trabalho. 2 A percep9ao des ta funcionalidade
específica dos povos indígenas no processo colonizador já havia sido
pensada por Caio Prado Jr., para quem é certo que os portugueses pro-
curaram, no início, aproveitar-se do indígena "nao apenas para obten-
c;ao dele, pelo tráfico mercantil, de produtos nativos, ou simplesmente
como aliado, mas sim como elemento participante da coloniza9ao" .3 Tra-
ca va-se de usar os índios para prover urna base populacional, pois era

1
Florestan F ernandes. "A sociedade escravista no Brasil". In: Circuitof echado. Sao Paulo,
1976, p. 18.
2
É o que Luiz Felipe de Alencastro chamou de "dupla frente militar portuguesa":
"Desde logo, as autoridades coloniais procuram fixar a lian~as com cercas cribos do
litoral para barrar a ofensiva dos índios hostis, por um lado, e defender os portos dos
corsários europeus, por oucro lado". O autor aponta ainda como fatores restritivos ao
emprego de escravos índios a "sua vulnerabilidade ao choque microbiano e virócico"
e o relativo "ilhamenco" dos enclaves producivos da colonia, o que impedia o desen-
volvimento do intercambio entre as capitanias e, porcanto, de um sistema regular de
tráfico de escravos indígenas. Os luso-brasileiros em Angola: co11stit11ipio do espaco econo-
mico brasileiro no Atlantico Su/, 1550-1700. Campinas, 1994, p. 52-60.
3
Caio Prado Júnior. Fo1111acño do Brasil contemponíneo. Sao Paulo, 1943, p. 85.
49
50 O P A f S D O S TA P U l A S O PAÍ S D OS TAPUIAS 51
4
"' fundamental compor o suporte mínimo de ocupa<;ao e defesa. Certo os mercenários coloniais na conquista do Maranhao, entao sob o con-
que sempre se procurou atrair colonos com cabedais capazes d~ realizar trole dos franceses. Para ele, a conquista nao se devia fazer com gran-
o enriquecimento da terra e o seu próprio, mas o papel destinado ao des custos nem com um grande exército, mas, pelo contrário, com "en-
indígena, na ordena<;ao do mundo colonial, também o previa como um genho e manha", porque os índios nao eram gente de se conquistar
povoador apto a atender o seu caráter militar e de defesa, daí buscar pela for<;a. Recomendava, com pragmático cinismo: "Quanto menos
man te-lo em sua "natural liberdade". Padre Antonio Vieira já tinha com- puder ver o gentío em nós, e nos que o vao conquistar, tanto mais se
pleta percep<;ao disto, como podemos ver na carta que escreve~ a d. fiarao no que lhes dissermos, e assim se reduzirao facilissimamente por-
Joao IV, em que recomendava remédios para a situa<;ao de escrav1za<;ao que nao é gente que se defenda por for<;a, senao por fugir de nós". Se
dos indígenas, pois, urna vez resolvida esta situa<;ao, "terá também a os índios abandonassem a expedic;ao, isto é, se nao aceitassem fazer-se
república muitos índios que a sirvam e que defendam, como eles foram aliados dos portugueses, estes estariam em maus len<;óis pela depen-
os que em grande parte ajudaram a restaurá-la [aos holandeses]" .5 dencia que lhes deviam. Nas palavras do governador, os portugueses
O papel de povoador, destinado ao indígena, desempenhava urna nao se sustentariam "na falta das coisas". A conquista da costa depen-
func;ao estratégica na constru<;ao do domínio colonial. Os autóct?n~s día desea política de alianc;as: "sem eles", continuava a carta, "mal se
eram os únicos capazes de dar o conhecimento das cerras e contnbutr poderá remediar nem povoar tao larga costa assim para o remédio de a
para as tropas com os homens necessários a~ diversas guerras. e escara- defender aos estrangeiros como de a cultivarem". 8 Dessa man·eira, con10
muc;as travadas entre os colonizadores e tnbos que se man1festavam já procurei mostrar em outro trabalho, o processo de substitui~ao do
hostis, e entre colonizadores de diversas nac;oes. O cronista F ernao Guer- indígena pelo africano nas fábricas e plantac;oes do Nordeste brasileiro,
reiro, no come<;o dos Seiscentos, reconhecia que os índios, além den~­ no primeiro quartel do século XVII, deve ter suas razoes buscadas nao
cessários para os diversos trabalhos, eram-no para a defesa da cerra, po1s apenas na dinamica do capital mercantil ou populacional, mas também
"quando algum inimigo ou corsário vem a ela, e pretendem dar, ou de- na política de povoamento e de alian<;as militares levada a termo pela
sembarcar em alguma parte, que os índios a sombra dos padres sao os Metrópole.9
que lhe defendem a desembarcac;ao e os desbaratam com suas flechas, A indecisao sobre a legalidade da escravidao do indígena durou ape-
mais que os portugueses comos seus pelouros [balas de metal]". 6 In- nas até o ano de 1570, quando a Coroa resolveu garantir o seu direito a
ternamente, os indígenas aliados poderiam ser usados para conter as liberdade, reproduzindo no~ao defendida pela bula de Paulo III, Sublimis
tensoes do sistema escravista, notadamente onde se baseava na mao- Deus sic dilexit, de 1537. 1º Nao obstante, a lei de 20 de mar<;o de 1570
de-obra africana, quer dizer, no seu núcleo mais dinamico. Um jesuíta,
que viveu no Brasil um pouco antes da invasao holandesa, explicava
que os negros temiam aos índios, "porque pelos montes lhes vao a bus- ~ Carta de d. Oiogo de Meneses a el-rei sobre negócios do Maranhao, 1.0 /3/1612. In:
Barao de Studart (ed.). Documentos para a história de 1Wartim Soores Moreno. Fortaleza,
car, prender e castigar". 7
1905, p. 2. Sobre o "fundador" do Ceará, veja a monografia de Afranio Peixoto.Mattim
De tal forma se faziam indispensáveis em determinadas situa<;óes,
Soares Moreno. Lisboa, 1940.
que, além da legisla<;ao protetora e da a<;ao dos missionários, se impu- 9 Um resumo da questao se encontra em A mísera sotte: a escravidño africana no Brasil
nha urna política cautelosa dos mandatários na Colonia. Exemplo disto Holandes e as g11err11s do tráfico no Atldntico s11/, 1621-1648. Sao Paulo, (1992) 1999,
foi a atitude do governador-geral do Brasil, d. Diogo de Meneses, que capitulo 1. Veja cambém Fernando Novais. Pott11gal e o Brasil na crise do A11tigo Sistema
escreveu ao rei, no ano de 1612, explicando como deveriam proceder Colonial. Sao Paulo, 1978, p. 92-106. Para urna discussao historiográfica, veja o texto
de Barbara L. Solow. "Slavery and Colonization". In: ldem. (org.). Slavery and the Rise
of At/onticSystem. Nova York, 1991, p. 32-47; Luiz Felipe de Alencastro. "O aprendi-
4 Vera Lúcia Amara! Ferlini. Terra, trabalho e poder. Sao Paulo, 1988, p. 15-6. zado da coloniza~ao" . Economia e Sociedode, /:161 , agosto de 1992; e Scuarc Schwarcz
s Antonio Vie ira. "Carca ao rei d. joao IV, 20/5/1653. In: Idem. Cartas. Rio de Janeiro, & Russel R. Mennard. "Why African Slavery? Labor Force Transitions in Brazil,
1949, p. 89-90. Mexico and the Souch Carolina Lowcontry". In: Wolfgang Binder (ed.). S/avery in the
6 Relarnm an11ual das cousas que fezeram os padres da Co111pa11hia de j esus nos par~es da Americos. Erlagen-Nürnberg, 1990, p. 89-114.
10
Índia oriental e no Brasil, Angola, Cabo Verde e Gui11e111, nos anos de 1602-1603. Lisboa, A lei de 1570 atendía aos desejos dos jesuítas Luís da Cra e José de Anchieta, que
1605, p. 114. haviam participado de urna junta em 1566 para definir a política indigenista. A guerra
7 Apud: Evaldo Cabra! de Mello. O/inda restaurada. Rio de Janeiro, 1975, p. 176. jusca já havia sido invocada, pela primeira vez, pelo governador Mem de Sá, quando
52 O P A Í S O 0 S TA PU 1 AS O P A Í S O O S TA P U I AS 53
" esclarecía os casos em que seria lícito "fazer cativos os ditos gentios" : crazidos do sertao. As entradas de captura só poderiam ser feitas com a
aqueles tomados em "guerra justa" , isto é, autorizadas pelo rei ou pelo licen9a do governador-geral. A lei de 11 de novembro de 1595, porém,
governador do Brasil, e no caso dos indígenas que prattcassem a an~ro­ estabelecia que as guerras justas se fariam somente por ordem expressa
pofagia. Um pouco a n1argem do debate espanh~l com suas so~sttca­ do rei. Dez anos passados, a provisao de 5 de junho de 1605, assim como
~6es teológicas, em Portugal o conceito de guerr~ JUSta ~ora defi~1do ~e o alvará de 30 de julho de 1606, revogavam definitivamente os termos da
forma pragmática ainda no século XIV pelo franciscano Alvaro Pa1s, CUJa Iei de 1570, nao considerando a legalidade do cativeiro indígena em caso
doutrina acentuava o direito da lgreja ou do Estado de declarar guerra algum, fossem eles batizados ou ainda gentios. No encanto, foi a divulga-
contra os infiéis, donde a destrui~ao e escraviza~ao dos inimigos se fa- 9ao da nova lei de 30 de julho de 1609 que causaría maiores transtornos.
ziam segundo a lei, isto é, em termos públicos e nao privados. A guerra Coincidindo com a chegada da nova Rela~ao na Bahia, essa lei declarava
declarada por particulares deveria ser efetivamente condenada, e os ca- codos os índios definitivamente livres, fossem eles cristaos ou pagaos.
tivos tornavam-se escravos, no sentido pleno da institui~ao, se captura- Aqueles que tivessem sido ilegalmente capturados deveriam ser postos
dos soba autoriza~ao, portanto, do Estado ou da Igreja. 11 Já no período em liberdade e todos os recibos e contratos relativos a sua venda, anula-
filipino, a lei de 24 de fevereiro de 1587 regulamentou o uso dos índios dos. A lei implicava a Rela~ao no seu cumprimento o que lhe dava vigor
sem precedentes. A rea~ao dos moradores e autoridades da Colonia, as-
promoveu a guerra vindicativa contra os caetés, que haviam comido o hispo Sardinha. sim como os conflitos com os missionários resultantes da resistencia a
Cf. john Manuel Monteiro. Os negros da terra. Sao Paulo, 1993, p. 42. aplica9ao da lei, fizeram o reí ceder, promulgando, em 1O de setembro de
11 Beatriz Perrone-Moisés. "A guerra justa em Portugal no século XVI". Revista da So- 1611, urna nova lei que recolocava a legalidade do cativeiro em caso de
ciedade Brasileira de Pesquisa Histórica, Sao Paulo,5:5-10, 1990. Sobre a n~ao de "guerra guerra justa ou de resgates. A partir de entao, a guerra justa poderia ser
justa" , veja cambém o estudo de Joao Adolfo Hansen. "A servidao natural do selva-
declarada por urna junta composta pelo governador-geral, o bispo, os
ge m e a guerra justa contra o bárbaro". In: Adauco Novaes (or~.). A ;!escoberta do
homem e do mundo. Sao Paulo, 1998, p. 347-73. Como se sabe, as d1scussoes em torno membros da Rela~ao da Bahia, assim como representantes dos missioná-
da guerra justa na América portuguesa descoam da s~fistíca9ao do deb~tc quínhentis- rios, ao rei cabendo o direito de avaliar a decisao. Como mostrou Georg
ta e spanhol. Nao poucas vezes, o leitor pode sentir nos textos pe rtinentes ~e um Thomas, "as disposi96es da lei de 1611 contribuíram para a funda9ao de
intelectual da altura de Antonio Vieira, um enorme desconforco com o gabanco de novos estabelecimentos indígenas, que deveriam servir especialmente
seus interlocutores. De coda maneira, é claro que a discussao teológica corrence nos
séculas XVI e XVII informava o debate nescas plagas. Como veremos, o pouco inte-
para a defesa das costas brasileiras", assim como dos inimigos internos,
resse do homem portugués em descrever a natureza do homem cido por "bárbaro" índios bravos e negros fugidos. 12
provavelmente está associado a forte influencia das i~éias de Fra~cisco de. ~i~ória. Em perfeita sintonía com a política tra9ada pelo regimento do go-
Como se sabe, a incerpreta9ao comisca de Aristóteles fe1ca por Francisco de V1tona no verno-geral de 1548, esta lei de 1611, consolidava o "regime das mis-
século XVI cstabelecia que a desigualdade entre os homens dcrivava nao da sua socs" tal como elaborado pelos jesuítas (Manuel da Nóbrega, principal-
natureza (como pretendía a leicura de Juan Ginés de Sepúlveda), mas das faculdades
políticas que juscificavam a submissao dos povos tidos por inferiores ou imperfeitos.
A viola9ao dessa "lei natural" era justa causa para a guerra contra os. bárbaros. Nesse obra de Barcolomeu de Las Casas, veja tvfarianne Mahn-Lot. B11rtolo111é de Las Casas et
sentido, tal como Bartolomeu de Las Casas, Vitória nao negava a hberdade natural le droit des indie11s. París, 1982. Para a guerra justa no México, Pe ru, Chile e Filipinas,
dos indígenas, mas considerava que a auséncia de uma vida civil (a antropofa~ia, a veja o capítulo IX do livro de Lewis Hanke. The Spa11ish Stn1ggle f or Justice in the
afei9ao a costumes "monstruosos", etc.) poderia justificar a guerra e ~ escrav1dao. Co11q11est o/ Amelica. Boscon, 1965, p. 133-46. Sobre as bulas papais e a expansao por-
Henrique de Gandia. Francisco de Vitoria y el Nuevo .Mundo. ~uenos Aires_, 1952, ~· tuguesa no ultramar, veja Charles f\1arcial de Wictc. " Les bulles po~tifi c iales et
174-97. jean-Fran9ois Courcine problematiza essa le1tura cornista da doutnna de V1- l'expansion porcugaise au XVeme siecle" (extraic de la Revue d 'Histoire Ec/esiastique),
tória no artigo " Direito natural e direito das gentes: a refunda9ao moderna, de Vitória Lovaina, 1985; e Ide m. "Les letcres papales conce rnanc l'expansion portugaise au
a Suárez". In: Ada u to Novaes (org.). A descoberta do ho111e111 e do mundo. Sao Paulo, XVIe me siecle". Nouvel/e Revue de Science Afissionaire. Immeuse, 1986.
1998, p. 293-333. Sobre o assunco, veja o escudo de Joseph _Hoffner. ~olonizafño e 12
Georg Thomas. Polltico indigenista dos portugueses 110 Brasd. Sao Paulo, 1982, p. 48 e
Eva11gelho: ética da colonizacño espanhola no Século de Ouro. R10 de Janetro, 1977, p. ss. Os textos das leis citadas estao no apéndice 11, p. 220-33. Veja também Agoscinho
216-43 e 3 17-35. Para a teoría da escravidao natural, o melhor escudo é o de Anchony Marques Perdigao tvfalheiro. A escravidlio no Brasil: ensaio histórico-j111idico-social ( 1866-
Pagden. La caída del hombre natural. El indio americano y los orfge11es de la etnología com- 1867). Sao Paulo, 1944, vol. 2, p. 145-249; Rodrigo Otávio. Os selvagens americanos
parativa. Madri, 1988, p. 51-87; veja também joan Bescard & Jesús Contreras. ~11-/Ja­ perante o direito. Sao Paulo, 1946; e Stuarc Schwarcz. Burocracia e soáedade no Brasil
ros, paganos, salvajes y primitivos. Barcelona, 1987, p. 116-26. Para um comentano da
. Colonial: a suprema corte da Bahia e se11sj111z..es, 1609-1751. Sao Paulo, 1979, p. 99-112 .
54 O P A Í S O O S TA P U 1 A S o p A f s D os TA p u l A s SS
"' mente) na metade do século passado. As missoes entre os índios, "vo- as quais estava a urgencia de encontrar aliados, em número e forc;a, para
lantes", num primeiro momento, evoluíam para um projeto de fixac;ao a manuten~ao do domínio. ' 6 Assim, os holandeses, tao logo conquisca-
dos catecúmenos em aldeias adaptadas aos princípios pedagógicos em ram o Brasil, perceberam que a dimensao política da manutenc;ao do
curso. Nestes povoados, os índios deveriam ser isolados da sociedade controle das áreas produtoras coloniais pela metrópole resolvía-se numa
colonial, para entao poder voltar a integrá-la de forma controlada. De necessidade de povoar as novas terras com súditos fiéis, o que, de for-
maneira geral, índios das mais diferentes na~oes eram reunidos num ma mais aguda - neste momento de conflitos generalizados-, impu-
único povoado para serem submetidos a diversas formas de ressocia- cava um papel preciso aos grupos indígenas, que nao o de escravos. De
lizac;ao e de acultura~ao. Como mostrou Baeta Neves, o a/dea1nento era modo que havia maior pressao para a manutenr;ao de urna relativa "li-
"um grande projeto pedagógico total" . 13 AJém dos aldeamentos sub- berdade" <lestes grupos e para a sua organiza~ao em aldeias redu zidas,
metidos ao poder temporal das ordens religiosas, havia também as cha- isto é ressocializadas, o que os excluía, peremptoriamente, das reservas
madas "aldeias d'el-rei" (sujeitas ao governo-geral) e mesmo alguns de mao-de-obra escravizáveis. Por outro lado, na situac;ao generalizada
aldeamentos particulares (sujeitos as camaras ou a alguns colonos, como de caos social criada depois da revolea dos luso-brasileiros de 164S, prin-
era o caso em Sao Paulo). Para encher esses povoados, em associac;ao cipalmente, fazia-se necessário impedir o incren1ento das tropas inimi-
com o governo geral, os jesuítas - num primeiro momento, e depois as gas (portu_guesas) com índios descontentes comas políticas da Compa-
outras ordens religiosas engajadas na missionac;ao - procediam aos nhia das Indias Ocidentais. Havia urna trava a prea~ao dos indígenas
descimentos de tribos indígenas. Missoes volantes ou expedi~oes milita- que orientava a demanda de escravos para fora. Os pernambucanos nao
res "convenciam" índios afastados a "descerem" para perto dos povoa- atribuíam a derrota da resistencia, mais do que a rrai~ao de Calabar, aos
dos coloniais, onde viveriam em aldeamentos. Este sistema, segundo índios que apoiaram os batavos? Esta era a opiniao de freí Manuel Ca-
Luiz Felipe de Alencastro, atendía a tres objetivos: "Tratava-se, em pri- lado, autor de urna crónica da guerra luso-holandesa (0 Valeroso Lucideno
meiro lugar, de criar aldeamentos de índios ditos «mansos», destinados e o Triunfo da Liberdade, 1648), que dizia serem os índios potiguaras e
a proteger os moradores dos índios «bravos». Em segundo lugar, os tapuias "a causa e o principal instrumento de os holandeses se apode-
aldeamentos circunscreviam as áreas coloniais, impedindo a fuga para a rare m de toda a capitanía de Pernambuco e de a conservarem tanto
floresta tropical dos escravos negros das fazendas e dos engenhos. En- tempo" . 17
fim, as autoridades e os moradores estimulavam os descimentas de in- Apesar de os holandeses cerem estabelecido, tal como a coroa ibéri-
dígenas a fim de manter contingentes de mao-de-obra nas proximida- ca, o preceito da liberdade dos índios, tendo-lhes, antes mesmo da in-
des das vilas e dos portos" . 14 vasao de Pernambuco, assegurado este direito, 18 isto nao significou que
A política de alianc;as e aproximac;ao relativamente pacífica com al-
guns povos indígenas será seguida a risca pelos holandeses, quando de
Para urna visao geral da história das rela~ües indígenas comos holandeses no Brasil,
16
posse do Nordeste brasileiro, entre os anos 1630 e 1654. Os comercian-
veja o capítulo quatorze ("The Dutch Wars") do livro de John He mming. Red Gold.
tes batavos aprenderam gradualmente as regras da coloniza~ao, 15 entre Tite Conques! of the Brazilia11 lnrlia11s. Cambridge, 1978, p. 282-311 e o texto de Allcn
W. 1r elease. "Dutch Treateme nt of che American lndian, with Particular Re fc re ncc
to New Netherlnad" . In: Howard Peckhan & Charles Gibson (org.). Attitudes ofColo-
13 Cf. Luís Felipe Baeta Neves. O combate dos soldados de Cristo na terrados papagaios. nia/ Powers Towarrl the America11 /ndia11s. Salt Lake Ci cy, 1969, p. 47-59.
17
Río de Janeiro, 1978, p. 109-41. O termo aldeamento é correntemente utilizado pela Frei Manuel Calado. O valeroso l11cideno e o t1i1mfo da /iberdade (1648). Belo Horizon-
historiografia para "para distinguir tais aglome rados «criados» , daqueles outros, típi- te/Sao Paulo, 1987.
18
camente «espontaneos»", chamados, entao, simplesmence de aldeias. Em Porc~1gal , Conforme consta no Regimento de 1629, a liberdade do indígena devia ser respc itada
ainda hojc, o termo oldeia significa apenas urna pequena povoa~ao, inferior a vi la. Cf. "nas pra~as conq uistadas ou que forem conquistadas nas Índias Ocidentais". " Regi-
Aroldo de Azevedo. "Aldeias e aldeamentos de índios" . Boletim Pau/ista de Geogrojia, mento do Govcrno das pra9as conquistadas ou que forem conquistadas nas Índias
33:26, 1959; e Pasquale Petrone. Aldeamentos pau/istns. Sao Paulo, 1995. Ocidentais de 1629" . RJAGP, Recife, 3/:289-310, 1886. Preceito rc vigorado em 1636,
1 ~ Luiz F clipe de Alencastro. Os lt1so-brnsileiros em Angola: constitui{lio do esporo econo111i- pelas l11strt1{oes de que fala José Higínio no seu " Relatório... ".José Hygino Duarcc
co brosileiro no Atlántico Su/, 1550- 1700. Campinas, 1994, p. 81. Pereira. " Relacório sobre as pesquisas realizadas em Holanda". RIAGP, 30:70- 11 O,
15 Nos termos de Lui z Felipe de Alencastro. "O aprendizado da coloni za~a o ". Econo- 1886. Apud: Mário Neme. Fórmulas políticas no Brasil Hola11dis. Sao Paulo, 1971 , p.
111ia e Sociedade, Campinas, 1:135-62, 1992. 179-80.
56 O P A Í S O OS TA P U 1 AS O PAÍS DOS TA P U I AS 57
" nao fizessem vistas grossas as práticas estabelecidas nas regioes mais O escudo do período holandes, e das políticas indigenistas da Compa-
/

distantes do controle dos predicantes da Religiao Reformada, os prin- nhia das Indias Ocidentais, permite-nos melhor perceber que o proble-
cipais fiscais do cumprimento deseas disposi~oes. 1 9 No entanto, ciente ma do estabelecimento de rela9oes an1igáveis com as tribos indígenas,
das necessidades conjunturais, o próprio conde de Nassau reconhecia a visando a sua participa9ao no processo de coloniza9ao, relacionava-se
importancia de mancer cais aliados e alertava, em um relatório de 1644, diretamente coma demanda permanente de colonos para o povoamen-
que da amizade dos índios dependia em parte "o sossego e a conserva- to e, sobretudo, para o refor90 das tropas. Os mais conhecidos auxilia-
9ao da colonia do Brasil e que se tendo isso em visea deve-se-lhes per- res dos holandeses eram os potiguares da Paraíba, que marchavam sob
mitir conservar a sua natural liberdade, mesmo aos que no tempo do rei o comando de Pedro Poti (parente próximo de Filipe Camarao, gover-
da Espanha caíram ou por qualquer meio foram constrangidos a escra- nador das tropas indígenas do lado portugues) e de Antonio Paraupaba. 22
vidao, como eu próprio fiz, libertando alguns". Para além disso, ordens Para além disso, Nassau tratou de atrair tribos tapuias para urna alian9a.
foram dadas "para que nao sejam ultrajados pelos seus commmandeurs Os janduís, habitantes do Rio Grande, foram os principais aliados dos
ou alugados a dinheiro ou obrigados contra a sua vontade a trabalhar bacavos e já há tempos defendiam as conquistas do extremo Nordeste
nos engenhos; ao contrário, deve permitir-se a cada um viver do modo das invasoes de portugueses. 23 Os cariris e goianases foram cortejados
.
que entender e trabalhar on d e qu1ser, - " .zo o
como os d a nossa na~ao objetivando-se estabelecer dificuldades na fronteira dorio Sao Francis-
que escava em jogo era a preocupa9ao, das mais constantes da política co, apesar de alguns grupos dos primeiros serem aliados dos portugue-
dos holandeses no Brasil, de manteras alian~as comas tribos indígenas ses. A mando de Nassau, o holandes Roulox Baro empreendeu urna
do país, fosse para fins militares ou apenas de conserva9ao do domínio, viagem ao "país dos tapuias", visitando as tribos dos janduís situadas a
fosse mesmo para o servi~o da empresa colonial. 21 oeste da colonia. 24 O resultado destas alian9as holandesas far-se-ia re-
fletir no futuro dos conflitos entre os povos indígenas e os colonizado-
19 Para os signacários do Breve discurso sobre o estado das quatro cnpitrmins co11q11istadas res portugueses, quando da expulsao da Companhia holandesa do Bra-
(escrito no ano de 1638, em Recife), os moradores em geral divid_iam-se em livres ou sil. Como veremos, as guerras dos bárbaros foram em grande medida o
escravos. Os escravos podiam ser de crés cacegorias: da cosca da Africa, do Maranhao resultado imediato da desescabiliza9ao das alian9as militares firmadas
ou nacurais do Brasil Holandés. As duas úlcimas formas de escravidao, ainda segundo
o relacório, eram a permanencia de prácicas dos porcugueses, que comerciavam indí-
genas no Maranhao "como eles craficam em Angola", e, a se fi ar nas informa~oes, os de modo a nao terem motivo de queixa, nem até hoje manifestaram ncnhuma. /
brasilianos escravizados vinham de ser soltos pelas aucoridades holandesas. "Breve Procuramos por codos os meios prendé-los a nós, empregando as diligencias necessá-
discurso sobre o estado das quatro capitanias conquiscadas de Pernambuco, ltamaracá, rias, promete ndo a liberdade a coda a sua na~ao, conforme a tempos fizemos por coda
Paraíba e Rio Grande, sicuadas na parte secencrional do Brasil, escrito por J. ~L de a parte publicar em editais, come9ando com registrar todos os índios das diferentes
Nassau ' Adriaen van der Dussen e M. van Ceullen (1638)". In: J. A. Gonsalves de, tribos, livres e escravos, residentes com os portugueses, no dcsígnio de libertar e
Mello (ed.). Fontes para a história do Brasil Holandls. Recife, 1981 , vol. 1, p. 108. E mandar para as suas aldcias os desea regiao e aquelcs cujos senhores nao apresenta-
bom lembrar que o Maranhao era cido como urna colonia auconoma do Brasil. Havia rem título legítimo de propriedade". Btieve11 en Papieren uit Brazilie, an no 1638, n.º
sido conquistado pelos holandeses em novembro de 1641 , que se aproveicaram da 20, p. 44v. citado por Alfredo de Carvalho. "Um intérprete dos tapuios". In: Aventu-
ingenuidade do governador Bento tvfaciel Parence desprevenido porque confiante ras e ave11t11reiros 110 Brasil. Rio de Janeiro, 1929, p. 165.
no acordo de paz entre as metrópoles. zz A correspondéncia entre eles, por sua raridade, é documenta~ao importantíssima para a
20 Relacório do Conde de Nassau aos Heere11 XIX, apresencado em 27/9/1644, citado por ctno-história dos pavos indígenas. "Dois índios notáveis e parentes próximos (carcas
J. A. Gonsalves de Mello Neto. Tempo dos flamengos. Recife, 1947, p. 200. Até urna de Poti e Camarao)". Edi~ao e erad. port. Pe dro Souto Maior, RIAP, 26:61 -72, 1912; e
asscmbléia da índios aliados foi organizada em 1645, onde re ivindicavam, entre ou- "Carcas tupis dos Camar5es". Trad. port. Alfredo de Carvalho, RfAP, 68:281-305, 1906.
tras coisas, a forma~ao de urna camara de escabinos. "Urna assembléia de índios ef!l 23 Joan N ieuhof. Memorável viagem marítima e terrestre ao Brasil, ( 1682). Trad. port., Belo

Pernambuco cm 1645: documento inédito". Edi~ao e erad. port. Pedro Souto Maior, Horizonte/Sao Paulo, 1981.
24 A expressao "País dos Tapuias" é de Rouloux Baro, que viajou ao Rio Grande do Norte
RIAP, / 5:61-77, 1912.
21 Em um relatório, os membros do Conselho Supremo do Recife explicavam estes para entender-se com tribus de índios janduís (tarairu). Para ele, no encanto, o "País
procedimentos que abonavam a paz: "Qyanto aos índios emprega-mo-los o mais pos- dos Tapuias" quer significar a específica regiao onde "reina" o chefe Janduí. Rouloux
sível em proveito da Companhia [das Indias Ocidentais] e nao poupamos esforyos Baro. Relorao da viugem r10 país dos 1ap11ias (1647). Trad. port., Belo Hori zonte/Sao
nem dcspesas para atrair o maior número deles, tratando-os com coda a considera9ao Paulo, 1979; veja ainda J. A. Gonsalves de Mello Neto. Tempo dos f/amengos, p. 202.
e premiando os seus servi~os muito mais generosamente do que os nossos inimigos,
58 O P A Í S O OS TA P U 1 AS O P A Í S O OS TA P U 1 AS 59
" no período mais agudo do conflito Portugal-Holanda e do realinhamento des obstáculos colocava aos caminhos do colonizador, fazia-se necessá-
conseqüente <lestes mesmo grupos. rio conseguir a colabora~ao dos íncolas, com ou sem o seu assentimen-
Afirmar que havia urna preocupa9ao de engajar os indígenas numa to. Certamente, nunca em seu proveito.
empreitada colonizadora, como povos aliados e integr~dos - con.vé~ Desde Joao Francisco Lisboa, 28 tem-se insistido na idéia de urna le-
repetir - , nao significa, mesmo entre os holandeses, d1zer que os 1nd1- gisla9ao indigenista oscilante e ambígua, que encobria urna política que
genas foram poupados da escraviza9ao e do genocídio. Como ;e ~abe, ora atendía aos interesses dos colonos, ora aos dos missionários. Aque-
ao conquistarem o Maranhao em fins de 1641, alegando a ausencia de les procurando o puro lucro mercantil e, portanto, a escraviza~ao dos
escravos negros, os flamengos se viram na "contingencia de usar o ín- indígenas, e estes, a sua conversao e catequese, e , entao, de fendendo
d io, constrangendo-o ao trabalho" .25 E a "guerra pelo mercado de es- sua "liberdade". Caio Prado Jr., por exemplo, partilhava desta crenva.
cravos" ao desestruturar o tráfico negreiro para o Brasil portugues, fez Acreditava que a Igreja (a Companhia de Jesus, particularmente), ao
recrude,scer o tráfico de indígenas, particularmente nas capitanías do isolar os indígenas e tentar monopolizar o direito de contato, aca bava
Sul. N as palavras de Luiz Felipe de Alencastro, "o mercado de traba- por entrar em choques constantes com os colonos. A Metrópole teria
lho compulsório montado pelos paulistas no Sul aparecía, literalmente, assumido nestes conflitos entre a Companhia e os colonos urna posi9ao
como a salva9ao da lavoura baiana".26 Por outro lado, a leitura dos do- ambígua e oscilante, em razao de sua incapacidade em impor o próprio
cumentos relativos as diversas batalhas e escaramuvas ocorridas nas di- projeto - o índio como colonizador. 29 Mais recentemente, José Osear
tas "guerras holandesas" nos tem mostrado que os índios estavam sem- Beozzo via um "movimento pendular" na legisla9ao, alternando-se leis
pre presentes compondo a maioria das tropas e exércitos. Por exemplo, de escravidao, articuladas com os interesses mercantis, e leis de liber-
a própria tropa de negros de Henrique Días era, em 1646, formada por dade dos índios, associadas a vontade de dilatavao da fé. Assim, os je-
500 negros, 200 minas e 700 tapuias. 27 Nas escaramuvas e batalhas das suítas, quase sempre, lutariam por urna lei restritiva do cativeiro, contra
"guerras do Brasil", eram sempre os índios os primeiros a serem passa- a sanha dos colonos "capitalistas" .3° Contudo, podemos perceber que a
dos no fío da espada e os últimos a serem considerados nos acordos de dualidade da política indigenista da Coroa portuguesa nao configurava
guerra. Lusos e batavos disputavam a alian9a com os índios que, nos propriamente urna oscilavao. Com exce9ao da lei de 1609, logo abor-
seus matos, se tornavam soberanos. Para penetrar e fazer a guerra neste tada, esta política procurava regulamentar e legitimar a escravidao de
difícil am biente - onde "tudo sao índios, e rudo é dos índios" , como pOVOS situados na ambito do Jmpério e inscrevia-se numa tradi'):aO
dizia o padre Antonio Vieira-, que, ao contrário ?ºmar Oceano, gran- legislativa que se embasara, antes de mais nada, em urna percep9ao
disjuntiva do universo indígena. Aprote<;ao e ao privilegio da atua'):ao
dos missionários somava-se a iniciativa de conquista e extermínio de
zs Mário Neme. Fór11111/ns polfticns 110 Brasil Holandes, p. 189.
Z6 "Hiscoriadores paulistas sempre afirmaram que a maioria desees índios fora vendida
grupos indígenas considerados "bravios" ou irredutíveis. Sao ambigüi-
em zona a~ucareira do Norte. Rebate ndo estas teses, John ~ifonteiro demonstra que dades aparentes de urna legislavao que se forjava no bojo de um projeto
o grosso dos cativos oriundos do S u! e S udoeste foi usado nos trigais, ro~as e transpor- colonial conduzido por urna política imperial. Fazendo as contas, é im-
te de Sao Paulo. Somente um número indete rminado, mas necessariamente menor, portante notar que o debate sobre a guerra justa nao pode ser tomado
de índios teria sido puxado pelos engenhos flumine nses e nordestinos para tapar os
huracos do trato cransatlantico [... ]. Ainda assim, existe urna rela\:ªº de causalidade
entre as bandeiras ao Guairá-Tapes e o desacerto temporário do fluxo negreiro". Os zx Para quem a política indigenista da Coroa foi "urna série nunca ince rrom pida de he-
/uso-brasileiros em Angola: constituifiio do espaco economico brasileiro no Atlántico Su/, 1550- sita9oes e contradi~oes até o ministério do marques de Pombal", em que "promulga-
1700. Campinas, 1994, p. 86 e 88. Veja também John Manuel Monteiro. Os negros da va-sc;, revogava-sc , transigía-se, ao sabor das paixoes e interesses em voga, e quando
terro. Sao Paulo, 1993, p. 76-9. enfim se supunham as idéias assentadas po urna vez, recoma9ava-sc com um novo
z7 A d istin~ao e ntre "negros", "minas" e "tapuias", pode indicar q ue os "negros" eram ardor a reía interompida" . l or"al de Timon. Lisboa, 1858, v. 3, cap. 9, p. 85. Apud:
"da terra", isco é, índios brasileiros tupis e nao tapuias, considerados povos insubmissos. Heloisa Liberalli Belloto. "Política indigenista no Brasi l Colonial, 1570- 1750". Revis-
Oaí termos no batalhao "negro" de Henrique Dias, neste episódio, 1.200 indígenas to do Instituto de Est11dos Brasileiros, Sao Paulo, 29:50, 1988; veja cambém Georg
lutando ao lado de 200 negros africanos. "Carta de Vieira a alguns comerciantes do T homas. Política i11dige11ista dos p01tugueses no Brasil. Sao Paulo, 1982, passim.
Brasil ( 12/9/1646)". Compilada ern Joan Nieuhof. Memordve/ viogem ma1iti111a e terres- 29
Caio Prado Júnior. Formapio do Brasil contemporáneo, Sao Paulo, 1943, p. 85.
tre no Brasil, (1682). Trad. port., Belo Horizonte/Sao Paulo, 1981, p. 299. 30
Leis e regimentos das Missifes -polftica indigenista no Brasil. Sao Paulo, 1983, p. J 1-7.
60 O P A Í S O O S TA P U 1 A S O PAÍS DOS T A PUIAS 61
~ como "urna luta pela justic;a", em que se opunham defensores dos ín- a política indigenista portuguesa no século XVIII, moscrou a correla-
dios contra os cruéis escravistas, mas antes de mais nada como "urna c;ao que existía entre a definic;ao da área de domínio portugues e o es-
busca de Jegitimac;ao (no sentido weberiano do termo)", nas palavras treitamento dos lac;os de vassalagem com os povos nativos. É o "peso
de Pagden. 3 1 Apenas a primeira vista contraditória e oscilante, a legisla- político-estratégico" atribuído aos índios que definiria a "oscilac;ao" da
c;ao indigenista portuguesa, que por vezes autorizava a escravizac;ao dos legisla9ao portuguesa. 35 A bipolaridade tupi-tapuia, marca fundamen-
povos indígenas (em caso de "guerra justa" ou "resgate") e por vezes a tal da percep9ao da diversidade dos povos indígenas pelos colonizado-
coibia, era na verdade o resultado da percepc;ao das possibilidades de res, escava no cerne desta problemática, representando o corte entre
utilizac;ao da diversidade sociocultural dos povos autóctones e das pos- aliados e inimigos, nao só no imaginário, como nos contextos concretos.
sibilidades históricas do contato para a consecuc;ao dos objetivos con-
cretos da empresa colonial. Beozzo, ele mesmo, mostra como Nóbrega O "muro do demonio"
"passa de urna a oucra visao", sem perceber, no en tanto, que se tratava
da mesma. Assim, o primeiro dos jesuítas no Brasil pedía a intervenc;ao Essa classifica9ao originara-se das cronicas e documentos resultan-
do monarca para que estimulasse a sujeic;ao dos índios, para o auxílio da tes dos primeiros contaros, nos quais se repetiam os preconceitos e va-
missao evangelizadora: "Se os quer [os índios] todos convertidos, man- gas hipóteses que iriam produzir urna percepc;ao bipolar da humanida-
de-os sujeitar e deve fazer estender aos cristaos pela terra adentro e de indígena na América portuguesa. Podemos identificar esta distin9ao
repartir-lhes os servic;os dos índios aqueles que ajudarem", aconselha- nas primeiras considerac;oes acerca dos nativos encontrados pelos aven-
va.32 Urna representac;ao do final do século XVII, criticava justamente a tureiros que chegaram as costas da futura colonia do Brasil, no início
missiona9ao, que vinha sen do feíta com intenc;·oes nada "católicas". De dos Quinhentos. Como se tem conhecimento, eles depararam com po-
acordo com seu autor, os verdadeiros missionários foram os apóstolos, vos indígenas que falavam, praticamente, a mesma língua: o tupi. Gan-
que nao tinham terras, nem rendas, nem propriedades, "e nao aqueles davo escreveu em sua História da Provfncia de Santa Cruz, publicada
que, com título de servigo de Deus e bem das almas, andam procuran- em 1576, que "a língua que usam por toda a costa é uma", 36 mas notou
do terras e mais cerras, com o pretexto de que sao para os índios. O ainda que estes indígenas estavam divididos por ódios inconciliáveis
,, . . .
título é santo: o intuito é diabólico; porque com Seu nome se procuram em vanos grupos que ocupavam 1nterm1tentemente a enorme exten-
as terras e os índios, para se servirem deles como seus escravos, para sao do litoral. Os colonizadores, de forma astuta, serviam-se deseas di-
todas as su as lavo u ras, comércios, negócios e granjeios". 33 visoes para coordenar urna política de domina9ao do território e das
Como sugeriu Beatriz Perrone-Moisés, a idéia de urna legislac;ao "t0r- popula96es autóctones - estratégia levada a cabo pelos portugueses,
tuosa e crivada de contradic;oes" deve ser substituída por urna percep- franceses e holandeses. No entanto, sua relativa homogeneidade lin-
c;ao das diferenc;as com que eram tratados os grupos indígenas conside- güística e cultural logo permitiu aos colonizadores organizar sua per-
rados aliados, isto é, compreendidos como participantes das estratégias cepc;ao em categorías que por muito tempo iriam persistir. Assim, des-
da consolidac;ao do domínio, e aqueles considerados inimigos, ou seja, de os primeiros contaros entre os europeos e os povos indígenas que
que se recusavam aquela estratégia ou, simplesmente, foram destina- habitavam o território da nova colonia, desenhou-se urna classifica9ao
dos ao trabalho forc;ado. Assim, como diz a antropóloga, "a diferenc;a das suas diversas "castas" que repousava, de maneira quase que exclu-
irredutível entre «índios amigos» e «gentío bravo» correspondeu um siva, na identidade lingüística.
corte na legislac;ao e política indigenistas" .34 Nádia Farage, estudando Ao que consta, o termo tapuia foi utilizado primeiramente pelo mes-
mo cronista Gandavo, .q ue assim denominou urna tribo específica de
índios que habitavam perro do "río Maranhao da banda do oriente", e
31
Anthony Pagden. La caída del hombre natural. Madri, 1988, p. 18.
32
Ibíde m, p. 15.
35
33
RJHGB, XXV:459-64. As mura/has dos sertiJes. Os povos indígenas no rio Bronco e a co/onizactio. Río de Janeiro,
34 Beatriz Perrone-Moisés. "Índios livres e índios escravos. Os princípios da legisla~ao 1991, p. 41-2.
36
indigenista do período colonial (séculos XVI a XVIII). In: Manuela Carneiro da Cu- Pero de Magalhaes Gandavo. História da província de Santa Cn1z (1576). Belo Hori-
nha (org.). História dos índios no Brasil. Sao Paulo, 1992, p. 117. zonte/Sao Paulo, 1980, p. 122.
62 O P A Í S O O S TA P U l A S O PAÍ S D OS T AP U I AS 63
,.
que seriam da mesma nac;ao dos aimorés, "ou pelo me~os irmaos em do como um me io para a comunicac;ao e a propaganda da fé, o tupi foi
armas" .37 Entretanto, mais tarde, "tapuia" passou a designar um con- estudado com interesse pragmático. Se os jesuítas tinham em vista, an-
junto de tribos que, apesar de heterogeneo, era percebido, pe lo esque- ees de mais nada, um propósito utilitário, a sistematizac;ao objetivava
ma classificatório, como portador de trac;os de identidade. A grande dis- garantir a comunicac;ao, "daí a tendencia para deixar de lado tudo aqui-
tinc;ao originava-se da observac;ao de que os povos que habitavam ao lo que atrapalha muito e nao prejudica, por sua falta, essencialmente a
longo da costa "te m urna mesma língua que é de grandíssimo bem pa~a comunicac;ao" , escreveu Mattoso Camara. 42 Todavía, como mostrou
a sua conversao", nas palavras do Anchieta. 38 Seriam assim povos cuJa Christian Duve rger, a decisao estratégica de recorrer as línguas indí-
identidade estaria associada a língua geral, como os jesuítas chamavam genas nao <leve ser entendida como urna simples escolha pragmática
0 "tupi universal" que inventaram. Por outro lado, observou Anchieta, <litada pelas necessidades de comunicac;ao. E scudando a iniciativa mis-
"pelos matos há diversas nac;oes de outros bárbaros de diversíssimas sionária dos franciscanos na Nova Espanha (México) colonial, o antro-
línguas a que estes índios [os carijós, tupis] chaman1 tapuias" .39 Apes~r pólogo mostra que a escolha de utilizar a língua nativa passava pela idéia
de alguns dos primeiros jesuítas já apontarem para outras característi- de constituir o grupo missionário com urna espécie de "marca de dis-
cas, como, por exemplo, o fato de alguns destes tapuias nao comerem tin9ao". Assim, os missionários tomavam urna cerca distancia da his-
carne humana, a distinc;ao lingüística foi a mais importante, e funda- panidade, no caso, e nao apareciam aos indígenas como "agentes da
mentava-se na estratégia de catequizac;ao por eles definida. Ao lado da potencia colonizadora, mas como urna religiao autónoma" .43 Salvo en-
inegável semelhanc;a de todos os dialetos tupis, o agrupamento das di- gano, poderíamos bem utilizar estas soluc;oes para o caso brasileiro. Aquí,
versas "castas" resolveu-se na necessidade homogeneizadora que os no encanto, a própria administrac;ao colonial estava orientada a estimu-
primeiros missionários viam para lidar com os grupos nativos. Tratava- lar a vulgarizac;ao do conhecimento da "língua geral" e outras ordem
se de entender para transformar, compreender as culturas indígenas para religiosas deveriam seguir tal resoluc;ao. Os capítulos 21 e 22 do regi-
substituí-las pelo Evangelho. mento do governador-geral Roque da Costa Barrero, de 1677, recomen-
Os jesuítas, desde cedo, determinaram que a catequese, ou a con- davam e até ordenavam que se imprimissem vocabulários.44 Em carta
quista das almas, seria mais facilmente realizada se usassem da língua de janeiro de 1698, el-reí autorizava aos padres carmelitas descalc;os que
dos naturais. Assim, a Gramática da Língua mais Usada na Costa do Bra- catequizassem na língua dos índios para que "primeiro entendam os
sil, escrita por Anchieta e já utilizada em manuscrito no Colégi~ da Bahia mistérios da fé na sua, e que depois se doutrinem na nossa, para que no
no ano de 1556, acabou sendo impressa em 1595. Segundo a hcenc;a de meio do tempo de a saberem nao percam o fruto" .45
Agostinho Ribeiro, o livro "serviría muito para melhor instruc;ao dos Nao obstante, esta estratégia dos jesuítas de valorac;ao da "língua
catecúmenos e aumento da nossa cristandade daquelas partes e para geral" encontrava opositores no seio da Igreja mesmo. O hispo D. Pedro
com mais facilidade e suavidade se plantar e dilatar nelas nossa Santa
Fé" .4º O tupi, ou língua geral, que os missionários aprenderam e sist~­
matizaram, era justamente urna língua franca. 41 Dessa forma, entend1- sos". Lu ís F clipe Baeca Neves. O combate dos soldarlos de Cristo na /erra dos papagaios;
co/011ialis1110 e repressao c11/tural. Rio de J aneiro, 1978, p. 146-7.
42
O autor indica, também, que os missionários estavarn sob influencia dos estudos
lingü ísticos de seu tempo. Na época, entendia-se q ue e ra desejável urna identidade
37 Ibidern, p. 140. . escrutu ral das línguas do mundo, que resultaría em urna gramática geral. Assi m, utili-
3l! José de Anchieta. "lnforrna9ao do Brasil e de suas capitanias (1584)" . In: Cartas, m- zaram-se d a cstrutura da língua latina (que aproximavam deste ideal) e dessa maneira
fonnaroes, fragmentos históricos e sennoes, Belo Horizonte/Sao Paulo, 1988, p. 31O. disciplinaram o tupi, pensando em oferecer a'os índios urna "língua melhor" e cerca-
3'1 Ibíde m. mente mais apea a comunica9ao dos bons coscumes. J. Maccoso Camara Jr. lntroducao
40 José de Anchieta. Arte da grammática da lingoa mnis usada na costa do Brasil. Coimbra, as línguas i11dfge11as brasileirns. Rio de J aneiro, 1965, p. 1O1-2.
43
1595. La co11version des indie11s de No11velle Espagne. Paris, 1987, p. 169.
44
41 "E afastemos de pronto a idéia de que a «língua geral» era urna demonstra9ao de Regimento de Roque da Cosca Barreco, 23/1/1677, publicado em Joao Alfredo Libanio
profundo respeico cultural as tradi<;oes indíge nas; a «língua geral», aoque se sabe, ~ra Guedes. História administrativa do Brasil. Río de Janeiro, 1962, vol. IV, p. 188 e cam-
urn amálgama de línguas indígenas, sornadas ao portugues do século XVI e ao l~c~m bém nos DH, 6:353.
45
- nao há «língua geral» real entre as cradi9oes diferentes que enconcraram os rehg10- "Informa9ao geral da capitania de Pernambuco". ABN, 28:385, 1906.
64 O PAfS f) O S TA P U 1 A S O PAÍ S f) O S TA P U 1 A S 65
,.
Fernandes Sardinha, que seria morto e comido pelos caetés, repreen- bitantes das cerras interiores da regiao Nordeste era compreendida, en-
deu até cerco ponto os jesuítas porque nao acredicava ser correto usar a cao, como um mundo da alteridade em rela~ao ao universo tupi. Anchieta
língua dos naturais. Nóbrega e o missionários utilizavam-se, na verda- acreditava que o nome "tapuia" queria dizer "escravos, porque todos
de, além da língua, de ricos, nomes, referencias e mitos próprios dos os que nao sao de sua na9ao tem por tais e com todos tem guerra";49
indígenas para alcan9ar seus objetivos. Mas o hispo reclamava que, se desse modo, a polaridade tupi/tapuia já quería, também, mostrar o des-
nao convertidos totalmente a civiliza9ao crista, os índios nao poderiam tino que a coloniza9ao e a catequese haviam estabelecido para os gru-
ser salvos. Aprender o porcugues era, assim, condi9ao necessária, "por- pos indígenas: ou tornarem-se escravos, ou cristaos aldeados pelos je-
46
que enquanto o nao falarem, nao deixam de ser gentios nos costumes" . suítas. Simao de Vasconcelos, em sua Cronica da Companhia de Jestts,
Mas os jesuítas nao abririam mao da sua inten9ao. Nóbrega havia escri- publicada em 1663, dizque aquelas gentes, que "se afirn1a terem peno
to já no primeiro ano de sua chegada, em 1549: "Ternos determinado ir de cem línguas diferentes", "sao inimigos conhecidos de todas as mais
viver com as aldeias, como estivermos mais assentados e seguros, e na96es de índios: com estas, e ainda com algumas das suas, trazem guer-
aprender com eles a língua e ir-los doutrinando pouco a pouco" .47 "Em ras contínuas. E desea tao conhecida inimizade lhe veio o nome de
meu nome expulsarao os demonios; falarao novas línguas"' nao havia tapuia, que vale o mesmo que de contrários, ou inimigos" .so
dito o próprio Cristo, que mandara os apóstolos pregar? A partir da segunda n1etade do século XVII, outro elen1ento impor-
Da atitude dos inacianos nasceu urna postura importante para a defi- tante para a caracteriza9ao dos bárbaros como infiéis, e nao mais como
ni9ao daquela polaridade que nos interessa aquí. Mattoso Camara, luci- gentios, era a percep9ao de que as alian9as dos grupos janduís com os
damente, percebe que a medida que aprofundavam o conhecimento holandeses e a conversao de alguns deles a fé reformada era um feno~
do tupi e aproximavam-se do entendimento dos costumes e da cosmo- meno de amplas propor96es. Presumia-se ainda que grande parte das
logía desees povos - cujo interesse escava, repito, na propaga~ao da fé na9oes tapuias, retirada para o íntimo dos sertoes na ocasiao da derrota
- , os jesuítas passaram a desprezar as outras línguas, tal como o faziam dos holandeses ( 1654), mantinha con tatos com os estrangeiros e pode-
os portugueses e os próprios tupis. Desconsideradas como objeto (ins- ria, com eles, cavilar urna recupera9ao do Brasil. Esca era, sem dúvida,
trumento) da catequese ou da coloniza9ao, as línguas outras foramen- urna das maiores preocupa9oes da Coroa e dos governantes coloniais.
tendidas num todo genérico e indefinido a que se imprimiu - como Com efeito, urna das causas indicadas para o levante dos índios na ri-
o faziam os tupis - o nome de "tapuia", isto é, "aqueles que falam a beira do A9u era a comunica9ao entre estes índios rebelados e os es-
língua travada": a barbaria.48 A imensa heterogeneidade dos povos ha- trangeiros, notadamente os holandeses.si Um memorial que acamara
de Natal endere9ou ao rei em 2 de julho de 1689 explicava que a
navegabilidade do A9u permitía que grandes navios de "piratas do nor-
4'' Citado por Américo Jacobina Lacombc. "A lgreja no Brasil Colonial". In: S. B. de
Holanda (org.). História geral da civilizapio brasileira. Sao Paulo, 1968, vol. 2, p. 59.
47 "Carca ao padre l\tlescre Simao Rodrigues de Azevedo, 1549". In: Manuel da Nobrega.
Cortas do Brasil. Belo Horizonte/Sao Paulo, 1988. Em 1773, o pe. Manuel da Penha pequena, ou talvez de tob, folha, com algum outro sufixo, notando-se que neste caso
do Rosário, escreveria suas QuestiJes Apologéticas para " mostrar que em nada peca o nao deixa de ter conexao com tapuol, folha (ú chileno soa como y guarani) em chili-
pároco que na língua vulgar dos índios os instrui espiritualmente, nao sabendo eles dugu". Fernao Cardim. Tratados da terra e gente do Brasil (1590). Sao Paulo/ Belo H o-
nem e nte ndendo a portuguesa". Documento transcrito e publicado por José Pereira rizonte, 1980.
49
da Silva. "Língua vulgar versus língua portuguesa". ABN, 113:7-62, 1993. José de Anchieta. " Informa9ao do Brasil e de suas capitanias (1 584)". In: Cartas, in-
411 Vale reproduzir a nota do tupinólogo Batista Caetano para o Tratado de Cardim: fo1111n;oes, fragmentos históricos e sen11oes, p. 31 O.
50
"Tnp11ya. É o nome genérico com que no Brasil os íncolas aliados aos europeus desig- Simao de Vasconcelos. Cro11ica da Companhia de Jesus (1663). Petrópolis, 1977, vol. 1,
navam as hordas adversas e principalmente as que nao falavam a língua geral. Anchieta p. 109.
escreveu Tapiia, Figueira, Tapyyia (o bárbaro), diferente de taprúa (a choupana), G. 51
Somava-se a prcsen9a real de urna ou outra nau de piratas, a provável repercussao da
Días, Tapuya e Tapyiya, dr. Fran\:a, Tapyyia, G. S. de Sousa, taprúa, S. de Vasconcelos, ida de Antonio Paraupaba a Holanda para pedir auxílio contra os portugueses. Com
Tapuya, Porto Seguro, Tapuy etc. Nos Anais da Biblioteca Nacional, consideramos efeit0, o governador dos potiguares fiéis aos bacavos apresentou aos Estados Gerais
composto detnpy-eyi, dos comprados, dos aprisionados, dos cativos e récua ou chu~ma; dois memoriais, um cm 1654 e outro em 1656, onde resumía um histórico dos servi-
mas ve-se que pode ser também taba-eyi, a récua, a plebe do povo, notando-se amda 9os prestados por sua gente e pedía auxílio. Foram traduzidos e publicados por Pedro
que há o termo tapyi, cho~a, cabana que pode ser alterado de tog-pii ou to-pi!, casa Souto Maior. "Fastos pernambucanos". RIHGB, 75:428-32, 1912.
66 O P A Í S O O S TA P U 1 A S O PAÍS DOS TAPUJAS 67
" te" ali pousassem para comerciar. Supunha-se que estes se comunica- publicado no ano de 1587. Neste texto, o cronista estabeleceu, "segun-
vam comos tapuias, "fomentando-os para os levantamentos" .52 Apesar do informa96es que se tem tomado dos índios muito antigos", que os
de haver vários indícios e testemunhos de que aqueles continuavam primeiros habitantes da Bahia foram os tapuias, "casta de gentío muito
zanzando pelas costas, procurando portos seguros para fazer aguadas e antigo" . Estes teriam sido lan9ados fora da terra por outro gentío, seu
comerciar com os nativos, esta teoria recorrente de urna conspira9ao conrrário, "que desceu o sertao, a fama da fartura da terra e do mar des-
batava era mais urna tentativa de justificar o cativeiro dos índios, por ta província, que se chama tupinaes". Alguns anos depois, "chegando a
meio da declara9ao de urna guerra justa. Segundo o autor anónimo de notícia dos tupinambás a grossura e a fercilidade desta terra, se ajunta-
um papel "sobre as razoes que há para se fazer a guerra aos di tos tapuias" ram e vieram d'além do rio Sao Francisco descendo sobre a cerra da
(1691), esta na9ao de índios "tem dado palavra e feito pacto como ho- Bahía" , da qual se tornaram senhores. Segundo Gabriel Soares de Sou-
landes, de que tornando a terra se meter com ele logo em oposi9ao dos sa, este relato foi tomado dos tupinambás e tupinás, "em cuja memó-
portugueses". Con10 urna nau grande e um patacho holandeses haves- ria andam estas histórias de gera9ao em gera9ao". 56 Mais de um século
sem entrado no A9u, dizia que estes "saltaram em terra e renovaram a depois, em 1716, podemos verificar na notícia de José Freire de Mon-
paz, trato e uniao que no tempo da guerra" tinham comos tapuias. Desse terroyo !v1ascarenhas a reprodu9ao desta tese. 57 Já no século XIX, em
modo, os tapuias levantados diziam para seus aliados que "logo o ho- sua Corografia Brasflica, Aires do Casal endossa a informa9ao do cronis-
landes havia de vir a tomar a terra", e desde en tao come9aram "a tratar ta dos Quinhentos inserindo uns desconhecidos antecessores, os "anti-
mal aos brancos e pretos que os portugueses tinham pastos em seus gos quinimuras, prin1eiros povoadores memoráveis do contorno da en-
currais, e a passar palavra a todos os de sua na9ao para em um mesmo seada de Todos os Santos". 58
tempo em ocasiao de enchente dos ríos, darem de repente, cada um Entao considerada informa9ao cerca e segura, a notícia desta migra-
em su~ própria instancia sobre os pastores e gado, como fizeram" . \:ªº pré-cabralina repetiu-se por lugares incontáveis. Mais recentemen-
53
.
Finalmente, um terceiro elemento importante na abstra9ao da d1- te, a idéia de que os tapuias eram habitantes ancestrais somou-se aos
versidade social dos pavos nao tupis era a sua situa9ao geográfica. preconceitos cientificistas do século XIX e XX que queriam ver urna
Jaboatao, na metade do século XVIII, tinha por tapuias todas as na96es ascendencia cultural e histórica dos povos tupis: Antonio Borges dos
numerosas que se dividiam em "perto de um cento de línguas diferen- Reis, em conferencia lida em maio de 1900 no Instituto Histórico e
tes, e por conseguinte outras tantas espécies deles", e que eram "mais Geográfico da Bahía, dava a informa9ao validade de "última verdade
afeicoadas as entranhas das brenhas e centro dos sertoes". 54 Na mesma épo- científica", apesar de trair-se em um momento, ao afirmar que era co-
ca na "Informa9ao Geral da Capitanía de Pernambuco", definiam-se nhecida "de longa tradi9ao". Para ele, a notícia da ancestralidade dos
os,tapuias justamente pelo seu plurilingüísmo e pelo contexto territorial. tapuias, como primitivos habitantes do Reconcavo, permitía concluir
Eram "os naturais da terra que vivem no sertao e nao falam urna língua que eram estes os descendentes dos antigos homens originários da La-
geral, senao cada na9ao a sua particular". Em oposi9ao, estavam os
"cabocollos" (caboclos), que eram os "que moram na costa e falam lín- 56
Gabrie l Soares de Souza. "Tratado discriptivo do Brasil, em 1587". RIHGB, XIV:Z77-
gua geral" .55 Esta oposi9ao entre os povos do interior e os do litoral 8, 185 1.
57
estava, por sua vez, baseada em urna notícia da dinamica das migra96es " F oram os ta puyas os primitivos habitantes deste grande país. A fertilidade dele o
indígenas, difundida desde o século XVI. A mais antiga informa9ao so- fez inundar de outras na~oes bárbaras; primeiro dos tupinaes; depois dos tupinambás;
bre estas migra96es é devida ao tratado de Gabriel Soares de Sousa, sendo uns e outros do centro do Sercao; a despojá-los das cerras que dominavam;
ocupando os últimos as vizinhan~as da marinha, pouco a pouco foram mantendo pela
terra adentro os prime iros". Os orizes conquistados. Lisboa, 1716, p. 3.
511
Sl rvtemorial da camara de Natalªº rei, 2/7/1689, IHGRN, caixa 65, livro 2, fl. 129. A e les teriam sucedido "os tapuias pouco depois expulsos pelos tupinds vindos do
sJ Sobre os capuias que os paulistas aprisionaram na guerra e mandaram vender aos sercao, para onde se retiraram os segundos, que jamais cessaram de inquietar aos seus
moradores do Porro do ~1.ar, e sobre as razoes que há para se fazer a guerra aos ditos vencedores. Os t11pina111bás, senhores de ambas as adjacéncias do río S. Francisco,
tapuias (1691), Ajuda, 54 XIII 16, fl. 162. .. . . fazcndo guerra aos 111pinás convizinhos, os dispersaram; e marchando ad iante, foram
54 Freí Anconio de Santa Maria Jaboatao. Orbe serafico novo brosrltco. Lisboa, 1761, d1- expulsar os conquistadores do Recóncavo, obrigando-os a procurar também o sertao".
gressao II, estancia 1, p. 7. O grifo é meu. Manuel Ayres do Casal. Corografia brasflica ou Rela;ao histórico-geográfica do Reino do
55 "Informa~ao gcral da capitanía de Pernambuco". AB1V, 28:483, 1906. Brasil (1 81 7), Sao Paulo, 1943, vol. 2, p. 84.
68 O PAÍS D O S 1' A P U 1 A S O P A Í S O O S TA P U I A S 69
" goa Santa e, portanto, confirmar a tese poligenista da autoctonia doho1no mente construída. Sao bárbaros aqueles assim considerados pelos "ou-
a1nerican11s. 59 Tese aliás defendida por Aníbal Machado, em seu A rafa u os" que podem ser integrados mais imediatamente a cristandade: os
do Lagoa Santo ainda no ano de 1941, e pelo próprio H.ondon, no prefá- rupis. Em outras palavras, se Montaigne dizia que "cada qual considera
cio ao livro de Lima Figueiredo! 60 Alfred Métraux, bem distante des- bárbaro o que nao se pratica em sua terra", <levemos considerar ainda
tas posturas cientificistas e racialistas, nao deixou de re prod uzir e acei- que a divisao entre tupi e tapuia compreendia urna no9ao de "dupla
tar con10 verídica a tese de Gabriel Soares de Sousa. Para o etnólogo, a barbárie", se assim podemos dize-lo: a integras;ao, ou aceita9ao abstrata
primeira migra9ao tupi de que ternos notícia deu-sc, provavelmente, dos tupis co-mo a humanidade a ser incorporada (e, portanto, como ele-
ao longo do século XV, e foi levada a termo pelos tupinás (identificados mento legítimo do lmpério cristao), implicava a inscri9ao do tapuia na
como tupis, sinónimo, de tobojara, tabura, tapiguae), que invadiram as barbaria. Mas a no~ao de alteridade somava-se o seu contrário, que é a
terras dos tapuias na regiao costeira da Bahía etc. Como se ve, repete- descoberta de urna nova humanidade no Novo Mundo. O processo de
se, entao, a primeira informas;ao, mas fundamentada, agora, numa aná- construs;ao da alteridade, e de identifica~ao do espa~o da barbárie, ca-
lise comparada da mínima diferencia9ao lingüística dos complexos tupi minhava parí passu ao de integra~ao dos novos membros. Afinal, nao se
e guaraní sornada a analise da cultura material, indicando urna separa- dominam povos porque sao "diferentes", mas, antes, tornam-se es tes
9ao relativamente recente - fato que, de certa maneira, acaba dando "diferentes" para dominá-los; esta tem sido um constante na história
crédito a hipótese do cronista. 61 Em verdade, a existencia desta migra- dos povos. 63 A constru9ao da diferen9a e a integra~ao por meio do do-
s;ao pré-colombiana específica encaixa-se na lógica religiosa do messia- mínio sao, portanto, as duas faces de um mesmo processo. Em um sen-
nismo tupi-guarani, tao bem estudado pela antropóloga Hélene Clastres, tido heraclitiano, a catequese, que é um esfor~o para conquistar ho-
o que, sem dúvida, pode dar valor ao testemunho de Gabriel Soares de me ns iguais para o seio da humanidade-cristandade, faz-se no mesmo
Sousa. 62 movimento de identifica9ao das diferen9as (a serem apagadas) e das
Do que foi visto, nos primeiros séculos da colonizas;ao o nome ta- semelhan~as (a serem afirmadas). Como mostrou Manuela Carneiro da
puia designava apenas um universo de diversidade que se definía, fos- Cunha, o projeto evangelizador da Igreja romana pretendia inserir esta
se por contraste coma própria identidade que os grupos tupis apresen- nova humanidade "na economia divina, o que implica inserí-la na ge-
tavam (ao menos no nível da relativa homogeneidade lingüística), fosse nealogía dos povos. Para isso, nao há solus;ao senao a da continuidade,
na prescri9ao de urna divisao geográfica estanque entre duas humani- sena o abrir-lhe um espas;o na genealogía dos povos". <>4 De fato, segun-
dades, a costa e o sertao. O termo "tapuia", portanto, nao poderío ser com- do Baeta Neves, a "descoberta da América" nao significava o "acha-
preendido como um etnónimo, mas sim co1no noftiO historicamente construída. mento de urna Alteridade Total", mas era entendida (pelos europeos)
Seu significado básico está associado a urna no9ao de barbárie dupla- como um reencontro com regioes que haviam se afastado física e espiri-
tualmente em dado momento; afinal, todos eram filhos de Deus: "A
59
«descoberta» é, antes, um conhecimento das partes até entao dobradas,
A. A. Borges dos Re ís. Os indígenas da Bahia. Salvador, 1916, p. 1-1O. ,
w A raen da lagoa Santa. Sao Paulo, 1941; e "Prefácio". In: Lima Figuciredo. Indios do
Brasil. Sao Paulo, 1939.
61 63
Alfred t\1étraux. la civilization motérielle des tribus 111pi-g11ara11i. París, 1928, p. 290-1; Carlos Rodrigues Brandao. ldentidade e etnia: co11stn1ciio da pessoa e resisli11cia pessoal.
e o estudo anterior " Les migrations historiques des Tupis-guaraní". Jo11r11el de la Sao Paulo, 1986, p. 8.
Société des Américanistes, Paris, 19, 1927. As migra~oe s tupi-guaranis no período pré- 6-1 "Imagens de índios do Brasil: o século XVI". Revista Estudos Ava11cados. Sao Paulo,
colombiano e , portanto, a ocupa~ao da costa brasileira por estes grupos, te m sido 1O:102, 1990. Lévi-Strauss moscrou recentemente que a "abertu ra para o outro" que
recente me nte discutidas em bases mais concretas, tal como a alternativa baseada na caracterizava, de maneira geral, a cosmologia e a sociologia dos povos ameríndios, era
intc rpre ca~ao de dados arqueológicos feíta por J. J. Proenza Brochado (An Ecologicol parce de explica9ao do mundo por um "modelo de dualismo em perpétuo desequi-
1J1odel o/the Spread o/ Pottery and Agric11/ture into Eastern So111h America, Urbana, 1984). líbrio". Viveiros de Castro, em artigo sem dúvida alguma brilhantc, analisou o "pro-
Este acredita numa orige m comum, "um nicho originário amazónico", de onde os b lema da descre n~a " entre os tupinambás para mostrar como "foram calvez os ame-
protoguaranis teriam rumado para o sul, atrvés dos ríos Madeira e Paraguai e os proto- rínd ios, e nao os europeus, que tiveram a «visao do paraíso» no dcsenconcro america-
tupinambás para a foz do Amazonas, seguindo encao a costa em dire~ao ao leste e, no". Claude Lévi-Strauss. História de lince, Sao Paulo, 1993 e Eduardo Vive iros de
depois, ao sul. Castro. "O mármore e a murta: sobre a inconstancia da alma selvagem". Revista de
(,z ]erra sem mal, o profetismo t11pi-g11arani. Sao Paulo, 1978. Antropología, Sao Paulo, USP, 35:21-74, 1992.
70 O PAÍS DOS T A P U 1 AS O P AÍS DOS T APU I AS 71
ocultas, de t,un mesmo mapa já há muito desenhado por urna só l'vfao".65 cravizados "porque esta na9ao dos tapuias é como um muro com que o
Porém, nao podemos perder de vista que a esta perspectiva integra- demonio impede a entrada dos pregadores evangélicos no interior do
cionista e universal do projeto da catequese católica (co1npelle eos introre) sertao, e m que os mais gentíos da América, quietos, vivero aldeados
sobrepunha-se a continuidade do corte típico da situa9ao de contato em seus territórios, de suas sementes e lavouras, [com] própria disposi-
nos marcos do etnocentrismo europeu. Na segunda metade do século \:ªº para a recep9ao do Evangelho e [para] serem instruídos na doutrina
XVII, no quadro das insurrei96es indígenas na fronteira sertaneja do da fé" .67
Brasil, o bárbaro seria, em suma, colocado mais além. O bárbaro era o
tapuia. Nesse sentido, a polaridade preponderante correspondía a urna A missiona~ao entre os tapuias
forma sutil do corte "cristandade e gentilidade". Sutil, porque se en-
tendía que, nos marcos do ecumenismo católico, a gentilidade se pu- o períodoposterior a insurreic;ao dos luso-brasileiros e a definitiva
nha de maneira privilegiada no espa90 da propaga9ao da fé, de modo expulsao dos holandeses foi um momento de reestruturac;ao da econo-
que sua brandura ontológica era, na, verdade, contrastada pela dureza mía devastada, de reordenac;ao, portanto, da própria a9ucarocracia e da
imaginada no universo da barbárie. E que, desde os primeiros momen- sociedade colonial. 68 Analogamente, as políticas de alianc;a comos gru-
tos dos descobrimentos, a expansao da fé caminhara de brac;os com o pos indígenas e a própria situac;ao desees também passaram por mo-
Império. Assim, como um outro componente - com certeza, de maior mentos de reordenac;ao, que resultaram num incentivo a missionac;ao
determinac;ao - , escava a idéia de império, entendido nao apenas como no sertao interior, cujo crescimento acompanhava de perro a expansao
a constru9ao da preponderancia portuguesa, no caso, mas como a ex- da pecuária. As guerras dos bárbaros, ou seja, os episódios relativos ao
pansao providencial, no sentido forte do termo, do espac;o criscao em Reconcavo Baiano ou a Guerra do A9u, fazem parte <leste contexto.
face da barbárie ímpia. Concep9ao que reatualizava as noc;oes clássicas Dois fatores foram fundamentais para sustentar as mudanc;as em curso.
de limes do período romano, mas as adequava ao processo de "demoni- Em primeiro lugar, os novos termos para a conservac;ao militar do domí-
zac;ao" da periferia do lmpério e, particularmente, dos povos ali habi- nio - urna vez que, se havia urna relativa garantía <liante dos inimigos
tantes.66 Como resumía, em 1691, o autor anonimo de um papel em externos, recentemente expulsos, a dinamica mais evoluída da socieda-
defesa da "guerra justa", estes povos deveriam ser conquistados e es-
européias trazidas pelos colonizadores era resultantes do relacionamento com popu-
65
Luís Felipe Baeta Neves. O combate dos soldados de Cristo na tetra dos papagaios. Río la9oes existentes em suas próprias fronreiras, acentuando assim os característicos me-
de Janeiro, 1978, p. 32. Anchony Pagden, escudando a origem da etnologia compara- dievais deseas no96es. Bárbaros, paganos, salvajes y primitivos. Barcelona, 1987. Nesse
tiva, mostrou como, no início da coloniza9ao, o encontro coma diversidade americana mesmo sentido, veja o artigo clássico de W. R. Jones. "1'he lmage of che Barbarían in
impressionou os europeus. Os primeiros naturalistas tiveram um certo problema em tvfedieval Europe". Comparative St11dies in Socief)• and History, 13 :376-407, 197 1.
67
ide ntificar e classificar a flora e a fauna do Novo Mundo, cujas qualidades !hes pare- "Praticamenre esta na9ao dos capuias, em todos os tempos e idades, como consta da
ciam por vezes complecame nce inesperadas. Concudo, quando se tracava de enten- tradi9ao do mesmo gentío, foi sempre o inimigo comum e adversário de rodas as
der a divcrsidade humana, as coisas eram ainda mais complicadas, pois "classificar ourras na96es da América, qua! lobo entre as ovelhas, e com a mesma sede insaciável
homens nao era como classificar plantas. Porque, ao considerar a sua própria espécie, de estragar e beber-lhe o sangue. E como inimigo comum, e horrível monstro da
o observador nao só tem de decidir o que está vendo, como também encontrar um naturcza humana, como o descreve o pe. Vasconcellos no Livro 2, §8 (hicverbis), um
lugar para ele em seu próprio mundo. Esta tarefa é mais urgente e mais difícil se o tapuia, corpo nu, couros e cabelos tostados de injúrias do tempo, habitador das bre-
observador está convencido, como estavam os europeus do século XVI, da uniformi- nhas, companheiro das feras, tragador de gente humana, armador de ciladas, um sel-
dade da natureza humana, urna cre n9a que requería que cada ra9a se ajustasse, den- vagem, e nfim, cruel, desumano, e comedor de seus próprios filhos, sem Oeus, sem
tro de urnas margens amplas, as mesmas pautas «naturais» de conduta". Anthony Leí , sem Rei, sem pátria, sem república, e sem razao. lsto posta quem dirá nao está
Pagden. La caída del hombre natural, Madri, 1988, p. 33. privado dos privilégios da Jei, e que nao está incurso em todas as posturas que conde-
M Sobre a "demoniza9ao" da Amé rica portuguesa, veja Laura de Mello e Sou:ta. O infer- nam um homem injusta a perpétuo cativeiro?". Sobre os tapuias que os paulistas
110 atld11tico: demonologia e colonizarño, séculos XVI-XVIII. Sao Paulo, 1993, p. 21-46. aprisionaram na guerra e mandaram vender aos moradores do Porto do Mar, e sobre as
Sobre o conceit0 do "bárbaro" e suas arricula90es com a teoría de escravidao natural razoes q ue há para se fazcr a guerra aos di tos tapuias (1691 ), Ajuda, 54 XIII 16, fl. 162.
resultante da leicura tom ista de Aristóteles, veja o excelente crabalho de Anthony <>X Veja o capítulo VIII ("A querela dos engenhos") do livro de Evaldo Cabra! de tvlello.
Pagden. La caída del hombre natural, Madri , 1988, p. 35-87. Joan Bestard & Jesús O/inda restaurada, p. 249-94 e o capítulo 4 ("A metamorfose da a~ u carocracia") do
Contreras procuram mostrar, em seu eclérico escudo, como as atitudes e institui9c)es Rubro veio, Río de Janeiro, 1986, p. 15 1-93.
72 O P A Í S O OS TA P U I AS O P A Í S O OS TA P U I AS 73
"' de colonial torna va ainda maior o perigo dos "inimigos internos", is toé, conside radas improdutívas, e também como patrocínio de urna série de
os índios rebeldes ou os escravos fugidos. O autor anónimo do já citado expedi96es exploratórias, en1 busca de meta is e pedras preciosas. 72
papel de 1691 prevenia "que os moradores de Pernambuco se acham Em segundo lugar, a maior diversidade das ordens religiosas envol-
ladeados, e quase cercados de dois grandes inimigos pela parte do sul vidas como os novos grupos indígenas contatados implicava a necessi-
com os negros dos P a lmares e pe la d o norte com os tapu1as. " .69 Ja, em
dade de se criarem mecanismos de controle e de internaliza9ao do pro-
1675, apoiando a missiona~ao e o povoamento do sertao por meio de cesso decisório na burocracia imperial. Nesse sentido, a constitui9ao de
aldeias de tapuias, Salvador Correia de Sá apontava para as utilidades urna Junta das Missoes de Pernambuco em mar90 de 1681, seguindo o
de poder enfrentar "os mocambos dos negros e mulatos fugidos que se exemplo da que fora criada para o Estado do Maranhao em 1655, deve
metem nessas terras despovoadas", assim como aos assaltos que os pró- ser compreendida como urna resposta do poder imperial as novas con-
prios tapuias fazem aos moradores. Em um longo voto feito em sepa- junturas, ou melhor, a complexifica~ao da atividade missionária. 73 Su-
rado para urna decisao do Conselho Ultramarino, o antigo governador bordinada a de Lisboa, a Junta era urna espécie de tribunal especial
do Rio de Janeiro defendía a generaliza~ao do modelo dos "padres consultivo dedicado a essa matéria, como eram os da Fazenda e Ultra-
capuchos" para a evangeliza~ao dos povos do serrao. Envolvidos coma mar, formada pelo governador, que a convocava, o bispo (ou, na falta, o
missiona~ao no Sao Francisco, os barbadinhos defendiarn e funda9ao vigário-geral), o ouvidor-geral, o provedor da Fazenda e os prefeitos das
de missoes nos sertoes entre "o gentío que nao quiser voluntário vir ordens religiosas da capitanía que possuíssem aldeamentos e missoes
para o mar". Argumentavam que seria de mu ita utilidade "se estender a entre os índios. O seu objetivo, segundo a carta régia que a criara, era
nossa comunica9ao e vassalagem para as notícias dos muitos haveres dotar o governo local de um mecanismo descentralizado do poder im-
que se entende há pela terra adentro, donde estes índios se conserv~m perial capaz de interceder na resolu9ao de conflitos e propor in loco
com o seu natural" . O exemplo do acerto desta estratégia eram as "In- medidas e políticas para as atividades missionárias e para o processo de
dias de Castela" e "o exemplo contrário, se [via] em toda a costa do ocupa~ao do sertao. 74 Na Bahía, onde a leí de 1611 havia criado o em-
Brasil que está despovoada de índios e com tao poucas notícias da terra
adentro que quase nao há algumas". Segundo Salvador se Sá, "este modo
de povoar" poderia nao apenas resolver o perigo eminente <lestes ini- n Hoornaerc falava de um "ciclo missionário" no Sao Francisco, iniciado na primeira
migos internos, como expandir o domínio portugues até as colonias de metade do século XVII e terminado por volta de 1700. Como o lc itor pode perceber,
Castela, "ficando só a raía [fronteira] no meio para o comércio, como estamos pensando em urna outra coisa. Eduardo Hoornaert. Histó1ia da Jgreja 110 Bra-
sil. Petrópolis, tomo 2, 1971, p. 62-75.
experimentamos nestes reinos, por ser todo aquele território unido com 73
A Junta das Missoes do Maranhao foi instituída por provisao de 9 de abril de 1655,
o nosso de Portugal e Castela [o sao]" .70 Alguns anos passados, ele repe- que alterava a de 17 de outubro de 1653. Segundo o biógrafo de Vieira, foi este que,
tiria este seu mesmo parecer, lembrando como seria importante mandar indignado com as medidas que esca última impunha para a legitima\'.ªº do cativeiro
jesuítas para fundar aldeias na fronteira, pois "a terra do Brasil nao se dos índios, por motivos diversos, e colocava na a l~ada do desembargador sindicante,
pode povoar com a gente que há de ir da Europa, e despovoado coma e dos ouvidores a delibera\'.ªº da liberdade ou nao dos cativos, por iniciativa dos ofi-
ciais das camaras do Maranhao e do Pará, conseguiu em Lisboa a retifica~ao do rei.
guerra também nao serve de nada" .71 A ocidentaliza9ao da atividade Nessa ocasiao, além de garantir o governo dos religiosos nas aldeias e missoes do
missionária andava junto com o incentivo para a expansao da pecuária sertao, decretava el-rei que houvesse urna Junta das Missoes que deveria determinar
pelos sertoes, com a doa9ao de novas sesmarias ou a redistribui9ao das a justi\'.a do cativeiro dos índios com base nos seguintes critérios: guerra justa, impe-
dimento da expansao da fé, quando resgatados da "corda", quando vendidos por
outros índios. Tal como foram substanciados pela le i de l.º de abril de 1680, válida
para o Estado do Maranhao. Affonso de E. Tau na y. História gera/ das bandeiras paulistas.
69
Sobre os tapu ias que os paulistas aprisionaram na guerra e mandaram vender aos Sao Paulo, 1950, vol. 4, p. 228-35. Há um artigo recente de Paul Wojtalewicz compa-
moradores do Porto do Mar, e sobre as razoes que há para se fazer a guerra aos ditos rando a atividade das ju ntas das missoes do l\ilaranhao e a de Araucania, no império
tapuias (1691), Ajuda, 54 XIII 16, fl. 162. cspanhol. Cf. "The Junta de Missoes/Junta de t\1isiones: A Comparative Study of
70
Voto de Salvador Corre ia de Sá sobre a missiona\'.ªº e o povoamenco do sercao, Con- Peripheries and Imperial Administration in Eightccnth-century lberian Empires".
sulta do Conselho Ultramarino, c. 1675, AH U, Bahia, caixa 2, 105. Colonial lati11 American Review, 8:225-40, 1999.
71
Consulta do Conselho Ultramarino, 2/12/1679, AHU, cod. 252, fls. 56v-8; ou OH 88, 74
Carta ao governador de Pernambuco sobre se erigir a Junta das Missoes, 7/3/1681,
168-71. " Informa~ao geral da capitania de Pernambuco" . AB1V, 28, 1906, p. 379-80. Sobre a
74 O PAÍS OOS TAPU JA S O PAÍS DOS TAPU IA S 75
" briao desee organismo, apesar de urna decisao positiva do Conselho Ul- Urna avalia-;ao da bibliografia e da documenta9ao permitiu organizar
tramarino em 1686, urna Junta das Missoe s seria formada apenas em urna tabela dos aldeamentos (veja o Anexo 3) e missoes no sertao nor-
1702. 75 deste (excluindo, portanto, as aldeias da costa), particularmente nas ca-
De acordo com a carta régia de 17 de janeiro de 1698, a Junta das pitanías da Bahia, Pernambuco e anexas, para o período (aproximado)
Missoes de Pernambuco tinha ainda a obriga9ao de declarar e conferir do final do século XVI a segunda década do XVIII. Grosso 1nodo, os 61
a nomea9ao dos missionários ou párocos que iam assistir nas aldeias dos aldeamentos listados distribuíam-se geograficamente da seguinte ma-
índios. Isso porque, para além da nomea9ao normal como faziam de cos- neira: 26 no sertao de fora (Pernambuco, 12; Rio Grande, 9; Ceará, 3; e
tume os bispos, autorizados pelo padroado, havia de conferir quais eram Paraíba, 2) e 35 no sertao de dentro (Bahia). Com raras exce~oes, qua-
os "mistérios das missoes", isto é, as faculdades específicas que pode- tro ordens religiosas dominavam completamente a missiona9ao no ser-
riam possuir os missionários.76 Em janeiro de 1701, estabelece-se a obri- tao: os capuchinhos franceses, os franciscanos observantes, os jesuítas e
gatoriedade de assentar todos os negócios tratados na Junta, que se reu- os religiosos da Congrega9ao do Oratório de Pernambuco. Os capuchi-
nía todos os meses do ano, "assinando todos e declarando cada um o nhos eram os únicos, tirante um ou outro oratoriano, que tinham prer-
seu voto como lhe parecer, de que haverá um livro numerado e rubrica- rogativas de missionários apostólicos, isto é, faculdades especiais pelo
do por vós". Na ocasiao, o rei exigía que fosse feíta a devida averigua- fato de que estavam diretamente subordinados aSanta Sé, ou melhor,
9ao na compra e venda dos índios que nao fossem negociados em pra9a aCongrega9ao da Propaga-;ao da Fé (criada em 1622). Embora atuando
pública, isto é, os vendidos nos sertoes, "onde nao há justi9as mais que na regiao sujeita ao padroado régio, poderiam agir livres dos la~os das
os juízes", e que a compra se fa9a na sua presen-;a, "mostrando o título dioceses e em todo o território da Colonia. 78 Preponderavam nas mis-
porque lhe pertence, chamando o escravo <liante de si, que diga a dúvi- soes no sertao de dentro, pelo menos até sua "expulsao" em 1702, ao
da que tem aescravidao, e que ninguém o possa comprar sem essa ave- passo que os religiosos da Congrega-;ao do Oratório de Pernambuco do-
rigua9ao". 77 minavam as missoes do sertao de fora. De maneira geral, os jesuítas
davam preferencia a missionar entre os povos tupis, bem como os taba-
jaras, nas serras do Ibiapaba (l\rlaranhao). Contudo, possuíam várias al-
Junta do Maranhao veja Affonso de E. Taunay. História geral das ba11deiras paulistos. deias de índios tapuias, em sua grande maioria "herdadas" de outras
Sao P aulo, 1950, vol. 4, p. 232-3. Em janeiro de 1698, em carta ao governador de
ordens que tiveram de as abandonar, como a dos capuchinhos. Além
Pernambuco, e l-re i, preocupado com as notícias do desleixo, orde na que se cumpra a
necessidade de que a Junta "se escabele<;a e concinue em dois días de cada seman.a ". disso, mantinham, nas proximidades dos núcleos urbanos, aldeias mis-
Mas, ouvindo o arrazoado da própria junta, el-reí resolveu se conformar coma mensa- tas, onde se supunha a dissolu9ao da especificidade tapuia no contexto
lidade deseas re unioes. Carta régia, 27/1/1699. "Informa<;ao geral da capitanía de cultural túpico. A primeira missao jesuítica estabelecida nestes sertoes
Pernambuco". ABN, 28:385-6 e 388, 1906. Veja também E A. Pere ira da Costa. Anais interiores foi, certamente, a de Nossa Senhora da Trindade de Massacará,
perna111b11c1111os, Recite, 1952, vol. 4, p. 198-9. em 1639, na Bahia. As missoes entre os índios cariris, como a de Santa
75 Em 1686, em razao de urna carca sobre o abuso dos administradores das aldeias dos
índios escrita pelo Marques das Minas, o Conselho Ultramarino pediu visea ao procu- 'reresa de Canabrava, Nossa Senhora da Concei9ao de Natuba, Ascen-
rador da Fazenda da consulta sobre a necessidade de urna J unta das tvfissoes na Bahía, sao do Saco dos Morcegos e Nossa Senhora do Socorro de Jeru, foram
ao que esse respondeu positivamente, assim como o procurador da Coroa, para o estabelecidas provavelmente na segunda meta de do século XVII. 79
melhor controle do servi<;o desses mesmos administradores. Consulta do Conselho As primeiras missoes capuchinhas devem seu início aos episódios
Ultramarino, 1/3/1686, com aprova~ao real em 18 de mar<;o, OH 89, 54. Para a cria<;ao
das guerras coloniais com a Holanda. Tendo conquistado Angol~ (Sao
da junta, veja a carca régia, 12/4/1702. In: lnácío Accioli de Cerqueira e Silva. Me-
mórias históricos e políticos do província da Bohia. Salvador, 1940, vol. 2, p. 1SO. Em Paulo de Luanda) em 1641, os holandeses da Companhia das Indias
Sao P aulo, foi criada urna Juncadas tvfissoes apenas em 1746, pela provisao de 8 de
maio. Francisco Adolfo de Varnhagen. Histó1ia geral do Brasil. Sao Paulo, 1975, tomo
4, p . 88. 78 Pietro Vittorino Regni. Os capuchinhos 110 Bohio. Salvador/Porro Alegre, 1988, vol. 1,
7" Carca régia, 17/ l / t 698, "Informa<;ao geral da capitanía de Pernambuco". ABN, 28:387, p. 283-95.
79 B. G. Oantas et allí. "Os povos indígenas no Nordeste brasileiro, um esbo<;o históri-
1906.
77 Carca régia, janeiro 1701 , "Informa<;ao geral da capitanía de Pernambuco" .ABN, 28:380, co". In: l'vfanuela Carneiro da Cunha (org.). Histótia dos Indios 110 Brasil. Sao Paulo,
1906. 1992, p. 441.
76 O PAÍ S DO S T A P U IAS O PAÍ S O O S TA P U I AS 77
"' Ocidentais acabaram capturando alguns missionários capuchinhos que dos capuchinhos franceses, abrangendo mais de 150 léguas, que fran-
de longa data vinham trabalhando na conversao daqueles povos africa- queavam todos aqueles sertoes para os gados, com o que crescia a Fa-
nos, especialmente os "súditos" do rei do Congo, que havia se conver- zenda real nos dízimos e os moradores na opule ncia.82 C om efeito, bom
tido ao catolicismo. Capturados os capuchinhos, foram trazidos alguns número dos currais pertencia a ordem, que era das mais ricas da Colo-
deles, em 1642, para o Recife. Aí acabaram por colaborar com a rebe- nia. Os oratorianos tiveram papel importante nas guerras do A9u, pois
liao de 1645 e a restaura\:ªº de Pernambuco, em razao do que, após a estavam missionando justamente no sertao entre este rio e o Jaguaribe.
expulsao definitiva dos holandeses, ou mesmo um pouco antes disso, Como se verá no Capítulo 6, as aldeias "nova "e "velha" na ribeira do
lhes foi permitido se estabelecer no Brasil para o trabalho de conversao jaguaribe, missionadas pelo padre Joao da Costa, estarao no centro dos
do gentio a fé católica. Em 1653, coma anuencia do governo, fixaram- conflitos entre os oratorianos e os paulistas designados para a guerra no
se no Rio de Janeiro, e a partir do ano de 1670 expandiram suas mis- Rio Grande.
soes pelo interior do Nordeste, especialmente entre os índios da na~ao
cariri. so Em razao do rompimento das rela\:6es diplomáticas entre as Confedera~ao dos cariris?
coroas de Portugal e da Fran\:a, os capuchinhos bretoes foram paulati-
namente impedidos de renovar o quadro de missionários do Brasil, até Sem dúvida alguma, a compreensao dos povos ditos tapuias como
resolverem retirar-se definitivamente em 1702. Suas missoes passariam urna unidade histórica e cultural, em oposi9ao nao só ao mundo cristao
entao para o controle dos religiosos de Santa Teresa, do Oratório de curopeu, mas aos povos tupis, habitantes do litoral, foi um dos elemen-
Pernambuco, ou dos carmelitas descal\:OS e, mais tarde, dos capuchinhos tos mais importantes na caracteriza\:ªº coeva da unicidade dos conflitos
italianos. acorridos no Nordeste ao longo das décadas finais dos Seiscentos e ini-
A Congrega\:ªº do Oratório de Pernambuco fora criada em 1662 por ciais dos Setecentos, no contexto específico do processo de expansao
iniciativa do padre Joao Duarte do Sacramento, que juntamente com da pecuária e, portanto, da fronteira.
seu companheiro Joao Rodrigues Vitória esteve no sertao do Sao Fran- De fato, a extensa documenta9ao colonial refere-se ao conjunto de
cisco e do Rio Grande por volta de 1659-61. Dedicaram-se principal- confrontos e subleva\:6es dos grupos tapuias do sertao nordestino como
mente a catequese dos tapuias do Norte, os tarairiús, que haviam sido urna "Guerra dos Bárbaros", unificando, dessa maneira, situa\:6es e con-
aliados dos holandeses e ocupavam grande parte daquele sertao, cujos textos peculiares. Por isso, tal como no episódio da chamada Confede-
currais e fazendas haviam .sido abandonados nas guerras de restaura- ra9ao dos Tamoios, inventada pela intuic;ao de Gon\:alves de Maga-
\:ªº· Em 1683, já eram 26 os missionários do Oratório de Pernambuco lhaes,83 a Guerra dos Bárbaros foi igualmente tomada pela historiografia
que se encontravam "repartidos por aqueles imensos sertoes", "rendo como urna confedera\:ªº das tribos hostis ao império portugues, um ge-
as aldeias entre elas distantes mais de 150 léguas ao sertao de Pernam- nuíno movimento organizado de resistencia ao colonizador. Já Gon9al-
buco, com os tapuias sucurus e janduís os mais ferozes de todo aquele ves Dias, companheiro de indianismo de Magalhaes, havia tratado das
gentio" .81 Neste mesmo ano, o padre Sacramento, prepósito da con- revoltas no Rio Grande nas páginas da Revista do Instituto Histórico. 84
grega\:ao, dizia ao Conselho Ultramarino que eram suas missoes e as Mais explicitamente, Francisco Borges de Barros, Pedro Calmon, Gus-
tavo Barroso, Horácio Almeida, entre outros, falavam de urna "confe-
M Fidelis M. de Primerio. Cap11chi11hos em te1Tos de Santa Cn1z nos séculos XVI, XVII e
XVIII, Sao Paulo, 1940, p. 21 7. Em dois volumes, a obra de Pietro Vittorino Regni. Os provavelmente de autoria do padre lnácio Silva, é também refe rencia importante:
capuchinhos 1111 Bahía, permanece a mais completa e erudita sobre o assunto. "Notícia que dao os padres da Congrega9ao de Pernambuco acerca da sua Congrega-
111 Consulta do Conselho Ultramarino, 4/3/1683, AHU, cód. 256, fl. 47v-8 (igual ao AHU, 9ao desde a sua e re9ao". Edi9ao e incrodu9ao por José Anconio Gonsalves de Mello.
Ceará, caixa l , 33). Maria do Céu Medeiros. lgreja e do111i11a;iio no Brasil escravista. O RIAP, 52:41 -3, 1984.
82
coso dos ora1oria11os de Per11amb11co, 1659-1830. Joao Pessoa, 1993, p. 49-5 l. Para a Consulta do Conselho Ultramarino, 23/4/1683, AH U, cód. 49, fl. 19-20.
história dos oratorianos de Pernambuco, veja também F. A. Pere ira da Costa. Anais l!J Pedro Punconi. "A Confedera9ao dos Tamoios: a poética da história e a historiografia
per11amb11ca11os, Recife, 1952, vol. 4, p. 45-8; Ébion de Lima. A congrega;iio do Orató- do impé rio". Novos Es111dos Cebrap, 45:119-30, julho de 1996.
84
rio no Brasil. Petrópolis, 1980; e o capítulo 3 do livro de Evaldo Cabra) de Mello. A A. Gon9alves Oías. "Catálogo dos ca pitao-mor e govcrnadores da capitanía do RGN".
fronda dos mazo111bos. Sao Paulo, 1996, p. 96-122. A crónica de meados do XVIII, RIHGB, XVl/: 30, 1854.
78 O PAÍS O O S TA P U 1 AS O P A Í S O O S TA P U I A S 79
" dera9ao dos cariris". 85 Termo adorado por vários de nossos manuais es- de Abreu. 88 Apesar de nao se enganar coma natureza dos tapuias, Tau-
colares, deve-se nao apenas a referencia obligé a Gon9alves de Maga- nay, o historiador das bandeiras paulistas, entendia também que a Guerra
lhaes, mas também a percep9ao de que todos os tapuias do semi-árido dos Bárbaros, no caso específico do Rio Grande, era urna "urna grande
se resumiam em um só grupo étnico, o dos cariris. Paradoxalmente, a ofensiva generalizada, de verdadeira confedera<;ao de índios contra bran-
confusao é reputada a Carl Friederich Philipp von Martius, que pri- cos" . Segundo ele, "depois do terrível exemplo da repressao branca nos
meiramente havia reagido, nas palavras de Artur Ramos, "contra o que sertoes baianos, deu-se a coliga9ao geral das tribos exasperadas pela larga
se chamou de tupimania, urna tendencia que na realidade exprimía o e progressiva espolia9ao do seu território ancestral, diuturnamente rea-
desconhecimento dos autores sobre as tribos brasileiras do imenso in- lizada pelos civilizados" .89 Camara Cascudo, que conhecia bem a do-
terior" . 86 Com efeito, em seu Glossaria Ling11an11n Brasiliensum de 1867, cumenta<;ao colonial do Río Grande, criticou em sua Histó1ia aqueles
Martius determinava que os cariris ocupavan1 todo o sertao do Sao Fran- que, "lembrando a dos tamoios", chamavam a Guerra dos Bárbaros, "ro-
cisco até o rio Acaracu no Ceará, antes da serra do lbiapaba. 87 Como manticamente", de confedera(iio dos cariris: "Nao houve plano comum,
notou Olavo de Medeiros Filho, Irineu Joffily é que divulgaría tal idéia ne m unidade de chefia. As tribos combateram aliadas ou isoladas. Ou-
de que todos os tapuias habitantes do sertao pertenciam a na9ao cariri, tras regioes estavam quietas, acordando para a morte quando o fogo se
inclusive os janduís e paiacus, opiniao partilhada pelo próprio Capistrano apa~ava onde come9ara". Prefería chamá-la de "Guerra dos Índios" .90
E preciso deixar claro que a no9ao de urna "guerra geral" dos índios
"bárbaros" contra o império, quer dizer, de urna Juta <leste contra na-
xs Pedro Calmon dizia que "por esse tempo, nas bandas do Ccará, da Paraíba e do Río
<;6es com interesses e objetivos militares definidos segundo urna estra-
Grande do Norte retumba va os ecos da «Confedcras;ao dos cariris»". História da Casa
drt Torre. Rio de janeiro, 1939, p. 84. Francisco Borgcs de Barros, em refere ncia ao tégia consciente, era produto do oJhar europeu e aparece, portanto, no
poema do nosso romantico, concluía que "ao jeito dos tamoios que se confederaram bojo da documenta9ao colonial. Como se sabe, para a história colonial
no sul, no meado do século XVI , os indígenas do norte formaram no século XVII - dos povos indígenas no caso do Brasil - diferentemente da Meso-Amé-
1670 c m diante - urna confede ra9ao" dos cariris. E as guerras do Recóncavo ele rica - possuímos apenas documentos produzidos pelos colonizadores.
chamava de Co11federariio dos Gueréns: "depois da pacifica9ao dos aimorés, os gueréns
retiraram-se para o se rcao. Reapareceram durante a invasao holandesa, faze ndo
C omo corretamente concJuiu o brasilianista John Hemming, se o pro-
in vestidas pelas matas e vi las de Ilhéus". Ba11deira111es e sertanistas bahia11os. Salvador, cesso de resistencia nativa a expansao da economía pecuária foi um dos
1919, p. 124. Segundo Gustavo Barroso , entre os anos de 1693 a 1713, "várias na9oes mais importantes estágios da conquista dos índios, "foi também o me-
cariris se confederaram contra o invasor", quase destruindo "em seus fundamentos a nos documentado. E como sempre, nao há nada do lado indígena. Os
coloniza9ao portuguesa". Amargem da histó1ia do Ceará. Fortaleza, 1962, p. 56-7. Horácio
nativos nao deixaram nenhuma informa<;ao escrita e nenhum deles re-
Almeida hesita ao titular se u artigo: "Confedera9ao dos Cariris ou Guerra dos Bárba-
ros". RIHGB, 316:407-33, 1977. gistrou sua versao da luta". 91 Oaí as dificuldades teóricas e metodológicas
Xb Arthur Ramos. lntroduriio t1 antropología brasileira (vol. l , As culturas nao-européias). com que se depara o estudioso. Nao podemos, entao, escrever com su-
Rio de janeiro, 1943, p. 60. Martius, na sua conferéncia "O Escado de direico entre os cesso urna "história ao inverso", recuperar urna visao dos vencidos, urna
autóctones do Brasil" de 1832, dizia serem mais de 250 o número dos grupos indíge- vez que nos faltam fontes autenticamente indígenas. 92 A Jeitura crítica
nas no Brasil, e que os descobridores do Brasil teriam, "pasmados com a rudeza selva-
ge m'', reproduzido idéias erroneas, "entre outras, a opini ao corrente durante muito
e cuidadosa da documenta<;ao administrativa nos fornecerá, apenas, urna
te mpo que admitía a independé ncia de cercos povos que apenas eram cribos d a ex- reconstru<;ao dos acontecimentos do ponto de vista do conquistador.
te nsa na9ao dos tupis e que havia um povo poderoso e bravio que denorninavam
tapuios, quando é certo que a palavra tapuia na língua tupi, primitivamente, era a
dcsig na9ao coletiva para todos os povos ou cribos que nao pcrcenciam aos tupis". O xx Olavo de Medeiros Filho. "Os tarairiús, extintos capuias do Nordeste". RIHGB, 358:57-
Estado de direito entre os a11tóc1011es do Brasil. Belo Horizonte/Sao Paulo, 1982, p. 16. O 72, 1988; Irineu Joffily: Notas sobre a Paraíba. Rio de Janeiro, 1892, p. 141 ss., e veja
Vo11 dem Rechtszustande rmter de11 Ureinwolmem Brasiliens foi inicialmente publicado tarnbém o prefácio de Capistrano de Abreu, p. 77-84.
89
em 1832 (t-.1unique, Fleischer), a parcir de urna confe rencia realizada na Real Acade- Affonso de E. Taunay. História geral das bandeiras pnulistas. Sao Paulo, 1950, vol. 6, p. 308.
90
mia de Ciencias da Baviera no dia 28/3/ 1832. Luís da Camara Cascudo. História do Rio Grande do Norte. Rio de Jane iro, 1955,
117 p. 96-100.
Glossaria linguan1111 brasiliens11111 ("Glossário das dive rsas línguas e dialetos que fallao
91
os indios no Império do Brazil ") nos Beitriige zur Etfmographie und Sprachenk1111de Red Gold. The Conq11est o/ the Brazilian /11dia11s. C ambridge, 1978, p. 346-7.
92
A111e1ikas z11111nal Brasiliens. Erlage n, Oruck von }unge & Sohn, 1867, volume 2 (zur Como o fez Nathan \iVachtel para o Peru, ern escudo clássico: La vision des vai11c11s. Les
Sprachenkunde). indiens du Péro11 deva11t la conq11ite espagnole, 1530-1570. París, 1971.
80 O P A Í S D O S TA P U I A S O PAÍS DOS TAPUIAS 81
!'I Justamente, a própria idéia de um conflito uno e organizado, associado N ossa Senhora da Conceic;ao do Rodela96 , remeteu em 1697 para o bis-
a noc;ao nao menos freqüente na documentac;ao, da existencia de "confe- po de Pernambuco, frei Francisco de Lima. Na sua "Descri~ao do ser-
derac;oes" indígenas, tem de ser, ela mesma,. objeto de reflexao. 93 Se rao do Piauí", o padre listou 37 nomes de grupos de "tapuias bravos"
estas existiram, foram mais na noc;ao mais fraca do termo, simples alian- em guerra com os moradores semente na freguesia de Nossa Senhora
c;as entre nac;oes e tribos para fazer face ao inimigo comum; jamais urna do Sertao do Piauí: aroaquizes, carapotangas, aroquanguiras, nongazes,
grande alianc;a orquestrada contra o lmpério portugues. Analisando a precatis, acuruás, bocoreimas, cupequacas, cupicheres, gutames, goias,
resistencia dos tupis ao invasor portugues, no episódio da dita "confe- anicuás, aranhes, goarás, corerás, aititeteus, abetiras, beirtés, macamasus,
derac;ao" dos tamoios, Florestan Fernandes concluí que "as fontes de trarnambés, anassus, alongás, aruás, ubates, meatas, janduís, icós, arius,
funcionamento eficiente da sociedade tribal impediam a formac;ao de corsias, araies, acumes, coaratizes, jaicós e cupinharós; alguns deles sendo
um sistema de solidariedade supratribal". Como parte constitutiva da chamados simplesmente de "rodeleiros", "beic;udos" ou "lanceiros". 97
sociedade tupi, "os lac;os de parentesco que promoviam a unidade das Por isso, na falta de um escudo mais minucioso dessas denominac;oes
tribos, engendravam rivalidades insuperáveis~ mesmo em situac;oes de e mesmo dessas etnias, basta notar aqui, para o bom entendimento dos
emergencia" .94 Mudando o que <leve ser mudado, o mesmo era válido capítulos seguintes, que, grosso modo, o sertao encontrava-se habitado
para os grupos tapuias, ainda mais fracionados, de modo que as guerras por dezenas de grupos étnicos distintos, entre os quais se destacavam
dos bárbaros se faziam seguindo o padrao dispersivo, que permitia aos os cariris e os tarairiús. Além desses, no sertao baiano, os paiaiases e
luso-brasileiros fragmentar a luta e "jogar índiios contra índios". anaios se viram envoltos nas guerras do Aporá e Orobó, e nada sabemos
A denominac;ao dos grupos indígenas como tribos ou unidades polí- sobre sua cultura ou modo de ser. Os cariris ocupavam notadamente o
ticas autónomas (reinos, por exemplo) e até mesmo a identidade de sertao de dentro e as margens dorio Sao Francisco. Já os tarairiús, natu-
alguns desees grupos, ou ainda a constante presunc;ao de sua anomia, rais do sertao de fora, principalmente nas capitanías do Rio Grande e
também devem ser postas em questao. 95 Para se ter urna idéia da difi- Ceará, estavam divididos em diversas nac;oes, em disputa entre si, que
culdade em determinar a identidade <lestes povos, basta olhar o docu- levavam o nome de seus chefes (ou "reis"), como os janduís, canindés,
mento que o padre· Miguel de Carvalho, que era cura da freguesia de
ca, neste particular. A "Conven~ao para agrafia dos nomes tribais", estabelecida, em
93 Sobre a idéia da confedera9ao indígena na literatura e historiografia oitocenciscas bra- 1954, pela maioria dos membros da /.ª Reuniiio Brasileira de Antropología, fixou regras
sileira, confira o meu artigo "A Confedera~ao dos 'l"atmoyos de Gon~alves de Maga- técnicas para a transcri~ao em termos fonéticos que, acredito, cambém devem ser
lhaes: a poética da história e a hist0riografia do império". Novos Est11dos Cebrap, 45: 119- observadas para o uso da etno-história. Convém notar que a "Conven~ao" estabelece
30, julho de 1996. que os nomes tribais de origem indígena, ao contrário dos nomes tribais de origem
94 Flores can F ernandes. "Organiza9ao social das tribos tUJpis". In: S. B. de Holanda (org.). portuguesa ou "amorficamente aporcuguesados" (item 21), nao devem ter "flexao
História geral da civilizarao brasileira. Sao Paulo, 1968, vol. l, p. 85. Veja cambém, do portuguesa de número ou genero" (item 22). Como nesce trabalho lidamos com do-
mesmo aucor, "Os Tupi e a rea9ao tribal a conquista". In: A investigariio etnológica e . cumenta9ao exclusivamente de origem portuguesa, consideramos todos os nomes
outros ensaios. Petrópolis, 1975; e o escudo clássico so bre A fimpio social da guerra na indígenas como "amorficamente aportuguesados ". Veja o Mapa e/no-histórico de Cu11
sociedade tupinambá. Sao Paulo, 1970. Nim11endaju. Rio de Janeiro, 1981, e o artigo de Emmerich e Leite. "A orcografia dos
95
Nao bastasse isso, há dificuldades na própria grafia dos etnonimos. Afora nos obrigar nomes cribais no rvtapa Etno-Histórico de Cure Nimuendaju", p. 29-35. A "Conven-
a uma constante "arqueologia" das denomina9oes nos textos historiográficos ou et- ~ao de 1954" foi publicada na Revista de Antropologia. Sao Paulo, 11;2: 150-2, 1954.
nográficos, este é um problema cuja solu9ao as veze:s encontra-se na descoberca de Veja também meu artigo "Tupi ou nao tupi?". In: Antonio Risério (org.). lnvenftio do
urna referencia absolutamente desprovida de veracidade, mascujo desenvolvimenco Brasil. Salvador, 1997, p. 49-55.
produziu erros consideráveis. Nimuendaju, que em seu Mapa etno-histórico do Brasil % Aí, tornara-se "tut0r" de Francisco Dias Mataorá, "capitao-mor de todos os índios da
aparentemente utiliza-se de diversos critérios, segue, no encanto, urna proposta de na~ao porcaz moradores dos sercoes de Rodelas". Esse queria vir ao reino para pedir
ordena9ao, como foi mostrado por Charlotee Emmeriich e Yonne Leite. Preocupado alguma recompensa dos seus servi9os nas guerras dos tapuias bravos, no descobri-
em manceras informa9oes das fonces e garantir a riqueza do seu .#apa, Nimuendaju mento do caminho do Maranhao e nas entradas do salitre. CCU 28/11/1698, AHU,
constituiu urna norma nao explicitada que preve, entre outras coisas, o registro dos Pernambuco, caixa 13; AHU, Pernambuco, caixa 11.
grupos históricos e extintos na grafia portuguesa e dos grupos existentes em termos 97
Miguel de Carvalho. "Descri~ao do sertao do Piauí remetida ao Ilmo. e Rvmo. frei
fonéticos. Apesar de algumas pequenas imprecisoes notadas, sem dúvida alguma é Francisco de Lima, Bispo de Pernambuco, 1697". In: Ernesco Ennes. As g11enws dos
esta proposta do antropólogo que deve guiar, ao meu ver, a investiga~ao etno-históri- Palmares. Sao Paulo, 1938, p. 370-89.
82 O P A Í S O OS TA P U I A S O P A Í S O O S TA P U 1 A S 83
" paiacus, jenipapoa9us, icós, caborés, capelas etc. Ambas as e tnias, cariris das do pe ríodo colonial. 1º1 Na verdade, já nas vésperas da independen-
e tarairiús, sao das que dispomos de maiores e melhores informa96es cia, o sapuia foi registrado por f\1artius a partir das observa96es feítas
em rela9ao ao seu modo de vida, costumes, c ultura mate rial e religiao. 98 e m 1818, quando se encontrou em Pedra Branca com cerca de seiscen-
Os cariris foram inicialmente cortejados pelos holandeses, que pre- tos cariris "semicivilizados" . O vocabulário "cayriri-latim" que Martius
tendiam defe nder com sua ajuda a fronteira do rio Sao Francisco. 99 A publicou a partir do material que ali recolhera, no entender de Adam,
primeira referencia aos índios cariris é provavelmente a da DescriftiO Ce- deve ser tomado como um dialeto separado, dada a distancia com rela-
ra/ da Capitania da Paraíba, escrita pelo holandes Elias Herckman em s;ao aos dialetos quipea e dzubucuá. Consta que os cariris de Pedra Bran-
1634. Segundo esse relato, eram os cariris urna na9ao do interior do ca, ainda no início do século XIX, haviam conservado mais ou menos
Nordeste brasileiro, fazendo parte do conjunto de popula96es generi- intacto seu dialeto particular. Todavía, quando Ehrenreich aí esteve,
camente nominadas "tapuias", isto é, nao-tupis, e habitando "transver- e m 1891, pode constatar que estes cariris haviam "desaparecido" . 102
salmente (dwers van ) a Pernambuco" . 100 Posteriormente, como vimos, As missoes capuchinhas sao as de maior interesse do ponto de vista
foram missionados pelos religiosos católicos. Os cariris se diferencia- e tno-histórico, em razao da diligencia com que os freís retrataram os
vam por quatro dialetos - camaru, sapuia, dzubucuá e quipea - , dos costumes, a cultura, a língua e o modo de vida dos índios sob seu am-
quais apenas tres estao documentados. Urna Arte da Gramática da Lín- paro (ou controle). Como sabemos, já haviam estado no Brasil nlissio-
gua Brasílica na NaftiO Cariri, do padre Mamiani, de 1699, e os catecis- nários da ordem dos capuchinhos no início do século XVII, tendo nos
mos em dzubucuá e em quipea, de 1698 e 1709, constituem, junto com legado importantes rela96es, documentos valiosos para o e studo dos
os do tupi antigo, os únicos registros de línguas indígenas desaparecí- povos tupinambás. 103 Da mesma forma, estes freís capuchinhos con-
tribuíram para o estudo dos cariris. Suas missoes na segunda metade .
dos Seiscentos entre estes índios produziram importante documenta-
98 L owic, Robe re H . "Thc Cariri" e "The Tarairiu". H a11dbook o/Sorllh A111e1ican 1ndians,
Washington, /:557-9 e 543-56, 1946. Para um possível entendimento da d iversidade 9ao, e ntre as quais nos sao de extremo valor as rela9oes do frei capu-
dos povos indígenas no scrtao do Brasil colonia, veja o Mapa et110-histórico de Cttrt
Ni11111e11daju. Rio de Janciro, 1981 ; F. A. Pereira da Costa. A11ais per11amb11ca11os. Rcci-
fe, 1953, vol. 5, p. 160-72; Carlos Studarc Filho. Os aborígenes do Ceará. F ortaleza, rni Bernardo de Nantes. Katecismo índico da líng11a Kariri. L isboa, 1707; e Luiz Vicenzo
1966; Thomas Pompcu Sobrinho, "Conrribui~ao para o escudo das afi nidades do l\1amiani. Catecismo da outrina christaa na lingua brasilica da naram kiriri. Lisboa, 1698.
Kariri". RIHGC, 53:221-35, 1939, "Línguas tapuias d esconhecidas do Nordeste, al- Mamiani escreveu também urna Arte de gramatica da lingua brasilica da 110{11111 kitiri.
guns vocábulos inéditos". Boletim de 1\ntropologia, Fortaleza, ano 2, v. 1, 1958, "Os Lisboa: Officina de Miguel Oeslandes, 1699. Sobre as línguas indígenas desapareci-
capuias do Nordeste e a monografía de Elias Herkman". RIHGC, 48:7-28, 1934, e "As das, veja o escudo de Aryon Oall'Igna Rodrigues. Línguas brasileiras - para o conheci-
origens dos índios cariris" . RIHGC, LXIV:314-99, 1950; Escevao Pin co. Os indígenas do me11to das lfnguas indígenas. Sao Paulo, 1986, p. 17-39.
Nordeste. Sao Paulo, 1935; Carlos F. Otr. Vestigios de c11ltun1 indígena 110 se11iio da Baltia. ioz Lucien Adam. Matériaux pour servir a l'établisse111e11t d'une gra111111aire comparée des
Salvador, 1945; Aryon Dall ' lgna Rodrigues. "Notas sobre o sistema de parentesco dialectes de la /ami/le Kariri, París, 1897.
dos índios Kiriri". RMP, 2:193-205, 1948; Olavo de Mede iros Filho. Índios do Aru e 103 Nleio século após terem sido expulsos da regiao da atual cidade do Rio de Janeiro, em

