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DO RURAL PARA O URBANO: AS TRANSFORMAÇÕES DOS INVESTIMENTOS

DA POPULAÇÃO DE SÃO PAULO DO MURIAHÉ NOS FINAIS DO SÉCULO XIX E


INÍCIO DO XX

Arthur da Costa Orlando


Mestrando UNIVERSO, bolsista CAPES
E-mail: arthurorlando3010@gmail.com
Cidade e seus movimentos
Sociedade e economia no mundo Atlântico entre os séculos XVI ao XIX

1- Introdução

O presente trabalho tem como objetivo principal compreender como se deu o


comportamento dos investimentos pessoais e, qual era a composição da riqueza em São Paulo
do Muriahé no período compreendido entre os anos de 1870 a 1910. Entende-se, que com as
transformações ocorridas em contexto macro no país nos anos finais do século XIX, como a
abolição da escravidão em 1888 e a Proclamação da República em 1889, a sociedade também
passaria pelas mais variadas alterações em suas formas de investimento. Nesse sentido, O
recorte temporal se justifica pelo fato da data inicial ser responsável pelos primeiros
documentos encontrados no Fórum Tabelião Pacheco de Medeiros na cidade de Muriaé (MG)
e a data limite representar o final da primeira década da República Velha, que marcava a
mudança do modo de produção escravista para o capitalista no país, embora este ainda fosse
incipiente no momento.
Dessa forma, para estruturação do trabalho, primeiramente recorremos à historiografia
regional da Zona da Mata mineira buscando evidenciar o desenvolvimento econômico gerado
com a produção da rubiácea, e as dinâmicas agrárias e populacionais existentes na localidade
em estudo no século XIX. Em seguida, será exposto o resultado da análise de 195 inventários
post-mortem que se encontram arquivados na Comarca local. Para melhor visualização dos
investimentos realizados pelos moradores da cidade optamos por agregarmos o período em
intervalos de dez anos mais ou menos, (1870-1880, 1881-1888, 1889-1900, 1901-1910),
excetuando o período que se encerra no ano da abolição, que é um macro de nossa primeira
parte de análise. Não analisamos valores absolutos, pois não comparamos os bens de um
período com o outro, mas sim a participação de um ativo no total da riqueza de um período
com a participação do mesmo em outro período.
A utilização de inventários post-mortem para pesquisa histórica é de grande valia para
os pesquisadores, pois possibilitam uma análise social mais ampla, devido à “diversidade dos
bens avaliados e as histórias que se pode contar a partir dos próprios documentos” (VARGAS,
2013: 187). Segundo Adriano Braga Teixeira, a utilização desse tipo de fonte na historiografia
brasileira não é recente, e passou por modificações na sua forma de análise no decorrer dos
anos, sendo vista até a primeira metade do século XX apenas como uma forma de recuperar a
vida de grandes personagens. Porém, de acordo com o autor, essa visão da história tradicional
foi modificada com o advento da Escola dos Annales, que trouxe uma reformulação nos
métodos e técnicas de pesquisa, substituindo a história puramente narrativa e factual por uma
história problema (TEIXEIRA, 2012: 64).
Nesse novo contexto, mesmo as fontes já conhecidas quanto às novas que passaram a
ser consideradas, começaram a ser criticadas, questionadas e contextualizadas, o que
significou colocar como um dos interesses da investigação histórica as massas anônimas
(FRAGOSO; PITZER, 1998: 32). Indo de encontro a essa premissa, concordamos com o
pensamento de Jacques Le Goff de que, “o documento deve ser submetido a uma crítica mais
radical” (LE GOFF, 1990: 468), para que se consiga extrair informações que eles próprios são
incapazes de formular. Pois, entendemos assim como enfatiza Carlos Bacellar “que a
elaboração de um documento não necessariamente significa que seguiram as normas de
conteúdo informacional originalmente previstas” (BACELLAR, 2005: 44).
Após mencionarmos as fontes utilizadas no trabalho e a atenção que deve ser reservada
a sua análise, com o intuito de compreendermos a importância do café para estruturação
socioeconômica da Zona da Mata mineira, abaixo realizamos uma breve discussão
historiográfica.

