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CONSIDERAÇÕES SOBRE A INTEGRAÇÃO ECONÔMICA

DO MATO GROSSO
Domingos Sávio Corrêa

Resumo: A presente pesquisa procura sintetizar e discutir o processo


de interiorização do desenvolvimento econômico brasileiro, enfocando
a região Centro-Oeste e, mais precisamente, o Estado do Mato Grosso.
Procura ressaltar, também, as tendências de crescimento incentivadas
pelas atividades associadas ao agronegócio, e sua relativa importância
no modelo econômico vigente.
Palavras-chave: Mato Grosso, Desenvolvimento, Agronegócio.

CONSIDERATIONS ON ECONOMIC INTEGRATION


OF MATO GROSSO
Abstract: This research intends to synthecize and to argue the process
of internalization of the Brazilian economic development, focusing
the region Center-West and, more necessarily, the State of the Mato
Grosso. Search to stand out the trends of growth caused by the
activities associates to the agribusiness, and its relative importance in
the effective economic model
Keywords: Mato Grosso, Development, Agribusiness.

Introdução
Este trabalho pretende ressaltar aspectos relativos ao complexo
processo de inserção e integração do Mato Grosso ao território brasileiro. Para
tanto, será destacada inicialmente a figura do Marechal Cândido Mariano da
Silva Rondon, com a intenção de estabelecer uma analogia com as dificuldades
inerentes ao referido processo.
Rondon é uma figura histórica que pode ser percebida como
exemplar na inserção geo-econômica de um dos maiores estados brasileiros:
mato-grossense, descendente de índios, ele ainda é um personagem com
forte presença no imaginário coletivo, um personagem quase mítico,
principalmente em seu estado natal, e certamente é uma figura da maior
relevância no Brasil.
Menciona-se Rondon por conta de seu trabalho no reconhecimento
e levantamento cartográfico do território do Mato Grosso e Rondônia,
*
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana da FFLCH-USP. E-mail:
savio@usp.br

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por estabelecer contatos com diversas etnias e interligar esses estados às


comunicações do país. Menciona-se Rondon pela comparação possível entre
seu trabalho e as gigantescas dificuldades enfrentadas no acesso àquele imenso
território. Menciona-se Rondon para associar a integração do Centro-Oeste,
mas principalmente do Mato Grosso, ao processo histórico de desbravamento
e ocupação da “marcha para o oeste” do período Vargas e, posteriormente, sob
o lema do período militar (“integrar para não entregar”). Procura-se ressaltar,
assim, as enormes dificuldades e os desafios lançados para a constituição
e consolidação da tarefa de incorporar essa porção do espaço à economia
nacional.
Rondon, portanto, foi exemplar na busca de uma integração voltada
para interesses comuns, na defesa da soberania brasileira e constituição de
uma identidade nacional, uma integração que se voltava para o interior, em
um processo de inserção em benefício do país como um todo e do Mato
Grosso em particular.
Para ressaltar a importância da empreitada de Rondon, transcrevemos
um trecho extraído do trabalho de Bígio (2000, p.11):

Durante os trabalhos de construção, de 1907 a 1915, a Comissão


Rondon instalou 2.268 km de linhas telegráficas e inaugurou 25
estações, duas – Ponte de Pedra e Utiariti – em território dos índios
Paresi; construiu também uma importante estrada de rodagem de
Tapirapoan a Juruena, ainda em território Paresi (...). Durante esses
anos, a Comissão enviou para o Museu Nacional, no Rio de Janeiro,
23.107 exemplares de material botânico, zoológico, mineralógico,
geológico e antropológico.

O caso de Rondonópolis
O município de Rondonópolis encontra-se imbricado no que se
convencionou denominar como “Portal da Amazônia”, e desfruta ainda hoje
de importante posição geográfico-estratégica como ponto de passagem e
comunicação viária regional. Nas palavras de Tesoro (1993, p.6), seria uma
espécie de “corredor obrigatório para o trânsito norte-sul do país, cuja ponte
de concreto sobre o Rio Vermelho é vital não só para o escoamento de riquezas,
como é considerada área de segurança pelo Exército...”.
Município formado nos primeiros anos do séc. XX, por goianos
e cuiabanos, posteriormente foi colonizado por diversos “paulistas”
(denominação dada tanto a mineiros, cearenses, baianos e outros que
procediam do Estado de São Paulo), no período 1947-1970, e, finalmente,
pelos “gaúchos” (alcunha dada aos migrantes do sul do país: riograndenses,

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catarinenses e paranaenses, em grande leva só a partir da década de 70).