Seridó. Brasília, 1984; Roberc E. Meader. f ndios do Nordeste, levantnme11to sobre os rema- 1575, os franceses centaram novamente estabelecer-se no território brasileiro. E ntre
nescentes tribnis do Nordeste brnsileiro. Brasília, 1978; Cestmir Loukotka. "Les langues 1612 a 16 15, esfor9aram-se por construir e mantera posse de urna colonia no entao
non-tupi du Brésil du Nord-est". Anais do XXXI Congresso Internacional de Americanistas, chamado Maranhao, ou, atualmente, na ilha de Sao Lu ís. Com apoio d a regente de
Sao P au lo, 1955; \V. O. Hohenthal. "Little Known Groups of lndians Re poned in Fran9a, l\1aria de Médicis, e envolvimento dos capuchinhos, tentaram erguer no nor-
1696 on the rio Sao Francisco, in Northeaste rn Brazil". Jot1rnal de la Societi des te do país urna "Fran9a Equinocial'', a exemplo daqucla "Antártica" dos tempos de
Américanistes, Paris, 41 , /:31-41 , 1952 e "As cribos indígenas do médio e baixo Sao Vi llegaignon. E ntre os quacro primeiros religiosos cap uch inhos que vieram com a
Francisco". RftfP, 12, 1%0; Oonald Pierson. O homem do Sao Francisco. Rio de Janeiro, prime ira expedi9ao de Daniel de la Touche, senhor de La Ravardie re, e Fran9ois de
1972, tomo 1, p. 226-34.; Affonso A. de Freitas. " Oisuibui9ao geográfica das cribos na Rasilly, senhor de Aumelles, para a coloniza9ao do Nlaranhao, esravam Claude
época do descobrime nto". RIHGB, Tomo especial 2. Rio de Jane iro, 1915, p. 491- d'Abbeville e Yves d'Evreux. Ambos escreveram a crónica desea missao. Estes textos
5 1O; Luís Mote. "Etno-história dos índios do Piauí colonial" . 1n: Idem. Pin11í co/011ial: tem mais interesse para o conhecimento das coisas do Brasil e dos costumes dos
populariio, eco110111ia e sociedade. Teresina, 1985, p. 109-24. índios do que para a história da " Franc;a Equinocial" propriamente. C laude d'Abbe-
99
J. A. Gonsalves de l\1c llo Neto. Tempo dosflame11gos, p. 202. vi lle. Histoire r/e la Afission des péres capucins e11 l'Íle de Marag11011 et terres circo11voisi11es,
Hxi "Descri~ao geral da capitanía da Paraíba, por E°tias H erckman" (1634). R!AGI~ 31:239, París, 16 14 e Yves d ' E vreux. Sttite de l'histoire des citoses les plus mémorables advenues es
1886. Marag11on, París, 1615.
84 O PAÍS DOS TAPUJAS O PAÍ S D O S TA P U 1 A S 85
11
chinho l\tlartin de Nantes para o escudo da vida sociocultural desees Oucro alemao que viveu anos entre os índios e mesmo chefiou um
povos. Sua Relation Succinte et Sincere de la Mission dans le Brezil parmy grupo de janduís, que assolavam o sertao do Rio Grande, atacando fa-
les /ndiens Appélles Cariris (composta, na verdade, de duas rela<;6es) zendas e currais, foi Jacó Rabbi. Ele deixou urna crónica sobre os ín-
descreve os hábitos e a cultura da sociedade cariri-dzubucuá, bem como dios que foi incorporada e publicada na História de Gaspar Barléus
do contexto histórico que seria responsável pela violenta rea<;ao <les- (1647). 1º8 Além disso, o pintor holandes Albert Eckhout deixou, além
tes povos indígenas, em conjunto ou simultaneamente com outros. 104 de alguns desenhos, dois óleos de um homem e urna mulher tarairiú,
Outro documento importantíssimo é a inédita Relation de la Mission des assim como urna outra tela descrevendo urna dan9a de guerra desees
lndiens Kariris du Brezil Situés sur le Grand Fleuve de S. Francois du Costé índios. Serviram de base para todas as reprodu96es posteriores dos
du Sud a 7 Degrés de la Ligne Equinotiale, escrita pelo missionário tapuias, a come9ar por Frans Post e Zacarias Wagener. 109 Os janduís,
capuchinho Bernard de Nantes. segundo José Antonio Gonsalves de Mello, eram aliados tao ferozes que
Os tarairiús, representados principalmente pelos janduís, que por muitas vezes mais pareciam inimigos. Os holandeses sempre se preo-
sinédoque costumam ser tomados, em grande parte da documenta<;ao cuparam em manee-los afastados das zonas ocupadas, qualquer movi-
e da literatura, por todos os diversos grupos, devem sua melhor descri- menca<;ao era logo detectada e impedida. Em 1639, por exemplo, o rei
<;ao aos relatos holandeses, de quem eram "aliados infernais" . 105 Assim Janduí aproximou-se de Natal com cerca de 2.000 tapuias, "arrancando
como os cariris, os tarairiús haviam sido contatados por ocasiao da guer- as ro9as, novas e velhas, que encontravam". O governo do Brasil holan-
ra de ocupa<;ao das capitanías do norte de Pernambuco e esrao re-fe- des Iogo despachou os filhos de Janduí, que se achavam no Recife, para
renciados, pela prime ira vez, na Descri{liO de Elias Herckman. 106 A man- convencer seu pai de voltar aos sertoes. 110
do de Nassau, o holandes Roulox Baro, um alemao a servi<;o da Com-
panhia, empreendeu urna viagem ao "país dos tapuias", em 1647, visi-
tando as cribos submissas ao "rei Janduí" . 107 gem ma1itima e terrestre ao Brasil, (1682), Befo Horizonte/Sao Paulo, 1981, passim.
Para a quesea.o do nome, veja a minuciosa noca (255) de José Honório Rodrigues, na
p. 182.
1011
Gaspar Barléus. História dos jeitos recentes praticados durante oito anos no Brasil e no11tras
iM t\1artin de Nantes. Relation succinte et sincere de la mission. Quimper, 1706. pa1tes sobo governo do ilr1st1issi1110 folio ¡~fauricio covde de Ntissau (1647). Belo Horizon-
105
E. van den Boogaart. "Infernal Allies, che Dutch West lndian Company and che te/Sao Paulo, 1974, p. 260-9. Sobre este sercanejo, veja o capítulo "Um in,cérprete dos
Tarairiu, 1631-1654". In: Idem (ed.). A Hu111anist P1ince in Europe and Brazil. The capuios", no livro de Alfredo de Carvalho. Aventuras e avent11reiros no Brasil. Rio de
Hague,' 1979, p. 519-38. Janeiro, 1929.
106
"Descri9ao geral da capitania da Paraíba, por Elias Herckman" (1634). RIAGP, 31:239, 109
No Real Gabinete de Estampas de Dresden se enconcra o códice de 109 folhas com
1886. Segundo Frans Leonard Schalkwijk, um outro panfleto, do piloto de urna na- desenhos de planeas, animais e índios do Brasil feicos por Zacarias Wagener no tempo
vio holandes, Gerrit Gerbrantsz. Hulk. "Een korte beschrijvinge, vande Staponjers dos holandeses. Anexo aos desenhos, quegrvsso modo reproduzem os óleos de Eckhout,
in Brasiel, Van haer Leven, Doop, Houwelijck ende wonder Wercken" (U ma breve encontram-se inceressances descric;oes do "omem capuia" (desenho 95) e da "molher
descri9ao dos tapuias no Brasil, da sua vida, batismo, matrimonio e feítos milagrosos); tapuya" (desenho 96). Zacarias \Vagener. Zoobiblion livro de animais do Brasil (1634-
publicada em 1635, é provavelmente a fonte da descri9ao de Herckman. O panfleto 1641 ). Sao Paulo, 1964; veja também a cradu9ao de Alfredo de Carvalho. "O Zoobliblion
foi craduzido e publicado pelo mesmo historiador. Frans Leonard Schalkwijk. "Tapuias de Zacharias Wagner". RIAP, X/:181-95, 1903. Sobre a imagem do índio no Brasil
no Río Grande do Norte no tempo dos flamengos. RIAP, LV/11:305-20, 1993. Holandes, veja o livro de P. J. P. Whitehead & M. Boeseman. Um retrato do Brasil
107
A expressao "País dos Tapuias" é de Rouloux Baro, que viajou ao Río Grande do H o/andes do século XVI/, animais, plantas egente pelos artistas de Johan 1J1aurits de Nassau.
Norte para entender-se com cribos de índios janduís (tarairiús). Para ele, no en- Río de Janeiro, 1989; o texto de E. van den Boogaart. "The Slow Progress of Colonial
canto, o "País dos Tapuias" quer significar a específica regiao onde "reina" o che- Civility Indians in the Piccorial record of Dutch Brazil, 1637-1644". In: la imagen del
fe Janduí. Rouloux Baro. Relafiio da viagem ao país dos tapuias (1647). Belo Hori- indio en la Europa iJ1odema. Sevilla, 1990, p. 389-403; e o de R. Joppien. "The Ducch
zonte/Sao Paulo, 1979. Este relato foi publicado originalmente em urna traduc;ao Vision of Brazil: Johan Maurits and His Anises". In: E. van den Booggart (ed.). A
de Pierre Moreau na coletanea Relations veritables et cr1rieuses de /'Is/e de Madagas- H11111a11ist Prince in Europe and Brazil. The Hague, 1979, p. 297-376. Sobre a repre-
car et d11 Brésil. Paris, 1651, p. 195-246. Janduí, ou Nhanduí, queria dizer ema senta9ao dos índios pelos colonizadores, veja o recente escudo de Ronald Raminelli.
pequena (de nhandu = ema). O Conselho do Brasil Holandes entendía o Janduí Jmagens da colonizarao: a represe11tariio do í11dio de Caminha a Vieira. Sao Paulo, 1996.
como urna espécie de rei soberano, com o qual escabeleceu diversos contatos e 110
J. A. Gonsalves de Mello Neco. Tempo dos flamengos. Recife, 1947, p.204.
alian9as mili cares, ten do muito auxiliado aos bacavos. Joan Nieuhof. Memorável via-
86 O P A f S D O S TA P U I A S O P A Í S D O S TA P U I A S 87
.. Assim como para os cariris, no decorrer dos cem anos seguintes e m holandeses, os tarairiús se ~iram como que desamparados após a ex-
que estiveram em gue rras comas diversas na9oes tarairiús, ou as missio- p ulsao daqueles e m 1654. E verdade que o te rmo de capitula9ao in-
nando, até a seu quase completo extermínio, os portugueses deixaram corporava urna cláusula de anistia para os índios que ti vesse m ficado
raríssimas descri9oes. 111 Todas elas feita s de maneira muito mais do lado holandes; contudo, a fama de irred e ntos e a re lati va autono-
argumentativa do que expositiva, no contexto d e "demoniza9ao" de m ia que consegu iram manter, n1uito e m razao da capacidade com que
um tapuia genérico e objetivando reabilitar a guerra justa. No "Me- incorp ora ra m a tecnologia militar do invasor (armas de fogo ou mesmo
morial d e Cercas Notícias e Lembran9as" de 1703, Pedro Carrilho de escratégias), uansformariam os tarairiús nos protagonistas principais
Andrade descreve genericamente os tapuias "janduís, ariús, paiacus, das guerras dos bárbaros.
caretiús e icós e outros anexos nas partes do Brasil, capitanías de Per-
nambuco, H.io Grande, Ribeiras do A9u e Jaguaribe" . Também o fez o
autor anónimo do papel de 1691, para quem se tratava de urna "gente
bárbara, de corso e tragadora de carne humana, amiga de guerras e
traivües". 112 Con1 efeito, como haviam sido aliados incondicionais dos

111
"Quase completo extermínio", porque vemos hoje ressurgirem os descendentes dos
carairiús. Os quase seis mil xucurus que vivem hoje no município de Pesqueira, esta-
do de Pernambuco, a 220 quilómetros de Recife, foram reconhecidos como legítimos
herdeiros das terras pelo presidente ltamar Franco em mar90 de 1992. Estes índios
te m como seu ancestral Joao Fernandes Canindé, "Re i dos Xucuru", q ue ceria orga-
nizado a resistencia ind ígena contra os colonizadores portugueses no Nordeste no
século XVII. A Igreja no Brasil aberta ao mundo, 236:22, jane iro de 1996. Com efeit0,
os xucurus (ou jucurus), eram carairiús que haviam sido aldeados, pelos oratorianos,
principalmente na aldeia de Ararobá, que levava o nomc do pri ncipal desses índios.
Prin1eiro dos xucurus a se batizar, este Ararobá de fato passou a chamar-se Joao
Fcrnandcs Vieira, cm homenagem ao restaurador de Pernambuco que !he havia dado
algumas fcrrame ncas. Canindé, por sua vez, como se verá no Capítulo 4, e ra o princi-
pal dos chamados janduís, que haviam sido governados no tempo dos holandeses
pelo "rci Janduí" e havia realmente feito guerra contra os portugueses por longos
anos. Em 1692, porém, Canindé acabaria por se render e firmar um tratado de paz,
indo morrer com os seus e m um aldeamento jesuíca, Guaraíras, futura vila de Arez.
Esces janduís cram por isso chamados por vezes de canindés. Contudo, nao acredito
que os modernos xucurus escao de todo enganados em rcverenciá-lo como grande
líder. Da mesma maneira, deveriam faze-lo os jenipapo-canindés e os paicus do Cea-
rá, oucros grupos e me rgentes, que se reivindicam descendentes dos carairiús. Até
onde sei, a melhor etnografia dos xucurus ainda é a de W. D. Hohenchal. "Notes on
the Shucurú lndians of Serra de Ararobá, Pe rnambuco, Brazil" . R.AlP, 8:93- 164, 1954.
Sobre as identidades emergentes no Nordeste, veja o artigo de joao Pacheco de Oli-
veira. "Fronteiras étnicas e identidades emergentes". Tempo e Presenra. Sao Paulo,
270:31 -4, 1993.
11 2
Memorial de cercas notícias e lembran9as, Pedro Carrilho de Andrade, Olinda, c.
1703, AHU, Pernambuco, caixa 16; Sobre os tapuias que os paulistas aprisionaram na
gue rra e mandaram vender aos moradores do Porto do Mar, e sobre as razoes que há
para se fazer a guerra aos dicos rapuias (1691). Ajuda, 54 XIII 16, fl. 162. Urna síntese
etno-histórica dos tarairiús foi feita por Olavo de Medeiros Filho. "Os tarairiús, ex-
tintos tapuias do Nordeste". RIHGB, 358:57-72, 1988.
,.

3
GUERRAS NO RECÓNCAVO

DE SDE que foi criado em 1548, para coordenar os esfor9os de


coloniza9ao portuguesa na América, o governo-geral aliou sua for9a po-
lítica ao seu poder militar estratégico. 1 O regimento passado a Tomé
de Sousa, em 17 de dezembro de 1548, previa a constru9ao de urna
cidade para a sede deste novo pólo político-administrativo. A Bahía de
Todos os Santos, donataria do falecido Francisco Pereira Coutinho, fora
comprada de seus herdeiros para este fim. Neste primeiro momento, a
cria9ao de um governo do Brasil nao pretendia, como normalmente se
imagina, a reuniao dos esfor9os dispersos em razao da cria9ao do siste-
ma de capitanías hereditárias (as donatarias), tendo em vista a sua reu-
niao sob urna mesma orienta9ao. Ambos os sistemas coexistiram até o
século XVIII, quando a última capitanía foi revertida para o patrimonio
régio e a administra~ao dos espa9os imperiais passaria por urna série de
altera96es. Seu papel fundamental foi o de instituir e coordenar um
"pequeno comércio político-administrativo" coro as vilas recentemen-
te criadas. Na verdade, o governo-geral, vinha "sujeitar vilas e seus ter-
mos a urna única orienta9ao" .2

1
O governo-geral do Estado do Brasil foi criado pelo regimento passado a 'fomé de
Sousa, em 17 de dezembro de 1548. Na ocasiao foram nomeados também um ouvidor-
geral, Pero Borges, um provedor-mor, Antonio Cardoso de Barros e um alcaide-mor,
Diogo Moniz Barrero.
2
Segundo Edmundo Zen ha, "é com escas vi las que se escabelece o pequeno comércio
polícico-adminiscracivo que a sicua\:ao permitía. Circula9ao fraca, prejudicada por inú-
meras dificuldades, rendo como poneos de referencia as vilas em si e nao as capicanias
que, praticamente, tiveram existencia mais ou menos teórica. Essas vilas municipais
formam o todo brasileiro colonial e por elas gira a for9a estatal que a metrópole des-
viava para cá". O 1111111icfpio no Brasil, 1532-1700. Sao Paulo, 1948, p. 26-7.
89
90 G u E R R As No REe óNe AVo G UE RR A S N O RE C ÓNC AVO 91
~ A construc;ao de urna cidade na entrada da baía e a ocupac;ao ~ P?:oa- cidade" , passaram a dar saltos em outra parte do norte do Reconcavo e
mento do seu reconcavo, deram-se nao sem conflitos comos pnm1uvos campos vizinhos das serras que chamavam de ltapororocas. Em face
habitantes. No final do ano de 1555, urna rebeliao dos, tupinambás da dos ataques e matanc;as, os moradores locais, por nao poderem mais lhes
ribeira do Paraguac;u foi prontamente reprimida por d. Alvaro da Costa, resistir, abandonaram as fazendas, que assim ficaram muitos anos des-
filho do governador-geral. A regiao, situada ao noroeste do grande la- povoadas. Em 1627, a situac;ao era de tal gravidade que se reuniram em
gamar que é a baía de Todos os Santos, era de ter~a~ férte~s e trac;ada junta o governador-geral, Antonio Teles da Silva, e as principais autori-
por urna rede de outros rios e lagamares o que fac1htava vivamente o dades do Estado do Brasil para tirar urna soluc;ao para o levantamento
transporte para o porto do mar, isto é, Salvador. O rio Paraguac;u, antes dos indígenas nos limites da cidade, em Jaguaripe e Paraguac;u. Coadu-
da cachoeira, era um território particularmente cobic;ado. Seus habitan- nados com alguns negros, os índios haviam atacado alguns engenhos
tes originais, contudo, obstinar-se-iam em resistir aos avanc;os da colo- nestas freguesias e os currais de gado dos campos do Aporá, causando
nizac;ao, atacando novamente os moradores e suas fazendas nos anos grande dano aos moradores e as fazendas. Despovoava-se, assim, a re-
de 1558 e 1559. O entao governador da Bahía, Mem de Sá, resolveu giao, o que afetava os planos de colonizac;ao e a produc;ao de manti-
enviar urna grande expedic;ao punitiva, composta de 300 port_u~ueses mentos para a cidade e para as tropas. A junta, que se reunia seguindo a
e cerca de 4.000 índios aliados, retirados dos aldeamentos Jesu1t1cos do resoluc;ao da lei de 1611, resolveu declarar guerra aos tapuias, consi-
litoral. Em setembro, os tupinambás do Paraguac;u foram derrotados e, derando-a justa. No entanto, de acordo com Taunay, os resultados da
no local, foi criada urna vila, sob invocac;ao de Nossa Senhora da Vitó- reuniao foram pouco práticos e por muitos anos aos moradores conti-
ria também chamada de "Cachoeira". Esta vila será importante entre- nuou cabendo o onus ·de viver na fronteira. De fato, nos anos seguin-
' . ,
posto comercial do Reconcavo Baiano ao mesmo tempo que servua, tes, as guerras holandesas ocupariam toda a iniciativa do governo-geral.
até o século XX, como principal "porta" daqueles sertoes. A navega- Segundo Alexandre de Sousa Freire - que foi governador entre 1667-
c;ao, que era possível até o povoado situado nos pés de ~~a importan.te 1671 e historiou esses acontecimentos - naquele momento nada po-
queda-d'água, dava lugar aos caminhos terrestres. O v1aJante podena, día ser feíto, "pela diversao das guerras de Pernambuco e mais capita-
entao, acompanhar o curso do Jacuípe, mais ao norte, ou o P!óprio Para- nías do Norte, cujos moradores tomaram as armas contra os holande-
guac;u, para depois seguir as veredas pelo sertao de dentro. _, . ses". Pela mesma razao, nao as moveu contra o gentío bárbaro o conde
Se as terras mais próximas do lagamar eram ocupadas preferenc1al- Vilapouca de Aguiar, que sucedeu Teles da Silva. 4
mente pelas plantac;oes de cana e pelos engenhos de ac;úcar, o interior
imediato do Reconcavo servirá sobretudo a criac;ao de gado. Desde as Jornadas do sertao, 1651-1656
primeiras décadas do século XVII, os "índios bravos" do sertao (isto é,
tapuias) resistiam ao avanc;o da fronteira pastoril, causando pr~blemas Em maio de 1651, os ataques dos tapuias que desciam de suas al-
aos moradores das freguesias do Reconcavo Baiano, atacando vtlas, en- deias, provavelmente situadas ao longo dorio de Mauraú (Contas), "opri-
genhos, fazendas e criac;oes. No ano de 1612, os "índios bravos" inva- miam" os moradores das freguesias do sul do Reconcavo e de llhéus.
diram o engenho e o distrito de Capanema, na freguesia de Paraguac;u. Nesse momento, a situac;ao da guerra em Pernan1buco permitia que o
Em 1621, mataram alguns "moradores e guardadores do gado" nos cam- governador-geral, o conde de Castelo Melhor, tomasse providencias no
pos de Aporá, na margem sul do Paraguac;u, a dezoito léguas da cidad~, sentido de organizar urna expedic;ao punitiva. O sargento-mor Diogo
"nao deixando coisa viva" , o que fez aqueles sertoes ficarem "por mu1- de Oliveira Serpa foi nomeado cabo de urna "jornada do sertao" que
tos anos despovoados". E nao tendo já aí em que executar a sua "fero- deveria partir em agosto, "por respeito das águas", is toé, aproveitando

Veja também Raymundo Faoro. Os donos do poder:/01maftlo do patronato político brasi- 4


Proposta de Alexandre de Sousa Freire tomada em assenco no dia 4/3/1669. DH, 3:
leiro. Porto Alegre, 1976 (1958), p.144-5. 205-16; ou in: lnácio Accioli de Cerque ira e Silva. Me111ó1ias históricas e políticas da
3 Cf. Francisco Adolfo de Varnhagen. História geral do Brasil. Sao Paulo, 1975, tomo l , províncin da Bahía. Salvador, 1940, vol. 2, p. 30-3. Veja cambém Affo nso de E. Taunay.
p. 299-31 3; e Jorge Couto. A construrao do Brasil: n.meríndios, po11ug11eses e africanos, do Histórin geral das bandeirns paulistas. Sao Paulo, 1950, vol. 4, p. 316-8; e " Docume nto
início do povoamento a finais de Quinhentos. Lisboa, 1998, p. 262-8. do códice Livro Segundo do Governo do Brasil do Muse u Paulista". Ali1P, 3: 128.
92 G u E R RAs No REe ó N e AV o G uE R RAs No RE e ó e AV o 93
a esta9ao boa de chuvas. Mas, urna vez que as guerras no Norte contra
os holandeses ocupavam sobremaneira as for9as regulares do Estado -
vale dizer, os dois cer9os de Salvador - urna série de medidas foi corna-
da visando aumentar o contingente desea jornada. Serpa recebeu or-
dem de incorporar a bandeira um cerro Luís da Silva, que seria de "muito
préscimo para este intento comos índios do Tapocurúmiry" (lcapecuru-
mirim). O, governador sugeria ainda que o sargento-mor procurasse por
García d'Avila, pois passando pela sua Torre este poderia lhe "dar gen-
te" mediante a apresenca9ao de urna carra. Da mesma maneira, per-
doaram-se por meio de um bando todos os desertores da pra9a da Bahia
e do exército de Pernambuco, para engrossar a gente de guerra. De
acordo com o plano tra9ado, a jornada deveria partir em dire~ao a
Camamu, onde Serpa falaria com os principais das aldeias dos aimorés,
que estavam em guerra contra os tapuias. Em Boipeba, deveria recru-
tar um sercanisca, Francisco Fernandes Preto, que já havia estado em
Sao Paulo muitas vezes e era "um grande língua" .5 Nao remos mais
notícias dos sucessos desea entrada.
Em secembro de 1651, o governador-geral resolveu nomear Gaspar
Rodrigues Adorno como "capitao-mor de toda a gente que ora mando
ao sercao". Seu irmao, Agostinho Pereira, deveria ir junco como cabo e
portava a primeira vía de sucessao, isto é, deveria substituí-lo em qual-
quer circunstancia. Além disso, iam também o ajudante Manuel da Costa
e urna "marcha de 40 estrangeiros", dividida em duas tropas sob o co-
mando dos cabos Joao Pedi e Joao Jorge. 6 Um ano depois, a situa9ao
continuava grave, sendo que os próprios moradores de Jaguaripe tive-
ram de enfrentar "a tulha do gentío"; alguns deles, com medo dos ín-
dios, "já dizem que querem largar a cerra". Adorno nao se prontificava ~1apa 2. O Reconcavo Baiano e o sercao de dentro, século XVII.
ainda a por em efeito a jornada, o que causava embara9os ao governo-
geral.7

5 Carta do conde de Castel Melhor para Díogo de Olíveira Serpa, 22/5/165 t. DH, 3:
107-8. Há urna carta de recomenda~ao ao senhor de enge nho Filipe de Moura de
Albuqucrquc, 22/5/1651. DH, 3:110. Em carca de 12 de junho ao governador da capi-
tanía de Ilhé us, Antonio de Couros Carneiro, o conde esclarecía que desejava o sos-
sego dos moradores pois nao era "pequeno o que !he fazem em mandar farinhas".
Conta q ue ordcnou ao capitao Francisco da Rocha Fragoso que para lá se dirigisse
com a sua companhia, para a qual Carneíro deveria garantir o sustento com farinha e
pe ixe, por parce dos moradores ofendidos pe lo gentío. Carta do conde para o capitao-
mor de llhéus, 12/6/1651. DH, 3:112-3.
6
Carta patente do cargo de capitao-mor de toda a gente que vai ajornada do scrcao, na
pessoa de Gaspar Rodrigues Adorno, 4/9/1654, e carta patente de Manuel Soares
Robles, 15/9/1651. DH, 31:96-101e105-6.
7 Carta do conde de Castel Melhor para acamara da Bahia, 2/9/1652. DH, 3:185.
94 G u E R R As N o REe óNe AV o G uE R RA s No REe ó Ne A V o 95
" Em 14 de setembro de 1654, o novo governador, Jeronimo de Ataíde, aldeias do rio ltapecuru (ltapecurumirim), com quem tinha "particular
o conde de Atouguia, remetía nova lista das gentes e despesa necessá- comunica9ao", no sentido de convence-los a acompanhar a gente que
ria para a jornada do sertao, que Adorno, segundo o documento, nao se enviava em urna entrada contra os tapuias. Deveriam entao fazer bas-
atrevia a empreender por sentir-se fraco, e neste caso animara-se o gen- tante frecharia e dirigir-se a Salvador, onde lhes mandaría "contentar
tío, que descia com menos temor, e continuavam as hostilidades. 8 Como de maneira que voltem com a melhor vontade" para a guerra. Na mes-
resultado de urna peti9ao feita pelos moradores de Paragua9u e Jagua- ma ocasiao, alertou aos capitaes das aldeias de Jaguaripe e Maragojipe
ripe, "em que pediam se fizesse entrada ao gentio que por tantas vezes que tivessem prontos, "para a jornada que mando fazer brevemente ao
os havia assaltado matando gente considerável e impedindo a lavoura", sertao", todos os índios que nessas aldeias fossem capazes de marchar. 14
reuniu-se, no día 16 de outubro de 1654, urna junta na camarada Bahia, Em novembro de 1654, o governador-geral ordenou o retorno ime-
com a presen9a do governador-geral, dos edis e demais cidadaos. Esta diato do sargento-mor a Salvador. Certamente por contadas notícias da
junta concordou em que se devia por fim fazer a jornada por "ser con- paz dos holandeses com os ingleses fazia-se necessária urna série de
veniente ao servi90 de Deus e de Sua Majestade e sua real Fazenda". 9 medidas preventivas, em razao de um ataque que se podía esperar dos
Acertou-se, entao, o lan9amento de urna finta para cobrir os custos da inimigos recentemente expulsos de Pernambuco. 15 Isso atrasaria os pre-
expedi9ao or9ada em 1:600$000 réis. 10 Do seu lado, o conde de Ato u guia parativos da jornada, mas nao por muito tempo. Em 6 de dezembro,
incumbiu-se de tomar as medidas necessárias para garantir a reuniao tendo os tapuias atacado novamente as fazendas e engenhos de Jagua-
do contingente necessário. O sargento-mor da Bahia, Pedro Gomes, de- ripe, o conde pedía ao capitao Gaspar Rodrigues Adorno que viesse ra-
veria fornecer 600 índios, 50 infantes e 230 soldados da ordenan~a a pidamente a cidade para ultimar a reuniao da gente da infantaria e da
Gaspar Rodrigues Adorno. Os soldados deveriam ser recrutados nas com- ordenan9a. 16 F ormaram-se cinco companhias para a nova jornada, e seu
panhias das freguesias do Reconcavo, principalmente entre os brancos irmao, Agostinho Pereira, ia agora como sargento-mor. 17 Segundo o re-
desobrigados e os mamelucos. Por sua vez, os capitaes de cada fregue- gimento da jornada, deveriam todos partir da Cachoeira (no Paragua9u),
sia deveriam dar "a cada soldado urna espingarda e urna rodela [escu- onde se reuniriam, e avan~ar pelo sertao em busca das aldeias dos tapuias
do] tomando-as para isso a quaisquer pessoas que nos seus distritos as rebeldes, fazendo as pazes com os que concordassem em se submeter
tiverem, das quais lhe dará recibo para por ele se lhes tornarem a resti- e arrasando aos inimigos renitentes. 18
tuir acabada a jornada, e perdendo-se nela se lhe pagar". O governador Infelizmente, acabam aqui as notícias desta jornada. Tal como a de
lan9ou também um bando convocando os homiziados a participar. 11 Os 1651, nao sabemos su as conseqüencias e resultados. Nao obstante, ao
índios aldeados deveriam completar a tropa, urna vez que o fim desta
a<;ao nao era "s6 evitar os moradores do Reconcavo a opressao que pa- 1
~ Carta do conde de Atouguia para o capitao da aldeia de Jaguaripe, 1.0 /10/1654. DH,
decem, mas reduzir aquele gentío ao conhecimento de nossa fé católi- 3:217-8.
15
ca". Foi solicitado que García d'Ávila tirasse da Torre - isto é, de suas Carta a Pedro Gomes, 18/11/1654. DH, 3:237; carta do conde de Atouguia para Anto-
cerras - urna quantidade de índios e mesti9os, armados de frecharia e nio de Couros Carneiro, 18/11/1654. DH, 3:242-3; e DH, 4:36-7.
16
Carta a Gaspar Rodrigues Adorno, 6/12/1654. DH, 3:246-8. O capitao esteve, na vés-
"prontos para todas as horas" .12 O superior da aldeia do Camamu deve-
pera do Natal, pcrante os ofieiais da camara da Bahia, quando o tesoure iro, Pedro
ria estar prevenido em fornecer 40 índios dos melhores, armados de Marinho L obo, lhe encregou "os generos de resgatc para dar ao gent ío levantado
frecharia e comandados por um cabo eleito pelo padre. 13 Além disso, o quando para paz segura reduzir a nossa amizade que sao 200 machados, 200 foices,
conde ordenou a Luís da Silva que conversasse com os principais das 300 facas, 5 milheiros de anzóis, 6 caixas de pentes, 6 ma9os de velório, 200 varas de
pano de linho, 20 facoes, 20 vestidos que rudo monta conforme seu custo de 214$920
ré is". Rodrigues se compromete u, en tao, a em havendo gue rra devolver os ge neros e
8 Carta do conde de Atouguia para a cámara da Bahia, 14/9/ 1654. DH, 3:223-4. na fa lta o seu valor. ACS, 3:279-80.
? ACS, 3:27 1-3. 17
Carta pate nte de Agostinho Pereira, 23/ 12/ 1654. DH, 3 / :153-4. Segundo a "sucessao
10
lbidem. que le vou o capitao-mor Gaspar Roiz Adorno na jornada do Sertao", as companhias
11
Carta do conde de Atouguia para Pedro Gomes, 1654. DH, 3:225-7. eram chefi adas pelo ca pitao Francisco, "seu cunhado", ca pitao Manuel Roiz Soares, ca pi-
12 Carta do conde de Atouguia para García d'Ávila, 19/10/1654. DH, 3:228. tao Alexand rc Oías e capitao Bartolomeu Garo. Carta régia 24/1 2/1654. DH, 4:42-3.
u C arta do conde de Atouguia para o superior da aldeia de Camamu, 16/10/1654. DH, 1
~ Regimento que lcvou o capitao-mor Gaspar Rodrigues Adorno na jornada do serrao,
3:228-9. 24/12/1654. DH, 4:37-42.
96 G u E R R As No REe óN e AV o G u E R R As No RE e ó N e AVo 97
" final de dois anos, outra expedi9ao, organizada segundo os mesmos surrei9ao incontrolável. A evolu9ao das formas de enfrentamento des-
moldes, foi aprestada para fazer face aos tapuias rebelados do Reconcavo. ees inim.igos passaria, entao, por urna avalia9ao dos erros estratégicos
Desea vez o comando escava nas maos do capitao-n1or Tomé Días Lassos, em que 1ncorreram as tropas e, dado que se tratava basicamente de sol-
que fora capitao da ordenan9a no Reconcavo nos tempos das guerras dados da ordenan9a e de infantaria dos te r9os de Salvador, pela percep-
com os holandeses. O regimento de sua jornada era identico ao de seu ~ao da necessidade de urna mudan9a na sua natureza. Como vimos no
antecessor, e com ele deveriam ir quatro companhias de infantaria, numa capítulo anterior, esta viria acompanhada de urna guinada da política
delas Agostinho Pereira. 19 Em 18 de ou tu bro de 1656, el-rei determi- relativa aos tapuias, tidos como bárbaros. Nada suavemente, o destino
no u que Pedro Gomes se encarregasse de tudo que tocasse a infantaria das civiliza96es indígenas do interior da América, cada vez mais portu-
e mais gente que fosse na jornada do sertao, dando ao capitao-mor Lassos guesa, escapava de suas próprias maos.
todos os carros e cavalgaduras necessários para a condu9ao dos manti-
mentos, que foram conseguidos junto acamara da cidade. 20 Apesar de A Guerra do Orobó, 1657-1659
tantos preparativos, Lassos conseguiu apenas fazer as pazes "com qua-
tro aldeias", cu jos principais prometeram que brevemente desceriam Mestre-de-campo-general nomeado para a guerra contra os holande-
para mais perto das povoa96es dos moradores. 21 ses, Francisco Barrero de Meneses havia tido papel decisivo no coman-
Segundo a avalia9ao do governador Alexandre de Sousa Freire, a to- do das for9as dos restauradores, senda, portanto, um experiente mili-
das estas expedi96es "urna e outra coisa faltaram; porque nem desce- tar. Como já foi <lito, o termo de capitula9ao do holandeses, firmado em
ram [os índios], nem deixaram de repetir todos os anos, urna e muitas 1654, incorporava urna cláusula de anistia para os índios que "tivessem
vezes, os seus assaltos e latrocínios" .22 Apesar de seu fracasso, estas tres sido rebeldes a Coroa de Portugal", isto é, ficado do lado holandes. Os
jornadas - a de Diogo de Oliveira Serpa (1651), as tentativas do capi- "tapuias de que é regedor Joao Duim" (Janduí) haviam sido perdoados
tao Adorno (1651-54) e a expedi9ao de Tomé Días Lassos (1656) - pelo mestre-de-campo em 4 de maio de 1654, perdao esse ratificado
devem ser compreendidas como parte de um esfor90 do governo-geral em 9 de setembro. Contudo, os conflitos entre esses índios e os mora-
de formaliza9ao dos mecanismos de repressao e controle das na96es dores do Río Grande continuaram, de maneira que Barreta, feíto go-
tapuias, que entravam em contato coma fronteira da economía colonial vernador de Pernambuco logo após a expulsao dos holandeses, os havia
e atalhavam seu desenvolvimento. O malogro, naquele momento, nao mandado castigar. O sargento-mor Antonio Días Cardoso foi instruído a
significava que estes "capitaes da gente enviada ao sertao" nao tenham marchar com a infantaria para atacar os "rebelados", "degolando a todos
continuado em atividade no sertao. Ao contrário, como veremos, parti- que forem de oito anos para cima, aprisionando as mulheres e crias". 23
ciparam ativamente dos sucessos das guerras dos bárbaros nos anos que Em 1657, Barrero foi nomeado governador-geral do Brasil e Iogo teve
se seguiram. Do ponto de vista da administra9ao colonial, novas pers- de enfrentar o problema dos ataques dos tapuias ao Reconcavo, que
pectivas, contudo, urgiam para que os colonos pudessem fazer face a continuavam a ocorrer, notadamente, nas freguesias de Paragua~u, Ja-
um movimento de resistencia que se tornava, pouco a pouco, urna in- guaripe e Cachoeira. Com efeito, poucos días depois da sua chegada a
Bahía, foram atacados e morros trinca moradores naquelas freguesias. 24
Segundo sua opiniao, todas as tentativas de seus antecessores de fazer
19 Patente de Tomé Oias L assos, 8/10/1656. DH, 31: 191-2 e 193. Regimento que levou "diferentes entradas no sertao com bastante golpe de infantaria e ín-
o capitao-mor na jornada do sertao, 9/10/1656. DH, 5:245-50. Seu regimento é igual
dios domésticos e confederados para castigar a insolencia com que os
ao do Gaspar Adorno, mas sem as referencias a Luís da Silva. A "sucessao que levou
o ca pitao-mor Tomé Dias Lassos na jornada que vai ao sercao" ordenava que em caso bárbaros costumam descer ao Reconcavo, nunca até hoje puderam ter
falecesse o capitao-mor nao houvesse precedencia alguma, e sim que todos juntos
tomassem as decis5es, 18/10/ 1656. DH, 5:250-1.
20
DH, 5:252. ZJ J. A.
Gonsalves de Mello. "Brico Freyre, sua história e Pernambuco". In: Francisco
21 Como fian9a desea paz, crouxe consigo urna "urna rapariga, que lhe deram, por filh a de Brit0 Freyre. Nova l11sitánia: História da guerra brasílica escrita po1: . . (1 675). Re-
de um principal". Representa9ao dos moradores das freguesias, 10/5/1657. ACS, 3:346-7. cife, 1977, s.p.; carta do conde de Atouguia para o mestre-de-campo-gencral Francis-
22 Proposca de Alexandre de Sousa Freire tomada em assento no dia 4/3/1669. DH, co Barreto, 20/3/1655. DI/, 3:265.
3:205-16. z~ Carta de Francisco Barrcto ao re i, 1658. DH, 4:356-7.
98 G u E R R As N o RE e ó N e AV o G u E R R As No REe ó N e AVo 99
" efeico; porque foi sempre neles a sua maior resistencia a ligeireza, e nos se assumida pelo povo da cidade, já que se tratava também do seu sos-
nossos o maior impedimento a ignorancia da campanha, e o pouco uso sego. 28 Promecia aos moradores enviar a infantaria aos sertoes, para o
daquela g uerra".25 Sua prácica nas guerras do sercao lhe permicia julgar que havia encarregado Pedro Gomes, promovido a sargento-mor do
os motivos do sucesso desee "novo modo de guerra do gencio" : mestre-de-campo-general, 29 juntamente como capicao Gaspar Rodrigues
Adorno. Ambos deveriam abrir urna estrada de carros, ao longo da qual
"Todas as vezes que fez entrada ao sertao se nao logrou por nao estariam as casas-forces com planta~oes de mantimentos. Estimava-se a
achar a infancaria mantimentos, chegar cansada, nao saber a campa- necessidade de cerca de 30 ou 40 carros, para conduzir pelo menos 800
nha, nao ter forcifica~ao em que se fazer para sua seguran~a e descan- ra~oes aos 300 infantes e 200 índios da expedi~ao. Desse modo, inicial-
sar do caminho para me lhor pelejam ter permanencia na hostilidade mente deveriam marchar 80 infantes para garantir a seguran9a dos que
que ia a fazer e que [com] este defeito apenas chegavam as nossas fossem erguer as casas-forces e abrir os caminhos. 30 A estrada deveria
tropas a vista do inimigo, quando Oll por falta de mantimentos OU partir da Cachoeira e seguir até a "borda da mata da serra do Orobó",
receoso com a disc~ncia da retirada, ou realmente por cansados e fal- onde seria erguida a primeira casa-force. O regimento passado para a
tas de governo se vo ltavam 1ogo d an d o novo animo aos b ar
" b aros " .26
A •

expedi9ao é claro em recomendar que a estrada fosse feíta segundo "os


caminhos dos gentíos", is to é, em "parces donde se achem águas, e pas-
Como o abastecimento das expedi9oes ao sercao do Reconcavo era tos para os bois: mas nem no caso que ache urna tao estéril que os nao
tido como o ponto fraco dos esfor9os de guerra, a estratégia de Barreto tenha, deixe por isso de continuar a estrada, e a vai abrindo até a mata
foi enviar a infantaria para abrir um caminho, onde seriam construídas do Orobó, na forma que o terreno permitir". Além de definir o caminho
casas-forces e estabelecida urna "muralha" de aldeias amigas. Mais do para futuras expedi~oes, Adorno e Gomes deveriam cuidar de deixar
que isso, porém, tencionava oferecer assim urna infra-estrutura para que assinalada a estrada, pondo " balizas em distancia, que se enxerguem
tropas "contratadas" de sertanistas experimentados se aprofundassem de urnas as outras: advertindo que a qualidade do pau seja a mais
no território e destruíssem toda resistencia indígena, macando e cati- incomestível que se achar, para que tenha duravao" .31
vando os rebeldes. As cribos de tapuias habitantes da serra do Orobó Segundo urna representa~ao dos mesmos moradores, as aldeias que
foram entao identificadas como os agressores das fazendas e moradores Lassos havia conseguido trazer para o sul continuavam rebeldes, o que
das partes do rio Paragua9u, dos chamados Campos da Cachoeira, do poderia prejudicar os avanvos para o sertao. 32 A solu~ao proposta por
rio Jacuípe, Campo Grande e Inhambupe, além dos que ficavam na Barreto foi ordenar, por um regimento de 21 de dezembro de 1657, que
parte sul do Paragua~u, isto é, as freguesias de Maragojipe e Jaguaripe. 27
Objetivando chegar com as tropas até estes tapuias, em setembro de
1657, Barreto mandou que fossem feitas "casas-forces nas paragens mais zx Carta de Francisco Barrero acerca das casas forces que se hao de fazer no sertao, 10/9/
convenientes do sertao [do Paragua9u], com infantaria bastante [para] 1657. DH, 86:138.
conservar as aldeias amigas, reduzir ou desbaratar as contrárias e segu- l.9 Carca de Francisco Barrero para a camara da Bahia, 15/9/1657. DH, 86: 143; Pe dro
Gomes havia chegado no Brasil e m 1635. Participou ativame nte das guerras con era os
rar aquela campanha". Para tanto, convinha que parte das despesas fos-
holandeses, e fora sargenco-mor do cer90 do mestre-de-campo Joao de Araújo (o ter90
velho) e da gente da ordenan~a da capitania da Bahia, sendo provido, em fevereiro de
25
1657, sargento-mor do mestre-de-campo-general. Foi nessa condi~ao que recebeu
Carca ao capicao-mor de Sao Vicence, Manuel de Sousa da Silva, 21/9/1657. DH, 3:395. esta missao. Carca do conde de Atouguia ao re i, 3/2/1675. DH, 4:302. Mais carde, em
26
Carta de Francisco Barrero para acamara da Bahia, 13/9/1657. DH, 86: 139-42. dezembro de 1671, Pedro Gomes será fe ito mestre-de-campo do Ter~o Novo. Luís
27 Orobó (Cola ac11111inata) é o nome de urna pequena árvore de fl ores amarelas e fruto ~1onte iro da Cosca. 1Va Bahía Colonial, apo11tame11tos para história militar da cidade de
e m forma de escrela, cujas sementes contem cafeína. Provavelmente abundante, de- Salvador. Salvador, 1958, p. 101.
signava a regiao de serras situadas e ntre os rios P aragua~u e Jacuípe. Apesar de existir 3
° Carca de Francisco Barrero, 13/9/1657. DH, 86: 139-42.
atualmence urna serra do Orobó, situada perto do município de Rui Barbosa, o mais 31
Regimento que Ievou o sargento-mor Pedro Gomes para abrir a estrada desde a Ca-
correto é e ncendermos que, no século XVII, a chamada "serra do Orobó" compreen- choeira até o Orobó, 3/10/ 1657. DH, 4:52.
desse de fato a regiao de serras que incluíam as serras de Sanca Brígida (no município 32 10/5/1657. ACS, 3:346-47; e "Registro das raz5es que dao os moradores que fi cam da
de lcaberaba), do Camisao (lpuá) e de Sao Francisco (serra Preca), e ntre oucras que parte donde o gentio costuma fazer entradas'', provavelmente na mesma data, 10/5/
compoem o planalco leste anterior a depressao do rio Sao Francisco. 1657. ACS, 3:347-50.
. 'l

100 G u E R R A s N o R E e 6 N e A V o GUERRAS N O R ECÓ N CA VO 101


" o ajudante Luís Álvares fosse comos 25 soldados até Jacobina, no alto as reses necessárias dos moradores. Na Cachoeira ficaria o capitao Benco
ltapecuru, para passar todas as aldeias de paiaiases amigos, que e ram Fernandes Casado, e ncarregado de remeter mais farinha para a casa-for-
quinze, para a serra do Orobó, onde poderiam melhor se conservar e ce e agenciar vaq ue iros para conduzir o gado que conseguisse comprar.
"fazerem fronte ira naque la parte aos bárbaros, que pode m descer ao Como se ve, era necessário ir lastreando a jornada com suprime ncos,
Reconcavo" . Junto com Luís Álvares deveriam ir os principais dos sem o que a manuten9ao da tropa escaria completamente comprometida e a
paiaiases e o crioulo Antonio, escravo do padre Antonio Pereira (outro empreicada ficaria "tao infrutuosa como haviam sido as outras". O regi-
grande proprie tário de terras e gado), como língua e prático naquele mento ordenava que o capitao Aires inventariasse as farinhas, ferramen-
sertao. Pe dro Gomes, "com muita infantaria", estaría aguardando-os no tas e muni96es que houvesse na casa-force e, recolhido o gado em um
Orobó para "destruir os tapuias seus inimigos". 3J Como se percebe, o curral, abatesse o necessário para os soldados levarem de moquém, com-
governador irnaginava refon;ar as tropas estacionadas na porta daqueles pletando-lhes a ra9ao com "tres quartas de farinha". No comando da
sertoes e firmar, com a presen9a desses tapuias aliados, urna "muralha" casa-force, Aires deveria substituir o capitao Filipe Coelho pelo capitao
entre o Recóncavo e os bárbaros do alto sertao. Francisco de Brá, para que este concluísse a constru9ao de urna aldeia
Contudo, estas expedi96es pareciam nao surtir efeito algum. Segun- nova que reuniria os índios das aldeias reais de Maragojipe e Jaguaripe
do Joao Lopes Serra, Pedro Gomes conseguiu capturar apenas um ín- e da aldeia de D. Clara. O objetivo era ter mao-de-obra suficiente para
dio, e toda a iniciativa servira apenas para deixar mais doences e monos o plantío de urna grande ro~a de mandioca e legumes capazes de sus-
entre as tropas.34 Para tornar as coisas mais difíceis, nao havia mais tra- tentar a gente de guerra durante o inverno, quando as condi~oes dos
9os de Luís Álvares e dos paiaiases. Assim, no final de janeiro de 1658, caminhos impediam o envio dos mantimentos da cidade.35
o governador achou melhor mandar refor9os. Nomeou o capitao Bartolo- Gaspar Rodrigues Adorno escava aguardando a chegada do ca pitao Aires
meu Aires como cabo das quatro companhias de infancaria que apres- para juntos partirem ao sertao,
,, no rastro dos homens do sargento-mor
tou para desbaratar completamente o "gentio bravo". A guerra fora de- Pedro Gomes. Como Luís Alvares e seus índios estavam sumidos, de-
clarada "total", pois a expedi9ao deveria perseguir os índios nao só veriam fazer de tudo para localizá-los, como acender fogueiras e deixar
no Orobó, mas cambém no Utinga ou qualquer outra serra onde se ti- sinais de sua passagem. O regimento de Aires sugería que se fixasse urna
vessem retirado, e fazer-lhes guerra "desbaratando-os e degolando-os estaca no caminho, na qual se deixaria urna carta para o ajudante e os
por todos os meios e indústrias que no ardil militar forem possíveis". paiaiases. Se estes fossem encontrados, o'capitao deveria esfor9ar-se para
Francisco Barrero se fiava no "valor e experiencia" do capicao Aires, a convence-los a nao ficar na serra, dada a dificuldade de se enviar manti-
quem recomendava que fizesse "exce9ao deste rigor" apenas as "[mu- mentos para lá. O ideal seria se aldearem em torno da casa-force, que
lheres] tapuias e meninos, [a] que dará a vida e [os] cativará". E como seria fortificada com urna palic;ada regular e um alojamento para 25 sol-
os tapuias tivessem o costume de esconder as mulheres e filhos longe dados. O cabo que ficasse na casa-force tinha ordem para se portar com
do campo das opera96es de guerra, o regimento detalhava que era ne- os índios paiaiases "com todo o bom modo e prudencia que pede a co-
cessário aprisionar un1 tapuia e torturá-lo (dando-lhe "tratos de clavina") munica9ao de uns homens bárbaros para os ter conformes e inclinados" a
até que o local onde houvessem escondido o "mulherio" fosse revela- pelejar "com qualquer nac;ao que lhes fizerem guerra" .36 Aoque parece,
do. Segundo o seu regimento, Aires deveria marchar até Cachoeira, onde segundo informe de Barreta, um ano depois dessas ordens, "o mais ár-
se juntaría com os setenta tapuias aliados, que estavam sob as ordens duo do caminho" tinha sido vencido e estava aberta urna "estrada de
de um cerco Francisco Mulato. Com mantimentos suficientes para tres carro até a primeira casa-forre que fica feita, e dista da cachoeira 40 lé-
meses, deveriam ir até a casa-force na ribeira do P aragua9u, comprando guas pelo sertao, e com quatro companhias de infantaria e alguns índios
se vai penetrando o mais interior para a parte das aldeias inimigas" .37
A estratégia pensada pelo governador-geral previa, no entanto, um
33 Regimento de Luís Álvares, 21/12/1657. DH, 4:58-9.
34 Joao Lopes Scrra. "Vida o paneguirico funebre al senor Affonso Furcado Castro do
Rio Mendon ~a. Bahia, 1676", publicado por Stuart Schwarcz. A Gover11or a11d His 35 Regirnenco do capitao Bartolorneu Aires, 31/1/1658. DH, 4:64-75 e 77-9.
lmage in Baroque Brazil, the Funeral Eulogy of Afonso F111tado de Castro do Río de Men- 3
" 1bidern.
donfa by. .. Minneapolis, 1979, p. 44. 37 Carca de Francisco Barreto para o capicao-mor de Sao Vicente, 27/2/1658. DH, 3:406.
102 G u E R R As N o R E e ó Ne A V o G u E R R As No REe óN e AV o 103

"' outro elemento. Em setembro de 1657, alguns meses depois de ter to- nham provado mais avantajadamente, e haja melhor opiniao da sua ex-
mado as medidas necessárias para garantir a permanencia das tropas no periencia e valor, com até duzentos índios bons soldados naquele ge-
sertao e de erguer urna "muralha de aldeias" na serra do Orobó, Fran- nero de guerra". Com a promessa de garantir a legalidade do cativeiro
cisco Barrero escrevia ao capitao-mor de Sao Vicente para acertar um con- de todos os índios capturados na guerra, considerada justa pela junta,
trato com os paulistas. Julgando do "pouco uso que a infantaria aqui tem como já foi dito, o governador-geral esperava atrair os paulistas que se
de pelejar" a sua incapacidade para evitar as hostilidades dos bárbaros viam em dificuldades depois das derrotas sofridas no Sul. 39 Como numa
e conservar as aldeias amigas, Barrero entendia que "só a experiencia concorrencia, todas as condi~oes, sobretudo da possibilidade de apre-
dos sertanistas desta capitania [os paulistas] poderá vencer as dificulda- sar o gentio, foram lidas em público e, "em lugares acostumados desta
des que os desta acham a se destruírem totalmente aquelas aldeias, que vila, mandaram fixar para que todos os moradores" tomassem conheci-
é o em que ultimamente consiste a confirma~ao das pacíficas e o sosse- mento. No dia 17 de mar~o de 1658, juntaram-se, na casa onde funcio-
go do Reconcavo". Considerando que na ocasiao a briga entre as fac- nava a camara de Sao Paulo, os oficiais, o capitao-mor Hiero Pantoja
~oes dos Pires e dos Camargos incendiava em guerra civil a vila de Sao Leitam e os "homens bons" "para acordarem sobre quem havia de se-
Paulo ("as armas desses moradores andam tao ocupadas em recíproca guir a jornada da Bahia", rendo decidido por Domingos Barbosa Calheiros
ofensa de uns e outros"), nao seria interessante "converte-las contra e Bernardo Sanches Aguiar, "cada um com gente que pudesse tirar e
esses inimigos" ?38 Para tanto, pedia que a camara de Sao Paulo nomeas- adquirir assim brancos como índios" .4°Calheiros era um dos mais im-
se um cabo, dois capitaes e até vinte pessoas, "das que no sertao re- portantes chefes dos Camargos, e levava consigo o mais desordeiro de-
les, o capitao Fernando de Camargo, conhecido pela alcunha de "Tigre" .41
311
Barrcto, afinal, fora quem pacificara esca "guerra civil" paulisca. No final de 1655,
inícios de 1656, esciveram na Bahía dois procuradores dessas famílias para resolver a sercao bastante poder de infantaria e índios nenhuma se logrou o intento de os
puni~ao dos culpados das várias mortes sucedidas e sobre as elei~Cíes da camara. Con- castigar por falca de pessoas inteligentes". DH, 3:401-2. Em 13 de outubro de 1658,
sultada a Rela~ao, esca decidiu pelo perdao dos culpados e concilia~ao nas elei~oes. Francisco Barrero passou outro alvará que pedia se cumprisse "inviolavelmente" a
Como alguns haviam sido condenados a pena capital, ficava difícil a sicua~ao já que provisao passada pelo conde de Acouguia para a pac ifica~ao das disputas entre os
eram dos principais da cerra, particularmente os Pires. Como dizia o conde de Atouguia Pires e Camargos. DH, 5:329-30. Veja cambém A. E . launay. História seiscentista da
cm carta ao rei, "nao era justo que pela porfia de urna só mulher que era a parence Vi/a de Sao Pardo. Sao Paulo, 1927, particularmente o vol. 2, p. 55 ss.
mais obstinada se perdesse urna capitanía". Assim, apesar da "natural inconstancia e 39 Carca do governador-geral para Manuel de Sousa da Silva, 21/9/1657. DH, 3:393-8.
brío daqueles homens", o conde espera va conciliar as parces. Carta ao rei, 24/1/1656. Passou-se alvará para dar cumprimenco em 13/10/1657. DH, 4:54-5. Barreto resolveu
DH, 4:277-9. As coisas todavía nao parece terem-se resolvido. Como cm Sao Paulo por e m execu~ao o assenco que se fez no tempo do governador Antonio Teles da
havia um declarado novo conflico entre os Camargos e os Pires, os dois principais Silva, que resol vera por decisao de urna ju nea com o hispo e uns "teólogos" que os ín-
partidos da regiao, fazia-se anees necessário apaziguá-los para conseguir organizar a dios pudessem ser cativados "para que por meio de inceresse houvesse quem volun-
bandeira. Carta do conde de Acouguia para acamara de Sao Paulo, 5/10/1654, e 7/12/ tariamente se dispusesse a conquistá-los. E como os moradores de Sao Paulo sao ho-
1655. DIJ, 3:22 1-2 e 299-301. Assim, no mesmo 21 de setembro de 1657, responden- mens que levados dele se expoem a perder as vidas no sertao, donde continuamente
do a carta de 12 de julho, Francisco Barreco fora mais claro no tocante a forma de andam; ordenei ao capicao-mor daquela capicania e acamara de Sao Paulo os enviasse
conciliar as partes em disputa. Julgava melhor deixá-lo por conca do capitao-mor debaixo da palavra que lhe dei de que codos os bárbaros que aprisionassem na guerra
rvtanuel de Sousa da Silva que os convencesse a deixar "o castigo ou absolvi~ao do (por no-la fazerem estes anos injusta) seriam escravos, e se serviriam deles levando-
vigário ao recurso ordinário do administrador dessas capitanías. E comem exemplo os a sua capitania donde os ceriam debaixo daquele título até Vossa Majescade resol-
nos da de Sergipe del-Reí (cuja influencia foi a mesma) que também pela expulsao ver se convém se guarde o referido assenco". Carca de Francisco Barreto ao rei, 1658.
do seu vigário escao aqui presos, e com a maior parte de suas fazendas perdidas. O DH, 4:356-7. Sobre o sercanismo paulista e a atividade apresadora das bandeiras no
que suposco trabalhe vosmece reduzi-los para que nao se passe da suavidade com sécu lo XVII, veja j ohn Manuel ~lonceiro. Negros da terra. Sao Paulo, 1994, p. 57-98.
que os desejo favorecer a violencia com que será preciso cascigá-los". DH, 3:399. Na .;o ACSP, 6 (anexo):81-2; Calheiros era o capicao-mor e a sucessao era do ca pitao Bernardo
carta de mesma daca aos oficiais da camara da Sao Paulo, cujo "tribunal é cabe~a do Sanches de Aguiar, conforme carca de Francisco Barrero, 10/9/1658. DH, 5:321-2. A
povo, e a seus acercos, ou desacertos se acribuem os do mesmo povo sempre incons- 12 de maio, em reuniao dos oficiais com o capicao-mor, após se fazer resenha dos
tante", Francisco Barreto promecia "usar anees com eles da benevolencia com que índios aldeados, decidiu-se que nao poderia tirar mais que sesscnta deles para a dita
naturalmente amo a codos os que procedem bem do que o rigor com que procedo expedi~ao. ACSP, 6 (anexo):90-1.
41
contra os que nao fazem o que devem". Isco é, a paz e o engajamenco na e ntrada, que Basílio de Magalhaes. Expansño geográfica do Brasil Colonial. Rio, 1935, p. 143-4; A.
se fazia urgente pois "havendo-se mandado nos Governos passados tres vezes ao de E. Taunay. História geral das bandeirt1s pa11/istas. Sao Paulo, 1950, vol. 4, p. 322-5.
104 GUERR AS N O RECÓNCAVO G u E R RAs N o RE e ó N e A V o 105
A expedi~ao saiu de Santos no final de maio de 1658, rendo chegado rando que "em cinco días as veriam". Ao invés disso, os levaram "ao
a Bahía em 14 de outubro. De acordo com o regimento passado a redor, por senas ínvias, e montanhas ásperas, sem jamais nunca pode-
Calheiros, o objetivo principal da jornada era "fazer guerra as sete al- rem chegar as ditas aldeias que buscavam" . Perdidas no sertao, as tro-
deias do gentío bárbaro [... ], fazendo o mesmo a todas as demais al- pas paulistas viram seus mantimentos se esgotarem rapidamente, de
deias que com estas se uniram a fazer guerra; para o que lhe destruirá um lado porque iam acompanhados de sessenta paiaiases "esganados",
todas as aldeias, matará os que lhe resistirem e aprisionará todos os que, e de outro porque eles usavam "da indústria de aconselharem os nos-
havendo peleja, vencerem". Estes maracassus e topins haviam sido iden- sos que nao atraíssem ca9a para matar, nem cortarem pau para tirar mel,
tificados como os que "desumanamente vem todos os anos matar os por nao serem sentidos dos tapuias que nos faziam o mal".
moradores de Jaguaripe e Maragojipe". O regimento ordenava, ainda, O fato é que os topins nunca foram achados. Segundo Sousa Freire,
que as tropas dos paulistas partissem para Cachoeira acompanhados de "nem se podía achar, por nao haver outra na9ao, mais que a dos
sua gente paga, dos homens da ordenan~a alistados e mais índios. Nes- paiaiases". Por esse artifício, "barateando, cansando e matando a fome
te povoado, agregariam os índios das aldeias do Jaguaripe e os voluntá- a nossa gente", acabaram fugindo para os matos e atacaram o que res-
rios, além dos carros que lhes seriam entregues pelo sargento-mor Pedro tou da tropa, "depois de consumida a acabada comas doen9as, misérias
Gomes. e trabalhos da jornada", matando vários que estavam guardando as mu-
Partiriam entao pelo caminho dos Tocos, onde deveriam tomar em- ni9oes na aldeia de Tapurice e o mesmo fizeram a outros na aldeia da
prestado quarenta escravos e quarenta cavalos em trocados carros, que serra do Camisao. 43
voltariam para Cachoeira. Desse pouso as tropas marchariam para as Francisco Barreto, irritado como desastre de sua estratégia, tao mi-
Jacobinas, de onde despachariam de volta os negros e cavalos que eram nuciosamente articulada, resolveu enviar mais tropas em urna nova en-
apenas emprestados. Deveriam ajuntar os índios das aldeias que aí hou- trada ao sertao, sob o comando de Tomé Oías Lassos.44 Apesar de nao
vesse e pedir ao feitor do padre Antonio Pereira que lhes entregasse haver indícios de que esta entrada tenha ocorrido, vale registrar o tom
"um crioulo muito prático nos caminhos e que servirá de guia até as do regimento que o governador prescreveu a Lassos, em 14 de feverei-
aldeias dos paiaiases", que era o mesmo Antonio Crioulo que servira a ro de 1662. Constatada a trai9ao dos paiaiases, todos os índios agora
Luís Álvares. A missao imediata de Calheiros era encontrar os paiaiases deveriam ser olhados como inimigos e passíveis do mais cruel castigo e
e convencer seus chefes de se aliarem aos portugueses. O ódio entre os extermínio. Chegando as aldeias, Lassos tinha ordem de queimá-las,
tapuias era estimulado, urna vez que se explicava ao paulista que tives- degolar todos os homens e cativar as mulheres e filhos, sem hesita9ao e
se particular cuidado,, com um tal Juquerique, urna vez que, por ocasiao nao se deixando enganar, pois, quando a sagacidade dos paiaiases
da entrada de Luís Alvares, havia perdido vários de seus parentes, mor-
tos pelos inimigos. Novamente, estes paiaiases serviriam de guia junta- "... os abrigar a dissimular quererem paz conosco, neste caso, co-
mente como crioulo Antonio. 42 nhecendo-se pela informa9ao que tirar secretamente de serem eles
Apesar de todas essas recomenda~oes e preparativos, a primeira ex-
pedi9ao de paulistas contra os índios bárbaros fracassou completamen-
te. Porque, na verdade, como revelou alguns anos mais tarde Sousa H Proposca de Alexandre de Sousa Freire t0mada em assento no dia 4/3/1669. DH,
Freire, os paiaiases estavam há muitos anos enganando os portugueses, 3:205-6. Este Antonio Crioulo, também conhecido por "Paceiro" por alcunha, além
arrogantes ao presumir a ingenuidade de seus inimigos. Na verdade, de ser "grande língua e mui obedecido dos gentios" e ra jagun~o do padre Antonio
estando do lado dos rebeldes, estes tapuias teriam preparado urna ,,ar- Pereira e teve sua prisao decretada por urna portaría de 7 de dezembro de 1668. Nao
pela trai~ao das tropas paulistas e!11 conluio com os paiaiases, mas porque a mea~ava
madilha contra os paulistas, como provavelmente fizeram com Luís Al- com outros criados de Garcia d'Avila e do padre Antonio Pereira, o sargent0-mor
vares. Acumpliciados com o "crioulo do padre Antonio Pereira", eles Antonio Guedcs de Brit0 que havia recebido sesmarias justamente na regiao dos
haviam prometido guiar as tropas para as aldeias dos inimigos, assegu- conflitos, enere os rios ltapicuru e Jacuípe, onde tinha oico currais com "muit0s gados
e escravos". Ordem de Alexandre de Sousa Freire, 6/12/1668. DH, 7:380-2.
42
44
O capitao Francisco Dias ia por governador dos índios e capuias mansos que forc~ na
Regimcnt0 que levou o capicao-mor'Domingos Barbosa Calheiros na Jornada do Ser- jornada, seg undo as ordens do capitao-mor Tomé Dias Lassos. Ordem de Francisco
tao, 5/9/1658. DH, 5:321-7. Barreco, 13/2/1662. DH, 7:77.
106 G u E R RAs N o RE e ó N e AVo G u E R RAs N o RE e ó N e A V o 107
os que descem ao Reconcavo (de que fará juridicame~te um ass~n~o dos "índios bravos". Talvez estivesse mais ocupado com os danos cau-
pelo escrivao que leva, em que se firmem todos os cap1taes e ofic1a1s~ sados pela epidemia de bexigas que grassou em 1666, a princípio em
e mais pessoas que tiveram notícia dos ditos bárbaros) os segurara Pernambuco, depois passando para a Bahia e para o Rio de Janeiro.50
com toda a cautela e benevolencia e, se puder matar-lhe os princi- Mas, de fato, as coisas pareciam estar "calmas" e os tapuias nao ataca-
pais e aprisionar todos com mulheres e filhos, o fará. E nao P?den~o, vam mais com tanta freqüencia o Recóncavo.
degolará a todos, exceto os meninos e mulheres, que .apns1onara e
trará a esta pra~a. O mesmo executará com os de qua1squer outras A Guerra do Aporá, 1669-1673
aldeias que com nome de amigas, entender ter notícias, ou eviden-
cias prováveis que sao os que descem a fazer hostilidades" .45 A paz relativa durou muito pouco, e logo novas expedi96es foram
enviadas contra os índios rebeldes do Reconcavo. Efetivando urna re-
Em 1663, Gaspar Rodrigues Adorno havia trazido acidade de Salva- solu9ao de d. Pedro 11 (que em urna carta régia de 20 de fevereiro de
dor onze principais das aldeias da Jacobina, os únicos paiaiases que 1668 pedia que fosse achada urna solu9ao conveniente), no dia 4 de
mostraram "alguma fidelidade", sendo presenteados com vestidos. Em mar90 de 1669, o entao governador-geral, Alexandre de Sousa Freire,
23 de setembro, o sucessor de Barreto, Vasco Mascarenhas, o conde de apresentou urna "proposta sobre os tapuias" em urna "mesa grande" 51
Óbidos, ordenava que Adorno transferisse todas as aldeias da Jaco~!ºª na Rela9ao da Bahia e em presen9a do chanceler, doutor Agostinho de
que estivessem nas cabeceiras dos rios lguape, Cachoeira, Maragojtpe Azevedo Monteiro, e demais desembargadores. A proposta foi aceita e
e Jaguaripe. Este parecia ser este o único remédio contra o "gentio bár- firmada em um assento. Segundo este documento que, como vimos aci-
baro que costuma descer fazendo roubos, mortes e violencias" .46 Acom- ma, historiava todos os conflitos do Reconcavo, já nao bastavam duas
panhado de quarenta soldados brancos e cem índios, o capitao deveria companhias de infantaria, a de Lassos e de Pedro Gomes, para reprimir
convencer estes tapuias a mudar-se para mais perto das povoa~oes. Os o gentio cada vez mais agressivo. Tendo invadido em 23 de outubro de
renitentes deveriam ser for9ados a faze-lo pelas armas, ou ainda des- 1668 o distrito de Juquiri9á, o <lito gentío "executou as mesmas cruel-
truídos.47 Estes índios, provavelmente, eramos mesmos que, em janei- dades e roubos, matando 21 pessoas, entre brancos e negros, homens,
ro de 1665, foram assistir nas cabeceiras do Paragua~u e Maragojipe, mulheres e crian9as de tenra idade". Poucos meses depois, atacaram os
para a defesa dos moradores. 48 U m ano depois, ternos notícias de que currais de Joao Peixoto Viegas, sitos nas ltapororocas (na Jacobina), "don-
os ataques dos índios cessaram parcialmente no Reconcavo. O conde de queimaram quatro, mataram e feriram alguma gente. E, ultimamen-
de Óbidos diz ter mandado descer os índios do sertao para a serra do te, voltaram com grande poder as estancias da vila do Cairu, as quais
Guairaru, "para a seguran~a dos moradores", e que os colonos dos dis- investiram, e em urna delas matara o alferes, cinco soldados e alguns
tritos de Maragojipe, Cachoeira e Aporá queriam atraí-los para mais peno moradores que com eles se puseram em defesa" .52 Um pouco depois,
de si, com promessas de gados e cavalgaduras. Encarregou, entao, Ador- os bárbaros atacaram novamente a vila de Cairu, fato que causou como-
no de, junto como capitao Manuel da Costa, o vigário e quatro pes~oas 9ao na Bahía. De um lado, porque o assalto se fez num día de festá de
principais, novamente cobrar a contribui~ao prometida e int~rmed1ar a Sao Marias, 24 de fevereiro de 1670, e de outro, porque os moradores
transa9ao com estes índios. 49 Ao fim e ao cabo, o conde de Obidos nao nao imaginavam que os índios chegariam a invadir urna vila. Segundo
fez muito para sossegar os moradores do Reconcavo contra os ataques

50
Sebastiao da Rocha Pita. Histólia da América Port11g11esa (1730). Sao Paulo, 1976, livro
4
s Regimento de Tomé Dias Lassos, 14/2//1662. DH, 5:338-41. 6, 22, p. 170.
4(, Portaria, 8/11/1663. DH, 7:128. 51
A "mesa grande" era urna sessao plenária do tribunal da Relac;ao da Bahia, presidida
47 Ordem que se passou ao capitao-mor Gaspar Rodrigues Adorno do que há de obrar
pelo governador-geral, para funcionar como conselheira no caso de assunros de im-
na ornada que vai ao sertao, 23/9/1664. DH, 4:172-4. portancia.
41! Portaria para se darem vestidos e ferramentas para os índios que desceram do sertao, 52
Proposta de Alexandre de Sousa Freire tomada em assento no dia 4/3/1669. DH,
3/1/1665. DH, 7:208. 3:205-16; em janeiro de 1669, os bárbaros haviam atacado as freguesias de Jaguaripe
4'> Ordem que lcvou o capicao Manuel da Costa, 2/6/1665. DH, 4:140-1.
e Juquiric;á, fazendo mortes e roubos. Portaria, 29/1/1669. DH, 7:389.
108 G u E R R As N o H. E e ó N e AV o G u E R RAs N o R Ee ó N e A V o 109
1aboatao, os tapuias deram no povoado "tocando suas cornetas e outros escreveu, entao, acamara de Sao Paulo, que, no final de maio de 1669,
rústicos instrumentos de guerra, como anunciando a todos urna última sole nen1ente afirmou que corresponderia ao apelo baiano. Inicialmen-
e total assola9ao". Neste entrevero morreram cerca de quinze morado- te, o governador convidou Vasgua9u - como era conhecido em Sao
res. Para Rocha Pita ha viam sido monos apenas o capitao Manuel Bar- Paulo o irmao de Fernao Pais de Barros, Pedro Vaz d e Barros - para
bosa de M esquita e dois de seus soldados. 53 chefiar a expedi9ao. Sendo um dos homens mais ricos da capitanía, ele
Segundo Sousa Freire, a " insolencia" destes índios tornara-se "tao recusou o convite, alegando provavelmente a idade.55 Na ocasiao, ou-
pública que, costumando eles a fugirem para as brenhas e matos, se tros dois sertanistas se ofereceram para a missao: Estevao Ribeiro Baiao
deixaram estar a vista", e passaram a atacar e roubar "várias casas, cer- Parente e Brás Rodrigues Arzao. 56 O primeiro seria provido capitao-mor
cando e pondo fogo as que lhes resistiam". De maneira que os morado- da entrada e o segundo seu sargento-mor. 57 Con10 prometido, os ter-
res, "com o temor das crueldades presentes tinham desamparado as suas mos do "contrato" previam a reparti9ao das terras conquistadas aos ín-
casas e lavouras", das quais "depende o total sustento desta praca e conser- dios, assi1n como dos cativos. Além disso, foi concedida a dispensa do
vactio dos engenhos pelas lenhas e farinhas". Sousa Freire arrazoava que, pagamento dos quintos em favor dos cabos, oficiais e soldados para que
em face da "natural perfidia e inconstancia" destes índios, a solu9ao de "todos os que vao a esta jornada tenham nao só a gloria dos os vencer
procurar firmar pazes era totalmente inócua e punha em risco a sobre- mas as utilidades que delas se lhes podem seguir" .58 Joao Lopes Sierra
vivencia da presen9a dos portugueses no Recóncavo. Concordando com refere-se a outras condi~oes: os soldados receberiam soldos, seriam so-
Barreta, acreditava que somente "mandando degolar todos os que re- corridos pelo governo, receberiam barcos e mantimentos para levar os
sistissem, declarando por cativos todos os que se aprisionassem , e asso- prisioneiros a Sao Paulo e seus papéis seriam encaminhados a Coroa
lando todas as aldeias inimigas" poderiam "ficar livres os moradores e para a considera9ao das merces. 59
sossegadas as hostilidades do gentío". Enquanto os paulistas demoravam a aprestar sua gente, o governador
Depois de ter consultado todos os capitaes e soldados que haviam enviou urna entrada com quatro companhias para e nfrentar os índios.
estado naqueles sertoes, Sousa Freire resolveu que o melhor a fazer era Em julho de 1669, passou carta patente de "capitao-mor da entrada
preparar outra expedi9ao de paulistas. Mais urna vez, analisaram-se to- que ora se manda fazer ao sertao a castigar ao gentio bárbaro" a Agosti-
das as leis e assentos tomados sobre as guerras anteriores e concluiu-se nho Pereira, entregando a ele um regimento. Iam como oficiais Feliciano
que a guerra era justa e os índios aprisionados deveriam ser escraviza- Pereira, sargento-mor, Manuel Garro da Camara, Francisco Días e o co-
dos. A novidade era que se prometía que as cerras conquistadas seriam (onel Guilherme Barbalho Bezerra, como capitaes de companhia. 60 A
repartidas pelas pessoas que mais o merecessem na nova jornada, que expedi~ao acabou localizando, no interior dos campos do Aporá, na mar-
Sousa Freire dizia estar preparando "com todo o calor" .54 O governador

205-16. Assinaram este asscnto: Alexandre de Sousa Freire, Agostinho de Azevedo


s.> Segundo o historiador baiano, os moradores, assistindo a solenidade do d ia de ntro da Moncciro, Criscóvao de Burgos, Afonso Soares de Afonseca, Bernardo Damacedo
igreja matriz, com mulheres e crian~as, se viram acossados e fccharam as portas. ~1a­ Velho, Joao de Góis Araújo, Pedro Cordeiro de Espinosa.
nuel Barbosa de Mesquita e sete soldados arremeteram contra o inimigo. Aquele "dis- ss Affonso de E. Taunay. Histólia geral das ba11deiras paulis///s. Sao Paulo, 1950, vol. 5, p. 4
parando duas pistolas, e depois avan~ando com urna espada e rodela", macou vários e 58. Carta de Sousa Freire ao capitao Pedro Vás de Barros, 15/1 1/ 1669. DH, 6:135-7.
índios acé combar frechado. Temerosos de tanta coragem, os bárbaros tcria desistido, o 56 Affonso de E. Taunay. Histólia geral das ba11deiras pa11/istas. Sao Paulo, 1950, vol. 4, p.

que salvou os moradores. Sebastiao da Rocha Pita. Histólia da América Po1t11g11esa ( 1730). 364-5.
Sao Paulo, 1976, livro 6, 64-70, p. 178-9; Affonso de E . Taunay. História geral das bandei- 57 Como se pode notar, mais urna vez a escolha recaía sobre a gente da fac~ao dos

ras paulistas. Sao Paulo, 1950, vol. 4, p. 361. Como a versao de Rocha é mais romancea- Camargos: Baiao Paren te, que havia sido juiz da camara de Sao Paulo em 1661-62, era
da, comovcu dcveras Pedro Calmon, que, em confusao como asscnco de 1669, anocou cunhado de Calhe iros (casado com sua irma, Maria Macie l). Ibidem. vol. 4, p. 322-5;
que haviam sido morcas 21 pcssoas neste dia festivo. História do Brasil. Rio de janeiro, ACSP, 6 (ancxo):250.
1959, vol. 3, p. 740-1. Segundo o governador-geral, um capicao de infantaria e mais 5ll Ordem que levou o governador da conquisca dos bárbaros Escevao Ribe iro Baiao

cinco soldados e alguns moradores vinham de ser morros por tapuias. Carta ao capicao- Parente, 12/8/1671. DH, 4:208-9.
mor de Sao Vicente, 19/9/1670. DH, 6:148-9. Serra informa a morce de Manuel Barbosa. 59 Joao Lopes Serra. "Vida o paneguirico funebre ... 1676", p. 47-8.