2. A importância do café na estruturação socioeconômica da Zona da Mata


mineira no século XIX: breves considerações
Localizada fora da área mais dinâmica da economia de Minas Gerais durante o período
colonial, e considerada por muitos autores como região marginal da capitania (ALMICO,
2014: 131), a Zona da Mata mineira tem de fato sua ocupação e importância econômica
tardia, pois, como próprio nome sugere, a região era coberta por uma densa floresta atlântica
vista pelas autoridades da Colônia e Capitania como uma barreira natural contra os
descaminhos de ouro (ROCHA, 2008: 15).
Essa área começa a ser povoada, de maneira discreta, associada à abertura do “Caminho
Novo”, criado em 1709, para se fazer chegar de forma mais rápida e fiscalizada, o fluxo de
mercadorias entre o centro minerador de Minas Gerais e o porto do Rio de Janeiro, pelo
comércio de tropas. Com a diminuição da extração aurífera e crescente “produção econômica
oriunda da cafeicultura que penetrava na província devido à alta demanda e aumento do preço
do café” (PAULA, 2006: 76), este caminho gerou condições para a ocupação dessa região no
século XIX.
Baseada em autores que analisaram as características socioeconômicas da região Vitória
Fernanda Schettini de Andrade, nos atenta para o fato da dinamização comercial da Zona da
Mata mineira ocorrer em função da agricultura que passaria a ser seu “carro chefe”
(ANDRADE, 2017:58). Segundo a autora,
Por ser uma área de ocupação tardia, para que se houvesse
crescimento, era necessária uma preocupação maior com a mão de obra, com
os programas de sementes, de mudas e de técnicas agrícolas. Era necessário
cultivar a terra, bem como investir em benfeitorias, o que requeria tempo e
investimentos. É neste cenário que surgem as primeiras plantações de cana,
de mandioca, de milho e mais adiante o café, que se transformaria no maior
produto exportador no final do século (ANDRADE, 2017: 58,59).
João Heraldo Lima ao dissertar sobre a importância da cafeicultura para o
desenvolvimento industrial da Zona da Mata enfatiza que, “o café foi, sem dúvida o principal
produto da região, mas não o único. Juntamente com ele eram cultivados a cana, o fumo, o
arroz, o feijão e o milho, sendo alguns deles em escala considerável” (LIMA, 1981: 42). Essas
colocações são importantes para percebermos a presença de outros cultivos na região além da
rubiácea, que são fundamentais para compreendermos o processo dinâmico do crescimento
econômico da Zona da Mata.
Ao dialogarmos com o trabalho intitulado “Raízes da concentração industrial em São
Paulo” realizado por Wilson Cano, acreditamos que esse conjunto de atividades agrícolas,
presentes na Mata mineira, que tinha o café como principal produto cultivado, também pode
ser identificado como um complexo econômico, pois na concepção do autor, um complexo
dentre seus diversos componentes, possui uma atividade que pode ser considerada principal e
predominante (CANO, 1977: 20).
Segundo Luiz Fernando Saraiva, diferentemente das outras regiões mineiras, a formação
da Mata mineira irá se dar, em consonância com a expansão cafeeira que vinha ocorrendo no
Vale do Paraíba Fluminense e Paulista, fazendo com que a região no decorrer do século XIX
assumisse a supremacia econômica na província (SARAIVA, 2008: 108). Para Rafael Rangel
Giovanini e Ralfo Edmundo da Silva Matos, os lucros advindos da produção, principalmente
das fazendas instaladas na fronteira com o Rio de Janeiro, como os municípios de Matias
Barbosa, Mar de Espanha, Além Paraíba e Rio Preto, estimularam a continuidade do processo
de expansão, de modo que o café chegou em 1828 a Juiz de Fora e Leopoldina, e em
Cataguases, e Ubá por volta de 1848 (GIOVANINI; MATOS, 2004: 6).
Mônica Ribeiro de Oliveira, ao estudar o sistema de transição para o sistema agrário-
exportador, conclui que antes de uma mera extensão do sistema agrário fluminense, a
cafeicultura mineira cresceu vinculada à acumulação endógena de capital mercantil na
província, diferindo dos modelos do Rio de Janeiro, pela ausência de capitais de grosso trato
nos primeiros investimentos e São Paulo, por transferir capitais anteriores ao cultivo de bens
de subsistência ou exportação em atividades comerciais (OLIVEIRA, 2005: 249).
As altas cotações alcançadas pelo produto devido à demanda internacional requeriam a
contínua abertura de novas terras para o plantio, “visto que, havia um grande esgotamento do
solo sem existir manutenção e medidas destinadas a diminuição do desgaste da terra
cultivada, sendo mais barato desmatar e abrir novas lavouras do que arcar com os custos de
manutenção do solo” (VITTORETTO, 2010:80). Diante dessa efervescência “a produção a
partir de 1829-30 atinge 81.000 arrobas, cabendo então ao produto o primeiro lugar nas
exportações mineiras, posição anteriormente ocupada pelo algodão” (LIMA, 1981: 14). Esses
números continuam a crescer durante o período em estudo, o que fazia da região a principal
produtora da rubiácea no estado, como demonstrado na tabela a seguir.