Rondonópolis localiza-se na porção sudeste do estado, com área de 4.685
km²; limita-se ao norte com Poxoréo e D. Aquino, ao sul com Itiquira e Pedra
Preta, a leste com Guiratinga e a oeste com Juscimeira e Santo Antonio do
Leverger.1
Entretanto, vemos em Tesoro (1993) que por volta de 1940, onde
se localiza a atual cidade de Rondonópolis, existiam apenas 3 pequenas casas;
mas, passados cerca de trinta anos, esta situação mudou completamente: com
volume de tráfego denso e como ponto de convergência principal com outras
cidades de Mato Grosso, principalmente com a capital Cuiabá e como elo de
ligação com a porção sul do antigo Estado de Mato Grosso, no sentido Campo
Grande, capital de Mato Grosso do Sul (a divisão do Estado ocorreu em
1979), Rondonópolis foi o cenário, portanto, de um incessante crescimento
econômico, capitaneado por atividades relacionadas a agropecuária.
Por sua localização estratégica como via de acesso entre o Norte e o
Sul do país, a partir da construção da rodovia Cuiabá-Campo Grande e da BR
364 até Brasília, Rondonópolis recebeu um alto índice migratório (superior a
200%) no período 1960/1970, quando a cidade se transformou em pólo de
desenvolvimento econômico regional.
Outra vez será utilizada a obra de Bígio (2000, p.12):
“Os trabalhos realizados pela Comissão projetaram-se para o
futuro, pois serviram de referência ao traçado da antiga BR-364
e à implantação de projetos de colonização levados adiante nas
décadas de 1940 e 1970 no atual estado do Mato Grosso do Sul,
em Mato Grosso e em Rondônia. Onde ficavam algumas antigas
estações telegráficas, estabeleceram-se cidades como Tangará da
Serra, no antigo território dos índios Paresi; Barra do Bugres, no
território dos Umutina; Rondonópolis, segundo maior município
de Mato Grosso, no território dos Bororo; Juara, no território dos
Apaiacaa/Caiabi; Aripuanã e Juína, no território dos Cinta Larga;
Barra do Garças, Xavantina, Campinápolis e Água Boa, no território
dos Xavante”.

A presença Bororo em Rondonópolis é evidente. No município


localiza-se uma das grandes “reservas” indígenas do Estado, a que “abriga”
o povo Bóe-Bororo. O escritório da Funai na cidade é responsável por dar
cobertura a cerca de 400 índios da aldeia Tadarimana, e aproximadamente
1.200 índios Bororo das aldeias Piebaga, Jurigue, Gomes Carneiro, Praião,
1
Em 1953 foi atribuído o nome de Rondonópolis ao antigo povoado de Rio Vermelho, onde fora
instalada no final da década de 1910 a Estação Telegráfica Rondon (Bígio, 2000, pg. 53).

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Pobore, Garça, Meruri e Sangradouro2, e a convivência nem sempre é pacífica.


Muitas vezes os Bororos não são chamados a opinar sobre mudanças na Funai
e ocorreram casos de ocupação do posto em Rondonópolis. Recentemente,
em 2006, disputas pela posse de terra culminaram com um atentado aos
Bororo da área indígena de Jarudore, quando um caminhão dos índios foi
incendiado:

“após o atentado no dia 26 de dezembro de 2006 (em que o


caminhão da Comunidade Indígena foi queimado), as ameaças,
pressões, intimidações e perseguições aos índios continuaram na
Área Indígena, estendendo-se a pessoas que estabelecem relações
de amizade ou mesmo comerciais com os indígenas locais”. 3