Joao Lopes Serra. "Vida o paneguirico funebre ... 1676'', p. 43. 60 Carcas patentes, julho e agosto de 1669. DH, 12:41-8. Como ne nhum religioso se
54
Proposta de Alexandre de Sousa Freire tomada em assenco no dia 4/3/1669. DH, 3:
110 GUERRAS NO RECÓNCAVO GUERRAS NO RECÓNCAVO 111
gem sul do Paragua~u, o lugar das aldeias dos índios topins, identifica- quarenta soldados, e das aldeias de Gaspar Rodrigues Adorno, trinta
dos como os que promoviam essas descidas e assaltos no Reconcavo. 61 homens e o seu principal, Duarte Lopes. Caso nao cumprissem essas
Para lá deveriam ser enviadas as tropas dos paulistas. É importante no- ordens, o governador amea~ava colocar os paulistas no seu encal90 e de
tar que estes índios eram falantes do tupi e, portanto, nao se caracteri- "suas mulheres e filhos, para os castigar como traidores e ficarao escra-
zavam como tapuias. Apesar disso, eram tido por bárbaros e inimigos a vos dos capitaes". Do Espírito Santo e de Camamu vinham alguns ín-
serem combatidos. dios e seu capitao, Inácio Teixeira, e da Vila de Conceivao, Leonardo
Apenas no governo de Afonso Furtado de Castro do Rio Mendon9a, da Silva e treze índios. 65 Arzao tomou um guia de Joao Peixoto Viegas
o visconde de Barbacena, os paulistas entrariam en1 a~ao. As tropas vi- e seguiu para a "aldeia dos capitaes dos paiaiases", de onde, depois de
nham por mar em duas embarca9oes que haviam sido enviadas a Santos distribuir os presentes, marcharam todos para os campos do Aporá. 66
para transportá-las. 62 O capitao-mor e o sargento-mor viajaram em em- Nesse entremeio chegou Baiao Parente, que, para nao se ver com um
barca9oes diferentes. Por alguma dificuldade, ern 20 de junho de 1671, posto diminuído, foi provido com urna patente mais alta, de "governador
chegaram a Bahía apenas Brás Rodrigues Arzao e sua gente. Como até da conquista dos bárbaros'', assumindo o comando geral das tropas. 67
agosto de 1671 nao houvesse notícias da embarca9ao do capitao-mor,63 Urna vez reunida toda a gente, em 27 de agosto de 1671, partiram
e fosse necessário aproveitar a oportunidade da boa esta9ao de águas, o dos campos do Aporá, com quatrocentos homens, entre brancos e ín-
governador-geral resolveu nomear Arzao como o capitao-mor da Con- dios.68 Foram para as Piranhas pelo caminho de Pedro Gomes, que já
quista dos Bárbaros, despachando-lhe o regimento de Baiao Parente.64 escava bern gasto depois de anos de abandono. Depois de marchar ~o
Em julho de 1671, ordens de recrutamento foram dadas visando ao au- norte, em dire9ao ao Orobó, achararn completamente desertas a aldeia
mento da tropa: os índios das aldeias de Itapororocas, nas terras de Joao de Taba9u e outras duas. Avistaram entao um batedor dos topins, que
Peixoto Viegas, todos paiaiases, deveriam contribuir com pelo menos logo fugiu alertando seu povo. 69 De fato, em 7 de outubro, o visconde
de Barbacena dizia ter notícias de que os paulistas já haviam topado
aventurou, foi nomeado um licenciado como capelao da jornada, um cerco Manuel com aldeias dos bárbaros e que estes haviam fugido, provavelmente
Rodrigues .tvlendes. Provisao do governador-geral, 22/8/1669. DH, 23:317-9; lnácio para Cairu, onde os índios estavam acometen do. 70
Accioli de Cerqueira e Silva. Memórías históticas e polfticas da província da Bahía. Sal- Apesar de terem recebido farinha em novembro, os paulistas, famin-
vador, 1940, v.ol. 2, p. 126-7.
61
tos e exaustos, tiveram de retornar, trazendo apenas sete cativos, o que
Como escreveu Sousa Freire ao pedir para o capitao-mor de Sao Vicente novo recru-
camento para urna jornada específica contra estes topins: "sao demasiadas as priva- causou muita consterna9ao ao visconde. 71 Urna vez que a Fazenda real
~oes que este Reconcavo da Bahia e vilas dela, Cairu e Camamu padecem: com o nao mais tinha condi9oes de financiar a expedi~ao, resolveu-se convo-
gentío bárbaro que depois de várias entradas que se lhe tem feito (em que também
entram os moradores desta capitanias) todas com mau sucesso, mandei ultimamente
fazer urna que teve o mesmo: mas na mesma desgra~a se logrou a felicidade de topar 1>s Ordem que levou o sargento que foi com quatro soldados, 20/7/1671. DH, 4:161-2;
com as aldeias dos topins que sao os que descem, nunca até hoje descobertos, e es- .Carta patente, 9/7/1671. DH, 12:150 e 155.
tando tao peno que havendo-se gasto 21 dias na jornada os capitaes-mores que fo- 66
Ordem que levou o sargento para levar os índios aos campos do Aporá, 21/2/1672.
ram, se acharam cm setenos campos do Aporá desde que partiram". Carta de Alexan- DH, 4:211-2.
dre Sousa Freire ao capitao-mor de Sao Vicente, 15/11/1669. DH, 6:131-5 e 141-3. 67
Ordem, 7/8/1671. DH, 4:207-8; DH, 6:188-9; e registro da patente, 27/7/1671. DH,
62
Carta de Alexandre de Sousa Freire escreve ao capitao-mor de Sao Vicente, 19/9/ 24:265-7.
1670. DH, 6:148-9. 6
t1 Carca de Afonso Furtado ao governador de Pernambuco, 5/9/1671. DH, 9:434. Segun-
63
Segundo 'faunay, o governador e Arzao acreditavam que ele havia naufragado, pois do Joao Lopes Serra, a expedi9ao, com 314 soldados e índios, parcia encao sob o
ambos haviam saído juntos de Santos. Affonso de E. Taunay. História geral das bandei- seguince comando: Paren te como chefe supremo; Brás Rodrigues Arzao, capicao-mor;
ras paulistas. Sao Paulo, 1950, vol. 5, p. 17-8. Antonio Soares Ferreira, sargento-mor; Gaspar Luba, capelao-mor; e Gaspar Velho,
<H Ordem que levou o governador da conquista Estevao Ribeiro Baiao Parente, 7/8/ Francisco Mendes, Feliciano Cardoso, J\.fanuel Gon9alves Freitas, Joao Viegas Xortes,
1671. DH, 4:207-8; Registro da patente, 27/7/1671. DH, 24:265-7. Parria no comando Joao Amaro f\1aciel Parente, Vasco da Mota, Manuel de Hinojosa, como capitaes de
dos pauliscas e de toda a gente auxiliar, com dois ajudantes, Antonio de Vidal e Anto- companhias. Joao Lopes Serra, "Vida o paneguirico funebre ... 1676", p. 47-8.
nio Fernandes de Sousa, um sargento-mor, Antonio Soares Ferreira, e duas compa- 69
Joao Lopes Serra. "Vida o paneguirico funebre ... 1676", p. 57-8.
nhias, cada qual com seu capitao, Gaspar Velho Cabra!, na vanguarda, e Vasco da 7° Carta do governador-geral ao capicao-mor de Sao Vicente, 7/10/1671. DH, 6:191-3.

Mota, na retaguarda. Registros das patentes, 27/7/1671. DH, 24:263-75. 71 Francisco Ramos, que fora destacado para as conduzir, deveria tentar prender alguns
11 2 G U ERRAS NO RE CÓNCAVO G U ERR AS N O REC ÓN C AVO 11 3
11
car urna junta. Assustados com os gas tos já efetuados (20.000 ducados, ao governador da conquista, que n ao reunisse os prisioneiros na casa-
ou algo como 17:200$000 ré is), 72 os moradores ponderaram que já ha- forre porque era difícil o seu sustento no sertao (no lbituru9u) e que os
viam contribuído suficientemente com impostes e, em particular, para fizesse descer logo, onde estariam guardados "até que os paulistas pos-
o sustento da infantaria. O governador argumentou que esta nao era sam fazer a reparti9ao segundo o seu costume". 76 Mas nao foi essa a
"urna guerra de largas e planejadas batalhas, mas de imprevisíveis e inten9ao dos paulistas, que partiram a conquista das quatorze aldeias
destemperados assaltos", de modo que apenas os paulistas poderiam dos "maracás" (maracassus). Depois de guardarem seus prisioneiros no
enfrentar tal inimigo. Assentou-se entao urna nova contribui9ao para as arraial que haviam feíto nas Piranhas, levaram alguns índios consigo, já
tropas (cerca de 7:250$000 ré is), com alguns refor9os.73 q ue esces nao tinham espírito para fugir, pois as mulheres ficavam deci-
No início de maio de 1672, os paulistas partiram novamente para o das como reféns.77
Orobó, de onde perseguiram os índios em dire9ao ao sul, em urna re- Em urna carta de 23 de novembro de 1672 ao governador do Río de
giao extremamente seca. Em 2 de julho, avistaram dois batedores ini- Janeiro, Joao da Silva de Sousa, o visconde comentava o sucesso dos
migos que foram seguidos por tres dias até chegar e1n urna aldeia cha- paulistas no sertao, que livrara a Bahia "desta opressao de trinta anos".
mada Utinga, da na9ao topim. 74 Apesar de a maioria dos índios já haver A estratégia tra9ada quinze anos atrás por Francisco Barrero mostrava,
partido, alguns guerreiros ainda esperavam os paulistas com flechas. Na por fim, sua eficácia: aqueles sertanejos haviam desbaratado completa-
n1anha seguinte, as 9 horas, um grupo de bárbaros se aproximou e o mente as aldeias dos bárbaros, fazendo 1.500 prisioneiros. Para o vis-
capitao Manuel de Lemos lhes falou, em s ua língua (o tupi), que os conde, pareciam suficientes as vitórias dos paulistas, e em janeiro de
paulistas "nao eram brasileiros [isto é, portugueses], mas um povo dife- 1673, "como a seca [era] grande, [... ] e pela fome que toda a gerite
rente, seus parentes, e que poderiam comer juntos, casar seus filhos padece", ordeno u bruscamente que, "em 24 horas", Baiao Paren te des-
com filhas deles e as filhas deles com seus filhos". Os topins ficaram cesse para o porto (Cachoeira) com todos os prisioneiros e gente de guer-
desconfiados do engodo e partiram. No dia seguinte, depois de um ra. 78 Os engenhos cederiam as embarca~oes para transportar os prisio-
recontro, os paulistas capturaram tres inimigos, e ntre os quais seu prin- neiros da Cachoeira para Salvador, e daí iriam para Sao Vicente. 79 Quando
cipal, um cerro Sacambua9u, que na língua da tribo quer dizer "pe ixe os paulistas chegaram vitoriosos a cidade, no dia 1. 0 de fevereiro de 1673,
grande". A persegui9ao se alongou por mais de trinca léguas através do dos 1.500 índios que haviam capturado restavam apenas 750, já que
árido sertao, até alcan9ar o rio Sao Francisco. Ao final, depois de algu- metade havia morrido no caminho vítima de urna "quase peste". Se-
mas "negocia96es", as tres aldeias dos topins se renderam: Utinga, gundo Rocha Pita, cal era o estado dos prisioneiros que "os de melhor
Jacuas uí e Joiaicá Capitua. 75 fei~ao nao passavam de vinte cruzados". Oepois de urna entrada sole-
D ado o seu grande número, houve dificuldades em alimentá-los e ne e urna calorosa recep9ao no palácio do governador, acertou-se, en-
traze-los todos para a cidade. Para piorar a situa9ao, urna doen9a atacou tao, que partiriam no l.º de abril, "infalivelmente" .80
os índios, que morriam aos magotes. O visconde pedia, em urna carta O sargento-mor, Antonio Soares Ferreira, e alguns dos capitaes, de-

índi os que desertaram e causavam problemas, assalcando nos caminhos. Portaría para 76
Carca do visconde a Parente, 4/11/1672. DH, 8:307-8; carta do visconde a Arzao, 11/
Francisco Ramos, 6/11/1671. DH, 8:69. Em dezembro, o aj udante Francisco de Ne- 11/1672. DH, 8:312-3.
greiros cinha ordem de prender ou tros desertores: os índios Domingos "Potim.p. 77 Carta do governador-geral a Brás Arzao, 30/11/1672. DH, 8:327-8.

ba.", Joao Días, Gabriel , Baltasar e Mateus, que eram da aldeia de Maragojipe. Porta- 7x Carca a Manuel da Costa ~1oreira, 5/1/1673. DH, 8:333-4. Já era grande a fome nas

ria, 6/11/1671. DH, 8:73. E o ca pitao Francisco Barbosa Leal deveria prender a alguns tres vilas e maior seria com a chegada dos prisioneiros, de modo que o governador
índios da aldeia da cachoeira. Portaría, 10/12/1671. DH, 8:74. ordenou que se desfizessem todas as ro~as que estiverem capazes disso, 23/1/1673.
72
Ducados sao moedas de prata espanholas. Segundo Stuart Schwartz, em 1676, mil DH, 8:342.
réis valiam 435 maravedís, e 375 maravedis valiam 1 ducado de prata. A Gover11ora11d 79
Carta do governador-geral ao coronel Afonso Barbosa da Fran~a sobre mandar barcas
His lmnge i11 Baroq11e Brnzil, the Funeral E11/ogy of Afo11so Furtndo de Castro do Rio de para viremos paulistas, 14/ 1/ 1673. DH, 8:339.
Ale11do11ra by. .. ~f i nneapol i s, 1979, apendice D, p. 83. KO Ao que pedia, o governador, ao capitao de Sergipe, j oao de ~1unh os, que acudisse
73
Joao Lopes Serra. "Vida o paneguirico funebre ... 1676", p. 69-7 1. com farinha, milho e feijao. Carta, 9/2/1673. DH, 8:343-4. Serra que descreve a entra-
74
Atual cidade de Utinga, as margens dorio do mesmo nome. da dos paulistas com seiscentos cacivos, a situou nos últimos dias de agosto de 1673,
75
Joao Lopes Serra. "Vida o paneguirico funebre ... 1676", p. 69-71. tendo se equivocado como pode se depreender da própria narra~ao das outras expe-
114 G U ERRAS N O RECÓNCAVO GUERR AS NO RECÓN CAV O 115
" pois de venderem algumas pevas, "para ate nderem as suas despesas O fato era que, segundo urna carta sua ao capitao-mor de Sao
particulares", partiram para Sao Vicente comos prisioneiros, 8 1 enquan- Vicente, o Reconcavo havia ficado "limpo de gentio" .86
to o restante dos paulistas continuaría na campanha. Urna terceira ex- Como recompensa, várias merces foram concedidas em Lisboa aos
pedi ~ao, novamente contra os maracassus, foi arquitetada na seqüen- chefes paulistas. 87 Além disso, como os campos e as terras conquistadas
cia. O padre Jacobo Cocleo deveria ir até Cachoeira encontrar-se com eram "excelentes", o governador-geral já havia concordado com o pe-
os paulistas, acompanhado pelos índios da missao do Canabrava, no dido dos cabos dos paulistas de se criarem duas povoavoes. Nesse sen-
Sao Francisco, onde assistia, assim como por trinca índios ou mais das tido, pediu que viessem de Sao Vicente alguns colonos. 88 Urna portaría
aldeias do Camamu, todas jesuíticas. 82 Em arroubos de zelo, o gover- de setembro de 1673 ordenava que fossem fundadas duas povoavoes,
nador garantía que estaría em pessoa em Cachoeira até o dia 15 de que "servissem de piao", com oito léguas de média ordinária desea ca-
abril para "despachar os paulistas", coisa que nao cumpriu. 83 Em ju- pitanía para cada banda, e somente entao dar-se-iam cerras em sesmarias
lho, Baiao Parente tinha conquistado tres aldeias em l\tlaracás, ao sul ao seu redor. 89 Porém, apenas Baiao Paren te ficou na Bahia e fundou
do Reconcavo, com mais de 1.200 almas. Nao fosse o surgimento de urna vila, que levaría o nome de Santo Antonio da Conquista.90 O local
um outro (misterioso) grupo de paulistas, que veio por terra, teria tam-
bém aprisionado os xocós (ou cochos).
Segundo Joao Lopes Serra, desta vez, exatos 1.074 cativos foram X<> Carca do visconde de Barbacena ao capicao-mor, 10/7/1673. DH, 6:247-9.
117 Em 6 de outubro de 1673, o Conselho Ultramarino considerou as dificuldades para
conduzidos até a cidade, onde entraram em finais de setembro de 1673. reunir e mandar os papéis dos servi~os dos cabos e capitaes da conquista do gentío
Foram acomodados em acampamentos, esperando navíos que os en- bárbaro por estes terem sido solicitados por ordem direta do governador, serem de
viassem a Sao Paulo. 84 Na ocasiao desta terceira expedi9ao, Brás de Sao Paulo e nao escarem prevenidos. Por isso, resolveu, ad referendum, que era justo
Arzao disse ter descoberto "os fumos das aldeias dos bárbaros que conceder as seguintcs merces: ao governador da conquista, Estevao Ribeiro Baiao
destruíram os primeiros paulistas que cá vieram", provavelmente a (que conseguira mesmo assim mandar seus papéis), o hábito da Ordem de Cristo e
coma promessa de comenda de 200$000 réis. "Como quer fundar urna vila" , que se
aldeia do Camisao. Nessa altura, depois desses sucessos, o governa- lhe desse 50$000 até que o fizesse, e 100$000 quando se empossasse capitao-mor da
dor-geral desejava por fim as atividades. Dado que vários engenhos dita vi la. Ao capitao-mor Brás Rodrigues Arzao, o hábito de Cristo e 70$000 de cen~a,
come9ariam a moer nessa época, estava preocupado com que as tro- sendo efeciva a metade. Ao sargento-mor Antonio Soares Ferreira, o hábito de Cristo
pas deixassem logo o Reconcavo para nao onerá-lo mais com a neces- e 60$000 de cen~a. sendo efeciva a mecade. Desde que apresencassem os papéis, aos
sidade de prover mantimentos e nao estorvar a produvao de a9úcar. 85 capicaes Francisco Mendes Boim, Vasco da Moca e Manuel Gon~alves de Freicas, um
hábito qualquer e urna ten~a de 20$000 e um alvará de lembran~a para um ofício de
jusci~a ou fazenda. Aos capicaes Joao Amaro Parence, Feliciano Cardoso e Antonio
Afonso Vidal, a promessa de um hábito qualqucr, 20$000 de cen~a e o alvará de lem-
diiroes. Joao Lopes Serra, "Vida o paneguirico funebre ... 1676", p. 72; Sebastiao da bran~a. Ao capitao Manuel Lemos de Siqueira, que morreu na guerra, por ser cunha-
Rocha Pita, História da América Portuguesa (1730). Sao Paulo, 1976, livro 6, 83, p. 181. do de Baiao Paren te, um hábito de Santiago ao filho mais velho com 60$000 de cen~a,
111
Portaría, 23/2/1672. DH, 8:82 e 173. sendo a mecade efetiva, e para a viúva 40$000 efetivos e mais um alvará de lembran~a
111 Carca do governador-geral para o pe. Jacobo Codeo, 28/2/1673, 18/3/1673. DH, 8:352 para a pessoa com quem ela se casar. Consulta do Conselho Ultramarino 6/10/ 1673,
e 357. Esse padre frances (Jacques Cocle), cido por cartógrafo, é o mesmo que enviou AHU, cod. 252, fls. l 1-2v; veja cambém AHU, Códice 245, fl. lOv. Em carta ao gover-
cartas ao Conselho Ultramarino sobre um novo caminho do l'vlaranhao, em 1698, e fez nador-geral, Afonso Furcado de l'vtendon~a, o rei ordenava que se fizessem as merces
um escudo e descri~ao de todas as capitanías do Brasil, desenhando cambém urna que coubessem aos cabos e capicaes que serviram na "guerra do gentío bárbaro".
carta. Consulta do Conselho Ultramarino 23/1/1698. DIJ, 15:30-1; carta régia a D. Carta régia, 20/10/1673, AHU, cod. 245, fl. 4v.
Rodrigo da Cosca, 26/1/1704. DH, 34:256; carta de D. Rodrigo da Costa ao rei, 29/7/ 1111
Carca do visconde de Barbacena ao capitao-mor, 10/7/1673. DH, 6:247-9. De fa~o, esta
1704. DH, 34:257. Veja também Serafim Leite. História da Co111pa11hin de lesus no era urna idéia anciga. Já em 1671, o governador havia pedido ao capitao-mor Angelo
Brasil, 8: 160-2. Pereira da Silva que descobrisse e informasse sobre o sítio da lagoa dos Patos que lhe
113
Carca do governador-geral para Francisco Barbosa, 28/3/1673. DH, 8:360-1 e 363. parecía conveniente para fazer povoair5es "para a conserva~ao dos seus habitadores
1!-1 Carta do governador-geral para Ribeiro Parentc, 14/7/ 1673. DH, 8:373-4. Joao Lopes como para servirem de fronceira ao mesmo gentío" , 20/11/1671. DH, 8:71.
Serra dizque urna quarca expediirao, comandada por Manuel Hinojosa, ceria captura- 119
Porcaria, 22/9/1673. DH, 8:176-7.
do quatrocencos cochos e descoberto um río navegável, o Quitase. Joao Lopes Serra. 90
Porcaria, 3/10/1673. DH, 8: 176; Outra porcaria, ordena va que os índios que vieram de
"Vida o paneguirico funebre ... 1676", p. 76-79. Sao Paulo ficassem com Baiao para come~ar o povoamento, até segunda ordem. 22/9/
115
Cartas do governador-geral a Parence e a Arzao, 28/7/1673. DH, 8:382-5. 1673. DH, 8:170. Em novembro de 1674, urna portaria pedia para que se providen-
116 GUE RR AS NO R ECÓNCAVO GUER R AS NO RE CÓNCAVO 117
" escolhido para a povoa9ao foi o da aldeia dos xocós, que havia sido con- Pe ixoto da Silva, nas margens dorio Sao Francisco na altura da barra do
quistada. Em outubro de 1673, o capitao Manuel de Hinojosa foi pro- Salitre, haviam rompido antigas amizades e se rebelado. Temendo pe-
movido a "capitao de toda a gente branca" da vila e, em novembro, a las fazendas, os donos
, dos currais mandaram despovoar aqueles sertoes,
capitao-mor. 9 1 Outrora ajudante da infantaria, Hinojosa havia servido e Francisco Días d'Avila, senhor da casa da Torre, ofereceu-se ao gover-
e m Pernambuco e Angola e fora promovido a capitao dos paiaiases e nador-geral, visconde de Barbacena, para, com "cem homens brancos
tapuias, no papel de cabo dos principais desses ditos índios da adminis- armados e os índios bastantes a sua cusca, fazer guerra ou obrar o que eu
tra9ao de Gaspar Rodrigues Adorno na Cachoeira, para que fossem go- lhe mandasse para se seguraram aquelas povoa96es". Esta entrada teve
vernados durante a guerra aos bárbaros. 92 Em maio de 1675, Hinojosa um caráter mais privado, e desea vez os paulistas nao foram chamados.
obteve autoriza9ao para mudar a povoa9ao para um lugar mais conve- Em julho, o governador escreveu ao senhor da casa da Torre agradecen-
niente, onde houvesse pescarías e ca9a. 93 O senhorio da vila coube ao do sua iniciativa e alertando que mandara a capitanía de Sao Vicente
filho do governador da conquista, Joao Amaro Maciel Parente, que lu- orde ns "para
, que nao venham os paulistas a perturbar as aldeias man-
tara como capitao de urna companhia. Mais tarde, quando Joao Amaro sas" .95 D'Avila conseguiu, entao, patente de capitao-mor da entrada,
quis volcar a Sao Paulo, vendeu-a com todas as ce rras ao coronel Ma- que lhe punha a disposi9ao os capitaes de infantaria da ordenan~a e as
nuel de Araújo Aragao.94 Porém, ainda hoje nome do local continua in- respectivas companhias que houvesse desde o río Real até o Sao Fran-
vocando seu primeiro senhor. A atual cidade de Joao Amaro fica exata- cisco.96 A expedi9ao, na verdade, foi, composca por duas companhias de
mente a beira do Paragua9u, na entrada da serrado Orobó. infantaria, subordinadas entao a d'Avila. A primeira, tendo por capitao
Domingos Rodrigues Carvalho e a segunda, Domingos Afonso Sertao.
As guerras no Sao Francisco, 1674-1679 E m outubro de 1674, o governador passou patente de sargento-mor a
Domingos Rodrigues de Carvalho, para que ombreasse com o capitao-
No início de 1674, os tapuias anaios das sete aldeias dos "guarguaes", mor na expedi9ao. Este sertanejo, capitao de urna das companhias da-
que habitavam, com outros seus vizinhos, nas cerras dos currais de Joao q ueles distritos do coronel Balcasar dos Reis Barenho, potentado local,
e ra experiente nas guerras contra os bárbaros. 97 Embora Francisco Días
ciasse urna sumaca que levasse o capitao-mor Brás Roiz de Arzao e mais 43 soldados
d 'Ávila tivesse a patente de capitao-mor, provavelmente prefería assu-
de volea a Sao Vicente. Ao que consta e le ia em missao, recebendo ainda o soldo que mir outros riscos, de modo que foi seu comparsa, Domingos Rodrigues
lhe cabia pela conquista do gentio.DH, 8:202-5. Em 1677, encontramos Brás Rodrigues de Carvalho, quem levou a termo esta expedi9ao.
de Arzao como procurador da Camara de Sao Paulo encabe9ando o movimento que se Em 10 de agosto de 1674, Carvalho derrotou, junto ao Sao Francis-
fez quando se espalhou a falsa notícia de que Matias da Cunha, entao governador do
co, os anaios, valendo-se de urna pequena tropa de 55 homens de ar-
Rio de Janeiro, escaria libertando todos os índios que chegassem a Angra. Affonso de
E. Taunay. História geral das bandeiras pattlistas. Sao Paulo, 1950, vol. 4, p. 259-61. Em mas e cem índios. O inimigo, segundo os cálculos do vencedor, dispu-
1679 era nomeado capitao-mor das gentes que iam ao sertao para o descobrimento nha de 400 arcos e 40 armas de fogo, além de 60 canoas.98 Em janeiro
das minas. RGCSP, 17:203-4. de 1675, reprimiu com sucesso as investidas dos índios do Sul, chama-
91
Carta patente, 2/10/ 1673. DH, 12:294-5 e 298; Convinha e ntao dar todo o necessário dos galachos, 99 que "sujeitaram mais de 40 currais com morte de alguns
para a funda9ao da vila e como "para que esta aumente é necessário que haja oficiais
de arte mecánica", doou o governador dois sítios de cerra para currais a Manue l Pes-
soa, ofici al de barbeiro, que deveria, lá chegado, escolher dois ou tres índios e lhes
e nsinar o oficio. 15/11/1673. DH, 8:186-185. Em janeiro de 1675, partiu o alferes
95 Carta do governador-geral para Francisco Dias d'Ávila, 8/7/1675. DH, 8:4 16.
~1 an uel de Siqueira, com soldados e índios, para plantar ro~a e legumes na povoa~ao. w. Carta patente, 5/7/1674. DI/, 12:313-5; DH, 8:398.
97 Carta patente de Domingos Rodrigues de Carvalho, 6/10/1674. DH, 12:336-8. Veja
Portaria, 26/1/1675. DH, 8:209. Em maio, o serralherio Hieronymo Luís, que fora
soldado da conquista, aceicava ir a povoa~ao por 40$000 anuais. DH, 8:2. cambém, Pedro Calmon. História da Casa da Torre. Rio de Janeiro, 1939, p. 81-2.
911
n Carta patente, 28/5/ 1672. DH, / 2:225-6. Carta patente de Domingos Rodrigues de Carvalho, 20/10/ 1677. DH, /3: 17-21.
93 Portaría, 18/5/1675. DH, 8:218. 99 Refe rindo-se aos índios do ltacim, Sérgio Buarque de Holanda lembrava que, em

<).¡ Sebastiao da Rocha Pita. Histó1ia da América Portuguesa ( 1730). Sao Paulo, 1976, livro urna anua de 1633, o padre Diogo Ferre r, considerava que "sobo nome de gualachos
6, 85, p. 181. Joao Amaro era tido por Accioli como o cabo dos paulistas. Erro repeti- compreendem-se todas as na<;oes que nao tem como própria a língua guarani". Don-
do, aquí e acolá, em algum manual de escola. Inácio Accioli de Cerqueira e Silva. de o nome de gualacho no Paraguai, correspondería ao de tapuia no Brasil. O mesmo
Memórias históricas e polfticas da província da Bahia. Salvador, 1940, vol. 2, p. 132-4. se aplicaria a estes galachos no Rec6ncavo? O Extremo Oeste. Sao Paulo, 1986, p. 68.
118 G U ERRAS NO RE CÓ N C A V O G UE RR AS NO RE C Ó NCAVO 119
" moradores, brancos e e scravos". Ao mesn10 tempo, as aldeias da parce se salvaram, "fu gin do em dire~ao a selva fechada", e os dois primeiros
norte do mesmo rio haviam se rebelado, persuadidas pelo principal de foram capturados pelos índios aliados. E stes prisioneiros informaram
urna delas, que, "com alguma razao", reagiu as insolencias de que fora que de fato os tapuias vinham em dire9ao das tropas portuguesas. Se-
vítima. No mes seguinte, no comando das duas companhias, refor9adas gue, entao, o relato do capuchinho, tao elucidativo da violencia das guer-
com 130 índios aliados, Carvalho deu comos anaios das aldeias dos guar- ras naqueles sertoes:
guaes, o que resultou na morte de vinte deles e a captura de dez. 100 Em
novembro, já gravemente enfermo o governador, sofrendo de "supres- "Nao havíamos ainda marchado tres quartos de légua, quando en-
sao da urina", deixou ao cargo do secretário do Estado do Brasil, Bernar- contramos o inimigo. Fez-se urna longa carga contra eles sem muito
"
do Vieira Ravasco, escrever agradecendo a paz que d'Avila conseguira resultado, urna vez que os índios, batendo-se a flechadas, ficam em
firmar com os índios.101 De fato, em dezembro, o governo provisório movimento contínuo e movem-se com tanta rapidez, que nao é pos-
que substituiu Barbacena depois de sua morte, no día 26 de novembro, sível fazer pontaria com o fuzil; olham sempre para a arma apontada
"
promoveu Francisco Dias d 'Avila, em paga de seus servi~os, a coronel e mudam rapidamente de posi9ao. Defenderam-se durante légua e
das companhias que tinha sob sua ordem e de outras a serem criadas na meia, batendo sempre em retirada, em boa ordem, até que chegas-
ampla regiao do sertao do Sao Francisco, a exce~ao da jurisdi9ao do co- sem a um riacho largo no caminho, que se chama o rio do Salitre.
ronel Barrenho e da costa, esta a cargo do ca pitao-mor de Sergipe. 102 Atravessaram-no rapidamente a nado, protegidos por um grupo de
Em junho de 1676, d'Ávila se via na barra dorio Salitre novamente índios que sustentava o campo e que vieram manter-se nas margens
em conflito com os tapuias anaios levantados, e precisando de socor- desse riozinho coberto de mato, donde atiravam com fuzis, e chega-
ro.1 03 Ordenou-se, en tao, o envio de pólvora e balas. 104 Segundo o capu- ram a pensar haver matado o coronel Francisco Días d'Ávila. Quem
chinho Martín de Nantes, estes índios "haviam senhoreado todas as estava a seu lado foi alcan<;ado por duas balas, que lhe atravessaram
fazendas que chamavam curra/o, dos dois lados dorio [Sao Francisco], a coxa. Nossa gente nao ousou atravessar o rio, pois que ficaria ex-
numa extensao de cerca de trinta léguas, depois de haver matado os posta aos golpes do inimigo, que estava protegido. Este, porém, nao
donos e seus negros [...] em número de oitenta e cinco, fazendo todos se julgou seguro. Receando serem dominados, os índios decidiram
os días urna grande matan<;a de gado". Ele havia sido convocado pelo se atirar no río de Sao Francisco, que resguardava o seu flanco, para
governador-geral a fornecer frecheiros cariris das quatros aldeias sob o o passarem a nado e, como o fizeram precipitadamente, as flechas,
controle de sua missao. Como os índios só concordavam em partir em que traziam nas costas, lhes escaparam; de modo que eu tinha a im-
sua companhia, Martín de Nantes acabou testemunhando a ferocidade pressao de que mais de dez mil flechas foram levadas pela corrente-
"
dos combates. lam com eles, sob comando de Francisco Dias d'Avila e za. Vários tiros foram disparados contra eles, mas como estavam afas-
seu sargento-mor Domingos Rodrigues de Carvalho, 120 portugueses tados, mergulhado a todo instante, poucos os atingiram. Chegaram
da regiao, "todos a cavalo", um capelao e dois outros franciscanos. De- afinal a urna praia, a oitocentos passos de nós; atiraram ainda contra
pois de vários días de marcha, em que tinham de ir matando o gado eles e, como estavam nus, vimos que alguns foram atingidos. Nesse
que encontravam para alimentar a tropa, foram avisados da posi~ao dos choque, segundo confissao que nos fizeram, perderam cerca de cin-
anaios por seis batedores. Pouco tempo depois, avistaram alguns tapuias qüenta homens. Dessa praia, atravessaram <liante de nós o resto do
que atravessavam o río em urna canoa. No día seguinte, logo de madru- rio e, temendo que nós os seguíssemos, se continuassem pela mar-
gada, encontraram cinco espioes, dois a cavalo e tres a pé. Este últimos gem do rio, enveredaram pelos matos, para alcan9arem um certo
laguinho, a seis ou se te jornadas do rio". 105

100
Consulta do Conselho Ultramarino,18/6/ 1675, AHU, cod. 252, fls. 19v-20; ou DH, Depois desse prin1eiro combate, as tropas procuraram algum gado
88:33-4. para se alimentar e passaram a noite as margens dorio Salitre. No dia
10 1
Carta de Bernardo Vieira Ravasco, 7/11/ 1675. DH, 8:429-30. seguinte, atravessaram o rio e, encontrando grande quantidade de bois
102
Carta patente, 24/12/1675. DH, 12:379-80.
103
Carta a Antonio Gon~alves do Couco, 18/6/1676. DH, 9: 17.
105
H» Portaría, 18/7/1676. DH, 8:247. Martín de Nances. Relation s11ccinte et sincere de la 111issio11. Quimper, 1706, p. 113-7.
120 G u E R R As No REe óNe AV o GUERRAS NO RECÓNCAVO 121
'"e cabras morros, mas já apodrecidos, resolveram marchar adiante. Tres lhe pagavam o soldo, que havia um ano e meio nao lhe fardavam e a
léguas dali, havia urna fazenda quein1ada e saqueada, onde encontra- seus soldados (nao sendo mais que catorze brancos e dezesseis índios),
ram os cadáveres do dono e de um negro. Marrin de Nantes relata: ne m se lhe dava socorro, de maneira que seus homens andavam espa-
lhados, " buscando a vida", estando incapazes da missao que se fazia
" Depois de cinco días de descanso, arravessou-se o rio, os portu- necessária. 108 Como os jesuítas disseram que poderiam evitar a guerra
gueses em pequenas canoas que enconrraram e os índios e cavalos a e nviando missionários, a questao parece nao ter tido desdobramentos. 109
nado. Acompanhamos as pegadas do inimigo, que foi encontrado Em janeiro de 1677, a junta trina, que substituía o falecido governa-
nesse pequeno lago, ou brejo, no interior da terra. Escava quase sem dor, dava notícia de que todos os anaios da regiao da serrada Jacobina, no
armas e morro de fome. Renderam-se, sob condi~ao de que lhes pou- alto Salitre, estavam levantados, mandando que o capitao-mor Agostinho
passem a vida. Mas os portugueses, obrigando-os a entregar as ar- Pereira fosse punir os agitadores. 110 Em carta de 20 de fevcreiro, pedia
mas, os amarraram e dois dias depois mataram, a sangue frio, todos aos oficiais da camara de Sao Paulo que ajudassem na entrada que se
os homens de arma, em número de quase quinhentos, e fizeram es- organizava contra os índios anaios no sertao do Sao Francisco, reunindo
cravos seus filhos e mulheres. Por minha felicidade, nao assisti a essa urna frota poderosa de gente branca e índios. 111 N urna carta na mesma
carnificina; nao a teria suportado, por injusta e cruel, depois de se ocasiao dirigida aos capitaes Jerónimo Bueno (o "Pé de Pau"), Francisco
haver dada a palavra de que lhes seria poupada a vida." 106 Bueno (sobrinho e irmao de Amador Bueno), Fernando de Camargo (com-
panheiro de Calheiros no desastre de 1658), José de Camargo, Baltasar
Passados alguns meses, em um local chamado Canabrava, a setenta da Veiga, Antonio de Siqueira, Bartolomeu Bueno e ao padre l'vlateus
léguas da aldeia de Uracapá (situada em urna ilha na altura do atual mu- N unes de Siqueira, rogava "para o mesmo que em outro tempo se lhe
nicípio de Cabrobó, Pernambuco), os cariris, apesar de aliados dos portu- proibia, que é passar ao rio de Sao Francisco" para conquistar os índios
gueses, foram atacados por alguns moradores interessados em escravos. anaios, que tem feito notável dano as nossas armas e aos moradores. Ale-
Segundo o capuchinho, haviam-nos provocado e ardilosamente conven- gando que tais índios eram os mesmos que haviam ·desbaratado as tropas
cido o governador e lhes declarar guerra. Mais bem armados, os morado- de Calheiros, "havendo eles degolado e desbaratado já tao várias bandei-
res acabaram por render os índios e, a sangue frio, mataram "em número ras de paulistas", nao se imaginava que estes sertanisras enjeitariam a
de 180 homens de guerra, e tomaram suas mulheres e filhos, em número ocasiao. Mas, de fato, foi o que ocorreu. 112 No entremeio, o capitao Agos-
de cerca de 500, que tornaram cativos". Levaram es tes para a Bahía, onde tinho Pereira foi morro por alguns índios. Urna vez que os paulistas ha-
pretendiam "distribuí-los". Entre eles estavam doze índios da aldeia do viam desistido da missao, a junta trina encarregou, em fins de outubro
padre Anastácio de Audierne, outro capuchinho que missionava entre os
índios aramarus, numa aldeia situada a 20 léguas da foz do Sao Francisco. 108
Aoque ordenava a portaria de 14 de julho de 1676 que se pagassem os atrasos para o
Como já havia ele obtido, do falecido visconde de Barbacena, um salvo- bem do negócio. Quer dizer: 25 sírios de farinha, 200 de previsao e 25 (ou 200?)
conduto para estes índios, Martín de Nantes tratou de defende-los, con- mochilas de alqueire; além de 30 espingardas, pólvora, muni9oes e foices. DH, 8:254-
seguindo sua liberta~ao por ordem da Rela~ao da Bahia. 107 5. Só cm julho de 1675, ternos noticia do empenho em entregar a macalocagem, far-
das e fcrramcntas. Portaría, 1/7/1677. DH, 8:276-7.
A guerra deixara de amea~ar o sistema produtivo do Reconcavo e 109
Os jesuícas pediam armas e muni96es para armar os índios. Portaría, 16/9/1676. DH,
passara a mover-se pelo interesse consolidado na captura, comércio e 8:265. Ao provincial José de Seixas, da Companhia de Jesus, oico espingardas e muni-
utiliza~ao da 1nao-de-obra indígena. Desde meados de 1676, os mora- 9ao, para a missao que manda aos maracás e tupinhuacs que fazem as hostilidades na
dores de Maragojipe, Jaguaripe, Cachoeira e Campos alegavam temer serrado Guaiararu. Portaria, 8/8/1676. DH, 8:257.
os bárbaros maracás e tupinhuaes que andavam pelas cabeceiras da ser- 11
° Carca ao capitao-mor Agostinho Pereira, 4/1/ 1677. DH, 9:34-5.
111
ra do Guaiararu, de onde já haviam atacado alguns currais. Para nao se "E se cm oucro tempo mandou SA várias provis6es que impedía a esses moradores
(os pauliscas) irem ao sertao: agora pela resolu9ao que foi servido comar o podem eles
despovoar a regiao, o único remédio era chamar de volta Estevao Ri-
fazer sem escrúpulo que declarou por cativos codos os que se tomassem cm guerra
beiro Baiao Parente. Este paulista reclamava que havia cinco meses nao que os bárbaros provocassem ... ". Deveriam comprar, por con ca do donativo do dote
[da rainha de Inglaterra] e paz [de Holanda], coda a pólvora e bala que pudessem para
Hl6 Ibidem, p. 118-9. ajudar a jornada. DH, 11:73-4.
107 Ibidem, p. 121-3; ordem, 23/10/1672. DH, 8:116-7. Para a morce do governador, veja 11 2
Carta, 20/2/1677. DH, 11:75-6; e Affonso de E. Taunay. História gero/ dos bondeiras
Joao Lopes Serra. "Vida o paneguirico funebre ... 1676", p. 95 ss. par¡,/fstas. Sao Paulo, 1950, vol. 5, p. 49-51.
122 G u E R R As No REe ó N e AV o

"de 1677, D omingos Rodrigues de Carvalho que tomasse as providencias


contra o levante <lestes bárbaros.113 Nao obstante, logo Carvalho consta-
tou que o alarme era falso. Assim, "apenas" castigou os responsáveis pela
morte do capitao Agostinho Pereira, o que resultou na captura de 500 (ou
660) índios, entre homens, mulheres e crian9as. Nesse sentido, em urna
carta de 23 de janeiro de 1678 pedia embarca96es na Cachoeira para que
os cativos fossem enviados a cídade e só aí repartidos. 114
O novo governador-geral, Roque da Costa Barrero, assumíu e m mar- 4
90 de 1678, trazendo orde ns de Lisboa para dar seguimento a decisao A GUERRA DO A~U
de fazer guerra ao gentío bárbaro da fronteira, na freguesia Marag~jípe,
até que fosse de todo extinto. Essa política era resultado das pet~9oes
dos moradores, que repetiam as artímanhas denunciadas por M arttn ~e
Nantes. Depois q ue tomou conhecimento do que realme nte ocorna,
Roque Barreto informava Lisboa, em carta de 23 de janeiro de 1679, No F 1NA L do século XVI, a Coroa empenhou-se na conquis-
que os índios nao faziam mais guerra, senao "a defensiva, quando aque- ta definitiva do Rio Grande aos franceses que andavam comerciando
les moradores os queríam cativar e servir-se deles como escravos, enes- com os indígenas. A expedi9ao comandada pelos capitaes-mores de
te caso em sua natural e necessária defesa das vidas e das liberdades Pernam-buco e da Paraíba, Manuel de Mascarenhas H omero e F eliciano
nao havia dúvída que cometeriam algumas mortes, roubando depois Coelho, partiu de Olinda no final do ano de 1597 e, em 6 de janeiro do
disso algumas fazendas". Ainda segundo o governador, era justamente ano seguinte, deu-se início a constru9ao do forte dos Reis Magos. De-
Estevao Ribeiro Baiao Parente, capitao-mor dos paulistas, que aí vivia pois de urna série de escaramu9as, com a interven9ao diplomática de
e que fora nomeado "governador de todo o gentío até o fim das hostili- Jerónimo de Albuquerque, a quem fora entregue a responsabilidade da
dades", 11 5 que ímpunha tal idéia, ínteressado que estava em sustentar- constru9ao do forte, firmaram-se as pazes com os índios potiguares. 1 Mas
se "a si e aos seus soldados como pre90 daqueles miseráveis gentíos". o Rio Grande, cuja evolu9ao dava-se na órbita de Pernambuco, restaría
Nao obstante, ao Conselho Ultramarino parecía que, por ser a matéría como um território quase inexplorado por muitos anos ainda. Até 1618,
de grande conseqüencia, dever-se-ia evitar os escrúpulos de Roque segundo o Brandónio, dos Diálogos das Grandezas, nao havia na capita-
Barre to, "pois a sua [do gentío] quíeta9ao é só fingimento, e ser aquele nía do Rio Grande mais do que um engenho de a9úcar, o de Cunhaú,
bárbaro de todo o Brasil de sua natureza inconstante, e nao se obrigar fundado por Jerónimo de Albuquerque. Como dizia o especialista nas
do meio da paz" . Por todas essas razoes, o rei deveria ordenar ao mes- coisas do Brasil ao seu colega Alviano, isto se <lava assí m por ser a "terra
tre-de-campo-general que continuasse a "guerra naqueles sertoes para mais disposta para pastos de gado". 2 Com efeito, logo após a invasao
que de todo se extíngam as invasoes daqueles inimigos e possam viver holandesa, os engenhos - que chegavam a 106 em Pernambuco, 20
os moradores daquela conquista com mais sossego" . 116 em Itamaracá e entre 19 e 20 na Paraíba - nao passavam de apenas
tres no Rio Grande. 3 A cria9ao de gado conheceria grande crescimento
após a expulsao dos holandeses. Na época do restabelecimento do se-
113 Carca a Francisco Barbosa Leal, 17/ 11/1677. DH, 9:53; A patente de Carvalho, pro-
vendo-o a capitao-mor da jornada, esclarecia que era um homem de valor comprova-
do nas refregas que civera com os índios anaios na regiao do rio Salitre , por duas 1
Cf. Sérgio Buarquc de Holanda. ''Conqu ista da costa leste-oeste". In: ldem (org.).
vezes, em 1664 e em 1676, e na ocasiao das guerras aos guasguacs no sercao do Piauí, Histó1ia gernl ria civilizoriio brnsileira. Sao Paulo, vol. 1, 1966, p. 190-203.
em 1675. Patente de Domingos Rodrigues de Carvalho, 20/10/1677. DH, 13:18. 2 Ambrósio Fernandes Brandao. Diálogos das gra11dezos do Brasil (1618). Recife, 1966,
114 Inclusa na carca a Manuel de Sousa de Azevedo e Antonio de Matos Carvalho, 3/2/
p. 19.
1678. DH, 9:59-60. 3 Cf. "Descri p~ao das capitanías de Pernambuco, ltamaracá, Paraíba, e Rio Grande do
11 s 16/4/1678, AHU, cód. 245, 40.
Norce. Memória apresentada ao Conselho Político do Brasil por Adriano Verdonk,
116 Consulta do Conselho Ultramarino, 2/12/1679, AHU, cód. 252, fls. 56v-8; ou DH,
em 20 de maio de 1630". RJAP, 55:215-27, 1901.
88:168-71. 123
124 A G U E R R A DO A Q U A G U E R R A O O AQ U 125
A nado da camara na cidade do Natal, em 1659, foram publicados avi- da vizinha Paraíba (1655-1657), quando prendera os dois filhos do prin-
sos conclamando os antigos moradores a retomar suas terras na capita- cipal Canindé, ti do por "reí dos jánduís", e os remetera coro mais dois
nia, sob pena de perde-las. O capitao-mor, Antonio Vaz Gondin1 (1654- tapuias ao rei, quando este manifestou o desejo de ver alguns espéci-
1663 ), seria responsável pela vinda de 1SO no vos moradores e tres mens de seus vassalos índios. 7 Já em Lisboa, um dos janduís, um cerro
companhias de infantaria para efetivar a recolonizac;ao do território de- Antonio Mendes, fez um pedido ao rei para poder retornar ao Rio Gran-
vastado. Em 1676, encabec;ados por um cerro Don1ingos Fernandes de e ajudar na reduc;ao dos seus conterraneos, na serra do Capaoba. O
Araújo, sete requerentes pediam sesmarias de cinco léguas por seis de Conselho Ultramarino estava de acordo, considerando que deveria ser
. • 4
largura na ribeira do Ac;u, ao norte da cap1tan1a. enviado um padre para levar o "perdao que das culpas que estes índios
A regiao do Ac;u era reputada pela grandeza dos campos e de sua riverem cometido em se lan9ar coro os holandeses no tempo [em] que
frescura, nos quais muito gado podía ser criado. Segundo o autor do ocupavam aquelas capitanías". 8
"Breve compendio" (1690), Gregório Varela de Berredo Pereira, trata- Francisco Barreto, em urna carta ao novo capitao-mor da Paraíba,
va-se de um lugar de muito difícil acesso, "por estar de distancia de Marias de Albuquerque Maranhao (1661-1663), alertava para as notí-
trezentas léguas pelo sertao adentro, em partes com morros de areais e cias de que haviam fugido muitos índios das aldeias que ele ali "man-
em outras de penedia muí agreste". Sua colonizac;ao mais intensa co- dara por" e que "a maior parte deles est[ava] por trás da Paraíba e de
mec;ara no final da década de 1670 e início de 1680. Povoado por tapuias, Pernambuco". 9 No mesmo ano de 1661, em razao da crescente hostili-
"com diversas nac;oes todas bárbaras e agrestes", este sertao foi desco- dade dos tapuias desta na9ao, Matias de Albuquerque Maranhao escre-
berco inicialmente por alguns vaqueiros que aí fabricaram currais e vi- veu para a regente d. Luísa de Gusmao, avisando que "os índios bárba-
viam em paz com os primitivos habitantes, "pelo interesse que tinham ros janduís residentes no distrito e sertao da capitanía estavam rebelados
em lhes darem ferramentas de machados e foices, que é o que eles ne- e declarados inimigos". Haviam "causado tanto receio que os brancos
cessitam para cortarem as árvores e tirarem o mel de pau, seu cotidiano tratam de fazer suas casas-fortes em que se possam defender dos re-
sustento" .5 Contudo, essa paz duraría muito pouco e este sertao seria pentinos assaltos". Logo em janeiro de 1662, a regente ordenou que,
palco das mais sangrentas batalhas e atrocidades cometidas ao longo em virtude da gravidade da situa9ao, "conviria fazer-lhe [aos janduís]
das guerras dos bárbaros. Os tapuias nativos, na grande maioria perten- guerra coro que se extingam de urna vez" antes que acreditem no seu
centes a nac;ao dos janduís, reagiram a presenc;a e aos abusos dos mo- valor, "por terem muita quantidade de cavalos em que se exercitam
radores desde os primeiros anos da década de 1670. Alguns levantes coro a doutrina que lhes deixaram os holandeses" . 10 Assim, Matias de
isolados de grupos indígenas precederam o movimento que tomaría Albuquerque deveria fazer a guerra, com pouca despesa e com auxílio
maiores dimensoes e seria denominado, a época, de "levante geral dos de seu sobrinho Diogo Coelho de Albuquerque, conseguindo "a obe-
tapuias" ou de a "Guerra do Ac;u".
Apesar da dificuldade que tem o historiador em fixar exatamente o
disso, todavia, é urna carta do frei Manuel da Ressurrei~ao, entao governador, ao
início desse conjunto de conflitos, a maior parte da documentac;ao in- capitao Manuel de Abreu Soares, datada de 6 de dezembro de 1688, em que diz:
siste em notar que a partir dos primeiros meses de 1687 assistia-se a "cinco anos há que esta guerra se come~ou, e um que é tao áspera, e viva como
retomada dessas revoleas e levantes que conduziriam, em movimento vosmece ve". Afonso de E. Taunay. "A Guerra dos Bárbaros". RA1Y, 22:31, 1936;
ascensional, a um estado de conflagrac;ao generalizada.6 Os motivos da carta do arcebispo para Manuel de Abreu Soares, 6/12/1688. DH, 10:343-6.
revolta remontavam aos abusos de Joao Fernandes Vieira, capitao-mor
7 Affonso de E. Taunay. Histó1ia geral das bandeiras paulistas. Sao Paulo, 1950, vol. 6, p.
349-50.
8
A consulta trazo destino destes quatro índios: "é falecido um nessa cidade, outro está
na ilha Terceira, outro fugindo a nado do navio que vinha, se tornou para a Paraíba, e
4 Fátima Marcins Lopes. 1Uissoes religiosas: índios, colonos e missio11ários na colonizariio da o quarto é o que faz csse requerimenco" ... Consulta do Conselho Ultramarino, 28/
capitania do Rio Grande do Norte. Recife, 1999, p. 102-5. 11/1659. Apud: Fátima Martins Lopes. 1Yissoes religiosas: índios, colonos e missionários
5 "Breve compendio do que vai obrando neste governo de Pernambuco o sr. governa- na colonizafliO da capitanía do Rio Grande do Norte. Recife, 1999, p. 118.
dor Antonio Luís Gon~alves da Camara Coutinho etc.". R/JlP, 51:264-65, 1979. 9 Carta de Francisco Barreto para o capitao-mor da Paraíba, 20/7/1661. APEB, cód. 147,
6 Para rfaunay, estava "fora de dúvida" que se devia fixar em 1683 o início da guerra do fl. 141 v-2.
A~u, a qual tomava, por sinédoque, como a "Guerra dos Bárbaros". O único indício °
1
Carta régia 9/1/1662. AHU, cód. 275, fl. 31Sv.
126 A GUERRA OO A vU A G U E R R A O O A (.: U 127
" diencia das outras nac;oes dos bárbaros contra os janduís que lhes des- sas na96es tapuias, mas dava por cerco que havia ainda urna ou duas
sem pelas espaldas, nao poderao escapar nem ter retirada" . 11 Mas, de na96es "que faziam grande dano aos moradores que lá assistiam, ma-
fato, nesse momento, pelas palavras de Taunay, "nada ou quase nada ta ndo-lhes e comendo-lhes o gado, frechando e matando alguns negros;
se fez" . 12 e que no ano passado houvera considerável perda em todos aqueles
Os conflitos comos tapuias se espalhavam por todo o sertao de fora. currais". 16
Do Ceará, o capitao-mor Bento de ~!acedo de Faria havia escrito ao rei Em 1687, as hostilidades foram desencadeadas por um pequeno de-
dando conta da opressao que sofriam os moradores com o gentío bárba- sentendimento entre os tapuias e os moradores que resultou na morte
ro.13 No Piauí, os tapuias da nac;ao "payoquis" (paiacus) causavam pro- do filho de um principal. Para Berredo Pereira, o entao capitao-1nor do
blemas a expansao da pecuária. Consta que, em 1671, estes "tapuias de Rio Grande, Pascoal Gonc;alves de Carvalho, que era um "velho tonto
corso" tentavam destruir as aldeias avassaladas, quase punham a perigo e de pouco respeito", teria demorado a atalhar a contenda, de modo
a fortaleza e fazian1 muitos "insultos" pelas estradas, "matando os cor- que o conflito degenerou rapidamente. 17 Eximindo-se da culpa, o capi-
reios que iam para Pernambuco". Já no tempo do capitao-mor Joao tao-mor dizia que, "depois da expulsao dos holandeses", estes bárba-
Tavares (1666-1670), esses tapuias aprisionaram "os filhos da nac;ao dos ros com quem foram sempre "confederados" haviam-se recolhido "aos
jagoribaras, nossos amigos e compadres, que vivem mestic;os com os sert6es donde viveram sempre com natural ódio aos portugueses". No
índios avassalados" . Quando soube do sucedido, o di to ca pitao-mor saiu exato dia 15 de fevereiro de 1687, os tapuias haviam-se levantado, ma-
com alguns soldados em sua perseguic;ao, "para lhes tirar a presa, e, tando "quarenta e seis homens vaqueiros que assistiam no sertao da-
chegando a eles, os ditos tapuias lhe apresentaram guerra com trombe- quela capitanía, com gados, distantes 60 léguas daquela prac;a, fazendo
tas e tambores donde pelejando se mataram muitos e aprisionaram al- grandes hostilidades nas fazendas dos moradores, e o mesmo dano fi-
guns". Seu sucessor, jorge Correia da Silva, em junta como vigário da zeram nas capitanías da Paraíba e do Ceará". Vendo o perigo, Carvalho
companhia e outros, decidiu que era conveniente "destruir-se aquela diz ter tomado a iniciativa de mandar marchar algumas tropas em seu
nac;ao para sossego daquela capitanía". Por volea de 1672, com a con- alcance, "as quais pelejando com eles por duas vezes os romperam e
cordancia do governador de Pernambuco, Fernando de Sousa Coutinho, mataram a muitos e com este bom sucesso ficavam já aqueles morado-
o capitao-mor mandou destruí-los, "matando mais de 200 e prisionando res mais aliviados das ameac;os daqueles bárbaros". Quando tomou co-
a muitos, com [o] que ficaram nossas aldeias sossegadas" . 14 nhecimento do sucesso, o Conselho Ultramarino recomendou "que se
Alguns acordos pontuais foram tentados com os índios. No ano de aja com todo o cuidado e vigilancia com estes índios" . 18 Oito dias mais
1681, os oficiais da camara de Natal solicitaram que o capitao-mor en- tarde, em urna carta de 23 de fevereiro de 1687, os edis da vila de Natal
viasse um intérprete ao sertao para tentar estabelecer a "paz e uniao" pediam ao governador de Pernambuco, Joao da Cunha Souto Maior,
com os tapuias. 15 Nao obstante, os conflitos persistiam na regiao do Ac;u. "socorro pelo risco em que nos achamos, <liante da rebeliao dos índios
Em seu governo, entre 1682 e 1684, Antonio de Sousa de Meneses, o tapuios que, no sertao de Ac;u, já tem morco perto de cem pessoas,
Brac;o de Prata, passou urna patente de capitao das entradas daquele escarmentando os moradores, destruindo os gados, de modo que já nao
sertao a um cerco Manuel Nogueira Ferreira. Este diploma, transcrito sao eles senhores daquelas paragens". A rebeliao se alastrava e ganhava
sem data por Borges de Barros, <lava notícias da situac;ao tensa no ser- propor9oes preocupantes. Pediam igualmente ajuda ao capitao-mor .da
tao do Rio Grande e Paraíba. Ferreira, aoque consta, pacificara diver- Paraíba e informavam que o capitao Manuel de Abreu Soares já tinha
ido ao Ac;u para causar todo o dano possível ao inimigo. 19 Em marc;o, ao
11 Carta régia para Macias de Albuquerque Maranhao, 9/ 1/ 1662. AHU, cód. 275, fl. 316.
12 Afonso de E. Taunay. "A Guerra dos Bárbaros" . RAM, 22:20, 1936. 16
Citado por Affonso de E. Taunay. História geral das ba11deiras pnulistas. Sao Paulo,
13 Carta régia 25/1/1685. AHU, cód. 256, fl. 54v. 1950, vol. 6, p. 306-7.
17
14 Provisao de 1676 e cercidoes anexas. AHU, Ceará, caixa 1, 30. Veja cambém, carta "Breve compendio. .. ". RIAP, 5/:264-5, 1979.
régia para Jao Tavares de Almeida, 2/10/1673. DH, 4:182. ix Carta de Pascoal Gon\:alves de Carvalho ao rei, 19/7/1687. AH U, Río Grande, caixa 1,
is Requerimenco dos oficiais da cámara de Nacal ao capicao-mor, 23/8/1681. Apud: Fáci- 24; consulta do Conselho Ulcramarino, 10/12/1687. AHU, cód. 252, tl. 117v; e DH,
ma Marcios Lopes. 1Wissoes religiosas: índios, colonos e missiontfrios na co/011izapio do 89:87-8.
19
capitanía do Rio Grande do No11e. Recife, 1999, p. 120. Carcas da camara de Natal em que suplicam socorro, 23/2/1687. IHGRN, caixa 65,
128 A G U E R R A O O A (: U A G U E RRA OO A (: U 129
"' que consta, o gentío bárbaro havia matado " mais de 60 pessoas entre siao se ajuntaram di versas nac;oes de alarves e fizeram grandes fúrias, e
brancos e negros e ia continuando o mesmo estrago". Apenas em ju- juntas [em] grande multidao vieram até os arrabaldes do Rio Grande
nho, o governador-geral escrevia ao de Pernambuco mandando "socor- 1natando a toda coisa viva que encontravam e fizeram grandes danos
rer coma brevidade possível a dita capitanía com toda a gente, e nluni- e m todas aquelas ditas paragens" .23 Em marc;o de 1688, o governador
c;oes que puder ser; para que aqueles moradores nao padec;am a sua Matias da Cunha contabilizava os danos, dizendo que os bárbaros ha-
última ruína, na assolac;ao com que os bárbaros a vao continuando". 20 O viam matado "o ano passado mais de 100 pessoas entre brancos e escra-
capitao-mor do Río Grande nomeou um certo Manuel de Prado Leao vos, destruindo mais de 30.000 cabec;as de gado" .24
como "capitao dos homens que servem na regia.o do Ac;u", para defen- É muito difícil imaginar os motivos que levaram a conflagra9ao dos
der os moradores dos assaltos dos tapuias, o que parece nao ter surtido tapuias naquele momento. De toda maneira, é importante notar que,
efeito algum. 21 No final de 1687, o capitao-mor dava conta das novas e m seguida a expulsao dos holandeses (1654), vários dos grupos indí-
hostilidades que fazia agora o gentío tapajá. O doutor Sebastiao Cardo- genas que se haviam postado no lado perdedor, notadamente os tarariús
so de Sampaio, que servia de procurador da Fazenda, foi ouvido no (entre os quais os chamados janduís, o principal grupo deles, que tinha
Conselho Ultramarino e disse que soubera que tais incidentes haviam este nome em razao do seu reí, Janduí), perceberam mais imediatamente
sido causados "porque os soldados daquela prac;a lhe mataram um ín- a nova situac;ao e vários deles recuaram para o mais íntimo do sertao.
dio, seu paren te", de modo que convinha procurar sossegar o gentío. O Essa retirada parece ter sido considerável. Vieira, em urna carta ao pro-
rei deveria mandar examinar o procedimento do capitao-mor para sa- vincial dos jesuítas, datada de junho de 1658, informava que na serra
ber se nao "houvera com omissao culpável". De todo jeito, decidía-se do lbiapaba os padres da Companhia tinham dificuldades com "as gran-
que seria mais conveniente nomear para o governo da capitanía urna des raízes de heresias dos holandeses, que entre eles deixaram planta-
"pessoa de capacidade e disposic;ao", bem como se fizesse "praticar dos" e com a desconfianva que era alimentada principalmente pela
[missionar] aqueles bárbaros, pelos padres da companhia". Em feverei- "companhia dos retirados de Pernambuco", que se lembravam dos bons
ro de 1688, estava-se a procura deste novo capitao-mor, com a certeza ganhos das alianvas com os holandeses. 25 Segundo o relato de Matias
de que o novo ouvidor, recém-nomeado para a Paraíba, devassaria o Beck, mais de quatro mil índios fugiram de Pernambuco, por terra, atra-
procedimento do anterior. 22 vés de ltaparica, Paraíba e Rio Grande, para se refugiar no Ceará. 26 Con-
No final de 1687, a rebeliao dos índios janduís ganhava maior enver- ta que estes índios "diziam abertamente que todo o Brasil havia sido
gadura. Pedro Carrilho de Andrade, que participou da repressao ao le- ve rgonhosamente perdido e entregue, por assim dizer, sem resistencia
vante, explicou que os janduís "se levantaram nas ribeiras do Ac;u, aos portugueses". Exasperados com o que consideravam traic;ao de seus
Moc;oró e Apodi, nos anos de 1687 para 88, matando a toda coisa viva e aliados, "a quem eles tao fielmente serviram e ajudaram durante tantos
depois queimando e abrasando tudo, nao deixando pau nem pedra so- anos", temiam enormemente "cair nas maos dos portugueses para so-
bre pedra de que ainda hoje aparecem ruínas". Segundo ainda o seu fre r urna perpétua escravidao". Nesse sentido haviam mesmo expul-
relato, milhares de cabec;as de gado foram perdidas na ocasiao. Além sado os holandeses que restavam no Ceará, pois, "urna vez únicos se-
disso, prenunciava-se urna provável alianc;a entre outras nac;oes, o que nhores do Ceará, eles nao permitiriam nem aos portugueses nem aos
tornava a guerra ainda mais preocupante. Segundo Carrilho, "nesta oca- ale maes de ali se estabelecer e eles propunham fazer do Ceará o seu

livro 2, fl. 96v-7; Carlos Scudart Filho. Páginas de história e pré-história. Fortaleza, 2
·> Memorial de Pedro Carrilho de Andrade, 1703. AHU, Pernambuco, caixa 16.
24
1966, p. 65. Carca de Macias da Cunha a camara de Sao Paulo, 19/3/1688. DH, //:139-40.
20 Carta de Macias da Cunha para o governador de Pernambuco, 17/6/1687. DH, 10:245. 25
Coitas. Río de Jane iro, 1949, p. 199-205.
21 Patente ~iianuel de Prado Leao, 12/8/1687. IHGRN, caixa 65, livro 2, fl. 102. 26
A serra do Ibiapaba fi cava exatamence entre na fronte ira do Estado do Brasil com o
22 DH, 89:93-95. Consulta do Conselho Ultramarino, 6/2/1688. AHU, cód. 252, fls.l 19v- do Maranhao, em face de Camocim, no litoral. Desse modo, por vezes aparece como
20. O desembargador Sebastiao Cardoso Sampaio havia sido enviado em 1676 para penencendo ao Ceará, por vezes ao ~1aranhao. Para os fins desee escudo, situado na
verificar a a cicula~ao e as condi~oes das sesmarias que haviam sido concedidas na segunda mecade do século, consideramos a serra como parte da jurisdi9ao do Maranhao,
Bahía. Cf. Inácio Accioli de Cerqueira e Silva. Memórias históricas e políticas da provín- como de fato o era; de modo que, como pode perceber o leicor, o aldeamenco dos
cia da Bahia. Salvador, 1940, vol. 2, p. 56-7. jesuícas nao consta do quadro das aldeias do Anexo 3.
130 A G U E R R A D O A e; U
A GUERRA DO Ac;U 131
lugar de estabelecimento e de encontro" .27 Pouco depois, Vieira locali-
zava seu principal abrigo na serra do lbiapaba, que era na época um
"refúgio reconhecido e valhacouto seguro dos malfeitores". Os primiti-
vos habitantes daquelas regioes, os tabajaras, eram tupis e por isso mes-
UrubuLctama mo interessavam sobremaneira aos jesuítas, cujas missoes entre eles fi-
M aranguapc • caram conhecidas em razao da célebre "Relac;ao" de Antonio Vieira. O
jesuíta se lamentava, entao, que, "com a chegada desses novos hóspe-
des, ficou Ibiapaba verdadeiramente a Genebra de todos os sertoes do
Brasil, porque muitos dos índios pernambucanos foram nascidos e cria-
dos entre os holandeses, sem outro exemplo ou conhecimento da ver-
dadeira religiao. Os outros militavam debaixo de suas bandeiras com a
disciplina de seus regimentas, que pela maior parte sao formados da
gente mais perdida e corrupta de todas as nac;oes da Europa" .28 Um dos
objetivos principais destas missoes era atalhar a possível "contamina-
c;ao" das tribos tupis pela heresia calvinista trazida pelos tapuias. Quan-
do Jorge Correia de Silva servia como capitao-mor do Ceará, na década
de 1660, testemunhou que de fato os jesuítas e seu missionário-geral,
Antonio Vieira, haviam retirado daquelas serras cerca de 300 "índios
,o
[! pernambucanos", isto é, tapuias, e "os índios ta bajaras ficaram sossega-
~
dos" .29 Estes "índios pernambucanos" eram chamados de acoansus (ou
anassus, segundo o padre Miguel de Carvalho). Em 1708, nao passa-
vam de 200 indivíduos nas serras, ao passo que os tabajaras somavam
mais de 2.000. 30 Ero urna petic;ao de 1720, estes tapuias diziam ser pa-
rentes de outros habitantes das serras do sertao do Araripe, a quem pre-

27
Nlatias Beck esteve no Brasil durante dezenove anos, em 1649 foi ao Ceará, a pedido
do alto governo do Brasil, para procurar e encontrar urna mina de prata. Durante
cinco anos viveu entre popula~oes selvagens, "brasilianos e capuias" e relata, nesta
carca, a s i tua~ao em que se viu urna vez entregue o Brasil aos portugueses. Como os
índios queriam atacá-los, acabaram por ceder o presídio aos portugueses e partiram
para a Martinica. "De toda maneira, eu acredito que os ditos brasilianos nao tardarao
Mapa 3. Pernambuco e as capitanias anexas, sécu lo XVII. de se colocar de novo de nosso lado, tao logo seja enviada urna fon;a a qual eles
possam confiar" (p. 197). "Carta de Beck que trata do Ceará, Barbados, 8/10/ 1654".
RIHGC, 82: 195-6, 1964.
211
" Rela~ao da missao da serra de Ibiapaba". In: Vozes saudosas da eloqiiencia, do espírito
do zelo e eminente sabedoria do padre António Vieira da Compnnhia de Jesus, Voz histórica.
Lisboa, 1688, p. 19.
29
Provisao do capitao-mor do Ceará de Jorge Correia de Silva, 1676. AHU, Ccará, caixa
1, 30.
.JO Carta de Cristóvao Soares Re imao ao rei, 13/2/1708. AHU, Ceará, caixa 1, 70; Miguel
de Carvalho, " Descri~o do sertao do Piauí remetida ao Ilmo. e Rvmo. freí Fr-ancisco
de Lima, Bispo de Pernambuco, 1697". In: Ernesto Eones. As guerras dos Palmares.
Sao Paulo, 1938, p. 3 70-89.
132 A GUE RR A O O A<; U A GUERRA O O A(:: U 133
" tendiam visitar. Contavam "que quando seus avós se retiraram antiga- da Rosa, em seu Tratado Único da Constitttifao Pestilencia/ de Pernambuco
mente da Bahia vieram em companhia deles outros dois principais com (Lisboa, 1694), acreditava que a mais provável causa da epidemia eram
numerosas famílias, os quais passando o rio Sao Francisco se separaram algumas barricas de carne putrificada que restavam da torna-viagem de
deles e se embrenharam nas dilatadas serras do Araripe, onde há mais um navío vindo de Sao Tomé. Consta que um tanoeiro do Recife, quan-
de cem anos vivem escondidos, e poderao passar de quatro mil almas" .31 do abriu urna delas, morreu imediatamente, e logo em seguida algumas
Para além desse ódios tradicionais, é certo que a rea9ao dos tapuias pessoas da família, "estendendo-se o mal com tamanha rapidez que em
deveu-se muito mais a pressao sufocante do avan90 da economía pasto- poucos dias pereceram mais de duas mil pessoas". Chamada de "bi-
ril, que demandava mais terras e mao-de-obra, fatores que implicavam cha" em razao de urna autópsia realizada por um entendido em cirur-
arrocho sobre as popula96es da fronteira. As milhares de cabe9as de gia, Antonio Brebon, que identificara em um cadáver algumas lombri-
gado citadas acima indicam a dimensao do crescimento da pecuária. A gas ou "bichas" e sugerira que fossem a causa dos males, ~a verdade
situa9ao pestífera da Bahía e demais províncias do Norte também pu- cratava-se do primeiro surto de febre amarela, originada da Asia e pro-
nha em xeque o abastecimento de mao-de-obra nativa e certamente vavelmente transportada das Antilhas, onde eclodira em 1648-49. 35
pressionava os moradores a promover razias e expedi9oes de conquista
nos sertoes. O jesuíta Valentim Estancel, matemático e astrólogo, havia A campanha de Antonio de Albuquerque Camara,
observado de Pernambuco um estranho eclipse da Lua e m dezembro Domingos Jorge Velho e Manuel Abreu Soares, 1687-1688
de 1685, prognosticando que grandes males assolariam o Brasil. 32 Com
efeito, em 1686, urna doen9a, que trazia "um fervor de sangue e se se Em pouco tempo, os tapuias fizeram-se senhores de todo o sertao,
lhe nao acudía imediatamente se corrompía e mata va em breves días", assaltando os colonos na ribeira do Ceará-Mirim, a cinco léguas da capi-
assolou a capital do Brasil, atingindo "mais de 25 mil pessoas", segun- tal. Diversas casas-forres foram construídas, nas quais os moradores se
do o marques das Minas. O número de morros chegaria a novecentos. 33 refugiaram: Tamandatuba, Cunhaú, Goianinha, Mipibu, Guaraíras,
Em Pernambuco, a peste teria matado mais de tres mil pessoas somen- Potengi, U tinga e aldeia de Sao Miguel, assistindo em cada delas ape-
te no primeiro semestre de 1687. Era imputada, segundo o autor de nas cinco ou seis homens.36 Dada a situa9ao de extremo perigo em que
carta anónima, ªº
pontilhao que ligava a cidade a terra firme feíto por se viam os moradores de Natal, um dos oficiais da camara do Rio Gran-
ordem da camara de Olinda, no ano de 1683.34 O médico Joao Ferreira de, Manuel Duarte de Azevedo, foi a Bahía para representar a necessi-
dade de um socorro. 37 A solu9ao encontrada pelo governador-geral, em
setembro, foi providenciar o envio de duas companhias dos ter9os do
31 Peci9ao dos acoansus, 12/10/1720. AHU, Ceará, caixa 1, 90. Em outra consulca, com Camarao e dos Henriques que deveriam partir sob o comando do coro-
carca do missionário padre Joao Guedes, cernos mais notícia do cmpenho com que nel Antonio de Albuquerque Cámara, que fora nomeado cabo da fac-
incencavam essa descoberta dos parentes. Consulta do Conselho Ultramarino, 11/2/
1721. AHU, Ceará, caixa 1, 94.
32 lnácio Accioli de Cerqueira e Silva. Memó1ias históricas epolíticas da província da Bahia. Carra anonima, 3/6/1687. AHU, Pernambuco, caixa 10. Urna rcprcsenta9ao desse
Salvador, 1940, vol. 2, p. J38. Sobre Valecim Escancel, veja Serafim Lc ite. História da pontilhao pode ser vista em um ex-voto de 1729, na pinacoteca do Convento de
Companhia de Jesus no Brasil. Lisboa/Río de Janeiro, vol. 8, p. 208-12. Santo Antonio de l gara~u .
33 Por con ta dessa peste .(na verdade, febre amarela), os oficia is da camara de Salvador, 35
Lycurgo de Casero Santos Filho. Histótia geral da medicina brasileira. Sao Paulo, 1991,
em 20 de julho, pediam permissao de erigir Francisco Xavier padroeiro, com procis- vol. 1, p. 17 1; lnácio Accioli de Cerqueira e Silva. Memórias histólicas e políticas da
sao codo os anos no dia 1O de maio. Carca do marques das Minas, 717/ 1686. DH, 89:54- província da Balria. Salvador, 1940, vol. 2, p. 138. Sobre as doen9as e a mortalidade
7. Veja cambém Inácio Accioli de Cerqueira e Silva. Afemórias históricas e políticas da na colonia, veja Luiz Felipe de Alencastro. "Peste e mortandades na forma9ao do
proví11cia da Bahia. Salvador, 1940, vol. 2, p. 239-44. mercado de crabalho brasileiro". In: Antonio Risério (org.). lnve11cño do Brasil. Salva-
34 Apesar de um engenheiro haver esclarecido que era necessária urna ponte de arcos, dor, 1997, p. 33-8; e Francisco Guerra. "Medicine in Dutch Brazil, 1624-1654". In: E.
para que pudessem passar as águas dorio Beberibe e mesmo das marés, e que permi- van den Booggart (ed.). A H11111a11ist Plince in Europe and Brazil. The Hague, 1979, p.
tisse o transito das canoas, resolveu-se por urna "muralha com algu ns canos para a 472-93.
36
vazao dorio, e como aqueles nao basrassem para este fim, alagou o rio todas as campi- Carta da camara de Natal ao governador-geral, janciro de 1688. IHGRN, caixa 65,
nas e várzcas da cerra firme". A águas, nestes pantanos, ficaram corruptas e desde livro 2, fl . 107v.
37
logo que a docn9a se manifestou foi apontada como a causa pelos médicos locais. Carca de Macias da Cunha para o capicao-mor do Rio Grande, 17/9/1687. DH, 10: 250-4.
134 A G U E R R A O O A CU A G U E R R A D O A CU 135
~

9ao contra os bárbaros. 38 Para tanto, pediu aj u da as autoridades de ocasiao pelo governador, e nela votaram todos os teólogos, ministros e
Pernambuco, Paraíba e Rio Grande. 39 E ssa expedi9ao, de que ternos oficiais maiores e mais sujeitos de grau, rendo-se assentado que a guer-
poucas informa96es, redundou em enorme fracasso. Em janeiro de 1688, ra era "justa, devia ser ofensiva, e os prisioneiros cativos" .43
Camara e seus trezentos homens, depois de lutarem "todo o dia com Preocupado com o desenrolar dos acontecimentos e coma fúria que
mais de tres mil arcos [... ] até nao poder mais resistir", recuaram dei- demonstravam os índios, Matias da Cunha procurou montar urna for9a
xando a campanha para o inimigo. O saldo: trinta soldados feridos. Cons- maior, mais coordenada e que fosse capaz de desbaratar de urna vez os
ta que os índios se haviam apoderado das armas de alguns soldados. bárbaros. 44 No início de 1688, o governador despachou urna série de
Tamanha foi a derrota, que os moradores ficaram abalados a ponto de ordens que procuravam articular expedi96es de pontos diversos e que
amea9arem "despejar a capitania" .40 De fato, a magnitude das hostili- entrassem no sertao simultaneamente para esmagar o inimigo. De um
dades estava produzindo um movimento de fuga geral do moradores, lado, as tropas que partiriam de Pernambuco, reorganizadas em torno
que tudo abandonavam, procurando por sua seguran9a e de seus per- do núcleo inicial de Albuquerque Camara e de Manuel de Abreu Soa-
tences. No dia 11 de janeiro de 1688, o capitao-mor do Rio Grande res, e de outro, vindo do Sul, as tropas dos paulistas que marchavam
baixou um edital para impedir este exodo, alertando para o despovoa- para os Palmares, refor9adas pela bandeira de Matias Cardoso, outro
mento e considerando "traidor" todo aquele "de qualquer classe ou paulista que se achava, na ocasiao, entretido no senao dorio Sao Fran-
condi~ao" que tentasse sair da jurisdi9ao, sob pena de ser preso e ter os cisco.45 Deveriam todos eles manter, na medida do possível, comunica-
seus bens confiscados.41 9ao para se entenderem sobre o melhor modo de fazer a guerra, e agir
O governo do Brasil resolveu improvisar urna solu9ao para o caso. subordinados apenas ao governo da Bahia, sem nenhum comando cen-
Sabedor da jornada que preparava o paulista Domingos Jorge Velho con- tralizado. A razao da estratégia de fracionar os contingentes achava-se
tra os negros dos Palmares, Marias da Cunha escreveu pedindo-lhe que na percep~ao de que a guerra contra estes índios nao podia prescindir
a suspendesse e marchasse de Pernambuco "com todas as for9as que de urna mimese do inimigo. Como veremos no próximo capítulo, estas
ti ver, sobre aquele bárbaro, e fazer-lhe todo o dano que puder". Dessa for9as irregulares da Colonia deveriam ser "talhadas a fei9ao do inimi-
feita, havia um incentivo a mais a bravura paulista. Como dizia o gover- go", na expressao de Oliveira Viana. 46 Em outubro de 1688, o arcebispo
nador na carta: "Espero que nao só terao todas as glórias de degolarem d. frei Manuel da Ressurrei9ao afirmava: "Como a guerra dos bárbaros
os bárbaros, mas a utilidade dos que aprisionarem, porque por a guerra é desordenada, e as suas invas6es sao repentinas, e ao mesmo tempo
ser justa resolví em Conselho de Estado, que para isso se fez, que fos- em diversas partes, sendo estas distantes, e impossível que um só su-
sem cativos todos os bárbaros que nela se aprisionassem na forma do jeito possa acudir a todas, é preciso que em cada urna governe separa-
Regimento de Sua Majestade de 611". 42 Essa junta fora chamada na damente o cabo a que tocar resistir-lhe, ou comete-lo". 47 Noutra oca-

311 Carta ao governador de Pernambuco, 15/91687. DH, 10:248. Antonio de Albuquerque contrato de Domingos Jorge Velho com Souto Maior, para a campan ha dos Palmares,
Cámara era auxiliar, juntamente com José Peixoco Viegas e o sargento-mor Manuel datado de 3 de mar~o de 1687, está na RIHGB, /:19, 1885.
43
Vieira de Lima, da companhia do capitao Estevao Velho de Moura que tinha, desde Carta de Macias da Cunha para o capitao-mor da Paraíba, Amaro Velho Siqueira, 14/3/
1682, o comando da fronteira do A~u , desde as cabeceiras do Paraibu até o Xoró no 1688. DH, 10:269.
Ceará, compreendendo o vale do Jaguaribe. Patente passada pelo ca pitao-mor do Rio +1 " E porque sao várias as navoes bárbaras que se uniram para invadir aqueta capicania e
Grande, Antonio da Silva Barbosa, 2/1/ 1682, citada por Affonso de E. Taunay. Histó- é tao considerável o poder com que juncas se acham". Carta do governador a Antonio
rio gerol das bandeiras pa11/istas. Sao Paulo, 1950, vol. 6, p. 306. de Albuquerque Camara, 14/3/1688. DH, 10: 280.
39 Cartas de Macias da Cunha, 17/9/1687. DH, 10:250-4.
45
Macias Cardoso de Al~eida e se u primo, Manuel Francisco de Toledo, teriam assas-
4
° Carca de ~latías da Cunha para a camara de Sao Paulo, 10/3/1688. DH, //:139-40; sinado um ouvidor e, fugindo de Sao Paulo, foram com família e escravos viver em
carca de ~lacias da Cunha para Domingos Jorge Velho, 8/3/1688. DH, 10:262; e carta urna ilha no rio Sao Francisco, que hoje fica cm frente a cidade de Sao Romao. Segui-
da cámara de Natal ao governador de Pernambuco, 27/1/1688. IHGRN, caixa 65, ram depois para o Norte, indo fixar-se na margen1 do Sao Francisco, onde hoje é a
livro 2, fl. 108. cidade de Morrinhos. Donald Pierson. O homem do Sao Fra11cisco. Rio de Janeiro,
41
Edita! do capitao-mor do Río Grande, 11/ 1/1688, repetido pelo bando do governador 1972, tomo 1, p. 278.
46
geral, 12/2/1688. IHGRN, caixa 65, livro 2, fl. 107v. e 109-109v., respectivamente. Oliveira Vianna. Populafoes meridionais do Brasil. Sao Paulo, 1938, p. 83.
47
42 Carta de Macias da Cunha para Domingos Jorge Velho, 8/3/1688. DH, 10:262. O Carta do arcebispo para o governador de Pernambuco, 4/12/1688. DH, 10:336-8.
136 A GU E RRA D O A CU A GUERRA O O A CU 137
11 siao, em carta ao capitao paulista e a Albuquerque Camara, o arcebispo vernador pedia que a entrada fosse dirigida "como entender que possa
reconhecia que a estratégia de Nlatias da Cunha podía parecer estra- ser mais ofensiva, degolando-os, e segu indo-os até extinguir, de manei-
nha: " um corpo com muitas cabe~as fica sendo monstruoso". Contudo, ra que fique exemplo <leste castigo a todas as mais na~oes que confe-
pedia aos paulistas atentassem para o fato de que "a guerra desees bár- deradas com eles nao temiam as armas de Sua Majestad e". E explica-
baros é irregular e diversa das mais na~oes porque nao forman1 exérci- va, com minúcia de funcionário, que, como havia declarado em Junta
tos, nem apresentam batalhas na campanha, antes sao de salto as suas Geral (das l\llissoes), os prisioneiros seriam feitos escravos para "o estí-
investidas, ora em urna ora em outra parte, já juntos, já divididos; como mulo e gosto dos soldados", mas que devia ser "muito importante o
que irregular também deve ser o método de os rebater" .48 re paro que vosmece [Manuel Soares] deve fazer em nao consentir que
Manuel de Abreu Soares partía no comando de 150 infantes do pre- deixem de degolar os bárbaros grandes só por os cativarem, o que prin-
sídio de Pernambuco, com quatro capitaes, 25 soldados de ltamaracá e cipalmente fara.o aos pequenos e as mulheres de quem nao podem ha-
igual número da Paraíba. Ele havia recebido urna patente de cap~tao­ ve r perigo que ou fujam, ou se levantem" .51 Ao coronel Antonio de
mor da entrada para garantir sua independencia em face do cap1tao- Albuquerque Camara mandou a mesma ordem sobre este particular:
mor do Rio Grande. Além desses, iam o governador do ter90 dos hen- "E vá vosmece coma advertencia de nao consentir que nos conflitos se
riques, com cem soldados pretos, e o capitao-mor da tropa dos cama- de quartel a bárbaro algum grande, nao ocasione a cobi9a de seremos
roes, com quatrocentos. Soares tinha ordem para "tirar todos os arcos prisioneiros, cativos, como tenho declarado, deixados vivos, e poder
que quiser" das aldeias da Paraíba, isto é, recrutar todos os guerreiros acontecer a desgra9a de fugirem, ou tornarem a tomar as armas, que
que desejasse, para o que, segundo ordenou Macias da Cunha, o capi- para despojos bastam os pequenos e as mulheres" .52
tao-mor daquela capitania, Amaro Siqueira, deveria reunir todos os ín- Segundo o autor da crónica dos frades menores da província de San-
dios da aldeia da Pregui9a (que haviam fugido das de l\llipibu, Cunhaú to Antonio do Brasil, que transcreveu no século XVIII grossa papelada
e Guaraíras), estabelecendo um perdao aos que se juntassem a tropa de relativa as atividades dos franciscanos, Manuel de Abreu Soares já an-
Antonio de Albuquerque, para onde deveriam ser enviados. 49 O coro- dava pelo sertao desde o início de 1687, por ordem do capitao-mor do
nel Antonio de Albuquerque, que havia sido derrotado, seria abasteci- Rio Grande. Sua provisao na Bahía em mar~o de 1688, com expressa
do com armas e muni96es e agregaría a sua gente urna companhia "de alforria da jurisdi~ao local, visava, sem dúvida, refor9ar a autoridade da
gente parda, e todos os degradados e criminosos", que fora formada por iniciativa central do esfor90 de guerra. Fato nao sem conseqüencias no
um bando do governador, para assistir na mesma guerra, independen- desenrolar dos acontecimentos, como veremos. Abreu Soares, em urna
temente da jurisdi9ao de Soares. Além disso, pretendía o governador certidao de junho de 1687, conta como fora enviado a fazer guerra aos
que, do rio Sao Francisco, o paulista Matias Cardoso marchasse pelo índios da Ribeira do A9u, com 120 homens e os índios do Camarao,
sertao com trezentos soldados brancos e índios armados, abastecidos acompanhado de um cerco frei Manuel da Santa Rosa, franciscano. Er-
igualmente com armas e muni96es. Domingos Jorge Velho e André Pinto gueu um arraial, com pali~ada feita das madeiras dos matos locais, e em
suspenderiam a entrada aos Palmares para que "cada um pela sua parte seguida franqueou a ribeira, "ajuntando a ossada daqueles corpos que
fa9am pelos sertoes da Paraíba, Rio Grande e Ceará ao mesmo tempo o gentio infiel tinha morco atrai9oadamente". Quando se achou urna
entradas com que entenderem podem afligir mais viva e danosamente trilha de índios para os lados do rio Salgado, Soares partiu em seu en-
aos bárbaros". Estavam no comando de mais de seiscentos homens. cal90 com oitenta homens: "Pondo-me na trilha, a seguimos de dia e
Pernambuco deveria enviar, ainda, oitenta infantes a fortaleza dos Reis de noite por ásperas serras, e dentro de tres días me opus junto aos seus
Magos (dos quais cinqüenta seriam entregues, com um cabo, a Antonio
de Albuquerque) e trinta ado Ceará.50
Em carta a Manuel de Abreu Soares, de 14 de mar90 de 1688, o go- bando do capitao-mor do Rio Grande perdoando os criminosos que se engajassem na
defesa d a capicania, 24/2/1688. Histólia geral das bandeiras paulistas. Sao Paulo, 1950,
vol. 6, p. 316.
.ix Carca do arcebispo para os mestres-de-campo, 30/11 /1688. DH, 10:347-Sl. 51
Carta de tvfacias da Cunha para Manuel de Abreu Soares, 14/3/1688. DH, 10:275-6.
"'9 Carca de Matias da Cunha para o capicao-mor da Paraíba, 14/3/1688. DH, 10:269. 52
50
Carta de Macias da Cunha para Antonio de Albuquerque Camara, 14/3/1688. DH,
Todas estas providencias foram tomadas no dia 14 de man;o de 1688. DH, 10:263-80; 10:277.
138 A GUERRA O O A CU A GUER RA OO A CU 139
'"ranchos, sem ser sentido, onde habitavam com o seu mulherio; ao rom- refor90 das tropas nao pareciam seguir bom curso. Em maio de 1688, os
per da m anha lhes dei um repentino assa.lto, faze?d?, neles grandes ma- camaristas de Natal reclamaram do governador de Pernambuco a ajuda
tan9as, queimando-lhes os ranchos e ma1s despojos . Temeroso de sua que ele nao enviava, tendo-a prometido há mais de seis meses. 58 N esta
pouca for9a, recuou urnas duas léguas para se recompor, ~gu~rdando o mesma altura, Matias da Cunha reclamava da pasmaceira do governa-
contra-ataque do gentío, o que de fato ocorreu. Da peleJa uvera~ .ºs dor de Pernambuco.59 De toda maneira, a situa9ao da Fazenda nao era
índios grande quantidade de morros e feridos, a gente lus~-bras1leira muito confortável. O procurador, Rego Barros, escreveu em 3 de outu-
apenas tres feridos, e dois logo morreram. "Vendo-se o genuo derrota- bro dizendo que nao havia disponibilidade de recursos para as despe-
do, se retirou para o seu valhacouto no carrasco", e a tropa retornou ao sas solicitadas. O governador-geral, com a Junta dos Ministros da Fa-
arraial onde assistiu por mais quatro meses, até que lhe mandou mudar ze nda, resolveu propor um novo regimento.60 Ao que parece, este foi
o capitao-mor do Rio Grande. 53 Pedro Carrilho de Andrade, em se~ Iogo implementado, e no seu capítulo 30 permitía o uso dos dízimos,
memorial, nos dá um relato mais pessimista das iniciativas <leste cap1- consigna96es e empréstimos no caso de guerra. Mandou, de todo jeito,
tao. Segundo ele, Soares chegou com seu tro90 na ribeira do Avu e "logo que acamara do Rio Grande entregasse os 200$000 ré is que prometera
os gentíos bárbaros a sua vista lhe mataram dez ou doze homens e os ao capitao Bartolomeu Nabo Correia. 61 Em junho, apesar de serem pou-
despojaram das armas" .54 De toda maneira, ternos notícias de que no cos os infantes dos ter9os, os paulistas e mais gente de Pernambuco e
final de 1687 ou início de 1688, Manuel de Abreu Soares marc hou para da Paraíba foram em marcha, engrossar o efetivo dos que já se achavam
0 sertao das Piranhas para encontrar o governador paulista, Domingos
no sertao. 62 E, em setembro, Matias da Cunha confirmou a patente de
Jorge Velho, e o coronel Antonio de Albuquerque, ".e todos .incorpora- Agostinho César de Andrade, novo capitao-mor do Rio Grande, e des-
dos seguimos as trilhas do gentio bárbaro com 25 d1as de v1agem, por tinou mais mil cruzados (400$000 réis) para a farinha, "para a destrui-
ásperas serras e travessias, faltando-nos os mantimentos, nos sustenta- 9ao dos bárbaros e sossego dos moradores" .63
55
mos com várias raízes e frutas agrestes" . As tropas de Pernambuco nao pareciam conseguir os resultados es-
Abusando de sua jurisdivao, o capitao-mor do Rio Grande, Pascoal perados, contrastando vivamente com o bom sucesso das for9as dos
Gon 9alves de Carvalho, ordenou ao sargento-mor, Pedro de Albuquer- paulistas. Em carta ao bispo de 29 de setembro de 1688, Matias da Cu-
que Camara, irmao de Antonio, juntar-se com sua gente a M.anuel. de nha dizia ter recebido correio do falecido governador de Pernambuco,
Abreu Soares. Foi por isso repreendido pelo governo da Bah1a, po1s o Fernao Cabral,64 datada de quarenta dias, dando contado "mau suces-
56
sargento-mor deveria antes atender ao irmao que pedía socorro. Como
se ve, a interferencia de Carvalho era incomoda a estratégia tra9ada na
Bahía, pois era certo que o governo-geral quería que a.s ?ua.s colunas 58 Os protestos foram enviados pelo procurador Gaspar Rebou~as Malheiros e pelo ca-
operassem em zonas diversas. 57 Por outro lado, as prov1denc1as para o pitao-mor Francisco Berenger de Andrade. Carta, 29/5/1688. Apud: Carlos Studarc
Filho. Páginas de hist6ria e pré-história. Fortaleza, 1966, p. 68.
59
Carta de Macias da Cunha a Souto ~laior, 30/5/1688. DH, 10:281.
sJ Cercidao assinada por Manuel de Abreu Soares, 13/6/1687. Frci Antonio de Santa N> Carta de Macias da Cunha para o provedor da Fazenda de Pernambuco, 12/10/1688.
~1aria Jaboatao. Orbe serafico novo brasilico. Lisboa, 1761, livro anteprime iro, capítulo DH, 10:309.
XVI , p. 66-7. . . "' Carta de Macias da Cunha, 13/10/1688. DH, /0:309-11.
~ Memorial de Pedro Carrilho de Andrade, 1703, AHU, Pernambuco, ca1xa 16. "z Carta de Macias da Cunha, 2/6/ 1688. DH, 10:290.
ss Certidao assinada por l\tlanuel de Abreu Soares, 9/2/1688. Frei Antonio de Santa Maria "3 Carta de Macias da Cunha para o capítao-mor do Rio G rande, 4/9/1688. DH, /0:298.

