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Instituto Federal de Ciência, Educação e Tecnologia do Ceará (IFCE) - Campus

Iguatu
Curso de Licenciatura em Geografia

JASSANAEL CONCEIÇÃO GUEDES

RESENHA CRÍTICA

IGUATU-CE
2022
Resenha crítica do capítulo “A dinâmica regional da Amazônia a partir do
século XX” do livro “Geografia Regional do Brasil” dos autores Carlos Alberto
Franco da Silva e Jorge Luiz Gomes Monteiro

REFERÊNCIA
SILVA, Carlos Alberto Franco da; MONTEIRO; Jorge Luiz Gomes. In: SILVA, Carlos
Alberto Franco da; MONTEIRO; Jorge Luiz Gomes. A Geografia Regional do
Brasil. Rio de Janeiro: Consequência, 2020. p. 410-492.

A análise e a abordagem críticas da geografia regional brasileira são fundamentais


para o entendimento das questões regionais do território brasileiro e dos
desdobramentos sociais, políticos, econômicos e ambientais decorrentes das
singularidades que cada região apresenta, embora estejam inseridas em uma
unidade nacional. Nesse sentido, sob ótica crítica da divisão inter-regional e
internacional do trabalho própria da dinâmica de acumulação de capital, Carlos
Alberto Franco da Silva e Jorge Luiz Gomes Monteiro escrevem um livro que traz
uma análise da dimensão regional das desigualdades sociais, da produção e do
desenvolvimento socioeconômico brasileiros, ressaltando as particularidades e as
(des)continuidades das problemáticas regionais em escala nacional.

Carlos Alberto da Silva é professor titular do departamento de Geografia da


Universidade Federal Fluminense (UFF). Graduado em Geografia pela Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), mestre e doutor em Geografia pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UFRJ) e pós-doutor pela Universidade
de São Paulo (USP), o autor tem experiência na área de Geografia Regional,
atuando nos temas sobre o agronegócio brasileiro. É também. entre outros, autor
dos livros A Modernização Distópica do território Brasileiro (2019) e Geografia e
Política no Cerrado (2013).

Jorge Luiz Gomes Monteiro é professor associado da Universidade Federal de Mato


Grosso (UFMT). Graduado em Geografia, especialista em Planejamento Urbano e
mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Brasília (UnB), além de
doutor em Geografia-Gestão e Organização do Território pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ), o autor tem experiência na área de Geografia Humana,
atuando nos temas sobre o agronegócio no Cerrado.

No capítulo A dinâmica regional da Amazônia a partir do século XX, os autores


fazem uma síntese de como ocorreu a barbárie do processo de ocupação capitalista
da Amazônia desde o período histórico brasileiro da República Velha, mostrando
que a manifestação geográfica de inserção da Amazônia na divisão internacional do
trabalho desde a época colonial, é constituída da espoliação da força de trabalho e
dos recursos naturais sobre a complexidade do bioma amazônico. Para tanto,
inicialmente os autores fazem uma caracterização geral da geodiversidade, da
hidrografia, do padrão climático e da vegetação da região da Amazônia, e dividem o
capítulo em oito tópicos.