Evidencia-se, portanto, que o empenho de algumas autoridades


e setores sociais no apoio às comunidades indígenas nem sempre surte o
resultado esperado, e o possível realizado sempre com dificuldades fica aquém
do necessário as populações indígenas, estas vivendo no limite de imensas
dificuldades e necessidades.
A Tabela 1, apresentada a seguir, mostra os dez maiores municípios
de Mato Grosso, conforme a Contagem da População feita pelo IBGE.
Tabela 1: MT: 10 Maiores Municípios e Áreas das Unidades Territoriais
Classificação Municípios População Área (Km²)
1 Cuiabá 526.830 3.538
2 Várzea Grande 230.307 938
3 Rondonópolis 172.783 4.165
4 Sinop 105.762 3.194
5 Cáceres 84.175 24.398
6 Tangará da Serra 76.657 11.566
7 Sorriso 55.134 9.346
8 Barra do Garças 53.243 9.142
9 Alta Floresta 49.140 8.947
10 Primavera do Leste 44.729 5.472
Fonte: IBGE, Contagem da População 2007.

Rondonópolis tem se destacado como um dos maiores produtores


de soja e algodão do país. Empresas estrangeiras como Bunge e ADM
encontram-se instaladas em seu território. Encontra-se em andamento um
processo de industrialização relacionado ao setor agrícola, com a instalação
de empresas de fertilizantes e outros insumos (Bunge Fertilizantes e Nortox,
2
Conforme “Mídia News”, http://www.midianews.com.br “Bororos prometem manter ocupação
do escritório da Funai em Rondonópolis”, 31 de março de 2005. Acessado aos 21/05/2007.
3
Conforme NOTA à imprensa emitida pela Comissão Interinstitucional de Apoio à Sociedade
Indígena Bóe-Bororo de Jarudore, Dezembro de 2006.

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por ex.); setor de bebidas, com a instalação de fábricas de cervejas (Crystal


e Cervejaria Petrópolis); e no setor têxtil, com a instalação da Santana Têxtil,
entre outros empreendimentos. Há menções a crescentes investimentos no
setor sucroalcooleiro, o que pode transformar e dinamizar ainda mais o perfil
econômico da cidade. A ADM, no caso, opera no município uma planta de
biodiesel, além do esmagamento de soja.
Atualmente Rondonópolis é a terceira maior concentração
populacional do estado de Mato Grosso (conforme Tabela 1), o 2º maior
Produto Interno Bruto do Estado e o 10º da região Centro-Oeste4.

Investimentos estrangeiros e agronegócio


No decorrer dos anos 90, os investimentos voltaram-se
substancialmente para processos de fusões do que para novos projetos. O
gráfico a seguir representa o movimento de fusões e aquisições do período,
com o percentual total positivo, no caso, para as transações com participação
estrangeira (Corrêa, 2005).
Gráfico 1: Transações realizadas no Brasil (%) – 1992-2004

80
67,31 65,99 65,05
70 63,79 65,15
61,62
60 54,67 53,71 54,84 56,77
50,91 62,96
50,44
46,29 45,16
50 43,23 49,56
45,33 38,68 49,09
37,04
40 34,85 34,95
32,69
36,21
30 34,01

20

10

0
1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004*

Transações domésticas Transações com participação estrangeira

Fonte: KPMG Corporate Finance, Pesquisa de Fusões & Aquisições, 1998, 2003 e 2004. Elaboração
própria.
* Dados referentes aos nove primeiros meses de 2004.

As oportunidades de instalação em novos setores ou empreendimentos


apresentavam-se mais viáveis nas fusões do que nos desembolsos na
constituição de novos projetos. Esse movimento foi mundial, e seus reflexos
também alcançaram o Brasil, país onde as políticas de abertura, flexibilização
e privatizações, entre outras, facilitaram a entrada desses investimentos.
Por outro lado, as empresas brasileiras, endividadas e sem qualquer tipo de
4
Conforme DOSSIÊ Rondonópolis.

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auxílio, seja financeiro ou logístico, transformaram-se no alvo prioritário das


empresas estrangeiras. No início da década, o setor de autopeças nacional foi
desmantelado (Luedemann, 2008), bem como o setor de brinquedos, antes
consolidado, e que capitulou diante da abertura aos produtos importados.
Desvinculado de outra alternativa econômica, e respondendo portanto ao
legado da produção de grãos, o agronegócio tornou-se o setor mais dinâmico
da economia brasileira. O Mato Grosso foi o estado que apresentou o maior
crescimento econômico no período 1985-2002, produzindo, comercializando
e exportando aproximadamente 14,5 milhões de toneladas de grãos. No
Brasil, apenas o estado de Mato Grosso possui uma produção equivalente à
produção de toda a China (Luedemann, 2008).