Jaboatao. Orbe serafico novo brasilico. Lisboa, 1761, livro anteprimeiro, capítulo. XVI, Rego Barros d everia providenciar a farinha e enviá-la ao capitao-mor. DH, 10:300.
p. 66-7. De fato, urna carca de Francisco Berenge: de Andrade datada d~ 5 de JU?ho Em compensa~ao, os provedores da Fazenda da Paraíba, Río Grande e Icamaracá
de 1688, respondida apenas em 4 de setembro, mformava que os paultstas haviam deveriam entregar os dízimos e as propinas do governador ao di to Rego Barros. Carta
chegado ao rio das Piranhas e se unido ao regimento de Albuquerque. DH, 10:300. de Macias da Cunha para os provedores, 5/9/1688. DH, 10:301.
64
56 "É este um caso por que vosmece merece ser nao só repreendido, mas severamente Fernao Cabral, senhor de Zurara, era alcaide-mor de Belmonte e descendente de
castigado e por isso lho estranho muito". Carta de Macias da Cunha para o capitao- Pedro Álvares Cabral. Assumiu em julho de 1688, mas nao durou muito a frente do
mor do Rio Grande, 28/8/1688. DH, 10:295. governo de Pernambuco. No dia 9 de setembro, logo após a morte do filho, Fernao
s1 Affonso de E. Tau na y. História gen1/ das bandeiras pattlistas. Sao Paulo, 1950, vol. 6, p. Cabral faleceu. Quatro días depois, obispo d . Macias de F iguei redo e Melo assumiu
327. o governo, "sem adjuntos", conforme urna patente da Bahia. Houve urna disputa so-
140 A G U E R R A D O A <; U A GUERRA DO A<;U 141
so que tiveram as armas de Sua Majestade na campanha do Rio Gran- ros. Os moradores do Cunhaú haviam sido atacados, 69 os "arraiais esta-
de", notícia que fora confirmada por Agostinho César de Andrade. Em vam sitiados, e os bárbaros tao insolentes, que escassamente lhes po-
meio ao desanimo geral, poucas horas depois de lida essa mensagem dem escapar os correios que por novas veredas trazem os seus avisos ao
chegaram dois índios, com 29 dias de caminho, portando urna carta de Rio Grande". Segundo Macias da Cunha, as tropas nao poderian1 resis-
Sebastiao Pimentel, que escava entre os paulistas de Domingos Jorge tir "sem pólvora, sem armas e sem mantimentos", e o provedor de Per-
Velho. Ele informava da vitória que conseguiram em urna peleja de nambuco deveria "socorre-los de qualquer fazenda que haja", quer di-
quatro dias com os índios e de urna persegui9ao que fizeram no inte- zer, usando do dinheiro dos defuntos e ausentes, ou do cofre dos órfüos. 70
rior, o que custara "urna notável presa de gados", mas que, por falta de Na mesma ocasiao, o governador-geral proibia aos moradores do Rio
pólvora e balas, tiveram de interromper. Escrevia entao ao novo encar- Grande de descer com os gados, porque poderiam despovoar o interior
regado do governo de Pernambuco contando que esta notícia nao lhe e "se nao poderem sustentar as nossas fronteiras se nao os tiverem" .7 1
diminuíra a percep9ao do "sentimento de fraqueza que os pernambu- Nao obstante, para os paulistas as coisas pareciam melhores. Em 14 ou-
canos tinham mostrado antes, tanto contra a opiniao de seu antigo va- tu bro de 1688, Marias da Cunha recebeu urna carta de Domingos Jorge
lor; fugindo tao declaradamente dos bárbaros, que entrando naquela Velho noticiando o bom sucesso de suas expedi~oes. Demonstrando seu
campanha quase novecentos homens, se nao acharam seus cabos com contentamento, o góvernador assentiu ao pedido de patentes feíto pelo
duzentos; sendo motivo para o medo, nao tanto o superior poder das chefe dos paulistas. Diferentemente das que haviam sido passadas para
várias na96es, que se uniram para os estragos daquela capitanía, como a a expedi9ao aos Palmares, que nao lhes garantiam o direito aos soldos,
divisao da nossa gente, e a desobediencia de um capitao de infantaria prometeu-lhe a patente de governador de um regimento a ser criado
chamado Antonio Pinto", que se amotinara com alguns soldados. 65 Em com a reuniao de sua gente, com proeminencias de mestre-de-campo,
carta de outubro de 1688, para Agostinho César de Meneses, vocifera- aoque enviava assinada a carta patente, além de urna de sargento-mor,
va que se nada fora feíto até agora era por desrespeito das ordens. 66 O quatro de capitaes e dois de ajudantes, todas em branco para que ele as
mestre-de-campo de Pernambuco, Zenóbio Axioli de Vasconcelos, que preenchesse. "Espero que vosmece me repita novas de outros maiores
era encarregado dos ter9os de infantaria, informou que o ter~o de Soa- sucessos, até finalmente me vira última, e mais gloriosa de se ter aca-
res reduzira-se de seiscentos para duzentos soldados e que Albuquerque bado a guerra e ficarem totalmente extintos os bárbaros" .72
estava só, com um cape.lao e um trombeta, fato que merecía o seu co- Nao obstante essas vitórias paulistas, as notícias do Rio Grande pre-
mentário nostálgico: "A9ao verdadeiramente incrível do antigo valor ocupavam o governo pelo "aperto em que ficavam as nossas fronteiras
pernambucano, mas é certo que sao já poucos aqueles que entao lhe pelo grande poder e atreví mento dos bárbaros". Corriam informa96es
deram a fama". Recomendava, entao, o envio dos dois ter9os de Pernam- de que Domingos Jorge Velho e Antonio de Albuquerque Camara se
buco e a mobiliza9ao das ordenan9as. 67 Quanto as gentes enviadas da achavam sem gente, armas, muni~6es e mantimentos. Para refor9ar o
Paraíba pelo capitao-mor Amaro Velho Cerqueira, haviam desampara- socorro que imaginava já ter sido enviado, o governador-geral mandou
do e volcado todos, pelo que mereciam castigo. 68 urna sumaca para o Recife com 40 arrobas de pólvora fina e 120 de chum-
Em outubro, a situa9ao da guerra era crítica. Os índios aproveitavam bo, para daí ir em outra embarca9ao a Paraíba e seguir por terra até o
a desorganiza~ao das tropas de Pernambuco e realizavam novos assal- "quartel nas Piranhas", onde seria dividida entre o paulista e Albu-
aquerque Camara. Por cerra, enviava também mais dois tro~os de gen-
te. Um, de 150 homens brancas e até 300 índios (reconduzidos das al-
bre a forma dessa sucessao, dado que o senado da camara quis arrogar-se o poder,
nomeando, sem pode-lo, obispo. Tudo "nulidades", segundo Macias da Cunha, que deias e de urna e outra banda dorio Sao Francisco pela parte do sertao),
tinha as prerrogativas. Carta ao bispo, 27/9/1688. DH, 10:302-5. Veja também, Evaldo para refor9ar a tropa do mestre-de-campo dos paulistas. Outro, das al-
Cabral de Mello. A fronda dos mazombos. Sao Paulo, 1996, p. 54-5.
65 Carca ao bispo, 29/9/1688. DH, 10:307-8. Veja também carta de Macias da Cunha ao 69
Carta de Macias da Cunha para o governador de Pernambuco, 14/10/1688. DH, 10:322.
governador de Pernambuco, 28/8/1688. DH, 10:294-5. °
7
Carta do governador-geral para o provedor Joao do Rego Barros, 18/10/1688. DH,
66 Carta de Macias da Cunha, 13/10/1688. DH, 10:309-11. 10:328-30.
67 Carta de Macias da Cunha para o mestre-de-campo, 14/10/1688. DH, 10:319-20. 71
Carta de Macias da Cunha para o capitao-mor do Rio Grande, 18/10/1688. DH, 10:330-1.
<>11 Carta de l'vlatias da Cunha para o ca pitao-mor da Paraíba, 14/10/1688. DH, 10:321. 72
Carta de Macias da Cunha para Domingos Jorge Velho, 13/10/1688. DH, 10:313-5.
142 A GUERRA O O A<; U A G U E R H A D O A <; U 143
11
deias e ribeiras do Sao Francisco com mais de 200 brancos e 300 índios necessário carregar mantimentos com que se hao de sustentar". O in-
das vizinhan9as (rodelas e demais na96es), reunidos na vila do Penedo conveniente estaría em que, mesmo que fossem alcan9ados, "o maior
para o refor90 da tropa de Albuquerque Camara, que passav~ ag~ra, a despojo desta vitória serao entre vinte e trinta tapuios monos e oucros
exemplo do paulista, a ser "governador de toda a gente que ttver a sua tantos feridos" . Dessa forma, seria sempre necessário andar atrás deles
ordem", com as mesmas proeminencias e soldo de mestre-de-campo. para evitar as extorsoes e danos que haveriam de fazer os que sobrevi-
Segundo as ordens de Marias da Cunha, que escreveu a ambos para vessem, ''e o p1or
. sera,
""
como e,, cerco, que nao
. - senao mu1-.
- so,, essa na9ao,
refor9ar sua estratégia, eles deve~iam ter jurisd~9oes i~depen~ent~s, tas que hoje estao quietas se hao de levantar, induzidas facilmente dos
ambas subordinadas porém ao cap1tao-mor Agosttnho Cesar. Alem d1s- outros, e teremos novas rebelioes que castigar; e eterna aquela guerra e
so, remeteu-lhes cem espingardas. 73 impossível a quieta9ao dos moradores daquela capitanía". Além disso,
As expedi9oes da gente pernambucana, como vimos, nao ~e mostra- a guerra traria grande despesa a Fazenda Real. Ulhoa calculava que as
vam eficientes na conten9ao dos bárbaros, e apenas os pauhstas pare- entradas que Afonso Furtado mandara fazer no sertao da Bahía haviam
ciam oferecer algum tipo de solu9ao no curto prazo. A estratégia tra9ada custado algo em torno de 30.000 cruzados ("o que sei porque servia
pelo governador na Bahia poderia nao surtir m.uito :_feit?, urna vez que naquele tempo o meu pai Antonio Lopes Ulhoa de provedor-mor da
coordenar de maneira eficiente tropas que ag1am tao distantes no ser- Bahia"). Sua proposta de "um caminho mais suave para a quieta9ao"
tao era de fato algo quase impensável. Nesse contexto, algumas pro- dos índios era que o capitao-mor do Rio Grande, que estava para ser
postas mais articuladas surgiam, como a de José Lop.es Ulhoa. Este fi- nomeado (isto é, ele, de preferencia), entrasse no exercício de suas fun-
dalgo da casa de Sua Majestade fora soldado na Bah1a de 1663 a 166~ , 9oes "publicando urna sanguinolenta guerra contra estes tapuios, fa-
capitao de infantaria e provedor-mor da Fazenda Real (como seu pa1, zendo algumas prepara9oes para ela, convocando ainda que suposta-
Antonio Lopes Ulhoa). Em mar90 de 1688, servia como soldado na Junta mente o ter90 do Camarao a que todos esses tapuias tiveram sempre
do Comércio e pleiteava o posto de capitao-mor do Río Grande, para o grande temor". Enquanto fizesse as diligencias para essa su posta guer-
que enviara a Lisboa um papel em que apontava solu96es para o lev~n­ ra total, o capitao-mor deveria buscar,
tamento dos índios. 74 Segundo ele, "nas rebelioes ou se usa dos me1os
da indústria para a quieta9ao ou das armas para o castigo". Nesta se " ... com todo o segredo, alguns vaqueiros moradores naquele ser-
deveria usar de ambos, "trabalhando porém mais no da indústria pela tao comos quais esses tapuios comem e bebem e a quem chamam
natureza de vida e trato desta na9ao e porque também pelo outro será compadres, e aos que entender sao de maior confian9a e fidelidade
mais dificultoso o castigo". Para ele, estes tapuias ("a que chamam os obrigará com dádivas que hao de custar muito pouco e com pro-
jandoins") eram muito diferentes dos outros "porque nao tem aldeias messas que é melhor buril para semelhantes cora96es, e os mandará
nem parte certa em que vivam e sempre andam volantes, sustentando- a que vao buscar estes tapuios e lhes digam, vendendo-lhe por fine-
se algumas vezes dos frutos da terra e ca9a que matam e outras de al- za o aviso rudo o que o capitao-mor intenta contra eles e que sem
gum gado que lhes dao os vaqueiros ou eles roubam". Com rela9ao as dúvida ficarao destruídos e que só terao por remédio de vir pedir-
entradas feítas na Bahia quarenta anos antes, tratava-se de reconhecer lhes paz e dar toda seguran9a a ela" .75
que estas guerras seriam m~ito mais di~íceis, Pº!~ na o.casiao eram "d~­
ferentes as na96es porque ttnham alde1as cenas . Ass1m, querer casti- Ulhoa nao tinha "dúvida de que este gentio intimidado nessa forma,
gar estes homens pela for9a das armas parecia-lhe "quase imp~ssível e e pelos que eles presumem ser seus amigos e confidentes, há de vir
muito inconveniente". Quase impossível porque logo que uvessem pedir paz, a qual o capitao-mor concederá repreendendo-os e amansan-
notícia das expedi9oes fugiriam e, por mais cuidadosos e diligentes que do-os muito asperamente pelas suas línguas". Para garantía da paz, de-
fossem seus perseguidores, "nao os poderao alcan9ar pela ligeireza com veria, entao, tomar "cinco ou seis filhos dos maiorais como reféns os
que este gentío marcha e pouco peso das armas que levam sem lhes ser quais terá em sua companhia na fortaleza".
A prática de tomar reféns dos povos que concordassem em su bme-
73 Carta de Matias da Cunha para o governador de Pernambuco, 4/12/1688. DH, 10:336-8.
75 Consulta do Conselho Ultramarino, 30/3/1688. AHU, Rio Grande, caíxa l.
H Consulta do Conselhd\ Ultramarino, 30/3/1688, AI-IU, Rio Grande, caixa l.
144 A GUERRA DO AQU A GUERRA DO A Q U 145
\er-se ao comando do governo portugues era, con10 sabemos, difundida le sertao com os quais esses tapuios comem e bebem" eram mais do
no mundo colonial. É um mecanismo importante de controle, que de- que sertanejos conhecedores do modo de vida indígena ou cómplices
monstra cabalmente a superioridade relativa dos luso-brasileiros .nas de seus costumes; segundo Ulhoa, os índios os tinham por "compadres",
guerras contra os tapuias. A empresa colonial era, ao fim e ~o cabo, onen- donde podemos perceber que as relac;oes de parentesco eram estreitas
tada por um aparelho estatal, cujas redes de pode r garanttam, e m esca- e implicavam um universo social específico, cujas exatas dimensoes,
la desconhecida pelos índios, operac;oes de vinganc;a e repressao que os infelizmente, nao podemos aferir.
capturavam numa nova espacialidade do terror. Os índios viam-se sub-
mersos em urna guerra totalmente diversa dos confrontos controlados e A campanha de Matias Cardoso de Almeida, 1690-1695
estanques da dinamica g~erreira. tradicional. ?s
inimigo~, nao s..ó. eram
mais numerosos, mas ma1s organizados e persistentes. A memona bu- O recurso aos paulistas, que restabelecia a soluc;ao encontrada na Ba-
rocrática" do poder estatal permitía um proce~so ampli!icado d~ d.omi- hía há quarenta anos, impunha-se como a única alternativa possível.
nac;ao, cuja racionalidade particular se aperfetvoava. 1al estrategia de Além da tropa de Domingos Jorge Velho, já destinada aos Palmares, fa-
manter a obediencia dos aliados por meio dos reféns, segundo Lopes zia-se necessário um reforc;o. Com efeito, no início de 1688, Matias da
Ulhoa, havia sido posta em prática por um seu parente em sen:1elhante Cunha já havia escrito aos edis Sao Paulo, alertando que o Río Grande
alterac;ao na Bahía e demostrara resultados. 76 Por que na~ repet.1-la? .ne- se achava "oprimido" pelos bárbaros. Contava ainda que a decisao da
vemos notar, contudo, que nem sempre tal soluvao fo1 a ma1s ef~caz. junta era por declarar cativos os bárbaros prisioneiros, de acordo coma
Havia sempre o risco de, com tamanha tiranía, exasperar ainda ma1s os provisao de 1611; assim, pedia que convencessem os paulistas a virem
índios. Em urna carta para o capitao-mor do Rio Grande, o governador- pelo sertao, nao só pelo interesse do servic;o do rei, mas pelos escravos.
geral, Joao de Lencastro, considerava as dificuldades dessa prática e O governo daría as munic;oes necessárias "donde avisarem que as que-
indicava outras solu~oes: "bem creio quao difícil é confirmar-se paz com rem, que é só a despesa que a Fazenda Real pode fazer pelo presen-
os bárbaros sem reféns, e que os [meios] mais seguros sao os resgates te" .78 Como vimos, os planos de Matias da Cunha já previam a incorpo-
de que vosmece necess1ta para os mover .77
A • "
. . ra~ao do paulista Matias Cardoso as forc;as portuguesas, ordenando que
Apesar de haver falhado en1 sua elei~ao e de que ~ sua proposta J.amais se deslocasse do sertao do Sao Francisco para o teatro da guerra.
seria implementada, esse papel de Ulhoa revela importantes dimen- Após a morte de Matias da Cunha, em 24 de outubro de 1688, víti-
soes envolvidas no contexto dessa guerra. Primeiramente, a percep~ao ma da bicha, o governo foi assumido por urna Junta Provisória composta
de que a resistencia desses povos, por sua específica maneira de interagir do chanceler da Rela~ao, Manuel Carneiro de Sá, e do arcebispo, dom
coma ecología local e por suas técnicas militares fragmentadas, produ- frei Manuel da Ressurrei~ao. Este último, que restou com o poder de
zia urna situavao endemica de inseguranva e conflitos impossível de ser fato, escreveu a todos envolvidos nos conflitos pedindo que se guar-
controlada a nao ser por urna estratégia de aproximac;ao e intimida~ao. dassem inteiramente as ordens do falecido no tocante as guerras dos
Nesse sentido, sua proposta ficava a meio caminho dos termos do dile- bárbaros. 79 De fato, em urna carta, de 30 de novembro de 1688, aos ofi-
ma que dominou o debate sobre a naturez~ dessa guerra: de ~m lado~ a cia is da camara de Sao Paulo, o arcebispo explicava que, assim que mor-
proposivao do extermínio completo dos índ1os e, de outro, sua integr~c;~o reu Marias da Cunha, o secretário do Estado, Bernardo Vieira Ravasco,
subordinada a ordem colonial. Em segundo lugar, que esta estrategia mostrara-lhe a carta que havia enviado em mar~o. Vendo que ainda nao
traria resultados a medida que se reconhecessem e se pusessem ao seu havia chegado resposta, reiterava o pedido, pois, segundo ele, eram "en-
servic;o as rela~oes existentes entre os povos indígenas e a populac;ao tao mui cruéis as hostilidades que aqueles moradores padeciam; é ain-
de moradores daqueles sertoes. Aqueles "vaqueiros moradores naque-
7
x Carta, 10/3/1688. DH, 11:139-40. "E por nao faltar a diligencia alguma, escrevi aca-
76 Além disso, recomendava o e nvio de dois religiosos da Companhia para os catequiz~r. mara de Sao Paulo para que daquela capicania venha outro socorro de paulistas pelo
Papel de José Lopes Ulhoa visto pelo Conselho Ultramari no, 23/3/1688. AHU, R10 sercao, e nao cenho pequena confian~a de que venha fazer este grande servi~o a El-
Grande, caixa 1, 26. Rei meu Senhor... ", 4/10/1688. DH, 10:336-8.
79
77 Carta do governador-geral ao capitao-mor do Rio Grande, 2/9/1694. DH, 38:325-8. Carcas do arcebispo, 29/10/1688. DH, 10:332-S.
146 A G U E R R A D O A QU A GUER RA 00 AQU 147
" da 1naior o apeno em que hoje se veem os nossos arraiais, por ser in- permanecen do "obstinados", mas outros, que desceram ao rio Potengi,
comparavelmente maior o poder os bárbaros que o das nossa~ arma~ ". bem perro da cidade, pediram pazes e o capicao-mor lhes concedeu sob
Das fronteiras, chegavam avisos de que as tropas nao se atrev1am a in- cerras condivoes. 85 Os moradores, entretanto, reagiam com pavor a essa
vestir contra os índios nas su as aldeias, e que eles chegaram "a vir cer- iniciativa do capicao-mor. Temiam que os capuias tivessem pedido a paz
car os nossos quartéis" , onde estavam Domingos Jorge Velho e Antonio para dela se aproveitar, tomando conhecimenco da cidade e seu entor-
Albuquerque Camara, "os quais, pelejando quatro días com os bárba- no e preparando, assim, urna ofensiva final. 86 Em rota de colisao com o
80
ros, p or falta de muni96es se retiraram aos quartéis de que saíram" . paulista Domingos Jorge Velho, Agostinho César de Andrade tramava
Nao havia nenhuma notícia do refon;o do sargento-mor do Ceará, que ta mbém sua retirada da capitanía, onde estorvava seus interesses pes-
• • 81 o
estaria em marcha para o Rto Grande con1 quatrocentos tapu1as. u- soais no comércio de escravos índios. Os edis enviaram um requerimento
tra informa9ao <lava conta de que a fortaleza do Rio Grande nao tinha ao pa ulista solicitando sua permanencia, atropelando claramente as prer-
mais do que "sete soldados estropiados", e de que Domingos Jorg~ Ve- rogativas do capicao-mor. Aquele, con1 prazer, disse que ficaria e cum-
lho e Albuqucrque Camara estavam "retirados por falta de mun.196es priria sua tarefa, que era a de destruir completamente os tapuias. 87
aos quartéis das Piranhas". 82 Por outro lado, os moradores cont1~ua­ Em dezembro de 1688, o paulista Marias Cardoso zanzava pelo ser-
vam a dcixar o país, fosse pelo assédio dos índios, fosse pela destru19ao tao do Rio Sao Francisco em busca de farinha. O falecido governador o
causada pelas próprias tropas, que consumiam os recursos locais. Em
dezembro, o arcebispo pedía a Nlanuel de Abreu Soares que pusesse
cuidado e parcimonia nas ra9oes, pois sua gente vinha fazendo g~ande 115
Carca ao capicao-mor Agoscinho César de Andrade, 14/5/1689. DH, /0:356-8.
estrago nos gados, com "grande prejuízo de seus donos, os qua1s por 11t> Carca da camara de Natal ao governador-geral, 22/1/1689. IHGRN, caixa 65, livro 2,
essa causa se vao retirando: e é lastima que nao tenham contra s1 os fl. 117-8v.
xi Rc querimenco da camara de Natal a Domingos Jorge Velho, 23/3/1689, carta de Do-
bárbaros, mas os mesmos que os deviam defender, para a sua ruína".
mingos Jorge Velho acamara de Natal, 23/3/1689, IHGRN, caixa 65, livro 2, fl. 119-
Segundo a carta, Abreu reconhecia que "o sucesso do A9u foi .c~~sa da 119v e fl.120, respectivamente. A históría das relas;oes entre os "incrusos" de Sao
fugida da maior parte da gente". Havia ficado com poucos m1hc1anos, Paulo e os poderes locais no Rio Grande sempre foi marcada por desavens;as e sicua-
infantes, henriques e índios dos camaroes, e resolvera desamparar a s;oes conflicuosas (com veremos no Capítulo 6). Em agosto de 1689, em várias carcas,
posi9ao do A9u, para escandalo da Bahia, que via nessa atitude a entre- o arcebispo dá conca da contenda que houvera entre Domingos Jorge Velho e o capi-
cao-mor do Rio Grande, Agoscinho César de Andrade. Segundo o informe dos oficiais
ga da capitanía ao inimigo. 83 Pedro Carrilho de ~~drade con ta q~e Soa- da camara "o capicao-mor para escorvar o intento bom que cinha o paulisca", cacivou
res, que já tinha oitenta anos, e sua gente ass1st1ram apenas cinco ou as mulheres e filhos dos capuias. Esta "bagagem" fora deixada pelo mescre-de-cam-
seis meses naqueles sertoes e por falta de mantimentos se retiraram, po na aldeia dos jesuícas como "refém" para a "seguran9a dos pais e maridos que
deixando o inimigo senhor da campan ha. 84 consigo levou para o servi'ro de Sua Majestade e línguas das suas marchas". Agosci-
Segundo informa96es do capitao-mor do Rio Grande, Agostinho César nho César reparciu os cacivos com eres ou quacro do seu séquito. Na ocasiao, chegan-
do o novo govcrnador de Pernambuco, l'vlacias Vida!, "vendo o mal que capicao-mor
de Andrade, em fevereiro de 1689 os bárbaros haviam-se fracionado. Al-
obrara nesca a9ao, a injuscis;a e a ruína que seguiría de fazerem este dano as famílias
guns janduís, chamados panatis, resolveram continuar as hostilidades, que andavam em servis;o del-reí, o persuadira a mandar repor na mesma aldeia os
mesmos q ue cinha cacivado". Nada obstante, os oficiais da camara de Natal, que ha-
viam denunciado os excessos, mudaram repentinamente de opiniao e repeciram o
80 Carta de Macias da Cunha para acamara de Sao Paulo, 30/1 1/ 1688. DH, 11:142-5. desmando: "confederados brevemente com o capitao-mor concordaram em se lhe
111 Na carta ao governador de Pernambuco, 4/ 12/1688. DH, 10:336-8. dar na aldeia tumultuosamente um assalco em 7 de junho, e levaram peno de duzen-
llZ Cana do arccbispo ao provedor da Fazenda de Pernambuco, 4/12/1688. DH, /0:339-43. ras almas que ali assisciam sujeicas, e as reparciram entre si para o seu servi90". Don-
KJ Carca do arcebispo para Manuel de Abreu Soares, 6/12/1688. DH, 10:343-6. de se conclui que se esravam malcomo capitao-mor era por ele, na primeira vez, nao
8-1 Memorial de Pedro Carrilho de Andrade, 1703. AHU, Pernambuco, caixa 16. Segun- haver repartido os cacivos. O arcebispo e governador-geral ordenava, entao, a repara-
do Nlacias da Cunha, quando Manuel de Abreu Soares se recirou, ele tinha oicenta 'rªº imediaca do acontecido, pois "desea sorce cessará de imediato a justa queixa dos
anos e escava em apuros ainda por contada crai~ao. Carta de Macias da Cunha, 14/10/ pais e maridos e se darao por obrigados a servir com mais fidelidade nas guerras em
1688. DH, /0:315. Rccebera, por servi'ros prestados, urna ajuda de cusco de 200 cru- que andam". DH, 10:365-7; veja ainda a carra do arccbispo ao ca pitao-mor do Rio
zados e oucras duas de 100 cruzados para cada filho. Carca de Macias da Cunha ao Grande, 27/8/1689. DH, /0:369-71; e a carca de Domingos Jorge Velho ao arcebispo,
govcrnador de Pernambuco, 12/10/1688. DH, 10:325-6. 27/8/1689. DH, /0:371-3.
148 A G U E RRA D O A <; U A G U E R RA OO A<; U 149
" havia recomendado ao arcebispo, por informa96es do mestre-de-campo cías feitas pelos paulistas. 94 Manuel Camargo havia proposto capítulos
Antonio Guedes de Brito e do provedor-mor Francisco Lamberto, para com condi96es desmedidas em um papel enviado ao secretário do E s-
os quais o paulista era homem de grande valor. De fato, Cardoso tinha tado. Matias Cardoso nao fizera pedidos menos excessivos: urna "mul-
grande experiencia no sertao. Já havia sido voluntário nas expedi96es tidao de postos maiores, capitaes e soldados brancos, mas ainda para os
de Fernao Dias Pais e fora nomeado, em 1681, pelo administrador-ge- índios, que como infantes deveriam ser pagos e fardados". Segundo o
ral das Minas da reparti9ao do Sul, D. Rodrigo Castel Branco, como julgamento do arcebispo, ambos nao haviam tratado do servi90 do rei,
tenente-general da leva de Sabarabu9u, que partira em busca das mi- "senao que considerando-se uns e outros o único e total remédio da
nas de prata. 88 Freí Manuel da Ressurrei9ao nao duvidava de que a ca- defesa daqueles povos, só puseram os olhos na sua conveniencia". Ain-
mara de Sao Paulo e o capitao-mor de Sao Vicente o elegeriam por já se da que fossem mais "moderadas" as exigencias de Matias Cardoso, tudo
achar assim tao próximo do teatro da guerra. Em seu pedido aos edis de o que possuía a Fazenda Real seria insuficiente para o pagamento de tan-
Sao Paulo, em novembro, o arcebispo concluía que haveria interesse tos postas. O fato era que os paulistas que tinham vindo antes haviam
dos paulistas, "tao costumados a penetrar os sertoes para cativar índios proposto condi~oes bem diferentes. Fora "nesta suposi9ao e experien-
contra as provisoes de sua majestade", em faze-lo agora "em servi90 do cia" que o arcebispo os convocara. Estes haviam recebido as honras dos
seu reí como leais vassalos seus" .89 A oferta a Matias Cardoso era nomeá- postos de comando; os capitaes, os privilégios de infantaria paga e no ge-
lo "governador" do regimento que se formasse, comas mesmas "proe- ral "os prisioneiros e as terras conquistadas que nunca tiveram dono".
minencias de mestre-de-campo, e como tal vencer o soldo desde o dia Como vimos, o governador havia concedido a Matias Cardoso as mes-
em que partiu" .90 Na mesma ocasiao, pedía que o vigário de Sao Paulo, mas prerrogativas de Domingos Jorge Velho. Nesse sentido, em carta
Domingos Gomes Albernaz, animasse os paulistas a vir em socorro do ao capitao-mor de Sao Vicente, o arcebispo esclarecía que nao convinha
Norte, reiterando a oferta de cativos. 91 que viesse o Camargo. Quanto ao Cardoso, apesar desses desacordos,
N a verdade, dois paulistas haviam-se oferecido para o servi90: Ma- que fosse a Bahía para ajustar sobre como se lan~aria na campanha. 95
nuel Camargo e Matias Cardoso. Em fevereiro de 1689, a camara de Este, no entanto, demoraría ainda alguns meses para realizar a viagem.
Sao Paulo concordava em dar todos os poderes a Matias Cardoso, que Ofertas de auxílio eram feítas por outros grupos interessados em par-
havia sido encarregado de fazer gente para a conquista do sertao do Rio ticipar do esfor~o de guerra, objetivando auferir, assim, algum ganho.
Grande. 92 Segundo Pedro Taques, este estava com sua gente no rio Sao Nenhuma delas, nao obstante, conseguiu se concretizar. O socorro que
Francisco, aguardando Joao Amaro Maciel Parente, que permanecera vinha dorio Sao Francisco, a cargo do coronel André Pinto Correia, se
em Sao Paulo juntando mais homens. Em 18 de junho de 1689, Paren- desvaneceu porque "tendo a gente junta, fora tal a seca, que impossi-
te saiu de Sao Paulo e foi dar com seu chefe, que esperava agora as bilitava os caminhos", de maneira que ele mandara todos retornar para
ordens da Bahia. 93 Em agosto de 1689, o arcebispo estranhava a falta de as suas casas.96 Em julho de 1689, o futuro matador de Zumbi, André
vontade para o servi90 de Sua Majestade e o despropósito das exigen- Furtado de Ñ1endon9a, se oferecia para livrar a capitanía de Ilhé us das
hostilidades dos bárbaros pelo pre90 de 5 mil cruzados em dinheiro de
contado, além das condi96es contraídas com os outros paulistas. A ne-
XIIProvisao 28/1/1681. Apud: Pedro Taques de Almeida Paes Leme. Infonnarao sobre as gativa do arcebispo foi bem direta: "Toda a capitanía dos Ilhéus nao
minas de Siio Pa11/o (1772). Sao Paulo, p. 142-3; e Nobiliarquia paulistana histórica e vale vendida, o que vosmece quer se pague [com] a sua vinda. 97 Em
genealógica. Sao Paulo, 1980, vol. 2, p. 44-58 e 198-201.
x9 Carta de Macias da Cunha para acamara de Sao Paulo, 30/11/1688. DH, 11:142-5.
90 Carta, 9/12/1688. DH, 11:147-9. muicas ourras famílias como incuico de fundar urna vila, para o que cinha a anuencia
91 " ••• nao só como estímulo do crédito a que os empenha o seu nome e as honras que da Bahia. Carca, 9/3/1690. DH, 10:388-93.
devem esperar del-rei meu Senhor, mas com a conveniencia própria da multidao de 94
Carca do arcebispo aos oficiais da camara de Sao Paulo, 3 1/8/1689. DH, 11:154.
bárbaros que rem para vencer e aprisionar, pois esrao declarados cativos". Carca de 95
Carra do arcebispo ao capitao-mor de Sao Vicente, 1/9/ 1689. DH, 11:155-8.
~1 a cias da Cunha, 9/12/1688. DH, 11:149. '><> Carra ao capirao-mor Agosrinho César de Andrade, 14/5/1689. DH, 10:356-8.
92 19/2/1689. ACSP, 7:3 74. 97
Inclusa na resposca do arcebispo para André Furcado, 3 1/8/1689. DH, 11: 15 1-2. André
93 Pedro Taques. Nobiliarquia ptwlistana histórica e genealógica. Sao Paulo, 1980, vol. 2, Furtado de Mendorn;a era das primeiras famílias de Sao Paulo e havia sido capitao-
p.56. Quando se deslocou para o Sao Francisco, Macias Cardoso havia crazido a sua e de-infancaria e sargento-mor do ter~o de Domingos Jorge Velho, segundo sua folha de
150 A GUERRA DO A\;U A GU E RR A DO A\;U 151
"Penedo, aprestava-se outra ajuda ao esfor~o de guerra no Rio Grande, Pinto Correia, no sertao do Sao Francisco. 101 Havia notícia de que a gente
por iniciativa do capitao-mor da vila de Penedo, Pedro Aranha Pacheco, de Cardoso degolara recentemente cerca de 260 tapuias, o que, nas
dos capitaes Gregório Bezerra, Antonio Nl artins Pereira e Domingos palavras do arce bispo, servia para "desenganar aos pernambucanos do
Antunes Viana e do sargento-mor José F erreira Ferro. E m fevereiro, o ge nio dos paulistas" . 102 N aquele momento, a Fazenda nao tinha condi-
arcebispo prometía o envio de carne e farinha para os índios: "Pouco s;oes de concorrer com a despesa de mais tropas, de modo que o arce-
menos de trinca catanas, que nem nos armazéns, nem na pra~a as havia, bispo confiava que a participas;ao dos paulistas abreviaría a guerra. Ele
e escassamente se puderam achar nos navios" .98 Em mar~o, 26 catanas desejava, urna vez confirmada a chegada destas tropas, fazer outra jun-
haviam sido enviadas, mas Aranha Pacheco escreveu que nao podia por ra-geral para acertar os te rmos do arranque final.
adiante a expedi~ao porque nao havia conseguido reunir a gente neces- A percep9ao de que os paulistas eram mais aptos e menos dispen-
sária, pois ainda faltavam seiscentas mochilas de farinha. No entanto, o diosos comandava as mudan9as propostas nos rumos da guerra. Com
que mais dificultava a reuniao da gente era que os principais nao que- efeito, nesse momento a situa9ao era muito difícil, o que exigía medi-
riam aceitar as patentes expedidas na Bahia por nao serem da infantaria das que reduzissem os gastos. Segundo um memorial que acamara de
paga, isto é, por nao lhes re nderem soldas. Segundo o arcebispo, Ara- N atal endere9ou ao rei em 2 de julho de 1689, o levantamento do gen-
nha mentira sobre o animo e os preparativos visando fraudar a Fazenda tío havia provocado até entao a morte de cerca de duzentos homens e
Real, pois nada justificava a sua desistencia, urna vez que aquela regiao a perda de 30.000 cabe9as de gado grosso e de mais de mil cavalgadu-
mais vizinha ao mar nao experimentava a seca que havia nove meses se ras, além da ruína dos mantimentos e lavouras. Os edis pediam que a
padecia no sertao. Desse modo, os ditos capitaes nao passavam de "su- Fazenda se comprometesse a pagar os gados e fazendas confiscados pa-
jeitos mimosos", e "se eles já o haviam sido [capitaes], seriam só dos ra sustento das tropas regulares. No Rio Grande, a Fazenda estava tao
currais em que estavam próprios, ou alheios, em que nao tinham o me- extenuada que o contrato dos dízimos fora rematado em 340$000 réis,
recimento, nem a honra que pelas minhas patentes lhes dava" .99 De em 1689, e chegara a 900$000 antes do início das guerras. Pediam que
fato, de acordo com o regimento do governador-geral de 1677, os pos- o rei ordenasse que apenas os paulistas, os henriques e os camaroes
tos de infantaria pagos só eram permitidos aos soldados com mais de ficassem no campo até "se destruir e arruinar todo o gentío, ficando
dez anos de servi~o. Os paulistas haviam sido urna exce~ao. 100 esses sertoes livres para se colonizarem". Isso porque esta "casta de
Parte do refor~o de Macias Cardoso chegou a Bahía no mes de agos- gente" era mais apta ao tipo de guerra em curso, "por ser mais ligeira e
to de 1689. O paulista Manuel Álvares de Morais N avarro, sargento- continuada, acelerar a aspereza dos montes e capaz de seguir o gentio
mor, veio de Sao Paulo por mar com 23 soldados, índios e brancas, os pelo centro dos sertoes e fazem menos despesas a Fazenda Real". 1º3
quais o arcebispo logo enviara ao Sao Francisco para juntar-se a Cardo- Urna vez que os paulistas eram "costumados a penetrar sertoes e a
so. Navarro partiu com cartas, mas desprovido, pois nos armazéns só se sustentarem sem mais concurso de mantimentos que o que acham
havia esmerilhoes, um tipo de espingarda tao grande que era de difícil nos seus arcos e nas su as espingardas", a melhor maneira de dar segui-
maneto. mento ao esfor90 de guerra e poupar a F azenda Real seria desmobilizar
Em razao disso, o sargento-mor ia com ordens para recuperar as cin- as tropas regulares e das ordenan9as que se encontravam no sertao e,
qüenta espingardas e as muni~oes que estavam como desistente André aproveitando a presen9a de Macias Cardoso, encarregá-lo de toda a ini-
ciativa. A opiniao dos moradores do Rio Grande era que nao convinha
fazer a paz comos índios e que a normaliza9ao das atividades no sertao
se rv i ~os, 23/7/1715. AHU, Pernambuco, caixa 11. Pedro Taques o püe como capicao-
de-infancaria da Leva de Sabarabu~u, em que ia Macias Cardoso como cenence-gene- só seria obtida com a sua total destrui~ao. O citado memorial da camara
ral, no ano de 1681. lnfo11naroo sobre as minas de Stio Paulo ( 1772). Sao Paulo, p. 42. de Natal pedía a considera~ao do rei para que fosse posta em execu9ao
9
x Carca do arcebispo ao capicao-mor da vita de Penedo, 9/2/1689. DH, 10:353-4. a ordem do governador-geral, isto é, a destrui9ao dos tapuias, "guer-
99 Carca do arcebispo ao capitao-mor da vita de Penedo, 28/3/1689. DH, 10:356.
100
Cf. o capítulo 41 do Regimento de Roque da Cosca Barreco, 23/1/1677, publicado cm
Joao Alfredo Libanio Guedes. História administrativa do Brasil. Rio de Janeiro, 1962, 101
Carta, 28/8/1689. DH, 10:375-6.
vol. IV, p. 188 e cambém nos DH, 6; veja cambém a carca (inclusa) do capicao-mor ioz Carta do arcebispo ao lVfatias Cardoso, 27/8/1689. DH, /0:371-73.
Pedro Aranha Pacheco, 21/3/1689. DH, /0:359-62. Hu Memorial da camara de Natal ao rei, 2/7/1689. IHGRN, caixa 65, livro 2, fl. 129.
152 A G U ER R A DO A ~U A GUER R A OO A~U 153
.. reando-se com ele até de todo se acabar" .104 No e n tanto, a guerra total sete companhias, cada urna sob o comando de um capitao, a saber,
supunha a convoca9ao de mais tropas de sertanejos paulistas. Esse era Miguel de Godói Vasconcelos, Joao Pires de Brito, Joao de Godói Mo-
o parecer do governador na Bahía. Segundo um alvará seu, datado de 4 reira, Luís Soares Ferreira (substituído em julho por Mateus Martins
de mar90 de 1690, a idéia de que a guerra, por parecer a princípio tao de Prado), 108 An1aro Ho1nen1 de Almeida, Diogo Rodrigues da Silva e
irregular, implicava urna estratégia de divisao das tropas (encarregan- Joao Freire Farto. 109 Joao Amaro Maciel Parente, que era filho de Baiao
do-se tres cabos independentes uns dos outros) que se mostrara com- Parente, ficou como capitao-mor das companhias de tropas, isto é, su-
pletame nte errada. Isso porque nao se tinha conseguido naqueles dois bordinado a Matias Cardoso, mas com proeminencia sobre elas. 110 Tan-
anos a extin9ao dos bárbaros, "que era o último progresso e principal tas companhias visavam, antes de mais nada, garantir a maior mobilida-
fim do sossego daqueles povos" . A guerra, até e n tao defensiva, deveria de das armas "nos vários acidentes que na campanha se oferecem com
transformar-se. Segundo o documento, as tropas "nao devem esperar o gentío irregular". Para que se procedesse com toda a clareza na recei-
defensivamente nos arraiais, em que se acham as mesmas armas, senao ta e despesa da dita guerra aos bárbaros, o arcebispo nomeou também
seguindo-os até lhes queimarem e destruírem as aldeias, e eles ficarem um almoxarife com o seu escrivao, assim como um armeiro, um tal de
totalmente debelados e resultar sua extin9ao" . Como para este genero Domingos Joao, oficial que deveria erguer urna tenda para consertar as
de guerra nem a infantaria paga nem a da orde nan9a se haviam mostra- armas. 111 Além disso, refor~os de cerca de 450 até 500 índios da regiao,
do eficazes, ainda segundo o exemplo da Bahia de quarenta anos atrás, além dos que podia levar das capitanías do Norte, foram-lhe concedi-
o melhor a fazer era entregá-la a cargo dos paulistas e, no caso, "a um só dos com a inten9ao de "abreviar a guerra em que se podem gastar dois
sujeito, a cujo arbítrio ficasse livre a disposi9ao da guerra": 1V1atias Car- anos em um só" . 112
doso de Almeida. 105 De fato, em mar~o de 1690, o arcebispo resolveu Os paulistas deveriam guarnecer o posto do A~u, que havia sido aban-
reformar Antonio de Albuquerque Camara e Manuel de Abreu Soares, donado por Manuel Abreu Soares, porque a regiao era muito importan-
mandando que retirassem de seus presídios toda a infantaria paga, te e "passagem para o Ceará". Apesar de, em junho de 1690, "nao se-
miliciana e preta do ter~o de Henrique Dias, a exce9ao dos índios do rem tao contínuos os assaltos do gentio pela oposi9ao que se lhes fazia
Camarao e de outros índios das aldeias, que deveriam ficar para acom- com os índios domésticos e moradores", convinha manter lá alguns
panhar o paulista. Apenas o regimento de Domingos Jorge Velho deve- paulistas. 113 Embora a F azenda Real estivesse "exausta", como alerto u
ria ficar em pé, o qual poderia "empreender como isento da jurisdi9ao o governador de Pernambuco, marques de Montebelo, o reí achava, em
de Matias Cardoso" .106 carta de dezembro de 1691, que o presídio do A~u era "mui convenien-
A reforma de mar90 de 1690 fora extensa e visava a urna completa te para impedir o dano que nos fazem os índios", de modo que, agora
reorganiza9ao do esfor~o de guerra. Matias Cardoso fora nomeado "mes- sob o comando de 1V1atias Cardoso, deveria continuar recebendo urna
tre-de-campo e governador desta guerra que há de fazer por novo estilo
;
aj uda de 150$000 ré is por ano em farinhas, legumes e sementes das
a esses bárbaros" . Manuel Alvares de Morais Navarro continua va como rendas da infantaria da capitanía de Pernambuco. 114 Inicialmente, um
sargento-mor do regimento. Seu ajudante era Manuel da Mata Coutinho arraial fora estabelecido no Jaguaribe, de onde pretendiam acabar de
e o alferes de infantaria, Antonio F ernandes da Silva. 107 F oram criadas
1011
Cartas pate ntes, abril de 1690. DH, 30:15-29. Em julho de 1690, o governador, saben-
1
().1 Ibidcm. do da grave doenc;a que <lera na gente branca e índios que ia com Macias Cardoso no
105
Alvará, 4/3/1690. DH, 10:384-8. rio Sao Francisco, aceitou substituir Luís Ferreira. DH, 30:96-8.
106 Carta do arcebispo ao capitao-mor do Rio Grande, 10/3/1690. DH, 10:382-4; e carra t1J<> Cartas patentes, julho de 1690. DH, 30:99-109.
patente de Macias Cardoso, 4/4/1690. DH, 30:7- 12; e carra do arcebispo ao rei, 6/4/ 11
° Carca patente de Marias Cardoso, 4/4/1690. DH, 30: 12-4.
1690. In: lnácio Accioli de Cerqueira e Silva. Afemórias históricas e políticas da provín- 111 Recebendo este um salário de 60$000 réis ao ano, enquanco durasse a guerra. DH,

cia da Bahia. Salvador, 1940, vol. 2, p. 288-9. As cartas do governador de Pe rnambuco, 30:30-4.
o marques de tvlontebelo, ao capitao-mor do Rio Grande e para Manuel de Abre u 11z Carta patente de Macias Cardoso, 4/4/1690. DH, 30: 12-4.
113
Soares, Domingos j orge Velho e Antonio de Albuq uerque Maranhao, datadas de l.º/ Carta, 29/6/1690. AHU, Rio Grande, caixa 1, 29 (ou RIHGRN, 10:123-4) vista na con-
12/1690, dao conta dessa decisao. BN L, Cole~ao pombalina, códice 239, fls. 295-7. sulta do Conselho Ultramarino, 10/11/1690. AHU, cód. 265, fls. 62-62v.
107
Cartas patentes, 28/7/1699. DH, 30: 110-2. 114
RIHGRN, 10:125.
154 A GUERRA OO A~U A GUE RR A O O A\, U 155
iexcinguir "as relíquias dos janduís, paiacus e icó~" . 115 Aí, no ent~nto, os reforc;ar a presun9ao dos luso-brasileiros de que estas na96es tapuias
paulistas padeciam muicas dificuldades. Em ma10 de 1691, Manas Car- mantinham contaros com os estrangeiros e tramavam contra o impé-
doso escreveu ao marques de Montebelo pedindo que lhe remecesse rio. 121 'Tido como "rei dos janduís", a principal etnia em gue rra contra
os socorros prometidos, ao que foi respondido, em julho, que havia1n os luso-brasileiros, consta que Canindé tinha sujeita toda esta na9ao,
dificuldades burocráticas: a provedoria tinha ordens de conteros gastos dividida em 22 aldeias, sitas no sertao que cobre as capitanías de Per-
da Fazenda Real. 11 6 No final do ano, urna epidemia de sarampo "havia nambuco, Itamaracá, Paraíba e Rio Grande, nas quais havia "treze para
dado" entre os soldados e prejudicava a moral. 117 Em janeiro de 1692, quatorze mil almas, e cinco mil homens de arco, destros nas armas de
Cardoso alercava o governador de Pernambuco que suas tropas haviam fogo" . 122 Como vimos acima, Taunay lhe imputava o início das hostili-
se retirado do Ceará para a capitanía do Rio Grande, "donde ficava fa- dades no Rio Grande, ainda no governo de Joao Fernandes Vieira. 123
118
zendo fronteira aos bárbaros", is toé, do Jaguaribe para o Ac;u. Segun- Ao que parece, nesta ocasiao, grande quancidade de escravos foi
do Studart Filho, Marias Cardoso deixara Joao Amaro Maciel Parente trazida a cidade. No encanto, mais urna vez polemizava-se sobre a lega-
no Ceará, comandando o arraial. Contudo, setc meses após a sua parti- lidade desse cativeiro. Como remate da controvérsia, urna carta régia
da, esta tropa escava praticamente aniquilada. Sem socorros e a~asceci­ de 17 janeiro de 1691 revogou a guerra justa que, como visto, fora de-
mencos, passou sérias aperturas, de modo que, com o consennmento clarada nos tennos de urna junta feíta pelo falecido Marias da Cunha.
de Cardoso, resolveu também recuar para o Rio Grande, o que fez dan- O novo governador-geral, Camara Coutinho, quando ainda escava no
do urna volea enorme de 1SO léguas. 119 comando de Pernambuco, reunira a Junta da Missoes, na qual se discu-
Domingos Jorge Velho, apesar de privado do soldo, continuou na tiram a pertinencia e a legalidade desea guerra. A verdade é que, prote-
peleja comos índios pelo menos até o final de 1689. 120 ~om ~feíto, em gido pelo seu "escrúpulo", Camara Coutinho havia a9ambarcado a oferta
outubro, seu sargento-mor, Cristóvao de l\llendonc;a Arra1s, obuvera ~m.a de escravos, comprando todos os tapuias aos paulistas. Seu argumento
importante vitória sobre os bárbaros, que resultara na .captu~a do pnnc1- era de que os soldados nao poderiam perder "sua presa". Assim, muito
pal dos janduís, Canindé. Juntamente com este, A:rra1s hav1a c~pturado falsamente, dizia que de início pretendera entregar os cativos aos pa-
um "pirata" (cuja nacionalidade nos é desconhec1da), o que aJudava a dres da Companhia de Jesus para que fossem catequizados. Mas como
estes fugiriam aos matos novamente, revendera-os aos moradores. Ex-
plicava ao rei que fizera urna lista dos escravos, com os pre9os anota-
11s Carta ao capitao-mor Agostinho César de Andrade, 2/4/1691. DH, 10:408-10. dos, para que fossem posteriormente resgatados. O rei mandava, por
11 (,Carta do governador de Pernambuco para ~1atias Cardoso, 16/7/1691. BNL, Cole9ao isso, que se os passassem para as aldeias no Rio de Janeiro, de onde nao
pombalina, códice 239, fls. 343-4. poderiam fugir. 124
11 7 Carta, 11/12/1691. DH, 10:414-6.
Esta decisao causou grande consterna9ao aos paulistas que se viam
11 x Carca, 29/1/1692. DH, 10:419-2 1 e42 1-3.

11 ? Carlos Studart Filho. Páginas de histólin e pré-histólia. F orcaleza, 1966, p. 1O1-2.

12o Em abril de 1691 , o govcrnador-geral resolveu dar-lhe baixa da guerra dos bárbaros ficamos sabendo que ele pedira um bando com perdao aos criminosos, no que foca
("vosmece vá descansar do trabalho dos bárbaros, no da conquista dos negros"), sc- atendido nao sem cen o escrúpulo e que pedía para, acabada a guerra dos bárbaros, ir
guindo o consel ho do capicao-mor do Rio Grande, Agostinho César, para quem nao ao mocambo dos Palmares. Ao que o governador assentia, mas com dedos pois a
parccia necessário mante r-sc dois arraiais de paulistas na zona conflagrada. Carta do missao era de Domingos Jorge Velho, mas como esse nao cinha for9a s suficientes,
govcrnador-geral a Domingos Jorge Velho, 10/3/1690. DH, 10:398. Exonerado dos Macias certamente ia acabar a guerra dos bárbaros antes de que aquele desse cabo
títulos da guerra dos bárbaros, mas mantendo o de mestre-de-campo para a guerra nos negros, de modo que, como ambos eram paulistas, e deveriam se entender, acha-
nos Palmares, este para lá seguí u com sua gente. Junto iam alguns índios rendidos do va que era natural que Macias acabasse se unindo a Domingos. Carca do arccbispo a
"rei dos janduís", "em razao do ódio que naturalmente todo o genero de índios tem Macias Cardoso, 28/7/1690. DH, 10:399-400.
aos negros". Carta do governador-geral para o capicao-mor do Rio Grande, 2/4/1691. 121 Carta do governador-geral para o capitao-mor do Rio Grande, 2/4/1691. DH, 10:408-10.

DH, / 0:408- 1O; Carlos Studart Filho. Páginas de história e pré-história. F orcaleza, 1966, iu Assento das pazes comos janduís, 10/4/1692. AHU, Pernambuco, caixa 11.
p. 94-5 e 98-9. Vale notar que, segundo a vontade da Bahia, quando Nlatias Car~oso 143 Curiosamente, consta que depois de converso Canindé adotou justamente o nome do

cumprisse o seu dever, cambém se voltaria para a guerra dos negros. E nesse particu- herói da restaura~ao pernambucana. Carta, 2/4/1691. DH, 10:408-10; e carta do capitao-
lar, Domingos Jorge Velho escava obrigado a ter sempre presente que aquel~ era-lhe mor do Rio Grande acamara de Natal, 12/2/1695. IHGRN, caixa 65, Jivro 3, fl. 54-Sv.
"superior em algumas circunstancias". Carta, 9/3/1690. DH, 10:388-93. Ma1s tarde, 1z4 Carta régia para o governador-geral, 17/1/1691. DH, 33:343-6.
156 A GUERRA DO A(,~U A GUERRA O O A<; U 157
,. envolvidos na guerra dos bárbaros. Nesse s~ntido, l\llatias ~ardoso ha- aquela luz de Deus e dos mistérios da fé católica que lhes basta pa-
via incumbido seu sargento-mor, l\llanuel Alvares de Mora1s Navarro, ra sua salva~ao. Porque em vao trabalha quem os quer fazer anjos,
de esclarecer se os prisioneiros bárbaros podiam ser declarados escravos antes de os fazer homens. E desses assim adquiridos e reduzidos,
ou nao. 12s Disso dependia, afinal, seu interesse em meter-se na guerra. engrossamos nossas tropas e com eles guerreamos a obstinados e re-
Circunstanciando a posi~ao dos paulistas, a decisao do rei fora contes- nitentes a se reduzirem: e se, ao depois nos servimos deles para as
tada de forma veemente em dois papéis cujos autores nos sao desco- nossas lavou ras, nenhuma injustí~a lhes fazemos, pois tanto é para
nhecidos. U m deles sofisma va que as capitanias do Rio Grande e Ceará os sustentarmos a eles e a seus filhos como a nós e aos nossos. E isto
nao podiam se "conservar sem a total ruína do gentio, e que esta se nao bem longe de os cativar, antes se lhes faz um irremunerável servi~o
pode obrar senao pelo meio dos paulístas, e estes a nao hao de executar em os ensinar a saberem lavrar, plantar, colher e trabalhar para seu
sem 0 interesse dos prisioneíros''. Para o autor desse papel, a pesar de a sustento. Coisa que antes que os brancos lhos ensinem, eles nao sa-
situa~ao estar controlada, os tapuías, recolhidos nas brenhas do~ i:natos, bem fazer. Is to entendido, senhor?" 128
impediam a tranqüílidade dos moradores, de 1nodo que era noto~10 ~ue
se devia conceder o catíveiro dos índios, "porque este é o fim pnnc1pal Somente em 1695, como se verá mais a frente, o Conselho Ultrama-
com que os paulistas fazem a guerra". A recusa de permitir-lhe~ ca~i;~r rino irá reconsiderar a legalidad e do cativeiro. O que desanimará, deve-
os índios traria ainda maiores danos a estes, urna vez que sena d1f1ctl ras, Marias Cardoso.
imaginar que "farao prisioneiro algum com o detrimento de o segurar,
sustentar e conduzir, sendo mais fácil matá-los a todos de qualq~er sexo A rendi~ao dos janduís, 1692
e idade" .126 O outro documento alegava que o que estava em Jogo era
"a conserva~ao da posse e domínio de El-Rei Nosso Senhor. no Estado Canindé fora posto em liberdade por Domingos Jorge Velho em tro-
de Pernambuco, para a dissemina~ao do evangelho ao gent10 morador ca da promessa de mostrar-lhe as minas de prata e de esmeraldas, su-
no interior do sertáo e território de Portugal". Depois de arrazoar a bar- postamente situadas em urna serra baixa junto dorio Jacu, a 30 léguas
baridade desses homens e sua afinidade com os holandeses, pedía por de Natal, assim como urna outra de esmeraldas no rio dos Camaroes,
seu cativeiro, se nao "perpétuo", ao menos "por vinte anos", ou ainda pouco distante - minas que os flamengos havíam descoberto "dois anos
que fossem resgatados pela Fazenda Real "aos paulíscas, por taxado e antes de sua expulsao" . 129 Trato que, se verdadeiro, acabo u resultando
racional pre~o" , e mandados, en tao, "a beira-mar com sacerdotes que em nada. Apesar disso, no início de 1692, Canindé enviou ao novo go-
os catequizem" . 127 Domingos Jorge Velho, por sua vez, usava de e~fe­ vernador-geral, Antonio Luís Gon~alves da Camara Coutinho, um pe-
mismos e procurava dissimular a escravidao: em urna carta ao re1 de dido formal de paz. No día 5 de abril de 1692, trazidos por um certo
1694, explicava cínicamente que nao se tratava, na verdade, de "cativar capitao Joao Pais Floriao (um portugues casado coma filha de Nhangujé,
os tapuias (como alguns hipocondríacos pretendem fazer crer a Vossa maioral da aldeia jacaju, e cunhado recíproco do rei dos janduís), 130 ha-
Majestade)", mas de viam chegado a Bahía dois chefes tapuias: José de Abreu Vidal, tio de
Canindé, e Miguel Pereira Guajiru Pequeno, maioral de "tres aldeias
" . . . adquirir o tapuia gentío bravo e comedor da carne humana para também sujeitas ao mesmo Canindé". Acompanhados de mais quinze
o reduzir ao conhecimento da urbana humanidade e humana socie-
dade a associa~ao e racional trato, para por esse meio chegarem a ter
izK Carta de Domingos Jorge Velho ao rei, 15/7/1694. In: Ernesto Ennes. As guerras dos
Po/mores (subsídios poro a sun história). Sao Paulo, 1938, p. 204.
129 Sobre os tapuias que os paul istas aprisionaram na guerra e mandaram vender aos
izs Carta, 9/3/1690. DH, /0:388-93. moradores do Porto do Mar, e sobre as razoes que há para se fazer a guerra aos ditos
1zó Sobre 0 gentío que se re belou nas capitanías do Seará, Rio Grande e Paraíba (c. 1690?), tapuias (1691), Ajuda, 54 XIII 16, fl. 162.
Ajuda, 54 XII 4 52. 130 Joao Paes Floriao era neto de oucro de mesmo nome, que fo ra acusado de inconfiden-
121 Sobre os tapuias que os paulistas aprisionaram na guerra e mandaram vender .aos cia pelo desembargador Luís Salema de Carvalho, na Bahia. Cf. nota (iv) d e Rodolfo
moradores do Porco do Mar, e sobre as razoes que há para se fazer a guerra aos d1tos Garcia na História gerol do Brasil de Francisco Adolfo de Varnhagen (Sao Paulo, 1975),
tapuias (1 691), Ajuda, 54 Xlll 16, fl. 162. tomo 3, p. 278.
158 A G U E R R A O O A <; U A G Uf, R R A O O A<; U 159
, . outros índios e índias, foram a presen9a do governador-geral, a quem foi aceito pelo governador, pois, como havia dito a rainha regente em
falou José de Abreu Vidal, "em língua portuguesa nao bem falada", ex- 1662, eram este os "mais atrozes" daquelas capitanias, donde convinha
plicando que vinham de 380 léguas para pedir, em nome do reí Canindé, muito fi rmar as pazes e garantir assim para o apoio dos cerca de 5.000
urna "paz perpétua" . Depois de cinco días de reflexao e debates, ofe- arcos contra qualquer amea9a ultramarina ou mesmo brasílica "a inva-
receram, entao, as proposi96es de paz vocalmente em sua Iíngua, que dir pelo mar as prayas das capitanías do Norte, ou seus habitadores pelo
foi explicada em portugues por um intérprete. Os termos deseas propo- sertao". Caso contrário, "poderiam desgostados unir-se as mais na96es
si<;oes, redigidos no assento de pazes de 10 de abril (veja o Anexo 4), bárbaras e continuar-se a guerra" . 132
eramos seguintes: (1) que o Canindé e os tres maiorais reconheciam o John Hemming, com certo exagero, acreditava que "a proeza militar
rei de Portugal como "senhor de todo o Brasil e das cerras que as ditas dos janduís, assim como sua destreza política", haviam lhes dado "algo
22 aldeias ocupavam" e lhe prometiam obediencia; (2) que o rei e seus único na história do Brasil: reconhecimento como um reino autónomo
sucessores "sejam obrigados a guardar-lhe e fazer-lhe guardar por seus e um tratado de paz com Portugal". 1.n Se é verdade que os portugueses
governadores e capitaes-gerais a liberdade natural em que nasceram e consideravam Canindé como "rei dos janduís", isto se refere 1nuito mais
em que pelo direito das gentes devem ser mantidos, como os mais ao legado da forma como os holandeses se relacionavam com estes po-
vassalos portugueses"; (3) que os índios "desejam ser batizados e se- vos do que a urna verdadeira compreensao da autonomía política de
guir a leí crista dos portugueses; sendo para esse fim tratados como gente seus inimigos. Com efeito, os holandeses tomavam os diversos grupos
livre, e nao oprimidos contra sua vontade"; (4) que se os portugueses tarairiús como nay6es autónomas, governadas por reís. Nesse sentido,
fossem atacados na Bahía, Pernambuco, ltamaracá, Paraíba ou Rio Gran- Janduí representaría um corpo político independente, e Canindé seria
de eles se comprometiam a por em sua defesa "cinco mil homens de seu herdeiro. A documenta9ao portuguesa, vez ou outra, se refere aos
armas"; (5) assim como se comprometiam a lutar contra as nayoes in- principais ou chefes indígenas dos grupos tarairiús como "reís", contu-
dígenas que se declarassem inimigas; (6) se nas serras das terras que do em nenhuma condi9ao os considera como de fato autoridades políti-
possuíam aparecessem "alguma mina ou minas de ouro, prata, ferro, cas autónomas. Por isso, este "tratado de paz" deve ser entendido mais
preciosas, ou de outra qualquer outra espécie, ou notícia de as haver'', como urna capitulayao de obediencia, do que como um contrato. A fór-
dariam logo conta disso ao governador; (7) nao incomodariam os currais mula protocolar nao <leve esconder a verdadeira natureza do documen-
de gados no Rio Grande, permitindo que os antigos sesmeiros repovoas- to. Logo após a assinatura <leste assento, o precavido governador pediu
sem o sertao, em troca, além de poderem "livremente" pescar nos rios ao capitao-mor Constantino de Oliveira que examinasse as reais causas
e praias, ficariam "reservadas, para o sustento e conservayao de cada que haviam levado a este pedido de paz. 134 Apesar da desconfian9a, em
aldeia dos janduís, por serem muito populosas e as terras muito largas, julho de 1692, o governador diz ter aceito as "capitula9oes de obedien-
dez léguas de terra de cada banda, ainda que nelas entrem as ditas cia" e confirmou os termos do tratado. 135 Como avaliava a Coroa, o n1o-
sesmarias concedidas até o presente"; 131 (8) que os moradores nao os tivo do pedido de paz, apesar da "natural inconstancia e ódio que esta
tomariam como cativos para o trabalho; (9) que ajudariam na reedificayao nayaO tem a portuguesa, desde que seguiu as partes da flamenga", pa-
da fortaleza do Río Grande; (10) "e sobretudo que nenhum capitao ou
cabos dos paulistas os possa perturbar, inquietar, nem fazer guerra, e
deles seja livre e isenta geralmente toda a nayao dos janduís". O que 132 Assento das pazes comos janduís, 10/4/ 1692. AHU, Pernambuco, caixa 11, 43. Este
assento está transcrito no Anexo 4. Veja ainda a consulta do Conselho Ulcramarino,
8/ 1/1693 (com parecer do rei de 18 de fevereiro). AHU, Pernambuco, caixa 11; ou
131 " •••e as que daqui por diante se concederem, levarao a cláusula e condii;ao para nao DH, 89:229-32.
prejudicarem a dita cerra reservada a cada aldeia; para que sem terem dúvidas se 133 John Hemming. Red Gold. The Co11q11es1 of the Brazilia11 lndia11s. Cambridge, 1978, p.
conservem pacificamcnre as aldeias e cenham em que plantar seus mantiment0s para 361.
o sustcnro de suas famílias". Passados oito anos, cal prácica de "demarcar as cerras 13
~ Carca, 17/4/1692. DH, 10:426-7.
indígenas", semprc inclusas em sesmarias, foi transformada na "doai;ao" de urna lé- 135
Carca de Camara Coucinho ao rei, 18/7/1692. DH, 34:42; e carca de Camara Coucinho
gua em quadra para as aldeamencos. Veja o alvará sobre a medii;ao da légua de cerra para o capicao-mor do Rio Grande, 3/10/1692. DH, 38:293. Um dos principais cabei;as
para as aldeias, 23/11/1700, nos Anais do Arquivo Piíblico do Estarlo ria Bahia, Salvador, que se aprisionaram na guerra do Rio Grande e que escava preso na cadeia do Recife
29:73-5, 1943. era um tal de Joao Pregador, que era muito estimado dos bárbaros e "cinha grande
\
160 A G U E R R A D O A <; U A GU E RR A DO A<;U 161
" recia ser o medo das armas lusas ou, até, "porque esta guerra contínua Nlata Coutinho, Matias Cardoso e seus capicaes reivindicavam do go-
enfada até os mesmos bárbaros" . 136 As dúvidas que se levantaram sobre ve~no-geral na Bahia o pagamento dos soldas atrasados, que nao eram
a palavra dos bárbaros foram consideradas inconvenientes pelo Conse- quitados por conta de urna proibi9ao da Coroa que contescava os ter-
lho Ultramarino, que era do parecer que se confirmasse a dita paz. 137 n1os das p~tentes passadas pelo arcebispo frei Manuel da Ressurrei9ao.
A paz andava ao lado da desmobiliza<;ao, e esta era estimulada pela Como hav1a ordem de que "fora os filhos da folha [isto é, os regular-
negligencia com que se viam tratadas as tropas de Nlatias Cardoso. En1 1nente assentados] se nao fizesse despesa nenhuma mais", os pagamen-
julho de 1692, Sebastiao Pimentel, capitao-mor do Rio Grande, <lava tos excraordinários se achavam suspensos. Dada a impaciencia dos seus
conta do estado desesperado dos soldados paulistas. Em razao de cer- soldados, Cardoso amea<;ava ir-se para Pernambuco, onde buscaría "pes-
cos desentendimentos com o marques de Montebelo, Matias Cardoso soalmente a resolu9ao a esta pra9a" . O marques de Montebelo tentou
viu-se sem apoio nem armas suficientes para continuar no sertao e es- por panos quentes, dizendo já haver enviado cartas pela frota passada,
creveu ao governador do Brasil pedindo licen<;a para se recolher. Nada pedindo urna solu<;ao para o problema. Preocupava-se, no encanto, com
obstante, Camara Coutinho resolveu animá-lo, alegando estar providen- o moral dos soldados; rogava a Nlatias Cardoso que os animasse "nos
ciando armas e fardamento, assim como o retorno dos paulistas que ha- desmaios da sua desespera9ao" . 1-io Em julho de 1692, escreveu nova-
viam fugido como capitao-mor Joao Amaro Maciel Parente e se viam mente ao rei perguntando como faria para honrar as promessas feitas
envol tos nas guerras dos Palmares ou zanzando pelo Ceará. 138 U ma re- por freí Manuel da Ressurrei9ao ao "bom paulista" , dado que a fazen-
presenta9ao da camara de Natal, de julho 1693, considerava que "de- da nao tinha mais recursos. 141 Era muito certo que antecedentes, como
pois de oito anos" de guerra a situa<;ao era muito grave, de modo que os a "Revolta da Cacha9a" (1660-61) ou a do Ter90 Velho de Salvador
moradores se sentiam completamente esbulhados por nao poderem mais ( 1688), indicavam a solu9ao negociada. 142 Apenas em janeiro de 1693 o
cuidar das culturas nem das cria96es. O problema escava em que as tro- Conselho Ultramarino iría tratar desses atrasos dos pagamentos. Deci-
pas destacadas para protege-los e fazer face a resistencia indígena aca- diu-se que, se a guerra fosse defensiva e seu rompimento nao permitis-
bavam se enfastiando "pelo intratável e asperezas" da regiao. Assim, se a consulta ao rei, pela urgencia das providencias cabíveis, far-se-ia
tao logo gastavam os mantimentos, os soldados retiravam-se as suas pá-
trias, "uns fugidos e outros de licen<;a fazendo nesta [capitanía] matalo-
tagem de alguma vaca e lavoura dos pobres moradores, [e] a gente de
14
° Carta a NJacias Cardoso, 29/ 1/ 1692. DH, 10:419-21 e 421-3.
141
Carca de Camara Coutinho para o rei, 18/7/ 1692. DH, 34:41-4.
Sao Paulo de quem esperavam grande efeito o fazem da mesma forma, 142
As dificuldades com os soldos podiam por e m risco a disciplina militar e t0rnavam a
dando desculpa de o serem mal socorridos" . 139 concencra~ao de soldados na cidade sempre urna situa9ao delicada. No Rio de Janei-
O atraso no pagamento dos soldos quase inviabilizou o esfor90 de ro, em 1660, a chamada Revolea da Cacha9a, insurrei9ao contra a fiscalidade e o go-
guerra, ainda mais quando o cativeiro era considerado injusto. No final verno de Salvador Correia de Sá, contou com intensa parcicipa~ao dos soldados em
razao do atraso do pagamento dos soldos. Luciano R. de Almeida Figueiredo. Revol-
de janeiro de 1692, por meio de seu procurador, o ajudante Manuel da
tas,fiscnlidade e identidnde colonial na América portuguesa: Rio de Ja11eiro, Bahía e Minas
Gerais, 1640-1761. Sao Paulo, 1997, p. 32. N o mes de outubro de 1688, urna alcera~ao,
ou mocim, ocorreu na cidade da Bahia. Cerca de trezentos soldados "se encontram na
séquito". Como custava ao erário manee-lo na cadeia, o marques de Montebelo per- casa da pólvora, dizendo que lhe pagassem o que lhe deviam que logo cornariam para
guncou ao rei se nao seria melhor deportá-lo para Angola, ao que o rei respondeu que as suas bandeiras". O cabe~a da altera~ao era um cerco Joao da Si lveira de Magalhaes,
se lhe enviasse para Angola onde se lhe daria urna pra~a de soldado "com que esse que havia sido mouro e escava na Bahia servindo como soldado. Nao sabemos como a
sustence, porque em qualquer outra parce que fique no Brasil, se pode dar ocasiao do crise cvoluiu, mas a situavao só foi concornada de fato dois anos depois quando o
mesmo temor, de passar aos seus naturais e inquietar aquela conquista". Carca ao rei novo governador, Antonio Luís Gorn;alves da Camara Coutinho, chegou. Ele man-
5/9/1692, consulta do Conselho Ultramarino, 9/12/1692. AHU, Pernambuco, caixa dou prender o cabe~a e o enviou para Angola com alguns dos principais da alcera9ao.
11; carta régia 18/12/1692. AHU, cód. 256, fl. 147. Quanco aos soldados, já tinham escapado para o sercao, tao Iogo souberam da chegada
136
Carta ao ca pitao-mor do Rio Grande, 17/4/1692. DH, 10:425-6. de Coutinho. Carta ao Re i, 16/6/ 1691. DH, 33:335-7; e a carca régia (inclusa), 1602/
137
Consulca do Conselho Ultramarino, 8/1/1693 (comparecer do rei de 18 de fevereiro). 1692. DH, 33:442; Sebasciao da Rocha Pita. História da América Portuguesa ( 1730). Sao
AHU, Pernambuco, caixa 11 ; ou DH, 89:229-32. Paulo, 1976, livro 7, 58-60, p. 201. A descri~ao mais docume ntada da revolta do cervo
1311
Carca de Camara Coutinho para Macias Cardoso, 3/10/1692. DH, 38:294-96. Velho é a de Luís Monteiro da Cosca. Na Bahia Colonial, apontamentos para história
139
Representa~ao da camara de Natal, 29/7/1693. AHU, Rio Grande, caixa l, 32. militar da cidade de Salvador. Salvador, 1958, p. 111-36.
162 A GUER R A O O A<;: U A G U E R R A D O A <;: U 163
" urna junta das principais pessoas do governo para ajustar "a despesa junho de 1694 o mestre-de-campo paulista parecía ainda estar e m ativi-
que poderia fazer e de que efeitos se havia de tirar" . 143 De fato, os dade. Na ocasiao, seguindo as determina~oes de urna carta régia de 27
paulistas estavam desamparados. Em junho de 1693, os socorros pro- de dezembro de 1693, o novo governador, Joao de Lencastro, ordenava
metidos a Macias Cardoso ainda nao haviam sido enviados, porque nao a Macias Cardoso que procurasse de urna vez urna solu\:ao, fosse ela
se arrumara urna sumaca capaz de levar a seco a pólvora e os ferros da . ;

pacífica ou a guerra "com todos os me1os que se possa sustentar" . 1-t9 E


Bahía. 144 Em urna carta d o ouvidor-geral, Antonio Pereira de Berredo, certo, no encanto, que no ano de 1695 a gente de Macias Cardoso já
consta que os paulistas que estavam a sete léguas de Natal ameavavam havia abandonado a Juta no Río Grande, deixando a capitanía aos cui-
largar tudo e partir para o rio Sao Francisco, pois nao recebiam soldos, dados de seus moradores. Bernardo Vieira Ravasco, em carta para o con-
patentes, nem socorro. Macias Cardoso dizia, na visita que lhe foi feíta de de Alvor datada de 1695, comentava que o mestre-de-campo escava
pelo ouvidor-geral, o capitao-mor e os oficiais da Camara, que tinha re- "muito velho, enfermo e incapaz" e que, como ele e seus cabos nunca
cebido apenas os 150$000 réis da Bahia há quatro anos, nada mais. 145 receberam soldos nem as presas prometidas, acabou por desamparar a
Sebastiao Pimentel acreditava que havia, entao, o risco de que os pau- capitania. 150 Rumou para o Sao Francisco, onde estabeleceu rendosas
listas, "rnortos de fome", nao conseguissem mais controlar a situavao e fazendas de gados vacum e cavalares, com as quais legou abundante
de que a guerra se espalhasse para o resto do Estado do Brasil, já que patrimonio a seus herdeiros. 151
estas campanhas eram aberras. 146
Contudo, ainda em combate, Macias Cardoso fez urna nova entrada Guerra ofensiva x guerra defensiva
aos índios do Ceará no 1. 0 de novembro de 1693. Nessa refrega, além
de lhe matarem um filho, foi gravemente ferido. Nessas condivoes, nada Em maio de 1694, Joao de Lencastro tomou posse no governo-geral
mais aconselhava sua pe rmanencia nos sertoes. Como escreveu Studart na Bahía. Com ordens para investigar as riquezas minerais do sertao,
Filho, " fugindo as agruras de urna campanha que amea\:ava eternizar- parecía estar interessado em encontrar urna definitiva solu\:ªº para a
se, un1 a um o foram desamparando seus melhores auxiliares, até que, guerra dos bárbaros e garantir assim as bases para a recupera\:ªº das
julgando-se demasiado enfraquecido para prosse guir na Juta, já sem capitanías ao norte de Pernambuco. Em urna carta de julho de 1694 ao
pólvora, nem balas, retirou-se o mestre-de-campo para as suas fazen- capitao-mor do Rio Grande, dizia que era necessário o fim das guerras,
das" . 147 Para este historiador, a campanha dos paulistas, iniciada em 1690, para o que sugería que fosse procurada a paz acima de tudo: "Porque
durou até 25 abril de 1694. Sua afirma\:ªº baseia-se no genealogista mais servivo lhe [ao rei] fará vosmece em contraír e perpetuar a paz
Pedro Taques, que por sua vez constatou esta data em urna carta pa- como gentio do que na extÍn\:aO de todos com grandes vitórias". 152 Como
tente de um capitao que lutou junto com Macias Cardoso, Antonio Alves vimos acima, igual recomendavao havia sido dada a Macias Cardoso um
Figueira. 148 Todavía, a precisao dessa data pode ser discutida, pois em mes antes. Ao que parece, a postura inicial desse governador refletia a
determina\:ªº da Coroa de encaminhar urna solu\:ao que contemplasse
143 os esfor\:OS de paz intentados pelo antigo capitao-mor do Río Grande,
Consulta do Conselho Ultramarino, 8/1/1693. AHU , Pernambuco, caixa 11 ; ou DH,
8.9:230-2. A carta régia, nestes termos, foi expedida dia 21/2/1693, AHU, cod. 245, fls. recentemente reeleito ao posto. De fato, quando morreu Sebastiao
228-228v. Nao obstante a tentativa do governador-geral, Joao de Lencascro, de larn;ar Pime ntel, Agostinho César de Andrade, de maneira extraordinária, foi
urna finta sobre os moradores, ou mesmo nos gados do sertao, ainda em 1696 o paga- novamente nomeado capitao-mor pelo governador-geral, entre outros
me nto nao havia sido feito. Carta de Joao de Lencastro ao rei, 13/7/1693. DH, 34:95- motivos porque se imaginava que, sendo conhecido dos janduís, com
8; e carta de Joao de Lencascro a Matias Cardoso, 12/1 1/1696. DH, 38:414.
144 quem firmara as pazes, quando soubessem de sua posse, "o tornarao a
Carta de Camara Coutinho ao capita:o-mor do Rio Grande, 12/6/1693. DH, 38:297.
145
Carca, 3/11/ 1692. AHU, Rio Grande, caixa 1, 32. O que foi considerado pelo Conse- buscar para as renovare m". 153
lho Ultramarino, consu lta do Conse lho Ultramarino, 23/ 11/ 1693. AHU, Rio Grande,
caixa 1, 35. 149
Carca de Joao de Lencastro para Macias Cardoso, 4/7/1694. DH, 38:303-5.
146
Carta de Sebastiao Pimentel, 4/8/1693. AHU, Rio Grande, caixa l , 35. 150
DH, 84: 123-7.
147
Carlos Studarc Filho. Páginas de história e pré-histó1ia. Forealeza, 1966, p. 102-03. 151
Pedro Taques. 1Vobiliarq11ifl pr111Jistana histórica egenea/6gica. Sao Paulo, 1980, vol. 2, p. 201.
1411
rfraca-se da carta patente passada a Figueira com data de Santos, 5/3/1729. Pedro 152
Carta de Joao de Lencascro para o capitao-mor do Río Grande, 24/7/1694. DH, 38:322.
Taques. 1Vobiliarquia pa11Jista11a histórica e genealógica. Sao Paulo, 1980, vol. 2, p. 57. 153
6/3/1694. AHU, cód. 245, fls. 247-247v.; ou DH, 38:303-5.
Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
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164 A G U E R R A O O A (; U A GU E R RA OO A <; U 165
Os membros do Conselho Ultramarino, rendo lido várias informa- alguma confusao nessas datas (pois o acordo do rei está assinado em 12
96es de Joao de Lencastro e de Caetano de Melo Castro, pensavam de dezembro), as cartas nesse sentido, ordenando que se seguissem as
que realmente era importante adorar un1a "definitiva solu9ao" para o disposi96es de Lencastro, já haviam partido para o governador de
caso. Para tanto, convocaram a opiniao de pessoas práticas e inteligen- Pernambuco, o capitao-mor do Rio Grande e a Camara do Río Grande
tes na matéria para assentar o mais conveniente para que "se de fim a no dia 3 de dezembro. 156
essa guerra" . Urna importante decisao era que as despesas deveriam Nesse contexto de arrefecimento da rebeliao dos tapuias, ganhava
sobretudo ser feítas pela Fazenda do Estado do Brasil, donde a solu9ao for9a a idéia de que era necessário um esfor90 de repovoamento e de
seria iniciativa exclusiva do governo-geral. 154 O interesse de Lencastro estabeleci1nento de urna ocupa9ao mais perene nas regioes de frontei-
pelas questoes militares nas capitanías do Norte estava, contudo, mui- ra. E a idéia vinha de longe. Em carta de outubro de 1692, Camara
to mais ligado as suas veleidades como governador-geral e as disputas Coutinho punha-se de acordo com o plano de Marias Cardoso de se
de jurisdi9ao como governador de Pernambuco. Podemos imaginar que povoar o A9u e propunha que houvesse aldeias ou estancias de índios
ambos pretendiam controlar a evolu9ao dos acontecimentos para ga- em forma de arraiais, principalmente "para a oposi9ao aos bárbaros e
rantir a proeminencia resultante do controle da guerra no sertao, resul- dos tapuias silvas que se rebelaram". Para este efeito, ordenou ao mar-
tado do vácuo deixado com a dissolu9ao das tropas de Marias Cardoso. ques de Montebelo, governador de Pernambuco, que mandasse vir do
No dia 3 1 de junho de 1694, Lencastro havia escrito ao seu colega de Ceará o capitao Francisco Pinheiro, coma obriga9ao de trazer seus pa-
Pernambuco sobre o que parecía mais conveniente para o Rio Grande, rentes e outros índios para aquela fronteira. Além disso, todos os índios
rendo sido respondido, em 2 de julho, de urna maneira um tanto ofen- que houvesse como mestre-de-campo Domingos Jorge Velho deveriam
siva. Caetano de Melo e Castro lhe remeteu a cópia de urna carta do rei ser restituídos para as capitanías de Pernambuco e Paraíba. 157 Confir-
datada do dia 6 de mar90 passado, na qual lhe "entregava os particula- mando essa determina9ao, em mar90 de 1694, urna carta régia ordena-
res do Río Grande". Lencastro estranhou a confusao de jurisdi9oes. va que no A9u, Jaguaribe e Piranhas fossem postas seis aldeias de ín-
Lembrava que o título de capitao-geral que levava Caetano de Melo e dios, duas em cada um <lestes sertoes, com cem casais cada e com vinte
Castro era apenas "ad honore1n, ficando com a mesma subordina9ao ao soldados pagos e seu cabo. 158 Para formar as seis novas aldeias, deve-
governo-geral que sempre tiveram os governadores daquela capitanía". riam concorrer as cámaras e capitaes-mores de Pernambuco, pois a
Ironicamente, imaginava que poderia ter havido um "descuido" do ofi- Fazenda Real nao podía gastar mais nada de seu rendimento. A impor-
cial que escrevera tal carta, mas nao deixaria de avisar do fato ao Con- tancia dessas aldeias era destacada em um arrazoado de Lencastro ao
selho Ultramarino. Pois, se fosse válida tal ordem, ficaria sua autorida-
de completamente "liquidada" no Norte, como já estava no Sul com o
governo de Antonio País de Sande. Com efeito, a matéria foi analisada 156 AHU, cód. 256, fl. 186v- 187. Por outros motivos, mas de modo revelador dos animos,
pelo Conselho Ultramarino na consulta de 7 de dezembro de 1694, sen- em novembro de 1696, Lencastro repreendera duramente Caetano de Melo de Cas-
tro dizendo que o Rio Grande devia obediencia dirctamente a Bahía, e escava fora da
do que pareceu melhor aos seus membros representar ao rei "que a
sua ju risdi~ao, conforme quería o rei na carta régia. A resposta agastada do governa-
ordem que se passou a Caetano de Melo [Castro] nao foi por se privar dor de Pernambuco explicava que entao e le nao tinha nada que ver como Rio Gran-
ao governador da Bahía da sua jurisdi9ao, senao por se adiantar o remé- de e que, portanto, nada faria em seu proveico. L e ncastro teve de censurá-lo dura-
dio a guerra do Rio Grande, que como de mais perto poderia acudir mente chamado-o, em longa carca, ao cumprin1ento de sua s ubordina~ao a Bahía.
com aquelas disposi9oes e meios". Como acordo do rei, reafirmou-se, Cartas de 26/11/1695 e 18/2/1696. DH, 38:377 e 387-91.
157 Carta de joao de Lencastro para o capitao-mor do Rio Grande, 3/10/1692. DH, 38:292.
entao, por meio de cartas e o mais necessário, que Lencastro era supe- Em novembro de 1692, o conselho comou conhecime nto do "miserável estado em
rior de Melo e Castro no tocante aos negócios militares. 155 De fato, com que se e ncontram as pra~as e capitanías do Brasil" assim com das excorsoes e ruínas
decorrentes dos assalcos repetidos dos bárbaros. Sebasciao Pimencel havia re presen-
tado que se achava sem muni~é>es e a arcilharia da fortaleza sem poder de fogo e
154 Consulta do Conselho Ultramarino, 15/11/ 1694. AHU, cód. 252, fls.178-178v.; ou DH, desmontada, ao q ue se dece rminava que deveria se lhe enviar socorro por meio dos
89:263-5. governadores das capitanías. Consulta do Conselho Ulcramarino, 23/11/1693. AH U,
1ss O "está bem" do rei é de l 7/ 12/1694, consulta do Conselho Ultramarino, 7/ 12/1694.
cód. 252, fls. 170v- 1; ou DH, 89:242-4.
AHU, cód. 252, fls.l 79-179v.; ou DH, 89:266-8. 158
AHU, cód. 245, fls. 247-247v.; ou DH, 38:303-5.
166 A G U E R R A O O A CU A GUERRA DO ACU 167
,. governador de Pernambuco. De um lado, havia urna "razao militar": toda imundice de cobras e mais bichos pe9onhentos e raízes de paus
urna linha de aldeias amigas seria importante para a defesa das frontei- e ainda que com poder de armas se queira conquistaré coisa impos-
ras do norte das capitanías da Paraíba, ltamaracá e Pernambuco. De sível por esta causa e andarem dessa sorce sempre de levante, além
outro, o sistema economico das grandes lavouras dependía, em certo de serem muitos, em quantidade de diversas nac;oes e os conquista-
sentido, do fluxo de animais dos sert6es pernambucanos. Segundo Joao dores com armas, mochilas de mantimento e água as costas, desea
de Lencastro, "dos gados do Río Grande se sustentam geralmente os sorce atrás deles pelos sert6es, lhes nao podem fazer dano nenhum.
povos desea capitanía e das duas outras; que de sua carne resulta o im- E eles comos assaltos muito grandes como tem feíto e fazem e lar-
posto que se paga para a infantaria; e de seu servi~o a permanencia de gando-se por esta causa a dita capitanía, como é fronteira as [de]mais,
todos os engenhos e canaviais em Pernambuco; e que dos a~úcares encorpar-se-á o dito gentío e nao poderá moer engenho nenhum da
que neles se lavram dependem a carga das frotas e o comércio mercan- Paraíba nem dos sertoes de Pernambuco."
til, sem o que nao se pode conservar esta prac;a" . 159 Além desse "cordao
defensivo", imaginou-se que o povoamento poderia reconstruir a eco- A única alternativa para poupar o dispendio da Coroa, do ponto de
nomía local e garantir a seguranc;a. Em fevereiro de 1694, o reí deter- vista dos moradores, era impedir o gentío, "indo o Camarao [a tropa de
minou que fossem <loadas as terras fronteiras dos índios as pessoas índios de Pernambuco], que está comendo soldo [isto é, encostada na
interessadas em povoá-las e cultivá-las "para que também com estas folha de pagamentos], aposentar-se no Ac;u coma sua gente e mulheres
povoac;oes se ajude a defender da invasao dos contrários" . 160 e fazerem na dita paragem um arraial". Poderiam plantar man cimentos
Os moradores do Río Grande haviam formulado de maneira extensa no Ceará, onde estavam mais de mil arcos de guerra, ou seja, mais de
essa nova estratégia para a guerra dos bárbaros em urna petic;ao ao reí, mil índios guerreiros. Duzentos ou cem casais poderiam ser enviados
escrita no ano de 1694, que foi analisada no Conselho Ultramarino ape- para o "Gegoaribe" (Jaguaribe) fazer outro arraial, "na mesma forma
nas em fevereiro do ano seguinte. Nela, os moradores reunidos louva- das aldeias mansas que tem a capitanía da Paraíba", e outros duzentos
vam as qualidades da capitanía, urna das "melhores que Vossa Majesta- ou cem casais para as Piranhas. Além disso, imaginavam que era possí-
de tem nas partes da América", porque ela é enorme, tem "sal criado vel recrutar cem ou duzentos índios com cem moradores no Rio Gran-
por natureza" e "produz tao grande abundancia de gados e tao fertilís- de para formar duas bandeiras, cada urna com seu cabo e mais oficiais
simos pastos tao largos que podem dar carnes para todo o Brasil e todas que lhes fossem necessários, os quais, cortando o sertao por cima anda-
as matalotagens dos navíos do comércio deles e coiramas para este rei- riam incorporados fazendo saídas de um arraial para outro. Desta sorce,
no, e ainda achando-se cerco terem-se destruído com este levante do tais arraiais poderiam prover-se de mantimentos e assim se bloquearía
gentío tapuia mais de 900 mil [sic] cabec;as de gado está suprindo as o transito dos índios de maneira que "nao possam dos sertoes de cima
capitanías de Pernambuco e Paraíba com carnes e boiadas para manejo virem valer-se dos sertoes de baixo, na beira-mar, nem virem a aprovei-
dos engenhos e carros dos lavradores". Falavam também do pescado, .
car as frutas e mant1mentos d os tempos em que em cima
. lh es fal tam ,, . 161
na costa e nas lagoas, das plantac;oes de farinhas e legumes, dos susten- Com se percebe, os moradores circunstanciavam a proposta das "seis
tos agrestes e da possibilidade de se fazerem engenhos de a~úcar. Isso aldeias" e nao mencionavam sequer a necessidade dos paulistas.
nao fosse o gentío rebelado, cujos assaltos eram impossíveis de resistir, Contudo, essa estratégia, que parecía do agrado do Conselho Ultra-
pois ele marino, tinha opositores. Entre eles, o irmao do padre Antonio Vieira e
secretário do Estado do Brasil, Bernardo Vieira Ravasco, que também
" . . . é de corso sem ter casas nem assento e só donde anoitece dor- era proprietário de cerras e currais no ltapicuru, no Sao Francisco, e no
mem no campo como animais que sao e como tais é o seu sustento, Río Grande, entre o río Perogi e o Corotao. 162 Em urna carta para o con-

161 Peti9ao dos moradores da capitania do Rio Grande, vista no Conselho Ultramarino
159
Carta de Joao de Lencastro para o governador de Pernambuco, 5/6/1694. DH, 38: em 28/2/1695. DH, 84:120-2.
311-2. 16Z O padre Antonio Vieira e Bernardo Vieira Ravasco cram filhos de Cristóvao Vieira,
°
16
Consulta do Conselho Ultramarino. DH, 89:248-9. que veio d o reino para Salvador como escrivao dos agravas e apela9oes, na ocasiao da
168 A G U E R RA D O A (:: U A G UE RRA DO A~U 169
.. de de Alvor, 163 presidente do Conselho Ultramarino, datada de 5 de ma~ao que se deu a Sua Majestade para mandar por nas Piranhas e A~u
agosto de 1694, Ravasco arrolava argumentos contra esta tese do "cor- seis aldeias"? De maneira orquestrada, este bandeirante queria ame-
dao de aldeias" para proteger as capitanías do Norte. Deduzia que as drantar o rei alegando que, assim que fossem acertadas as pazes comos
aldeias seriam inviáveis, pois ninguém havia calculado que "urna al- tapuias, estes as negaceariam "com qualquer navio estrangeiro que vier
deia de duzentos casais contém, coma família, seiscentas bocas" e que, aqueta costa, pois tanto suspiram pelos holandeses, e é cerco [que] se
dada "a inconstancia e impaciencia natural dos índios, no mesmo pon- qualquer inimigo lhes desse armas de fogo, só eles bastavam para nos
to que lhes faltar o comer hao de desamparar as aldeias". Dessa manei- conquistarem por cerra pois sao tantos como as folhas, e no valor nao
ra, segundo sua opiniao, nao haveria Fazenda Real que sustentasse es- Ihes excedemos mais que na desigualdade das armas". Sua sugescao
sas aldeias, e mesmo que houvesse farinha suficiente seria muito difícil era "trazerem naquela campanha ao menos 400 homens de armas pau-
entregá-la, seja pela distancia, seja pelo fato de que os índios sempre listas e o cabo prático daquela campanha", isto é, ele mesmo. Com urna
andavam comas mulheres e crian~as para nao as deixarem expostas aos infantaria bem provida, esta tropa assistiria na campanha "efetivamen-
bárbaros. Por fim, como era conhecido de todos, "em nenhum desses te dando-lhes [aos tapuias] guerra a fogo vivo derrotando-os com as ar-
sert6es podem estas aldeias plantar provimentos porque tudo sao cam- mas, a fome e a sede, para que vendo-se impossibilitados e conhecen-
pos improduzíveis de mandioca e só excelentes para gado" . Argumen- do a sua total ruína se provoquem a pedir paz e concederem-se-lhe com
ta va, também, comas atividades dos bárbaros, que, apesar da paz com condi~ao de os postar fora da cerra" . 165 Como veremos, sua candidatura
o Canindé, nao haviam cessado. Como as aldeias distariam da cidade era prom1ssora.
do Rio Grande (Natal) entre 35 e 50 léguas, nada de fato impediria aos Em suma, duas possibilidades se apresentavam para urna "definiti-
bárbaros livremente circular e vir assaltar a cidade. Ravasco sentencia- va solu9ao" da guerra no Rio Grande: ou a paz comos índios, que seria
va: era notório que "a cultura da cerra nao impede os bárbaros" . Todos garantida pelo povoamento do sertao - fosse com este ''cordao de al-
aqueles que haviam pedido cerras em sesmaria tinham interesse em deias", fosse pelo incentivo a novos moradores - , ou a guerra conti-
tratar das pazes com os índios só pelo pretexto de ficar com elas. Para o nuada, estruturada em novas e mais poderosas bases militares. A pri-
secretário, seria mesmo impossível que os bárbaros aceitassem as pa- meira estratégia, como estávamos vendo, fora considerada no Conselho
zes, pois se lhes oferecia algo que já possuíam, os seja, as "cerras fron- Ultramarino e resultara em urna série de ordens régias. Ravasco denun-
teiras de que eles sao senhores assim pelas suas setas como pela na- ciava a impossibilidade material de sua execu~ao e revelava que o inte-
tureza" . 164 resse que a motivava era a posse da cerra. Com efeito, os moradores
Por trás desea arenga, escava, sem dúvida, a idéia de que a solu~ao que defendiam tal estratégia almejavam tomar para si as terras dos ser-
seria chamar novamente os paulistas. Nao havia o sargento-mor do ter- t6es e preocupavam-se com a interferencia do governo-geral ou, por
~o de Macias Cardoso, Manuel Álvares de Morais Navarro, escrito nes- outro lado, como atuais proprietários de sesmarias ainda nao ocupadas,
te mesmo ano um "Discurso sobre os inconvenientes que tema infor- temiam a possibilidade de que um novo ter~o de paulistas fosse contra-
tado soba promessa das cerras a serem conquistadas, como o fora o de
Domingos Jorge Velho. Para tanto, estavam dispostos a "patrocinar" a
primeira crÍa\:aO da Rela\:ªº da Bahía, em 1609. Ravasco, além de possuir o cargo ocupa~ao e pacifica~ao do sertao, financiando a constru9ao de um pre-
desecretário do Estado e Guerra do Brasil, era cambém fidalgo da casa de Sua t\1ajes- sídio. Por outro lado, a arenga do secretário do Estado do Brasil, como
tade e alcaide-mor da capitanía de Cabo Frío. Como secre tário do Estado do Brasil -
se percebe, embasava um outro partido, disposto a patrocinar a guerra
desde 63, pelo menos, até a sua morce em 1697 - Ravasco tinha enormes poderes,
pois controlava nao somente a memória das dccisoes tomadas, e suas implica\:oes na e controlar os dispositivos militares a serem mobilizados. Este partido
gestao presente, tnas também todos os procedimencos peculiares da administra\:ªº· "baiano" (e pró-paulista) pretendía influir, dessa maneira, na política
Quando morreu, dois días depois de seu irmao, deixou o oficio para seu filho, Gon\:a- fechada das capitanías anexas a de Pernambuco, dominadas pela no-
lo Ravasco Cavalcante de Albuquerque.
163 Francisco de Távora, primeiro conde de Alvor, havia sido governador em Angola
(1677-1680) e govcrnador do Estado da Índia (1681-1686). Expc riente em assuntos 165 Discurso sobre os inconvenientes... etc., c. 1694. APEB, Livro 4.º de ordens régias,
do ultramar, desde 1693 exercia a fun\:ªº de presidente do Conselho Ultramarino. 1694-95, fl. 76-9. Apud: Afonso de E. Taunay. "A Guerra dos Bárbaros". RAM, 22: 143-
tM Carta de Be rnardo Vieira Ravasco ao conde de Alvor, 5/8/1694. DH, 84:123-7. 51, 1936.
170 A G U E R R A D O A<; U A GU E R RA DO A<;U 171
,. breza da cerra. 166 Ainda na citada carta ao conde de Alvor, Ravasco pre- atraí-los ao Río Grande. Ravasco, com cerca insolencia, lembrava o pre-
gava que a guerra do Río Grande nao deveria "ser defensiva com as sidente do Conselho Ultramarino que a lei de 16 11 mandava expressa-
eres aldeias", pois "a guerra defensiva nao consiste nela, senao na ofen- mente cativar os gentíos que fizessem guerra aos portugueses e esta
siva que se há de fazer os bárbaros e nesta é que há de haver a perma- determina9ao continuava válida, apesar de o próprio d. Pedro II achar
nencia até os desbaratar e extinguir de todo". Bom exemplo era a Bahía, que nao. Nao havia ele escudado todas as cópias de carcas que havia na
onde, depois de Cairu e o Reconcavo haverem padecido "40 anos de secretaria do governo e constatado que em "nenhuma consta que
guerra defensiva", os tapuias foram derrotados sornen te com a vinda derrogou a tal lei por mais que a Sua Majestade se tenha informado o
dos paulistas, "indo a conquistá-los mais de 100 léguas dentro de suas contrário" ?168 O caso exemplifica a cerca arrogancia típica da burocracia
aldeias". Acreditava que letrada, cujo ponto de vista "técnico" (ou os seus próprios pontos de
vista políticos) conferia-lhe mesmo um sentimento de cerca autonomía
"... para se fazer a guerra é o único meio andar perpetuamente na em rela9ao a vontade do soberano. 169
campanha um corpo de 600 homens de armas, dos quais sejam 100 A carca enviada ao presidente do Conselho Ultramarino surtiu o efeito
brancas e 500 índios expeditos, dos quais hao de ser 70 paulistas e desejado. Reunidos em 2 de mar90 de 1695, seus membros definiram
40 mulatos e mamelucos, que se podem tirar ao presídio de Per- com mais apuro a estratégia a ser seguida. Ponderaram que "seria mui-
nambuco, com um mestre-de-campo, um capitao-mor, um sargento- to conveniente fiar Sua Majestade esta empresa deles [paulistas] por
mor e oito capitaes. E que este mestre-de-campo tenha jurisdi9ao ser [gente de] grande valor, e muito prática na que se faz nos sercoes e
sobre as aldeias do Ceará, Paraíba, Pernambuco e rio Sao Francis- mui sofredora do trabalho e costumada a vencer esses inimigos com
co para de todas tirar, revezadamente, os índios bem armados e de que guerreiam sempre", e que se ordenasse ao governador da Bahía
maior valor que lhes parecer e escolhidos os mais fáceis de achar, que fosse aplicada a leí de 1611, ou seja, que fossem feítos cativos os
[do] que casais com família que fazem número de mil e oitocentas ditos bárbaros, "por ser menos mal que eles percam a liberdade do que
almas [isto é, na proposta da forma9ao das aldeias], e que de Sao os expor a que os paulistas passem os rendidos ao fío da espada como
Paulo se mande vir por mar um capitao-mor com 100 índios e 20 costumam obrar quando se nao podem aprisionar deles para o seu ser-
brancos com dois capitaes" .167 vi~o e conveniencia, e por este modo se lhes pode atalhar esta violen-
cia". O que se devia fazer com brevidade, porque se entendía que os
Para o sucesso desee empreendimento era necessário pagar os soldos ditos rebelados, perseguidos pelas armas portuguesas, poderiam se re-
dos paulistas, além de fardas e pano de algodao, assim como "resgates fugiar na serra de "Goapaba'' (lbiapaba), no Maranhao. O reí concor-
para índios de armas, sejam cativos os prisioneiros que tomarem". Quan- dou no mesmo día, dizendo que se devia mandar vir os ditos paulistas,
to as cerras, que fossem dadas a eles apenas as que conquistassem, e "sem que se divirtam [atrapalhe] os que estao nos Palmares" . 170 Urna
nao para outros que "só coma sua informa9ao as prete ndem". O cati- carca régia, assinada em 10 de mar90 de 1695, ordenava que o governa-
veiro dos índios deveria ser autorizado, pois essa era urna condi9ao para dor-geral levantasse um ter90 de paulistas, com saldos pagos e postos
regulares de infantaria, para a guerra aos bárbaros do Rio Grande. 171
166
Convertido as opinioes de seu secretário e ciente dessas novas deci-
Sobre a ''nobreza da terra", principalmente no período post bellum, veja o capítulo 5,
soes de Lisboa, era provavelmente com cerco prazer que Lencastro es-
"A mecamorfose da a~u carocraci a", de Evaldo Cabra) de Mello. Rubro veio. Río de
Janeiro, 1986, p. 151-93. crevia ao governador Melo de Castro no dia 20 maio de 1695, para lhe
167
Carca de Bernardo Vieira Ravasco ao conde de Alvor de 5/8/1694.DH, 84: 123-7. Taunay contar que recebera ordens de que o intento do rei era "dar-se fim a esta
confundiu as histórias. Para o historiador das bandeiras, o secretário ceria sido aucor
da sugescao de se crazerem os pauliscas feita ao arcebispo em 1688. Para canco, se
baseava em urna cercidao que dizia haver na cole~ao Lamego do IEB. Affonso de E. IM Carca de Bernardo Vie ira Ravasco ao conde de Alvor, 5/8/1694. DH, 84:123-7.
Taunay. História genJ/ das bandeiras paulistas. Sao Paulo, 1950, vol. 6, p. 343. Na ver- 169
Cf. António Manoel Hespanha. As vésperos do Leviathan. /11stit11iroes e poder político.
dade, como estamos vendo, Ravasco teve importante papel na defini~ao da estracégia Po1111gal séculos XVI-XVIII. Lisboa, 1986, p. 292.
ofensiva baseada nos paulistas, mas apenas neste momento posterior ao fracasso da 17
° Consulta do Conselho Ultramarino, l.º/3/1695. AHU, cód. 252, fls. 182v-3v.
expedi~ao de Macias Cardoso. 171
Carca régia ao governador-geral, 10/3/1695. DH, l /:252-4.
172 A GU ERRA OO A \: U A G U E R R A O O A(: U 173