No tópico As transformações na Amazônia sob o signo da economia da borracha, os


autores expõem que durante o período colonial brasileiro a economia regional
amazônica teve sua inserção na economia internacional por meio das Drogas do
Sertão, constituindo-se, consequentemente, uma rede urbana associada aos
interesses religiosos, comerciais e territoriais da Coroa portuguesa. A queda da
importância das Drogas do Sertão no comércio internacional a partir do final do
século XVIII e ao longo do século XIX resultou na estagnação da economia
amazônica.
Entretanto, a partir da segunda metade do século XIX no contexto dos impactos da
Revolução Industrial e da difusão do automóvel, possibilitou-se o aproveitamento
comercial da borracha na Amazônia como produto de exportação, de forma que
entre 1850 e 1920 a Amazônia viveu um boom produtivo de borracha, consolidando
uma economia e dinâmica urbana e rural regionais estruturadas em torno da
economia extrativista da borracha. Tal boom foi acompanhado pela circulação e pelo
investimento do capital estrangeiro e nacional em vários serviços nos espaços
urbanos, pelas migrações internas de paranaenses e de nordestinos fugindo das
secas do semiárido, pelo fornecimento de crédito à expansão da produção regional,
pelo investimento em transporte ferroviário e por mudanças nos limites do território
nacional com a criação do Acre. Essa ascensão provocou a expansão da rede
urbana e a modernização de cidades por meio do revigoramento de antigos núcleos
urbanos e da criação de novos núcleos urbanos nos vales dos rios e ao longo dos
trilhos das ferrovias.
Em meados da segunda década do século XX, por conta da concorrência de outras
regiões produtoras internacionais, a economia da borracha começou a apresentar
sinais de crise, que se intensificou após a Primeira Guerra Mundial, colapsando a
produção de borracha e, consequentemente, toda a economia regional. Esse
colapso refletiu no abandono das áreas de produção, no menor dinamismo urbano,
no desemprego rural e urbano, no recuo demográfico das cidades e na decadência
e isolamento das áreas urbanas e rurais. Apesar da situação de crise, a produção
de borracha ainda continuou sendo parte importante das exportações regionais.

No tópico Os espaços socioprodutivos da Amazônia na Era Vargas (1930-1960),


Silva e Monteiro afirmam que durante essa era houve um forte recuo da economia
da borracha na Amazônia, sendo que a área de maior expressão e do ainda
existente destaque nesse contexto era o território do Acre. Diante da situação de
crise da economia regional e da exigência da reestruturação produtiva, os
comerciantes da produção de borracha (oligarquias regionais), estrategicamente,
passaram a se articular ao governo federal para obter recursos, apontando para
uma articulação entre a burocracia do governo federal e os interesses dos
comerciantes. Com a Segunda Guerra Mundial, essa articulação foi estreitada
motivada pela retomada da produção de borracha, já que, buscando atender a
demanda industrial internacional pela suprimento e látex, o governo brasileiro
estabeleceu acordos comerciais (pactos políticos) que tiveram como resultado a
retomada da produção da borracha e o fluxo de mão de obra, principalmente do Sul
e do Nordeste. Ao término da Segunda Guerra Mundial, os comerciantes entram em
decadência, passando a depender dos subsídios de créditos bancários federais, ao
mesmo tempo em que ocorria uma mudança das prioridades políticas do poder
público para as outras estruturas socioprodutivas e políticas da Amazônia em
detrimento da economia da borracha.
Além da conjuntura econômica extrativista da borracha, eles também trazem outros
arranjos socioeconômicos e espaciais apresentados na Amazônia, quais sejam:
zonas de predomínio camponês existentes no nordeste do Pará como Bragantina,
Guajarina e Salgado; extrativismo da castanha do sudeste do Pará; prática da
pecuária extensiva e exploração de minério de manganês no território do Amapá; a
prática da garimpagem e da mineração no território de Rondônia; o extrativismo do
látex, da madeira e da castanha-do-pará e o cultivo da juta (introduzida pela
colonização japonesa) no Amazonas; e áreas industriais de beneficiamento de
produtos extrativistas e agropecuários como Manaus e Belém.
Para fins de planejamento territorial, foi também nessa época que o Estado
brasileiro criou a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da
Amazônia (SPVEA), uma política de desenvolvimento regional que tinha como
objetivos, entre outros, industrializar os recursos minerais da Amazônia, colonizar
algumas áreas e integrar a Amazônia ao Centro-sul brasileiro. No entanto, segundo
os autores, a caracterização socioeconômica, espacial e produtiva da Amazônia na
época era dominantemente extrativista e somente a partir de 1970 o cenário
apresentado se transformaria com a reinserção da Amazônia na divisão
internacional e nacional do trabalho.