As maiores empresas do setor de alimentos no Centro-Oeste


Entre as dez maiores empresas em vendas do setor de alimentos,
encontramos: Ambev (associada à belga Inbev), Cargill (EUA), Bunge
Alimentos (HOL), Souza Cruz (EUA), Sadia (BRA), Nestlé (SUI), Perdigão
(BRA), Grupo JBS-Friboi (BRA), Kraft Foods (EUA) e LDC Brasil (FRA),
sendo que boa parte delas opera no Mato Grosso, e em outros estados do
Centro-Oeste, como é o caso da Cargill, que atua em Goiás. Nota: entre as
dez maiores empresas no item vendas, apenas três são de capital nacional,
conforme demonstrado na tabela a seguir.
A informação é importante para observar que, das empresas presentes
no Centro-Oeste, e listadas no ranking das dez maiores do segmento “soja e
óleo”, “indústria de carnes” e “abate de animais”, não mais que cinco são de
capital nacional. Entretanto, é no setor soja que a participação das estrangeiras
é preponderante: juntas, Cargill, Bunge, ADM e LDCommodities controlam
mais da metade do setor no país.

Tabela 2: Setor de Alimentos: as 10 maiores empresas em vendas -2006


Classificação Empresas Valores (US$milhões)
1º Ambev 10.735,6
2º Cargill 5.122,1
3º Bunge Alimentos 5.070,7
4º Souza Cruz 4.125,7
5º Sadia 3.647,2
6º Nestlé 2.558,9
7º Perdigão Agroindustrial S.A. 2.525,6
8º Grupo JBS 2.072,2
9º Kraft Foods 1.642,6
10º LDC Brasil 1.387,9
Fonte: Portal Exame. As maiores empresas em vendas. Acessado aos 29/10/2007.

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Ressalte-se que na Tabela 2 os dados referem-se a valores de vendas


(em milhões de dólares), enquanto nas tabelas das maiores empresas presentes
ou sediadas no Centro-Oeste (Tabelas 3 e 4), os dados referem-se a “receita
líquida” (em milhões de reais).
A tabela a seguir indica a participação do capital estrangeiro de
acordo com a receita líquida das empresas.

Tabela 3: Maiores Empresas Presentes no Centro Oeste em 2006


(Receita Líquida em R$ milhões)
Class. Empresa Sede Setor Capital R.L.
2 Cargill SP Soja e Óleo EUA 10.147,4
4 Bunge SC Soja e Óleo HOL 9.749,5
9 Sadia SC Ind. de Carnes BRA 6.704,9
12 Perdigão SP Ind. de Carnes BRA 4.556,8
13 ADM ES Soja e Óleo CAN 4.413,1
15 JBS-Friboi SP Ind. de Carnes BRA 3.956,2
16 Bunge Fertilizantes SP Fertilizantes HOL 3.936,7
21 LDCommodities SP Soja e Óleo FRA 2.715,2
28 Marfrig SP Abate de animais BRA 2.130,5
Fonte: “Anuário do Agronegócio”, Editora Globo, 2007 e Exame, Editora Abril, 2007.

Em que pese o estatuto de igualdade entre as empresas, instituído


pela Constituição de 1988, os dados indicam um percentual de participação
estrangeira bastante elevado no setor de alimentos, considerando as maiores
empresas desse setor.
A distinção entre as tabelas “Maiores empresas presentes no Centro-
Oeste” e “Maiores empresas com sede no Centro-Oeste” é circunstancial, e
procura destacar a participação estrangeira no setor soja, e a discrepância
entre o capital estrangeiro e o capital nacional no mesmo setor. É importante
comparar as posições no ranking das empresas do setor soja: dentre as maiores
empresas, Cargill (2º lugar), Bunge (4º), ADM (13º) e LDCommodities (21º),
surgem à frente das maiores empresas de capital nacional do setor, como
Amaggi (37º), Caramuru (62º), Cooagri (75º), Comigo (102º), Clarion (159º)
e Brasfrigo (185º).
Sabemos que o ranking refere-se às “maiores entre as maiores”,
entretanto, nota-se a participação privilegiada das empresas estrangeiras nas
primeiras posições, dominando o comércio, a produção, o esmagamento e a
exportação da soja.
Os gráficos abaixo representam as unidades localizadas na região
Centro-Oeste e no Estado do Mato Grosso, e buscam comparar a localização
e a instalação atual dos empreendimentos de açúcar e álcool, distinguindo-os
das unidades de biodiesel.