,. guerra, e deixar a minha disposi9ao a forn1a que parecer mais regular de Lencastro. Caso raro na prática concelhia, sua nomeas;ao contrariava com-
se conseguir". Segundo e le, todo dependía da "gente que há de fazer, e pletamente a vontade dos membros do Conselho Ultramarino. Na ses-
do cabedal com que se há de conservar". Mudando de posi<;ao, como sao do dia 11 de dezembro de 1694, os doutores José de Fre itas Serrao e
vin1os, conta que estava decido a "empreender ague1ra ofensiva, que é o Joao de Sepúlveda Matos, assim como Bernardim Freire de Andrade e
único remédio que tem a seguran<;a da capitanía do Río Grande" . No Tristao Guedes preferiram confirmar a decisao do governador-geral, in-
entanto, via-se em dificuldades para obter os recursos necessários a urna dicando Agostinho César de Andrade como primeiro voto, e deixando a
nova expedis;ao de paulistas. Enguanto tardasse urna solus;ao, ordenou candidatura de Bernardo Vieira de Melo em último lugar; já o conde de
ao ca pitao-mor do Ceará, F ernao Carrilho, que se metesse com os ín- Alvor prefería Valentim Tavares Cabra), mas igualmente tinha Melo como
dios de sua capitanía na fronteira do Jaguaribe, alternando-os com de última ops;ao. E, contudo, o despacho real de 20/12/1694, nomeou o ca-
ourras aldeias porque nao levavam família. Para o A<;u, enviou os cem pitao de lgaras;u para enfrentar a crise no Rio Grande. 175
homens que sobravam do ter90 do Henrique Días. Quanto as Piranhas, Nao sao comuns os processos de escolha dos capitaes-mores que nao
o experiente capitao-mor, algoz que fora dos Palmares, informava que, resultassem de decisoes consensuais. Prerrogativa do Conselho Ultra-
como lá nao havia bárbaros, nao se fazia necessária nenhuma providen- marino, a indicas;ao dos lugares-tenentes para as capitanías que eram
cia.172 Nao obstante, o governador havia recebido petis;oes de curraleiros propriedade da coroa passava pela análise das folhas de servis;o (com-
do Pinhancó que davam conta de hostilidades de tapuias que haviam provadas por declaras;oes anexas) dos candidatos que se apresentassem
matado mais de doze moradores e roubado gados. Assim, deveria pro- e pela proposis;ao, em urna consulta ao rei, da urna lista classificada. O
ver os postos do principal da aldeia das Piranhas, que chamavam Mangua- preferido, geralmente, era sempre o escolhido. A decisao de d. Pedro
guape, com um cabo e vinte homens de confians;a de Teodósio de Oli- talvez tenha sido motivada justamente pela discussao no Conselho e
veira Ledo, capitao-mor das Piranhas, Cariris e Pinhancós. Nao só para pela falta de consenso. Poderia haver também um desejo de favorecer
a segurans;a daquelas capitanías, mas "pela do novo caminho que se aos pernambucanos, reivindica~ao antiga, e ao mesmo tempo fortalecer
abriu do Estado do Maranhao até esta pras;a, como Sua Nlajestade man- um grupo que pudesse mitigar o poder do governador-geral: divide et
dou: pois se nao se desimpedir dos bárbaros, nao se poderá freqüentar impera. Nem vinte días de sua posse, Bernardo Vieira de Melo comes;a-
. - entre os d 01s
por e le a comun1cas;ao . E sta d os " . 173 ria a implementar urna política para a guerra do A~u contrária a que
Contudo, os moradores do Rio Grande, associados a as;ucarocracia vinha sendo proposta pelo Conselho Ultramarino e implementada pelo
pernambucana, nao desistiam de sua estratégia. Em meados do ano de
1695, os partidários de urna solu9ao pacífica ganharam um importante
aliado, quando um integrante da "nobreza da terra", Bernardo Vieira de neto de Antonio Vie ira de Me lo. E m 1675, fora nomeado capitao de infantaria da
Melo, assumiu, junto com o posto de capitao-mor do Río Grande, a lide- ordcnan9a da gente solccira dorio Capibaribe (carca patente 12/ 1/1675). Filho de pais
e avós "de conhecida nobrcza e limpos de sangue", lutou nos Palmares (cercidao 29/
rans;a dos interesses da elite local. O futuro campeao da "Guerra dos 11/ 1686). Em 1686, era capitao-mor da com panhia de cavalos da freguesia da Vargem
Mascares", que oporia mazombos e reinóis no Recife em 1711, era entao (carta pate nte 19/12/1686). Em 1689, te nente-corone l da infantaria da ordenan9a de
herói da Guerra dos Palmares, havendo comandado a expedi9ao final que Pernambuco (carca patente 9/8/1689), quando lutou contra os guergues levantados,
174
aniquilara o quilombo, ganhando como premio este seu novo posto. indo ao "Limite do Sapa to", perta do Ararobá, onde tinham cerras e gado os padres
Vinha substituir Agostinho César de Andrade, que com já foi <lito acima, da Congregac;ao do Oratório. Em 1690, era juiz ordinário da vila de lgarac;u (certidao
8/5/1690) e, em 1691 , capitao-mor da vila de l garai;u (cana 5/7/1691). Em razao de
fora indicado como capitao-mor por medida extraordinária de Joao de scus servi9os no combate aos negros dos Palmares, foi premiado com o poseo de
capicao-mor do Rio Grande (29/7/1695-15/8/1701). Papéis de Bernardo Vieira de Melo
apresentados em 1728. AHU, Rio Grande, caixa 1, 66. Veja também o, um pouco
172 Carca do governador-geral ao governador de Pernambuco, 20/5/1965. DH, 38:331-4. · elogioso, artigo de Tarcísio tvledeiros. "Bernardo Vieira de tvlelo e a guerra dos bárba-
173 Carca de Joao de L encastro para o capitao-mor da Paraíba, 21/5/1695. DH, 38:337-8. ros" . RIHGRN, 59-61:25-5 1, 1%7-69; e Evaldo Cabra! de ~1lello.Ajivndados mazombos.
Em carca ao Teodósio de Oliveira Ledo, de 31 de maio de 1695, ficamos sabendo que Sao P aulo, 1996, p. 285-6.
ele tinha trinca ou quarenca espingardas para armar a d ita aldeia, cuja nac;ao era da sua
175
Consulta ~o Conselho Ultramarino sobre a nomeac;ao de pessoas para o posta de
confianc;a. DH, 38:341. capitao-mor do Rio Grande, com votos declarados, 11/12/1694. In: Ernesto En nes. As
174 Natural de Ipojuca, capitania de Pernambuco, era filh o de Bernardo Vieira de Melo e guerras nos Palmares. Sao Paulo, 1938, p. 222-32.
174 A G U ERR A DO A<; U A G U ERRA DO A\;U 175
~ governo-geral. Com efeito, a revelia
das decisoes do Cons.elho Ult~a­ do pelo jesuíta Sebastiao Figueiredo. Segundo o relato de Vieira, como
marino, o novo capitao-mor do Rio Grande convocou, no d1a 16 de JU- haviam sido postos ali pelos missionários junto com alguns tupis, ha-
lho de 1695, acamara e todos os moradores "de mais suposi9ao" para viam ficado muito insatisfeitos, porque estes tapuias tinham aversao aos
decidir o que era mais conveniente para a seguran9a e aumento das caboclos. De tal maneira, que dois deles haviam levantado sítio e fugi-
povoa96es tao duramente atingidas pelo levante dos índios. Na oca- do "para as brenhas onde habitavam". Vieira con ta que conversou com
siao, Ieu as cartas que o rei enviara, particularmente a de 3 de dezembro os índios, dizendo que podiam escolher o sítio que quisessem. Eles fi-
do ano passado, em que se concluía pela necessidade de un1a solu9ao caram "tao satisfeitos", que o Canindé mandou prender os desertores
definitiva. Interpretando um tanto livremente essa resolu9ao, insistiu e, "chegando a sua presen9a, mandou de improviso matar ao que achou
comos presentes que era vontade expressa do rei que se buscasse urna mais culpado, mandando-me logo dar parte que assim o fizera para exem-
solu9ao pacífica, com o que concordava e muito, pois, como disse na plo dos mais, sendo esta a9ao entre eles tao desusada que se nao viu
ocasiao, "tinha mostrado a experiencia os impossíveis que havia para ainda oeste bárbaros coisa semelhante" .178 Acompanhado do Canindé
extinguir os bárbaros [e] só por meio da paz podia haver quieta9ao". e de alguns desses tapuias, a tropa do capitao-mor se pos em marcha
Para favorecer sua interpreta9ao da ordem régia, noticiou, entao, a paz para chegar quatro meses passados ao lugar do futuro presídio, na ribei-
que o capitao-mor do Ceará acabara de fazer comos índios paiacus e a ra do A9u. Segundo o seu relato,
"destrui9ao que estes [agora aliados] fizeram aos icós lá no interior do
sertao", de modo que o gado podia fluir sossegado do Ceará para o Rio " ... um campo tao plano que o regam tres rios, que pelas margens
Grande. Os paiacus de fato haviam feíto um acordo de paz, donde se dele correm tao copiosos que o que no verao é delicioso e agradável a
imaginava a necessidade de aldeá-los para a defesa do caminho do Cea- vista se reduz no inverno a um mar que nove dias contínuos andei em
rá. Ocupando as margens da lagoa de Apodi (perto do atual município balsas vadiando-os sempre acautelado, por reconhecer nos bárbaros
de Apodi), ao sul da chapada, esses tapuias controlavam urna regiao ~s­ grande indícios de me quererem acometer, e dando as águas urna pe-
sencial para a condu9ao dos gados do Ceará para Pernambuco ou Bah1a. quena suspensao cheguei ao lugar que se elegeu mais conveniente
Concordando em fazer as pazes, os moradores, reunidos em 1695, te- para se formar o pres(dio a que dei princípio no dia de Nossa Senhora
miam ainda a instabilidade dos tapuias, rendo decidido que o melhor dos Prazeres, cuja invoca9ao lhe ficou. Mas, cresceram tao copiosa-
era fazer na ribeira do A<;u um presídio, "com gente que pudesse re- mente os ríos, que me suspenderam poder continuar a obra e estive
frear qualquer impulso dos bárbaros", o qual se comprometiam a sus- em sítio passante de 40 dias em os quais nos sustentamos de frutas
tentar com farinhas por seis meses.176 agrestes por se nos acabar a farinha e nao poder chegar um barco em
Entre fevereiro e mar90 de 1696, ousando a empresa, Bernardo Vieira que mandei conduzir e a que havia de ficar no presídio, e por essa
de Melo e seu comparsa, Afonso de Albuquerque Maranhao, que havia falta padecí e toda a tropa grandes doen~as, 179 sendo eu o que estive
sido feíto "ca pitao-mor das entradas do sertao", se meteram nos matos com mais evidente risco. E disposto tudo na melhor forma que pude,
com 36 soldados dos henriques, enviados pelo governador de Pernam- .deixando o gentío todo sossegado, os moradores satisfeitos já con1
buco, e vinte criminosos voluntários, em razao do perdao que se publi- passante de 40 cabe9as de gado situadas que as desceram da capitanía
cara.177 Foram ter com o Canindé, rei dos janduís, que se encontrava do Ceará. Donde estavam reclusas, pelo impedimento que lhe fazia, a
junto comos seus aldeado num lugar chamado das Guaraíras - an~i~a rebeliao dos bárbaros, me recolhi para esta cidade". 180
aldeia potiguar localizada na beira da lagoa do mesmo nome - , ass1su-

176Termo, 16/7/1695, e carta de Bernardo Vieira de Melo ao reí, 25/4/1697. AHU, Rio ouvidor da comarca, Cristóvao Soares Reimao, 6/1/1696. IHGRN, caixa 65, livro 3, fl.
Grande, caixa l , 40. Veja também, Fácima tvtarcins Lopes. A-fissoes religiosas: índios, · 67-67v.
co/011os e missionários na colonizartio da capitania do Rio Grande do Norte. Recife, 1999, 178
Papel de Bernardo Vieira de Melo, 1697. AHU, Rio Grande, caixa 1, 40, ponto S.
179
p. 151-2. Doen9as "que causavam um geral catarro e cursos de sangue"; explica9ao na cercidao
in Este poseo fora ocupado anteriormente pelo falecido f\1anuel de Abreu Soares. Carta assinada pelo moradores do A9u, 25/4/1697. AHU, Rio Grande, caixa l, 66.
180
Patente passada por Bernardo Vieira de f\1lelo ao capitao-mor das Entradas do Sercao, O capicao Teodósio da Rocha ficou no governo do presídio. Papel de Bernardo Vieira
30/12/1695. IHGRN, caix'a 65, livro 3, fl. 6Sv; bando de Bernardo Vieira de Melo e do de Melo, 1697. AHU, Rio Grande, caixa 1, 40, pontos 1 e 2; veja também a carta dos
176 A G U ERRA 00 ACU A G U E R R A O O A CU 177
Na imagem do capitao-mor, a rebeliao dos bárbaros - tal como as do~umentos q~e ~ompr~v~r~a~ o acerco de sua estratégia e, dessa ma-
águas do A9u que transbordaram, rudo alagando e rrazendo embara9os ne1ra, d~sautonzanam as 1n1c1a~1vas .de erguer um novo ter90 de paulistas.
a presen9a dos conquistadores - enconrrava-se agora reclusa. Nesse Em razao desse contexto, o h1stonador nao pode deixar de considerar
sentido, desejoso de afastar as iniciativas do governador-geral, Bernardo que tais diplomas tenhan1 sido feítos ad hoc, calvez mesmo na própria
Vieira de Melo lhe havia escrito, antes mesmo desta sua expedi9ao, em "casa de morada do ca pitao-mor", como ambos iniciam. Com efeito
junho de 1695, para dizer que "esses sertoes" estavam " limpos de tanto a "retifica9ao da paz feita com os tapuias janduís da ribeira d~
tapuios", donde se fazia desnecessária sua interven~ao . 181 Sua iniciativa Ac;u", datada de 20 de setembro de 1695, como o "tratado de paz feíto
era, claramente, contrária a articulada na Bahía e indicava, desde já, a comos tapuias ariús pequenos", datado de 20 de marc;o de 1697, apre-
rota que o levaría a urna colisao como ter90 de paulistas que Lencastro sentam redac;ao identica (ver Anexo 4). 183 Como se sabe, nao restaram
tratava de criar, como veremos no próximo capítulo. lncansável em tentar muitos desses tratados na documenta9ao do período. Com exce9ao da
dissuadir o rei de levantar um ter90 de paulistas em seu quintal, o capi- referencia feíta a paz de 1692 comos janduís e do "protesto de fideli-
tao-mor enfileirava argumentos. No final de abril de 1697, cerramente dade" de 1702 (de que tratarei mais a frente), nao tenho conhecimento
visando reverter a opiniao do Conselho Ultramarino, um papel de sua de nenhum outro documento parecido. Dessa maneira, é difícil estabe-
lavra sobre a situa9ao da capitania relatava suas atividades e ponderava, lecer se havia algum procedimento protocolar na sua reda9ao que justi-
detalhadamente, várias providencias que julgava necessárias para um ficasse a cópia exata dos termos nesses diplomas. De toda maneira, isso
melhor governo. Para ele, os bárbaros eram de "urna imensidade tao é incerto. Bem mais simples será supor, nao urna fraude aberta, mas um
grande que se tiverem o animo e disposi9ao, conforme as for9as e quan- exagero. Nao é impossível imaginar que o capitao-mor de fato firmou
tidade, será impossível conquistarem-se". No en tanto, urna vez que seu paz com os ariús pequenos e retificou a paz com os janduís da ribeira
modo de "acometer nao é mais que o de rapina", "qualquer tropa nos- do A9u, representados na figura do principal Taya A9u. Contudo, afo-
sa sendo bem ordenada basta para intimidá-los". Reeditando a propos- gado na própria aversao que lhe causava a chegada iminente dos intru-
ta dos cordoes de aldeias, mas desta vez considerando a conserva9ao sos paulistas, quis conferir cerca solenidade a um acordo comezinho e
dos presídios, o capitao-mor dizia que todos os gastos da Fazenda Real rotineiro, cuja imponencia lhe interessava. Afinal, diferentemente do
e todas as "intoleráveis imporcuna96es e demasias" sofridas pelos mo- tratado feito como Canindé, que com efeito representava um conjunto
radores para a conserva9ao da paz com os bárbaros poderiam ser evita- de várias cribos, estes papéis traduziam os arreglos resultantes da rendi-
dos se os presídios do A9u, Piranhas e Jaguaribe fossem devidamente 9ao de grupos quase que isolados de tapuias. Nesse sentido, ao que
conservados. 182 consta, foram vistos com desdém pela Coroa, que já pusera em marcha,
Juntame nte co1n esse papel, o capitao-mor do Rio Grande encami- desta vez em versao ampliada, a máquina de guerra paulista.
nhou cópias de dois tratados de paz feítos com tapuias de sua capitanía,
O ter~o do mestre-de-campo
"
Manuel Alvares de Morais Navarro
oficiais da camara de Natal ao re i, 24/4/1696. IHGRN, caixa 65, livro 3, tl. 74-74v. O
rei agradcceu esses trabalhos da jornada ao A~u em urna carta de 15/1/1698. AHU,
cód. 246, fl. 60v. Para comandar o "novo ter90" do Ac;u, foi escolhido o sargento-mor
1111 Carca de Joao de Lencasuo para o governador da Paraíba, 2/9/1695. DH, 38:372. Em do ter90 de Macias Cardoso, Manuel Álvares de Morais Navarro. Feíto
maio de 1697, o governador de Pernambuco, Caetano de Melo e Castro, confirmava mestre-de-campo, segundo a carta patente de 25 de maio de 1696, era
a notícia do ca pitao-mor, contando que o "levantamento do gentio se achava sossega- certamente a pessoa mais indicada para o poseo, pois tinha já grande
do", tanto no presídio do Ceará como no A~u, e que se haviam "passado para os seus
distritos muitos moradores e acrescentado novos currais e que neles se necessitava
de sacerdotes". Carca régia ao governador de Pernambuco, novembro de 1697.
RIHGRN, 10:126-8. A decisao do rei baseou-se no parecer do Conselho Ultramarino. uu O fato de o mesmo escrivao, Manuel Eusébio da Costa, haver transladado ambos os
Consulta do Conselho Ultramarino, 21/8/1697 (carta inclusa do governador de assentos no livro de registros da secretaria do governo do Río Grande nao explica a
Pernambuco, 14/5/1697). AHU, cód. 265, fls. 117-117v. semelhan~a. Cópia do tratado de paz feíta comos tapuias ariús pequcnos, 20/3/1697,
1 ~2 Papel de Bernardo Vieira de Meto, c. abril de 1697. AHU, Rio Grande, caixa 1, 42, e cópia da retifica~ao da paz feita com os tapuias janduís da Ribeira do A9u", 20/9/
ponto 18. 1695. AHU, Rio Grande, caixa 1, 40.
178 A G U ERRA O O r\ <; U A G U E R RA D O A <; U 179
" experiencia na Guerra do A9u. 184 Nao obstante, Navarro parecía poster- Depois que o mestre-de-campo retornou ao Río de Janeiro, seu exa-
gar sua entrada em a9ao. Antes de partir para o Rio Grande, ele tinha to paradeiro nao se sabe, e tampouco o sabia o governador-geral, que,
conseguido urna licen9a para ir a Portugal, onde rogou e recebeu certas com certa aflic;:ao, escreveu un1a carta, datada de 19 de outubro de 1697,
mercés reais. Enquanto nao voltava da Corte, seu irmao, José de Mo- para as camaras das vilas de Sao Paulo e todas as circunvizinhas (San-
rais Navarro, que era capitao-mor de urna das co1npanhias, ficara em tos, Sao Vicente, llha de Sao Sebastiao, Taubaté, llha Grande, Santa
Sao Paulo ajudando a levantar o ter90. 185 Ana de Nloji, Parnaíba, ltu de Nossa Senhora da Candelária e Jundiaí
de Nossa Senhora do Desterro), procurando fazer chegar ao paulista a
1114
ordem para que se comunicasse com o governo geral e confirmasse a
Ca rta patente, 25/5/1696. AH U, Rio Grande, caixa 1, 60. Natural de Sao Paulo, filho
de J'vlanucl Álvares Nlurzclo, Navarro havia servido por cinco anos como alfcrcs da patente de cabo <leste novo ter90: "Para que o levante com toda a bre-
fortaleza de Vera Cruz de ltapcma, passando a capitao de infantaria da ordenan9a vidade possível e eu [Lencastro] possa com a mesma socorrer aquela
antes de ser nomeado, em 8 de abril de 1688, sargcnco-mor do ter90 de Macias Cardo- capitania que espero ver com todo o sossego, por meio das armas dos
so de Almeida. Nessa ocasiao, fez diligencias de juncar alguns paulistas e os levar por paulistas, sempre vitoriosas dos bárbaros do Brasil". Além disso, envia-
mar até a costa do Rio Grande, mas, devido a problemas coma embarca9ao, parou na
ra a Navarro urna cópia da carta do rei e patentes em branco para que
Bahía, de onde partiu por cerra, cerca de 220 léguas, levando ordens e muni9oes
neeessárias ao ter90 dos paulistas no sercao do Sao Francisco. Depois disso, volcou a nomeasse alguns capitaes e oficiais para o ter90. O provedor da Fazen-
Bahia para comar novas ordens como governador-geral, frei tvfanuel da Ressurrci9ao, da do Rio de Janeiro deveria adiantar alguns meses de soldo e assistir
rendo recornado ao serrao passando pela Jacobina, "caminho muico mais dilatado'', como mantímento necessário, porque dali iriam embarcar para a Bahía.
le vando consigo 200 índios armados de diversas na9oes para os entregar a Macias Prometía o Lencastro, por ordem do rei, que daría aos paulistas, de
Cardoso. Ao coral, andou 400 léguas nas guerras. Cerca volea, quase se afogou no Rio
Pajaú, quando urna canoa afundou. Ainda como sargenco-mor, partiu com 300 ho-
sesmarias, "todas as terras que no Rio Grande conquistarem" . 186 Como
mens de armas e urna tropa de 27 cavalos, formada a sua cusca, lutou contra os bárba- se ve, nao havia problemas quanto ªº
pagamento dos saldos, já que os
ros por " 11 dias efetivos a fogo vivo até os derrotar". Continuou sua jornada padecen- postas eram preenchidos por ordem expressa da Coroa como de "in-
do muita sede e necessidade, até que se juncou com Macias Cardoso e fizeram um fantaria paga", isto é, como tropas regulares. 187 Em agosto de 1698, o
arraial. Passados catorze dias, foi buscar os bárbaros c m seu alojamento, atacando-os. governador do Brasil mandava cartas aos capitaes-mores da Paraíba e
Ten do nocíeia que vinham atacar o arraial, se pos com vinte home ns a caminhar a
do Rio Grande para que em tudo facilitassem a entrada do Navarro,
noite inteira até dar de madrugada no seu alojamenco e pelejar até as 9 da rnanha,
quando o inimigo se colocou cm retirada deixando 60 prisioneiros. Navarro foi ferido que desembarcaría na Paraíba (pois ia por mar para evitar o desgaste da
por urna flecha na coxa direita. Como havia urna peste de sarampo no arraial, resolve- gente e dos currais que cruzaría no caminho caso fosse por terra) e
ram se retirar para 30 léguas discante do Ceará com 450 homens de armas para guar- adentraría o sertao para fazer um arraial no lugar que parecesse mais
necer os enfermos, onde ficaram soba tutela de Navarro por quatro meses. Chefiou, conveniente para dar combate aos bárbaros. Pedía que fornecessem car-
c ncao, vários comboios que craziam mantimcncos de Pernambuco, nao sem encon-
nes e mantimentos necessários a tropa, pagos diretamente com o di-
rros comos bárbaros. Atacaram, divididos em dois tro9os, os bárbaros que assediavam
a cidade do Ria Grande a menos de tres léguas, e "degolaram todos". Sendo manda- nheiro que o provedor-mor haveria de enviar anualmente da Bahia. 188
do de volea ao arraial do A9u com 200 homens, deu com eles numa "gorras embosca- O mestre-de-campo retornou de Portugal ao Rio de Janeiro, daí pas-
da" e depois os seguiu por ci nco dias e noices, até !hes macar a aprisionar muicos e sou a Santos até chegar em Sao Paulo. Encontrou seu irmao, tomou
q ue decidissem fazer as pazes. Domingos Jorge Velho, que escava en tao no Palmares, conhecimento dos preparativos e, de volta ao Rio, zarpou com parte de
pediu ajuda porque os soldados nao pauliscas haviam fugido, e Cardoso mandou
Navarro com duas companhias que marcharam 130 léguas até acharem o Velho com
apenas cinco soldados. Aí, Navarro enfrentou alguns negros que acacaram o arraial. servir de "exemplo para que os mais pauliscas se animem". AHU, cod. 86, fls. 246-8.
Depois foi ajudar a construir a estrada de 40 léguas até as povoa9oes do Orobá, para Sobre os pedidos de merces por servi9os prestados, veja o escudo de Cleonir Xavier
de lá trazerem mantimencos. Folha de servi9os de Manud Álvares de Morais Navarro, d e Albuquerque. A remunerarao de serviros de guerra holandesa. Recife, 1968.
15/12/1696. AHU, cód. 86, fls. 246-8. IH6 Carta de Joao de Lencastro, 19/ 10/1697. DH, 11:252-4.
1215 Certidao, 1/8/1698. AHU, Rio Grande, caixa 3, 43. De fato, o paulisca aprese ntou sua 1117
Para pagar os mancime ncos sacados no Rio, o governador, em razao do risco q ue há
folha de servi9os no Conselho Ultramarino e conseguiu , e m 15 de dezembro de 1696, "de mar e piratas", ordenava ao p rovedor do Rio que sacasse urna letra sobre o prove-
cm razao de sua dedica9ao ao servi~o do reí quando sargento-mor de Nlacias Cardoso, dor-mor, usando antes algum soldo que a ela perten9a. Carca de Joao de Le ncastro
a mercé de ser feito fidal go com hábito de Cristo, recebendo ten~a de 150$000 réis. para o provedor da Fazenda do Rio de Janeiro, 19/10/1697. DH, 11:259-60.
Seu filho mais velho recebeu outro hábito e ten9a de 12$000 réis. Essa gra9a devcria 11111
Carta de Joao de Lencastro para o capitao-mor da Paraíba, 30/8/1698. DH, 38:444-8.
180 A G U E R R A D O A (: U

sua gente para a Bahia. 189 Foram na fragata Santa Catarina de Sena e
Tres Reis Magos, do capitao Antonio Velosó Nlachado, fretada por re-
comenda9ao do governador do Rio, Artur de Sá e Meneses. 190 Este mes-
mo navío, que chegou a Bahia em l.º de agosto de 1698, levaría o ter90
para a Paraíba logo no mes seguinte. Embarcados em dire9ao ao porto
da Paraíba, os 193 oficiais e soldados do ter90 do mestre-de-campo Ma-
nuel Álvares de Morais Navarro enfrentariam fortes tempestades, em
urna viagem que duraria até odia de Natal. 191 Passados oito meses, no
dia 10 de maio de 1699, Manuel da Mata Coutinho e Manuel de Siqueira 5
Rondon, os dois capitaes que faltavam de Sao Paulo, chegaram a Bahía O TERQO DOS PAULISTAS
acompanhados de setenta soldados, assim brancos como índios de ar-
mas. Foram enviados por terra a toda pressa para completar o ter90 do
Navarro. 192

NA AM ÉRICA PORT.UGUESA, a organiza9ao das for9as milita-


res envolvidas na conquista e controle dos domínios da Coroa foi es-
tabelecida desde o regimento do governador-geral Tomé de Sousa, em
1548, que dispunha as diretrizes da empresa colonial. O governador de-
veria, no exercício de suas atribui96es, zelar pela seguran9a da Colonia
e do povoamento das novas terras, para o que contava com armada, gen-
te, artilharia, armas e muni96es e tudo o mais que fosse necessário. Cum-
pria, antes de mais nada, fortificar as barras e os porros de acesso as
pra9as de comércio. 1 Contudo, para além do enquadramento das tropas
r~gulares, que garantiam basicamente a resposta as outras for9as orga-
nizadas no contexto de disputa interimperial que se esbo9ava no Atlan-
tic~ sul, o governador deveria castigar as tribos rebeladas ou arredias,
ass1m como impedir os distúrbios imanentes a violenta sociedade escra-
vista en1 gestac;ao. Porém, no início da coloniza9ao, os poderes públicos
nao tinham condic;oes de realizar de maneira eficiente o controle e de-
fesa do território <liante dos inimigos "internos". Para tanto, dever-se-
ia utilizar os guerreiros obtidos junto as tribos amigas assim como os
soldados das linhas auxiliares. O regimento de 1548 fixava formas de
189 Certidao, 1/8/1698, AHU, Rio Grande, caixa 3, 43.
190 Rela~ao do dinheiro que se tem despendido com o Ter~o dos Paulistas de que é
recrutamento e de organiza9ao desta linha auxiliar, cujos encargos eram
mescre-de-campo Manuel Álvares de ~1orais Navarro, assinado por Antonio Lopes dos moradores. Nesse sentido, para além das linhas regulares, a for9a
Ulhoa, 19/8/1702. 1E B, códice 4 A 25; carta de Lencastro ao governador do Rio, Artur privada garantia a homeóstase do sistema. A Coroa tinha para si que
de Sá e Meneses, 26/8/1698. DH, 11:265-7. poderia armar toda a popula9ao das colonias por imposic;oes legais. Desse
191 Lista dos soldados do ter~o do mestre-de-campo Manuel Álvares de Morais Navarro
que vai para a Paraíba do Norte que saiu do porto da Bahia em primeiro de secembro
de 1698. IHGRN, caixa 89. 1
Regimento do govcrnador-geral Tomé de Sousa, 1548. In: M. C. de Mendon~a (ed.).
192 Carca de joao de Lcncascro para o capitao-mor do Rio Grande, 3/5/1699. DH, 39:59 e
Raízes da forma;lio administrativa do Brasil. Rio de j aneiro, 1972, vol. 1, p. 46-7.
Olavo de Medeiros Filho. Acontece11 na capitania do Rio Grande. Natal, 1997, p. 130-2. 181
182 O T E R \: O O O S P A U L l S TA S O TE R <:::O DO S PAULIST AS 183
~ modo, o "alvará das armas" de 1569 tornava obrigatória aos homens li- quadra e um tambor. O capitao-n1or possuía ele mesmo urna das con1-
vres a posse de armas de fogo e armas brancas. 2 panhias, q ue e ra servida cambém por u m sargento-mor, seu substituto
É claro que a presen9a desses armam e ntos e dessas posi96es de for- natural, e por quatro ajudantes. No caso das orde nan9as, os senhores
9a disseminados pela sociedade contam inava o seu cotid iano com vio- ou os donos das terras de um termo deveriam, a princípio, ser aucomaci-
le ncia. Todavía, <levemos ter e m conta q ue este arsenal estruturava-se camente providos no con1ando d as tropas como capitaes. No caso da
no nível supe rior das linhas auxiliares, postas, na maior parte dos casos, Colonia, na ausencia desses "donos", cabía ao capitao-mor e as camaras
ao serv i90 dos arranjos d os pod eres locais e da construc;ao das hie rar- nomear os capitaes de companhia e os seus ajudantes im ediatos. Como
quías sociais. Isso porque o servic;o d as orde nan9as organizava a popu- as camaras eram a expressao dos estratos superiores da sociedad e local
lac;ao segundo o corte social existente. As for9as auxiliares da Colonia - ao contrário do grosso d a tropa, constituída de gente simples - a
foram regulame ntadas, por assim dizer, com o disposto no "regimento- hierarquía superior das milícias era formada pelos senhores locais, pro-
geral das orde nanc;as" de 1570. 3 Este regimento instituía os corpos de prietários ou " homens bons", donde a reproduvao da ordem social ga-
orde nanc;a formados pelo e ngajamento obrigatório de todos os morado- rantir a funcionalidade esperada da organizavao militar. A provisao de
res de um te rmo (jurisdic;ao administrativa) com idad e entre dezoito e 15 de m aio d e 1574 complementou esse regime nto, esclarecendo que,
sessenta anos, com exce9ao dos eclesiásticos e dos fid algos. Idealme nte, onde hou vesse urna só companhia, o comando seria exercido pelo ca-
tanto as tropas regulares como as ordenanc;as eram constituídas em te r- picao e nao mais pelo capitao-mor. Em ve rdade, a me dida que as capi-
9os - mas, a diferenc;a das tropas regulares, as milícias das ordenanc;as tanías here ditárias passavam ao controle da Coroa, isto é, tornavam -se
nao recebiam soldo. Tratava-se de urna organizac;ao derivada da Espanha, capitanías reais e portanto te rritório sob a administravao direta da Mo-
onde o tercio era originalme nte um regime nto de infantaria paga e pro- narquía, o poseo administrativo supe rior nos limites de sua jurisdi9ao
fissional. 4 confundía-se nominalme nte com o de capitao-mor e era provido pelo
Em teoría, o ter90 deveria ser formado por 2.500 soldados, reparti- reí. Ora, e sse capitao-mor exercia també m as fun96es relativas ao corpo
dos em dez companhias, compostas, cada urna, de 250 homens, todos das ordenanc;as, controlando sobremaneira a nomea9ao dos capitaes de
subordinados ao capitao-mor (ou mestre-de-campo). Estas companhias, companhia. O regimento de 1570 era claro: cabia ao capitao-mor "re-
sob o comando de um capitao, por sua vez, deviam dividir-se em dez partir os habitantes da cidade, vila ou conselhos e m esquadras de 25
esquadras de 25 homens. O capitao de companhia tinha ao seu servic;o homens e para cada esquadra escolhe r um capitao de companhia que
um alferes, um sargento, um meirinho, um escrivao, dez cabos de es- será seu cabo" .5 Todos escavam, por sua vez, subordinados ao gove rna-
dor-geral, que exercia o supremo comando das forc;as militares, como
ca pitao-general.
z Alvará das armas, 1569. I n: Ibidem, vol. l , p. 145-51.
3
Tantos meandros podem parecer confusos ao Ieitor e, de fato, por
Regimento-geral das ordenan9as, 1570. In: lbidem, vol. 1, p. 157-78.
4
Stuart Schwartz. "A Note on Portuguese and Brazilian Mil itary O rgan ization" . In:
vezes confundiam os próprios contemporaneos, gerando discussoes so-
The Governor and His lmage in Barvque Brazil, the Funeral Eulogy of Afonso Frutado de bre prerrogativas e jurisdic;oes por vezes incermináveis e com muicas
Castro do Rio de 1lfendonca by Juan Lopes Sienn. Minneapolis, 1979, p. 173-7. A intro- conseqüe ncias. Já vimos no capítulo anterior como abusos e interven-
du\:aO dos tercios na Espanha deve-se ainiciativa do capitao Gon ~a l o de Córdova que, 96es causavam disputas e ntre as autoridades, cuja distancia, por si só,
desenvolvendo os princípios da arte da guerra su Í\:a - cuja infa ntaria era formada por podía causar sérias barafundas. Das mais conhecidas foi a que opos o
fa langes de 6.000 a 8.000 homens, e ri ~adas em piques, e oferecia u rna resistencia
importante a cavalaria - e os associando a u ti li za~ao ampliada das armas de fogo, governador de Pernambuco ao da Bahía, na mecade do século XVII.
"concebeu urna organiza~ao cuja u nidade principal era a coronelía, esq11adnio ou ter;o Como se sabe, durante a guerra holandesa, foi criado para d. Fernando
de 6.000 home ns, comandada por um coro11el e dividida em 12 companhias ou batalhoes Mascarenhas, o conde da Torre, o posto de mestre-de-campo-general
de 500 homens cad a, comandadas por um capitiío ou alferes aba11deirado; a cada 100 para organizar o esfor90 militar contra os invasores. A q uestao ficou con-
home ns deseas companhias competía um cabo de batalhiío; e a cada 1O homens um fusa depois da Restaurac;ao, quando Francisco Barre ro, que era entao o
cabo de esq11adra. Em cadater;o ou co1vnelia, 1Ocompanhias constavam de 200 pique iros,
200 rodeleiros e 100 arcabuzeiros cada; e as duas restantes eram exclusivamente de
piq ueiros". C arlos Selvagem. Portugal A1ilitar: compendio de históTia militar e naval de 5 Apud: Gra9a Salgado (coord.). Fiscais e meirinhos: a administra;iío no B1nsil colonial.
Port11gal. Lisboa, 1991, p. 332-4. Rio de Jane iro, 1985, p. 100-2 e 164.
184 O TER (: O DOS PAULISTAS O TER \,O DO S PAUL I STAS 185
,. mestre-de-campo-general, foi nomeado governador de Pernambuco. Já de 22 de oucubro de 1658, a Rela9ao concordou em punir o governador
em outubro de 1655, o governador-geral, conde de Atouguia, preocupa- de Pernambuco. 10 Segundo Rocha Pita, Barrero resolveu depor Negrei-
va-se com o problema do provimento dos cargos militares do exército ros, ordenando que o mestre-de-campo Nicolau Aranha Pacheco mar-
de Pernambuco. Segundo seu entendimento, o mestre-de-campo-ge- chasse da Bahia com o seu ter90 e assumisse o posto. O desembargador
neral o era apenas de Pernambuco e, portanto, naturalmente subordi- Cristóvao de Burgos de Contreiras deveria ir junto para prende-lo. No
nado ao capitao-general, ele mesmo. Todavia, Francisco Barreto insis- en tanto, este, "amainando na tempestade por escusar o perigo", recuou
tia em prover os cargos e postos que vagavam em Pernambuco sem o e arrependeu-se de suas ordens. 11 Em Lisboa, o rei nao goscou desses
conhecimento do governo na Bahia, por conta de urna antiga prática, excessos de Barreros e, em urna carta 5 de abril do ano seguinte, censu-
corrente nos tempos das guerras comos holandeses. Atouguia escreveu rou o envio dos ministros a Pernambuco. Em agosto, o governador se
urna carta ao rei pedindo que desse urna solu9ao as indefini96es juris- defendia e estranhava a repreensao, pois afina} escava apenas defen-
dicionais, e restituísse o prestígio do governo na Bahia. 6 A solu9ao veio dendo suas prerrogativas; preferia que o rei tirasse logo "o poseo que
de outra maneira, pois em 1657 Francisco Barrero tornou-se governa- ocupo, porque nao me atrevo a servi-lo entre desobediencias aplaudi-
dor do Brasil, mantendo o posto de mestre-de-campo-general. Quase das e su poscas culpas castigadas" .12
tres anos depois da reclama9ao do conde de Atouguia, o novo governa- Confundindo o seu governo de urna só capitania com o de todo o
dor, Francisco Barreto, ainda que nao concordando comos argumentos Estado do Brasil, Negreiros apenas exercia um tipo de arrogancia fre-
de seu antigo opositor, reunia em si a antiga querela de jurisdi96es: era qüente nos governadores de Pernambuco do pós-guerra. A Monarquía
ao mesmo tempo mestre-de-campo e capitao-general. nao hesicava, mas se aproveitava de tais situa96es para intermediar os
No entanco, André Vidal de Negreiros, que sucedera Barreto no go- conflitos e oferecer um ponto de fuga ao jogo político em curso num
verno de Pernambuco, resolveu prover, sem dar conta ao governo-ge- território tao discante. Em 1661 , o rei passou urna patente ao novo go-
ral, os postos de capitao-mor da ilha de ltamaracá e de secretário do vernador de Pernambuco, Francisco Brito Freire, que esclarecía que
exército, além de criar, nomeando-lhe com soldo, o de governador da todos os oficiais de guerra, justi9a e fazenda das capitanias de Pernam-
pra9a do Recife. Quando Francisco Barreto tomou posse, recolheu to- buco e anexas lhe deveriam obedecer. Como o rei nao havia especifica-
das as provisoes de Negreiros e se recusou a cumpri-las, "pretendendo do quais eram as capitanias anexas, criara-se urna nova celeuma, pois
introduzir por este meio nova separa9ao e independencia deste gover- em junho de 1661 o governador de Pernambuco deu ordens para as
no". Ao que ordenava o provedor de Pernambuco fazer cumprir suas tres companhias da Paraíba, o que causou consternac;ao da popula9ao,
provisoes, nao pagando ou aceitando as do Negreiros.7 Barrero passou que se recusava a subordina9ao ao governo de Pernambuco. De fato,
entao um alvará para que Negreiros "conhecesse que era súdito deste desde os tempos da guerra dos holandeses, a gente da Paraíba relutava
governo", ao que este retaliou mandando prender o escrivao e dois ca- em tomar-se como anexa, defendendo sua isen9ao. Segundo Francisco
pitaes que haviam ido a Olinda para fazer cumprir as patentes passadas Barrero, que saiu em defesa dos moradores, no ambito da de Pernam-
da Bahia. Segundo urna carta de Barrero, como Negreiros trazia "tao buco se incluíam apenas "as vilas do rio Sao Francisco, Alagoas, Porto
atemorizados os vassalos de Vossa Majestade daquela capitania, e tao Calvo, Serinhaém, Santo Antonio e lgara9u, e outras muitas freguesias,
atropelada a justi9a, [... ] nao houve pessoa alguma secular nem ecle- que por dilatadas tem capitaes-mores e se reputam como capitanías".
siástica que se atrevesse a intimar-lhe o agravo" .8 Em 8 de janeiro de Estas eram as anexas, e "nao as da Paraíba e Rio Grande, que sao cida-
1658, Francisco Barreto centava que havia proposto aos ministros da
Rela9ao que fosse punido André Vidal, o qual insistía em usurpar a ju.., 10
O texto do assenco de 22/10/1658 está publicado na nota (v.) de Rodolfo Garcia na
risdi9ao que o rei concedía ao capitao-general.9 De fato, em um assento Hist6ria geral do Brasil de Francisco Adolfo de Varnhagen (Sao Paulo, 1975), como 3,
p. 220-1.
11
Rocha Pita, livro 6, 11 -2, p. 167-8.
" Carca ao rei, 16/10/1655. DH, 4:263-6. 12
Carca ao rei, 22/8/1659. Di/, 4:369-71. Para a questao dos conflitos de jurisdi~ao, veja
7 Carta, 20/9/1657. DH, /9:253-5.
a tese de Vera Lúcia Costa Acioli. "Jurisdi~ao e conflitos: a for9a política do senhor de
8 Carta, 21/8/1658. DH, 4:329-2.
engenho". Cadernos de História, Recife, 7, 1989; e para o caso de Negreiros e Barreto,
9 Carca ao rei, 8/1/1658. DH, 4:358-60.
particularmente, veja p. 74-111.
186 O T E H <; O D O S P A U L I STA S O TER\,O DOS PAULISTAS 187
,. des, e Itamaracá, que por ordem de Vossa Majestade se uniu a Coroa". campo aberto. 16 Segundo Evaldo Cabral de Mello, o sistema de defesa
Nao obstante, Barrero aceitava as pretensoes de Brito Freire, dado qu.e que Macias de Albuquerque aplicou contra os holandeses, de 1630 a
este tinha reconhecido que Pernambuco era "imediatamente subordi- 1636, era "um sistema misto", no qual as for<;as convencionais concen-
nado" ao seu governo. 13 travam-se

A "guerra do Brasil" ". . . numa pra<;a-forte, o Arraial, guarnecida pela artilharia e pelas
tropas regulares e situada a retaguarda de urna linha de postos avan-
Somente coff1 a Restaura<;ao em 1640, e a subseqüente guerra coma <;ados, as estancias, ocupadas por tropas irregulares de índios, negros
Espanha, Portugal constituiria um exército permanente em termos e soldados da cerra. Entre urna e outra estancia, vagam as esquadras
modernos. 14 O primeiro ter<;o de tropas regulares, o da Armada Real, volantes que continuadamente emboscam e assaltam os invasores.
foi criado no Reino apenas em 1618. No Brasil, logo depois da expulsao Enquanto o Arraial preenche urna fun<;ao estratégica, as estancias e
dos holandeses da Bahia, em 1626, foi formado o primeiro ter<;o de in- as esquadras volantes tem um objetivo puramente tático'' . 17
fantaria paga. Em 1631, criou-se o Ter<;o Novo, em oposi<;ao ao Ter<;o
Velho; ambos, con1postos por oitocentos homens cada. Como resultado As estancias eram controladas pelos "capitaes-de-emboscada", car-
das guerras holandesas (1630-1654), foram t~mbém.criados o~tr?s ter- gos de lideran<;a criados por iv1atias de Albuquerque, logo no início da
<;os "especiais" como o dos negros de Hennque D1as ~ dos .1nd~os de resistencia. Estes "capitaes" estavam no comando de um punhado de
Filipe Camarao. 15 A ocupa<;ao de Pernambuco e dema1s cap1tan1as do homens que eram destacados para controlar urna determinada regiao.
Norte pelos holandeses e a conseqüente guerra de reconquist~, naos~ Com uns trinta ou quarenta homens (vários deles índios "frecheiros'',
introduziram enorme contingente de soldados europeus nas v1las e c1- isto é, hábeis com as flechas), estas guerrilhas deviam, também, ator-
dades do Estado do Brasil, como resultaram no rearranjo da equa9ao mentar o inimigo e desbaratar-lhe os postos e comunica<;oes. Por outro
entre milícias regulares e linhas auxiliares. Este rearranjo deu-se nota- lado, nao se tratava apenas de fazer a guerra, mas tam bém de sustentar
damente pela afirma9ao da superioridade obtida na evolu<;ao do 111odus quema fazia. As guerrilhas, ao zelarem pela várzea, impedindo a entra-
faciendi das linhas auxiliares, processo gestado no contexto da primeira da dos. holandeses, cuidavam da produ~ao dos alimentos e do a<;úcar, o
fase da guerra holandesa. combustível da guerra. Os portugueses, segundo o memorial de Joao
Com o fracasso da expedi<;ao das tropas regulares européias, envia- Cardoso, tornavam-se invisíveis nos matos, onde eram imbatíveis. E os
das na armada espanhola de Oquendo, em 1631, a resistencia local a holandeses nao se poderiam sustentar, pois, "fechado o mato, tudo te-
invasao batava limitou-se a urna estratégia de "guerra lenta", que bus- ria de vir da Holanda, o que era para eles caro, incerto e insustentá-
cava a manuten<;ao do impasse inicial, quer dizer, procurava deixar aos vel" . 18 Con tu do, a "guerra lenta", urna vez impossibilitado o apoio es-
holandeses o controle das pra<;as-fortes, mantendo o da zona produtora perado pelo mar, nao poderia mantero domínio do interior por muito
de a<;úcar, a espera de urna interven<;ao da armada, quando isso fosse tempo <liante do enorme contingente do inimigo. Segundo Cabral de
exeqüível. Nesse contexto, ganhou espa<;o a estratégia tra<;ada por Ma-
tias de Albuquerque, irmao do capitao-donatário, Duarte de Albuquer-
que Coelho, e comandante da resistencia. Chamada a época de "gu~rra 1
'' Como escreveu Ouarce de Albuquerque: "sua utilidade [das emboscadas] cada dia se
brasílica" ou "guerra do Brasil", essa estratégia militar resultava da 1m- fazia mais notória pelo grande temor que o inimigo foi delas conheccndo. Nao ousava
sair nem mesmo as horcas da vila que ocupava. Com a presenc;a desees capitaes de
possibilidade de oferecer resistencia aos holandeses na cidade ou no emboscada, nao só se lograva o presente efeico, como de futuro servia ela de muito,
vedando-lhes, com este receio, o comerciar com os moradores, e obstando-lhes, por
seis anos, de apoderaram-se da campanha". Duarte de Albuquerque Coelho. Memó-
u Carta ao rei, 9/6/1661. DH, 4:405-8. tias diários de la G1Jerra del Brasil, por discurso de nueve afios, e111peca11do desde el A1DCXXX,
14 Grac;a Salgado (coord.). Fiscais e meirinhos. .. , p. 97. (1654). Recife, 1944, p. 57.
is Stuart Schwartz. "A Note on Portuguese and Bra~ilian Milicary Oganization", p. 173-
17
Evaldo Cabra! de Mello. O/inda restaurada. Rio de Janeiro, 1975, p. 24, e 231.
111
7; confira ainda Luís Monteiro da Cosca. Na Bahía Colonial, apo111a111e11tos para história JJ1e11101ial de ]orlo Cordoso . .. Apud: Serafim Leite. "Os jcsuítas - contra a invasao
militar da cidade de Salvador. Salvador, 1958. holandesa". RIHGB, 183:198, 1944.
188 O TER<; O O OS PA U L 1 STAS O T E R <; O O O S P A U L I S T A S 189
,. Mello, este esquema estratégico luso-brasileiro havia sido desmontado ao que este lhe dizia: "vosmece me deixe com os índios por me fazer
coma queda do forte dos Afogados em 1633, pois agora as tropas holan- merce, que eu sei como me ha ver com eles, que sei que me vem buscar
desas tinham acesso a Várzea, o que tornara "insustentável a linha de de paz". A gue rra brasílica de Albuquerque nao respeitava as regras da
estancias em torno do Recife, a qual já pode ser flanqueada facilmente arte militar, exagerando na crueldade e nao dando quartel aos prisio-
pelo Sul" . 19 neiros e feridos. Seu "mortal inimigo" , o general La Ravardiere, em
A guerra brasílica difería das técnicas científicas de guerra tao em urna carta de novembro de 1614, acusava o capitao-mor de nada prati-
voga na Europa moderna. O uso dos índios, e de sua arte militar, era car daquilo "que toca a nossa arte": "porque tu quebras todas as leis
essencial. De maneira geral, as companhias organizadas com base em praticadas em todas as guerras assim cristas, como turquescas, ou seja
milícias voltadas a expedi96es específicas (ao sertao, por exemplo) de- em crueldades, ou seja na liberdade das seguridades" .24 Segundo Cabral
veriam contar com o refor<;o dos índios domésticos ou mansos, pron- de Mello, esta seria a primeira indica9ao da consciencia de urna "guer-
tamente requisitados a seus senhores ou missionários.20 A presen<;a do ra brasílica", que se definia como a percep9ao de urna arte ou estilo mi-
indígena era constante e acabava, pela sua adequa~ao ao meio e as litar peculiar do Brasil e melhor adaptado as condi<;oes ecológicas e
técnicas necessárias, conferindo o caráter das atividades militares. Na sociais. 25 De fato, na Europa do século XVII a guerra fazia-se com gran-
verdade, os índios aldeados, num arremedo do servi<;o das ordenan9as, des movimentos de tropas, meditados e disciplinados, batalhas cam-
organizavam-se também em "companhias" chefiadas pelo capitao-de- pais, exércitos mercenários e muitas regras. A arte da guerra era, entao,
aldeia ou capitao-da-na9ao. Criado pela lei de 1611, este posto deveria essencialmente a arte de se fazer sítios, ou de rompe-los. Mas nem sem-
ser provido pelo governador-geral entre pessoas de "boa gera<;ao e abas- pre fora assim. Segundo Geoffrey Parker, a "pequena guerra" (der kleine
tados de bens, e que nenhum modo sejam de na9ao" (isto é, cristaos- Kriege) ou a "guerrilha" havia sido urna etapa importante na condu<;ao
novos).21 No entanto, o posto de capitao-de-aldeia seria freqüentemente da guerra na Europa do século XVI. Ao lado dos confrontos espetacula-
concedido aos " principais" (ou chefes) das tribos aliadas. As patentes res e das grandes batalhas, toda a história militar européia está cheia de
<lestes capitaes-de-aldeia fixavam o dever que tinham de, "com toda a pequenas guerras que causaram grandes estragos ao inimigo. Nao
gente da dita sua na9ao (tribo), ir para a parte que se lhe tem determi- obstante, este tipo de guerra desaparecería com a demoli9ao da rede de
nado", e de man ter com os portugueses "fiel amizade e comunica9ao". 22 fortalezas que a sustentava, no final do século XVI e início do XVll. 26
Caio Prado lembrava que, particularmente no contexto do Diretório Apesar de Portugal nao estar atualizado as novidades da arte da guerra
pombalino (1757) essas "ordenan9as indígenas" foram importantes au- européia- muito em razao de ter sido poupado, pelo menos até a guerra
xiliares da administra<;ao colonial na tarefa de governar essas popula- de Restaura<;ao (1640-1668) coma Espanha, de conflitos em escala no
96es "mal assimiladas" .23 continente - , vários dos comandantes e oficiais, bem como soldados
Já no início do século XVII, o capitao-mor Jerónimo de Albuquerque das tropas regulares que combateram nesta "Guerra do Brasil", eram
"Maranhao", no cimo de seus sessenta anos de vida, muitos em bata- gente mobilizada dos campos da Europa, onde haviam lutado em con-
lhas e em tratos com os índios, explicava a seu camarada Diogo do Cam- di\:oes totalmente diferentes. D. Luis de Rojas y Borja, veterano das
pos Moreno, em alusao a sua experiencia européia, que esta guerra que guerras de Flandres, quando veio ao Brasil, teria exclamado, indignado
faziam aqui no Brasil nao era "guerra de Flandres", isto é, a moda euro- com o tipo de luta que travavam na terra, que "nao era macaco para
péia. Na Jornada do Maranhao (1614), Moreno se assustara coma con- andar pelo mato" .27 Desse modo, podemos compreender a novidade
fian<;a que Albuquerque havia depositado na alian9a com os naturais,

z4 Diogo do Campos Moreno. Jornada do Maranluio por ordem de S11a Majestade Jeito no
19 Evaldo Cabra! de Mello. O/inda restaurada . . ., p. 233-4. ano de 1614. Río de Janeiro, 1984, p. 38 e carta de La Ravard iere a Jerónimo de
zo Nelson Werneck Sodré. História militar do Brasil. Rio de Janeiro, 1965, p. 29-32. Albuquerque, 21/ 11/ 1614, p. 56
z1 Leí sobre a liberdade dos índios, 1611. In: Georg Thomas. Polltica i11dige11ista dos zs Evaldo Cabra! de ~ifello. O/inda restaurada . .. , p. 230.
po11ug11eses no Brasil. Sao Paulo, 1982, p. 231. Z6 Geoffrey Parker. La révolution militaire, la guerre et l'essor de l'Occide11t, 1500-1800.
zz Patentes em branco de 1672. DH, 12:211-4. Paris, 1993, p. 65.
23 Caio Prado Júnior. Formactio do Brasil contemporáneo. Sao Paulo, 1953, p. 326. 27 Evaldo Cabra) de Me llo. O/inda restaurada . .. , p. 236.
190 O T E R <; O O O S P A U L 1 S TA S O TER (:O O O S PAUL I S T A S 191
"' que significavam as "companhias de emboscada" criadas por Matias de sílica" e ra o resultado nao só da acomodac;ao da arte militar européia
Albuquerque. Em relac;ao a subversao total da arte da guerra praticada as condic;oe s ecológicas do Nordeste, como também da assimilac;ao de
pela gente de jerónimo de Albuquerque, tratava-se entao de um aggior- técnicas locais de guerra. Mais ainda, na forma mista que assumira a
11ame11to, ade quando as técnicas militares locais a urna equac;ao entre o gue rra volante no Brasil, nas palavras de C abral de l\11e llo, o u so das
uso das linhas regulares e as linhas auxiliares, isto é , as ordenanc;as, re- gue rrilhas nao se originava "em considera~oes de ordem tecnicamente
forc;adas , por sua vez, pelo elemento indígena. militar", urna vez que estaría associado "nes tes inícios de guerra [1630-
Esse processo peculiar fazia-se no quadro mais amplo das transfor- 1636] ao fato de que a guerrilha oferecia a única maneira de urilizac;ao
mac;oes da arte da guerra na Europa. Com efeito, no bojo da formac;ao militar da camada n1ais ínfima e economicamente marginalizada da
dos Estados nacionais, enormes mudanc;as tecnológicas, organizacionais populac;ao local, mestic;os e ociosos, malfeitores, foragidos da justic;a d'el-
e estratégicas no campo militar acabaram produzindo urna verdadeira re i, inábeis para a disciplina das guarnic;oes como antes já se tinham re-
revolupio, capaz de explicar, em parte, a primazia da civilizac;ao ociden- ve lado refratários a rotina dos engenhos" .30 Mas, como foi dito, a utiliza-
tal e a constituic;ao dos impérios coloniais. Os trac;os mais importantes \:ªº deseas camadas marginais, de criminosos freqüentemente aliciados
dessa revoluc;ao foram: a utilizac;ao crescente das armas de fogo, as crans- por bandos e editais que lhes ofereciam o perdao em rroca do alista-
formac;oes subseqüentes no sistema de defesa, comas fortalezas de tra- me nto, somava-se o uso do indígena. Como se percebe, fazia-se míster
90 italiano (com bastioes) substituindo a rede secular de fortificac;oes o comando da guerra estar nas maos de indivíduos conhecedores das
medievais, o declínio da cavalaria em favor da infantaria, o aumento "manhas e engenhos" da cerra. Resumindo a questao, o padre Antonio
expressivo do contingente dos exércitos e sua profissionalizac;ao. 28 Vie ira dizia que, para a guerra no Brasil, bastava um sargento-mor, "e
No mundo colonial, onde grande parte dessas novidades nao se fa- esse dos da cerra e nao de Elvas ou de Flandres". Mais a inda, o Brasil,
ziam sentir de imediato, a superioridade obtida pelas forc;a s européias que tinha "tantas léguas de costa e de ilhas e de rios abertos", nao ha-
fora garantida pela capacidade de assimilac;ao e de acomodac;ao de téc- veria de se defender, "nem pode, com fortalezas nem com exércitos,
nicas e estratégias nativas, adaptando-as aos contextos ecológicos e so- senao com assalros, com canoas, e principalmente, com índios e muitos
ciais mais diversos. Thornton notou que, de fato, a inabilidade dos eu- índios; e esta guerra só a sabem fazer os moradores que conquistaram
ropeus em reproduzir na África o tipo de conquista em larga escala, tal isto, e nao os que vem de Portugal" .31
como sucedido na América Central os teria convencido a levar a sério A longa guerra de restaurac;ao de Pernambuco (1645-1654) teve seu
as armas, as técnicas e a organiza~ao locais: "como resultado deste reco- sucesso garantido, entre outras coisas, exatamente pela utilizac;ao desta
nhecimento, urna nova arte da guerra se desenvolveu combinando ar- forma adaptada de fazer a guerra no contexto colonial. Como mostrou
mas e estratégias européias e africanas". 29 Nesse sentido, a "guerra bra- Cabral de Mello, existía urna homogeneidade brasileira da experiencia
militar dos chefes da restaurac;ao. De fato, ambos os lados, holandeses
ou luso-brasileiros, utilizaram-se de linhas auxiliares transformadas: gru-
z~ Sobre a " Revo lu~ao NI ilicar", o livro fundamental é o de Geoffrc y Parker. La révol11tio11
militaire (Paris, 1993). A e di9ao original, em inglés, é de 1988, mas a edi9ao fran cesa, pos de combate aclimatados aos matos e composros, em sua grande
alé m de estar mais atualizada, responde as obje96es dos críticos, particularmente as maioria, por indígenas ou sertanejos e macutos. Segundo o historiador,
de Jcremy Black (A Alilitary Revol11tion? Military Change a11d E11ropea11 Society, 1550- após a expulsao dos holandeses em 1654, a guerra volante conhece um
1800. Atlantic Highlands, 1991). Em 1995, David Eltis contribuiu para o de bate com rápido processo de "arcaizac;ao". Em o u tras palavras, a "guerra brasílica"
seu livro sobre o século XVI: The Afilitary Revolution in Sixtee11th Ce11t11ry Europe (Nova
decaíra para urna arte militar adequada apenas as "áreas arcaicas, afas-
York, 1995). Recente me nte, os cexcos mais importantes para o debate foram reunidos
e publicados por C lifford J. Rogers (The Military Revolutio11 Debate. Readings on the tadas da marinha e das prac;as forces, técnicas quase que só para serta-
Alilittuy Tra11sfor111atio11 of Early Modern Europe. Boulder, 1995), entre os quais o pio- nistas de Sao Paulo e bugres e negros aquilombados dos sertoes do
neiro artigo de Michacl Robercs. "The Military Revolution, 1560-1 660", aparecido Nordeste". No início do bséculo XVIII, urna especializac;ao de func;oes
em 1957. Para as guerras e as técnicas mili cares no ultramar e no mundo colonial, veja
ainda o livro de Cario M. Cipolla. G1111s and Sail in the Early Phase of European Expan-
sio11, 1400-1700. Londres, 1965. 30
Evaldo Cabra! de ~1 e llo. O/inda restaurada . .. , p. 217-48.
2'' John K. Thornton. "The Art of War in Angola 1575-1680". Comparative Studies in 31
Carta de Antonio Vieira ao reí d. Joao IV, 4/4/1654. Cartas [sclc~ao de N ovais Teixei-
Society and History, 30(2):361, 1988. ra}. Rio de Janeiro, 1949, p. 166.
192 O T E R <; O O O S P A U L 1 S TA S O T E R <; O O O S P A U L l S T A S 193
,. se imporia: para as guerras dos sert6es, contra os bárbaros levantados interinamente o poseo de governador-geral, ofereceu a Domingos Jor-
ou os negros aquilombados, a "guerra do mar.o"; para fazer face aos es- ge Velho a patente de governador de um regimento a ser criado coma
32
trangeiros na marinha, as "regras militares científicas". reuniao de sua gente, com proeminencias de mestre-de-campo, além
de urna de sargento-mor, quatro de capitaes e dois de ajudantes, todas
A Guerra dos Bárbaros e as jornadas do sertao c1n branco para que ele as preenchesse. E todas essas patentes valen-
do soldos, a diferen9a das atribuídas para fazer guerra aos negros dos
Oepois da expulsao dos holandeses, as solu~6es inicialmente pro- Palmares. 35 Matias da Cunha, por sua vez, ofereceu a Matias Cardoso
postas e encetadas pelos governadores para os conflitos passa~am pela nomeá-lo governador de um regimento com as mesmas "proeminen-
utiliza~ao das tropas regulares estacionadas nas fortalezas, ou a1nda pela cias de mestre-de-campo, e como tal vencer o soldo desde o día em
mobiliza~ao das milícias das ordenan~as em esquadras volantes. Estas que partiu" .36 O que se oferecia eram postos de oficiais das tropas re-
improvisa96es, que levavam em conta a experiencia dos ca~os e sold~­ gulares, isto é, da infantaria, cujo provimento, segundo o "regimen-
dos na guerra "ao modo" do Brasil, sempre pareceram o me10 de repn- to das fronteiras" de 1645, só podía ser concedido se comprovado o
mir os levantes dos índios bárbaros. Nao obstante, tal situa9ao evoluiu servi~o como soldado por seis anos, no caso do mestre-de-campo, e
para a consolida~ao de um ;ovo tipo de for9a militar nativa: as expedi- quatro anos, no caso de sargento e alferes.37 No entanto, o pagamento
~6es organizadas expressamente para um evento no sertao. As "jorna- desse soldo nao foi reconhecido imediatamente pela Coroa e causou
das do sertao", também chamadas de "entradas" ou "bandeiras", eram posterga~oes embara9osas.
na verdade empresas patrocinadas pela autoridade competente, fosse o O interesse e a premencia de utilizar estas tropas especializadas no
governador ou o capitao-mor, que provia com um título de caráter ex- tipo de esfor~o militar exigido esbarravam nas dificuldades originadas
clusivamente honorífico um capitao ou um cabo de urna esquadra e lhe do processo em curso de formaliza9ao da atividade militar. Como vi-
passava um regimento definindo sua tarefa e, sobretudo, sua jurisdi~ao mos, somente coma Restaura~ao, Portugal constituiría um exército per-
especial. No caso das entradas destinadas a puni~ao de_gr~pos indíge- manente em termos modernos. De fato, o chamado "regimento das fron-
nas ou a captura de escravos, este título, na verdade, s1gn1ficava a ga- teiras", de 25 de agosto de 1645, que criou o posto de vedor-geral do
rantía da legalidade da expedi~ao, nos termos da leí de 24 de fevereiro exército, objetivava estabelecer as bases da regulamenta~ao das tropas
de 1587.33 portuguesas deslocadas para as guerras com a Espanha. Ao vedor cabía,
A remunera~ao do servi~os prestados poderia vir a posteriori, com como diz o próprio nome, "ver" as tropas de infantaria e montadas e
merces e favores da Monarquía ou mesmo com a garantía do butim fazer-lhes auditoria, assim como justificar e acompanhar os gastos e o
obtido, fosse em escravos, fosse em mantimentos. Geralmente, o g?- pagamento dos soldos. 38 Esse regimento, apesar de circunscrito ao epi-
vernador, ao prover um capitao para urna jornada ao sertao, podena sódio da guerra de Restaura~ao, tinha sua validade expandida, como
fornecer armamentos e matalotagem suficientes para abastecer a ex- era normal, para todos os contextos posteriores no Império portugues,
pedi~ao. O pagamento dos soldos nao era de praxe. Como de~enrolar servindo de regulamento para várias questoes relativas aos postos de
da Guerra dos Bárbaros, desde os episódios no Reconcavo ba1ano, al- infantaria situados no Brasil. A hierarquía das tropas regulares, normal-
gumas exce~oes foram praticadas pelos governadores gerais, mas sua mente, previa que o encarregado geral de urna jurisdi':;aO fosse também
valida9ao no ambito da administra~ao metropolitana sempre resultava o governador das armas. Segundo o genero da companhia, e estamos
em confusoes administrativas. Em 1671, o visconde de Barbacena con-
cordou em pagar soldos aos oficiais e soldados da tropa de Estevao Lopes Serra. "Vida o pancguirico funebre al senor Affonso Furtado Casero do Rio
Ribeiro Baiao Parente. 34 Freí Manuel da Ressurrei~ao, que ocupava Mendon\:a, Bahia, 1676", publicado por Stuart Schwartz. A Governor and His /mage in
Baroque Brozil. . ., p. 47-8.
35 Carta, 14/10/1688. DH, 10:3 13-5.
32 Evaldo Cabra! de Nlello. O/inda restaurada . . ., p. 242 e 245-7. 36 Carta, 9/12/1688. DH, //:147-9.
37 Veja os capítulos 14 a 16 do Regimento das fronteiras de 1645. In: M.C. de Mendon-
33 Lei sobre os índios que nao podem ser cativos e os que podem ser, 24/2/1587. In:
Georg Thomas. Política indigenista dos portugueses 110 Brasil. .. , apendice 11, p. 222-4. \:ª (ed.). Rat'zes da f ormapio administrativa do Brasil. .. , vol. 2, p. 631-56.
34 "Condi~oes pelas quais os paulistas vao conquistar os bárbaros", inclusas em Joao 311
Ibidem.
194 O T E R <; O D O S P A U L I S TA S O T E R <; O D O S P A U L 1 STAS 195
~ falando apenas das ocupadas dos eventos terrestres, variavam as deno- No interior dos domínios senhoriais, cada engenho deveria ter seus "ofi-
mina96es. Na infantaria, havia o mestre-de-campo, o alferes, o sargento ciais de e ngenho", que tinham a obriga9ao de "passar mostra" (veri-
(oficiais), os cabos e soldados (pra9as). Na cavalaria, o general de cava- ficar a presen9a) nos días santos ou domingos (para nao atrapalhar os
laria, o tene nte-general de cavalaria, o capitao de cavalos (oficiais) e ~s ua balhos), e a falta nisso implicava multa de 1$000 ré is para os pobres
soldados (pra9as). Além disso, havia a artilharia, onde existiam o capt- e 4$000 ré is para os ricos; no caso dos soldados das companhias de ca-
tao de clavinas e os clavineiros (os alferes eram proibidos) e as outras valo, a multa era ainda maior: 20$000 réis. Além disso, em cada fre-
companhias específicas. No Brasil, estacionadas no território havia guesia o capitao era o responsável para que fossem mantidas as ro9as
notadamente tropas de infantaria. Os postos de oficiais, cuja renda dos plantadas em conformidade com as necessidades de sustento das tro-
provimentos (os soldos) era de grande interesse para os seus proprietá- pas. Ao sargento-mor cabía "passar mostra" em todas as companhias de
rios, podiam representar, em parte, apenas urna ten9a honorária. Don- ordenan9as da capitania. 40
de o regimento, neste particular, preocupar os proprietários dos postas, Nesse contexto, poderíamos imaginar que as tentativas de frei Ma-
urna vez que o vcdor-geral e seus auditores estavam interessados prin- nuel da Ressurrei9ao e de Marias da Cunha esbulhavam a regulamen-
cipalmente em deslindar fraudes e suspender os rendimentos dos au- ta9ao tao preciosa dos reformadores portugueses. Daí a resistencia que
sentes e desocupados. encontraram na Metrópole. Na verdade, tal como em Portugal, busca-
Passados vinte anos, os abusos eram ainda motivo de preocupa9ao., va-se um enquadramento da informalidade das linhas auxiliares (orde-
Em 1664, o reí havia pe dido ao governador-geral, o conde de Obidos, nan9as) em regras mais estritas de um exército regular, apto ao escopo
que averiguasse o excessivo número de mestres-de-campo, tenentes centralista do governo-geral da Bahía. Em outras palavras, adequar urna
e oficiais maiores do exército de Pernambuco. Com efeito, o conde acha- realidade preexistente a normaliza9ao militar imaginada pela adminis-
va que a "d isciplina militar" excusava tais excessos. As ordenan9as tra9ao colonial. E, no caso das tropas paulistas, a novidade era ainda
podiam muito bem substituir as tropas regulares na defesa da terra e, maior, urna vez que essa "linhas auxiliares" vinham de um contexto
deste modo, desonerar a Fazenda e, em última instancia, os próprios em que as ordenan9as tinham evoluído de urna maneira totalmente
moradores: " ... em cada freguesia basta um capitao de ordenan9a para peculiar, especializadas que eram na "guerra brasílica" . A for9a especí-
a gente de pé e [para a gente] de cavalo, dois coronéis; que, se se ofere- ficamente paulista de organiza9ao destas expedi9oes serranejas sobre-
cer ocasiao, o valor dos moradores, e nao o número desses cabos [ofi- por-se-ia no Nordeste aos arranjos militares tradicionais, implicando um
ciais das tropas regulares], os há de levar a obriga9ao de sua fidelidade, desdobramento, ou evolu9ao, de suas disposi9oes originais em face das
e nao será justo que, quando devem descansar em paz para reedificar novas fun96es em jogo.
suas casas e aumentar suas lavouras, pade9am o inconveniente de obe- O recurso aos paulistas significaría a ado9ao decisiva da arte da guer-
decer a tantos oficiais maiores como se ainda estivessem em guerra ra colonial, apta enfrentar o modo de guerra dos bárbaros. A sua
viva" .39 No pós-guerra, as ordenan9as haviam sido reestruturadas se- institucionaliza9ao na ordem militar do lmpério seria, pouco a pouco,
gundo o regimento de 25 de seterribro 1654, passado ao entao govern~­ condi9ao para o recrutamento.
dor-geral, conde de Atouguia. Procurava-se, através de um controle ma1s
estrito, garantir a disponibilidade das tropas, sempre bem armadas e
treinadas. O regimento determinava que cada soldado das ordenan9as
40
deveria possuir urna arma, arcabuz ou espingarda, um arrátel de pólvo- Regimento de 25/9/1654, conde de Acouguia. DH, 4:174-7. O regimento de Roque
ra, 24 balas e o morrao necessário. Quem nao tivesse este equipamento da Cosca Barre ro, de 1677, que vinha substituir o de Tomé de Sousa, esclarecía que
as companhias de Ordenan9as da Bahía deveriam exercicar-se cm suas freguesias
deveria pagar multa de cinco tostoes e, em caso de reincidencia, 6$000 codo o mes e faze r "alardos gerais eres cada ano". Os postos na Bah ía passariam a ser
réis. As companhias eram divididas em "companhias de cavalo" e "com- providos pelo governador-geral. A parcir de 1704, os posees das ordenan9as em codo
panhias de pé", dependendo da forma como o soldado se apresen ta va. o Estado do Brasil passaram a ser providos pelo governador-geral e nao mais pelos
capitaes-mores. Cf. os capítulos 15 e 16 do Regimento de Roque da Cosca Barrero,
23/1/1 677, publicado cm Joao Alfredo Libanio Guedes. História administrativa do
Brasil. Rio de Janeiro, 1962, vol. IV, p. 173-96; e Rodolfo García. História política e
39 Carta do conde de Óbidos ao reí, 18/3/1665. APEB, cód. 135- 1, fl . 179v-80. administrativa do Brasil (1500-1810). Río de Jane iro, 1956, p. 11 2. ·
196 O T E R <; O O O S P A U L 1S T AS O T E R <; O D O S P A U L I S TA S 197
e polemicas intermináveis. 45 Outra vercente, derivada de Capistrano de
Paulistas e os "ares do sertao" Abreu, interpretava a bandeira como qualquer expedi<;ao destinada ao
sertao. Segundo seu "esquema" , existiam bandeiras paulistas, pernam-
Os sertanistas da vila de Sao Paulo de Piratininga particularizavam- bucanas, baianas, maranhenses e amazonicas. 46 Hélio Viana, seguindo
se, desde o final do século XVI, por possuir um estilo militar perfeita- essa orienta<;ao, organizou urna tipologia do " bandeirantismo" na qual
mente adaptado as condi<;6es ecológicas do sertao. Na opiniao do pa- diferenciava "ciclos": o de apresamento de indígenas, o de ouro de la-
dre Antonio Vieira, eramos paulistas "os mais valentes soldados de todo vagem, o de sertanismo de contrato, o do ouro e o de povoamento. 47
o Brasil" .41 Essas "bandeiras" paulistas tinham urna dinamica e um modo Tais solu96es ecoam, ainda hoje, nos manuais escolares, mas servem
de opera<;ao ajustados para seus intentos de penetra<;ao nos sert6es em mais a simplifica9ao do que a compreensao da história. Nada disso deve
. .
busca do provável mineral precioso ou do infalível cativo indígena. Sa- nos 1nteressar aqu1.
biam manejar a situa<;ao de carencia alimentar e eram destros para a Quanto a distin9ao entre bandeiras e entradas, Jaime Cortesao já nos
navega9ao nos matos fechados, nos cerrados ou caatingas. Como mos- mostrou que os documentos nao estao de acordo. De fato, bandeiras,
trou Sérgio Buarque de Holanda, "a arte de guerrear torna-se, em suas entradas, jornadas, expedi9oes e conquistas tinham significados inter-
maos, um prolongamento, quase um derivativo, da atividade venatória, cambiáveis e variavam conforme o contexto. De maneira geral, estes
e é praticada, mu itas vezes, com os mesmos meios" .42 A mobilidade sao termos igualmente comuns em todas as capitanías e regioes do Bra-
característica dos paulistas estava condicionada a insuficiencia do meio: sil. "Bandeira", específicamente, era a forma como se designavam tam-
"distanciados dos centros de consumo, incapacitados, por isso, de im- bém as companhias das ordenan9as, isso por um motivo bem simples:
portar em apreciável escala os negros africanos, eles deverao contentar- segundo o capítulo 17 do regimento de 1570, "cada um dos capitaes
se como bra<;o indígena - os «negros» da terra; para obre-loé que sao das companhias" deveria ter a sua bandeira de ordenanra, que era carre-
for9ados a correr sert6es inóspitos e ignorados". Segundo o historiador, gada pelo tambor ou pelo alferes.48 Donde toda a documenta9ao, tal
com mais "liberdade e abandono do que em outras capitanías", a colo- como demonstrou Cortesao, falar indiferentemente de bandeiras e com-
niza<;ao em Sao Paulo realizou-se "por um processo de contínua adap- panhias. "Entrada" e "Jornada", como parece evidente, sao denomina-
ta<;ao a condi96es físicas do ambiente americano". Nesse processo, o s;oes de expedi9oes ao interior do país, que podiam ser levadas a termo
indígena, seus costumes e técnicas tornaram-se seus aliados preciosos.43 por um ter90 completo, ou por algumas companhias, ou bandeiras, des-
A historiografia, de maneira geral, tem apontado a bandeira como tacadas para tal. Daí as denominas;oes serem feítas por analogías. Nao
urna forma característica da organiza<;ao militar que estruturou a socie- obstante, seria errado nao perceber que a bandeira sertanista, na sua
dade paulista. Designando como coisas distintas as entradas e as ban-
deiras, pretendía-se robustecer a idéia de urna especificidade regional.
45
As primeiras seriam as expedi96es organizadas pelos colonos, por conta O ba11deirismo pa111ista e o reato do meridiano. Sao Paulo, 1936; o capítulo 4 de seu
Resumo da História de Slio Paulo. Sao Paulo, 1942, p. 153-222; o capítulo "Bandeiras e
própria, objetivando a ca9a do gentío. Já as bandeiras seriam expedi- entradas" de seu livro O 0111YJ e a pau/istania. Sao Paulo, 1948, p. 28-34. Em arroubos
<;6es de caráter misto, meio civil, meio militar, que, além do cativeiro pacrioceiros, Ricardo Román Blanco tinha as bandeiras na conca da "mas gen ial y
dos índios, se interessavam nas descobertas de metais preciosos. 44 Em extraord inaria organización bélico-militar, que la Hiscoria de la Humanidad conoce".
Sao Paulo, as bandeiras teriam moldado um modo de vida: o "bandei- Sua redundante tese de doutorado, entre outras coisas, procura moscrar as relac;oes
rismo" ou o "bandeirantismo". Alfredo Ellis Júnior foi , sem dúvida, o entre as expedic;úes dos scrcaniscas pauliscas e a Iegiao romana ou as falanges macc-
donicas (sic). Los Ba11deiras, instituciones bélicas americanas. Brasília, 1966.
paladino desta interpreta<;ao que alimentou numerosos outros estudos .¡{, "Esquema das bandeiras". In: J. Capistrano de Abreu. Capftulos de história colonial &
Os caminhos a111igos e o povoa111e11to do Brasil. Brasília, 1963, p. 338.
47
H é lio Vianna. História do Brasil. Sao Paulo, 1965, vol. 1, p. 192-202. Para um balan-
41 Carca ao marques de Niza, 20/1/1648. In: Cartas [sele~ao de Novais Teixcira]. Rio de c;o crítico da historiografia paulista, veja o excelente capítulo primeiro da cese de
Janeiro, 1949, p. 63. doucoramento de llana Blaj. A t1"0111a das te11soes: o processo de 111erca11tilizorao de Sao
42 Sérgio Buarque de Holanda. Ca111i11hos e fronteiras. Rio de Janeiro, 1957, p. 146. Paulo colonial, 1681-1721. Sao Paulo, 1995, p. 25-68.
43
Sérgio Buarque de Holanda. 1Yo11;iJes. Sao Paulo, 1990, p. 16. 4
H Regimento das ordenan~as de 1570. In: M.C. de Mendonc;a (ed.). Rafzes da formarao
44
Aliatar Loreto. Capftulos de história militar do Brasil. Rio de Janeiro, 1946, p. 131-40. administrativa do Brasil. . ., vol. 1, p. 162.
198 O T E R <; O D O S P A U L 1 S TA S O T E R <; O O O S P A U L 1 S T A S 199
,. fei~ao paulista, resultou de urna evolu~ao específica da institui~ao assaltos nossas povoa~6es, casas, igrejas, lan~ando fogo aos ingover-
miliciana portuguesa, que, generalizada na sociedade do Planalto, con- nos, matando gente e roubando os bens móveis que podem carregar,
formou "um genero de vida típico, próprio, específico da gente de Sao e conduzindo os gados, e cria~oes e quando acudimos o dano está feí-
Paulo" .49 to. E eles [andam] escondidos entre os matos onde os nossos soldados
Segundo um papel anonimo, de 1690, a experiencia havia demons- nao podem seguir coma mesma seguran~a, instancia e diuturnidade
trado, até entao, que nem a infantaria, "nem ainda as ordenan~as" ha- por [estarem] carregados de ferro e mochilas, em que carregam o seu
viam sido "capazes para debelar cstes inimigos nas incultas brenhas e sustento que nao pode ser mais que para quatro ou seis días e [ao
inacessíveis rochedos e montes do sertao"; "só a gente de Sao Paulo é passo que] os bárbaros [tem seu sustento] nas mesmas frutas agres-
capaz de debelar este gentio, por ser o comum exercício penetraremos tes das arvores, como pássaros, nas raízes que conhecem e nas mes-
sertoes" .50 A razao disso era a forma como os tapuias faziam guerra rios mas imundices de cactos, cobras, e ca~as de quaisquer animais e
matos, o que exigía urna tática e urna tecnología especiais. Gregório aves". 52
Vareta de Berredo Pereira, o autor de um "breve compendio" sobre o
governo pernambucano de Camara Coutinho (1689-1690), tinha para si Ora, segundo ainda este autor, teria sido exatamente por isso que a
"que se este inimigo [os bárbaros] fizera forma de batalha, depressa "Divina Providencia" criou na província de Sao Paulo "os homens com
[seria] desbaratado". Mas, como explicava, tal nao era o caso, porque se um animo intrépido, que se inclinou a dominar este miserável gentío".
tratava de na~oes "fora de todo o uso militar", isto é, da forma européia Semelhantes aos inimigos silvícolas, pois viviam "sempre em seu se-
moderna de guerra, "porque as suas avan~adas sao de súbito, dando guimento", acabaram por "ter por regalo a comida de ca~as, mel silves-
urros que fazem tremer a terra para meterem terror e espanto e logo se tre, frutas, e raízes de ervas, e de algumas árvores salutíferas e gastosas
espalham e [se] metem detrás das árvores, fazendo momos como bu- de que toda a América abunda". É nos "ares do sertao" que suas vidas
gios, que sucede as vezes meterem-lhe duas e tres armas e rara vez se se fazem "gastosas", sen do que "muitos deles nascem, e envelhecem",
acerta o tiro pelo jeito que fazem como corpo". 51 nos matos: "Estes sao os que pois servem para a conquista e castigo
Outro papel anonimo, de 1691, também argüía que as "grandes ex- desees bárbaros, com quem se sustenta, e vivem quase das mesmas coi-
pedi~oes de infantaria paga, e da ordenan~a, com grandes despesas da sas, e a quem o gentío só teme e respeita" .53 Era exatamente o que
Fazenda Real e contribui~oes dos moradores" vinham resultando sem explicava, dez anos antes, o autor de um outro papel que sugería o uso
efeito "nao por falta de disposi~ao dos cabos, nem de valor nos solda- dos paulistas para a defesa da colonia do Sacramento: "Porque sao ho-
dos, mas porque, repare-se nesta circunstancia, pela elei{iio do meio sá". mens capazes para penetrar todos os sertoes por onde andam continua-
Isso porque, segundo o autor desse papel, seria "necessário para a con- mente, sem mais sustento que coisas do mato, bichos, cobras, lagartos,
quista des tes gentíos" adaptar-se ao seu "modo de peleja", que era "fora frutas bravas e raízes de vários paus, e nao lhes é molesto andarem pe-
do da arte militar", pois los sertoes anos [afio] pelo hábito que tem feíto aquela vida" .54
· Ao modo de guerra dos tapuias - "de citadas e assaltos [que] é como
"... eles [vao] nus, e descal~os, ligeiros como o vento, só comarco e um raio que passa", na expressao de Pedro Carrilho de Andrade55 -
flechas, entre matos, e arvoredos fechados, os nossos soldados em- deveria corresponder urna tática peculiar. A forma específica das "re-
bara~ados com espadas, carregados com mosquetes, e espingardas e gras paulistas" para o ataque aos índios, chamada de "albarrada", era
mochilas com seu sustento, ainda que assistem o inimigo nao o po-
dem seguir, nem prosseguir a guerra: eles a cometem de noite por 52 Sobre os tapuias que os paulistas aprisionaram na guerra e mandaram vender aos
moradores do Porto do l\lfar, e sobre as razoes que há para se fazer a guerra aos·ditos
49 Jaime Corcesao. Jntrod11rao a história das bandeiras. Lisboa, 1975, p. 50-69; e Raposo tapuias (1691), Ajuda, 54 XIII 16, fl. 162.
Tavares e a formacao territorial do Brasil. Rio de Janeiro, s.d. , p. 51-81. 53
Ibídem.
so Sobre o gentío que se rebelou nas capitanías do Ceará, Rio Grande e Paraíba, c. 1690, 54 Informa~ao anónima do Brasil, década de 1680. BNP, cód ice 30, fl. 209. Para um re traro
Ajuda, 54 XII 4 52. desses "bandeirantes" em a~ao, veja também John Hemming. Red Gold. The Conques! of
51 "Breve compe ndio do que vai obrando neste governo de Pernambuco o Sr. governa- t!ie Brazilian lndians. Cambridge, 1978, p. 238-53.
dor Antonio Luís Gonr;alves da Camara Coutinho etc.". RIHGB, 51:267, 1979. 55
r..1emorial de Pedro Carrilho de Andrade, 1703. AH U, Pernambuco, caixa 16.