No tópico As transformações socioespaciais nos governos militares, são abordadas


as redefinições das estratégias de ocupação produtiva capitalista e o controle
territorial por parte do Estado brasileiro, que passa a ver a Amazônia como fronteira
de exploração de recursos no processo de integração e modernização econômica
do território nacional dentro da divisão regional do trabalho no país e na divisão
internacional do trabalho, bem como as transformações ocorridas na Amazônia ao
longo da ditadura militar. Vista como frente pioneira para diversas formas de
exploração de recursos, o território Amazônico passou a ser projetado pelo Estado
de modo a consolidar a inserção da região nos moldes dos atores hegemônicos
capitalistas nacionais e multinacionais, em detrimento dos interesses e da existência
das populações tradicionais preexistentes.
Assim, os autores analisam de forma crítica que, paralelamente a construção de
rodovias de integração nacional, ao barramento dos rios para geração de energia
elétrica, a ocupação das terras com a pecuária extensiva, a extração madeireira, a
produção mineral e a concessão de incentivos fiscais, também ocorriam a
destruição das florestas, a poluição dos rios, fluxos migratórios precarizados, o
fortalecimento de novos grupos de grandes proprietários de terra, o aumento da
concentração fundiária, o agravamento dos conflitos fundiários, a intensificação da
pobreza social nas cidades, o prejuízo às atividades produtivas do pequeno produtor
e do extrativista e a expulsão dos pequenos proprietários rurais e dos grupos
indígenas.