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Gráfico 2: Unidades de açúcar, álcool e biodiesel:


Centro Oeste
49

41

23

Unidades instaladas Novas unidades U nidades de Biodiesel

Gráfico 3: Unid ades de açúcar, álcool e biodiesel no


Mato Grosso 17

11

Unidades instaladas Novas unidades Unidades de biodiesel

Percebe-se, até o momento, maior concentração de unidades de


biodiesel localizadas no Estado de Mato Grosso.
Com a aquisição do Grupo Tavares de Melo (4 usinas, 1 destilaria e
o projeto de uma quinta usina a ser construída em Mato Grosso do Sul), o
grupo francês LDCommodities alcançou a maior posição estrangeira no setor
sucroalcooleiro.
Em 2001 o grupo Louis Dreyfus (LDCommodities) já havia adquirido
a Usina Luciânia (MG), além da Usina Cresciumal, em 2000, de Leme (SP).
Com suas aquisições o grupo controla atualmente outras unidades: usinas

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Passa Tempo, Maracaju, Rio Brilhante e Esmeralda (em construção) todas


localizadas no Mato Grosso do Sul.
Por outro ponto de vista, entre as dez maiores empresas cujas sedes
localizam-se no Centro-Oeste, apenas uma, a Tavares de Melo Açúcar e Álcool
pertence ao capital estrangeiro (LDCommodities). No setor soja e óleo, as
duas maiores são as brasileiras Amaggi e Caramuru. A maior usina de açúcar
e álcool é a Usina Itamarati. Entre elas, a presença da Embrapa, a evidenciar a
importância do trabalho de pesquisa, por exemplo, na adaptação de variantes
de sementes ao solo do cerrado.

Tabela 4: Maiores Empresas com Sede no Centro Oeste em 2006


(Receita Líquida em R$ milhões) - 2006
Class. Empresa Sede Setor Capital R.L.
37 Amaggi Rondonópolis/MT Soja e Óleo BRA 1.539,8
62 Caramuru Itumbiara/GO Soja e Óleo BRA 1.023,4
63 Embrapa DF Des. agropecuário BRA 1.017,0
75 Cooagri Dourados/MS Prod. de soja BRA 808,0
82 Conab DF Atacado e varejo BRA 746,8
102 Comigo Rio Verde/GO Soja e Óleo BRA 625,9
145 Usinas Itamarati Nova Olímpia/MT Açúcar e álcool BRA 427,1
148 Tavares de Melo Rio Brilhante/MS Açúcar e álcool FRA 415,3
159 Clarion Cuiabá/MT Soja e Óleo BRA 365,5
185 Brasfrigo Luziânia/GO Soja e óleo BRA 292,8
Fonte: “Anuário do Agronegócio”, Editora Globo, 2007 e Exame, Editora Abril, 2007

No total, localizam-se no Centro-Oeste 49 unidades de açúcar e


álcool já instaladas e 23 plantas de biodiesel. Destas, 17 unidades encontram-
se no estado do Mato Grosso. Em Goiás, em 2007, a transformação de áreas
de soja em cana gerou conflitos que demandaram tentativas de proibição da
ampliação da área de produção de cana-de-açúcar. Percebe-se, no geral, uma
migração da produção pecuária e mesmo da cultura de soja para o cultivo da
cana-de-açúcar.

Dados de participação e exportação no setor de alimentos


Conforme o “Anuário do Agronegócio”5, a participação brasileira
no mercado internacional de etanol gira atualmente em torno de 52%, com
exportações de 2,6 bilhões de litros. Estima-se que em 2015 a participação
do etanol será de 66,7%, correspondendo a exportações da ordem de
aproximadamente 8 bilhões de litros. A participação do açúcar, que atualmente
é de 41% (com 18,9 milhões de toneladas exportadas) passará a 54% em
5 Conforme EXAME, 2007.