'
1
200 O T E R <; O O O S P A U L I S TA S O TER(::O DO S PAULlSTAS 201
11 assim estabelecida em um regimento de 1727: a aproxima9ao se fazia denan9as locais, a utiliza9ao dos sertanejos paulistas parecia soluc;ao
com cautelas indígenas, seguindo os rastros, ".s em tosse nem espirros", necessária. Avaliando o mal desempenho das jornadas dos capitaes Diogo
até chegar bem próximo do inimigo e entao, com um grito medonho de Oliveira Serpa (1651), Gaspar Rodrigues Adorno (1651-54), Tomé
para apavorá-los, fazer o assalto. 56 Os pauliscas imicavam, assim, o modo Días Lassos (1656) e Bartolomeu Dias Aires (1657), o novo governa-
de guerrear dos índios. Frei Vicente do Salvador explicava que os ín- dor-geral do Brasil, Francisco Barrero, resolveu pela "contratac;ao" de
dios costumavam aproximar-se sorrateiramente da aldeia de seus con- urna companhia de paulistas experientes. Como já foi <lito, o mestre-de-
trários, "de maneira que possam entrar de madrugada e tomá-los des- campo-general nomeado para a guerra contra os holandeses conhecia
cuidados e despercebidos, e depois entram com grande urro de vozes e bem as vantagens do uso da arte da guerra brasílica. Feito governador
estrondo de buzinas e tambores que é espanto". 57 Mas a tática dos de Pernambuco logo após a expulsao dos holandeses, havia mandado
paulistas previa também algumas nega9as. Em 1676, o capitao sampau- castigar os tapuias do Rio Grande e "tirar a ocasiao dos [destruir os] mo-
lista Manuel de Lemos quis enganar os topins que estavam levantados cambos" dos negros dos Palmares.61 Quando escreveu ao capitao-mor
na regiao do Reconcavo baiano, falando-lhes que os paulistas "nao eram de Sao Vicente para acertar um contrato com os paulistas, julgava que
brasileiros, mas um povo diferente, seus parentes e que [feitas as pa- apenas estes "sertanistas" poderiam enfrentar com sucesso os índios
zes] poderiam comer juntos, casar seus filhos com filhas deles, e as fi- bárbaros. Dessa maneira, foi a expedi9ao capitaneada por Domingos
lhas deles com seus filhos" .58 Outro costume era o de amedrontar com Barbosa Calheiros contra os topins no Reconcavo baiano (1658), que
forces amea9as aos inimigos, como o fez Domingos Jorge Velho comos inaugurou a presen9a dos paulistas nas guerras do sertao nordestino.
cracuís rebeldes dorio Sao Francisco. 59 Segundo Joao Lopes Serra, que Inicialmente "contratados" sob promessas de cativos, terras e, de
descrevia o modo genérico das táticas paulistas, maneira incerta, soldos, a participa9ao dessas tropas treinadas para o
combate nos matos evoluía para maior formaliza9ao nos quadros da es-
" ... tao logo as bandeiras encontramos bárbaros, eles [os paulistas] trutura militar do Estado do Brasil. Com efeito, é justamente o que se
fingem que o capitao-mor está próximo com mais tropas e que sua passa no governo de Joao de Lencastro ( 1694-1702), quando as estraté-
rendi9ao é necessária, caso contrário seriam todos mortos pelas ar- gias para o enfrentamento dos tapuias rebeldes na Guerra do A~u se
mas de fogo - e o fazem entender o que isso significa a tirando em esgotavam e a própria presen9a do Império na regiao estava em perigo.
alguns animais, que eles matam, coisa que assusta grandemente aos Perigo imposto muito mais pela longa durac;ao da guerra, que degene-
bárbaros. Se eles se rebelarem, os paulistas fazem-nos entender que rara o povoamento do sertao pernambucano, do que pela ferocidade
os perseguirao mesmo que se espalhem pelo sertao" .60 dos combates. Para Lencastro, "só esses homens" eram "capazes de
fazer guerra ao gentio", como já o haviam demonstrado na Bahia, "dei-
Como vimos no Capítulo 3, coma intensifica9ao dos "ataques" dos xando em poucos anos essa capitanía livre de quantas nac;oes bárbaras a
bárbaros as fazendas e vilas no Nordeste e o completo fracasso das oprimiam, extinguindo-as de maneira que de entao até hoje, se nao sabe
investidas das tropas regulares ou das jornadas organizadas com as or- haja nos sertoes que conquistaram gentío algum que o h abite" .62 Nesse
sentido, como vimos no capítulo anterior, seguindo os conselhos do se-
cretário do Estado do Brasil, Bernardo Viera Ravasco, o rei ordenou em
56 Regimento que se deu a Pedro Leolino tvlariz, 1727, citado por Pedro Calmon. Hisló- urna carta de 1O de mar~o de 1695 que o governador-geral levantasse
ria do Brasil. Rio de Janeiro, 1959, vol. III, p. 721-2.
um ter90 de paulistas para a guerra aos bárbaros do Rio Grande, na vila
s; Fre i Vicente do Salvador. História do Brasil, 1500-1627 (1627). Sao Paulo/Belo H ori-
zonte, 1982, p. 85 de Sao Paulo e nas mais circunvizinhas.63 Domingos Jorge Velho, em
58 Joao Lopes Serra. "Vida o paneguirico funebre .. . 1676", p. 69-7 1.
59 F. Bernard de Nances. Relation de Ja 111issio11 des i11die11s Korilis d11 Brezil situés sur le

grand f/euve de S. Franfois du costé du Sud a 7 degrés de la ligne Eq11inotiale. 12/9/1702, 61


Carta do conde de Atouguia para o mescre-de-campo general Francisco Barre no, 20/
manuscrito de cole9iio particular, fl. 22 e ss. 3/1655. DH, 3:265.
60 Joao Lopes Serra. "Vida o paneguirico funebre ... 1676", p. 71-2. Como veremos no 62 Carca de Joao de Lencastro ao governador de Pernambuco, Fernando Nlarcins Mas-
capítulo 6, o mestre-de-campo Manuel Álvares de Morais Navarro ficou marcado carenhas, 11/11/1699. DH, 39:86-92.
pelo ardil com que agiu no massacre dos paiacus da ribeira do Jaguaribe. 63
Carca régia ao governador-geral, 10/3/1695. DH, //:252-4.
202 O T E R \; O O O S P A U L 1 S TA S O T E R <; O O O S P A U L 1 S TA S 203
" 1694, havia opinado sobre o caráter um pouco lasso das tropas de Sao do terc;o totalizava apenas 227 homens em armas. Para au mentar o nú-
Paulo até entao. Segundo seu parecer, as tropas com que iam "a con- mero, Lencastro havia ordenado, em janeiro de 1699, que Bernardo
quista do gentío bravo desse vastíssimo sertao nao [eram] de gente ma- Vie ira de Melo mandasse em auxílio do paulista quantos arcos pudesse
triculada nos livros de Vossa Majestade, nem obrigada por soldo, nem retirar das aldeias de Alagoas do Guaperu (Guajiru) e das Guaraíras. 67
por pao de munic;ao" ; antes, eram "urnas agrega{iJes que fazemos alguns Além disso, lanc;ou-se um bando que concedía perdao aos criminosos
de nós, entrando cada um com os servos de armas que tem e juntos que fizessem parte da conquista dos bárbaros no Rio Grande. O mes-
íamos" .64 Diferentemente do que se praticara, a novidade era que se cre-de-campo, apoiado nesta decisao, fez ele mesmo um edital convo-
tratava agora de erigir um terc;o de infantaria, isto é, de tropas regula- cando os criminosos "metidos no sertao" a se apresentarem, sob pena
res, cujos postos deveriam ser devidamente assentados e pagos. Na ca- de serem presos e remetidos ao capitao-mor. 68 Lencastro ordenou ao
pitanía de Pernambuco, existiam entao apenas os terc;os da guarnic;ao capitao-mor do Ceará que fossem dados os índios que Navarro pedisse
da vila do Recife, da cidade de Olinda, de ltamaracá e o terc;o dos das aldeias de Paranamirim, Paupina, Purangana, Guanacis e "tres lo-
Palmares, recém-criado. 65 O terc;o dos Palmares e o da Guerra dos Bár- tes da na9ao jaguaribara". 69 Como veremos, es tes guerreiros índios de
baros eram representativos do processo de formalizac;ao da "guerra bra- fato se agregaram ao terc;o mais tarde. Em sua configura9ao original, o
sílica" que se enquadrava em sua especificidade no sistema militar do terc;o possuía 44 oficiais ( 19%), ou "prac;as de prime ira plana", e 183
Império portugues e ganhava urna identidade particular, com urna le- soldados (81 %), entre os quais onze cabos de esquadra e dez tambores.
gislac;ao própria. Essas guerras previam contratos para a remunerac;ao Os oficiais, além dos dez capitaes de companhia (o mestre-de-campo
dos servic;os que ultrapassavam o simples pagamento dos soldos, com acumulava o poseo de capitao de sua própria companhia), eram quatro
promessas de cativos e terras, e urna legislac;ao especial que garantía a aj udantes (dois do número e dois supras, todos na assistencia do mes-
utilizac;ao de crueldade máxima para comos inimigos. Isso porque, para tre-de-campo), dez alferes, um sargento-mor e dezenove sargentos. O
além da natureza das técnicas militares em uso nos matos e sertoes, capelao, frei Antonio de Jesus, era irmao do mestre-de-campo e escava
típicos do modo "brasílico" da arte da guerra, estas tropas tinham auto- com ele assentado. Como foi dito acima, durante a viagem os paulistas
rizac;ao expressa de assim tratar os inimigos contra os quais elas haviam haviam perdido vários soldados por conta de urna bexiga. Entre eles o
sido mobilizadas: sejam eles bárbaros ou quilombolas, ambos tidos por sargento-mor Antonio Ribeiro García, o capitao Antonio Raposo Barrero,
infiéis e inimigos do Império porcugues e, portanto, do orbe cristao. dois sujeitos de "maior suposic;ao", o sargento Clemente de Cardoso e
o alferes Domingos do Prado. 70 Para substituir AI)tonio Ribeiro Garcia
Cabos e soldados foi nomeado no posto o capitao-mor de urna das companhias, José de
Morais Navarro. 71 Como nao é provável que ele tenha acumulado os
Como foi dito no final do capítulo anterior, para comandar o "novo postos, por ser proibido pelo regimento das fronteiras, sua companhia
terc;o" do Ac;u, foi escolhido o sargento-mor do terc;o de Ñlatias Cardo- deve ter sido integrada a outra. Nao obstante esse detalhes, ternos re-
so, Manuel Álvares de Morais Navarro. Segundo a "lista dos soldados
do terc;o do mestre-de-campo" e a "lista dos assentados na companhia 67 Carta de Joao de Le ncastro para o capitao-mor do Rio Grande, 21/ 1/1699. DH, 39:20.
do capitao Manuel da Mata Coutinho", ambas de 1698, quando o terc;o 61! Bando do governador-geral para a capitanía do Rio Grande, 1698. IHGRN, caixa 65,
foi formado e se reuniu na Bahía, possuía dez companhias, como era de livro 3, fl . 88v.; e edita! que o mescre-de-campo mandou lavrar, 18/2/1699. IHGRN,
regra, incluindo a do mestre-de-campo. 66 No encanto, é claro que nao caixa 65, livro 3, fl. 90v.
69 Carta de joao de Lencastro para o capitáo-mor do Ceará, 21/1/1699. DH, 39:21.
havia 2.500 homens inscritos, muito pelo contrário. O contingente total 7° Carta de Joao de Lencastro para o governador de Pernambuco, 10/12/1698. DH, 38:455-
6 e Carta de Joao de Lencastro para o Morais Navarro, 21/1/1699. DH, 39:6-11.
71 Carta patente 7/1/1700. AHU, Rio Grande, caixa 3, 43. José de Morais Navarro era
<H Carca de Domingos Jorge Velho ao reí, 15/7/1694. Apud: Ernesto Ennes. As g11enYJs
dos Palmares (s11bsídios para a sua história). Sao Paulo, 1938, p. 205. O grifo é meu. "de ordi nária estatura, alvarinho, cara comprida, olhos e cabelos negros de idade de
65 Rela\:ao dos oficiais de milícia pagos que servem na capitanía de Pernambuco, por 24 anos; sencou pra\:a de capitao de infantaria de urna companhia do ter90 pago da
Sebastiao de Castro e Caldas, 20/6/1710. AHU, Pernambuco, caixa 17. campanha do A9u" em 13/8/1698, com 7$640 réis de soldo por mes. No dia 11/7/1700
66
IHGRN, caixa 89 e caixa 65. A segunda foi publicada por Olavo de Medeiros Filho. passou a sargento-mor do ter\:O, com 13$000 réis de soldo por mes. Certidao de fé de
Aco11tece11 na capittmia do Rio Grande. Natal, 1997, p. 122-9. ofícios, 4/10/1705, AHU, Río Grande, caixa l, 61.
204 O T E R <; O O O S P A U L 1 S TA S O T E R <; O O O S P A U L 1 S TA S 205
"' ferencias as dez companhias, seja na lista elaborada pelo escrivao Fran- de soldados (92% ), podemos obter um quadro étn ico e etário, além de
cisco Pinto, na mostra que diz ter passado o terc;o, seja na lista dos as- informac;oes sobre sua origem e fisiología.
sentados na companhia do capitao Manuel da Mata Coutinho, que che- A etnia era descrita e m referencia a um grupo (negro da guiné, cariri,
garam
,. m ais tarde. Além da companhia do mestre-de-campo Manuel paiacu, por exemplo), ou a um aspecto fisiológico da cor (alvo, triguei-
Alvares de Morais Navarro, as outras nove e ra chefiadas pelos seguin- rin ho, pardo etc.). D essa forma, consideramos mais adequado agrupar
tes capitaes: Bento N unes de Siqueira, José Porrate de Ivlorais Castro, na Ta be la 1 as descric;oes em termos mais genéricos, como "b rancos",
José de M orais Navarro, Manuel da Mata Coutinho, Antonio Raposo "índios", "negros" e "mestic;os", ao n1esmo tempo e m que man ti ve-
Barre ro, Salvador de Amorim e Oliveira, Francisco L e mos Matoso, An- mos a descri~ao original. Cerca de trinta registros (12,3% do total) tem
tonio Gago de Oliveira e Ivlanuel de Siqueira Rondon. 72 este item incompleto ou nao declarado, de modo que as porcenta-
U ma das novidades instituídas pelo regimento das fronte iras era a gem sao feitas sobre o total incluso. O dado que mais sobressai é que a
obrigatoriedade de se manter um livro dos assentamentos de cada ter- maioria absoluta (54%) do contingente é formada por índios, o que con-
90, para que fosse possível o controle dos pagamentos dos soldos e do firma as assertivas que fazíamos acima, demonstrando que mesmo os
servi90 dos oficiais e soldados. De acordo com o capítulo terceiro do indígenas eram formalizados nas tropas regulares, sendo providos nos
regime nto, nestes livros de protocolo se declarava "odia em que come- postos de soldados. Havia queixas de que sua presenc;a apenas infla-
c;aram a servir e as prac;as de primeira plana se porao cada urna em sua cionava o montante dos pagamentos devidos ao terc;o, de maneira que
lauda, e as de soldados da mesma maneira, declarando-se em cada as- se desconfiava de fraudes mediante a inscric;ao de "índios broncos",
sento a terra donde cada um é natural, e o nome do pai, e os sinais do cuja ide ntificac;ao era por vezes difícil aos encarregados da fiscalizac;ao.
rosto, e estatura do corpo, e os anos de ida de em que assentou prac;a".73 Com efeito, as descric;oes dos indígenas sao sempre sumárias e se limi-
O "livro do escrivao do terc;o dos paulistas do mestre-de-campo Ma- tam, na maior parte das vezes, ao prenome. Assim, Gaspar, Miguel, Sil-
nuel Álvares de Morais Navarro", isto é, o livro de assentamento deste vestre e Dom Pedro, por exemplo, eram "índios da terra", isto é, da
terc;o, encontra-se hoje, ainda que desfolhado e disperso, nos arquivos terra dos paulistas, e tinham sido assentados em 1698. Apresentar outro
do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. 74 Além Gaspar, Miguel, Silvestre e Dom Pedro, no lugar daqueles, em urna
disso, várias das laudas estao prejudicadas e, por vezes, ilegíveis. Nao mostra cinco anos depois, nao era coisa difícil de se fazer. Os 27 cariris
obstante, é depositário de valiosas informac;oes, urna vez que cumpria a da Paraíba, que foram assentados no dia 22 de outubro de 1699 e rece-
risca o estabelecido no regimento das fronteiras e, pelo conjunto obti- biam de soldos 1$866 réis cada, poderiam rende r no conjunto urna quan-
do de registros, permite-nos fazer ilac;oes estatisticamente significantes. tia nao desprezível de 50$382 réis. Pior ainda, em alguns casos, alguns
Dos 243 registros que conseguimos recuperar, 19 de oficiais (8%) e 224 tapuias que recebiam soldos residiam alhures. Este foi o caso dos "ta-
puios paiacunuenses" do sargento-mor José de M orais Navarro, a que
72
pedía a m anute nc;ao do pagamento, mesmo estando eles assistindo em
As patentes dos oficiais estao registradas, entre agosto e outubro de 1698. DH, 58: 167-
204. Lista dos soldados do ter~o do mestre-de-campo Manuel Álvares de Morais
urna missao jesuíta. 75 Por vezes, até a legalidade das guerras podia ser
Navarro (1698). IHGRN, caixa 89; e a lista dos assentados na companhia do capitao contestada por contado pagamento dos soldos. Em 171 2, os oficiais da
Manuel da Mata Coutinho (1698). IHGRN, caixa 65. O quadro completo do ter~o camara d e Natal de nunciavam o mesmo sargento-mor por interceder a
dos paulistas, no início de suas atividades, pode ser visto no Anexo S. favor dos panacuac;us, índios jurados de guerra, porque temia que as
73
Veja os capítulos 14 a 16 do Regimento das Fronteiras de 1645, in: M. C. de Men- "pra~as e meias-prac;as de soldados que lhe m andou pagar a Fazenda
don9a (ed.). Raízes da forr11afño administrativa do Brasil. Rio de Janeiro, 1972, vol. 1,
632.
74
IHGRN , caixa 34. Quando o cer90 foi dissolvido em 1716, sendo incorporado ao da
75
fortaleza dos Reis Magos em Natal, sua documenca9ao aí repousou até que, nas pri- Com efei to, o sargenco-mor do tervo dos A9u, José de Morais Navarro, escreveu ao rei
meiras décadas desee século, foi transferida para o acervo do Instituto Histórico e em 23 de janeiro de 1714, dizendo que, como havia estabclecido o governador Sebas-
Geográfico do Rio Grande do Norte. Desejo aqui agradecer a Olavo de Medeiros tiao de Castro e Caldas, os paiacus, ou "tapuios paiacunucnscs", que cstavam assen-
Filho, esse grande estud ioso da história potiguar, pela ajuda inestimável d urante mi- tados nas companhias do ter90 recebiam meio soldo de paga, tal como "o gencio de
nhas pesquisas neste Instituto. Oevo a ele e a Fátima Martins Lopes o auxílio na Palmares", por serem muito fiéis tendo lutado até contra seus próprios paren tes. Por
transcri9ao de alguns documentos, que se encontram extremamente prejudicados. ocasiao de urnas perturba96es, em 1713, quando os caborés dcram guerra aos mo-
206 O T E R <; O D O S P A U L 1 S TAS O T E R (; O D O S P A U L 1 S TA S 207
Distribui~ao d as etnias no ter~o do me stre-de-campo Morais N avarro
" Tabela 1. quis aceitar a ordem e seus índios acabaram matando o capitao "as
grupos % descric;ao número % frechadas atrozmente". Em consulta geral, o governo decidiu que de-
brancos 23,5% al vos so 23,5% veriam ser capturados e punidos apenas os culpados e que, se os outros
índ ios 54,0% índ io (genérico) 37 17,4%
insistissem em se manter levantados, todos deveriam ser punidos, ma-
canindé 8 3,8%
carm 27 12,7% tando-se os resistentes, segundo a "provisao extravagante" de 1611, isto
do silva 4 1,9% é, em guerra justa. 77
paiacu 15 7,0% Prática comum, instituída pelos paulistas no ser-tao de Pernambuco,
tapu1a 24 11 ,3%
13,6% amulatado 1 0,5%
era mantera "bagagem" (como eram chamadas as crianc;as e mulheres
mesw;os
moreno 7 3,3% dos tapuias que acompanhavam as marchas) como refém em um al-
tnguelfO 7 3,3% deamento "seguro", enquanto os guerreiros cumpriam um recrutamento
pardo 11 5,2%
forc;ado em alguma expedic;ao de guerra. Em 1689, a contenda entre
cariboca 3 1,4%
negros 8,9% pre eo 19 8,9% Domingos Jorge Velho e o capitao-mor do Río Grande, Agostinho César
Total 100,0% 213 100,0% de Andrade, resultara de que o segundo roubara a "bagagem" que o
Fonte: Livro <lo escrivao <lo terc;o dos pauliscas do mestre-de-campo Manuel Álvares de tvto- mestre-de-campo havia deixado na aldeia dos jesuítas como "refém"
rais Navarro, IHGRN, caixa 34. para a "seguran9a dos país e maridos que consigo levou para o servi90
de Sua Majestade e línguas das suas marchas" . O paulista escava muito
Real pelos tapuias de seu terc;o", isto é, os soldos e meios-soldos, nao preocupado com a rea9ao dos tapuias, caso soubessem da esparrela. 78
lhe fossem honrados. 76 Por outro lado, quando os tapuias levavam consigo suas mulheres e fi-
Nao obstante, o grosso da presen9a indígena nas expedic;oes milita- lhos, também podiam ter problemas. Consta que, em 1712, alguns
res era resultante da agrega9ao informal de guerreiros "aliados", segun- tapuias abandonaram o ter90 por causa das opressoes que sofriam de
do a conveniencia momentanea, fosse pelo pagamento de presentes e outros soldados e "das dezenas de atrocidades [cometidas contra] tapuias
ferramentas, fosse pela promessa de derrotar inimigos centenários, fos- casadas e solteiras". 79
se pela simples coa9ao, instigando temor de castigo ou outras violen- Por outro lado, os paulistas também encontravam resistencia ao re-
cias. Como se percebe, geralmente o recrutamento dos índios nas al- crutamento de índios da parte dos moradores, constantemente interes-
deias "aliadas" era também momento de grande violencia e, por vezes, sados na mao-de-obra. Em 1704, urna carta régia esclarecía que nao se
motivo de novos levantes. No segundo semestre de 1677, por exem- deveria tirar os índios das aldeias para "se encher o ter90 dos paulistas
plo, o governo-geral ordenara o capitao-mor i\gostinho Pereira Bacelar que assistem no A~u, [. .. ] pela aversao que os tais índios tem aos
a "reconduzir" (quer dizer, recrutar) os índios necessários para a jorna- paulistas, e que só das aldeias da Paraíba se pode tirar algum, por terem
da ao sertao de Baiao Parente nas aldeias do ltapecurumirim, Massacará já servido com os mesmos paulistas". E se alguns índios fossem recru-
e Natuba. Havendo recolhido nas duas primeiras alguns índios, o prin- tados, deveriam se-lo voluntariamente ou granjeados pelos paulistas
cipal da última, um certo Cristóvao (que tinha patente de capitao), nao "pela sua diligencia e indústria", e jamais contra a sua vontade, "por-
que desea vexa~ao se poderá seguir que muitos desamparem as aldeias
em que estao em grande dono do meu servi{o e dos moradores desta copita-
radores, como o sargento escivesse em Pernambuco, os paiacus se reciraram para urna
aldeia administrada pelos jesuícas. Como o padre responsável havia recomendado ao 77 Patente, 20/ 10/1677. DH, 13: 17-8. A patente do ca pitao dos índios garantía "que ne-
govcrnador que desse baixa nos assencos desses índios no período que nao escavam nhum dos cabos das frotas de Sao Paulo, nem outras quaisquer pessoas delas, que por
na companhia, o sargento-mor pedia que o rei considerasse que o pagamento fosse aquelas partes fore m, encendam com o dito capitao, nem percurbem a gente da sua
continuado, pois "nao é possível sustentarem-se sem o soldo porque sem ele só po- aldeia" . Patente, 9/4/1678. DH, 13:31-2.
dem fazer andando a montaria pelas serras e muito remontadas do arraial e sendo 7x Carta do arcebispo aoca pitao-mor do Rio Grande, 27/8/1639. DH, 10:369-71; e a carta

assim nao podem estar prontos para o servii;o". RIHGRN, /0:159-62. de Domingos Jorge Velho ao arcebispo, 27/8/1689. DH, 10:371-3.
79
76
Carca dos oficiais da camara de Natal ao governador de Pe rnambuco, 2/12/1712. Carta dos oficiais da cámara de Natal ao governador de Pernambuco, 2/12/1712.
IHGRN, caixa 75, livro 5, tl. 101-2v. IHGRN, caixa 75, livro 5, fl. 101-102v.
208 O T E R <; O D O S P A U L I S TA S O T E R <;: O O O S P A U L I S TA S 209
,. nia, privando-se do beneficio que recebe1n dos mes1nos indios" .80 O s oficiais grande, cor pálida, cabelo grisalho, estatura me diana e refeito de car-
da camara de Natal haviam se queixado da fa lta de índios para o seu po". Já Brás Rodrigues Gato, natural do Espírito Santo, 32 anos, era
servi90 em razao de se achar a maior parte deles alistada no ter90 dos "espigado de corpo, nariz acachapado, ventas grande, cara con1prida, e
paulistas, "o q ue se deveria remediar tirando-os do dito ter90 e meten- com 1nuitos dentes menos assim debaixo como de cima".
do nele muitos vadios e índios do Ceará g rande donde há quantidade e A idade média dos inscritos no ter90 era de 29 anos, a distribui9ao
me nos ocupa9ao". 8 1 Em 1706, consta que tamanhas eram as tiranías pra- e ra surpreendentemente homogenea.84 O soldado mais jovem e ra An-
ticadas pelos paulistas, que Francisco de Castro Morais, governador de tonio Leitao Arrozo, que assentou como cabo de esquadra com apenas
Pernambuco, disse que "lhe parecía ser mais fácil unirem-se lobos com doze anos. E o anciao, Antonio Carvalho Nlaciel, filho de Diogo Carva-
ovelhas que os índios aos paulistas" . Em razao do que ordenava que 1ho, com 54 anos, "cabelo espesso e com [mechas] brancas, rosto com-
fosse suspenso o envio de índios do Ceará para o A9u, pois lhe parecía prido, olhos pequenos e un1a ve rruga ao pé do nariz da parte direita".
que o melhor era que os paulistas os recrutassem entre os bravos e nao Ambos era1n de Pernambuco e assentados em 1699.
entre os aldeados, a nao ser em casos precisos. 82 Outra informa9ao de grande interesse refere-se aos motivos das bai-
No ter90 de Navarro, apenas 9% dos soldados eram "pretos", do gen- xas. Como se pode observar na Tabela 2, entre as razoes das baixas nos
tío da Guiné, do reino de Angola ou de Pernambuco. Só um é descrito 129 assentamentos de que ternos notícia, a esmagadora maioria era a
claramente como forro: Lino Barbosa, soldado preto que era "crioulo deser9ao, isto é, o soldado su mi u ou fu giu (63,5% ). Por outro lado,
forro de Pernambuco, do te r90 de Henrique Dias" e tinha trinca anos pouquíssimos deram baixa por morte (11 %) ou por doen~a (4%). Havia
quanto tomou assentamento em 1700, o que nao o impediu de fugir motivos n1ais prosaicos, como o caso do soldado Francisco Mendes de
oito anos depois. A maioria dos tambores, espécie de ajudante que ia Sousa, que, cm 21 de janeiro de 1715, depois de servir por dezesseis
junto com o alferes e acompanhava a bandeira da companhia, também anos, conseguiu sua baixa porque "deu outro por si". Joao Malheiros
era de negros. Apesar d a proibic;ao cabal do Regimento das Fronteiras já havia feíto o mesmo em 1705, pondo "um hornero no seu lugar".
de se alistar um criado como soldado, os tambores eram exce9ao, pois As fugas podiam ser combinadas: os negros Marcos Ruiz, Dionísio Pe-
nao recebiam soldos. reira e Francisco Álvares, todos assentados no dia 28 de junho d e 1704,
O capítulo 17 do Regimento das Ordenan9as de 1570 e stabelecia foram dados por fugidos na mostra de 27 de outubro do ano seguin-
que o capitao da companhia "fará servir um criado seu [como tambor], ce, ao passo que Antonio Velho, Cosmo da Silva, Francisco Gon9alves
que para isso mandará ensinar, pelo honrado cargo que se lhe dá" - o e Manuel da Costa estavam fugidos na mostra de 27 de setembro de
que podemos generalizar para as tropas regulares. 83 Os mestic;os eram 1706.
muito poucos, ainda mais se considerarmos que as denomina~oes ''par-
do", "moreno" e "trigueiro" nao necessariame nte se referiam a mesti- T abela 2. Mocivo das baixas no cer\'.o do mescre-dc -campo tv1orais Navarro
~os stricto sensu. O garoto de quinze anos José da Costa Pinheiro (filho motivo número %
do sargento do número, Antonio Pinheiro) era "espigado do corpo, cara Sll ffi l U 82 63,S
'' normal" 20 15,S
comprida, da cor morena, cabelo estirado, olhos pretos". Francisco Men- morrcu 14 10,8
des de Sousa, natural de lgara9u, 27 anos, tinha "olhos grandes, cara adoeceu s 3,9
transferido s 3,9
outros 3 2,4
8
° Carta da infanta de Portugal ao governador de Pe rnambuco, 18/7/1704. AHU, cód. To tal 129 100,0
257, tl 138v-9. Fo me: Livro do escrivao do ter~o dos paulistas do mestre-de-campo tv1anuel Álvares de Mo-
81
Carta da infanta ao capitao-mor do Rio Grande, 13/8/1704. AH U, cód. 257, fl. 154v. A rais Navarro, IHGRN, caixa 34.
carta da dimara de Natal é de 5 de fevereiro.
81
Carca do governador de Pernambuco ao capicao-mor do Ceará, 19/8/1706. AHU, cód.
257, fl. 177v-8. Repete a mesma ordem, na mesma data, ao capitao-mor do Ceará.
AHU, cód. 257, fl. 178.
83
Regime nto das ordenan\:as de 1570. In: M.C. de Mendon9a (ed.). Raízes da fon11arño X-1 Dos 227 membros do cer90 dos paulistas, há informa\:óes sobre a idade de apenas
od111i11istrativa do Brasil. Rio de Janeiro, 1972, vol. 1, p. 162. oicenca e nove.

\
210 O TE R \,0 DOS PA U LfSTi\ S O TERCO DOS P AUL ISTA S 211
rer90 dos paulistas, o re i, preocupado com o possível absenteísmo
Dinheiro e farinha desrcs, ordenou cm carta régia de 3 de novembro de 1698 que se lhes
pagasse na moscra, mas no Rio Grande. 89 De nada adiantou, pois e1n
Como vi1nos acima, o regimento das fronteiras criou o poseo de vedor- 1708, quando o provedor da Fazcnda do Rio Grande foi paga r os
geral para regula1nentar, antes de mais nada, a fiscaliza9ao do pagan1ento soldos, percebeu que escava ren1unerando soldados que ou ha vian1
do soldo das tropas. Nesse momento, as mostras, como que um recadas- fugido ou falecido, fraude que resultou em urna ordem régia para que
tramento, passara1n a ser periódicas e com fiscaliza9ao rigorosa, tornan- 90
0 mesrre-de-can1po restituísse o dinheiro.
do-se a ocasiao do pagan1ento dos soldos. Só receberiam os presentes Os soldos, como é natural, variavam de acordo com a posic;ao do in-
e toda tentativa de burlar a fi scaliza9ao seria punida com multas, prisao divíd uo. Ainda compulsando a documentac;ao relativa ao ten;o de l\lla-
ou degrcdo. Como nao havia vedorcs no Brasil, a fun9ao era desem- nuel Álvares de l\llorais Navarro, podemos apresentar um quadro <les-
penhada pelos provedores. De fato, desde 1638, de acordo com o regi- tes valores e calcular o seu custo total em salários. Na verdade, o soldo
mento de dom Fernando Mascarenhas, conde da 1orre, na Colonia as era pago sem muita regularidade, donde as várias reclama~oes e pedi-
mostras era feítas sob olhar do mestre-de-campo, que deveria conferir dos de liberac;ao dos dinheiros, e seu resultado final era urna conta de
os no1nes no livro de assentamento, juntamente como provedor-n1or. 85 chegada em que eram descontados todos os gastos e adiantamentos
O pagame nto dos soldados da infantaria era feico no "día da mostra", e fe itos pelo soldado. Além disso, havia urna outra dimensao importante
era comum haver queixas sobre o acerco das contas, pois a cobranc;a das na arregimenta<;ao dos soldados. Estcs, apesar de valerem individual-
<lívidas dos soldados era feíta simultaneamente, tal como era "estilo pra- mente pelo recebimento dos soldos que lhes correspondiam, acaba-
ticar-se e m toda parte". Esta parecía a única mane ira de evitar as quei- va1n, por vezes, servindo como urna "reserva de renda" do mestre-de-
xas e, de toda maneira, nao seria "tao grande a dila<;ao que há em que campo ou do capitao da companhia, verdadeiros "senhores da guerra".
passe o dinheiro da mao do soldado a quem se dá, a do sargento que Contentes com poder se alimentar e vestir de sua atividade, ou mesmo
está com ele na ocasiao da paga" .86 Em 1690, preocupado com o infelizes pelo recrutamento compulsório, é cerro que os soldados deve-
descalabro da situac;ao dos dois terc;os cm Pernambuco, o governador riam, no final das contas, deixar grande parte do seu pagamento nas
"tucano" Can1ara Coutinho87 chegou ao cúmulo do zelo: ordenou que a maos de seus "senhores", is to é, oficiais, ou mesmo faziam-se apenas
mostra fosse fe íta "na sala do palácio, mandando lan<;ar bando um dia constar, para que um capitao recolhesse para si os soldos. Era o que ·
antes ao som das caixas". O dinheiro era dado "na mao", e "ali se exa- denunciava, em 1700, o capitao-mor do Río Grande, para quemo mes-
mina o soldado que assiste e serve e o que nao aparece nao tem nada". tre-de-campo paulista estava "comendo as pra~as de tapuias, que an-
Berredo Pereira revela que havia muitas fraudes, como pessoas que só dam pelos seus ranchos e de soldados, alguns que nem na mostra apa-
apareciam no dia da mostra, ou ainda meninos alistados, "filhos daque- recera m" .91 Era um típico caso em que o roto ria-se do esfarrapado.
les que serviam na camara" .88 Passados alguns anos, com respeito ao Bernardo Vieira de ~1elo havia sugerido, tres anos antes, que os vinte
soldados da fortaleza de Natal "fossem escolhidos [... ] entre os natu-
rais e aqui pagos" .92 Em janeiro de 1698, sem perceber a patifaria, que
115
Regimento de dom Fe rnando ~1ascaren h as, 13/8/1638. DH, 79: 187-209. ia travestida de zelo público e um cerro nativismo, o reí resolveu que
116
DH, 39: 194-5. ele ti nha razao de dar preferencia aos naturais para servirem de solda-
117 Este seu apclido foca dado por Grcgório de l\1atos, por possuir um grande nariz "que
dos nos presídios porque os de fora logo que chegavam tratavam de
entra na escada duas horas primeiro que seu dono". Além disso, o poeta o satirizava
com se u prcconcciro: fa lava de scu "sangue mameluco", acusando-o de ser "filh o do
Espírito Santo e bisnero de um caboclo". Obras completas. Bahia, 1968, vol. 1, p. 201-
23. Apud: nota de José Antonio Gonsalves de fvtcllo. In: Gregório Varela de Berredo
9
Pereira. " Breve compendio... " . RIAP, 5/:292, 1979. 1< Carta régia a Joao de Lencastro, 3/11/1698. AHU, cód. 246, tl. 76v.
1111 90
Mandava, ainda, que fossem fe itos vinte dois livros de assento: "vince para os dois Carta régia 28/5/1709. AHU, cód. 257, fl. 235v.
91
ce rc;os e um para a primeira plana [isro é os oficiais] e oucro para os artilheiros, para Carta de Bernardo Vieira de Melo ao rei, 6/6/J 700. AHU , Rio Grande, caixa 1, 49.
92
por eles se concin uarem as moscras, fazendo novo assento neles". Gregório Varela de Pape l de Bernardo Vieira de .tvlelo, c. abril de 1697. AHU, Rio Grande, caixa 1, 42,
Bcrrcdo Pereira. " Breve compendio... ". RIAP, 51:273-4, 1979. ponto 6.
212 O TER\,0 DOS PAULISTAS O TERQO DOS PAULIST A S 213
"!' fugir, e os naturais eram "mais empenhados f!ª conserva~ao da terra governo-geral assumia a restituic;ao das perdas dos moradores. Quando
onde nasceram" .93 Contudo, em junho de '1698, o governador-geral governador-geral, Francisco Barreta ordenou que os mantimentos ne-
alertava que essa história de Bernardo Vieira de Melo criaría um cami- cessários para a vinda da gente paulista ao sertao da Bahia se fizessem
nho para desvíos fiscais, pois "os capitaes-mores do Rio Grande hao de por contada Fazenda Real. 98 A portaria de 16 de outubro de 1658 auto-
meter no número dos vinte soldados seus filhos, criados e escravos pela rizava a tomada das reses que fossem necessárias ao sustento da gente
conveniencia da pra~a e dar-lhes baixa em findando o seu posto". 94 Dan- do serrao, para "que se suprisse a falta de baleia e bacalhau" que eram
do o bra~o a torcer, o rei respondeu que, "suposto que o que representais enviados da Bahia. O tenente-general da arrilharia, Pedro Gomes, de-
[era] mais convincente, se continu[asse] coma forma do que até agora veria, ainda segundo esta portaria, passar recibo aos donas dos currais
se usa va". O provedor da F azenda do Rio Grande é que devia ficar discriminando também a qualidade das reses tomadas porque a satisfa-
encarregado de passar a lista do assentamento e fazer a mostra, confor- \:ªº dessa <lívida ficaria por con ta da camara da Bahia. 99 1\tlas, como o
me o regimento das fronteiras. 95 Tais práticas, como se percebe, des- Ieitor pode imaginar, a regra era que o prejuízo fosse dos criadores. Se-
moralizavam a hierarquía e o servi~o militar, dando lugar a corrup~ao e gundo o padre Joao da Costa, quando Navarro e urna tropa de quatro-
outras vilanias. Nesse sentido, descrente do potencial do exército lu- centos homens chegaram a ribeira do Jaguaribe, no final de julho de
so <liante do inimigo holandes, o padre Antonio Vieira, no sermao da 1699, todos os moradores "fugiram dele e se retiraram, seja pela injusti-
visita~ao de Nossa Senhora (Bahia, 1640), havia se queixado: "Como <;a com que lhe quer tomar as suas tercas, ou por se nao verem abriga-
havia de se restaurar o Brasil, se o capitao de infantaria, por comer as dos a vender-lhe gados fiados, para nunca verem o dinheiro deles". Joao
pra~as aos soldados, os absolvia das guardas e das outras obriga~oes mi- da Costa, missionário do Oratório de Pernambuco, conta que as tropas
litares... ?" .96 do ter<;o nao comiam há dois dias e que o mestre-de-campo "estava
Na ratina da vida militar em tempos de campanhas, o exército vivía determinado a dar licen~a [aos seus homens] para tomaremos gados da
dos mantimentos e recursos enviados pela administra~ao colonial, as- ribeira que quisessem". Vendo tal disposi~ao, temeroso de que "se ar-
sim como do controle e da repartic;ao dos recursos locais. Na Europa, ruinasse toda a ribeira e houvesse mu itas mortes", ele mesmo diz ter
este uso dos recursos locais, típico na dinamica da guerra dos tempos pago o gado: "Fiz tanto por acudir ao exército de Sua Majestade, como
modernos, era conhecido pelo nome de Brandschatzung (dinheiro de por evitar os danos que se temiam". 10º No ano seguinte, quando os fa-
incendio), isto é, o exército ameac;ava incendiar ou saquear urna regiao mintos soldados do ter~o chegaram a barra do Ceará-1\tfirim, os morado-
se nao lhe fosse concedido um tributo em espécie ou em mantimentos, res, assustados, explicaram que nao tinham mantimentos suficientes.
como "taxa de prote~ao" .97 Mudando o que devia ser mudado, as coisas O mestre-de-campo estava autorizado apenas a fazer "negócios particu-
funcionavam da mesma maneira nos sert5es ocupados pelas for~as mi- lares" para o sustento das tropas, desde que o povo nao fosse preju-
litares encarregadas de defender os moradores de urna amea~a "exter- dicado. 10 1
na". As vilas, as fazendas e os currais entregavam gados e farinha aos Por vezes, impostas extraordinários (fintas) podiam ser criados para
seus "protetores", acreditando que estes custos seriam menores do que fazer face aos custos das expedic;oes contra os tapuias. A fórmula era
as perdas no caso de um ataque dos índios. Em algumas ocasioes, o assim explicada por Francisco Barrero ao governador do Maranhao,
Pedro de Melo: "O estilo que nesta pra~a se observa nas ocasioes que
se manda fazer guerraªº gentio bárbaro é dar acamara tudo o que se há
93 Carta do governador de Pernambuco. RIHGRN, 10:129-30 e 134; Carta régia 16/12/ mister para a jornada, e pagá-lo o povo, pois em beneficio dos morado-
1698, AHU, cod. 256, fl.278; seguindo a resolu9ao da consulta do Conselho Ultrama-
rino, 23/12/1697. AHU, cód. 252, fls. 213-4.
94
RIHGRN, 10:135.
9
95 Cana régia ao governador de Pernambuco 17/9/1698. AHU, cód. 256, fls. 282v-3. x Alvará, 13/10/1657. DH, 4:55-6.
'X> "Sermao da Visita~ao de N ossa Senhora, no Hospital da Misericórdia da Bahia" ( 1640).
99 · que se passou a p edro G ornes para tomar o gad o necessano
1) orcana , . para o sustento
In: Se11noes do padre Antonio Vieira da Companhia de Jesus. Lisboa, 1690, sexta parte, p. da gente do sertao, 16/10/1657. DH, 4:56-7.
Can a do padre Joao da Costa, ribeira do A~u, 26/8/1699. AHU, Pernambuco, caixa 14.
100
408. 101
97
Geoffrey Parker. La révo/11tion militaire, la guerre et l'essor de l'Occident, 1500-1800. Can a dos oficiais da camara de Natal ao mestre-de-campo, 22/11/1700. IHGRN, cai-
Paris, 1993, p. 95. xa 65, livro 3, fl. 97.
214 O TER(:O DO S PA U LISTA S O T E R (.:O D OS PA U L I ST AS 215
" res, e por livrá-los das hostilidades que os tapuias lhe causam se faz tal Tabela 3. Va lor d as contri b uÍ\:6es previstas n a finca de 1654 p a ra a jo rnada do sertao,
segundo as companhías d e o rd e na n~as
despesa" . 102 De fato, em 1654, para realizar a jornada contra os índios
Companhias <le ordenan9a . . . valor (réis)
que assolavam o Reconcavo Baiano, urna junta reunida na camara de
do capicao l\1anuel Garzo, no Paragua9u 130$000
Salvador estimou que seria necessário providenciar a compra de bens do capitao Sebasriao Brandao, no Paragua\:u 170$000
para serem dados aos índios que pretendiam recrutar e para o sustento do capitao Belchior de Araújo da Saubara, no Paragua9u 24$000
da infantaria. Para os primeiros, "300 machados, 200 foices, 500 facas, do capirao Antonio de Magalhacs, no Sergipe do Conde 160$000
do capitao Felipe Barbosa, no Sergipe do Conde 140$000
10 ma9os de velório, 10 caixas de pentes, 500 tesouras, 4.000 anzóis, de Pernanme rin 80$000
1.000 varas de pano de linho, 20 vestidos para os principais e 100 ma- de Nossa Senhora do Socorro 80$000
chados"; para a infantaria, "20 facoes, 500 mochilas, 500 alqueires de de Pace 60$000
de Matoim 80$000
farinha que se nao pagarao mais de doze vinténs, 40 quintais de peixe, de C utigipe 60$000
pao, 200$000 réis para urna ajuda de custo para a infantaria, e outros de Paripe 60$000
200$000 para o cabo e seus capitaes". 103 Os custos destas partidas foram de Piraia 40$000
calculados e seu encargo seria lan9ado por finta a todos os moradores de Taparica 30$000
<le Sanco Amaro de Jaguaripe 30$000
de Salvador e do Reconcavo. t 04 No día 24, constatando que o rol dos de Jaguaripe 100$000
gen eros necessários para a jornada or9ava em cerca de 1:600$000 réis, a de Vitória e Eugia 16$000
camara repartiu os encargos pelas freguesias, e os capitaes das ordenan- de Sanco Amaro da Pitanga 60$000
do capitao Francisco de Me lo, na cidade "de porra a porta" 70$000
9as deveriam se responsabilizar pela cobran9a dos valores de seus su- do capitao Filipe C ardoso, na cidade "de porta a porta" 60$000
bordinados (veja Tabela 3). A maior parcela recaiu sobre as freguesias do capitao Nicolau Botelho, na cidade "de porta a porta" 60$000
do capitao Antonio de Souza da Praia, na cidade "de porra a porra" 60$000
de Paragua9u, Jaguaripe e Sergipe do Conde, que haviam feíto urna do capicao Antonio Pereira, "que é a dos bairros de porta a fora" 20$000
peti9ao para a guerra. Total 1:590$000
Quatro anos passados, a finta ainda esperava para ser lan9ada, pois a Fonce: ACS, 3:273-4.
expedi9ao nao havia emplacado. Em 13 de fevereiro de 1658, urna jun-
ta na camara de Salvador resolveu que os moradores concordavam em
ser lan9ados, desde que com justi9a. Além de que, de agora em <liante, ma9ao registrada no livro de atas da camara de Salvador, o comissário
nao assumiriam mais gastos sem serem consultados nem aceitariam ser da Inquisi9ao, o jesuíta Simao de Soto Maior, amea9ava com excomu-
a eles obrigados, pois tinham medo de que tal pagamento se tornasse nhao se o governador-geral insistisse em cobrar o imposto dos familia-
"urna finta perpétua". tos Algumas pessoas estavam excluídas natural- res, o que parecía um abuso aos olhos dos oficiais da camara. 107 Alguns
mente do pagamento de tais taxas, como os pobres e os oficiais "que anos depois, em 1656, foi passada urna lei, reafirmada pela cana régia
trabalhem por seu bra90" . 106 De maneira geral, os familiares do Santo de 9 de dezembro de 1662, em que o rei estabelecia que "daí em <lian-
Ofício conseguiam escapar da tributa9ao destinada ao sustento da in- te nao se isentasse privilegiado algum morador do Brasil por razao de
fantaria e as demais despesas de guerra. Como podemos ver na recia- hábito, qualidade ou ofício a pagar os donativos e contribui96es para o
sustento da infantaria dos presídios". tos Por vezes, a resistencia ao pa-
102
gamento dessas contribui96es irritava as autoridades. Em 1673, o go-
18/1/1663. DI/, 5:188. vernador-geral Afonso Furtado se exasperava comos criadores do Aporá:
10
-' 14/10/1654. ACS, 3:271-3.
104
ACS, 3:271 -3. "Quando o gentío lhe tirava as vidas, roubava a fazenda e lhe comía os
105
ACS, 3:368-9. Ainda no dia 23 de novembro de 1661, os oficiais da camara de Salvador gados, e davam por perdidos os seus cabedais, sofriam todos estes ma-
ma ndaram vir perante si os cidadaos para que fosse aprovada urna resolu9ao de se les, e agora que se vem livres de todos, uns se queixam de quatro vacas
fazer guerra ao gentio bárbaro que se rebelara e causava escragos e fa zia hostilidades
nas freguesias de jaguaribe, Cachoe ira, Boipeba e Cairu, guerra "para que se excin-
guisse codos". E " para se fazcr a di ca guerra queriam e eram concentes que se lan9as- º
11
Carta, 9/5/1651. CSS, 1:35-6.
se finca por todos os moradores dela... ". ACS, 4:91-3. inx Carca régia, 9/12/1662. In: lnácio Accioli de Ccrq ue ira e Silva. 1J1e111órias histó1icas e
JO(, ACS, 3:271-3. políticas da província da B11hia. Salvador, 1940, vol. 2, p. 125-6.
216 O TER<;O DOS PAULISTAS O TER<;O DOS PA U LISTAS 217
"' que ferem ou matam, e outros negam até o man timen to para aqueles Tabela 4. Valor dos soldos no tervo do mestre-de-campo rvtorais Navarro e estimati-
va de custos totais
que os foram livrar" .109 Alguns anos depois, essa mesma destrui9ao foi
Poseo réis ! mes quantidade total
causada pelos próprios soldados, que consumiam os recursos locais -
este, um dos motivos alegados pelo governador-geral para reformar as J\llescre-de-cam po 24$000 l 24$000
Sargento-mor 13$000 1 13$000
tropas de Antonio de Albuquerque Camara e Manuel de Abreu Soares Capicao de companhia 7$640 10 76$400
em 1690. Alferes 2$666 10 26$660
É certo que um grande atrativo para as tropas dos paulistas era a pro- Ajudante 1$866 4 7$464
Sargento 1$866 19 35$454
messa de que Ihes seriam cedidas as terras conquistadas aos índios. Se- Cabo de esquadra 1$866 11 20$526
guindo o padrao do convite feito a Domingos Jorge Velho, o regimento Soldado 1$866 183 341$478
,
do ter90 de Manuel Alvares l\llorais Navarro garantía aos paulistas a posse Total 2.W 544$982

°
de todas as terras que conquistassem. 11 Como veremos, esse tipo de Fonte: Livro do escrivao do cer90 dos paulistas do mestre-de-campo rvtanuel Álvares de Mo-
rais Navarro, IHGRN, caixa 34; Cercidao de fé de ofícios, 4/10/1705, AHU, Rio Grande, caixa
disposi9ao resultava em conflitos com os moradores e proprietários, em 1, 61; Certidao, 25/5/1696, AHU, Río Grande, caixa 1, 60.
razao das incertezas quanto aos limites e dos abusos dos mestres-de-
campo, que nunca hesitaram em misturar currais e fazendas com terras
"devolutas". Nao obstante, o valor dos soldos nao era desprezível. No Como o leitor pode avaliar, o dinheiro gasto pelo ter90 era alto, con-
caso do ter90 dos paulistas,.o mestre-de-campo recebia 24$000 réis por siderando que no ano de 1689 o contrato dos dízimos de toda a produ-
mes. 111 Além disso, Navarro acumulava, por ser fidalgo com hábito de 9ao do Rio Grande fora rematado em 340$000 réis, e chegara a 900$000
Cristo, 150$000 de ten9a por ano, e mais outro soldo como capitao de antes do início das guerras. U ma "rela9ao do dinheiro que se tem des-
companhia, que equivalía a 7$640 réis por mes. Em um ano, recebia da pendido como ter90 dos paulistas", assinada pelo provedor-mor Anto-
Fazenda Real 529$680 réis. Os outros soldos seguiam os valores da Ta- nio Lopes lJlhoa, descrevia todos os gastos realizados desde a forma9ao
bela 4. Alguns deles poderiam variar, como o soldo do sargentos, que do ter90 em Sao Paulo até 1702. 11 4 A Tabela 5 resume as informa9oes
chegava a 2$283 réis, ou o dos soldados índios, que normalmente eram <leste documento e as agrupa por tipos de gastos. Havia, principalmen-
pagos em meios-soldos, isto é, a metade do valor grafado no livro de te, custos relativos ao pagamento dos soldos, aos mantimentos envia-
assentamentos; isto porque a outra metade era, na maior parte das ve- dos e, no caso desse ter90, que fora formado em Sao Vicente, ao frete,
zes, devida ao capitao do aldeamento ou aos missionários por eles res- isto é, ao transporte de toda a gente. No frete foram despendidos
ponsáveis, como qualquer outra atividade remunerada de índios sob 2:082$620 réis, e Antonio Veloso Machado levou quase a metade disso
administra9ao. 112 O custo total do ter90, tal como se apresentou em 1698, (1:020$480) pelos seus servi9os. O capitao do navio Santa Catarina de
era de 544$982 réis por mes, o que implicava a considerável soma de Sena e Tres Reis Magos faturou bem e ainda recebeu do governador-
6:539$784 réis ao ano. 113 geral urna patente de capitao-de-mar-e-guerra. É que se tratava de um
"recomendado" do governador do Río, Artur de Sá e Meneses, a quem
Joao de Lencastro quería agradar. Em urna carta de agosto de 1698,
109
Cana a Gaspar Días, 19/7/1673. DH, 8:378. torna-se explícito esse caso de favoritismo. Além desse obséquio, dizia
11.o Carta de Joao de Lencascro para Morais Navarro, 4/2/1699. DH, 39:41-5. o governador, "[deixei] o afilhado de vosmece [Machado] provido ao
111
AHU, Ria Grande, caixa l, 60.
112
posto de ajudante do ter90; e nao me descuidarei dos seus acrescenta-
Tal situa<;:ao persistiu até a dissolu<;:ao do ter<;:o, em 1712. Urna portaría do governador
de Pernambuco, anexa ao "livro do escrivao", ordenava que o provedor do Rio Gran-
mentos, para que vosmece conhe9a quao poderosas sao para comigo as
de desse baixa definitiva aos "meios saldos" que os tapuias inscritos venciam. Livro suas recomenda9oes" .11 5 Os "socorros", isto é, o dinheiro enviado para
do escrivao do Ter<;:o dos Paulistas do mestre-de-campo Manuel Álvares de Morais o pagamento dos soldos, totalizavam 25:290$184 réis - valor bem de
Navarro, nota de 31/5/1712. IHGRN, caixa 34, fl. 138. acordo coma proje9ao que fizemos acima, pois os 544$982 réis por mes
113
Cinco anos passados, apesar da diminuii;ao do contingente do ter<;:o, o valor total dos
soldas continuava praticamente o mesmo. Em 1703, foram pagos 12:570$800 réis
relativos aos dois anos anteriores, ou seja, 6:285$400 réis ao ano. Carta do governador- 1
1-1 19/8/1702. 1EB, cód. 4 A 25.
geral ao provedor da F azenda de Pernambuco, 17/9/1703. DH, 39: 193-4. 115
Carta ao governador do Rio, 26/8/1698. DH, 11:265-7.
\

'
218 O TER(;O DOS PAULISTAS O TER<;O DOS PAULISTAS 219
" estimados resultariam, para o período de quatro anos (1698-1702), em Tabela S. D inhei ro despendido como ten;o do mestre-de-campo Morais Navarro, 1698-1702
26: 159$136 réis. É interessante notar que o pagamento se fazia em par- Ca[egoria Evento Data Valor (réis)
celas descontinuadas, e a maior delas só foi liberada em 1702, por conta Frete Antonio Veloso Machado, capicao do Navio Sanca 1698 700$000
de um assento do conselho da Fazenda, quando o tesoureiro-geral man- Carnrina de Sena e Tres Re is !\lagos, cu jo navío fora
fretado do rio para crazer os pauliscas
dou enviar-se ao tesoureiro de Pernambuco a quantia de 12:000$000. Antonio Veloso, por levar os paulistas da Bahia até a 1698 400$000
lsto porque, apesar de a carta régia de 11 de janeiro de 1701 estabele- Paraíba
cer que a capitania do Rio Grande e o A9u passavam a jurisdi9ao de Conserto da aguada que fez o tanoeiro
Pelo frece de 35 pessoas que a sumaca de Manuel
1698 27$700
1698 106$000
Pernambuco, os postos militares com soldo continuavam a ser providos Ferreira Raimundo lcvou de Santos para o Río de
por ele, governador-geral, e, portanto, pagos pela Fazenda Real. 116 Os Janeiro
Pelo frete de levar Navarro com oit0 pessoas da Bah ía 1696 54$000
mantimentos, que incluem gastos com matalotagem, medicamentos e até Sancos quando ele foi levantar o ter~o
ferramentas, importavam em 1:363$039 réis. Para Antonio Veloso Machado, uma arbitragem pelo 300$000
frete
Nao estao computados, como é natural, os dispendios coma alimen- Para Antonio Vcloso .Machado pelo frete de 29 pipas 20$480
ta9ao das tropas ao longo desses anos todos. Em tempos normais, as e doze barris que trouxe do Río Grande para a Ba-
hia
tropas regulares, acolhidas nos presídios, costumavam receber farinha A Manuel Roiz Paiva, despenseiro desea fragata 5$850
de mandioca da administra9ao para o seu sustento; e, em especial, em A Joao Roiz Buarcos, mescre da sumaca Nossa Se- 64$000
sua versao mais perene: a uí-anta, ou farinha de muni9ao, ou ainda fari- nhora do Bom Sucesso, pelo frece de 32 soldados de
Santos a Ilha Grande
nha de guerra, como era chamada. 117 Na Bahía se estruturou, na meta- Antonio Soares, mcstre da sumaca NS da Encarna9ao, 150$000
de do século XVII, urna divisao regional que fixou as zonas produtoras por trazer vários capicaes e soldados da Paraíba do
Sula Bahia
de mantimentos, liberando o Reconcavo para a produ9ao de a9úcar. A Freces e carreros de várias coisas 36$210
camara de Salvador estabeleceu um contrato com as vilas de Boipeba, Frece e comboio do socorro que se remeteu da Bahia 68$380
Para José Porratc de Morais Castro, pelo gasto que 150$000
Cairu e Camamu para o fornecimento de farinha, principalmente para havia de fazer como alferes, sargento e mais gente
as tropas mobilizadas por conta das guerras holandesas e das guerras que foram em sua companhia para comboiarem os 4
comos de réis
contra os bárbaros. Este contrato, chamado de "conchavo da farinha",
estipulava urna quantidade mínima de farinha a ser entregue e tabela- Subtotal 2:082$620
va o seu pre90. Depois de lan9ada a primeira jornada do sertao, em 1651, t-.1lamimento Gastos de matalotagem e oucros aprestos no Río de 1698 785$385
urna das maiores preocupa96es do governo geral, envolvido na fase mais Janeiro
Ferramenca que José Carvalho Pinto fez para os 1698 475$840
crítica da guerra contra os holandeses, era garantir o fornecimento de paulistas
farinha de mandioca para as tropas, impedindo o seu descaminho. Das 79 arrobas e 28 libras de carne fresca para a mata- 1698 19$184
locagem
vilas de Camamu, Cairu e Boipeba provinha a maior parte <leste ali- Para Pancaleao de Sousa Porto, pelos medicamentos 66$580
mento, agora procurado por atravessadores que especulavam como seu q ue se Jhe deviam
4 alqueires de sal para salgar a carne 5$600
pre90. O conchavo que fizera o governador, constrangendo a venda de Quacro cachos de cobre 10$450
2.400 sírios de farinha no ano de 1649, comissionado por Diogo de Oli- 1:363$039
Subtotal
veira Serpa, desagrado u sobremaneira aos moradores, que, em termo
Soldo Socorro ao cer~o 12/1699 197$0184
datado de fevereiro de 1652 e registrado no livro das atas da cámara de Socorro aos oficiais e soldados 6:000$000
Soldos do mestre-de-campo 120$000
116
Socorro 23/09/1701 4:000$000
Carta régia de 11/1/1701. RIHGRN, 10:137, carta de d. Rodrigo da Costa, 2/12/1703. Consignai;ao dos dízimos remetidos com socorro 1702 1:200$000
DH, 39:205-06. Reafirmado cm 11/1/1704. AHU, cód. 246, 123v. A partir de 1704, o Socorro ao cer~o dos paulistas 18/08/1702 12:000$000
ter~o dos paulistas deveria ser pago justamente pelos dízimos da capitanía do Río
Subtotal 28:735$843 25:290$184
Grande, senda q ue o que faltasse seria coberto pela fazenda real da Bahía. RIHGRN,
10:145-6 e 153. Total geral 28:735$843
11 7
Sobre a farinha da mandioca, veja o escudo de Carlos Borges Sch midt. "O piio da Fonte: Rela~ao do dinheiro que se tem despendid.o como cer90 dos paulistas de que é mes-
cerra". RA1Jf, CLXV: l27-348. tre-de-campo Manuel Álvares de Morais Navarro, por Antonio Lopes Ulhoa, Bahía, 19/8/
1702. IEB, cód. 4 A 25.
220 O T E R <; O O OS P A U L l STA S O TER<;O DO S PAULISTAS 221
"' Salvador, expunham a tirania de tal procedimento, "que vinha ser qua- que seja necessário mandá-las vosmece buscar violentamente como
se um tácito estanque" . 118 fará" . 123 Em fevereiro de 1652, respondendo ao apelo das camaras, o
Esta venda obrigada, "um tácito e stanque" , disfar9ava o crescente conde reitera que o conchavo deveria ser mantido "sem se inovar coisa
fi scalismo que implicava o aumento das tropas e do esfor90 de guerra. alguma", de maneira que a farinha deveria ser entregue sem reclama-
Os povos, sentindo-se vexados por esse "conchavo da farinha", adota- 96es e em boa qualidade, pois estava vindo pouco cozida e grossa. 12 4
vam solu96es heterodoxas para escapar a opressao fi scal. Com efeito, o No final do ano, o conde amea9ava de prisao os oficiais da camara de
conde de Castelo Melhor havia tomado urna série de medidas para con- Cairu e Boipeba se nao cumprissem imediatamente o acertado. 12s No
tero desvio da farinha por embarca96es, entre as quais o envio do te- início de 1654, o novo governador-geral, o conde de Atouguia, resolveu
nente-general da artilharia, Pedro Gomes, com sua gente. 119 A camara amenizar a contribui~ao que as tres vilas deviam em farinha. 126 Depois
de Camamu, a mais rebelde, se recusou a contribuir com 250 alqueires de urna série de ajustes no "conchavo da farinha" ao longo dos anos
de farinha para a jornada do sertao. 120 Enviado entre junho e agosto de seguintes, em 1673 urna ordem do governador-geral consolidava a vo-
1651, Pedro Gomes deveria, en tao, fazer cumprir esta ordem e exigir ca9ao da regiao para a produ~ao de mantimentos: proibia a constru~ao
explica96es da camara. 121 Em 9 de outubro, todavia, o conde mandava de engenhos e a planta~ao de cana nas tres vilas "por serem o sustento
este recolher-se a Salvador, responsabilizando o governador de Ilhéus desta pra9a, e podendo eles [os engenhos] ser a ruína dos da Bahía". 127
pelo recolhimento da farinha do "conchavo", já que era sua a culpa pelo O mesmo foi reafirmado em abril do ano seguinte, estipulando urna
descaminho em razao das vistas grossas que fizera as lanchas que por lá pena "de perdimento" e um castigo de prisao. 128
passavam. Recomendava cerra prudencia na a9ao de modo a nao come- O transporte da farinha para os arraiais e as tropas estacionadas no
ter muita violencia que desestimulasse a produ9ao, já que a Fazenda sertao longínquo era motivo de preocupa~ao e exigia esfor9os redobra-
nao da va con ta de pagar tudo do que precisavam as tropas. 122 Nao dos. A carencia de mantimentos implicava a necessidade de abreviar o
obstante, e m carta de 12 de dezembro, ao tenente de mestre-de-campo tempo de permanencia no sertao. Em 1675, preocupado com que con-
Gaspar de Sousa Uchoa, o conde recomendava-lhe que fizesse e nten- siderava "o principal problema das entradas", o governador-geral, Afonso
der ao povo das vilas que antecipassem a remessa da farinha, "antes Furtado, mandou Pedro Gomes fabricar urna casa-forre no lugar que
parecesse mais conveniente para armazém dos mantimentos, a 34 Ié-
guas da Cachoeira, com um cabo e guarni~ao suficiente. Comerciantes
11x JlCS, 3: 132. Sobre a produc;ao de alimentos na econornia colonial, veja o capítulo corn
este título da tese de Francisco Carlos 1eixeira da Silva. M01fologit1 da escassez: a'ises interessados deveriam ser contratados para colocar em carros e em com-
de subsistencia e política eco11omica no Brasil Colonia (Salvador e Rio de Janeíro, 1680- boio "cerro número de alqueires de farinha todos os meses na mesma
1790). Niterói, 1990, p. 122-77. casa-forte"; daí a mandaria "buscar o governador da conquista, pelos
119 Carca do governador-geral para os edis da vila de Cairu, 27 /6/165 l. DH, 3: 116. índios coma escolta que era necessária por amor [por temor] aos bárba-
12° Feítas, as farinhas deveriam ser e nviadas a Camamu, de onde seriarn cm parce reme- ros". No porto da Cachoeira havia outro armazém com um "almoxarife
tidas para a Cachoeira onde se ajuntavam os índios aliados sob o comando do capitao-
mor Gaspar Rodrigues Adorno. A carta ordena que sejam e nviadas ccnto e cinqüenta de todas as farinhas que das f reguesias do Reconcavo concorriam a se
sírios da dita farinha, o que nos permite imaginar o número dos índios. A pressa da
123
ordem justificava-se pela certeza de q ue estes índios eram "gente que nao atura sem Carta, 12/ 12/ 1651. DH, 3:143-44.
124
comer". Carta ao Pedro Gomes, 7/8/1651. DH, 3: 122. Outra fonte de financiamento Carta do governador-geral para as tres vilas, 14/2/1652. DH, 3: 149-50.
125
da jornada foi a finta lanc;ada e m 1650 pela carnara nas freguesias de "Peroasu" Carca 5/12/ 1652. DH, 3: 189-90.
126
(Paraguac;u), 400$000 réis, e a de Jaguaripe, 120$000 réis, e , em 1651, pelo governa- Cartas, 25/4/ 1654. DH, 3:204-8. As farinhas deveriam continuar, entao, a ser enviadas
dor nas fregucsias de Sergipe, 200$000 réis, sendo responsáveis os capitaes Filipe das tres vilas (8.000 sírios deveriam ser recolhidos) e o capitao Antonio de Couros
Barbosa, Antonio de Magalhaes e Baltasar de Araújo, e de Pernanmerim, 50$000 réis, Carneiro providenciar para que fosse aberto um caminho por cerra de Mapendipe ao
sob a responsabilidade do capitao l'vliguel Teles. Os fintadores, cobrado o dinheiro rio de Jaguaripe, "para que no caso que se impedía a condw;ao das farinhas dessas
dos moradores, deveria entregá-lo ao tesoureiro eleico pelo governador de modo que vilas por mar se facilite por cerra", 18/11/1654. DH, 3:242-3; DH, 4:36-7. Este res pon-
o cabo da jornada, Gaspar Rodrigues, pudesse pedir, por meio de um rol, o que fosse dera que era impossível faze-lo por muicos inconvenientes, de modo que se ordenou
necessário. Isco de acordo como termo de 12/7/1651. ACS, 3: 167-9. que e ntao reparasse o caminho antigo, 17/12/1654. DH, 3:249-50.
12 1 Carta do governador-geral para Pedro Gomes, 31/8/1651. DH, 3:126-7. 127
Carca do governador-geral aos edis da vila de Cairu, 27/2/1673. DH, 8:349.
122 Carta do governador-geral para Antonio de Couros Carneiro, 16/10/1651. DH, 3:7-138. 1211
Carta do governador-geral aos edis das eres vilas, 4/4/1674. DH, 8:387-8.
222 O T E R Q O O O S P A U L l STA S O T E R Q O O OS P A U L l ST A S 223
" lhe entregar". Este oficial deveria dar recibos para a satisfac;ao dos capi- que rque, que passaria recibo. Já os negros e índios seriam sustentados
taes das mesmas freguesias das quantias que entregavam. E <leste ar- pe los povos das capitanias, a excec;ao dos do Rio Grande, onde quase
mazém se remetia a farinha até a casa-forre, onde um outro recebedor nada sobrara das plantac;oes ou dos gados. 13 1
passaria um recibo para a contado primeiro almoxarife. Este recebedor N a realidade, a situac;ao era bem difícil. Manuel Álvares de Morais
da casa-forte, por sua vez, ia remetendo farinha para as tropas no sertao, Navarro, quando fora sargento-mor da bandeira de Matias Cardoso, arra-
conforme solicitac;ao. F oi esse sistema, afirma va o governador-geral, que zoara longamente sobre as dificuldades do abastecimento das tropas es-
"facilitou a dificuldade dos mantimentos e pode perpetuar-se a con- tacionadas nos sert6es do Rio Grande e Ceará: "principalmente por se-
quista de todas as aldeias das várias nac;oes que se desbarataram e vie- rem estas paragens das Piranhas, Ac;u, Jaguaribe incapazes de planta, é
129
ram prisioneiras a essa prac;a, ficando totalmente livre" . de necessidade lhe mandar man timen tos de fora, e de bem Ionge". Se-
Em tempos de guerra, como havíamos <lito, estes gastos geralmente gundo ele, do Ceará podia ir mantimento para o arraial de Jaguaribe, dis-
recaíain sobre os n1oradores das regi6es conflagradas e implicavam for- rante de 30 léguas, mas de nada adiantava, pois "esta capitanía é tao mi-
necimento de alimentos para os soldados mobilizados, fossem eles das scrável que de Pernambuco Ihe vai todos os anos farinha para o presídio
tropas regulares, fossen1 das ordenanc;as. Nao obstante, no caso das guer- q uc nela tem". Igual problema tinha o arraial do Ac;u, que era distante de
ras contra índios no interior, dada a carencia de mantimentos no sertao atal pouco menos de 30 léguas, mas con10 esta cidade nada podia for-
semi-árido, o envio regular de farinha era imprescindível para o prosse- necer, dependía também de Pernambuco. Para o arraial das Piranhas iam
guimento das atividades militares. Apesar d~ aquí e acolá se~ pos~ível farinhas do rio Sao Francisco, distante mais de 80 léguas. Além disso,
as tropas, notadamente <lestes sertanejos ma1s acostumados, lf sausfa- havia o custo do frete, urna vez que para a protec;ao de cada comboio
zendo suas necessidades com os achados nos matos, matando gados ou seriam necessários ao menos 150 homens de armas, para vencer tao dila-
se alimentando de cobras e lagartos, a presenc;a duradoura de grandes tadas distancias, "por terras do inimigo", carregando grandes quantida-
contingentes, por vezes resistindo a prolon~ados sítios, exigía ~orneci­ des de farinha. 132 Como vimos, estes argumentos serviam, na ocasiao, para
mento contínuo de alimentos. Nestas cond196es, a tropa devena rece- dissuadir o Conselho Ultramarino da idéia de estabelecer as seis aldeias
ber urna rac;ao mínima que consistía, segundo o regimento do almo- no sertao, estratégia formulada, segundo seu opositores, de maneira in-
xarife e o escrivao que acompanhavam as tropas de Estevao Baiao Pa- conseqüente pelos moradores do Río Grande, em urna petic;ao ao rei. 133
rente em 1672 para. conquista do sertao, em "um alqueire de farinha O fato é que, no contexto do sertao semi-árido, sem farinha nao seria
cada mes, urna libra e meia de carne de vaca fresca, cada dia, e havendo possível manter as tropas. Bernardo Vieira de Melo bem sabia que da
peixe ou outro algum mantimento fora dos nomeados se dará o que se quantidade de farinhas dependía a manucen9ao do presídio do A9u, pois,
ordenar o dito governador" da expedic;ao. 130 No caso da Guerra do Ac;u, como ele lembrava ao governador-geral, também os bárbaros supunham
quando o governador Matias da Cunh~ ~e~olvera organi~ar urna ac;ao que a fortaleza resistiria enquanto "tiver com que se sustentar", e que,
mais coordenada contra os bárbaros, no 1n1c10 de 1688, esupulara que a urna vez "acabada a farinha, ficarao eles outra vez senhores das suas ter-
Fazenda Real arcaría apenas comos custos de armas, munic;oes e fardas ras em que vivem mais confiados que na paz" . 134
para os índios e pretos, no limite de 600$000 réis. As camaras de Olinda,
Itamaracá e Paraíba, com o envio de infantes das suas guarnic;oes, te-
riam de arcar com a farinha para o seu sustento. Como alguns morado- 13 1
Carca de Marias da Cunha para o capitao-mor d a Paraíba, 14/3/1688. D/1, 10:269.
res de Olinda eram "também interessados nas terras e currais" do Rio 132
Discurso de Moraís Navarro, no Arquivo do Es tado da Bahía, livro 4.0 de orde ns ré-
Grande acamara desta cidade deveria contribuir com 300$000 réis e as gias, 1694-95, fl. 76-9. Apud: Afonso de E . Ta una y. "A Guerra dos Bárbaros". RAM,
duas ou,tras, com 75$000 réis. Da contribuic;ao de Olinda, 100$000 réis 22:143-51 , 1936.
eram para Matias Cardoso e o resto em farinhas administradas por Albu- 1.iJ Pet i9ao dos moradores da capitanía do Rio Grande, inclusa na Consulta do Conselho
Ultramarino, 28/2/ 1695. DH, 84: 120-2. Segundo Bernardo Vie ira Ravasco, era de co-
nhecimento geral que "cm ne nhum desses sertocs pode m estas aldeias planear p ro-
1z9 Carta do governador-geral para d. Pedro de Almeida, governador de Pernambuco, c. v1mentos porque rudo sao campos improduzíve is de mandioca e só excele ntes para
feverciro de 1675. DH, / 0:107-8. gado" . Carta de Bernardo Vieira Ravasco ao conde de Alvor, 5/8/1694. DH, 84: 123-7.
134
13o Regimento passado por Antonio Lopes Ulhoa, 22/4/1672. DH, 79:144-8. Carca (inclusa) ao governador-geral, 10/9/1696. DH, 38:415-6.
\
1C O N O G R AF 1A 225

No livro de Thevet (1575), as guerras entre os índios no Brasil sao representadas como em-
bates se m regras, caóticos. Para o olhar europeu, os indígenas, desprovidos de urna "arte da
guerra", nao passavam de guerreiros violentos e impetuosos. "Cdmbate dos Selvagens (entre
os maragajás e os tabajaras)", estampa no livro de André Thevet, La Cosmographie Universelle.
París, 1575.

!U it~ ti'-<: irvPfonfrr-r;;¡i-r.f'


#)' tJ¡,¿ n/lit luuul r;y en th.¿
pa,,m,e, JW•• m.-tiu. 7 p 11jt11.tr".

Os europeus desenvolviam urna arte da guerra racionalizada, na qual até os movimentos ne-
cessários para a opera~ao de um mosquete eram estudados e disciplinados. A estampa nos
moscra alguns dos movimentos previstos em um livro de exercícios militares ingles de 1642.
226 1 CON O G R A F 1 A 1 CON O GR A F 1 A 227

Mesti~os lutam ao lado dos


tupiniquins, usando armas
de fogo ou mesmo arcos:
urna representa~ao da ali-
an~a com os povos indíge-
nas, da incorpora~ao de sua
tec-nologia militar. Detalhe
da estampa "Combate com
os Tupiniquins" de Théo-
dore de Bry. Estampa feita
para a edi~ao de Viagem ao Neste mapa do Brasil, as "na~oes" indígenas sao grosseiramente localizadas. Note que os
Brasil de Hans Staden "capuias" ocupam todo o interior, das margens do Prata ao Amazonas. Mapa de Joao Teixeira
(l578) em Le Táéatre du Albernaz, o velho (1631).
Nouveau Monde, 1592.

e, 't'•..,",.., '

Nas "guerras holandesas", os índios estavam sempre presentes compondo a maioria (ias tro-
pas e exércitos. "Cena de Combate Entre Holandeses e Portugueses", óleo de Gillis Peeters
-
Demonstra~ao da Barra de Santos segundo Joao Teixeira AJbernaz, o m~o (c. 1650). Vemos,
-

(1640)/Cole~ao Beatriz e Mário Pimenta Camargo, Sao Paulo. ao alto, a vila de Sao Paulo.

\
1
228 1C O N O G R A F l A
1C O N O G R A F 1A 229

Imagens como esta difundiam a idéia do


martírio dos missionários na Europa. O sa-
crificio do padre Francisco Pinto, segundo
a estampa de Abraham van Oiepenbeeck
(l 661)/Biblioteca Nacional, Lisboa/Brasil-
Sao Vicente retratada no livro de Viagem ao Reino do Brasil, de 1624. Nicolas. van Geelkerchen,
Brasis: Causas Nottfveis e Espantosas (A Cons-
no Reys-boeck van het Rijcke Brasilien (1624)/Koninklijke Bibliotheek, Ha1a/Nestor Goulart
trtlfOO do Brasil, 1500-1825). Lisboa, 2000,
Reís. Imagens de Vi/as e Cidades no Brasil Colonial. Sao Paulo, 2000, p. 75. p. 135.

A fortaleza de Vera Cruz de Icapema, diante da


vita de Santos, onde Manuel Álvares de Morais
Navarro havia servido por cinco anos como alfe-
res, passando a capitao de infancaria da ordenan-
~ª antes de ser nomeado, em 8 de abril de 1688,
Aspecto de urna aldeia jesuítica quando de sua elev~o a vila no final do século XVIII. "Vila
sargento-mor do ter~o de Marias Cardoso de
de Abrantes da comarca do Norte", Bahia (c. 1794)/AHU, Lisboa/Nestor Goulart Reís. lma-
Almeida. Oesenho no AHU, Lisboa.
gens de Vi/as e Cidades no Brasil Colonial. Sao Paulo, 2000, p. 63.
230 1C O N O G R A F 1A 1C O N O G R A F 1A 231

A capitanía de Ilhéus no desenho de Joao Teixeira Albernaz, o velho (1602-1666). A direita,


podemos ver as eres vilas de Cairu, Camamu e de Boipeba, produtoras de farinha de mandio-
ca para o abastecimento do Reconcavo, da cidade e das tropas de infantaria aí estacionadas
(c. 1631)/Ms. da Mapoteca do ltamaracy, Río de Janeiro/lsa Adonias e Bruno Furrer. Mapa: .. ~ .. ... s;
lmagens da Formaft10 Territorial Brasileira. Rio de Janeiro: Funda~o Emílio Odebrecht, 1993, Depois de derrotar os índios do Paraguayu, os portugueses criaram a vila de Nossa Senhora
p. 196. da Vicória, também chamada de "Cachoeira". Esta vila, situada nas margens do rio Paraguayo,
será importante encreposto comercial do Reconcavo baiano ao mesmo tempo que servirá, até
o século XX. como principal "porta" daqueles sertóes. "Villa de Cachoeira" (c. 179?.), iluscra-
ryao do ms. de Joaquim de Amorim Castro. "Memória Sobre as Espécies de Tabaco... " New
York Public Library, Nova York.

"Río Grande", desenho de J. Vingboons/IAHGP, Recife/Nestor Goulart Reís. /magros de


Vi/as e Cidatks no Brasil Colonial. Sao Paulo, 2000, p. 125.

"Perspectiva da Fortaleza da Barra do


Rio Grande" (c. 1609). Ilustrayao do
códice "Relayao das Prayas Forces do
Brasil" de Oiogo de Campos Moreno,
existente no Arquivo Nacional Torre do
Tombo, Lisboa/Nestor Goulart Reís. Vi la Nova da Fortaleza de Nossa Senhora de Assunyao do Ceará (c. 1730)/AHU, Lisboa.
Imagens de Vi/as e Cidades no Brasil Colo- Brasil-Brasis: Cousas Notáveis e Espantosas (A Construpio do Brasil, 1500-1825). Lisboa, CNCDP,
nial. Sao Paulo, 2000, p. 125. 2000, p. 210.

\
232 1 CON O GR A F 1 A 1C O N O G RAF I A 233

Urn mulato com suas armas: urna rapieira


sem bainha (protegida com um sabugo de
milho), o arcabuz de um cano (do tipo usa-
do para ca~ portanto nao regular para as tro-
pas) com fecho de pederneira, sistema de
traca (acornpanhado de um saquitel de ba-
A "guerrilha", guerra de emboscadas ou a "guerra nos matos" era a forma de combater utili- las) e urna adaga, da qua! podemos ver ape-
zada pelos índios e logo assirniladá pelos colonizadores. Nesta estampa, do início do século nas o pomo. Óleo de Albert Eckhout, 1641.
XIX, Rugendas retrata os indígenas resistindo a urna tropa de mulatos. M. Rugendas. Voyage
Pittorest¡Ne dans le Brtsil. Paris, 1835.

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Ao pé do ex-voto, podemos ler: "Um dos especiais favores que tem recebido essa freguesía
de Igara9u de seus padroeíros S. Cosme e S. Darniao, foi o defenderem-na da peste, a que
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chamaram [os] males que infestaram a todo Pernambuco, e duraram muicos anos, come9ando
no de 1685, e ainda que passaram a Goiana e a outras freguesias adiante, só a toda esta de
Urna fábrica de farinha de mandioca. Oetalhe da estampa "Pernambuco" do Livro de Viagem lgara9u deixaram intacta, por que sabem [que] 2 ou_ 3 pessoas os trouxeraril do Reino, nelas
ao Reino do Brasil, de 1624. Nicolas van Geelkerchen, no Reys-boeck van het Rijcke Brasilien se findaram sem passar a outra, o que tudo é notório. E para a memória se pós este quadro no
(1624)/Koninklijke Bibliotheek, Haia/Nestor Goulart Reís. lmagens de Vi/as e Cidades no Brasil ano de 1729 e o deu de esmola. Manuel F erreira de Carvalho". Ex-voto penencence a igreja
Colonial. Sao Paulo, 2000, p. 75. de Sao Cosme e Damíao (1729)/Museu de lgara9u, lgara9u.

\
1
234 1C O N O G R A F 1A 1C O N O G R A F 1A 235

Esta tela é urna das poucas remanescentes das que foram pintadas por Post no Brasil. Vemos
os índios tarairiús desembarcando na proximidade do forte. "O Antigo Forte dos Tres Reis
O pintor holandes Eckhout representou um guerreiro tarairiú com seus armamentos. Com
Magos no Rio Grande", Frans Post (1638)/Museu do Louvre, Paris. Nelson Aguilar (org.).
urna mao, ele segura quatro dardos e um propulsor, e com outra, um tacape decorado com Afostra do Redescobrimento: o olhar distante. Sao Paulo: Associa~o Brasil 500 Anos Artes Visu-
incru sta~0es de anéis (feitos de concha) e um enfeite plumário. O cobre-nuca que desee ais, 2000, p. 82.
pelas costas do índio é de penas de ema. Nhanduí ou janduí (que em tupi queria dizer "ema
pequena") era o nome que se dava ao "rei" do tapuias, e a todos de seu grupo. Barléus nos
relata que esse enfeite era empregado nas cerimonias realizadas por ocasiao das semeaduras.
Na verdade, além dos janduís, os tarairiús - que protagonizaram as guerras dos Bárbaros na
sua segunda fase (Guerra do A~u, 1687-1704) - compreendiam também os canindés e paiacus.
Óleo de Albert Eckhout, 1641. ·

Tacapes tarairiús/Museu Nacional da Dinamarca (Copenhague)/Nelson Aguilar (org.). Mos-


tra do Redescobrimento: attes indígenas. Sao Paulo: Associa~ao Bra~il 500 Anos Artes Visuais, Em outra versao desea paisagem, Post dispoe os tarairiús conversando com holandeses.
2000, p. 162. Estampa baseada em desenho de Frans Post, na História...de Gaspar Barléus (1647).
1C O N O G R A F 1A 23 7
236 1C O N O G R A F 1A

O conde Mauricio de Nassau criou brasües para as quatro capitanias conquistadas. O emble-
ma do Rio Grande é urna ema, ave característica da regiao e associada ao nome do principal
dos tapuias tarairiús. O Conselho do Brasil Holandes entendía o Janduí como urna espécie
de rei soberano, como o qua! estabeleceu diversos contatos e alian~as militares. Estampa
baseada em desenho de Frans Post, na História... de Gaspar Barléus (1647).

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India; do Rio Grande ar;ando enm, ~ aune (pígina anrerior~ festejando wna vitória e ~do o
gado. A facilidade de captura do gado, dada a sua forma mais ou menos lassa de pastoreio,
despenou o interesse nos povos autóctones, que viam nos animais soleos a possibilidade de
satisfazer suas necessidades alimentares. Estampas baseadas em desenho de Frans Post, na
Histólia... de Gaspar Barléus (1647).
238 I C O N O G R A F 1 A 1C O N O G R A F 1 A 239
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O desenho desta mulher carairiú sentada foi cenamente um dos es~s que serviram ao óleo
de Alben Eckhout (a direita). Nesta imagern alegórica, contudo, a índia tapuia é representa- "O
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da corno canibal. Para alguns cronistas, os tarairiús, diferentemente dos povos tupis, praticavarn "'o.
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apenas o endocanibalismo. De todo modo, para o olhar europeu, essa era a irnagern da barbárie:
"o tapuia gentio bravo e comedor de carne hurnana"./Staatliche Museen zu Berlín/Ana Ma- g
ria de Moraes Belluzzo. O Brasil dos Viajantes. S. Paulo: Objetiva, 1999, p. 99. E
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Tropa de soldados e índios sai em marcha no Rio Grande (do None), seguida de sua bagagem - "'o <
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corno eram chamadas as rnulheres e crian~ que a acompanham corn mantirnenros. Estampa de "' "O
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Frans Post, meados do século XVIINinheta (detalhe) do mapa 4 (capitania do Rio Gran· "' -
de) entre as páginas 24 e 25 na História... de Gaspar Barléus (1647). Cl '°
240 I C O N O G R A F 1 A

KATECIS~i O
CATECISMO
INDICO
DALIN GVAKARIRIS,
DA D·O U T R 1 NA
ACRESCE NTADO DE VARI AS CHRISTAA
-
i>raricas dourrin.aes,&: moraes. adapta-
das ao genio, & capacidade dos Na Lingua Brafilica
Indios do BraGI,
PELO P AD RE
Fr. B ERN AR'DO VE NANTES,
DA NA<;AO KIRIRI
C.ip• rbish1J, Pritttá1Jr,& MiffitJTUri• COMPOSTO
Apt4l1Jliro; 6
OF FERECIDO Pelo P. LUIS VINCENCIO
AO MUY AJ..l'0 1 '& lllUY l'ODCllOSO ll lY M AMlANI, PAULISTAS x MAZOMBOS
a·c l'orru¡pl .._
Da Co~panhia de JESU S, Miffiona-
DOM JOAO V. rio da Provincia do BratiL

..,
S. N. Q UE DBOS GUJ\ R.DE •

L 1 S B O A, M ANUEL ÁLVARES DE M ORA IS NAVARRO e seus homens,


Na Officina de VALENTlM Di\ COST A.
Deslaodes,lmpre.lfor de Sua Mar,elladc. L 1 S BOA, embarcados na Bahía no dia 1. 0 de setembro de 1698, enfrentaram rigo-
M· OCC !:C.
Na Officin¡ de MlGUEL DESLANDES, rosas tempestades que os impediram de navegar com conhecimento da
lmprdl'or de SuaMagefiade.
Cd1t1 tod"1"' b' :"f'" 111uf4Ti1U, cerra, pois nao puderam parar em Pernambuco e aí tomar um prático
c., todds •Sliettl(41nmff<1rus.Anno de 16 98
que os conduzisse até a Paraíba, de onde marchariam por terra. Logo
rnanifestou-se um surto de bexigas que vitimou muitos, entre eles o
sargento-mor, Antonio Ribeiro García, e o capitao Antonio Raposo Bar-
rero, dois su jeitos de "maior suposü;ao", além do alferes Domingo Pra-
do e do sargento Clemente Cardoso; e mais 25 soldados pelo menos. 1
Navarro mandou, entao, dois homens seus com urna canoa para que
procurassem socorro em cerra. Como a canoa nao voltou, deram-na por
perdida e decidiram seguir com o navío. Tendo a viagem durado mui-
to, passaram fome, pois tinham mantimentos para apenas vinte dias.
Apcsar de enfrentar várias altera~oes na infantaria, desejosa de ter em
terra, Navarro conseguiu acalmar seus homens. Quando a situa~ao fi-
cou insustentável, permitiu que um bote com trinca soldados tentasse
chegar a terra; acabaram naufragando e retornando, miraculosamente
salvos, a fragata. Dada a enorme confusao em que se achavam, conse-
guiram levar a nau até perto da costa e encalhá-la. Pouco depois, urna
jangada que passava lhes deu a notícia de que nao estavam muito lon-
ge do Río Grande. Apesar disso, Navarro preferiu volcar a fragata e ten-
tar entrar na barra, onde por fim o navío se despeda~ou ao tocar urna
pedra. Já em cerra e livres do perigo, muitos padeceram no encanto por
Primeira página do assento
das pazes com os janduís de 1
Carra de Joao de Lencastro para o governador de Pernambuco, 10/12/1698.DH,38:455-
10 de mar~o de 1692. Manus-
6; Carta de Joao de Lencascro para Morais Navarro, 21/1/1699. DH, 39:6-1 J; e Olavo
crito do AHU, Lisboa.
de ~1edeiros Filho. Acontece11 na capitanía do Rio Grande. Natal, 1997, p. 122.
241
242 P A U L l STAS X M A Z 0 M B O S
P A U L I STA S X M A Z O !'vi B O S 243
estarem d oentes de bexigas. O capitao-mor, Bernard o Vie ira d e Melo,
depe nde ncia do capitao-mor do Rio Grande, B~rnard o ~i~ira de Mel~. 5
e tod os os moradores, nitidamente insatisfe itos com a chegada desea Como 0 paulista escolhera o Ac;u para seu arra1al, o cap1tao-m or sentta
tropa, se haviam me tido nos matos para nao dar socorro aos doentes, sua jurisdic;ao ser maculada e, juntamente comos sesme iros e m orado-
abandonando-os a própria sorce. Navarro conta que ele mesmo teve de res, te mía por seus inte resses. 6 Todo o esforc;o para a construc;ao de um
e rgue r barracas para os doentes. Tendo morrido mais de "sess~nta e presíd io no sen ao estaría agora eclipsado pela presenc;a de um force con-
tantos homens de seu terc;o" e, terminada a farinha, ele resolveu u pes- ti nge nte de fo raste iros. Contudo, _logo :m agos~o .d e 1699, um episódio
soalmente a Paraíba solicitar o socorro do capitao-mor, Manuel Soares e nvolvendo os paulistas e os tapu1as pa1acus m1ss1onad os por um padre
de Albergaria. No caminho, longe de 40 léguas, foi acometido de urna do Oratório de Pe rnambuco iría desencadear urna batalha jurídica e ecle-
esquinencia (amigdalite), "que lhe foi necessário ir se sangrando" (isto siástica q ue marco u a história do terc;o e a evoluc;ao dos acontecimentos
é, fazer sangrías). Fracassando em seu intento, acabou volcando sozi- da G ue rra d o Ac;u.
nho, "dormindo algumas noites por partes desertas". Quando chegou,
teve informac;ao de que os tapuias, animados com a notícia das desgra- O massacre no Jaguaribe, 1699
c;as por que passava o terc;o dos paulistas, ~stavam ~odos levan_tados com
,
impulso de matar os moradores, os qua1s se hav1am recolh1do a urna No fi nal d e julho de 1699, o mestre-de-campo M anuel Alvares de
casa-forre . Mesmo assim, Navarro marchou com o seu terc;o para a cam- M orais Navarro, acompanhado dos capitaes Teodósio da Rocha e Pedro
panha "a espe rar a fúria e arrojo do tapuia" , fretando urna sumaca para Carri lho de Andrade, partiu de seu arraial no Ac;u com 130 infantes e
conduzir os incapazes de marchar por terra e levar as munic;oes neces- cerca de 250 tapuias aliados da nac;ao dos janduís, marchando em dire-
sárias. M archaram cerca de 60 léguas e , nao encontrando os tapuias, c;ao a ribe ira do Jaguaribe. No dia 30, chegou as proximidades da aldeia
chegaram a ribeira do Ac;u, onde fizeram um arraial. 2 dos paiacus do principal Marías Peca, chamada també m da Madre de
A tarefa do te rc;o dos paulistas nao tinha nada de específico, a nao D e us e missionada desde 1697 pelo padre Joao da Costa, oratoriano da
ser policiar a capitanía do Rio Grande e adjacentes, conte ndo os índios Congregac;ao de Pernambuco. E sta expedic;ao partira em busca dos
bravos e matando todos os que fossem " irredimíveis" . Era assim resu- caratiús (ou ariús), índios da nac;ao dos tarairiús que habitavam mais
mida p e lo gove rnador-geral, em carta ao mestre-de-campo: "Advirto além no Ceará. 7 O padre Joao da Costa acabara de chegar de urna visita
vosmece que se algum gentio estiver de paz e se rebe lar, como costu- a outra aldeia de paiacus, do principal Jenipapoac;u, sita 25 léguas aci-
mam, fac;a pelas vias que lhe parecer toda a diligencia possível para se ma no Jaguaribe, onde havia, segundo urna sua informa~ao, dado início
tornarem a antiga paz; e se de todo o nao quiserem, ou se conhecer o a urna igreja pequena na qual celebrou a primeira missa na festa de
fac;am por alguma velhacaria, lhe fará vosmece guerra com? lhe ord~no Nossa Senhora, donde lhe ficou o título de Nossa Se nhora da Escada.
no seu regimento" .3 Nesse sentido, o Conselho Ultramanno cons1de- O paulista e suas tropas foram recebidos pelo missionário e pelos paiacus,
rou novamente "justa" a guerra contra os bárbaros para que os paulistas a q ue m solicitaram ajuda para a guerra justa que se faria contra os cara-
pudessem cativá-los e assim "ficar animados" .4 Navarro tinha total in- ti ús. Alguns dias depois, marcharam ao encontro dos índios de Jenipa-
poac;u, que os espe ravam para engrossar a tropa. Supondo o mesmo dos
tapuias, p artiam cheios de segundas intenc;oes.
z Informa~ao para Sua Majestade do sargento-mor, cap itaes, ajudances, alferes e mais
oficiais do cer~o de que é mestre-de-campo Manuel Alvares de Morais Nav~ rro, arrai- Por volta das dez horas da manha do dia 4 de agosto de 1699, o paulista
al do A~u , 3/7/1701. AH U, Rio Grande, caixa l , 60. Ce rtidao de Manue l Alvares de e sua gente chegaram ao acampamento desses paiacus, que, aparente-
Morais N avarro, Rio Grande, 20/ 11/1 698. AH U, Rio Grande, caixa 3, 43. mente, os receberam com grande festa e contentamento. Em frente
J Carta do governador-geral ao mestre-de-campo, 11/12/1698. DH, 38:459-61.
4 Com o cuidado de que fossem cativados apenas os ditos bárbaros e que se fizessem
arraiais de índios mansos, que funcionassem de ante paro aos ataques, porque "se 5
Carta de Joao de Le ncastro para Morais de Navarro, 4/2/1699. DH, 39:41 -5.
pode melhor adiantar assim os progressos da guerra, com també m a segu ran~a dos 6
Carta de Lencastro ao capitao-mor do Rio Grande, 2/8/1699. DH, 39:67-9.
lugares em que assistem". Consulta do Conselho Ultramarino, 24/ 10/1698. AHU, 7
Seguindo os passos de Estevao Pinto, Carlos Studart Filho se enganou e m considerá-
cód. 252, fls. 228v-9; e carta régia ao governador-geral, 2/12/1698. AHU, cód. 246, fl. los, juntamente comos caratiús, como cariris. Os abo1igenes do Ceatd. Fortaleza, 1966,
82v. p. 71.
244 P A U L I S TA S X t\l A Z O M B O S P A U L I S TAS X M AZO t\ l B O S 245
~ aosinfantes, alinhados para a mostra e tocando-lhes a caixa (o tambor), Tamanho massacre seria apenas mais um das guerras dos bárbaros,
os tapuias danvavan1. O mestre-de-campo, acompanhado de alguns de no qual o ardil comandou a estratégia adorada do recontro - dos inú-
seus tapuias, ficou ao lado do Jenipapoavu observando os festejos. Um meros travados pelas tropas luso-brasileiras - , nao fosse mais um epi-
clima de múrua desconfianva desagradava a ambos os lados e a ten- sódio que prefigurava o conflito entre a "nobreza" pernambucana e o
sao chegou ao seu maior ponto quando um grupo, liderado pelo irmao poder do governo-geral, no caso personificado no seu preposto, o mes-
do principal, se aproximou do mestre-de-campo. Repentinamente, e· tre-de-campo do tervo subordinado a Bahía. Informados pelo missioná-
sem pestanejar, Navarro mandou parar a caixa e atirou com urna carabi- rio Joao da Costa dos horrores praticados pelos paulistas contra índios
na, matando o tapuia. Esta era a senha para que os soldados abrissem aliados e batizados, isto é, da injustiva da guerra nos termos da lei de
fogo contra os paiacus. Navarro, alguns dias mais tarde, contava em urna 1611, o capitao-mor do Rio Grande, Bernardo Vieira de Melo, seus alia-
carta como havia preparado com cuidado a citada: ao seu comando, a dos, moradores e fazendeiros, assim como o próprio bispo de Pernam-
infantaria havia dado carga, "reservando 25 armas, fazendo frente para buco, moverao montanhas para punir e afastar os forasteiros das terras
a parte onde tinha arrumado os nossos tapuias por me querer segurar, do sertao que, imaginavam, lhes pertenciam por direito. Embora esses
se nao valessem da ocasiao". Em outras palavras, temeroso, com vere- conflitos expressem, nas palavras de Maria Idalina da Cruz Pires, "urna
mos, da trais;ao dos seus próprios aliados janduís, dispusera que a fileira luta pela posse da terra e da mao-de-obra" (e esta era o opiniao do Ba-
de infantes disparasse contra os paiacus, guardando o fogo os 25 solda- rao de Studart), devem ser inteiramente compreendidos, em sua di-
dos em frente do grupo de aliados que o mestre-de-campo tinha perto mensao política, no contexto mais amplo da "Fronda dos Mazombos",
de si para se garantir de um ataque inesperado. Mas, "como tivessem tal como estudada por Evaldo Cabral de Mello. 9
mudado de intento, [estes janduís] avan9aram com todo o valor e se-
guiram aos que deram costas, matando quase a todos [os paiacus]", en- U ma guerra injusta
tre eles Jenipapoa9u, que teve a cabes;a quebrada. Os paiacus mata-
ram apenas dois homens do paulista e "feriram muitos com armas de Diante de tal sucesso, o padre Joao da Costa, em urna carta de 26 de
fogo e setas", ao passo que foram mortos as centenas. Para ser mais agosto de 1699, conta que logo come9ou a reunir os índios sobreviven-
exato, segundo vários testemunhos, que discordam pouco entre si, mor- tes, que reclamavam da trai9ao praticada pelos paulistas, mostrando "um
reram cerca de 400 nesta emboscada e outros 300 foram aprisionados. ma90 de cartas de paz que o mesmo mestre-de-campo lhes deu e antes
Navarro parecia mais modesto: "Fizemos computo dos seus mortos, dele o ca pitao-mor do Ceará". Persuadindo-os de que ele particular-
achamos passarem de 250, fora os muitos de que tivemos notícia em mente nao tinha culpa nenhuma, conseguiu a promessa de que volta-
Jaguaribe foram morrer ao longe". Segundo o testemunho de um feri- riam para a aldeia se ele libertasse alguns dos cativos. Alugou, entao,
do, estavam quase todos mortos, e "como tivessem a bagagem [mulhe- tres cavalos e, com dois acompanhantes, foi ao A9u em viagem de nove
res e crian9as que acompanhavam as tropas indígenas] metida no car- dias. Ao encontrar o mestre-de-campo, arrazoou pedindo-lhe que liber-
rasco [espécie de mata pequena e mais áspera que a caatinga], esta teve tasse alguns dos paiacus, mas Navarro foi irredutível e seus oficiais che-
tempo de se por em fuga durante a peleja, que quando acudimos a garam mesmo a ameas;ar o missionário. Segundo o testemunho <leste,
ela era tarde, e das que se apanharam cou be a parte da infantaria 230 "nao [achariam] dificuldades em tirar-me a vida os que tao inconscien-
e tantas cabe9as, fora as com que se ficaram os tapuias [janduís]". No temente a tiraram a tantos, mas eu tenho assentado de nao desistir da
entanto, tao logo o padre Joao da Costa foi ter com ele no arraial do empresa e de conseguir a liberdade dos inocentes, ainda que me custe
Avu, vinte dias mais tarde, disse que os poucos que escaparam haviam
contado os mortos "nomeando pessoa por pessoa serem passante de
quatrocentos morros, fora os que esqueceram pelo número ser gran- 9
O barao de Studart dizia sobre os acontecimentos posteriores ao massacre no Jaguaribe
de". 8 em 1699: "no fundo estavam o ciúme do mando e o interesse pecuniário em jogo".
Veja a " introdu~ao" dos "Documentos relativos ao mescre-de-campo Morais Navarro".
RIHGC, 30:359, 1916. Veja ainda, Maria Idalina da Cruz Pires. G11erra dos Bárbaros:
K Carca do mesrre-de-campo ao governador-geral, 25/8/1699. AHU, Rio Grande, caixa resistencia indígena e con/fitos no Nordeste colonial. Recife, 1990, p. 102; e Evaldo Cabra!
1, 47. Há urna cópia desea carta no IEB, códice 4 A 25. de Mello. A/ronda dos mazombos. Sao Paulo, 1996.
246 P A U L 1 S TA S X M AZ O M BOS P A U L 1 S TA S X MAZ O M BO S 24 7
"a vida" . 10 Navarro, em urna carta ao reí de maio de 1700, contava urna conversa e le lhe "significou os intentos <lanados do mestre-de-campo,
história diferente (e um tanto esdrúxula): Joao da Costa, homem que mas por te rmos tao escusos" que nao pode percebe-los.
cuida va mais do "seu particular e da conveniencia de alguns paren tes",
fora até o A9u porque ambicionava conseguir alguns cativos para um " E como ele se nao podia explicar para que lhe nao levantassem
sobrinho seu. Diante da negativa do mestre-de-campo, tendo em vista algum testemunho que o desacreditasse ou o obrigassem a fazer al-
que a presa era da infantaria e nao sua, ele "se enfureceu" e deu, jun- guma a9ao da qual depois lhe redundassem algum dano, deu em
tamente com seus aliados, "sinistras e falsas informa96es" ao bispo de outra tra9a [ardil] para ver se podía atalhar as injustas mortes e cati-
Pernambuco. 11 veiros que se intentavam, e me pediu fosse falar com o mestre-de-
Com efeito, em razao desse seu fracasso, o missionário do Oratório campo e Ihe pedisse se concordasse com o capitao-mor do Ceará para
de Pernambuco resolveu apelar ao seus superiores e ao bispo, pedindo que este ajudasse ao mestre-de-can1po no que pudesse. e se dess_e
providencias no ambito da Junta das Missoes. A versao do missionário nos tapuias que o merecessem e se conservassem os mats que esn-
acusava Morais Navarro de vilania, impiedade e, acima de tudo, bruta- vessem de paz. O que tudo entendí se dirigía a que o capitao-mor
lidade descompensada, capaz de por em risco a missao evangelizadora impedisse as morres dos meus tapuias. Obedecí, fiza diligencia, mas
das ordens religiosas no sertao, bem como a seguran9a dos moradores, mal sorriu o efeito em nada, porque o mestre-de-campo me respon-
que era, afinal, sua principal tarefa. Joao da Costa missionava já há al- d e u que de nenhum modo se podía contar como capitao-mor por ter
guns anos na aldeia da Madre de Deus. Como dizíamos acima, quando esse dito queixas contra ele". 13
voltava de urna aldeia nova de paiacus, no día 30 de julho de 1699,
encontrou o mestre-de-campo do ter90 dos paulistas e sua gente "com Conformado e ignorante das verdadeiras inten96es do paulista, Joao
animo, ao que me disseram, de matar os tapuias de minha aldeia e cati- da Costa até providenciou gado para saciar a fome de seu exército
varem-lhes os filhos" . Segundo seu testemunho, em urna conversa que (como vimos no capítulo anterior). Ainda segundo este relato, o paulista
teve como mestre-de-campo, este se mostrou "muito escrupuloso (para foi com sua tropa a 11 léguas acima da aldeia velha e 15 léguas abaixo
me enganar melhor)" acerca da guerra que vinha fazer. Joao da Costa da nova, e, mandando chamar alguns tapuias desta (que ele, missio-
lhe explicou que a guerra que pretendía fazer aos da na9ao paiacu era nário, havia levado consigo "para aprenderem os caminhos"), pediu
injusta, "por cessarem neste gentío as razoes que fazem a guerra líci- que ajuntassem todos os paiacus de ambas as aldeias, com seus filhos
ta". Ao que ele lhe respondeu "que estivesse de todo sossegado", por- e mulheres:
que aos paiacus "nao havia de fazer mal algum, por ser expresso contra
o seu regimento e que aquela tropa ia dar guerra a outra na9ao a que "Obedecendo os tapuias a este engano, vieram todos os que esta-
chamam caratiús, e chamando o principal da aldeia lhe fez urna prática vam ali mais perto, uns trabalhando nas fazendas, e outros em casas
assegurando-Ihe muitas vezes que nao vinha dar guerra aos da sua na- de seus compadres, trazendo os meninos e mulheres, e no outro dia
9ao". Quando o mestre-de-campo se afastou, o capitao Teodósio da pe las nove do dia chegaram os tapuias da aldeia de cima, cujo princi-
Rocha, "homem de boa consciencia e grande entendimento", demo- pal era Jenipapoa9u, e juntos todos os deixam a receber os tapuias
rou-se para prosear como missionário. 12 Segundo Joao da Costa, nesta do mestre-de-campo com urna dan9a; eles também vieram dan9an-
do, uns com armas, outros sem elas".
1
° Carta do padre Joao da Costa, ribeira do A~u, 26/8/ 1699. AHU, Pernambuco, caixa
14. Quando vieram beijar a mao do mestre-de-campo, esse deu um si-
11
Carra de Manuel Álvares de Morais Navarro ao rei 6/5/ 1700. AHU, Rio Grande, caixa nal, disparando no que tinha <liante de si "um bacamarte e atrás dele
1, 51. dispararam todos os mais soldados que me mataram mais de 400 ta-
12
Este capitao, apesar de integrar o cer~o dos paulistas, era natural de Pernambuco,
puias"; outros fugiram, muitos ficaram feridos e foram feítos 260 cati-
morador do Rio Grande, e havia governado o presídio de Nossa Senhora dos Praze-
res, fundado por Bernardo Vieira de Melo, na ribeira do A~u . Papel de Bernardo
Vieira de Melo, c. abril de 1697. AHU, Rio Grande, caixa 1, 42; e carca do rei a Bernardo 13
Carca do padre Joao da Costa, ribeira do A~u, 26/8/1699. AHU, Pernambuco, caixa
Vieira de Melo, 15/1/1698. AHU, cod. 246, fl. 60v. 14.
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,.
vos entre as mulheres e crian9as. Segundo Joao da Costa, a idéia de tal ri beira do A9u assinavam urna certidao, com dezesseis capítulos, que
investida dos paulistas - "este diabólico conselho" - fora dada por confirmava a ju sti~a da guerra movida contra os paiacus. 17 Aumentada
um missionário paulista, o padre Joao Leite de Aguiar. Este missioná- em 31 assinaturas, urna outra certidao sustentava ainda a história do
rio do Hábito de Sao Pedro era velho conhecido de N avarro, pois fora paulista e atestava que estes paiacus nao mereciam nenhuma confian-
capelao de rvtatias Cardoso. Depois da dissolu9ao do ter90 em 1695, 9a, pois eram "os que se aliavam com os flamengos" . 18
assistiu e m alde ias no C eará, onde foi acusado de "abra9ar algumas con- A rea9ao nao demorou muito. No día 23 de setembro do mesmo ano,
veniencias mais temporais", isto é, um curral de gado. 14 C om bríos se- re ndo ouvido as queixas de Joao da Costa, o bispo de Pernambuco, freí
paratistas, em 1696, havia proposto ao Conselho Ultramarino a cria9ao F rancisco de Lima, expediu urna pastoral declaratória que excomunga-
de urna camara no povoado pegado a fortaleza do Ceará, justamente va o inestre-de-campo e todos os que insistissem em manter cativos os
para atalhar os abusos e o desgoverno em que se achava a capitanía, ra puias de sua missao. 19 Os paiacus de Jaguaribe, segundo o missioná-
entregue as vontades dos capitaes-mores. 15 O "plano" de Navarro, se- rio, recebe ram a notícia com grande júbilo, a ponto de que, "quando
gundo o oratoriaoo, era primeiro matar os paiacus para depois conse- chegam a porta da igreja onde está pregada a carta de excomunhao que
guir a assinatura de todos os moradores de Jaguaribe em "urna certidao mandou o reverendo bispo, a beijam como relíquia sagrada" . Além dis-
de guerra contra eles, para dar sacisfa~ao a Sua Majestade" . Contudo, so, levavam as cartas de paz, passadas pe los capitaes-mores, pendura-
nao lhe parecía que "os moradores te nham assinado ao mestre-de-cam- das no pesco~o como talismas.20 Já os paulistas e o governo da Bahía,
po a certidao" , porque lhe conheciam "o intento que é tomar-lhes as obviamente, receberam a notícia com grande apreensao. Os capitaes
terras e esta só é a verdade que hao de levar as certidoes" . 16 No que em Bento N unes de Siqueira e Pedro Carrilho, que foram a Bahia como
parte se enganava, pois, no día 24 de outubro, dezenove moradores da procuradores do mestre-de-campo, fizeram registrar no arcebispado vá-
rios papéis em defesa dos paulistas, entre os quais recursos a pastoral
do bispo.21 Para o prepósito da C ongrega<;ao do Oratório de Pernambuco,
14 Pe. Joao Leite de Aguiar, clérigo do hábico de S. Pedro, natural da vila de Sao Paulo, Tomás Consolino, o mestre-de-campo poderia inventar diversas razoes
foi nomeado em 1689, pelo bispo do Río de Janeiro, cape lao-mor do cer~o de paulistas "para se desculpar desse horrendo crime, todas elas encaminhadas a
de M acias Cardoso que mandara levancar o arcebispo da Bahía, quando governador. culpar os tapuias e se u missionário, mas be m consideradas sao todas ou
Aguiar diz ter andado "pelo vascíssimo sertao do Brasil" mais de 900 léguas, por qua-
fa lsas ou frívolas e incapazes para corarem sua maldade oeste caso, o
tro anos a sua "cusca" "até que os paulistas se retiraram porque lhes faltou o necessário
principalmente pólvora e bala, marcharam os pauliscas para outras várias conquistas, qual a todos deu que sentir e chorar". 22 De fato, ainda segundo Joao da
uns para o Maranhao, outros para os Palmares e eu para Pernambuco, de onde o
revere ndo bispo d. Macias de F igueira e Me to, me mandou que voltasse para a capi- 17
Cercidao dos moradores preced ida de 16 capítulos, 24/ 10/ 1699. In: Barao de Studart
tanía do Rio Grande a redu ~ao de uns capuias chamados jaguaribes", provavelme nte (ed.). "Docu me ntos relativos ao mescre-de-campo ~lorai s Navarro". RIHGC, 31: 186-
paiacus. Conta q ue, depois de dois anos, ceve bom sucesso os reduzindo e aldeando 90, 1917.
a cinco léguas da fortaleza do Ceará. Diz ainda que esteve com os tapuias janduís no 1
K Certidao dos moradores da ribeira do A~u, 23/4/1 700. AH U, Rio Grande, caixa l, SO.
tem po do governador Caetano de Melo e Castro (1 693-99), e que nada conseguiu JC) " [ • • • ] mandamos com pe na de excomunh ao maior ex de facto ao mestre-de-campo