Essa preparação física da Amazônia para receber investimentos de capital


estipulados dentro do planejamento estratégico e geopolítico do Estado brasileiro e
para estabelecer uma fronteira de recursos de potencial exportador, agregou
aspectos políticos de segurança nacional, aspectos econômicos de integração do
território brasileiro e aspectos imperialistas do Brasil perante outros países da
América Latina, vinculados com grupos industriais, latifundiários, grandes bancos e
corporações multinacionais. Para esse fim, foram adotadas um conjunto de medidas
governamentais e programas através da combinação de investimentos públicos em
logística espacial, incentivos fiscais e financeiros e a parceria entre empresas
estatais e multinacionais como a transformação da SPVEA em Superintendência do
Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), a implantação da Zona Franca de
Manaus, a criação do Programa de Integração Nacional (PIN), a criação do
Programa de Polos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia (Polamazônia) e a
criação do Programa Grande Carajás, que resultaram na redefinição das bases
socioprodutivas do espaço regional amazônico e numa integração espacial
fragmentada da Amazônia à economia nacional e internacional e na reorganização
da ocupação amazônica.
Porém, com a crise política, econômica e fiscal do Estado a partir de 1980, os
órgãos e mecanismos de promoção de desenvolvimento se deterioraram e vários
programas sofreram recuo por falta de recursos. Dado que, como relatam os
autores, uma das consequências do redesenho das estruturas socioprodutivas da
Amazônia, durante a ditadura militar, foi a intensa corporatização de parcelas do
território por empresas estatais e multinacionais, a Amazônia voltava a ter, de certa
maneira, a dinâmica regional em poder de grupos internacionais com a diferença da
presença das empresas multinacionais estatais.
Nesse ínterim, no âmbito do cenário internacional da problemática ambiental e da
visibilidade dos movimentos ambientalistas, a Amazônia passou a ser pensada
também como fronteira natural e ecológica de grande importância geopolítica nas
questões relacionadas à conservação ambiental em escala global. Logo,
verificam-se ações de resistência das populações tradicionais e dos grupos
marginalizados e atingidos pelo processo de integração empreendido sem
preocupações sociais, ecológicas e culturais, como o surgimento do Movimento dos
Atingidos por Barragens (MAB), a criação pelo Estado do Programa Nossa Natureza
em 1988, a criação do Ibama, do Fundo Nacional de Meio Ambiente e de Unidades
de Conservação (UCs) e a luta do Conselho Nacional dos Seringueiros e do empate
(forma de ativismo político em defesa da floresta amazônica) na Aliança dos Povos
da Floresta, além da movimentação de sindicatos, representantes de povos da
floresta, de ambientalistas nacionais e internacionais, de estudantes e professores,
de artistas e ONGs.
No tópico Dinâmica regional da Amazônia brasileira: de Collor a
Lula-Dilma-Temer-Bolsonaro, Silva e Monteiro, jogam luz nas transformações na
dinâmica regional da Amazônia durante os governos dos presidentes Fernando
Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff-Temer. De acordo
com eles, a ocupação produtiva e demográfica da Amazônia como fronteira de
recursos e fronteira natural estabelece o debate geopolítico entre duas forças
acumulativas de capital hegemônico ainda em curso: a primeira seria a afirmação do
vetor tecnoindustrial forjado no ideário da economia de fronteira dos recursos
naturais infinitos e sem preocupações socioambientais; enquanto a segunda seria a
ressignificação da Amazônia como fronteira natural por meio da constituição do
vetor tecnoeco(lógico) baseado em projetos de desenvolvimento sustentável e na
defesa de territórios socioecológicos, Unidades de Conservação, reservas
extrativistas, entre outros. Foi sob a orientação desse vetor tecnoindustrial que a
integração competitiva da Amazônia nos novos arranjos institucionais, financeiros e
produtivos contemporâneos se deu de modo concentrado em determinados setores
da economia e em lugares definidos, com foco na dinâmica geral da economia e no
suprimento das demandas do capitalismo internacional.
Desta maneira, tem-se a concentração da indústria da Amazônia Legal em Manaus
por conta da Zona Franca, e fora dela, nos centros urbanos de Belém, São Luís e
Cuiabá. No Pará encontram-se grandes projetos de exploração de minérios com a
participação de empresas multinacionais, os quais desencadeiam impactos
socioambientais como garimpos ilegais de ouro em terras indígenas, Unidades de
Conservação e Reservas Ecológicas, a precariedade da urbanização sem
planejamento cidadão, a falta de infraestrutura, a pobreza urbana e os conflitos
fundiários. Nos outros estados amazônicos apresenta-se uma diversidade de uso e
de produção econômica a partir dos recursos naturais, das atividades extrativistas,
da agricultura familiar, das atividades agroindustriais, do agronegócio de grãos e da
pecuária, além de outras áreas de mineração.
Na esteira da contribuição para as diferenças intrarregionais e da incorporação de
novas áreas da região à integração produtiva do território brasileiro, no governo de
Fernando Henrique Cardoso foram criados os programas Brasil em Ação
(1996-1999) e Avança Brasil (2000-2003), que destinaram-se a recuperação e a
pavimentação de rodovias, a implementação de hidrovias e a conexão destas com
as rodovias (sistemas multimodais), para facilitar o escoamento da produção de
grãos e madeira em direção aos portos da Amazônia Legal.
Durante os governos petistas, as ações voltaram-se para a esfera do
desenvolvimento sustentável com a proposição do Plano Amazônia Sustentável em
2008 que enumerava uma série de estratégias como a promoção do
desenvolvimento sustentável aliado a redução das desigualdades regionais, o
combate ao desmatamento ilegal, a garantia da conservação da biodiversidade, a
regularização fundiária e a melhoria da qualidade e ampliação do acesso aos
serviços públicos nas áreas urbanas e rurais etc. Outras estratégias também foram
adotadas, como o Plano Regional de Desenvolvimento da Amazônia (PRDA) em
2014, o Zoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia e a elaboração do
documento Macrozoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia: estratégias de
transição para a sustentabilidade.
Apesar dessas estratégias, nos governos petistas houve a continuidade dos projetos
de investimentos capitalistas de flexibilização da exploração dos recursos
ambientais em detrimento da conservação e proteção ambiental através por
exemplo, do reforço da prioridade centrada em investimentos hidroelétricos e do
direcionamento dos investimentos à integração física-econômica do agronegócio em
áreas do Cerrado. Isto é, ao analisar essas circunstâncias, podemos concordar com
os autores que as ações dos governos petistas para a Amazônia possuíram um
caráter contraditório e buscavam conciliar os interesses dos atores do vetor
tecnoindustrial e do vetor tecnoeco(lógico), pois se em um determinado momento
valoriza-se a conservação do meio ambiente e a promoção da sustentabilidade, em
outro momento negligenciam-se os impactos sociais, e ambientais do projetos
produtivos de integração regional da Amazônia.

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