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2015, com 32 milhões de toneladas exportadas, e a soja, que atualmente


detém 36,3% de participação, com 25,6 milhões de toneladas exportadas,
atingirá 46% de participação, exportando cerca de 45,7 milhões de toneladas.
Demais itens e produtos da cadeia de produção também tendem a crescer,
demonstrando tanto o aumento da demanda como a modernização em curso
no campo brasileiro.
Entretanto, é crescente a participação de grupos, empresas e fundos
de investimento no setor sucro-alcooleiro, como evidenciado na tabela
apresentada abaixo:

Tabela 5: Açúcar e Álcool: Maiores Investidores Estrangeiros


GRUPO PERFIL NEGÓCIOS COM ETANOL
Atua nos setores de leite, 1 usina em MG; Usina
carne, grãos, açúcar e etanol. em construção no MS;
ADECOAGRO
Principal investidor: George Investimentos de 1,6 bilhão
Soros. de reais até 2015.
Fundo de investimentos
2 bilhões de dólares para
capitaneado pelo ex-
BRENCO investir em usinas de álcool
presidente da Petrobrás Henri
no Centro-Oeste.
Philippe Reichstul.
Um dos maiores produtores Comprou 63% da Cevasa
Cargill (EUA) de grãos e alimentos do (família Biaggi), em
mundo. Patrocínio Paulista (SP).
Uniu-se ao Grupo Santa Elisa Planeja investir 2 bilhões de
GLOBAL FOODS para criar a Cia Nacional de reais na construção de 4
Açúcar e Álcool (CNAA) usinas em GO e MG.
GRUPO TEREOS
100% da Açúcar Guarani;
(FRANÇA) Um dos maiores produtores
47,5% da FBA e 6,3% da
FBA: Franco Brasileira de açúcar da Europa.
Cosan
de Açúcar
LDCommodities Adquiriu totalidade ações
Um dos maiores produtores
(GRUPO LOUIS Tavares de Melo Ac. e
de soja e suco concentrado.
DREYFUS/FRANÇA) Álcool.
COMANCHE CLEAN Adquiriu unidades em SP, BA Invest. projetados para o
ENERGY (EUA) e MA. NE.
Fonte: “Anuário do Agronegócio”, Revista Exame, 2007; Valor Grandes Grupos, 2007 e <http:/www.
comanchcleanenergy.com> Acessado aos 21/04/2008.

A Expansão dos Grupos JBS-Friboi e Frigorífico Marfrig


O Grupo JBS-Friboi, o frigorífico brasileiro que mais adquiriu
empresas no setor desde o início dos anos 90, tornou-se o maior exportador
mundial de carne bovina.

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Criado em Anápolis em 1953, o Grupo JBS possui 23 unidades


frigoríficas em 8 estados brasileiros: Acre, Rondônia, Mato Grosso, Goiás,
Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. O Grupo é
proprietário, ainda, de duas fazendas de criação de gado. Na região Centro-
Oeste o Grupo atua em Goiânia, Anápolis e Luziânia (GO), Araputanga, Barra
do Garças, Cáceres e Pedra Preta (MT), e em Campo Grande (MS).
O Grupo JBS atua em quatro divisões de negócios: alimentos
(carne in natura, através das marcas Friboi e Maturatta); linha de produtos
industrializados, através das marcas Anglo e Sola; higiene e limpeza (divisão
criada em 1986, em Luziânia, Goiás); e atua no setor de transportes, em
que possui frotas próprias para atender aos mercados interno e externo.
Ao adquirir ou arrendar uma unidade, o Grupo pode, inclusive, eliminar
empresas transportadoras que anteriormente atendiam àquela unidade
ou região. Trata-se do maior frigorífico de carne bovina do Brasil, cujas
exportações atingiram US$ 900 milhões em 2005, após a aquisição da Swift
Armour S. A. Argentina. A empresa baseou sua expansão em uma agressiva
estratégia de aquisições, incorporando ao menos um frigorífico por ano na
década de 1990. Em 2007, o Grupo adquiriu a Swift Armour nos EUA, e
aumentou a produção e exportação de carne. Em 2008 o Grupo JBS iniciou
sua participação no setor financeiro, com a criação do JBS Banco, com uma
agência em São Paulo e serviços de custeio, reformas, construção, etc., capital
inicial de R$ 30 milhões, voltado para os fornecedores do grupo.
Já o frigorífico Marfrig, cuja criação remonta ao ano de 1988, teve
rápido crescimento e ampliou sua participação com o arrendamento de
uma planta em Bataguassu (MS), em 2000, quando foi constituída a Marfrig
Frigoríficos e Comércio de Alimentos S.A.,
A partir de 2001 a empresa iniciou suas exportações, após arrendar
sua segunda planta em Promissão (SP) e passou a realizar uma série de
aquisições de empresas:
• em 2003 adquiriu a planta de Tangará da Serra (MT);
• em 2004 arrendou a planta de Paranatinga (MT);
• em abril de 2006 adquiriu a planta de Mineiros (GO); em julho
constituiu a Marfrig Chile, e em setembro do mesmo ano adquiriu
50% do capital social da Quinto Cuarto;
• em agosto (2006), a Companhia adquiriu as plantas de Chupinguaia,
(RO) e a planta de São Gabriel (RS);
• em outubro de 2006 adquiriu a planta do Tacuarembó (Uruguai),
além de 100% do capital da Argentina Breeders and Packers, (planta
de abate na Argentina);