porque eram "rebeldes e absolutos" e responderam "que nao q ue riam missao por- dos pauliscas Manuel Álvares de Morais Navarro e aos capitaes, cabos ou pessoas em
q ue os sacerdotes traziam consigo caruguaras, que no idioma brasílico que dizer cu jo poder estivere m os índios ou índias e seus filh os percencentes a missao do padre
d oe n ~as, ou mal contagioso... " (em tupi, ka'n1ara- corrimento - q uer dizer "mal Joao da Costa, assim da aldeia vclha como da alde ia nova do distrito do Jaguaribe os
ou e nfermidade causada por feit i~o; quebranto, mau-olhado"). Carta do Pe. Joao Leite quais e stavam aldeados sobre a prote~ao do di to missionário". Pastoral de freí Fran-
de Aguiar ao rei, 5/5/1696. AH U, Ceará, caixa 1, 46. Em 1694, Joao Le ice de Aguiar cisco de Lima, bispo de Pernambuco, 23/9/ 1699. In: Barao de Studart (ed.). "Docu-
assistia ao tapu ias jaguaribaras, aldeados sete Jéguas ao sul da fo rtaleza do Ceará. O mentos relativos ao mestre-de-campo Morais Navarro". RIHGC, 31:178-80, 1917.
padre Aguiar havia sido enviado por saber a língua geral, mas os tapuias nao a sabiam, ro Carta do padre Joao da Cosca, ribeira do A~u, 6/ 11/ 1699. AH U, Pe rnambuco, caixa 14.
"scndo melhor faze-lo (ensiná-los) pela portuguesa". Havia recla ma~ao de Fernao 21
Carca de Be nto Nunes de Siq ueira ao vigário do Ceará, 19/10/1699. In: Barao de
Carrilho contra este padre que parecía ter desleixado de suas obriga~oes para "abra- Studart (ed.). "Documentos relativos ao mestre-de-campo Morais Navarro". RIHGC,
~a r algumas conveniencias mais ce mporais", isto é, um curral de gado. Consulta do 31: 176-7, 1917. Esse dossie acabou na cole~ao particular do barao de Studarc que o
Conselho Ultramarino, 22/8/1696. AH U, cód. 265, fls. 110-1. transcreveu e publicou nas páginas da RJHGC, 31: 161-223.
15 Consulta do Conselho Ultramarino, 4/9/1696. AHU, cód. 265, fls. 111 -2.
zz Carca de Tomás Consolino, prepósito da Congrega~ao do Oratório de Pernambuco,
){, Carta do padre Joao da Costa, ri beira do A~u, 26/8/1699. AHU, Pernambuco, caixa 14. ao rei 29/6/1700. AHU, Pernambuco, caixa 14.
250 P A U L I S TA S X M A Z O M B O S P A U L 1 S TA S X M A Z O M B O S 251
"Costa, a possível alega9ao que o mestre-de-campo pode ria fazer, de que q ue les sertoes, estando, muito provavelmence, presentes na funda9ao
os tapuias lhe preparavam urna armadilha, só poderia ser falsa "porque daq ue fa aldeia dos oratorianos. 26
nao ha veriam de te r na aldeias mulhe res e meninos". 23 Para evitar a Na longa carta que escreveu ao governador-geral, vinte días passa-
rea9ao dos inimigos, urna verdadeira conspira9ao convenceu obispo que dos do massacre, o mestre-de-campo explicava que cinha conhecimen-
o me lhor e ra fazer urna devassa que informaría o re i e o Conselho Ul- co das cavila9oes de Bernardo Vieira de Melo desde que partira do seu
tramarino de modo a garantir a consecu9ao do intento que agora perse- arraial. Segundo Navarro, os janduís que iam com ele haviam sido ardi-
guiam: a dissolu9ao do ter90. 24 losamence mal informados por dois aliados de seu adversário, os capi-
Segundo Pedro Lelou, que havia sido capitao-mor do Ceará por dez caes Antonio da Rocha e Baltasar Gon9alves Ferreira, que os "fizeram
meses (1694) e era agora sargento-mor de Pernambuco, o cabe9a do acreditar que eu [o mestre-de-campo] os levava debaixo de engano para
conluio e ra Be rnardo Vieira de Melo. Este, assim que soube do mas- os mandar matar" para poder ficar com a sua "bagagem". Conversando
sacre, te ria espalhado por todas as partes avisos e cartas, acusando a co1n os capitaes dos janduís, Navarro os convenceu de sua lealdade e os
"cruel tiranía e trai9ao que tinha feíto o paulista". Havia, igualmente, desarmou de praticarem qualquer trai9ao. Resolvida essa indisposi9ao,
obrigado algu ns moradores de sua fac9ao e os oficiais da camara "a con- ao chegar no Jaguaribe, fingiu nada saber das inte n96es dos paiacus de
firmar sua malícia". Por meio da interven9ao de "um dos homens mais Jenipapoa9u e os enredou na armadilha do dia 4 de agosto. 27
notáveis da terca", Francisco Berenguer de Andrade, que era seu tio e O conflito deflagrado como massacre dos paiacus no Jaguaribe, en-
cunhado de Joao Fernandes Vieira, o capitao-mor representou junto "ao tre paulistas e oratorianos, apoiados pelos "filhos da cerra", cruzava com
senhor bispo de tal maneira que [ele] foi causa de tirar devassa do caso os sucessos relativos ao conflito interno do Oratório de Pernambuco,
ou mandar tirar, como fez por um clérigo, e excomungar o paulista". A "espécie de pré-guerra dos mascates por néris interpostos", nas pala-
versao de Lelou e do partido dos paulistas era de que o capitao-mor do vras de Evaldo Cabral de Mello. 28 De fato, nessa ocasiao, o sargento-
Rio Grande, junto com alguns seus comparsas, sabendo que o mestre- mor procurava mostrar o esdrúxulo da posi9ao de d. Francisco de Lima,
de-campo, pessoa da considera9ao do governo-geral, desejava substi- que confiava na representa~ao de Francisco Bere nguer de Andrade, um
tuí-lo, " induziu o gentío bárbaro janduí para que se unisse coma na9ao dos mais exaltados artífices da guerra clerical q ue sacudía Olinda e Re-
paiacu [e] se fossem oferecer ao paulista para irem com ele dar guerra cife naqueles exatos dias. Segundo Lelou, Bere nguer ceria sido quem
aos ariús". Bernardo Vieira de Melo teria di to aos janduís que "apa- fomentara "frei Benedito a fazer o excesso que fez junto com um letra-
nhando os pauliscas em campanha os degolassem, afirmando-lhes que
se nao faziam assim [... ] o paulista os havia de macar e cativar a todos e Zó Papéis de Bernardo Vieira de Melo apresentados em 1728, AHU. Rio Grande, caixa
senhorear suas terras". 25 Com efeito, os Vieiras de Melo tinham desde 1, 66; veja também Maria do Céu Medeiros. lgrejn e domint1;iio no Brasil escravista. O
o princípio um bom relacionamenco com os néris. Em 1671, o pai de caso dos oratorianos de Pernambuco, 1659-1830. Joao Pessoa, 1993, p. 62; e E A. Pereira
da Costa. Anais Per11a111b11ca11os, Recife, 4:58-60, 1952.
Bernardo Vieira havia recebido cerras no Ararobá. Juntamente com seu 27
"Tanto que chegamos a Jaguaribe, soube logo o inimigo ser limitado o meu poder,
irmao Antonio, Bernardo Vieira lutou contra os xucurus (tarairiús) na- animando-se como saberem ter me faltado o socorro que pedí ao Ceará, que o man-
daram saber, pos-se a minha espera. E como estes bárbaros nao fazem dano senao
23
Carta do padre Joao da Costa, ribeira do A\:u, 26/8/1699. AHU, Pernambuco, caixa 14. debaixo de trai9ao para melhor lhes facilitar, mandei dizer-lhes os ia buscar debaixo
24
Os ofi ciais da Fazenda q ue estavam no arraial do A\:u para fazcr o pagamento do ter90 de toda a amizade e juntamente pedir-lhes socorro para dar nas outras na~oes por ser
confirmavam que a guerra era justa e que "todos os que querem contrad izer essa limitado o meu pode r. / Com este aviso se animaram muito, segundo depois [nos]
verdade" cstavam, na verdade, "buscando todos os meios para que o ter90 de deses- concaram os prisioneiros, para melhor executarem seu mau intento, veio logo o prin-
perado se recolha" . Certidao de Manuel da Silva Te ixe ira, provedor da F azenda Real, cipal buscar-me oferecendo-me toda a sua gente para me acompanhar, e como o cor-
Manuel Fernandes de Melo, almoxarife, e Manuel Gon9alves Branco, escrivao da reio me d issesse os achara sem a sua família, lhes d isse a mandassem recolher, que de
Fazenda Real, 22/10/ 1699. In: Barao de Studart (ed.). "Documentos relativos ao mes- oucra sorte e ra darmos motivo de desconfian\:a, assim o promeceu, e com a certeza de
tre-de-campo Morais Navarro". RIHGC, 31: 185-6, 1917. que os tinh a recolhido marchei de madrugada... etc. etc.". Carta do mestre-de-cam-
25
E val do Cabra! de Mello. A fronda dos mazombos. Sao Paulo, 1996, p. 116-7; carta de po ao governador-geral, 25/8/1699. AHU, Río Grande, caixa l , 47.
Os membros da Congrega~ao do Oratório eram cambém chamados de néris (em razao
211
Pedro Lelou a d. Joao de Lencastro, 17/12/1699. AHU, Río Grande, caixa l, 47. Sobre
Francisco Berenguer de Andrade, veja também F. A. Pereira da Costa. A11ais Pernam- do seu fundador, Sao Filipe Néri), ou de lóios, recoletos ou manigrepos. Evaldo Cabra!
b11ca11os, Reci fe, 4:341-3, 1952. de Mello. A/ronda dos mazombos. Sao Paulo, 1996, p. 96-7.

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252 P A U L I S TAS X t-.1 A Z O M B O S PA U LIS TAS X l\I AZO M B OS 253
"' do Davi de Albuquerque [Saraiva]". 29 Nesse sentido, o sargento-mor do dos néris de Santo Amaro, que haviam sido expulsos. Para executar
prevenia o bispo de que, com sua atitude, dava milho ao bode, ajudan- a ordem de sua readmissao, fora indicado justamente um cerco frei Be-
do aos que faziam de tudo para desmoralizá-lo. nedito de Sao Bernardo, da ordem de Sao Bento. É aqui que nossas his-
A Congrega9ao do Oratório, originada da iniciativa de padre Joao rórias se cruzam. Este beneditino acabou se deparando, na sua missao,
Duarte do Sacramento em 1662, era no final do século a comunidade com a simpatía que o bispo de Pernambuco, frei Francisco de Lima.
eclesiástica mais numerosa da Pernambuco. Seu objetivo principal sem- tinha pelos néris da Madre de Deus. Asua revelía, no dia 30 de setem-
pre fora a atividade missionária, e Joao da Costa fazia parte de urna lon- bro de 1699, frei Ben edito foi a Madre de Deus cobrar a readmissao
ga tradi9ao de dedicados catequistas enviadosªº sertao para convercer dos expulsos e foi recebido de forma hostil. Após algumas situac;oes,
o gentio, que se temia inseminado pela heresia dos holandeses. Junta- freí Benedito excomungou os néris e, em resposta, obispo acabou ex-
mente com a Congrega9ao de Portugal, a casa pernambucana foi reco- comungando o beneditino. Segundo Cabral de Mello, "as excomunhoes
nhecida pela Santa Sé em 1671, quando lhe foram outorgadas as regras rrocadas entre o bispo e o frade paralisaram a vida religiosa da capita-
de Valicella, a principal casa dos néris italianos. Os oratorianos manti- nía, agredindo um cotidiano dominado pelo sagrado, as vésperas do pe-
nham um hospício em Santo Amaro que servia, sobretudo, ao repouso ríodo de festas religiosas de fim de ano". Dessa forma, o conflico dege-
dos missionários. Desde 1672, quando o padre Sacramento resolveu nerou pela gente da capitania e pelos religiosos de outras ordens, que
adatar as novas regras de Lisboa, conseguidas pela interven9ao do pa- ora tomavam o partido do bispo, ora do beneditino. Entre os mais exal-
dre Bartolomeu de Quental, seu mentor, as disputas sobre o entendi- tados no lado <leste último estavam os capuchinhos e os terésios, que,
mento da sua ado9ao dividiam os congregados. Como mostrou Evaldo juntamente como advogado dos dissidentes, Davi de Albuquerque Sa-
Cabral de Mello, de quem nos servimos para tratar desse assunto, quan- raiva, espalhavam o motim em discursos e comícios na cidade.30
do padre Sacramento e outros religiosos resolveram transferir-se para o Como mostrava Lelou, por trás do rábula e de frei Benedito, e calvez
Recife, a discórdia ganhou dimensao secular. Resumindo o argumento, de toda a exalta9ao mazomba, estava o tio de Bernardo Vieira, Francis-
a instala9ao no Recife visava intensificar a pastoral em área de grande co Berenguer, descrito como um "mau hornero e diabólico em fazer
densidade demográfica, assegurando "o crescimento do Oratório em manifestos falsos, sem temor de Deus, homem que traz 62 demandas
Pernambuco mediante sua inser9ao no meio urbano". Nao obstante, o empatando a todas sem pagar nem restituir d'alheio, um verdadeiro
núcleo primitivo, ligado ao recolhimento de Santo Amaro e mais inte- perturbador da república, semeando nela mil cizanias". 31 Exatos sete
ressado na missiona9ao, opunha resistencia a esta estratégia identificada dias antes do início desees tumultos, obispo nao havia excomungado o
com os mascates recifenses. Nao era a toa que o novo convento da Ma- mestre-de-campo do ter90 dos paulistas, a pedidos do partido que, ago-
dre de Deus fora construído em terreno doado por Antonio Fernandes ra, buscava desmoralizá-lo? Via-se entao urna alian9a circunstancial, na
de Macos. Coma morte do padre Sacramento (1686), que seria em bre- qual tanto os "filhos da terra" como os "filhos do reino" uniam for9as
ve empossado como novo bispo de Pernambuco, o padre Luís Ribeiro
ascendeu a prepositura. A partir daí, urna série de conflitos relativos as 30
E valdo Cabra! de Mello. A fronda dos mazombos. Sao Paulo, 1996, p. 96-117. Segundo
regras e a política interna da congrega9ao degenerou em urna situa9ao Pedro Lelou, Oavi de Albuquerque Saraiva era "natural da Covilha, descendente
de confronto aberto entre dois partidos, que se alinhavam de acordo daqueles que seguiam os exacrandos ritos da leí velha, que fora merce de Oeus cirar
com a disputa que dividia os "filhos da terra" e os "filhos do reino". a semelhances da pra~a para o sossego de seus povos". Sobre esses conflitos, veja a cole-
canea impressa para uso da Mesa de Consciencia e Ordens: "Sumário das concrovérsias
Sem querer entediar o leitor com um resumo do que pode aprender
movidas em a Congrega~ao do Oracório de Pernambuco, as quais se impúem última
com minúcia no exato texto do historiador da "Fronda dos ~Iazombos", decisao, assim pelos decretos da Sagrada Congrega~ao de Propaganda Fide como pelo
o que nos interessa é entender que o conflito acabara por separar os incluso Moto próprio do SS. Papa Clemente XI, com cocal extin~ao de todas e perpé-
oratorianos das missoes e os da Madre de Deus. Simplificando, depois tuo silencio, 1702". BNP, ms. portugueses, cód. 28, fls. 361-8. Para a história dos
de várias brigas e defec9oes, a querela foi bater no papa e depois na oratorianos de Pernambuco, veja també m o livro de Maria do Céu l\1edeiros. lgreja e
Rela9ao eclesiástica de Lisboa, que julgou favoravelmente pelo partí- do111i11aroo no Brasil tscravisto. O caso dos oratorianos de Pen1a111buco, 1659-1830. Joao
Pessoa, 1993; e Ébion de Lima. A congregafño do Oratório 110 Brasil. Petrópolis, 1980.
31
Can a de Pedro Lelou a d. J.o ao de Lencastro, 17/12/1699. AHU, Río Grande, caixa
29
Carta de Pedro Lelou a d. Joao de Lencascro, 17/12/1699. AHU, Río Grande, caixa 1, 47. 1, 47.
254 P A U L J S TA S X M A Z O M B O S P A U L 1 STA S X M AZ O M BO S 255

" para escangalhar os paulistas. Joao da Costa - que, apesar de missio- listas, pernambucanos, baianos ou "filhos do re ino". Como queria
nário interessado nos negócios do sertao, nao parecía nada simpático Capistrano de Abreu, vivía-se um mome nto de con s tru~ao de identida-
aos dissidentes de Santo Amaro - contava com grande prestígio no des locais, inspiradoras do nativismo que alimentou diversas revoltas
establishment eclesiástico pernambucano, a ponto de, em meio a tama- no sécu lo que se iniciava. Nao é muito improvável imaginar que, de
nhos dissensos, conseguir espa~o para que sua queixa fosse apreciada volta a casa, onde as mulheres blasonavam a covardia de seus maridos
pela Junta das tvlissoes, em reuniao aliás boicotada pelos religiosos con- di ante dos estrangeiros, os rancores desees sertanejos "saopaulistas",
trários ao hispo, que, afinal, o tinham por excomungado. 32 che ios de experie ncias conflituosas com os pernambucanos, tenham
Podemos aqui aventar outras possíveis conexoes que revelam o ca- insuflado o nativismo de seus compatriotas que, como alguns deles,
ráter político dos conflitos deflagrados com o massacre do Jaguaribe. haviam se metido no novo negócio da colonia. Valorizando as reais co-
Para Odilon Nogueira de Matos, a demanda enviada ao rei pela camara nex5es entre as diversas regioes da América portuguesa no final do sé-
de Sao Paulo, em 7 de abril de 1700, era o prenúncio da grande rivali- culo, podemos imaginar que se assistia no Rio Grande, nao apenas a
dade que oporia paulistas e emboabas na regiao mineira e que desem- mais um capítulo da "Fronda dos Nlazombos", tao minuciosamente es-
bocaría nos embates de 1708-1709. Nesta carta, os paulistas pediam tudada por Evaldo Cabral de Mello, mas també m ao primeiro episódio
exclusividade na doa~ao das datas de cerras nas minas, pois haviam sido da chamada "guerra dos emboabas" - em que, inversamente, os es-
"os descobridores e conquistadores das ditas minas, a cusca das suas trangeiros seriam os paulistas e os peticionários, os pernambucanos.
vidas e gasto da sua Fazenda, sem dispendio da Fazenda Real" .33 Qua-
se sim'ultaneamente (mas invertendo os papéis), no Río Grande, os A devassa de J oao de Matos Serra
emboabas eram os paulistas. Como se sabe, havia diversas linhas de
clivagem, naq ueles tempos, entre grupos de colonos, fossem eles pau- Voltemos ao imbróglio no Rio Grande. Joao da Costa e seus prová-
veis aliados mazombos haviam conseguido comprometer o hispo na alta
indaga~ao do caso, de modo que o prelado resolveu fazer urna devassa
3z Segundo Evaldo Cabral de Mello, "os guardiaes dos conventos franciscanos do Reci-
fe e Olinda mostravam-se os mais exaltados de todos, negando-se mesmo, com o para circunstanciar as suas decisoes e as da Junta das Missoes. O vigário
prior de Santa Teresa, a comparecer a urna reuniao da Junta das Missoes, marcada do Ceará, Joao de Matos Serra, acompanhado de um escrivao, partiu
para discucir a liberdade dos índios do Jaguaribe (Ceará), com a explica~ao de esta- com a missao de anotar os testemunhos que confirmassem a versao de
re m canonicamente proibidos de falar com o bispo e com os oratorianos" . Passados Joao da Costa. Foram inquiridos, segundo os autos, vários moradores
dez anos, feíto prepósito da Congrega~ao, Joao da Costa seria tido por um dos mentores
do levance dos mascares em 18 junho de 1711, que culminara no atentado a Bernardo
da ribeira do Jaguaribe, do A~u e da cidade do N atal, entre os días 30
Vieira de Melo e sua prisao. O oratoriano se fazia, entao, inimigo figadal do partido de outubro e 30 de novembro de 1699. Com efeito, todos os testemu-
dos mazombos. Com efeito, nas palavras de Evaldo Cabral de Mello, "o papel de- nhos colhidos confirmavam, na letra, a versao do missionário. Repetin-
sempenhado pelos oratorianos ultrapassou de muito o de meros coadjuvantes do do-se de forma ma~ante, com pequenas varia~oes nos parágrafos, os autos
movimenco recifense, tornando-se seu verdadeiro cérebro". Acamara de Olinda ti- da devassa revelam urna opera~ao calculada para fornecer elementos
nha como certo o conluio e ntre Joao da Costa, "o congregado-mor dos levantados", e
o ca pitao-mor da Paraíba, Joao da Maia da Gama, q ue reunía mais de tres mil homens,
q ue incriminassem o mestre-de-campo e convencessem o Conselho Ul-
incl uídos muitos tapuias, para o socorro dos mascares. Evaldo Cabra! de l\1ello. A tramarino do desregramento das atividades de seu ter~o. 34 Encaminha-
fronda dos mazombos. Sao Paulo, 1996, p. 115, 343 e 367. Veja a carta da camara de
Olinda ao capitao-mor da Paraíba, em que o acusam da cavi l a~ao revelada pela prisao 34
de um negro, correio das cartas para os capitaes-mores das freguesias e para Joao da Veja, por exemplo, parte do depoimento que Cristóvao Soares de Carvalho, capitao
Cosca, 26/6/1711 . In: José Bernardo F ernandes Gama. Memórias históricas da província de urna companhia de ordenan~a da ribeira do Jaguaribe , solteiro, 45 anos, contou na
de Pernambuco. Recife, 1847, tomo IV, p. 77-85. igreja da madre de Deus da missao de Jaguaribe: "Aos trinca dias do mes de julho
33 Odilon Nogueira de Mattos. "A guerra dos emboabas". In: Sérgio Buarque de Holanda cntrou nessa ribeira o mestre-de-campo do ter~o dos paulistas, Manuel Al ves de l\tforais
(org.). História geral da civilizociio brasileira. Sao Paulo, vol. 1, p. 297, 1968. A melhor '.'Javarro, com grande parte da gente do seu ter~o e muicos tapuias do A~u da na~ao
crónica dos acontecimentos é a de Charles Ralph Boxer, em seu livro The Golden Age of Janduí, chegou a esta aldeia da Madre de Deus donde foi rccebido assi m pelo padre
Brazil. Growing Pians of a Colonial Society, 1695-1750 (1962). Lisboa, 1995 (capítulo missionário como pelos capuias com muita cortesía e urbanidade era cando-se os tapuias
111, "Paulistas and E mboabas"), p. 61-83. Veja também o clássico escudo de J. Soares que acompanhavam o dito mestre-de-campo com amor e amizade, [... ] e já indo o
de Me llo. Emboabas, chronica de uma revolt1riio nativista. Sao Paulo, 1929. mestre-dc-campo por essa ribeira acima publicando ia a fazer guerra no gentío cha-

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PA U L 1 STA S X t-.1 AZO t-.1 B OS 257
,. da esta papelada no final de junho de 1700 para Lisboa, o hispo pedia
vez que os testemunhos registrados, sem excec;ao, limitaram-se a repe-
que os conselheiros julgassem o acerto de suas atitudes em face de "urna
a9ao tao ímpia e tao contrária as leis" .-t5 Co1no o leicor pode concordar, a tir a versao do missionário. De acordo com Navarro, a devassa fora feita
acusa9ao de parcialidade d essa devassa nao é de coda extravagante, urna sob constante ameac;a de reprimendas e por testemunhos de "homens
ineptos e miseráveis", rendo sido concluída em Natal nos próprios apo-
sentos do capitao-mor. Além disso, na opiniao do mestre-de-campo, o
mado caratiús, chegando defronce do presídio que está nesta ribeira por sua maior defesa,
escrivao que acompanhou o vigário do Ceará, um ceno Baltasar Antunes,
daí mandou chamar a um capitao por nome gianpapusú [sic], que era um dos que tinham era "homem maligno e revoltoso que está sacisfazendo o degredo que
primeiro dado a nova Aldeia dessa mesma na9ao dos paiacus, escrevendo-lhe amistosa- se !he deu para o Ceará, por um crime que cometeu, homem que di-
mente e tendo-lhe muita amizade com consta de urna carta que lhe escreveu e ele cesce- zem está julgado neste reino por banido, de furto de urna moc;a, que há
munha viu dizendo-lhe que fora com coda a sua gente para os ajudar a dar guerra aos anos se furtou em Guimaraes" .36
caratiús, e obedecendo prontamente o dito tapuia capitao com os seus mais aliados, e
chegando a presen~a do dito mescre-de-campo com seus soldados melhores e filhos e
Pedro Lelou, em sua defesa das a96es do terc;o dos paulistas, per-
tudo, lhes os deixou o dito mescre-de-campo levar-se por quem os queria ver e dar algu- guncava se era crime passível de excomunhao matar o inimigo infiel,
mas dádivas indo os diros tapuias humildemente proscrando-sc aos seus pés rendendo- junto aos quais estavam "alguns batizados, que se foram meter com
lhe [vassalagem], [... ]o dito mestre-de-campo, sem alguma piedade, matou ao dito capi- eles com o mesmo desígnio de degolar o paulista"; pois se assim fosse,
tao com urna carabina quando se lhe pós [aos ... ] seus pés, sendo essa a senha para os seus e ntao deveriam estar excomungados "codos os príncipes e cabos da
soldados degolassem os mais tapuias paiacus, como antes lhes cinham dado por ordem
segundo se publicou e moscrou o sucesso em cujo conflico se diz mataram mais de qua-
Europa", "onde atualmente se degolam uns aos outros, sendo batiza-
trocencos e cacivaram oucros cancos entre pequenos e grandes, velhos e mulheres, entran- dos". Além disso, o argumento de que as terras eram originalmente dos
do nestes muicos bacizados e os mais catecúmenos, cirania esca que escandalizou ao todos índ ios e que os paulistas queriam tomá-las nao se suscencava na lógica
os criscaos e deixou essa ribeira em notável perigo, pois retirando-se logo para o A~u, da política do Estado moderno. Como poderiam dizer, na Junta das
[poderiam] os tapuias com facilidade e estimulados desea craii;ao macar a todos os mora- Missoes, que "a terra é sua [dos índios] e nao podemos tomá-la, como
dores desta ribeira... etc.". Além dessa testemunha, foram ouvidas, no dia 30 de outubro
de 1699 na igreja da madre de Deus da missao de Jaguaribe: Domingos Pereira Ramos,
tomou el-reí de Cascela a Portugal, que possuiu cantos anos? E o reino
solteiro, 47 anos; Pedro de Sousa, capitao de urna companhia de cavalos de ordenani;a da · de Nápoles, Sicília, Milao, em Espanha, Valenc;a, Aragao e Navarra e
ribeira do Jaguaribe, solteiro, 50 anos; António Velho de Brito, solteiro, 25 anos; Miguel outras mais domina96es que tinham legítimos herdeiros? E sua santi-
Pereira de Abreu, solteiro, 60 anos; José Coelho, solteiro, 35 anos; Belchior Pinto, eapicao dade, o Ducado de Urbino, sendo príncipes católicos?". E Lelou pros-
do presídio da ribeira do Jaguaribe, 48 anos; Macias Cardoso, casado, 40 anos; Manuel seguia seu arrazoado:
Rabelo, solteiro, 2S anos; Manuel da Cosca Romeiro, casado; António de Faria, solteiro,
25 anos; Gabriel Barbosa Mcndes, casado, 48 anos; Joao de Sousa de Vasconcelos, tenen-
te de uma companhia de cavalos de ordenan9a da ribeira do Jaguaribe, solteiro e 66 anos; "Pareceu-me que mais aceito será a Deus extinguir esta vil cana-
Filipe de Sousa, solteiro, 36 anos; Manuel Ferreira da Fonseca, solceiro, 26 anos. Teste- lha e povoar as terras com criaturas que o louvam e levantam tem-
munhas ouvidas no dia 30 de novembro de 1699 na ribeira do A9u: Francisco de Brito plos para neles sacrificar os sacrifícios e holocaustos que lhe <leve-
Correia, casado, SO anos; José Pereira, casado, 26 anos; Gabriel do Vale, solreiro, 22 anos; mos. E vejam como Cristóvao Colon [Colombo] e o da fama, Fernao
Jerónimo Freire de Carvalho, solteiro, 2S anos; Pedro de Albuquerque, casado, 27 anos.
Testemunhas ouvidas no dia 27 d~ outubro de 1699 na cidade do Natal: Gaspar Freire de
Cortes, obraram no descobrimenco desta América, e o formoso im-
Carvalho, capitao de urna companhia de ordenan9a do Rio Grande, casado e morador da pé rio novo que tem el-rei de Cascela adquirido com as armas sem
cidade, SO anos; Bento Teixeira Ribeiro, sargento-mor das ordenan~s da capicania do Rio e mbargo haverem tido suas controvérsias sobre a matan9a do gentío
Grande, casado, 40 anos; Domingos Carvalho, casado, 40 anos; Manuel Trigueiro Soares, no ano de 1492, reinando el-rei d. Fernando, e hoje está com cida-
alferes, casado, 35 anos; Bento Pimentel, casado, 30 anos; António da Costa, alferes da des imperiais com o México e em seu com tanta grandeza e magni-
companhia da ordenan9a do Rio Grande, casado, 40 anos; Diogo [Pereira] Malheiros,
capicao de urna companhia da ordenan9a do Rio Grande, solteiro, 40 anos; Manue l Go-
ficencia e poder que pode competir comas mais formosas da Espanha
mes de Araújo, solteiro, 45 anos; Joao Oias de [Melo], casado; Teodósio [Graxismao], e de Franc;a... " 37
capitao de urna companhia d a ordenan~ do Rio Grande, casado. "Autos da devassa que
mandou fazcr o contra Manuel Álvares de Morais Navarro, outubro/novembro de 1700".
AHU, Pernambuco, caixa 14. 36
35
Carta do bispo de Pernambuco ao rei, 29/6/1700. AHU. Pernambuco, caixa 14. Carca de Manuel Álvares de Morais Navarro ao rei 6/5/1700. AHU, Río Grande, caixa l, 51.
37
Carta de Pedro Lelou a d. Joao de Lencascro, 17/12/1699. AHU, Rio Grande, caixa l, 47.
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" Nao obstante, o mestre-de-campo e os paulistas eram acusados, nos sua Ioja com urna corrente no pesco90 e grilhoes nos pés" . Como sabe-
28 depoimentos transcritos nos autos, de procurar tomar as cerras nao mos, este Balcasar Gon9alves era dos que haviam, segundo Navarro,
aos índios, mas aos moradores, forjando para tanto urna guerra justa que a9ulado os janduís a trai9ao. Consta, ainda, que passando pelo sítio cha-
Ihes permitiria proclamá-las conquistadas e, portanto, suas, urna vez que, mado Piancó, onde urna Maria da Costa tinha um curra) de gado, o mes-
como já foi dito, o regimento do ter90 garantia aos pauliscas a posse de ue-de-campo o mandara queimar e prendera o vaqueiro, tomando-Ihe
todas as terras que conquistassem. 38 Um dos moradores da ribeira do rudo o que tinha. Dizia, segundo a denúncia, "que quem naquele sítio
Jaguaribe, por exemplo, testemunhou que largamente se dizia que desea q uisesse ter gado ou currais lhos havia de aforar, ou alugar, porque aque-
vez o mestre-de-campo viera fazer guerra ao gentio, "porém nao na ou- las cerras eram suas, e eu [rei] lhas tinha dado. E coma mesma petulan-
tra [i.é, na próxima]", pois "logo havia de vir fazer guerra aos morado- cia impedira ao mesmo capitao de cavalos daquela campanha, Antonio
res, queimando-lhe as casas e os currais pois os nao queriam despojar- Álvares Correia, que nao fosse povoar outras cerras suas onde já havia
se sendo dele as terras por lhas haver dado Sua Majestade". Navarro, rido o seu gado" .42
segundo este depoimento, chegara mesmo a colocar um edital na porta Escas brigas eram comuns na Colonia, notadamente neste momento
da igreja da Madre de Oeus, no qual ordenava que "nenhuma pessoa de rápida expansao territorial e lenta consolida9ao dos poderes Iocais.
povoasse terras nesta ribeira por serem suas", "pondo para is to graves E m julho de 1689, a camara de Natal havia encarr1inhado ao rei um
penas assim de gados perdidos como de outros castigos corporais" .39 memorial que denunciava a violencia imperante no sertao do Rio Grande
Em outra ocasiao, os moradores do Rio Grande se queixavam que ele por conta das disputas por cerras. Segundo o documento, a desigualda-
com seu ter90 "se alojavam junto as suas cerras e usavam delas, dizen- de na distribui9ao das sesmarias e a confusao dos limites entre elas eram
do que lhe pertenciam na forma do seu contrato" .40 De acordo com a a causa da maior parte dos conflitos. Nesta capitania, dizia o documen-
opiniao de Joao de Lencastro, em carta escrita ao rei em janeiro de 1700, to, havia "sujeito que possui 20 e 30 léguas sem ter cabedal para as
o motivo da conspira9ao que se fez para destruir o ter90 nao era outro povoar, [ao passo que] alguns moradores desea capitanía estao sem ter
do que o de "Vossa Majestade haver concedido aos paulistas as cerras nenhuma, e demais disso [havia] urna grande confusa.o nas demarca-
que eles conquistassem aos bárbaros daquela capitanía" .41 96es e domínios, de que resultam dúvidas nestes sertoes, donde por
Nesse particular, vários eram os abusos e vexa9oes praticados por estar distante o governo e jusci~ se averiguam as pelouradas [ciroteios];
Manuel Navarro, conforme denúncias substanciadas em urna carta ré- e tem por esta causa procedido mu itas mortes". Nesse sentido, os edis
gia de dezembro de 1700. Como no caso do edital que o Bernardo Vieira pediam que o rei enviasse o ouvidor-geral para que tomasse "conheci-
de Melo pos nos sítios do A9u, por ser sua jurisdi9ao, para que ninguém mento desea matéria, vendo as cerras que há e as repartindo respectiva-
levasse gado sem o registrar, "por haver queixa dos moradores, dos mente pelas pessoas desca capicania que tem servido a Sua Majescade
descaminhos e furtos que nisto havia". Segundo denúncia do capitao- com tanto desvelo a sua cusca em toda essa guerra do gencio bárbaro e
mor, Navarro "mandara tirar o dito edital e o rompera dizendo que na- está acualmente suprindo com suas fazendas" .43 Pedía-se, com efeito,
quele sítio só ele governava, e todos lhe haviam de obedecer". Outro q ue fosse colocado em prática o' estabelecido no alvará de 10 de feve-
abuso ocorreu quando Vieira de Melo mandou o capitao da ribeira do reiro de 1645. Considerando haver muitas cerras devolutas no Brasil,
A\:u, Baltasar Gon9alves, passar a mostra a gente da sua companhia. O esta lei ordenava que as que nao fossem beneficiadas em cinco anos
mestre-de-campo nao só se recusou a entregar os soldados que estavam deveriam ser redistribuídas para quem melhor parecesse ao governa-
integrados em seu ter90, como prendeu o <lito capitao, mantendo-o "na dor, para o que se deveriam publicar editais. lsto já havia sido feito no
te mpo do visconde de Barbacena, que, tendo notícia de que várias ter-
ras da capitania do Río Grande estavam devolutas, mandou publicar
38
Carta de Joao de Lencascro para Morais Navarro, 4/2/1699. DH, 39:41-5.
39
"Testemunho de Domingos Pereira Ramos", Autos da devassa que mandou fazer o
contra tvfanuel Alves de Morais Navarro. AHU, Pernambuco, caixa 14. .¡z Carta régia 15/ 12/ 1700. AHU, códice 257, fl . 72v-3v.
°
4
Carta de Lencascro para o mescre-de-campo, 6/4/1700. DH, 39: 114-6. 43
tvlemorial que acamara de Natal endere~ou ao rei, 2/7/1689, no 2. 0 livro de registro
41
Carca de Lencastro ao re i, 7/l/1700. In: Barao de Scudart (ed.). "Documentos relati- de carcas e provisocs do senado da Camara de natal, de 1673 a 1690, citado por Carlos
vos ao mescre-de-campo Morais Navarro". RIHGC, 3 1:204-7, 1917. Studart Filho. Páginas de histólia e pré-história. F orcaleza, 1966, p. 129.
260 P A U L 1 STAS X M A Z O M B O S P A U L l S TA S X M A Z O l\11 B O S 261
"' novos editais para redistribuir as terras. 44 Já em 1676, a Coroa havia en- confirma96es e cartas dentro de seis meses. No caso de Pernambuco,
viado o desembargador Sebastiao Cardoso Sampaio para verificar a ti- foi comissionado nessa diligencia um desembargador da Rela9ao da
tula9ao e as condi96es das sesmarias que haviam sido concedidas no Babia, Joao de Puga e Vasconcelos, que tombou as cerras da capitania,
sertao da Bahia. 45 O regimento de Roque Barrero, de 1677, encomen- identificando os atuais proprietários e garantindo, assim, seus direitos
dava que o governador ficasse atento ao povoamento e produtividade patrimoniais. 49
das sesmarias, caso fosse constatado o nao-aproveitamento das cerras Na Bahía, a rea9ao a devassa de Joao de Matos Serra veio em segui-
dadas em sesmarias, deveria tirar as terras- de seus donos e dá-las "a da. Joao de Lencastro acusava esse conluio dos sesmeiros de pretender
quemas cultive e povoem na forma do regimento das sesmarias" .46 desestabilizar a presen<;a do ter<;o no sertao. Em urna carta ao seu pri-
En1 1697, Bernardo Vieira de Melo relatava a sicua9ao do Rio Gran- mo e colega de Pernambuco, Fernando Martins Mascarenhas de Len-
de, onde eram "tao grandes as confusoes que há nesta capitania sobre castro, o governador-geral dizia que "o ter<;o dos paulistas cem hoje con-
cerras e datas delas que tem sido u1na guerra civil entre muitos com mor- tra si todas as pessoas que _na dita capitanía do Rio Grande cem cerras
tes e demandas sendo coisa muito ilícita estarem muitos moradores da de sesmaria conquistadas aos bárbaros". Joao da Costa, por sua vez, in-
Bahia e Rio de Sao Francisco senhores de todos estes sertoes". Esta sinuava que seus interesses eram outros: "Os que vem a reduzir almas
guerra civil, comas muitas mortes que praticavam,os baianos, teria sido, nao devem estabelecer currais" .5°Com efeito, os oratorianos eram co-
do seu ponto de vista, "a causa do levante do gentio". Como se perce- nhecidos po.r cerem grande riqueza em terras no sercao e currais de ga-
be, o capitao-mor destilava aquí todo o seu ódio e a for<;a de seu nativis- dos, doados em grande parte por fiéis ou mesmo comprados com o di-
mo. Para ele, esses baianos eram "gente tao revoltosa que, em se vendo nheiro da_s esmolas. ~1aria do Céu Medeiros sugere que, com tantas
naqueles sertoes, vivem como régulos" .47 Objetivando atalhar esta si- sesmarias, os oratorianos provavelmente nao as podiam conservar to-
tua<;ao conflituosa entre os moradores e, mais importante, visando abrir das, de modo que também estariam sujeicos as redistribui<;oes. 51 Fazia
oportunidades para os recém-chegados, J oao de Lencastro promovía, sentido, portanto, seu alinhamento com os moradores e o partido dos
em 1699, mais urna publica<;ao de editais oferecendo sesmarias aos in- mazombos. Com rela<;ao a decisao da Junta das Missoes que declarava
teressados. Urna carta régia de 12 de janeiro de 1701 determinava a a guerra injusta e fundamentara a pastoral do hispo, Lencastro dizia,
redistribui<;ao específicamente para o Rio Grande.48 Dois anos depois, com cerca exalta9ao, que "nenhuma junta ou tribunal poderia derrogar
o rei mandou por editais em codas as capitanías do Brasil para que os u1na lei viva". Segundo ele, era certo que Bernardo Vieira de Nlelo pra-
sesmeiros ou donatários que tivessem datas de cerras apresentassem as ticava a9oes escandalosas no exercício de seu poseo, como haver no-
meado seu filho de dezessece anos, que já era juiz ordinário (isco é,
oficial da camara de Natal), como alferes da fortaleza. Mais grave ainda,
44 Alvará que ordena ao provedor da fazenda do Rio Grande mande pór editais sobre as havia dado armas e avisos ao gentío "para que destruíssem o dito cer-
terras que se tém dado de sesmaria, 13/9/1675. DH, 25:456-7. 90". Se civess~ provas, mandaría buscar-lhe "preso em ferros ... " 52 Em
45
Cf. lnácio Accioli de Cerqueira e Silva. Memórias históricas e políticas da prvvíncia da
Bahia. Salvador, 1940, vol. 2, p. 56-7.
46 49
Cf. capítulo 24 do Regimento de Roque da Costa Barreto (1677). Cf. M.C. de 1V1en- Consulta do Conselho Ultramarino, 6/6/1703. AHU, Pernambuco, caixa 16; e Aucos
don9a (ed.). Raí:z:.es da formarlio administrativa do Brasil. Rio de Janeiro, 1972, vol. l, da diligencia de Joao de Puga e Vasconcelos 12/1/J 706 inclusa na consulta do Conse-
p. 779; e Joao Alfredo Libanio Guedes. História administrativa do Brasil. Rio de Ja- lho Ultramarino, 30/8/1706, AHU, Pernambuco, caixa 16. Joao de Puga e Vasconcelos
neiro, 1962, vol. IV, p. 181 ou também nos DH, 6. havia sido ouvidor-geral cm Angola antes de ser nomeado para a Rela9ao da Bahía.
47
O capicao-mor sugería que o rei enviasse "um sesmeiro com ordem que comando Sobre o "sistema semarial" no Brasil, veja o livro de Costa Porto (Recife, 1965), em
bem conhecimento de tudo repartisse essas tercas como é ra:áio e pelos que tenham particular o capítulo 31, p. 93-113.
-o
posses para as povoar, e o sesmeiro tome conhecimento de todas as datas, termos e ~ Carta de Lencastro ao governador de Pernambuco, 11/J 1/1699. DH, 39:86-9.
51
demarca96es delas e se fa9am as demarca96es como cerras de Vossa Majescade de Maria do Céu Medeiros. lgrfja e domi11ariío no Brasil escravista. O caso dos oratorianos
3.000 bra9as e nao de 2.500 bra9as como se medem as de donatário". Papel de Bernardo de Pernambuco, 1659-1830. Joao Pessoa, 1993, p. 63-4.
·2
Vieira de l\1elo, c. abril de 1697. AHU, Rio Grande, caixa 1, 42, pontos 2 e 12. ~ Carca de Lencascro ao governador de Pernambuco, 11/11/1699. DH, 39:86-92. Se-
48
Carca de Joao de Lencastro para Bernardo Vieira de Meto, 22/3/1699. DH, 39:55-7; gundo o sargenco-mor de Pernambuco, Pedro Lelou, o capicao-mor do Río Grande
carca régia a Joao de Lencasero, 10/10/1698. AH U, cód. 246, fl. 71; e carca régia de 12/ tinha feico "seu filho juiz, sendo rapaz sem ter idade, e juntamente o fez vossa senho-
1/1701. AHU, cód. 246, fl. 127v. ria alferes". Para escandalo geral, "quando [o garoto] anda de juiz leva vara, e quando
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urna carta ao próprio Bernardo Vieira de Melo, Lencastro o ameac;ou: Costa] que que e ra muito bem feito castigá-los" .56 E ste Pe dro Fer-
"Se vosmece continuar no ódio e má voncade que mostra ao mestre- nandes, sacerdote do Hábito de Sao Pedro que ia como capelao do cer-
de-campo e seu cer~o . .. há de experimentar em mim o mais rigoroso ~o, cescemunhara que naqueles días, quando o mescre-de-can1po con-
castigo ... " 53 Lencastro escreveu também ao bispo de Pernambuco, du- versava como padre Joao da Costa sobre a "resoluc;ao que havían1os de
vidando da veracidade da versao de Joao da Cosca, pois tinha em maos comar" (isto é, o que fazer para prosseguir no combate aos caraciús), o
urna carca escrita de seu próprio punho para Teodósio da Rocha, "em dito padre "lhe facilitou todos os meios e disposic;oes da guerra dizen-
que nao só aprova, mas persuade a que se fa~a guerra aos tais índios". 5-t do-lhe que muica merce lhe faria nao ir bulir naqueles que ali tinha na
Anexada aos documentos encaminhados pelos procuradores ao arcebis- aldeia e, ainda [que] os da aldeia se os achasse lá por fora misturados
po, esta carta era datada de 31 de julho de 1699, isco é, quacro dias an- com os outros, tudo ardesse porque ele missionário os nao podía sujei-
tes do sucesso em Jaguaribe e um dia depois da conversa relatada aci- car" .57 De maneira que, nesta versao, Joao da Costa como que "inven-
ma. Sua leitura atenea é muico importante: tara" o inceresse cacequécico dos paiacus da "aldeia nova" e nao so-
mente ceria apoiado o ataque de 4 de agosto, como pedira que os
"Pe~o a vosmece [Teodósio da Rocha] veja como se obra na ma- pau liscas cascigassem os da sua própria missao, "pois se moscravam muí
céria do escrúpulo em que oncem me tocou, que eu nao tenho escrúpulo inobedientes e rebeldes, contentando-se que lhe deixasse ficar só os
de que se obre, mas de que se obre pouco, por escarem como temor mui pequenos" .58 Como queria um dos capítulos dos moradores simpáticos
divididos, e como fugiram muitos, vendo-se picados podem dar so- ao mestre-de-campo, a missao do Jaguaribe era lugar selvático: "Na pa-
bre as fazendas e fazerem alguma destruic;ao, e ficam levantados, veja- ragem onde assiste o di to clérigo", chamada erradamente de "missao
se o que se obra, que a mim me parece que só achando-se muitos velha", assistem "bem poucos tapuias que, na verdade, nao tem obe-
juntos se pode fazer neles alguma coisa, e ainda assim é necessário diencia a Igreja nema Sua Majestade". 59
logo logo outro golpe que corte o resto, e se nao ponha-se esta ribei- Vários missionários confirmaram a versao do mescre-de-campo; grande
ra em grande perigo" .55 parte deles, sintomacicamente, jesuítas e ligados a Bahia.6() Assenso Gago,
que era missionário na serrado lbiapaba, quando a caminho de Pernam-
Segundo a leitura do governador-geral, o missionário escava preocu- buco passou pelo arraial do Ac;u e cercificou-se de que o mescre-de-
pado em debelar os paiacus insubmissos, para o que havia mesmo pe-
dido a ajuda dos paulistas. Teodósio da Rocha corrobora a história, di- sr. Certidao de Teodósio da Rocha, 21/10/1699; veja também a certidao de Pedro Carrilho.
zendo que, na frente dele e de várias pessoas, Joao da Costa havia <lito In: Barao de Studart (ed.). "Documentos relativos ao mestre-de-campo rvtorais
ao mescre-de-campo que "só desejaria [que] se lhe nao entendesse com Navarro". RIHGC, 3 / :182-4, 1917.
57
os tapuias que naquela aldeia cinha capazes de os doutrinar e instruir Cercidao de Pedro Fernandes, 21/10/1699. In: Barao de Studarc (ed.). "Documentos
na fé e que [se] ainda desses se achassem alguns comos do Jenipapoac;u, relativos ao mestre-de-campo ~1forai s Navarro". RIHGC, 3/:181-2, 19 17.
511
Carta de ~lanuel Álvares de Iv1orais Navarro ao re i, 6/5/1700 (oucra). AHU, Pernam-
ardesse a lenha verde co1n a seca, porque ele os nao mandava lá ir". Per- buco, caixa 14.
guntando, no dia seguinte, se tinha certeza de que fazer guerra "a todo 59
Capítulos dos moradores do A~u, 24/10/1699. In: Barao de Studart (ed.). "Documen-
gentío que se achasse fora da aldeia lhe seria de prejuízo ou era coisa tos relativos ao mescre-de-campo rvtorais Navarro". RIHGC, 31: 185-90, 191 7.
injusta, presente o padre Pedro Fernandes, me respondeu [Joao da Mi Como vimos acima, o apoio dos jesuítas da Bahia escava em sintonía com a posi~ao
por eles adotada na ocasiao da lei de 1.0 de abril de 1680. Acostumado que está a
política luso-brasileira, nao creio que o leitor sinca algum embara~o ao julgar o
se quer mostrar militar anda com bastao" ... Carta a d. Joao de Lencascro, 17/12/ pragmatismo dos soldados de Cristo, há tao pouco te mpo em confronto aberto com
1699. AHU, Rio Grande, caixa l , 47. esses "bande irances" de Sao Paulo. É grande a bibliografia sobre o assunto, mas um
SJ Carta de Lencascro a Be rnardo Vieira de rvlelo, 9/1/1700. DH, 39: 103. excelente resumo do conflito entre "bandeirantes" e jesuítas, no sul da Colonia, está
.>-1 Carta de Lencascro ao bispo de Pernambuco, 11/11/ 1699. DH, 39:92-4. em John He mming. Red Gold. Tite Conq11est o/the Brozilian lndinns. Ca mbridge, 1978,
55
Carta de Joao da Costa a Teodósio da Rocha, Aldeia do Jaguaribe, 3 1/7 / 1699. Lencascro p. 254-82. Veja também os capítulos 3 e 4 do livro de Affonso de E. Taunay. Historia
autenticava o documento, "de sua letra", em carca ao reí, 7/1/1700. In: Sarao de Studarc seiscentista da vi/In de Sao Paulo. Sao Paulo, 1926; e a i ntrodu ~ao de Atice P. Canabrava.
(ed.). "Documentos relativos ao mescre-de-ca mpo Morais Navarro". RIHGC, 31: 170 "Joao Antonio Andreoni e sua obra". In: J. A. Andreoni. C11/turn e op11/incio do Brasil,
e 205, 1917. 1711. Sao Paulo, 1967, p. 9-112.
264 P A U L 1 S TA S X M A Z O M B O S P A U L l S TA S X M AZO M BOS 265
,. campo fazia apenas a guerra justa, confirmando toda a história da per- bordinada ao governo-geral, nao seria dali que deveriam vir os missio-
segui9ao do capitao-mor do Rio Grande. Segundo este jesuíta, Navarro nários? O que piorava essa indisposi9ao era o fato de que, desde 1693,
havia favorecido os padres da companhia, pondo os paiacus (que sobra- urna carta régia decidira que os missionários enviados ao Rio Grande
ram) em duas aldeias, nas lagoas do Apodi (Sao Joao Batista) e do Jabuti receberiam suas congruas dos dízimos desta mesma capitania, cujos
(Nossa Senhora da Anuncia9ao, no Jaguaribe).6 1 Outro jesuíta, Joao moradores eram quase todos provenientes de Pernambuco. <H Bernardo
Guinzel (ou Guedes), que chegou ao arraial em 12 de outubro de 1699, Vieira de Melo, em seu já citado papel de 1697, pedía diretamente ao
vendo a situa9ao de penúria e de falta de farinha por que passava a rei "missionários plenos", aproveitando para alfinetar os padres da Com-
gente de Navarro ("havia meses nao tinha aparecido um só grao"), aca- panh ia d e Jesus, que erradamente, segundo sua opiniao, insistiam em
bou por adiar viagem e se deixou ficar por ali. Tao logo a farinha che- ensinar os tapuias na "língua dos mesmos índios" .65
gasse, o paulista se comprometera a conduzi-los aos paiacus, entre os No caso da aldeia de Guaraíras, que vimos no capítulo anterior, fica-
quais missionaria: "logo me verei entre meus queridos e por tantos ca- ra clara a sua indisposi9ao para comos jesuítas. Várias vezes queixou-se
minhos buscados paiacus". Em urna carta em que pedia pela conserva- da atividade desses missionários, responsabilizando-os, no fundo, pela
9ao do ter90 naqueles sertoes, Guinzel relata, com cerca impudencia, morte do rei Canindé, em 1699. Depois de marchar com sua gente pe-
sua posi9ao: los se rcoes do Agu, acompanhando a expedi9ao de Bernardo Vieira de
Melo (como vimos acima), Canindé tinha voltado para a aldeia de
"E se bem nessa última guerra que fez o mestre-de-campo se dimi- G uaraíras, sob o controle dos jesuítas. Além de queixar-se do convívio
nuiu notavelmente o número deles, nem por isso duvido que se acha- for9ado com índios de outras na9oes, os janduís tinham o lugar por "in-
rao ainda bastantes para eu empregar neles o meu limitado zelo; e o salubre" - segundo Vieira de Melo, "pelo sítio ser menos conveniente
fruto que se tirará da dita diminui9ao será viverem os mais sujeitos e ou pela sua na tu reza nao acomodar fora do clima do sertao" . Talvez por
serem mais capazes de receber a doutrina crista. Eu confesso que quan- esse motivo, no ano de 1698, o aldeamento foi vitimado por um "acha-
do tive novas do estrago que se tem feito nesta gente fiquei notavel- que de maleitas, do qual morreram sete ou oito crian9as e juntamente o
mente desconsolado; porém, como depois ouvi as razoes que tinham se u principal chamado Canindé". Este foi o triste fim do "rei dos
obrigado o mestre-de-campo a dar-lhes guerra, nao tive outro remédio janduís" .66 Em urna carta de maio de 1699, o capitao-mor denunciava
que conformar-me com a vontade de Deus, pois ele foi servido permi- que o clé rigo Manuel Serrao de Oliveira, que o bispo enviara, havia se
tir que eles mesmos dessem causa a esta sua ruína" .62 recusado a batizar os índios, o que fez com que, "desgostosos tanto do
achaque que experimentaram como da morte do seu principal, vendo a
Segundo Navarro, todo o rancor de Joao de Matos Serra era devido pouca assistencia que o padre lhes fazia, [fossem] buscando o seu cen-
ao fato de haver pedido missionários jesuítas na Bahía, de modo que tro, que é o sertao". Avisado do sucedido, o ca pitao-mor foi pessoal-
"nao fizera dele [Serra] caso" .63 Como se percebe, tratava-se de urna me nte convence-los a ficar e se estabelecer em outro sítio, mas parecía
espécie de transposi9ao ecle~iástica do mal-estar das questoes de juris- que todos já haviam ido embora por receio dos paulistas. O que nao
di9ao e ntre Bahia e Pernambuco, pois, como aquela capitania era su- impediu que oito deles, como já foi mostrado acima, preferissem engajar-
se nas tropas de Navarro, tendo sido corretamente assentados e incor-
61 porados no ter90. 67
Cercidao de Assenso Gago, serrado Ibiapaba, 5/3/1702. AHU, Rio Grande, caixa 1, 60.
62
Carca de Joao Guinzel, jesuíta e missionário nas aldeias do Rio Grande, a Joao de
Lencastro, Arraial do A~u, 29/10/1699. IEB, códice 4 A 25. Vinte anos depois, quando Na verdade, metade da congrua era normalmente assenrada nos dízimos e a oucra
f>.I
já era reitor no colégio da Bahía, o missionário relatou seu encontro com este "triste metade saía da renda dos mesmos dízimos ou de outra qualquer renda do Estado.
gru po" de cativos a caminho de Pernambuco, onde seriam vendidos. Suas palavras Carca régia a Camara Coutinho, 23/3/1693. DH, 83: 132-3.
sao agora duras para com Navarro. Parecer do padre Joao Guedes, c. 1720. In: Virgínia M Papel de Bernardo Vieira de Melo, 1697. AHU, Rio Grande, caixa 1, 40, pontos 9 e 10.
Rau (ed.). Os 11101wscritos do arquivo da casa de Cadaval respeitantes ao Brasil. Coimbra, "" Carta régia, 15/1/1698. AHU, cód. 246, fl. 60v. Carta de Bernardo Vieira de Melo ao
1956, vol. 2, p. 398. re i, 20/5/1699. AHU, Rio Grande, caixa l , 46.
63
Carta de Manuel Álvares de Morais Navarro ao rei 6/5/1700 (outra). AHU, Pernambuco, 67
Carca de Bernardo Vieira de Melo ao rei, 20/5/1699. AHU, Rio Grande, caixa 1, 46. O
caixa 14. Conselho Ultramarino recomendava que fossem enviadas carcas zelosas ao capitao-
266 P A U L 1 S TA S X M A Z O M B O S PA U L ISTAS X MAZOMBOS 267
" Desde cedo alguns conflitos pela reparti<;ao dos índios surgiram na temor, e sendo esta matéria de muita considera<;ao se faz nestas partes
capitania, opondo moradores a estes missionários. Sobretudo tendo em pouco caso, pelo interesse de seus tratos". Na m esma ocasiao, informa-
vista que os jesuítas, por privilégio real, tinham controle dos aldeamen- va ter dado parte ao governador de Pernambuco de que em Jaguaribe
tos próximos aos povoados, como .tvlipibu e Guaraíras, onde residiam nao se conserva va "a proibi<;ao de se dar armas aos tapuias", pois havia
sobretudo tupis mais adaptados ao modo de vida da Colonia e, portan- achado urna escopeta que um soldado daquele presídio havia vendido
to, mais aptos a faina das fazendas e currais. Em 1680, os jesuítas passa- a um dos tapuias do seu ter<;o: "Mandando o restituísse, estranhei mui-
ram a controlar a reparti<;ao desses índios, o que motivou reclama<;ao dos to ao cabo nao fazer disso comemora<;ao, explicando-lhe eu os encargos
edis de Natal, que argumentavam que até entao tal reparti<;ao se fazia, e n1 que incorreram os que davam armas aos infiéis" .70 Em resposta, em
segundo o estilo local, pelos capitaes-mores e nao pelos religiosos da Com- janeiro de 1700, o governador-geral pedía que o mestre-de-campo Mo-
panhia. Pediam ao rei que reservasse aos jesuítas apenas o governo es- rais Navarro se informasse "das pessoas que venderam e vendem ar-
piritual dos índios das aldeias pois, "melhor seria se fossem catequizar mas aos janduís e outro gentio", autorizando-o a prender qualquer sus-
no sertao" .6s Como podemos perceber, estes alinhamentos e a disputa peito. 71 Navarro alertou ao governo-geral, em urna carta de maio de 1700,
entre as várias ordens religiosas pelo controle dos aldeamentos orienta- que os janduís planejavam "matar todos os moradores deste sertao a
vam a leitura que faziarn os missionários do sucesso de 4 de agosto. fim de lhes tomarem as armas, para com mais poder e melhor guarneci-
dos delas d arem no meu arraial". Em que pese certo exagero, era fato
Armas de fogo que os índios conseguiam também armas de fogo roubando os morado-
res. Na mesma ocasiao, o paulista afirmava que alguns tapuias contrá-
A acusa<;ao mais forre feíta contra os mazombos, tendo em vista a rios haviam aparecido oferecendo cativos em troca de armas de fogo,
pena capital em que incorria o culpado, era a de fornecer armas de fogo comércio que deveria ser impedido.72
aos tapuias bárbaros. O sargento-mor de Pernambuco, Pedro Lelou, es- A provisao sobre as ordenan<;as de 1574 estabelecia regras para o for-
creveu, na carta em que defendía as iniciativas de Morais Navarro, que, necimento de armas de fogo, de Flandres, Alemanha ou Biscaia, que
ao preparar a armadilha, Bernardo Vieira de Melo deu "algumas dez ou deveriam ser oferecidas a bons pre<;os. No Brasil, os mercadores, mer-
doze armas com muni<;oes" para induzir os janduís a atrai<;oar os paulis- ceeiros, te ndeiros, entre outros, deveriam ter "pólvora, chumbo e mu-
tas.69 O mestre-de-campo, por sua vez, recomendava que Lencastro nigoes para venderem as pessoas" .73 O comércio de armas de fogo para
desse ordens para que, "com penas rigorosas", se proibisse "na capita- o Brasil sempre foi urna atividade lucrativa e importante para a manu-
nia do Rio Grande que pessoa alguma possa dar armas aos tapuias que tengao do domínio portugues. Em várias ocasioes, a Coroa preocupou-
conosco estao de paz porque neles nao tem estabilidade nao havendo se em garantir a produ9ao de armas para a sua colonia americana. Em
1675, por exemplo, o Conselho Ultramarino mandou ver se o mestre
espingardeiro Simao Fernandes, morador de Porto Alegre (no Reino),
mor e aos paulistas e que a junta das missoes julgasse as atitudes do <lito padre.
que havia feíto cem espingardas para Angola, nao tinha interesse em
Consulta do Conselho Ultramarino, 29/8/1699. AHU, cód. 252, fls. 226v-7v. Ainda
em 14 de dezembro de 170 1 (data da can a ao rei), o entao capitao-mor do Rio Gran- urna e ncomenda para o socorro do Brasil. F oi firmado um contrato para
de, Antonio de Carvalho e Almeida, se via embrulhado com a recusa dos canindés de
se fi xarem no local assinalado pela Junta das Miss0es, e sua solicica~ao ao rei foi
respondida com um encaminhamenco a mesma Junta. Consulta do Conselho Ul- °
7
Carta do mcstre-de-campo ao governador-geral, 25/8/1699. AHU, Rio Grande, caixa l , 47.
71
tramarino, 9/5/1703. AHU, cód. 265, fl. 168. Em 1704, sugere-se a incorpora<;ao a Carta, 8/1/ 1700. DH, 39:96.
72
aldcia de dezesseis casais de caboclos, porque assistem nela "poucos índios". Carca C arta, 10/5/1700. AHU, Pernambuco, caixa 14.
73
régia, 9/8/1704. AHU, cód. 257, fl. 15lv. Provisao das ordenan~as, 1574. O "alvará das armas" de 1569, nos dá idéia dos tipos
6X Carca do oficiais da camara do Rio Grande ao rei, 4/8/1680, inclusa na consulta do de armamento que podiam equipar as pessoas em meados do século XVI. As armas
Conselho Ultramarino, 31/10/1681. AHU, Rio Grande, caixa 1, 14 e carca régia, 16/3/ de fogo eram o arcabuz e a espingarda; as defensivas, a celada ou capacete e a rodela,
1682. AHU, cód. 245, fls. 78-78v. Em 1680, el-rei concedeu aos jesuítas a adminisua- a adarga ou escudo; as armas brancas, que podiam ser qualq uer espada de marca; e as
s;ao espiritual e temporal dos indígenas, o que causaría reas;ao de vários moradores em armas de arremcsso, o piquete, a lans;a, o dardo e a besta. Veja em rvt. C. de Mendon-
oucras partes da Colonia. Carta régia ao governador-geral, 26/8/1680. DH, 68:8-9. 9a (ed.). R11fzes da fonnarao administrativa do Brasil. Rio de Janeiro, 1972, vol. l, p.
69 Carta de Pedro Lelou a d. Joao de Lencastro, 17/12/1699, AHU, Rio Grande, caixa l, 47. 172 e 145-51.
268 P A U L 1 STA S X l\1 A Z O M B O S P A U L l S TA S X M AZ O M BO S 269
~ a entrega, codo agosto de cada ano, de 600 espingardas ou mais, a se- exportávcl, o que nao ocorria, como podemos perceber, com a própria
rem levadas pela frota. Ao custo de 3$600 réis cada, as armas eran1 um p rodu9ao das armas. Estas necessiravam de fornos especiais para a fun-
pouco rudimentares; de cinco palmos e meio de comprido, de bala de di9ao do ferro, e exigiam grande investimento em cecnologia.
arcabuz e com canos refor9ados, "em cor, por nao criarem ferrugem, A venda de armas aos índios sempre foi proibida. O regimento de
provadas e postas na cidade a sua cusca". A fazenda adiantaria, n.a assi- T om é de Sousa de 1548 já deixava claro que ninguém, " de qualquer
natura do contrato, 500$000 réis. Como no Brasil os moradores ttnham q ualidade ou condi9ao que seja", tinha permissao para dar aos índios
grande falta de armas e o seu pre90 alcanc;ava aqui entre 7 e 8$000 réis, do Brasil "artilharia, arcabuzes, espingardas, pólvora, ne1n muni96es para
o negócio parecía lucrativo acima de tu do. 74 As armas deveriam ser en- elas, bescas, lan9as e espadas, e punhais, nem manchis, nem foices de
viadas, inicialmente, para a Paraíba, onde Joao Fernandes Vieira era ca- cabos de pau, nem facas da Alemanha, nem outras semelhantes, nem
e
pitao-mor e se es1or9ava .
por equipar as con1pan h"tas das ordenan9as. 75 algumas outras armas de qualquer fei9ao, que forem ofensivas e defen-
Ternos ainda notícias de que foram enviadas cem espingardas, da fábri- sivas". A puni9ao para os infratores era severa: "morra por isso morte
ca de Simao Fernandes, para o governador de Pernambuco, que as dis- n atural, e perca codos os seus bens". 78 Nao obstante, isso nao impediu
tribuiu entre os moradores. Como nao quis cobrar por elas, d. Pedro 11 que, com o avan9ar das rela~6es entre luso-brasileiros e indígenas e a
76
lhe enviou urna carta exigindo a quita9ao dessas dívidas. consolida9ao de algurnas das alian~as militares, fosse comum o arma-
As balas ou pelouros poderiam facilmente ser fundidos in loco. Da mento das tropas de silvícolas agregadas nas expedi9oes de guerra e
mesma maneira, o murrao (como era chamado o pavio) podía ser fabri- e ntradas no sercao. Dessa maneira, o regimento dos governadores da
cado no Brasil. Em 1693, o governador Camara Coutinho enviou para o capitanía de Pernambuco, de agosto de 1670, circunstanciava esta proi-
Reino algumas arrobas de amostra de urna "estopa de embira" - ex- bi~ao limitando-a aos inimigos. Mandava que o governador tivesse cui-
traída da casca de urna árvore e muito usada no Brasil para a calafetagem dado "de mandar proceder contra aquetas pessoas de qualquer quali-
dos navíos - e que <lava um "bom murrao". A idéia era exportar para o dade ou condi9ao que sejam, que derem ou venderem artilharia, armas
Reino. A estopa custava doze vinténs a arroba, que depois de limpa de qualquer sorte, pólvora e muni9ao ao gentio que estiver de guerra com
resultava em meia arroba de murrao, que custaria entao 480 réis. O pro- os 1neus vassalos". 79
blema é que nao havia aí quem a "obrasse" em escala. 77 Já a pólvora U ma das características mais importantes da Guerra do Avu, que a
vinha quase coda do Reino. Como já vimos no primeiro capítulo, um dife renciou de todos os outros conflitos anteriores, era que várias das
dos vetores da penetra9ao dos sertoes baianos na segunda metade do na~oes tarairiúus, os janduís, icós, paiacus etc. tinham grande parte dos
século XVII foi a busca das minas de salitre, elemento básico no fabri- seus guerreiros adestrada para as técnicas ocidentais de guerra, e, nota-
co da pólvora negra. Embora várias tentativas de produzi-la em quan- damente, possuíam armas de fogo e habilidade para utilizá-las. Gregório
tidade tenham fracassado, tratava-se de urna tecnologia facilmente Varela de Berredo Pereira, acreditava que esses índios, que antes nao
sabiam atirar com espingardas, "hoje o fazem melhor do que nós" .80
74 Consulta do Conselho Ultramarino, 3/8/1675. DH, 88:44-5. Carta régia, 21/8/1675. Depois de pacificados, os tapuias eram imediatamente desarmados. O
AHU, cód. 245, fls. 23v-4. bando que garantía o perdao a todos os paicus e icós, de 1701, proibia
75 Carta régia 7/11/ 1675. AHU, cód. 256, fl. 13v. explícitamente que usassem armas de fogo, pólvora e chumbo, sob pena
76 Cana régia 8/11/ 1678. AHU, cód. 256, fl. 27 e carta régia 12/11/ 1679. AHU, cód. 256,

fl. 32.
711
n " [ .. .] o murrao se fazia de urna estopa que se tirava de urna casca de árvore chamada Tal ofensa estava prevista no capítulo 31 do regime nto de Tomé de Sousa (1548) e
embira, e que o murrao que se obrava dela fazia muito bom cravo, e que durava encontra-se repetida no capítulo 23 do regime nto de Roque da Costa Barreta (1677).
bastantemente o fogo nelc, e que desta estopa havia toda a quantidadc que quises- Cf. M. C. de M endon~a (ed.). Rnízes da fon11aftio ad111i11istrativn do Brasil. Rio de
sem que é com que se calafetam os navíos". Carta de 23 de julho de 1693. DH, Janeiro, 1972, vol. 1, p. 46 e vol. 2, p. 778; e Joao Alfredo Libanio Guedes. História
3 4: 122-3. Segundo o Ar11ilio, a embira é "a designa~ao comum a várias espécies ad111i11istrativa do Brasil. Rio de Janeiro, 1962, vol. IV, p. 181 ou também nos DH, 6.
79
arbustivas da família das timeleáceas e do genero Daplmopsis, de flores inconspícuas, O capítulo 14 do regimento passado a Fernao de Sousa Coutinho, mas válido ainda
e que se caraccerizam por produzir boa fibra na entrecasca". Ainda hoje, nos estalei- até 1740, " lnforma~ao geral da capitania de Pernambuco". ABN, 28: 123, 1906.
ros ainda cradicionais da Bahia, como em Valen~a ou cm Cajaíba (Camamu), a estopa º
11
"Breve compendio do que vai obrando neste governo de Pernambuco o sr. govcrna-
de embira é utilizada para calafetar os barcos e saveiros. dor Antonio Luís Gon~alves da Camara Coutinho etc.". RIHGB, 5/:266, 1979.
270 P A U L 1 STAS X M A Z O M B O S P A U L I STAS X M AZO M B OS 271
"' de serem submetidos a "tres tratos de polé a bra90" .81 Frei Manuel da me ntas.87 O fato é que muitos dos índios possuíam espingardas e arca-
Ressurrei9ao acreditava que a guerra era tao áspera e viva, por " traze- buzes e deve r-se-ia tomar cuidado de nao lhes deixar cair em maos as
rem os bárbaros armas de fogo, e nao lhe faltar pólvora, quando eles a muni9oes destinadas as tropas no sertao. Nesse sentido, o arcebispo
nao fabricam". Pedía, em 1688, que Manuel de Abreu Soares, "com pedia ao capitao-mor Amaro Serqueira que tomasse todos os cuidados
todo o silencio", examinasse "donde lhe vem, ou quem lha dá e com o como comboio que deveria arranjar para o envio da pólvora e chumbo
mesmo segredo e clareza que esta matéria pede me avise" .82 O mesmo para Jorge Velho e Albuquerque Camara, "por ficarem os bárbaros tao
fazia aos outros capitaes envolvidos na guerra, Domingos Jorge Velho e cosrumados as armas de fogo com os nossos" .88
Antonio de Albuquerque Camara, aos quais pedía que investigassem Em 1703, passado o momento mais tenso do conflito comos nlazom-
por que "até agora nao lhes faltou pólvora nem bala para nos ofende- bos, d. Pedro 11 ordenou que o mestre-de-campo ficasse atento com
rem". Pois "o donde que possa vir é que nao percebo; porque sendo rc la9ao as notícias de que se vendiam armas aos índios inimigos, por-
cerro que eles a nao fazem, ou lhe vai da nossa parte, ou lhe vem de que acreditava, da leitura de urna representa9ao feíta pelo procurador
outra de fora" .83 O governador aventava tres hipóteses para explicar a do ter90, o ca pitao José Porrate de Morais, que a solu9ao de que o ouvidor
origem dessas armas: os índios as poderiam "ter tomado aos moradores da Paraíba deveria ir em diligencia todo ano fiscalizar tal atividade era
do Rio Grande quando os matavam e devastavam aquela capitania"; insuficiente para atalhar tamanho dano. 89 Tres anos depois, o governa-
existiam boatos de que o capitao-mor da fortaleza do Ceará estava co- dor-geral mandou o desembargador Cristóvao Soares Reimao "devassar
merciando com os índios e "lhes <lera pólvora e muni96es que ainda de algu mas pessoas que moram no sercao, que vendem armas, pólvora
lhes duram"; e, por fim, os janduís poderiam as ter comprado dos na- e bala aos tapuias nossos inimigos". Além disso, Filipe Bourel, missio-
víos de piratas que por vezes entravam no rio A9u (que era navegável nário jesuíta, havia se queixado "de que os moradores de Cunhaú e
por embarca9oes maiores por distancia de oito léguas). Era o que de- Goianinha compravam tapuias, a croco de espingardas, e outros que os
fendía Bernardo Vieira Ravasco, para quem "esses bárbaros ficaram tao havia cativado em guerra". Para devassar esse caso foi indicado o ouvidor
amantes dos holandeses" que "só por eles suspiram", sendo capazes tvfanuel Velho de Miranda.9º
de se unir com "qualquer outra na9ao que nao for a portuguesa, dando-
se-lhes armas de fogo de que sao muito destros contra ela" .84 A tese de Da prisao do mestre-de-campo a dissolu~ao do ter~o
urna ajuda externa repercutía as explica9oes dadas para a insolencia dos
índios e o início da rebeliao, mas parecía inverossímil, pois, segundo o Na Junta das Missoes, em Pernambuco, havia sido discutido o erro
governador, "esta nao pode ser tanta que suprisse por tao largo tem- da .cria9ao do ter90 dos paulistas para o sucesso da conversao do gentío,
po" .85 Desse modo, pedía ao governador de Pernambuco que mandas- po1s e ra considerado que o uso da for9a, "pelo grande medo e temor
se "averiguar com certíssima diligencia esta matéria". 86 Con tu do, pare- que tem [os tapuias] concebido desta gente", nao só iría impedir que
cía que as autoridades faziam mesmo era vista grossa a esse tráfico. Em os índios descessem do sertao, mas o despovoaria. 91 Com efeito, em
1689, os oficiais da camara de Natal recriminavam o capitao-mor, Agosti- razao dos acontecimentos no Jaguaribe, a frota trouxe urna carta régia
nho César de Andrade, por passar um salvo-conduro aos tapuias da na-
~ao panati, porque era cerco que estes índios eram falsos amigos e que
7
estavam trocando suas drogas por "frecharia", pólvora, chumbo e ferra- K Carca dos oficiais da camara de Natal ao capitao-mor, 31/3/1689. IHGRN, caixa 2,
livro 2, fl. 125v-6v.
1!11 Carca, 6/12/1688. DH, 10:351.
9
x Carta régia 3/8/1703. AHU, cód. 257, fl. 135v-6.
90
81 Bando do governador de Pernambuco sobre o perdao aos tapuias, 30/5/1701. IHGRN, Carca régia 15/10/1706, cana inclusa do governador-geral ao governador de Pernambu-
caixa 65, livro 3, fl. 115v-6v. co, 20/2/1706. AHU, cód. 257, fl. 198v-9 (a carta de Francisco de Castro Morais foi
11z Arcebispo a l\1anuel de Abreu Soares, 6/12/1688. DH, JO: 343-6. analisada na consulta do Conselho Ultramarino, 11/10/1706. AHU, cód. 265, fl. 198).
91
iu Carta, 30/11/1688. DH, 10:347-51. Consulta do Conselho Ultramarino, 12/2/1700. AHU, cód. 252, fls. 234v-5. Com o
11-1 Carta de Bernardo Vieira Ravasco ao conde de Alvor, 5/8/1694. DH, 84:123-7. que discordava abercamente o governador-geral. Em outubro de 1701, o governador
1\5 Carta, 30/11/1688. DH, 10:347-51. de Pernambuco dava notícias do excelente trabalho do missionário pe. Miguel de
116 Carta, 12/10/1688. DH, /0:325-6. Carvalho na redu9ao dos janduís, o que suscitou o comentário agastado de Lencascro
272 PA U L I S T AS X MA Z O M B O S P A U L l S TAS X M AZ O M B OS 273
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de 13 de jane iro de 1700 q ue mandava o mestre-de-campo e seu tervo q uando eram "bárbaros" nao haviam rompido jamais as pazes, quanto
se retirarem do Río Grande. 92 Lencastro, desconsolado, dizia ao seu pro- mais agora que estavam aldeados e em obediencia a Joao da Costa. O
tegido, em carta de 6 de abril, que mandasse rapidamente os documen- fa to é que "de nenhuma maneira se podiam levantar sem que o <lito
tos que justificassem a utilidade de seu servi<;o, bem como as certidoe s missionário o soubesse ", visto que era urna "verdade tao sabida e ex-
dos missionários (de que tratamos acima) para que pudesse enviar um perimentada nos sertoes" que nenhum morador "se vigia nem te me de
dossie logo no retorno da frota. Enquanto isso, em desrespeito comple- índ ios que tem missionários", porque estes os avisariam com antece-
to as decisoes de d. Pedro 11, pedia-lhe para continuar suas atividades dencia. Na opiniao do parecerista era muito duvidoso que o mestre-de-
no sertao, pois contaria co1n o apoio da Bahia.93 Recebendo admoes- campo, acostumado a viver da " mechavelhice" (intriga), levasse a sério
ta<;oes de seu primo, o governador de Pernambuco, Lencastro respon- as desinformavoes de pessoas interessadas na destrui<;ao dos tapuias.
deu em maio que havia sim recebido a ordem de retirar os paulistas do Em segundo lugar, a desculpa apresentada de que "o padre Joao da
sertao, mas que o Conselho da Fazenda resolvera consultar antes o rei, Costa o persuadiu de que fizesse a guerra" era ainda mais descabida.
anexando as novas informa<;oes do mestre-de-campo.94 O objetivo, como N ao se podia presumir de "um sujeito de tantas letras e prudencia como
é claro, era protelar estas decisoes tao difíceis. ele" que obrasse contra sua própria missao. Como o leitor se lembra, o
N o entanto, no final de 1700, padre Miguel de Carvalho - um reli- fundamento desta acusa~ao era a carta para Teodósio da Rocha, escrita
gioso entendido do sertao e, aparentemente, alheio as disputas locais no dia 31 de julho. Apesar de haver assinado urna certidao em 1699,
- foi chamado para dar um parecer sobre o imbróglio que envolvía os confi rmando a interpretavao do conteúdo desta carta como urna clara
paulistas e os mazombos. C ura da freguesia de N ossa Senhora da C on- confissao da culpa do oratoriano, em urna acarea<;ao na frente do bispo
ceivao do Rodela, em 1697 - quando escrevera urna "descrivao do ser- de Pernambuco e do próprio Miguel de C arvalho, o capitao Teodósio
tao do Piauí"-, em meados de 1700 estava missionando entre os da Rocha confessou que "o conselho que nela dava o padre [Joao da
janduís. 95 Este padre era irmao de Antonio de C arvalho e Almeida, su- Costa] se entendía para as navoes dos caratiús e icós". Declaravao que
cessor de Bernardo Vieira de Melo como capitao-mor do Rio Grande acusava definitivamente N avarro, ou ainda, nas palavras de Carvalho,
entre 1700 e 1703, a quem o rei tinha em ótima conta. Talvez por isso "no mesmo termo que se livra da culpa o padre, se condena a toda o
seu parecer tenha tido grande influencia na decisao do Conselho Ultra- mestre-de-campo". A partir desta investiga~ao, suas recomenda<;oes fo-
marino.96 Para Miguel d e Carvalho, era muito improvável que os paiacus ram claríssimas. Além de aconselhar que o ouvidor da Paraíba, fazendo
estivessem com intenvoes de se levantar contra os moradores, pois, se corre<;ao na capitanía do Rio Grande, passasse para o Ceará a fim de
melhor averiguar esta matéria, parecia-lhe incontestável que o mestre-
de-campo "parece digno de exemplar castigo nao só pela gravidade do
em 6 de dezembro: "mais bom fora que a espada estivesse sobre a cabc9a desses bárba- delito, mas pelas gravíssimas e perniciosíssimas conseqüencias dele, que
ros até que de todo se suje itassem; porque cuidar-se que só com a brand ura se hao de bem ponderadas sao as mais odiosas e as mais opostas a promulgavao
amansaré, foi, e será engano scmpre, e sem essas experiencias ficam, e irao os e rros de
monte e m monte, e principalmente quando sao cnvolvidos com paixoes particulares". do Evangelho que o demonio poderia inventar e as mais contrárias a
Carta de Lencastro ao governador de Pernambuco, 6/12/1701. DH, 39:155-6. piedade e justi9a" .97
9
z Carta régia 13/ 1/ 1700. AH U, cód. 246, 108. Oeste parecer, considerou o rei que este caso era "digno d e toda a
93
Carta de Lencastro para o mestre -de-campo, 6/4/1700. DH, 39:1 14-6. Nesta carta, averiguavao e merecedor de um exemplar castigo". De pronto, a carta
Le ncastro recome ndava que o mestre-de -campo escrcvessc ele mesmo urna cana ao
rei dando conta de sua obra. Com vimos, N avarro escreveu nao urna, mas várias carcas.
Em 24 de julho, a frota ainda nao cinha partido, mas os papé is do paulista já haviam
chegado. Carta de Joao de Le ncastro para o mestre-de-campo, 24/7/ 1700. DH, 39: 130. Nesce docume nco, segundo Evaldo Cabra! de Me llo, ele "nao poupava ninguém
94
Carta de Joao de Le ncastro para o governador de Pernambuco, 7/5/1700, DH 39: 126. pelas desordens", adorando um ponto de vista eq üidistante. Seria essa informa9ao
95 E rnesto Ennes. As guerras dos Palmares. Sao Paulo, 1938, p. 370-89; Carta de Lencascro sobre os paulistas ende re9ada ao mesmo secretário? Evaldo Cabra! de Mello. A/ronda
ao governador de Pernambuco, 6/12/1 701. DH, 39:1 55-6; e AHU, Pe rnambuco, caixa 11. dos mazombos. Sao Paulo, 1996, p. 121.
96 RIHGRN, / 0:138-9. De fato, csse mesmo Miguel Carvalho (espécie de informante da 97
lnforma9ao do padre Miguel de Carvalho, 9/ 11/1700; certidao de Teodósio da Rocha,
Monarquía) escrevera em outu bro do mesmo ano, urna informa9ao sobre a sicua9ao 21/ 10/1699. In: Barao de Studart (ed.). "Documentos relativos ao mestre-de-campo
do Oratório em Pe rnambuco a Roque Monceiro Paim, secretário de Estado do reí. rvtorais Navarro". RIHGC, 31:192-5 e 182-4, 191 7.
274 PAULI S T AS X f\1AZOMBOS P A U L l S T A S X f\ I AZ O f\ l B O S 275
" régia de 15 de dezembro de 1700 ordenava ao ouvidor-geral da Paraíba, de estar na cadeia da cidade de Olinda, o mestre-de-campo andava sol-
Cristóvao Soares Reimao, vulgo "Cotia", que largasse seus afazeres e eo. N esse sentido, o reí cobrou do governador-geral que o mantivesse
fosse ao arraial do A9u para prender o mestre-de-campo e remete-lo ou de fato preso e o informasse melhor da situa9ao, pois o crime de Navarro
para a cadeia de Pernan1buco ou para a Paraíba, "onde entenderdes era tal que ele "pode merecer senten9a de morte natural". O processo
que pode estar mais seguro com o risco de fugir, e com o escrivao que contra ele demorava, pois Soares Reimao nao conseguira sensibilizar,
vos parecer tireis devassa do dito caso, e dareis livramento aos culpados até entao, o ouvidor-geral de Pernambuco para que fossem interpela-
nela com apela9ao para a casa de suplica9ao desea Corre" .98 Conside- das as restemunhas do caso. 104 Muito provavelmente em razao das re-
rando ser injusta a guerra movida contra os " tapuias da na9ao paiacus", percussoes desee caso, o ouvidor de Pernambuco fora, no ano anterior,
outra carta régia mandava que o ouvidor pusesse imediatamente em nomeado como "juiz privativo de rodas as causas dos índios e tapuias
liberdade os cativos.99 Na mesma data, o rei cobrava de Joao de Lencastro do distrito dessa capitanía", com expressas ordens de deferir "breve e
a execu~ao de suas ordens de extinguir o ter90 dos paulistas "e fazer sumariamente" os assuntos - daí sua responsabilidade de ocupar-se
restituir aos moradores do Río Grande as cerras que o dito mestre-de- do julgamento do paulista. 105
campo lhes rivesse tomado" . 100 Lencastro perdía, ainda, a jurisdi9ao da A despeito de toda esta mixórdia, as hostilidades dos tapuias le-
capitanía do Rio Grande e da regiao do A9u, agora sujeiras ao governo vantados prosseguiam. Dessa forma, as tropas deveriam permanecer
de Pernambuco, "atendendo a que pela grande distancia que ficam da unidas sob o comando temporário do sargento-mor, José de Morais
Bahía nao é fácil que daquela parte se acudam as desordem que ali Navarro, e partir para o sertao entre o Ceará e o río Parnaíba, onde as-
podem acontecer" . 101 Já sem a jurisdi9ao do ter90, que lhe escapava ao sentariam um arraial e fariam guerra aos "tapuias parambeses", a fim
comando, Lencastro, cerramente consternado, escreveu ao ouvidor da de evitar que "impedissem a comunica~ao <leste estado para o dito
Paraíba, em abril de 1701, ordenando que prendesse Navarro e o reme- Maranhao" . 106 Passados alguns meses, o governador de Pernambuco
tesse a cadeia de Pernambuco ou a da Paraíba, com muita diligencia acreditava ser impossível destocar os paulistas por conta das altera-
para que nao houvesse a menor inquieta9ao no ter90. Mandava, assim, 96es do gentio bárbaro do Río Grande. Ao consultar a Bahía, recebeu
que entregasse na ocasiao urna carta ao mestre-de-campo em que pe- urna resposta sardónica de Lencastro, na qual ele lavava as maos, pois
día rranqüilidade ao amigo e dizia que a prisao era a oportunidade para o reí tinha passado a jurisdi~ao do Rio Grande para Pernambuco e
que demonstrasse seu leal procedimento no caso. 102 Apenas em 8 de nao mais lhe cabia tomar decisoes. 107 Como a extin~ao do ter~o ainda
julho, o ouvidor da Paraíba dava notícia de ter ido até o A9u e provi- nao se havia realizado, a tarefa passava agora para Pernambuco. Em
denciado a soltura dos paiacus que se encontrassem carivos dos paulistas, 1702, o governador de Pernambuco havia enviado, talvez por solicita-
quando entao prendeu o paulista. 103 Apesar disso, em setembro, em vez 9ao de seu primo, urna carta ao rei em que dizia nao ter recebido da
Bahía ordem alguma sobre a deposi~ao do ter90 de Navarro, ao que
911
Para canco, poderia levar consigo seis homens de vara, e os seus oficiais, e "aquela !he eram exigidas explica<;oes. 108 No ano seguinte, o novo governador
infancaria que entenderes vos necessária para vos acompanhar, a qual pedireis ao go-
ve rnador de Pernambuco e ao ca pitao-mor desea capicania da Paraíba" . Por essa mis- ll).I Carca régia 14/12/170 l. AH U, cód. 257, fls. 80-80v. O carcereiro, por sua vez, foi mul-
sao, ganhariam o ouvidor 2$000 réis por dia, o escrivao, dois cruzados, fora a sua es- tado em 20$000 ré is e condenado a dais anos de degredo para fara da vila e seu ter-
crita, o meirinho dez coscoes, e os homens de vara 250 réis, desde odia que saírem da mo. Era muito comum o relaxamenco das prisoes dos poderosos em concluio comos
Paraíba até a volea a ela, "pago tudo a cusca dos culpados, e nao tendo esces bens, a carcereiros. Várias leis foram promulgadas visando coibir esses abusos: a lei de 30/6/
cusca da Fazenda Real". Carca régia 15/12/1700. AHU, cód. 257, fl. 72v-3v. 1678 previa penas severas, mas, em razao do sua inaplicabilidade, foi reeditada em
99 Carca régia para o ouvidor da Paraíba, 15/12/1700. AHU, cód. 257, fl. 74; e AHU, 2/5/1681 e, finalmente, apresentada de novo, com penas ainda mais duras (como pri-
Paraíba, caixa 4. A cópia desea mesma carca régia, enviada para o governador de Per- sao e degredo), cm 20/7/1686.
nambuco, está impressa em RIHGRN, 10:136-7. 105
Na Bahia, o rei nomeou para o mesmo poseo o corregedor da cidade e, no Rio de
100
Carta régia ao gove rnador-geral, 15/12/ 1700. DH, 84: 118-9. Janeiro, o ouvidor-geral da capicania. Carca régia ao governador de Pe rnambuco, Fer-
101
Carca régia ao governador de Pernambuco, 11/ 1/1 701. RIHGRN, JO:137. nando Marcins Mascarenhas de Lencastro, 5/ 11/ 1700. AHU, cód. 257, fl . 56.
º
12
Carta de Lencas ero ao ouvidor da Paraíba, 8/4/1701. DH, 39: 138-41. 106
Carta de Lencastro ao ouvidor da Paraíba, 8/4/1701. DH, 39: 138-41.
IOJ Carca do ouvidor da Paraíba ao rei (inclusa), 8/7/1701, consulta do Conselho Ultrama- 107
Carta de Lencastro ao governador de Pernambuco, 16/9/1701. DH, 3 9:151-2.
rino, 8/11/1701. AHU, Paraíba caixa 4. 108
Carta régia ao governador de Pernambuco, 4/1/1702. AHU, cód. 257, fl. 93v.
276 P A U L 1 STAS X f\I AZO f\t B OS P A U L l STAS X ~I A Z O f\ 1 B O S 277
" de Pernambuco, Francisco de Castro Morais, que alimentava urna (na ribeira do Ceará-Mirim), Sao Paulo (na ribeira do Poceng i) e Sao
"desconfian9a pela causa" dos paulistas, apostava na sua dissolu9ao. Joao Batista (na ribeira do Cunhaú). 11 2 No início de 1703, o sargento-
Afina!, para que tantos gastos numa situa9ao de aparente calma? Em mor havia pedido autoriza9ao para mudar o arraial do lugar onde esta-
urna carca de dezembro de 1703, o governador-geral, d. Rodrigo da vam há eres anos, para o sítio em que estivera Macias Cardoso. 11 3 A ini-
Costa, centava convence-lo a aceitar a manuten9ao dos paulistas no ciac]va era motivada pelas dificuldades do clima e a falta d'água. AJ-
sercao, pois "o valor dos pernambucanos é muito para ser estimado, g uns n1eses depois, em setembro, o sargento-mor iria pedir Iicen9a para
mas sempre é boa a desconfian9a" . 109 Rodrigo da Costa, que tomou se re tirar em razao dos "achaques que padece" . 114 O governador-geral
posse em julho de 1702, manifescou sua simpatia pelo mestre-de-cam- ac hava pouco conveniente abandonar o arraial, ainda mais porque seria
po e diligenciou por pagar os soldos atrasados e manter a unidade da necessário convencer a Junta das Missoes. Em junho de 1703, quando
tropa. 110 ainda escava "preso", Navarro recebera carta branca de d. Rodrigo da
Com a saída de Bernardo Vieira de Melo, aos poucos os paulistas Costa para que, nos casos relativos as guerras do gentío "que necessita-
voltavam a coser suas alian9as com os agentes locais da Coroa. Alguns rem de remédio pronto", resolvesse com seu parecer e d e alguns cabos
sucessos, como a prisao de urna lideran9a dos janduís, o "régulo Loyo", mais inteligentes "o que for mais conveniente a seguran9a e quieta9ao
em agosto de 1702, eram festejados pelo novo capitao-mor do Rio Gran- dos moradores do Rio Grande e das mais circunvizinhas" . 115 Navarro
de, Antonio Carvalho de Almeida. 111 Mais importante, sem dúvida, foi ficaria preso por pouco mais de dois anos. 116 A documenta9ao nao nos
o "protesto de fidelidade" assinado por todos os "governadores e gran- permite saber qual o destino do processo, que se encontrava e ngavetado
des da na9ao janduí" das tres novas aldeias: Nossa Senhora de Aparecida na Rela9ao da Bahia. 117 O mais provável é que, passados os momentos
de maior animosidade, e muito em razao da maneira como o ter90 se
acomodou na escrutura de poder da Colonia, rudo dar-se-ia por esque-
im Carca de d. Rodrigo da Costa ao governador de Pernambuco, 2/12/1703. DH, 39: 200-1.
cido. Em setembro de 1703, Rodrigo e Costa parabenizava Navarro pela
110
Em agosto de 1702, quando já era governador d. Rodrigo da Costa, este mandou 33 noticia "de estar soleo e livre" . 11 8
mil cruzados ao ter90, comandado pelo sargento-mor e, e m carta ao Navarro, lame nta-
va muito o seu impedimento. A ordem para pagar os atrasados dos soldos vinha de
112
Portugal e fora passada para Pernambuco, cujo governador a comunicou em junho Procesco de fidelidade ao rei d. Pedro 11, de codos os governadores e grandes da na9ao
a Bahia. Carta de d. Rodrigo da Costa ao mestre-de-campo do ter~o dos paulistas, janduí, Natal, c. 1702. IHGRN, caixa 65, livro 3, fl 127-127v.
18/8/1702. DH, 39:162-4. iu Carca de d. Rodrigo da Costa ao governador de Pernambuco, 14/7/1703. DH, 39: 172-4.
11 1 114
Carta régia aos oficiais da camara de Natal, 9/5/1703. AHU, cód. 257, fl. 121 v. Bernardo Carta de d. Rodrigo da Costa a José de Morais Navarro, 17/9/1703. DH, 39: 189.
11 5
Vieira de tvlelo foi capitao-mor do Rio Grande até 14/8/1701, quando foi subscicuído Cana de D. Rodrigo da Costa ao mestre-de-campo do ter\:O dos paulistas, 15/6/1703.
por Antonio de Carvalho e Almeida. Cumpriu dois trienios, por pedido dos morado- DH, 39: 175.
res e anuencia da Coroa. Em 1707, candidatou-se ao poseo de capitao de infancaria IJ(, N a cern'd-ao que passou para o sargento-mor, N avarro conca que "em tempo de mais
dos ter9os de Pernambuco, sem sucesso, e, um ano depois, ao posto de sargento-mor de dois anos que escive preso", aquele o ha via substituído com zelo. Cercidao, arraial
do cer90 dos Palmares, sendo nomeado pelo re i e m 14 de maio de 1709 (carca patente do A9u , 8/1/ 1704. AH U, Rio Grande, caixa 3, 43.
117
25/9/1709). Depois de canalizar seu nativismo e sua felonia contra o governador de No final de 1700, o rei pedia que o chanccler da rela\:aO da Bahia lhe mancivesse
Pernambuco, Sebastiao de Castro e Caldas, na "guerra dos mascaces" ( 1710-11 ), onde informado da senccn9a sobre o di to agravo. Carca régia para o chanceler da Rela9ao da
se imaginou que clamara por um república ad instar dos venezianos, acabou sendo Bahia, 15/1 2/1700. AH U, cód. 246, 140v.
preso junto com seu filho André, em 1712. Enviados para Lisboa, na prisao do Li- i ix Carca de d. Rodrigo da Costa ao mestre-de-campo do ter\:O dos pauliscas, 17/9/1703.
moeiro, morreram em urna noite fria, sufocados pela fuma9a de um fogareiro de car- DH , 39:187. Quanco as cerras que reclamavam os pauliscas como paga por seus servi-
vao, anees de receber sencen9a ou "aproveitarem os favores da anistia". Consulta do 9os, urna carca régia de julho do mesmo ano, resolvera que as sesmarias que estavam
Conselho Ultramarino, 7/8/1697. AHU, Rio Grande, caixa l, 42; a provisao o dadas e povoadas antes do levante seriam resricu ídas aos seus ancigos donos que as
reconduzindo ao governo do Rio Grande é de 7/1/1700. AHU, Rio G rande, caixa 1, haviam abandonado, e que aquelas cerras livres scriam distribuídas entre os ofi ciais e
66. Consulta do Conselho Ultramarino, 15/7/1701 e Consulta do Conselho Ultrama- soldados do cer90 para que eles as povoem, "como se fez ao rer90 de Domingos Jorge
rino, 18/1/1708. AHU, Pernambuco, caixa 17; papé is de Bernardo Vieira de Melo Velho nos Palmares" . Carca régia 4/7/1703. AHU, cód. 257, fl. 136. Luiz Felipe de
apresentados em 1728. AHU, Rio Grande, caixa 1, 66; Evaldo Cabra! de Mello. A Alencastro, ao tratar da demanda por cerras de Domingos Jorge Velho, discute as
fronda dos mazombos. Sao Paulo, 1996, p. 285; e Tárcisio Medeiros. " Bernardo Vieira razoes da sedentariza9ao dos pauliscas. Os /11so-brosileiros em Ango/11: co11stit1úrao do
de Melo e a guerra dos bárbaros". RIHGRN, 59-61:34-6, 1967-1969. esparo economico brasileiro no Atlantico S11/, 1550-1700. Campinas, 1994, p. 127-31.
278 P A U L l STAS X f\I AZO M B OS P A U L I STA S X f\ I A Z O f\ I B O S 279
Quando Francisco de Castro Morais tomou posse como governador do aos paiacus, as dificuldades em manter missionários em um sertao
de Pernan1buco (3/11/1703), teve notícia de que os icós (tarairiús) ha- tao afastado, levou os jesuítas a rransferirem os índios pacificados para
viam matado dezoito moradores da ribeira do Jaguaribe, ao que encar- aldeamentos mais próximos do litoral. Os do Jaguaribe foram levados
regou o ter90 dos paulistas de fazer-lhes guerra. O governador alegava pelos missionários Joao Guinzel e Vicente Vieira para o aldeamento de
que tinha respaldo da Junta da Miss6es, mas foi duramente cobrado Urutagui, na Paraíba. Já os paiacus do Apodi, foram levados por Filipe
pela Coroa a "enviar os votos", is to é, a comprova9ao desta decisao, Bourel e Manuel Dinis para urna nova missao de Nossa Senhora da
coisa que nao parece ter feito. 119 O governador da Bahía demonsrrou Encarna9ao, no lugar da antiga aldeia potiguar de lgramació no litoral
sua preocupa9ao; afinal, até entao a Junta das Miss6es vinha sistemati- sul do Rio Grande (atual município de Vila Flor). 123
camente impedindo as opera96es do ter90 dos paulistas no Jaguaribe. 120 Com o abrandamento dos conflitos com os tapuias, os paulistas se
De toda maneira, segundo u111a certidao do padre Filipe Bourel, no dia viam cada vez mais embara9ados pelos interesses e razoes particulares
11 de novembro de 1704 o ter90 saiu en1 campanha para fazer guerra dos moradores daquelas capitanías. Em 1707, quando Sebastiao de Cas-
aos ditos tapuias, que diziam estar confederados comos cariris e paiacus. tro e Caldas assumiu o governo de Pernambuco, o governador-geral,
Depois de longa marcha, deram no alojamento dos índios, matando-os Luís César de Meneses, pediu que averiguasse o ter90 dos paulistas,
e aprisionando todos, nao tendo escapado mais que dois ou tres. O mes- preocupado que estava com o descaminho dos pagamentos. Segundo
rre-de-campo ficou ali, cuidando dos feridos e dos prisioneiros, enguanto ele, "até o presente nao tem vindo nenhuma clareza nas pedidas, nem
José de Morais Navarro corría com sua gente atrás do restante dos ta- o número de pra9as [em] que o dito ter90 se acha, e me consta que dele
puias. Cinco días depois encontrou os "confederados", que se haviam só existem alguns capitaes e oficiais e que há muito e grande descaminho
juntado aos guergues. Na batalha que se seguiu, morreram 150 tapuias, nas pagas que se fazem" . 124 Como em 1704 o mestre-de-campo pedira
entre os quais o principal dos icós. Ao que parece, esta teria sido a úl- licen9a "por tempo de um ano a Sao Paulo", "por lhe morrer sua mu-
tima grande expedi9ao "pacificadora" do ter90 de Navarro. Nas pala- lher", passados dois anos, o reí, insatisfeito com tantas queixas dos mo-
vras de Bourel, "com a notícia dessas vitórias, temidos os mais gentíos radores do Rio Grande, que lhe pagavam os soldos mesmo em sua au-
habitadores dos sert6es daquelas partes, vieram buscar o dito mestre- sencia, havia mandado verificar se o paulista "reside no seu arraial";
de-campo dando obediencia e prometendo inteira fidelidade a Sua Ma- caso contrário, ordenava a sua baixa imediata. 125 Nao obstante, em no-
jestade" . 121 Sinal mais importante do fim das hostilidades foi a reco- vembro de 1709 o pagamento continuava sendo enviado, apesar dos
menda9ao de Francisco de Castro de Morais, governador de Pernam- repetidos protestos do governador-geral, que dizia ter notícia de que o
buco, que em carta ao reí de 20 de dezembro de 1705 propunha extin9ao
do forte real de Sao Francisco Xavier na ribeira do Jaguaribe. 122 Quan-
Situado 14 léguas acima da barra dorio Jaguaribe, foi necessário para fazcr fronteira
dos sercoes e respcico aos capuias, "poré m hoje nao se rvia aque le presídio para coi-
sa alguma, por se achar já a dita ribeira povoada com muicos moradores, mais de 80
119
A infanta de Portugal escreveu-lhe, em 18 de julho de 1704, pedindo explica\:oes a 100 lég uas para o sercao e porque o dico presídío nao pode defende r a barra por
sobre a guerra que mandara fazer "aos tapuias do corso, gentío bravo, e índios levan- ficar a 14 léguas... " De fato, o fortim foi abandonado em 1707. C f. C arlos Studarc
tados" , ordenando enviasse os votos de todos os membros da Junta das Missoes. Filho. Páginas de história e pré-história. F orcaleza, 1966, p. 202-5. Sobre a funda9ao
Pouco mais tarde, o re í dizia que, apesar de o governador haver insinuado, em carta do presídio, veja consulta do Conselho Ultramarino, 13/8/1696. AHU , Pernambuco,
de 27 de secembro de 1705, que enviara os votos, esces, contudo, nao haviam chega- caixa 12.
123
do, de modo que deveria novamente remete-los, desea vez ao Conselho Ultramarino. A missao do Apodi foi retomada em 1706 e novamence abandonada em 1712. Somen-
Carta da infanta de Portugal para o governador de Pernambuco, Francisco de Casero te em 1725, os capuchinhos italianos recuperariam a missiona9ao naqueles sert6es.
Morais, 18/4/1704. AHU, cód. 257, fl. 139. Carca régia ao governador de Pernambuco, C f. F átima Martins Lopes. Missoes religiosas: índios, colonos e missiondrios na coloniza-
28/9/ 1706. AHU, cód. 257, fl. 139; cercidao do governador de Pernambuco explican- fºº da capita11in do Rio Grande do 1Vorte. Recife, 1999, p. 153-4.
124
do a sicua9ao da guerra aos icós, 27 /12/ 1705. AH U, Rio Grande, caixa 1, 60. Carca do governador-geral a Sebasciao de Casero e C aldas, 12/9/ 1707. DH, 3 9:237.
120 125
Carta de d. Rodrigo da Cosca ao governador de Pernambuco, 16/9/ 1704. DH, 39:221-3. Carca régia, 4/ 11/ 1704. In: Barao de Studarc (ed .). "Docume ncos relativos ao mescre-
121
Ce rcidao de 1/11/1705. AHU, Rio Grande, caixa 1, 60. de-campo Morais N avarro". RIHGC, 31:219-20, 1917; carca régia 18/9/1706. AHU,
izz Este presídio, fundado em 1696 com vinte soldados, comandados por Joao da Mota, cód. 257, fl. 121 , baseada na consulca do Conselho Ultramarino, 4/9/1 706. AHU, Río
já contara com mais de trinca soldados negros para garantir a seguran\:a da popula9ao. Grande, caixa 1, 63.
280 P A U L I STAS X M A Z O l'v1 B O S PAULISTAS X .M AZOMBOS 281
"' ter\:O "está muito diminuto de gente e que o seu mestre-de-campo fora Com o que acun1ulara nestes anos de guerras, e o mais que obtivera
para as minas do ouro a tratar de suas conveniéncias". 126 Em 1710, o rei nas Minas, tornou-se entao senhor de engenho e respeitável morador.
ordenou ao ouvidor da Paraíba, o "Cotia", que se informasse dos deli- Tendo sido provedor da Santa Casa e juiz da camara de Olinda, ele
tos do mestre-de-campo e, constatada a verdade das denúncias, man- ainda vivia, em 1745, em seu engenho de Paratiba, nas vizinhan\:aS da-
dasse prendé-lo nova e imediatamente. Na carta resposta de 3 de maio quela cidade (hoje município de Paulista). 131 Seu filho, Domingos de
de 171 O, o ouvidor dizia que "o mestre-de-campo havia do is anos que IvJorais Navarro, será capitao-mor do Río Grande de 1728 a 1731.
se fora com negócio para as minas do ouro", de modo que ordenava ao Desde os acontecimentos de 1701, o ter90 teve seu contingente re-
governador de Pernambuco que se ele nao se apresentasse no seu ter- duzido, permanecendo assim até a sua extin9ao em 1716, quando seria
\:º que se guardasse o que dispoe o regimento das fronteiras, isto é, sua incorporado, como um regimento, a guarniyao da fortaleza dos Reis
baixa imediata e desonrosa. 127 l\!fagos, na cidade do Natal. Em 1701, as dez companhias estavam re-
Passados tres anos, o rei, ainda consrrangido com o absenteísmo do du zidas a sete: a do mestre-de-campo, as dos capitaes Bento Nunes de
mestre-de-campo, ordenava que ele se recolhesse ao seu teryo com ur- Siqueira, Francisco Lemos Matoso, Antonio Gago de Oliveira, Salva-
gencia, o que foi publicado nas capitanias da Bahía, Rio Grande, Sao dor de Amorim e Oliveira, que se encontravam no arraial do A9u, e as
Paulo e Rio de Janeiro. 128 de José Porrate de Morais Castro e Luís Lobo de Albertim, que resi-
Em 1715, o Conselho Ultramarino chegou a recomendar novamente diam em Olinda. 132 Passados dez anos, o rei pedia providencias para
a sua prisao e a do sargento-mor. 129 O que, porém, nao ocorreu. Em 1732, reorganizar o ter90, porque lhe constava que estava impossibilitado de
em urna peti\:ao, Manuel Álvares de Morais Navarro pedia a desobriga se "reencher" de soldados pela precariedade das condi9oes no arraial.
da exigencia da devoluyao das armas de fogo que lhe haviam sido pas- Sugeriu-se, entao, que este fosse mudado de local e que o ter90, tal
sadas durante a atividade do teryo. Pouco a pouco o paulista se integra- como o dos Palmares, fosse reduzido e mais profissionalizado, ficando
ra, paradoxalmente, na "nobreza da terra", rendo até mesmo se cas~do sempre a postos para urna eventualidade. 133 Com efeito, em 1712, urna
com Teresa de Jesus Lins, descendente dos Wanderleys e dos Lins, portaria do governador de Pernambuco, anexa ao "livro do escrivao do
famílias dos pró-homens de Pernambuco. 130 ter~o dos paulistas", informa que este ficara reduzido a duas compa-
nhias.134
No ano seguinte, os oficiais da camara de Natal, incomodados coma
126 Carta de Luís César de .tvteneses ao governador de Pernambuco, 4/11/1709. DH, 39:242.
Com efeito, desde a proibi9ao de 1701, havia urna preocupa~ao de observar as ordens "insolencia e deslealdade" dos tapuias incorporados ao teryo, pediram
do rei "para que nao haja comunica9ao alguma dessas capitanías de Pernambuco e ao ouvidor de Pernambuco que mandasse retirá-los da capitanía. Con-
Bahía comas minas de ouro de Sao Paulo, nem de urna e outra se poderem introduzir sultada a Junta das Missoes, a resposta veio em forma de bando, em
nelas gados, escravos oi.I outros quaisquer generas", 20/7/1703. DH, 39: 185. A carta que se ordenava a que todos os moradores, que tivessem consigo tapuias
régia de 7 de fevereiro de 1701 ao governador de Pernambuco resolvía que "esta janduís, caborés ou capelas, que os remetessem para Pernambuco, de
capitanía nao devia se comunicar pelos sertocs com as minas de Sao Paulo, nem das
ditas minas se possam ir buscar gados ou outros mantimcntos a esta sobredita capita-
onde seguiriam para o Rio de Janeiro. Nao era para tanto. Os oficiais
nía de Pernambuco, nem também dela trazerem-se as minas". "Informa9ao geral da pediram entao que o bando fosse cancelado, pois tal medida resultaría
cap irania de Pernambuco". ABN, 28:200, 1906. em prejuízo para os moradores que "nao consentem na ida e venda de
127
Carca régia 12/12/1710, AHU, cod. 257, fl. 290v. Apesar disso (o que demonstra as seus escravos, porque os tinham conforme a ordem de Sua Majestade,
dificuldades da burocracia do lmpério), segundo o barao de Studart, Navarro teria além do que, quase todos sao femeas e, mesmo que fujam, nao farao
sido non1eado, em 1711, para governar o distrito do Serro do Frío, no contexto das
atividades apaziguadoras do novo governador do Rio de Janeiro, Antonio de Albu-
guerra alguma, ao contrário, servem nas residencias como chamariz aos
querque Coelho de Carvalho. Provisao do governador do Rio de Janeiro, 6/2/1711.
In: Barao de Studart (ed.). "Documentos relativos ao mestre-de-campo Morais
131
Navarro". RIHGC, 31:220-1 , 1917. Afonso de E. Taunay. "A Guerra dos Bárbaros". RAM, 22:283-5, 1936.
132
IV! Carta régia, 20/3/1714. AHU, cód. 246, fl. 359v. Lista dos que assinaram a certidao de 3/7/1701. AHU, Rio Grande, caixa 1, 60.
133
129
Consulta do Conselho Ultramarino, 8/4/1715. DH, 98:250. Carta régia ao governador-geral, 24/4/1711. AHU, cód. 246, fl. 292.
134
130 Cf. Antonio José Vitoriano Borges da Fonseca. "Nobiliarchia pernambucana" (1748). Livro do escrivao do ter90 dos pauliscas do mestre-de-campo Manuel Álvares de
ABN, 47:365-6, parce l, 1925. Nlorais Navarro, nota de 31/5/1712. IHGRN caixa 34, fl. 138.
282 PA U L I STAS X 1\1 AZO M B OS