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• Ainda em 2006 a Marfrig terminou a construção de planta em Porto


Murtinho (MS);
• adquiriu a Inaler, a segunda planta no Uruguai, em dezembro de
2006;
• em janeiro de 2007 adquiriu a segunda planta em Promissão, Estado
de São Paulo (Promissão II);
• iniciou operações em mais quatro plantas: uma processadora e uma
industrializadora localizadas no Estado de São Paulo; outra no Rio
Grande do Sul; e uma de abate e desossa no Uruguai, além de um
novo centro de distribuição localizado em Porto Alegre (RS);
• em maio (2007) firmou compromisso para aquisição de área em
Itú (SP) para a construção de um novo centro de armazenamento e
distribuição;
O frigorífico Marfrig é um dos maiores produtores de carne bovina
na América do Sul (seria o 4º maior produtor de carne bovina do mundo,
conforme a empresa). Suas atividades incluem: processamento e distribuição
de carne bovina in natura, processada e industrializada a clientes no país e
no exterior;Também distribui batata pré-cozida congelada, carne ovina,
carne suína, legumes, aves, embutidos, pescados, pratos prontos e massas.
Em sua oferta de produtos de carne bovina trabalha com cortes tradicionais
e especiais, “cortes porcionados”, carne bovina cozida congelada, carnes
enlatadas e carne bovina desidratada (“beef jerky”). Em março de 2007 a
empresa possuía capacidade total de abate de 12.900 cabeças/dia.
O Marfrig é o maior produtor de carne bovina no Uruguai, de acordo
com dados do INAC, com capacidade de abate de 1.900 cabeças/dia, e dispõe
também de capacidade de abate de ovinos; na Argentina a capacidade de
abate da empresa é de 700 cabeças/dia.
Em 2006, a soma das exportações de Brasil, Uruguai, Argentina e
Chile transformou a empresa em uma das principais exportadoras de carne
bovina da América do Sul, além de ser, ainda, a maior exportadora de carne
do Uruguai.
Suas plantas, no Brasil, localizam-se em SP, MT, MS, RS, RO e GO.
Em Santo André (SP) a empresa opera um centro de distribuição,
próximo de seus clientes varejistas.

Considerações finais
Procurou-se ressaltar, no domínio deste trabalho, as dificuldades
inerentes a um processo conflituoso, contraditório e em andamento, relativo à

GEOGRAFIA ECONÔMICA - n° 2 - Florianópolis - janeiro 2009


Domingos Sávio Corrêa 89

inserção geográfica e econômica de uma das maiores áreas territoriais do país,


o Estado do Mato Grosso.
Particularmente, procurou-se evidenciar o papel e a importância de
empresas (capital nacional X capital estrangeiro) em um contexto dinâmico
e de crescimento econômico, em que despontam novas atividades (pesquisa
de desenvolvimento de sementes, por exemplo) e a expansão de setores
capitaneados, por um lado, pelo aumento da exportação de produtos
primários, e por outro, pela expansão da economia sucro-alcooleira.
Tentou-se destacar a importância das empresas de capital nacional,
em uma concorrência desigual com as empresas de capital estrangeiro.
Em uma economia dita “aberta”, não seria de estranhar a competição
saudável, em igualdade de condições e de respeito à legislação por parte dessas
empresas. Entretanto, é de estranhar o domínio desses gigantes multinacionais,
por exemplo,no setor sojífero e também no setor sucro-alcooleiro.
Por outro lado, chega ao ponto da desconfiança total a presença
de diversos tipos de organizações (as conhecidas “ongs”) que, associadas
com instituições como a malfadada Usaid ou mesmo a Ford Foundation, na
confecção do mapa dos frigoríficos presentes na área da nomeada “Amazônia
Legal”. Ressalte-se, conforme o referido Mapa, que a imensa maioria desses
frigoríficos localizam-se, principalmente, no Mato Grosso, Rondônia e
na região sudeste do estado do Pará. Quais os possíveis interesses dessas
entidades e organizações, por exemplo, nos dados de produção, abate e
consumo interno de carne bovina do Estado de São Paulo? Quais os vínculos
estabelecidos entre o combate “solidário”, “ecológico” e “desinteressado” ao
desmatamento e às queimadas, diante da expansão da atividade frigorífica?
Quais interesses relacionam-se ao mapeamento da atividade frigorífica em
áreas de expansão da pecuária, e que em muitos casos encontram-se próximas
a áreas urbanas? Vemos com preocupação a crescente participação dessas
entidades em atividades que podem configurar ingerência em políticas locais,
internas, nacionais, de responsabilidade exclusiva da população do Brasil e
de seus representantes.
Já não bastam os convênios entre a Nasa e o Inpe no rastreamento e
mapeamento de incêndios, focos de queimadas e desmatamento?
Coincidentemente, no mês de maio (2008), pouco antes da Semana
de Geografia de Florianópolis, um avião da aeronáutica dos EUA invadiu
o espaço aéreo da Venezuela. Meses antes, o imperialismo defendeu a
invasão do Equador, supostamente para combater as Farc, episódio em que
o território equatoriano foi bombardeado por aviões da Colômbia. Sabe-se
do envolvimento de militares estrangeiros no combate ao narcotráfico na
Colômbia. Portanto, é de se estranhar a crescente participação de militares dos
EUA, de ongs, entidades e fundações estrangeiras em questões que se referem

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90 CONSIDERAÇÕES SOBRE A INTEGRAÇÃO ECONÔMICA DO MATO GROSSO

exclusivamente à autonomia dos povos da América Latina. Ou estaremos


fadados a aceitar passivamente a intensificação de atividades anti-nacionais
e anti-latino-americanas sob o domínio e a influência de uma potência em
decadência?

Referências Bibliográficas:
ANUÁRIO do Agronegócio, Editora Globo, setembro 2007, n° 3;

BIGIO, Elias dos Santos. Cândido Rondon: a integração nacional. Rio de Janeiro:
Contraponto: Petrobras, 2000.

DINHEIRO RURAL. “Tem francês na cana”. Março de 2007, pgs 60-62.

DOSSIÊ Rondonópolis. Prefeitura Municipal e Associação Comercial e Industrial de


Rondonópolis, 2006, 1ª Edição.

EXAME. “Anuário do Agronegócio”, Editora Abril, junho de 2007.

MIDIA NEWS. “Bororos prometem manter ocupação do escritório da Funai em


Rondonópolis”. 31/03/2005. Disponível em < http//www.midianews.com.br >
Acessado aos 21/05/2007.

NOTA à Imprensa. Comissão Interinstitucional de Apoio à Sociedade Indígena Bóe-


Bororo de Jarudore, Dezembro de 2006.

SIQUEIRA, André. “Oásis do Cerrado”. In: Carta Capital, 23/04/2008, ano XIV, nº
492.

TESORO, Luci Lea L. M. “Rondonópolis – MT: um entroncamento de mão única – o


processo de povoamento e de crescimento de Rondonópolis na visão dos pioneiros
(1902-1980). Tese de Doutorado, São Paulo, USP, 1993.

VALOR Grandes Grupos. “200 Maiores”. Novembro de 2007, ano 6, nº 6.

GEOGRAFIA ECONÔMICA - n° 2 - Florianópolis - janeiro 2009

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