" capuias que ainda estao nos !11ato~ e porque algumas delas. estao ~~sa­
das com negros da Guiné" . 13:i Em JUnho d e 17 ~ 6, o ter90 fo1 defin1uva-
mente extinto, sendo substituído por um regimento, composto pelas
. 136
duas compan h tas.

EPÍLOGO

REFR EAD A em 1704, a Guerra do A9u sobreviria nos anos vin-


do uros. Contudo, para além de urna pretensa guerra total proclamada
pelo jovem rei, d. Joao V, em 1708, ou a guerra justa movida contra os
janduís (chamados de caborés e capelas), em 1712-13, nao eclodiria ne-
nhum outro grande combate em escala nos sertoes do norte do Estado
do Brasil. 1 Nesse sentido, podemos dar por encerrado o grande ciclo
das revoleas indígenas da segunda metade do século XVII. Segundo a
avalia9ao de um missionário do sertao, o padre Antonio de Sousa Leal,
clé rigo do hábito de Sao Pedro, estes recontros entre luso-brasileiros e
tapuias estavam longe da guerra "justa" movida contra os bárbaros que
obstavam a expansao da fé e a propaga9ao dos gados pelos sertoes; ha-
viam degenerado na pura satisfa9ao das ambi96es dos moradores e de
seus capitaes-mores, "porque todos sao interessados nos cativeiros dos
pobres dos índios". Escrevendo em 1720 para o Conselho Ultramarino,
refería-se a "muitos casos de guerras nao só injustas mas aleivosas e
muitas mortes e cativeiros feítos debaixo de paz e amizade, sendo cha-
mados os índios de propósito e convidados com enganos para esta alei-
vosia e mortos a sangue frio aqueles que sao capazes se tomar as armas
para a seu salvo lhe cativarem as mulheres e filhos".2
Em dezembro de 1715, o governador-geral, marques de Angeja, ale-
gara o cumprimento da ordem de d. Joao V para autorizar a um certo

13s Carta dos oficiais da dimara de Natal ao governador de Pernambuco, l 9/3/1713; ban-
do do governador de Pe rnambuco, 24/5/171 3; e carta d?s of~cia.is da camara de Nacal 1
Carca régia ao governador de Pernambuco, 20/4/1708. AHU, cód. 257, fls. 214v-5;
ao governador de Pernambuco, 29/7/l 713. IHGRN, ca1xa 7:>, hvro 5, fl . 130- 130v, fl. carca ao governador-geral, 20/4/1708. AHU, cód. 246, fl. 240v; e carta resposta, 28/7/
135-135v, e fl. 136-1 37. ,. 1708. DH, 34:298-9. Sobre a guerra aos caborés e capelas, veja carta régia 3/4/ 1712.
136 No início da década de 20, estas companhias achavam-se aquarteladas no si no do AH U, cód. 257, fl. 341; consulta do Conselho Ultramarino, 18/7/1713. DH, 98:206-07;
Ferre iro Torco, próximo de Nacal, onde o sargento-mor tinha um e ngenho. Ola~o ~e e as atas da Junta das Missoes de 5/9/ 1712, 3/4/1713, 13/4/ 1713 e 11/2/1714. BNL,
Medeiros Filho. Aconteceu na capita11i11 do Rio Grande. Natal, 1997, p. 135; cerudao, Cole~ao Pombalina, códice 115, fl. 36v., fl. 37-9, fl.42-43v e fl.SOv., respectivamente.
11/7/1723. AH U, Río Grande, caixa 3, 43; e carta da cámara de Natal ao governador de 2
Consulta do Conselho Ultramarino, 29/10/1720. AHU, Ceará, caixa l , 93.
Pernambuco, 16/2/1720. IHGRN, caixa 99, livro 6, fl. 137-8. 283
284 EPÍLOGO EP Í LOGO 285
, _ M anuel Alves de Sousa, capitao-mor da freguesia da Barra do Río Gran- G uinzel (ou Guedes) - que, com vimos, havia missionado entre os
de, que fizesse "toda a guerra ofensiva ~ue puder, cativando a todos paiacus. Quando era missionário no Maranhao, entre outras, testemu-
[os bárbaros] que nela aprisionar, os qua1s .~~~ao remata~o~ em pra9a nhara um "bárbaro folguedo" promovido pelo mestre-de-campo Anto-
pública para se tirarem os quintos de el-re1 . -> Para. remedio de~tes .e nio da Cunha de Souto ~1aior. Reunindo os amigos - e, entre eles, o
oucros abusos, o padre Sousa Leal sugeria que fosse cnada urna ouvidona ouvidor do Maranhao, Luís Pinheiro - Souto Maior organizou urna "di-
no Ceará e que o rei proibisse a guerra aos tapuias que .nª? fosse defen- versao" : mandou seus homens soltarem uns tapuias anapuru9us "que
siva, "e que esta d e fesa seja somente dentro dos limites da tutela [ele] tinha preso, obrigando-os a correr"; depois, ele e seus amigos, "ca-
inculpáve l". O parecer do conselheiro Antonio Rodrigues da Costa, que valgando atrás deles, cortavam-lhes a cabe9a". Um de seus comparsas,
ecoa os argumentos do padre Sousa Leal, ente?dia que "a li?c:_rdade de o capitao Tomás do Vale Portugal, que se tinha por grande corredor,
guerrear os tapuias se desenfreara de tal maneua que o~ cap1t:i~s e par- prefería perseguir os tapuias a pé. 1al violencia levou a urna grande
ticulares o faziam indistintamente, mesmo contra os ma1s pac1ficos me- revolta dos tapuias, prontamente reprimida com refor9os vindos de
tidos nos sertoes, só para os cativar". O missionário clama va por º?1 Pernambuco .6
freio a barbárie dos portugueses, que praticavam urna guerra sem le1s. A justi9a d'el-rei só se faria sentir em 1733, quando, considerando a
Nas suas palavras, se a Junta das Missoes autorizasse a guerra ofensiva, distancia daqueles sertoes e o desatino do ouvidor do Maranhao, foram
que fosse feíta "como hom_ens a outros homens e nao como homen: a fer~s; enviadas explica96es para que o ouvidor-geral da capitania do Ceará
que é o que as vezes praucamos nas guerras que. fazemos aos tnd1~s : julgasse sumariamente os casos de cativeiro injusto e nao esperasse a
O relato feito pelo padre Sousa Leal do que se unha passado no Piau1, posi9ao da Junta das Missoes.7 A situa9ao era de completa débacle dos
no Ceará e no Río Grande, entre 1700 e 1720, servia como base de sua tapuias. No mesmo ano, o governador de Pernambuco, Duarte Sodré
petívao por mais justi9a. Este documento imp~ess iona pela na~rat~va Pereira Tibau, podia informar que "ultimamente estamos senhores das
miúda de urna série de violencias e abusos praucados contra os 1nd1os suas terras, que sendo todas povoadas deles quando as descobrimos,
que se tinham, a princípio, como aliados e pacíficos. No Piauí, Sousa hoje nos acha111os senhores delas e eles extintos, porque há apenas 41 aldeias
Leal ficara sabendo de episódios hediondos. No Ceará, piores: "nao em 400 léguas de terra da costa do mar, fora os sertoes por ele aden-
cabiam neste papel os muitos males que nela tinham sofrido assim o tro". 8 Com efeito, quando a "paz" voltou ao sertao do Rio Grande e
índio aldeado da Iíngua geral como a tapuia de várias na96es da língua Ceará, os povos indígenas, derrotados e reduzidos, nao mais represen-
travada, dos capitaes-mores, soldados e moradores". O fato é que "nao tavam urna amea9a geral.
era o gentio senhor de sua liberdade, nem dos seus bens, nem de suas O sertao mais próximo ficava assim devassado e ... despovoado. Afora
mulheres e filhas, nern sequer de suas vidas, pois era opiniao geral na- os que preferiram refugiar-se no interior da mata amazónica, a maior
quele sertao que era lícito matá-lo, porque nao era cristao nem. s_ervia ~ parte dos poucos sobreviventes foi aldeada. Com o processo de ociden-
Oeus" . Em certa ocasiao, segundo con ta o padre, um ceno cap1tao Jose taliza~ao da empresa colonial, fosse por meio da forma9ao das vilas e
N unes chamo u a sua estancia os tapuias amigos, chamados de "Vida is arraiais na regiao das minas, fosse pela circula~ao d as mercadorias pelos
e Anexis", e, depois de os receber, fez vir os índios aldeados de lbiapaba caminhos do sertao, a violéncia para comos grupos indígenas tornou-se
para matá-los, dizendo que aqueles tapuias es~avam n~ sua p~rta com e ndemica, implicando urna dinamica de atrito permanente. Ao fim e ao
inten9ao de vingan9a. Oepois de matarem mu1tos tapu1as, Iose ~unes cabo, tanto os negros dos Palmares como os tapuias irredentos foram
os abrigou "a matar também as mulheres presas para que nao fug1ssem incapazes de se opor as for~as luso-brasileiras, muito mais poderosas,
e viessem a se multiplicar" .5 Outros exemplos de violencias foram rela- nao apenas tecnológica e estrategicamente, mas porque tinham atrás
tados pelo agora reitor do colégio dos jesuítas de Olinda, o padre Joao de si um sistema social cuja complexidade e integra9ao tornava inexe-

3 Carta do marques de Angeja a Manuel Alves de Sousa, 9/12/ 1715. DH, 54:76-8. <>Parecer do padre Joao Guedes, c. 1720. In: Virgínia Rau (ed.). Os 111a1111scritos do arqui-
4 Consulta do Conselho Ultramarino, 29/10/1720. AHU, Ceará, caixa l , 93. O grifo é meu. vo da casa de Cadaval respeitantes ao Brasil. Coimbra, 1956, vol. 2, p. 394-400.
s Exposi~ao do padre Antonio de Souza Leal, c. 1720. In: Virgínia Rau (ed.). Os manusai- 7
Carca régia, 13/3/1733. AHU, Ceará, caixa 2, 79.
tos do arquivo da casa de Cadoval respeita11tes ao Brasil. Coimbra, 1956, vol. 2, p. 384-93. x Carta do o governador de Pernambuco, 9/10/1733. DH, 100:87. O grifo é meu.
1.
286 EPÍLOGO
EP ÍLOGO 287
" qüível a resistencia, fosse ela interna ou externa,. em razao de sua ~r~g­ rá no Pará tantos portugueses quanto sao os bárbaros que hoje vi-
mentac;ao ou dissociac;ao. Os tapuias que sobrev1veram ao exterm1n10, vem nos matos, como nós vi vemos alguns tempos". 10
submetiam-se a urna dominac;ao deletéria dentro dos limites dos
aldeamentos, espécie de prisao cuja gravidade aumentava proporcio- esses termos, a idéia de catequese dos índios, da salva9ao das al-
nalmente a violencia dos sertoes. mas e expansao da fé foi substituída paulatinamente pela idéia leiga de
Urna viragem importante ocorreu na metade do século. As políticas "civi lizac;ao" . 11 A disjun9ao fundamental entre índios mansos e bravos,
ilustradas do conde de Oeiras, futuro marques de Pombal, nos marcos represe ntada na classificac;ao dos povos autóctones em tupis ou tapuias
de urna nova situa9ao criada pelo Tratado de Madri (1750), procuraram e na formula9ao da no9ao da barbárie, que implicava a guerra justa, se-
incorporar definitivamente as popula9oes indígenas ao Império. As leis ria substituída por urna nova política integracionisca, que compreendia
de junho de 1755, válidas inicialmente para o, Estado do Grao-Pará e o Império como o espa90 da "civilizac;ao", e nao mais como o orbe cris-
Maranhao, resultaram no "Diretório Geral dos Indios" de 7 de julho de tao. Pombal imaginava assegurar urna popula9ao razoável para a defesa
1757, que reformulava a política da catequese i~dígc na,. prati~amente e desenvolvimento da América portuguesa, o que implicava a aboli9ao
liquidando as missoes existentes. No a~o. segu1nte, o v1ce-re1, co.nde de todas as dife ren9as entre índios e portugueses e o refreamento das
dos Arcos, foi comunicado da sua aplicab1hdade no Estado do Brasil. A gue rras de extermínio. O duque de Silva-Tarouca - que, segundo
partir de entao, os índios eram declarados livres e sujeitos as leis ~o­ Kenneth Maxwell, teve grande influencia no pensamento de Pombal
muns dos vassalos. As aldeias mais populosas foram al9adas em v1las - acredita va que os reís de Portugal poderiam "ter no Brasil um Impé-
com governo político próprio, reduzindo-se, dessa maneira, o poder dos rio como a China". Em carta ao ministro portug ues, opinava: "Mouros,
missionários.9 Em urna carta a Francisco Xavier de Mendonc;a Furtado, brancos, negros, mulatos ou mesti9os, todos servirao, todos sao homens
seu irmao e governador do Grao-Pará e Maranhao, Pombal define com e sao bons, se bem governados. [.. .]. A populac;ao é tudo, muitos mi-
clareza as bases da nova política relativa aos índios: Ihares de léguas de desertos sao inúteis" . 12 A carta "secretíssima" en-
viada por Carvalho e Melo ao comissário portugues para a demarcac;ao
"Até agora nao se achou outro modo de dominar as nac;oes bárba- das fronteiras com Espanha ao sul, Gomes Freire de Andrada, é re-
ras e ferozes que nao fosse o de civilizá-las e de se aliarem com elas veladora. Pondera, de início, que "a forc;a e a riqueza de todos os países
os que as dominam: vivendo os conquistadores e os conquistados consiste principalmente no número e na multiplica9ao da gente que o
debaixo da uniao da sociedade civil, e da obediencia das mesmas habita", o que se fazia ainda mais importante para a demarca9ao e de-
leis formando um só corpo político sem distinc;ao alguma. [Se no fesa da raia do Brasil. Como esse grande número de gente "nao pode
' . humanamente sair <leste reino e ilhas adjacences", era fundamental
Brasil) se praticar com esses miseráveis índios o mesmo que aqu1
[em Portugal) praticaram os romanos, dentro de pouco tempo have- "abolir toda a diferen9a entre portugueses e tapes [isto é, índios), privi-
legiando e distinguindo os primeiros quando casarem comas filhas dos
segundos; declarando que os filhos de semelhantes matrimonios serao
9 Alvará estipulando que os vassalos casados com índios nao sofrerao infamia mas se rep utados por naturais desee reino e nele hábeis para ofícios e honras" . 13
farao dignos da aten9ao real e serao preferidos nas terras em qu~ s~ estabelec~rrrem
para ocupa90es e postos, e seus filhos e descende ntes serao habe1s para qua1squer
postos, 4/4/1755; Lei da liberdade dos índios, 6/6/ 1755; e Alvará estabelecendo q.ue °
1
Carta de Pombal a Mendon9a Furtado, 15/5/1753, citado por Frédéric Nfauro. "Por-
os índios do Pará e Maranhao serao governados no temporal por governadores e pnn- tugal e o Brasil: a reorganiza9ao do Império, 1750-1808". In: Leslie Bethell (ed.).
cipais e justi9as seculares com inibi9ao dos regulares, 7/6/1755. O Dir~tório que_ se deve 11
História da América La.tina. Sao Paulo, 1998, vol. 1, p. 485.
observar 11as povoaroes dos índios do Paró e Maranluio enquanto Sua Aln¡estade nao man- Luiz Felipe de Alencastro. ''O fardo dos hacharé is". Novos Est11dos Cebrap, 19:68-72,
dar o contrdrio, de 7/7/1 757, foi publicado em Lisboa, na oficina de Miguel Rodrigues, dezembro de 1987.
1758. Sobre esta nova legisla9ao e seus impactos veja Rita Heloísa de Almeida. O iz Carta do duque de Silva-Tarouca a Pombal, 12/8/1752, citado por Kenneth Maxwell.
Diretório dos Índios: um projeto de "civilizarño" 110 Brasil do século XVIII. Brasília, 1997; Marques de Pombal: paradoxo do ilu111inis1110. Rio de Janeiro, 1996, p. 54.
e Ángela Oomingucs. Q11a11do os indios eram vassalos: colonizafti~ e relaroes d~ poder n.o i.; Carca secretíssima de Carvalho e Nielo para Gomes Freire de Andrada, para servir de
Norte do Brasil na segunda metade do século XlT/ 11. Lisboa, 2000. Rita de Alme1da publi- suplemento as instru9oes que !he foram enviadas sobre a forma da execu9ao do Tra-
ca, em anexo, um fac-símile da prínceps do Diretório. tado de Madri , 21/9/1751. Apud: Kenneth Maxwell. A devassa da devassa. A inconfi-
dencia mineira: Brasil e Po1111gal, 1750-1808. Rio de j aneiro, 1995, p. 3 1.
288 EPÍLOGO EPÍLOGO 289

" Segundo a historiadora Ángela Domingues, esta nova política era su- dos os curibocas, mestic;os, cabras, cafus e mais catres de que a terra só
portada por urna ideologia colonial que tinha por base o reconhecimen- é abundante". O resultado seria urna violencia endemica:
to do Brasil como "elemento vital para a sobrevivencia do Reino e [a]
necessidade de defender a soberania portuguesa e a integridade do ter- "O perjúrio, os homicídios, a infidelidade, a vinganc;a, a traic;ao e a
ritório". Neste sentido, a Coroa teria, por meio do estabelecimento das imodéstia sao as paixoes dominantes no país, ou de seus moradores.
f ronteiras políticas com as potencias vizinhas, se empenhado em defi- Desde meninos se habituam a matar e a ver matar com freqüencia
nir um espac;o territorial no qual pudesse construir sua soberanía ju- toda a casta de animais, perdem insensivelmente a compaixao e pra-
risdicional. Vale lembrar que tanto o Tratado de Madri como o de Santo ticam, ao depois, sem dificuldade com os indivíduos da sua mesma
Idelfonso (1777) recuperavam o princípio do direito romano do uti espécie o mesmo que sempre costumaram comas demais. Faltos de
possidetis (como possuís). "E, para concretizar esse objetivo, havia que religiao e doutrina, desconhecem a gravidade do perjúrio e da trai-
fazer do índio um vassalo europeu, arravés de um processo cultural de c;ao. Indóceis por natureza e falta de instruc;ao, se arrojam a cometer
assimila9ao e integrac;ao". Baseada na idéia de que "os índios nao eram todo o delito... " 15
ferozes por natureza, mas pelas más persuasoes ou violencias que os
luso-brasileiros lhes faziam", identifica-se claramente urna exigencia da As novas vilas do sertao foram, sem demora, controladas por admi-
Coroa de que "a benevolencia expressa através dos órgaos do poder nistradores recrutados entre os membros das elites vizinhas, grandes
central encontrasse correspondencia na «humanidade» com que os sú- sesmeiros ou seus prepostos, e as populac;oes indígenas paulatinamen-
14
ditos luso-brasileiros deveriam tratar os seus pares indígenas" . Tudo ce marginalizadas do convívio "urbano" ou submetidas a novas situa-
nas letras, é claro. c;oes de opressao. Vários grupos ou indivíduos optariam, certamente,
Como se sabe, nao obstante esta política, a violencia nao deixaria tao por urna estratégia de incorpora9ao, negando, para tanto, sua identi-
cedo de caracterizar as relac;oes entre os moradores e os povos indíge- dade e seu passado indígena. Depois de um século de guerras sem quar-
nas remanescentes no sertao norte do Estado do Brasil. Como conside- tel, de massacres programados, de escravidao e violencias, nao res-
rava o ouvidor do Piauí, Antonio José de Morais Mourao, na sua descri- tavam muitos tapuias no que fora o seu país. Colocando as avessas o
c;ao daquela capitanía, feíta em 1772, os índios, mesmo os que foram julgamento do tempo, um típico representante da Ilustrac;ao portugue-
pacificados, "sempre vivem com violencia, esperando ocasiao oportuna sa, o autor do "Roteiro do Maranhao", tinha os luso-brasileiros pelos
para se levantarem". Ao olhar do magistrado, o sertao era o "receptácu- verdadeiros bárbaros. Regiscrou, na segunda metade do século XVIII,
lo de tudo que é mau". Lugar da mistura e confusao de povos, cujo sua cólera <liante <lestes "indignos e tao bárbaros conquistadores" que
caráter era duvidoso. Depois dos primeiros descobridores, urna casta haviam entregue ao Império "países vazios do mais precioso, que eram
de "criminosos, insolentes e os falidos" teriam buscado aqueles para- os índios, assassinados em suas sanguinolentas bandeiras, e o passo que
gens, "nao tanto para o seu aumento [progresso], mas para nelas oculta- com elas nos franqueavam para sermos testemunhas dos miseráveis res-
rem com seguranc;a suas maldades e desregramento". Os índios, ao tos das referidas nac;oes, todas ainda cheias de temor das mais violentas
mesmo tempo que se iam "domesticando", mantinham "seus antigos atrocidades". Nas suas palavras, estes capitaes, em suas guerras, "ex-
vícios e costumes que nunca largavam". Os negros chegavam cativos tinguiram muitas nac;oes, que viriam a fazer urna grande parte do mes-
ou fugidos. Poucos eram os reinóis, mas mesmo assim "tomavam com mo Estado, e das quais hoje até faltamos próprios nomes" . 16
facilidade os vícios da terra, a que nao podiam resistir, arrebatados, como
se urna torrente os submergia". Mourao declara seu horror a miscigena-
c;ao, pois, para ele, nesta mistura e confusao dos sertoes, formava-se "um
só povo de nac;oes tao diversas em que sempre se respira serem os mes-
mos vícios de cada urna delas realc;ada"; "sao esses demonios encarna- 15
"Descri9ao da capicania de Sao José do Piauí pelo ouvidor Ancónio José de Morais
Mourao", Oieiras do Piauí, 15/6/1772. AHU, Piauí, caixa 3, publicado em Luís Moct.
14 Ángela Domingues. Qua11do os indios eram vassalos: colonizafiiO e relafoes de poder no Piauí colonial.· populafiio, economia e sociedade. Teresina, 1985, p. 22-33.
16
Norte do Brasil 11a segunda metade do século XVIII. Lisboa, 2000, p. 131, 211-2 e 311. "Roceiro do Maranhao a Goiaz pela capicania do Piahui". RIHGB, LX//:90-1, 1900.
ANEXOS

Anexo 1
Quadro cronológico
l. A GUERRA NO RECÓNCAVO
1651-1656 Jornadas do sertao
1651 Diogo de Oliveira Serpa
1651-1654 Gas par Rodrigues Adorno
1656 Tomé Días Lassos
1657-1659 A Guerra do Orobó / paiaiases, copins
1657 Pedro Gomes, Gaspar Rodrigues Adorno, Luís Álvares, Barcolomeu Aires
1658 Domingos Barbosa Calheiros, Bernardo Sanches Aguiar, Fernando de Camargo
1662 Tomé Dias Lassos
1669-1673 A Guerra do Aporá / paiaiases, topins
4/3/1669 fVksa grande na Relas;ao da Bahia aprova proposta de Alexandre de Sousa Freire
1669 Agostinho Pereira localiza as aldeias dos topins
1671-1673 Esteviio Ribeiro Baiao Parente, Brás Rodrigues Arzao
1674-1679 As guerras no Sao Francisco/ anaios
1674 Francisco Dias d'Ávila, Domingos Rodrigues Carvalho, Domingos Afonso Sertiio
1677 Agostinho Pereira (morto)
23/1/1679 Roque Barreto informa que os índios estavam em paz
2. A GUERRA DO A(:U
1655-1687 Levantes isolados
15/2/ 1687 Levante geral dos tapuias do Rio Grande
1687-1688 A campanha de A. de Albuquerque Camara, D. Jorge Velho e l\1anuel A. Soares
1688 A guerra é declarada justa na Bahia
1688 Plano de .Matias da Cunha: Albuquerque Camara e Abreu Soares (Norte) / D.
Jorge Velho (centro) / fVlatias Cardoso (Su!)
1688 Proposta de José Lopes Ulhoa
5/1689 A. César de Andrade faz pazes com parte dos janduins, moradores reclamam
2/7/1689 l\1emorial da camara de Natal pede a guerra ofensiva
10/1689 O sargento-mor de D. Jorge Velho, Cristóvao de Mendon9a Arrais captura Canindé
1690-1695 A campanha de Macias Cardoso de Almeida
3/1690 Reforma das tropas de Albuquerque Camara e Abreu Soares pelo arcebispo;
Domingos Jorge Velho é mandado para os Palmares
1690 Matias Cardoso, Joao Amaro l\i1aciel Parente, Manuel Álvares de l\iforais Navarro
17/1/1691 Carta régia revoga a guerra justa
c. 1691 Canindé posto em liberdade por Domingos Jorge Velho
291
292 ANEXOS A NEX OS 293
,. 1692 Macias Cardoso faz re tirada do Ceará para o Rio Grande
Anexo 2
5/4/ 1692 A rendi9ao d os jand uís (embaixad a de Canindé a Babia)
c. 1696 Retirada defi nitiva de l'vlatias C ardoso Reis, govemadores e capitaes-mores
1694 Guerra ofensiva x g ue rra defen siva / Joao de Le ncascro (1694-1702) Govem antes de Portugal, 1640-1750
1694 Proposca da camara de Natal do "cordao de aldeias" 01/12/1640 06/11/1656 d. Joao IV (Duque de Bragan9a) (1 604-1656)
5/8/1694 Carta d e Be rnardo de Vieira Ravasco ao conde de Alvor 06/11/ 1656 29/06/1662 d. Luísa d e Gusmao (regencia)
1694 Discurso d e Morais Navarro "sobre os inconvenie ntes de por seis aldeias" 29/06/1662 23/11 / 1667 d. Afonso VI (1643-1683)
2/3/1695 Nova decisao do Conselbo Ultramarino: a cria9ao d o ter90 e a guerra justa 23/ 11/1667 12/09/1683 ·d. Pedro 11 (regencia)
10/3/1695 Carca régia d e d . Pedro JI ordenando o levan tamenco do cer90 d e pauliscas 12/09/1683 09/12/1 706 d. Pe dro JI (1648-1706)
16/7 / 169 5Be rnardo Vieira de rvtelo e a camara de Natal aprovam o "cordao de aldeias" 09/12/1706 3 1/07/1 750 d. Joao V (1689-1750)
início 1696 Vie ira de Me lo e Afonso de Albuq uerque Maranbao fundam presídio na ribeira
Govem adores-gerais (e vice-reis) do Brasil, 1640-1719
do A9u 21/06/ 1640 16/04/1641 vice-rei (1) Jorge Mascarenhas, marques de !vlontalvao
4/1697 Papel de Vieira de J\1elo ao Conselho para dissuadi-los da gue rra ofensiva
20/9/1695 " Recificai;ao da paz com os janduís da ribeira d o A9u" 16/04/1 641 30/08/1642 Junta provisória: bispo d. Pedro da Silva de Sao Paio; Luís Bar-
20/3/1697 "T ratado de paz com os ariús pequenos" balho Bezerra; e Louren90 d e Brico Correia
1699- 1704 O te r90 do mestre-de-campo Nlanuel Álvares d e Morais N avarro 30/08/l 642 26/12/1647 Antonio Telles da Silva
20/5/1 69 6 Pate nte de J\1orais Navarro 26/ 12/1 647 10/03/1650 Antonio Telles de J\1eneses, conde d e Vila-Pouca de Aguiar
1/8/1698 C hegada a Babia 10/03/1650 06/01/1654 Joao Rodrigues de Vasconcellos e Sousa, conde de Castelo J\ife-
1/9/1698 Partida para a Paraíba lhor
10/5/ 1699 Chegada de l'vlanuel da Niara Coutinbo e do re for90 06/01/ 1654 18/07/1657 Jerónimo de Ataíde, conde de Atouguia
4/8/1699 Massacre no Jaguaribe / Jenipapoa9u 20/07/1657 24/06/ 1663 F rancisco Barreta de Meneses
23/9/1699 Excomu nhao dos pauliscas por fre i Francisco de Lima 24/06/1663 13/06/1667 vice -rei (2) Vasco Mascare nhas, conde de Óbidos
11 / 1699 D evassa d e Joao de Matos Serra 13/06/1667 08/05/1671 Alexandre de Sousa Fre ire
13/1/ 1700 Carta régia ordena a retirada do cer90 08/05/167 1 26/ 11 / 1675 Afonso Furtado de Casero d o Rio M endon9a, viscondc de Bar-
bacena
9/11 / 1700 "lnforma9ao" do padre J\1iguel Carvalho
26/11/ 1675 15/03/1678 Junta provisória: Álvaro de Azeved o; Agostin ho d e Azevedo J\ifon-
15/12/1700 Carta régia ordena a prisao de Navarro
ceiro (Cristóvao de Burgos Contre iras); e Ancónio G uedes de Brico
8/7/ 1701 Prisao de N avarro Roque da Cosca Barre ta
15/03/1678 23/05/1682
1704 Gue rra contra os icós Ancónio de Sousa de Meneses, o "Bra90 de Prata" _
23/05/1682 04/06/ 1684
20/ 12/1705 Proposca a extin9ao d o force real na ribeira do Jaguaribe 04/06/1684 04/06/1687 Antonio Luís de Sousa Teles d e J\if eneses, marques das Minas
6/171 6 Excin9ao do ce r90 04/06/1687 24/10/1688 Macias da Cunha (faleceu)
24/10/1688 08/10/1690 Junta provisória: arcebispo d. frei M an üel da Ressurrei9ao; e l\lfa-
nuel Carneiro de Sá
11/10/1690 22/05/1694 Ancónio Luís Gon9alves da Camara Coutinho
22/05/1694 03/07/1702 Joao de Lencastro
03/07/1702 08/09/1705 Rodrigo da Costa
08/09/1705 03/05/1710 Luís César de J\ileneses
03/05/1710 04/10/1711 Louren90 de Almeida
14/10/17 11 13/06/1714 Pedro de Vasconcelos e Sousa, conde do C ascelo Melhor
13/06/1 7 14 2 1/08/1718 vice-rei (3) Pedro Antonio d e N oronha Albuque rquc e Sousa,
conde de Vila Verde e marques d e Angeja
21/08/1718 13/10/ 17 19 Sancho de Faro e Sousa, conde de Vim ieiro
Govemadores de Pernambuco, 1648-1718
16/04/1648 26/03/1657 Francisco Barreta
26/03/1657 26/01 / 1661 André Vida! de Negreiros
26/01/ 1661 05/03/1664 Francisco de Brito Freire
05/03/1664 31 /07/ 1666 Jerónimo de Mendon~a Furtado (de posto)
24/01/ 1667 13/07/1667 André Vida! de Negreiros
13/07/1667 28/10/ 1670 Bernardo de l'vliranda Henriques
28/10/1670 17/01/1674 Fernando de Sousa Coutinho (falcccu )
06/02/1674 14/04/1678 Pedro de Almeida
14/04/1678 2 1/01/1662 Aires de Sousa de Castro
21/01/ 1662 13/05/1685 Joao de Sousa
13/05/1 685 29/06/1688 Joao da Cunha Souto Maior
29/06/1 688 09/09/1688 Fernando Cabra! (faleceu)
13/09/1688 25/05/1689 bispo d. Macias de Figueiredo e Me lo

\
1

"'
N.S. da Natividade carmelita descal90 1702 BA No río Sao Francisco c N
14. llha do Cavalo cann
d \O
capuchinho 1706
15. Ilha do jacaré aramurus S. Pedro capuchinho BA No rio Sao Francisco e °'
:;¡:.

16. Irupua cariri


carmelita dcscal~o
capuchinho
1702
1687 BA No rio Sao Francisco b ..-z,
X
carmelita descal~o 1702 c
llha do lrapoa carm St. Antonio
capuchinho italianos 1746 PE No sertao do Cobrobó. frcgu csia de k o
llha do lrapuá cariri St. Antonio (/)
NS da Concei~ao dos Rodelas
N.S. da Saúde franciscano 1689-1834 BA f
17. ltapicuru tupinambá
paracá Bom Jesus franci scano 1706-1859 BA f
18. jacobina
N.S. do Socorro jesuíta 1698 BA a
19. j eru
N.S. das Gratas franciscano 1706-1843 BA f
20. juazciro tamaqueri
jcsuíca 1698 BA a
21. Manguinhos
22. Massaracá cann N.S. da Trindadc jcsuíta 1639 BA
cariri-cimbre St. Trindade franciscano 1689-1854 f, a
Massacará
N.S. da Concei~ao jcsuíta 1698- BA Ereta como vila de Sourc a
23. Na cuba (cariri)
St. Amaro franciscano 1695-1699 BA f
24. Palmares cae té
ca bocios St. Amaro franciscano 1746 AL No distrito da vila <le Alagoas K
capuchinho 1677 BA <l
25. Pambu
cariri capuchinho 1687 b
capuchinho 1698 a
tamaqueú / N.S. da Concei9ao franciscano / carmelita 1702 f, c
cann
cariri N.S. da Concei~ao capuchinho italiano 1746 PE No scrtao do Cobrobó, frcguesia de k
llha do Pambu
NS da Concei~ao dos Rodelas
capuchinho 1698 BA a
26. Patacuba
cajagós E. Santo carmelita dcscal~o 1702- c
Paca tuba
capuchinho 1682 BA No rio Sao Francisco d
27. Pochim
ca bocios capuchinho 1687 b
(porcaz) capuchinho 1698 BA a
28. Porcá
Corumbamba porcaz Sao Joao jesuíta /carmelita 1702 e
descal~o

29. Porro d as S. Pedro capuchinho 1677-1681 BA o rio Sao Francisco


Folhas
capuchinho 1698 a
30. Rodelas capuchinho 1672 BA d
jesuíta 1687 b
procárodcla S. J. Batista franciscano 1697 f
jesuíta 1698 a
31. Saco dos (cariri) N.S. da Asccnsao jesuíta 1698 BA Ereta como vila de Mirandela a
Morcegos
32. Saí cariri-cimbre N.S. das Neves franciscano 1697-1863 BA f
33. Salitre cariri S. Gon9alo franciscano 1703 BA f
34. St. Antonio Sr. Antonio franciscano 1698 BA a
35. Vargcm cariri capuchinho 1687 BA b
capuchinho 1698 a
Ilha <la Vargea porcáz e capuchinho italiano 1746 PE No scrrao <lo Cobrobó, freguesia de k
brancarurus NS da Concei9ao dos Rodelas
(tapuia)
36. Al<leia da Mata. JOCUTUZ oratoriano 1700 PE 1, n
(capuia)
37. Ararobá ora tona no 1672 PE A 80 léguas do Rccifc N a o
sucurus ora tona no 1683 fregues ia de Ararobá g
jocuruz (tapuia) ora tona no 1700 1, n
chururú (tapuia) ora con ano 1746 k
38. Coripós capuia N.S. do Pilar franciscano 1702-1761 PE f
Ilha dos Coropos coripós N.S. do Pilar franciscano 1746 k
39. I pojuca ca bocios ora ton ano 1700 PE Nas margens d o rio 1pojuca, 14 1, n :;¡:.
ca bocios N.S. da Escada oraconano 1746 léguas da cidadc k z
40. Limoeira tapuia 1688 PE Na fregucsia de S. Antonio de o t'l"l
ca bocios 1746 X
ora tona no Trucunhaem, lgarass(1 k
o
41. P on tal cariri N.S. dos Remédios franciscano 1705-1761 PE No serrao do Cobrobó, freguesia de f (J)

NS da Concci9ao dos Rodelas N


llha do Ponral tamaquiúz N .S. dos Remédios franciscano 1746 k \O
......;¡
(tapuia)
1

...
42. Queimada oratoriano 1679 PE m N

43. (Rodelas) oratoriano 1670-1679 PE No río Sao Francisco m "°


00

44. Santo Antonio oratoriano 1679 PE m >


No scrtao do Cobrob6, fregucs ia de f
z
45. Sorobabé tapu1a N.S. doÓ franciscano 1702-1761 PE r=;
NS da Concci9ao dos Rodelas X
llha do Sorobabé porcáz e bran- N.S. doÓ franciscano 1746 k o
carurus (tapuia) r.n
46. Tapessurama oratoriano 1679 PE m
1704 s
47. Unhunhum tapuia N.S. da Piedade franciscano 1705-1761 PE No scnao do Cobrobó, frcgucsia de f
NS da Concei9ao dos Rodelas
Ilha do can n N.S. da Piedade franciscano 1746 k
l nhcnhum
48. Bold rin capuchinho 1670-1677 PB d
49. Cariris carm N.S. do Pilar franciscano 1705-1 724 PB f
taypú (tapuia) capuchinho 1746 k
50. Guajiru potiguara S. Miguel jesuíca 1679 RG lagoa de Guajiru u
panan 1689
jane.luí 1689
5 l. Guaraíras potiguara 1678 RG lagoa de Guaraíras t, u
((::orahiras)
caboclos, 1704 h
canindé
S. Joao Batista jesuíta 1746-1760 Ereta como vi la de Arez ( 1760) k
52. Apodi parncu S. Joao Batista jesuíta 1700 RG No córrego das M issoes, lagoa t
do Apodi
paiacu tcrésio 1746 k
53. Cear<1 Mirim panacu-a9u N.S. da Piedade 1702 RG Na ribeira do Ccará f\lirim t
S4. Cunha(1 canindé S.Joao 1702 RG Na Lagoa de Sao Joao t
caninc.lé N.S. do Amparo 1704 r
1706
SS. Goianinha Sao Joao Batista jesuíta 1704 RG q

56. Mi pibu potiguara N.S. do Ó 1704 RG h, u


(Mancbu)
ca bocios S. Ana capuc hinho 1746 k
57. Pocengi curema (tapuia) S. Paulo 1702 RG N a ribcira do Pote ngi t
58. (Sabaúna) parncu NS. da lncarna9ao jesuíca 1704 RG Rio Sabaúna p
S9. Canguagá ca bocios ora tona no 1700 CE 1, n
60. Jaguaribc pa1acu J'vladre de Deus oratoriano 1687 CE Na ribeira do Jaguaribe 1, n
(aldeia vclha)
61. Jaguaribc paiacu NS. das Montanhas oratoriano 1700 CE Discante 14 léguas e.la aldeia velha 1, n
(aldeia nova)
Fontcs: a) "CCU sobre o estado das missoes no sertao da Bahia e informando acerca dos remédios apresentados para evitar os danos provenientes da falca de
párocos e missionários, Lisboa 18/12/1698, assinada pelo conde dos Arcos, Miguel Nunes de Mesquita e Francisco Pereira da Silva" acrescida de uma
"represcnta~üo anonima e do secretário, Roque Monteiro Paiva". In: Eduardo Castro de Almeida. lnvencário dos documentos relativos ao Brasil existentes
no Arquivo e.le Marinha e Ultramar de Lisboa. ABN, 31, 1909(?); b) Abregl de/(¡ re/(ltio11 du pere Francois de luce, C(lp11ci11 de In proviflce des mp11ci11s de In prov. de
Bretag11e to11chn111le11rs111issio11s du Brésil ( 1687?), publicado por Francisco Leicc de Faria. O padre Bernardo de Nantes e as Missoes dos capuchinos Franceses
na regiao do Sao Francisco. Separata do J1 Colóquio /11temacio11al de Estudos Luso-Bmsileiros, Coimbra, 1965, p. 45-46; c) Lista das nove m issocs que os
carmelitas descal9os tinham tomado ou iam tomar posse, enviada a d. Pedro 11 pelo pe. André de S. J. Batista, 20/9/1702. AHU, Bahia, caixa 90; d) Martin de
Nantes. Relntio11 succi11te et sincere de la misssio11 du pere. ... prédicateurcapud11, 111issio11aire apostolique dans le Brezilpm711y les i11diens appélles caritis. Quimper: Jean
Pcricr, 1706; e) Relazioni delle m issioni dei cappuccini dcll'America. 12 luglio 1731, APF SC America Meridionale 2, f. 308r-15v;/) Fr. Vcnancio \Villeke. As
nossas missoes entre os índios cariris, 1681-1863. Santo A1111J11io, 2, 1953, I e 2, 1954 e /, 19S5 e Fr. Venancio Willekc. A Província Franciscana de Santo
Antonio do Brasil através das suas estatíscicas. Studia, /9:173-207, agosto 1966; g) Parecer do Conselho Ultramarino, 4/3/1683. AHU, cód. 256, fl. 47v-8; h)
Carta régia a Cristóvao Soares Reimao, 8/11/1704. AHU, cód. 257, fl. 167; i) Carta régia a Cristóvao Soares Reimao, 8/4/1704. AHU, cód. 257, fl. 146v;j ) Carta
régia a C ristóvao Soares Reimao, 27/10/ 1706. AHU, cód. 257, fl. 200; 1:) Rela9ao das aldeias que há no distrito <leste governo de Pe rna mbuco e capitanía da
Paraíba sujcitos ajunta das missóes desee bispado, cm 1746 (circa). !11/om1a;iio geral da capita11ia de Pemambuco, p. 419-22; 1) Manifesto cm que se relata tudo
o que succdcu na Congrega9ao de Pernambuco desde a sua funda9ao até o presente cte., circa 1700. AHU, Pernambuco, caixa 14; 111) Lista das aldeias do
oratório segundo a CCU 24/1 1/1679. AHU, Pernambuco, caixa 9, 2; 11) Relatório de Tomás Consolino, prepósito da Congrcga9ao do Oratório de Pernambuco,
30/6/1700. AHU, Pernambuco, caixa 14; o) Papéis de Francisco de Brito Frcirc analisados por José Antonio Gonsalves de Mello. Brito Freyre, sua história e
Pernambuco. Apendice a Nova lusitá11ia: história da guerra brasflica (1675). Recife, 1977; p) Certidao, 26/5/1704 e 26/6/1704. AHU, Rio Grnnc.le, caixa 3, 43;
q) Cerciclao. 11/7/1704. AHU, Rio Grande, caixa 3, 43; r) Carta de Cristóviio Soares Reimao ainfanta, 8/4/1704. AHU, cód. 257, fl. 146v; s) Carta da infa nta de
Portugal ao govcrnador de Pernambuco, 28/7/1704. AHU, cód. 257, fl. 145; 1) Olavo de Medeiros Filho. Aco11tece11 110 capitn11in do Rio Gm11rle. Natal, 1997; 11)
Fátima Marci ns Lopes. Missoes religiosas. Recifc, 1999.
300 ANEXOS ANEXOS 301
"' Anexo 4 mi na ou minas de ouro, prata, ferro, preciosas, ou de outra qualquer ourra espécie, ou notícia
Tratados de paz, 1692-1697 de as haver, darao logo conta ao governador e capitao-general do Estado com as amostras do
que acharem. . . .
Assento das pazes com os janduís, 10/4/1692 7.• Q ue todos os currais que esravam na cap1tania do R10 Grande nas terras que eles pos-
Em os cinco de abril deste referente ano, chegaram a esta cidade da Bahía José de Abreu suía m até o tempo da guerra, ele e os ditos principais, sao contentes que se tornem a povoar.
Vidal, cio do Canindé, rci dos janduís, maioral de tres aldeias sujeitas ao mesmo r~i , e, Nliguel fa s que sem embargo de os senhores governadores-gerais desee Estado rerem dado várias
Pereira Guajiru Peque no, maioral de eres aldeias sujeitas também ao mesmo Canmde, e c~~ sesmarias a diversas pessoas até o tempo da guerra; declaram que sempre ficarao reservadas,
eles o capitao Joao País Floriao, portugués, em nome de seu sogro putativo, ch~mad? Nh~ng~Je, para 0 suste nto e conserva~ao de cada aldeia dos ja~duís, por serem muico p~pulosas e .ªs
maioral da aldeia Sucuru da mesma nac;ao janduí e cunhado recíproco do d1ro re1 Canmde, a cerras muito largas, dez léguas de terra de cada banda, amda que nelas entrem as ditas sesmanas
cuja obediencia e poder objetivo está sujeica toda a nac;ao janduí, difu~did a ~m vint~ e duas concedidas até o presente; e as que daqui por <liante se concederem, levarao a cláusula e
aldeias, siras no sercao que cobre a capitanía de Pernambuco, Itamaraca, Para1ba e R10 Gran- condic;ao para nao prejudicarem a dita terra reservada a cada aldeia; para que sem terem dúvi-
de, em que há treze para quatorze mil almas e cinco mil homens de arco, dcsrros nas armas de das se conservem pacíficamente as aldeias e tenham em que plantar scus mantimentos para o
fogo. . . , d" , d" 1 vam suste nto de suas famílias. E que também lhe serao livres, nos rios e praias, as pescarías que
E vindo esces maiorais nomeados com ma1s qumze m 1os e m ias que os acompan rn costumavam fazer.
a presenc;a do scnhor Antonio Luís Gonc;alves da Camara Coutinho, do. Conselho d';J-~~i 8." Que nenhum governador, capitao-mor, nem juscic;as !hes poderao fazer violencia algu-
nosso senhor, comendador das comendas de Sao l\1iguel de Bobadcla, Santiago de Benfe, Sao ma, anees os conservarem sempre na sua liberdade; e nesta paz e quiecac;ao em que preten-
Salvador de tvlaiorca, almotacé-mor do Reino e governador-geral e capitao-general do Estado dem viver. Mas que sendo necessário aos moradores daquelas partes alguns índios janduís
do Brasil, lhc represencou o principal José de Abreu Vida!, em língua porcuguesa na~ bem para suas lavouras, currais, pescarías ou engenhos, os pedirao a quem governar a aldeia pagan-
falada, e pelo capicao Joao País Floriao, seu intérprete, que el~s vin~am <l,e crez~nca~ e 01tenta do-lhe seu trabalho, conforme é uso e costume naquelas parces, assim e da maneira que o
léguas a pedir e escabelecer como diro senhor, em nom~ do re1dos1andu1s, Canmde, urna p~z faziam antes da guerra. E que senda caso que o tal morador lhe nao quería pagar, o capicao-
perpécua para viver essa nac;ao e a portuguesa como amigos. E mandados levarem para depo~s mor e justic;as !hes farao pagar poncualmente com efeico, o que civerem merecido.
se conferirem as condic;aes da proposta de paz cinco dias, a crouxeram vocalmente as pr~po~ 1- 9." Que cambém se obrigam a que sendo necessário para reedificac;ao da fortaleza do Rio
c;oes seguintcs, de modo que mandamos proferir na sua língua e explicaram-nas nossos inter- G rande alguns índios das aldeias dos janduís, lhe deem os principais aquele número de índios
pretes. . . que o capitao-mor !hes pedir alternativamente, por ser servic;o d'el-rei o tempo que servirem.
Primeiramence. Que o dico reí Canindé e os eres maiorais, José de Abreu V1dal, Miguel Mas nao lhe poderao os capitaes-mores fazer vexac;ao alguma.
Pereira Guajiru Pequeno e Nhangujé, em seu nome, reconhecem ao senhor rei. de.Portugal, 10: E sobretudo que nenhum govemador ou cabo dos paulistas os possa perturbar, in-
dom Pedro, Nosso Senhor, por seu rei natural e senhor de todo o Brasil e dos cerntónos ~~e ~s q uietar, nem faze r guerra, e deles seja livre e isenca geralmente toda a nac;ao dos janduís, com
ditas 22 aldeias ocupavam; e !he promecem agir como submissos vassalos ~om ~bed1~nc1,a as mais e ficazes penas que ao senhor governador e capicao-mor parecer, para que vivam con-
para semprc, e aos mais senhores que !he mandava a coroa de P~rtugal ; e o d1to re1 Canmde, te ntes e escejam prontos para o servic;o d'el-rei nosso senhor.
e os outros maiorais, e todos os mais desea nac;ao prometem e 1uram, em nome de todos os O q ue tudo visto e ponderado pelo dito senhor Antonio Luís Gonc;alves da Camara Cou-
seus descendentes, a tal obediencia, vassalagem e sujeic;ao a suas leis, como a seu rei e se- tinho, governador e capitao-general desee Estado, atendendo ao particular servic;o que o dito
nhor; re i Canindé, os mais principais acima nomeados faziam a el-rei nosso senhor em codas as
2." Que o di to senhor rei d. Pedro, e seus sucessores, sejam obrigados a guardar-lhe e fazer- proposic;óes que ofereciam para se !hes conceder a paz e se ficarem evitando as despesas e
lhe guardar por seus governadores e capitaes-generais a liberdade natural em que nasceram e contingencias dos sucessos de urna guerra que havia cantos anos continuava em parte tao
em que pelo direito das gentes devem ser mantidos, como os mais vassalos portugueses; e do remota e com a nac;ao dos janduís, que é a mais valorosa e pertinaz na sua defesa e ódio dos
mesmo modo a libcrdadc de suas aldeias; e que nenhuma em tempo algum possa ser pessoa portugueses; sobre cujas hostilidades havia já a sereníssima sen hora rain ha regente, escrito ao
alguma de qualquer sexo, maior ou menor, da nac;ao janduí, escrava nem vendida por qual- gove rnador e capitao-geral Francisco Barrero, carta de 9 de janeiro de 662, encarregando-lhe
quer título, motivo ou ocasiao que seja passada, presente ou futura. . a seguranc;a dos vassalos daquela capitanía, donde tem sido sempre os janduís os mais atrozes;
3.• Que ele dito reí Canindé e todos os principais de sua nac;ao e gente de todas as ditas e que por esse meio se ficava dispondo mais facilmente a introdu~ao da doutrina evangélica
aldeias desejam ser batizados e seguir a lei crista dos portugueses; sendo para esse fim trata- naquela genci lidade; e as armas de Sua Majestade com cinco mil arcos a seu favor, contra
dos como gente livre, e nao oprimidos contra sua voncade; . qua lque r na~ao ultramarina ou brasílica que invadir por mar as prac;as das capitanías do Norte
4: Que o dito rei Canindé e os dicos maiorais e todos os mais principais das oucras lade1as ou se us habitadores pelo sertao. E que sendo as cerra dele vastíssimas, pediam necessaria-
se obrigam a guardar toda a fidelidade ao senhor rei de Por~u?al. e sucess~res d~ sua coroa, mc nce para a conservac;ao de cada aldeia, a que poderia ser suficiente as suas lavouras. E
como os mais vassalos. E que sendo caso que alguma armada 1nim1ga venha invadir essa prac;a sobretudo que se se lhes nao concedem as condic;ües propostas, sendo todas tao justas e tao
da Bahía ou a de Pernambuco, ltamaracá, Paraíba ou Rio Grande, porao em defesa dos portu- convenie ntes ao servic;o de Sua Majescadc e sossego daqueles povos; poderiam desgostados
gueses cinco mil homens de armas, todas a ordem do senhor governador e capicao-general unir-se as mais na~6es bárbaras, e continuar-se a guerra com novo detrimento dos vassalos de
que for desee estado, para com aviso seu marcharem a qualquer h?ra e tempo aq.uela prac;a a Sua Nlajestade, perda da sua Real Fazenda e inquietac;ao das capiranias do Norte; além das
que ele os mandar; e para esse efeito estarao sempre bem prevenidos ~e frechana e arcos._ mais suposic;oes conseqüentes a se tornar as armas, cujas contingencias se nao deviam segu-
5! Que do mesmo modo se obrigam a fazer guerra a todos os gent1os de qualquer nac;ao rar; e o fim das guerras era a paz a que se dirigiam, e agora se lhe pedia se resolveu o dito
que seja a quem os portugueses a fizerem por ordem do g?~er~ador do Esc~d.o; ~ pror:iecem senhor gove rnador e capitao-general a conceder em Qome d'el-rei nosso senhor a paz ofereci-
ser amigos das nac;óes de que os portugueses o forem; e m1m1go das contra~1as a nac;ao dos da nas ditas dez proposic;oes com que o dito rei Canindé e maiorais que em seu nome a vieram
portugueses; o que também guardaram recíprocamente os governadores-gera1s, mandando os buscar a pediram.
ajudar contra seus inimigos por ser beneficio dos porcugueses. E de fato lhes prometeu guardá-las inviolavelmente, assim, e da maneira que nelas se
6! Que cambém se obrigam a que aparecendo nos serros das cerras que possuem alguma comém. E eles debaixo das ditas condi~óes aceitar. De que me ordenou fizesse este assenco
302 ANEXOS ANEXOS 303
" que formou com os ditos principais José de Abreu Vidal, Miguel Pcreira e Joiío Pais Floriao, damente se pudessem aldear e para maior capacicá-los lhcs deu logo alguma ferramcnta, man-
porcugues, genro putativo do principal Nhangujé e as mais pessoas que se acharam presentes dando com eles pessoa que os fosse acomodar na parce mais conveniente, e para que bem
a este aro. E eu, Bernardo Vieira Ravasco, fidalgo da casa de Sua Majescade, alcaide-mor da consrasse cudo o tratado acima mandou o capitao-mor nomeasse homem branco mais seu
capicania de Cabo Frio, secrecário do Estado e Guerra do Brasil, o fiz e escrevi nesca cidade do con fide nte que por sua parce aceicasse as condi~oes impostas e assinasse esce tratado com
Salvador, Bahia de Todos os Sancos, cm os dez dias do més de abri l, ano de mil seiscencos e cesrcmunha de rudo o sobred ico, que lhes foi lido e explicado pelo melhor modo possível foi
noventa e dois. Ancónio Luís Gonr;alves da Camara Coucinho, cruz do maioral José Vidal, cruz para que pudessem encender, para o que nomeou o dico chamado rei ao capicao-mor Gaspar
do maioral Miguel Percira Guajeru Pequeno, Joao Pais Floriao, Brás da Rocha Cardoso, André Freire de Carvalho, que com o dico capitao-mor assinou perancc muicas pessoas que presen-
Cusaio. Bernardo Vieira Ravasco [assinado]. tes escavam e do mesmo chamado rei e dos seus intérpretes que com ele se achavam e mais
rapuias que cm sua companhia vieram. E de tudo mandou o di to capitao-mor fazer este assen-
AHU, Pernambuco, caixa 11; publicado cambém por Ernesto Eones. As gueTTas "ºs Palmares. co e que se regiscrasse donde roca. Die 111 supra. Joao de Abreu Berredo o fiz, ano de mil
Sao Paulo, 1938, p. 422-6. seiscencos e noventa e cinco. Bernardo Vieira de Melo, cruz de Taya A¡;u, Gaspar Freire de
Carva lh o. O qual eu l\lanuel Eusébio da Costa cransladei bem e fielmente do próprio que
Retifica~ao da paz feita com os tapuias janduís da Ribeira do A~u, 20/9/1695 está Ian9ado no livro segu ndo dos registros da secretaria desee governo do Rio Grande a folhas
Aos vince dias do mes de secembro desee presente ano nesca cidade do Natal na capicania ccnto e quinze a que me reporto.
do Rio Grande nas casas de morada do capicao-mor dela Bernardo Vie ira de Melo e em sua
presenr;a se achou também o chamado rei dos capuias janduís por nome Taya A<;u o qual disse AHU, Rio Grande, caixa 1, 40.
que vinha com sua própria pessoa recificar a paz que pelos seus principais cinha mandado
fazer visco que de novo !ha havia o dico capicao-mor mandado assegurar, enviando-lhe em Tratado de paz feita comos tapuias ariús pequenos, 20/3/1697
sinal desea um seu bascao e obrigado com isso vinha em pessoa nao só a retificar a mesma paz Aos vince dias do mes de mar<;o desee presente ano nesca cidade do Natal na capitania do
se nao a assegurar que em nenhum tempo por si nem por oucrem dos seus haveria mais Rio Grande nas casas de morada do capitao-mor dela Bernardo Vieira de Melo e em sua
guerra com brancos e se obrigava a ir em nossa companhia a faze-la a todos os aquelcs que presen9a se achou cambém o chamado rci dos tapuias ariús pequenos por nomc Peca que
nao quisessem admitir a nossa amizade, e prometia ser fiel vassalo do mui justo, invicto e habicam nos confins desea capicania no mais íntimo desses sercoes o que disse que vinha com
poderoso Senhor Rei de Porcugal, nosso senhor, a que prometia servir e obedecer e aos seus sua própria pessoa ajustar a paz por estarem todas as na<;oes mais vizinhas e que residem no
governadores e capitaes-mores com pronta obediencia como deve e é abrigado. E da sua distrito desea capicania unidas na mesma paz e nossa amizade, o que disse que em nenhum
parce pedia perdao da desobediencia e seus erros passados pelos quais prometia nao só con- c~mpo por si nem por oucre m dos seus haveria mais guerra com brancos e se obrigava a fazé-
descender a que se povoassem os sertoes que a seu respeito se despovoaram, senao que com la a codos os aqueles que nao quisessem admitir a nossa amizade, e promecia ser fiel vassalo
seus soldados ajudaria a fazer currais e casas como já dera princípio com os gados que agora do mui jusco, invicto e poderoso Senhor Reí de Portugal, nosso senhor, a que promecia servir
haviam chegado do Ceará ao Ar;u como dos mesmos homens que os haviam crazido conscava e obedecer e aos seus governadores e capitaes-mores com pronta obediencia como <leve e é
o que escava perro dos dicos capítulos feicos na paz tratada com os seus enviados, que sao os obrigado. E da sua parte pedia perdao da desobediencia e seus erros passados pelos quais
que abaixo se declaram: prometía nao só condescender a que se povoassem os sertoes que a seu respeito se despo-
l.º que descendo dos sert6es as nossas povoa<;oes nao poderao crazer armas mais até o sítio voaram, senao que com seus soldados ajudaria a fazer currais e casas para se meterem gados
que chamam de Paupa ou da Pirucuba ou do Jacu, e vindo pela praia até a barra do Ceará nas cerras cm que habitam, como o haviam feico os do A<;u. E com isso o dico ca pitao-mor lhe
Mirim; deu perdao dos seus erros passados e lhes segurou a paz que pediam tudo em nome do gover-
2." que com os brancos que vao para o sertao do Ar;u ou para donde eles habicam a enviar nador e capicao-general desee Estado, dom Joao de Lencascro, e conforme sua ordem que
seus gados cerao coda a conformidade e os ajudarao para os benefícios dos mesmos gados e para isto tinha. Porém, com as condi<;oes concidas nos capítulos seguinces:
condu<;ao deles pagando-lhes o seu trabalho; 1.0 que descendo dos sertoes as nossas povoa<;oes, nao podcrao trazer armas mais até o
3.0 que se alguma outra na9ao se rebelar ou desobedecer, irao com os brancos a fazer-Jhes sítio c.¡ue chamam de Paupa ou da Pirutuba ou do Jacu, e vindo pela praia até a barra do Ceará
guerra até os reduzirem a nossa obediencia; Mirim;
4. 0 que nao consentirao em sua companhia os escravos fugidos dos moradores, anees os 2.º que com os brancos que vao para o sertao do A~u ou para donde eles habitam a enviar
prenderao e trarao abaixo e se lhe pagará a sua diligencia; seus gados terao coda a conformidade e os ajudarao para os benefícios dos mesmos gados e
S.º que, porquanto entre nós vive alguma gente da sua na<;ao, machos e femeas, já domés- condu9ao deles pagando-lhes o seu crabalho;
ticos, catequizados e batizados, que nao pretenderao levá-los consigo para o sercao por nao ser 3.º que se alguma outra na9ao se rebelar ou desobedecer, irao com os brancos a fazer-lhes
justo que sendo batizados e filhos da lgreja tornem ao barbarismo de que saíram maiormente guerra até os reduzirem a nossa obediencia;
porque estao codos voluntariamente contentes e satisfeitos na companhia dos brancos. 4.0 que nao conscntirao em sua companhia os escravos fugidos dos moradores, antes os
E com isto o <lito capitao-mor lhe deu a seguran9a e o dito perdao e paz que pediam rudo prenderao e crarao abaixo e se lhe pagará a sua diligéncia;
em nome do governador e capitao-general desee Estado, dom Joao de Lencastro, e conforme S.º que porquanco entre nós vive alguma gente da sua na<;ao, machos e femeas, já domés-
a sua ordem c.¡ue sobre este particular achou por carta sua a seu ancecessor o capitao-mor cícos, catequizados e batizados, que nao pretenderao Jevá-los consigo para o sercao por nao ser
Agoscinho César de Andrade, e logo pelo dito capitao-mor lhe foi admoescado o muico que justo que sendo batízados e filhos da lgreja cornem ao barbarismo de que saíram maiormence
lhe convinha assim como se sujeitaram a obediencia de vassalos de Sua Majestade, que Deus porque escao todos voluntariamente contentes e satisfeitos na companhia dos brancos.
guarde, e abra9arem juntamente a paz espiritual, querendo aldear-se e aceitar o sacerdote que E porque na sua rudeza pode haver alguma incapacidadc de accicarcm estas condi<;oes
lhe adminiscrasse os sacramentos e ensinasse a doutrina crisca, aoque respondeu o chamado lhes dissc o dico capicao-mor que nomeassem um branco seu amigo e confidente para em seu
rei, falaria com codos os mais para se aldearem dando-se-lhe na Ribeira do Ceará M irim desea nome ace itar as dicas condi<;oes e prometercm a observancia delas, o qua) elegeu o capicao
capicania cerras donde pudessem fazer suas planeas por serem as do A<;u muito secas para Antonio Alvares Correia, seu conducor a quem buscaram por ser seu conhecido antigo por ter
nelas se planear [ilegívei] e o dito capitao-mor lhe promeceu dar-lhe cerras donde eles como- cerras adonde é sua habita<;ao e haver nelas tido gados que com o levan.ce da guerra do diro
304 ANEXOS ANEXOS 305
~ gentio se descruíram, o qual vendo serem as condi96es codas racionais e coleráveis as aceitou
e assinou este tratado em seu nome cm que também assinou como urna cruz o dico rei Peca e
um seu irmao por nome o capicao Joao Pinto Correia. E de tudo mandou o dico capicao-mor Anexo 5
fazer este assenco e que se reg iscrasse donde coca. Manuel Eusébio da Cosca o fiz no ano de O ter~o do mestre-de-campo
mi l seiscencos e noventa e sece. Bernardo Vieira de Meto, cruz do Peca, cruz de Joao Pinto
Correia, Antonio Alvares Correia. O qua! cu l'vlanuel Eusébio da Costa rransladei bem e fiel -
Manuel Álvares de Morais Navarro em 1698
mente do próprio que está lan9ado no livro seguindo dos registros da secretaria desee governo (1) eompanhia do mestre-de-campo Manuel Álvares de Morais Navarro: Antonio Ri-
do Rio Grande a folhas cento e quinze e verso a que me reporto. beiro García (sargento-mor, subscirnído por José de Morais Navarro), frei Antonio de Jesus
(ca pelao), Francisco Fajardo Barros (ajudantc do número), Roque Nogueira (ajudance do nú-
AHU, Rio Grande, caixa 1, 40. mero), Manuel Nunes de Azevedo (ajudante supra), Inácio de Távora (ajudante supra), Do-
mingos do Prado (alferes, morco), Domingos das Neves Ribeiro (sargento do número), Fran-
cisco Nunes de Siqueira (sargento supra), Joao do Prado (cabo), Salvador Dias (cabo), Jacinto
(tambor), e os soldados: Domingos Joao, José de Sousa, Domingos de Morais Navarro, Joao
Rodrigues, António Ribeiro, l'vlanuel da Cosca, Francisco, José Leice, Manuel Simoes, Inácio
Nogueira, Damásio Rodrigues, Francisco Mendes, Louren90 Barbosa, Inácio Ferreira, Se-
bastiao Gago, Ascenso Ferreira, Leonel de Abreu.

(2) companhia do capitao Bento Nunes de Siqueira: Simao Ribeiro (alferes), Francisco
de Caraca (sargento do número), Mar9al Galhardo (sargento supra), ~1anuel Nobre de Men-
don9a (cabo), António (tambor), e os soldados: Tomé Nunes, Geraldo de Carvalho, Cirilo
Pe reira, Gon9alo Gomes, Gon9alo Rodrigues, José Alves, André de Bicancor, Antonio Nunes.
(3) companhia do capitao José Porrate de Morais Castro: Manuel Pedroso (alferes),
Antonio Cabral (sargento), Antonio do Couco (sargento), André (tambor), e os soldados: Gon-
9alo Mendes de Morais, Manuel Rosado, Dom ingos Rosado, Joao Pires, Sebasciao Nunes,
Bernardo, Francisco do Couto.

(4) companhia do capitao José de Morais Navarro: Francisco Antunes (alferes), Agosci-
nho Góis Meneses (sargento do número), Bento Ivleira Barros (sargento supra), Agostinho
Rondon (cabo), José Dias Duarte (cabo), Francisco (tambor), e os soldados: Francisco da Cos-
ca, Anascácio Álvares, Manuel Marques, Francisco Álvares, Manuel, Domingos Soares, José
Luís, Francisco de Aguiar, Manuel da Costa Viana, Joao Barbosa, Joao Mendes, Afonso Dias,
Salvador Rodrigues Góis, Joao Rodrigues, Salvador Álvares, Sebasciao Pereira Lobo.
(5) companhia do capitao Manuel da Mata Coutinho: Marcelino de Oliveira (alferes),
Manuel do Prado (sargento), Estevao de Barcelos Machado (sargento), Manuel Cabral (cabo),
"desconhecido" (tambor), e os soldados: Sebasciao Gon9alves, Ambósio de Avanio, Miguel
Domingues, Joao Ancunes, Simao da Costa, Manuel da Cosca, Antonio da Cunha, Francisco
Borgcs do Prado, Amaro Lopes Maciel, Gaspar Gomes, Joao de Góis, Luís Gomes, Francisco
Fcrrcira da Cosca, Jerónimo de Fran9a Gaia, Roque da Cosca, Pedro dos Sancos Resende,
Antonio Pais Barrero, Alberto Rodrigues, Antonio das Neves Loureiro, Brás Rodrigues Gato,
Antonio Tavares de Oliveira, Lucas Antunes, Dom Pedro.
(6) companhia do capitao Antonio Raposo Barreto: Diogo Barbosa (alferes), Marcos de
Üliveira (sargento), Clemente de Cardoso (sargento, morco), José Ribeiro (cabo), Manuel Men-
dcs (cabo), Manuel Raposo (tambor), e os soldados: Diogo Moreira, Gon9alo Silva, Joao Ivfar-
ques, Francisco Barbosa, Francisco Pires, Joao de Cubas, Joao Lopes, Apolinário Marcios, José
da Cruz da Apresenta~ao, Eliseu de Macedo, Lázaro, Antonio, Amaro, Francisco, Antonio.
(7) companhia do capitao Salvador de Amorim e Oliveira: Francisco Ribeiro (alferes),
Antonio Pinheiro (sargento do número), Silvestre Marques (sargento supra), "desconhecido"
(tambor), e os soldados: Domingos Francisco da Silva, Antonio Gon9alves Machado, Antonio
Vaz da Silva, Joao de Sousa da Fonseca, Pascoal Gon9alves, l'vtaccus Marinho, Maceus Gon9al-
vcs, Manuel de Aguiar, Bento Rodrigues, Joao Nunes de Siqueira, José Raposo, Tomás do
Vale, Rodrigues Días, Gregório Barbosa, Leandro da Cunha, Antonio da Silva, Domingos da
Costa, Gabriel, Baltasar, Valencim, Domingos, Domingos.
306 ANEXOS

" (8) compa nhia do ca pitao Fra ncisco L e mos Matoso: Antonio Simoes 1vloreira (a lte res),
Francisco Amones (sargento do número), Manuel Pereira da Cosca (sargen ro supra), Antonio
(tambor), e os soldados: ~1 anuel de Lemos, Antonio de Azevedo Raposo, Joao de Medi na,
Manuel De lgado, Joao Nunes Sobrinho, Joao de Lemes do Prado, M ~nuel Sov:ra.1, Antonio
de tvlesquita, iv1anuel Tvlendes, Francisco Preto Rondan, Gaspar Rod n gues.,A~t0010 Bo.nete,
Donaco Bonete, Diogo de Braga, Diego Lobo de Oliveira, Joao Lobo de Ohve1ra, Domingos
de Uzeda de Morais, Manuel Cardoso, ~1iguel Cardoso de Siqucira, Manuel Ferrcira, F ran-
cisco de Candia, .Marcelino Bonete.
(9) compa nhia do ca pitao Antonio G ago de Oliveira: Salvador de Siqueira Rondon (alfe -
res), Manuel Luís Correia (sargento do núme ro), Marcinho Vaz (sargento supra), Luís N unes
(cabo), André da Silva (cabo), Gaspar (tambor), e os soldados: Antonio de Siqueira, Joao Mate us FONTES E BIBLIOGRAFIA
Rondon, Joao Batista Aranha, Silvestre, Joao Días, Antonio Oías, Celestino da Cosca, Joao de
Almeida, José de Andrade, José Dias, Simao de Brico, Tvliguel.
(1 0) compa nhia do capitao M anuel de Siqueira R ondon : Antonio Pe reira Brito ~ alferes),
André de Carvalho (cabo), "desconhecido" (tambor), e os soldados: Bernardo Batista, Do-
mingos Ivforat0 de Bitancor, Francisco Martins Pereira, ~an uel de G~is ~ omem, .Manuel
Carneiro do Couto, Joao Pe reira, Antonio Gon~alves Pere 1ra, Pedro da S1lve1ra, Domingos da l. Fontes manuscritas
Maia, Manuel País, Joao Pe reira, Domingos de Araújo, Sebastiao Correia, Paulino Riscardo,
Lázaro Gomes, Simao da Cosca, Salvador Peque no, Diogo, Pedro de Siqueira, lnácio Delgado.
ARQUIVO HISTÓRICO ÜJ~TRAMARINO (AHU) / LISBOA
Códices: 49; 84; 85; 86; 93; 95; 11 2; 11 8; 119; 120; 122; 123; 124; 245; 246; 252; 253; 256;
257; 258; 265; 266; 275; e 276.
Fonte: Lista dos soldados do tcr~o do mcstre-de-campo Ivfanuel Álvares de Morais Navarro
(1 698). IHG RN, caixa 89; e a Lista dos asse ntados na companhia do capitao Manuel da Mata Papéis avulsos (caixas): Ba hia, 2 e 3; Rio G rande do Norte, 1, 2 e 3; Paraíba, 4 e 6; Ceará,
Coutinho (1698). IHGRN, caixa 65. 1 e 2; Piauí, 1; Pe rnambuco, 9, 10, 11 , 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18 e 20.

ARQu1vo P n nuco DO ESTADO DA BAHIA (APEB) /SALVADOR


Códices da se~ao colonial: 147 (cartas do governo a várias autoridades [regiscros), 1613-
1663); 148 (cartas do governo a várias autoridades [da capi tanía da Bahia], 1697-1704);
e 135- 1 (cartas do gove m o a Sua Majestade, 1654-1 665).

BIBLIOTECA NACIONAL DE LISBOA (BNL) /LISBOA


Colc~ao Pom balina: cód ices 11 5 ("Livro dos assen tos da Junta das 1\t1issoes, cartas ord i-
nárias, ordens e bandos que se escreveram em Pe rnambuco ao te mpo do governador
F él ix José Machado'', 171 2-1715) e 239 (portarías, orde ns, bandos, e ditais e tc. sendo
governador d. Antonio Fé li x f\1 achado, m arques de Montebe lo, 1690-1693).

BIBLIOTECA DO PALACIO DA AJUDA (AJUDA) / LISBOA


Documen tos re lativos ao Brasil: 5 1 V 42; 54 XIII 16; e 54 XII 4 52.

BIBLIOT ECA NACIONAL DE PARIS (BNP) / PARIS


Manuscritos portugueses: códices 28 e 30.

I NSTITUTO HISTÓRICO E G EOGRÁFICO DO R10 GRANDE DO NORTE (IHGRN) /


N ATAL
Caixas: 2, 34, 65, 75, 89, e 99.

I NSTITUTO DE E s T u oos BRASILEIRos (IEB) / S Ao PAULO


Colei;ao d e Yan de Almeida Prado: códice 4 A 25.

Brnuo T ECA S R. JOSÉ M1NDLIN / SAo PAULO


Relation de la Mission des indien s Kariris d u Brczil situés s ur le Grand fl euve de S.

-
308 FO 1 T ES E B 1 B L 1O G R A F I A
FONT ES E B l BL IO G n A F 1 A 309
Fran~ois du costé du Sud a 7 dcgrés de la ligne Equinotiale. L e 12 septembre 1702, COUTO, Dom ingos de Loreto. Desagravo do Brasil e gló1i;1s de Pernamb11co (l 757) R ·-
pour E Bcrnard de Nantes, capucin predicateur missionaire apliqué. fe: Funda~ao de Cu ltura Cidade do Recifc, 198 1. · eci
DA I Lf-!A, ~l anue l (OFl\ll). NanYltiva da c11st6dia de Santo Antonio do Brasil: 1584-1621
Pccropolrs: Vozes, l 975. ·
2 . F ontes impressas DE LAET, Johannes. Histó1ia 011 a11ais dos jeitos da Com·"anhia Priv1·1,,1/a"' d. ¡'. ,1 ·
." . r ,,,.,,/ ''ª as 11u1as
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Título A Guerra dos Bárbaros: Povos /11dlge11as e a Co/011iz.oriio
do Sertao Nordeste do Brasil, 1650-1720
Autor Pedro Puntoni
Produriio H ucice c/Edusp
lmagem da Capa Da11ra dos Í11dios Tarairitís (óleo de Albe rt Eckouc, 1654)
Projelo da Capa Luis Oíaz
Projeto G1cífico Equipe H ucicec
Editorarrlo Eletronica Ouripedes Gallcnc
Revisiio de Texto e Provas Equipe Huciccc
Atte-final Julia Ooi
Andrea Yanaguita
Tcreza Harumi Kikuchi
Divu./gr.J{rlo Regina Brandao
Daniel Maganha
Guilherme t\1affei Lcao
Secreta1ia Editorial Elianc Reimberg
Formato 14 x 21 cm
Tipologia Casablanca 10,5/12
Pope/ Cartao Supremo 350 g/m 2 (capa)
Pólen Ruscic Areia 85 g/m 2 (miolo)
Número de Páginas 328
Tiragem 1500
Laserfi/111 Hucitcc
Fotolito .t\1TJ Fotolito
lmpressiio e Acabamento Imprensa Oficial do Estado
grupos e sociedades indígenas contra morado-
res, soldados, missionários e agentes da Coroa
portuguesa. Nao obstante, do lado portugues,
a homogeneiza~ao dos povos do sertao (os ''ta-
puias") - em oposi~ao nao só ao mundo cris-
tao europeu, mas aos povos tupis, habitantes
do litoral - foi um dos elementos mais impor-
tantes para uma percep~ao unitária dos con-
.. flitos ocorridos no Nordeste. De fato, a exten-
sa documenta~ao colonial refere-se ao conjun-
to de confrontos e subleva~oes dos grupos ta-
puias do sertao nordestino como uma "Guerra
dos Bárbaros", unificando, dessa maneira, si-
tua~oes e contextos peculiares, isto é, os luso-
brasileiros viam-se enfrentando um levante
geral dos povos tapuias.
A Guerra dos Bárbaros foi urna das mais
·longas, concorrendo com as guerras dos Pal-
mares (1644-1695), da mesma época. D~ ma-
neira diferente, nao se tratava aqui de defen-
der urna op~ao de resistencia a escravidao e
urna comunidade de escapados, mas a sobrevi-
vencia de culturas seculares, ou mesmo mile-
nares, no t~rritório que se via invadido. Apesar
~e a Guerra dos Bárbaros configurar-se como
. um conjunto complexo e heterogeneo de ba-
calhas, esparsas no sertao, podemos dividi-la
entre os acontecimentos no Reconcavo baiano
(1651-1679) e as guerras do A~u (1687-1705),
na ribeira do rio deste nome no sertao do Rio
Grande do Norte e do Ceará.

Pedro Puntoni é doutor em história social e pro-


fessor de História
, do Brasil na U niversidade
de Sao Paulo. E também pesquisador do Cen-
tro Brasileiro de Análise e Planejamento (Ce-
brap). Publicou, nessa mesma cole~ao, o livro
A Mísera Sotte: a escravidao africana no Brasil
Ho/andes e as guerras do tráfico no Atlantico Su/,
A Edusp é ofiliodo a
1621-1648.
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!IAASllEIAA CE CIREITOS REl'RClGRÑ'ICOS

CÓP IA NAO AUIOR I ZADA ~ C RIM E

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