Tabela 1: Relação proporcional da produção cafeeira na Zona da Mata na


produção do Estado de Minas Gerais (períodos selecionados)
PERÍODO MINAS GERAIS ZONA DA MATA %
1847/1848 745.381 743.707 99,77
1850/1851 900.264 898.184 99,76
1886 5.776.866 4.316.067 74,71
1888 5.047.600 4.433.800 87,83
1903/04 9.404.136 5.993.425 63,73
1926 12.793.977 9.105.543 71,17
* Em arrobas
Fonte: PIRES, Anderson José. Capital Agrário, investimentos e crise na cafeicultura de Juiz de Fora-
1870/1930. Dissertação (Mestrado em História)- Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1993. p. 103.

Como podemos observar na tabela acima, o crescimento da produção na região se


mantém contínuo durante os anos posteriores a década de trinta do século XIX, e chega a
representar mais de 99% de toda produção mineira de café durante os anos de 1847-1848 e
1850-1851. De acordo com Rita Almico, entre os anos de 1870 e 1930, o café irá participar
em cerca de 60% do total do valor das exportações em Minas Gerais, representando em 1890,
75% de toda receita do estado (ALMICO, 2001: 37).
Na medida em que se aumentava a produção da rubiácea, ocorria um vertiginoso
aumento demográfico na região, visto que a produção se intensifica, quando havia pessoal
disponível, ou seja, na medida em que se intensificava a utilização do solo, tornava-se mais
elevado o índice demográfico, ou vice versa (ANDRADE, 2006: 46). Conforme se pode
verificar no quadro abaixo.
Quadro 3: Crescimento demográfico da Zona da Mata 1822/ 1890
ANO POPULAÇÃO ÍNDICE
1822 20.000 100
1872 250.000 1.250
1890 430.000 2.150
Fonte: SUZANO, L. Minas e o Bicentenário no Brasil, apud Pires. A. J. op cit, p. 37.
Após análise do quadro, percebemos que entre um intervalo de meio século a
população tem seu índice aumentado em impressionantes 1.250 por cento, e permanece em
vertiginoso crescimento até o ano de 1890, em função da expansão cafeeira que se efetivava
nas áreas norte e nordeste da região da Mata (PIRES, 1993: 39).
Nessa perspectiva, Ricardo Zimbrão Affonso de Paula ao analisar a história da
formação regional da Zona da Mata mineira menciona que,

A economia cafeeira foi à responsável por configurar a Zona da Mata,


à medida que estimulava a organização de fazendas, bem como os fluxos de
força de trabalho, de matérias- primas e de insumos para o local em que cada
operação se realizava; criava uma capital regional, que centralizava em seus
espaços os meios de produção, circulação, consumo, controle e decisão;
estimulava a modernização dos meios de comunicação e transporte, que
contribuíam também para a própria reprodução daquela economia; invertia
seu capital excedente em outros setores da atividade produtiva e criava um
sistema financeiro regional na virada do século XIX para o XX (PAULA,
2014: 69).

Dessa forma, podemos compreender que a monocultura cafeeira possuiu significativa


importância no processo de estruturação econômica na região, principalmente por representar
as bases de um importante processo de divisão de trabalho e diversificação econômica que
permitiram que os excedentes gerados fossem convertidos predominantemente para os novos
setores da economia, especialmente aqueles de natureza urbano- industrial.
O trabalho realizado por Rita Almico sobre as transformações na riqueza pessoal de Juiz
de Fora, entre os anos de 1870- 1914 nos ajuda a esclarecer bem essas questões. Segundo a
autora, “o capital acumulado graças à atividade cafeeira possibilitou grandes investimentos
industriais e comerciais na região, demonstrando a diversificação da economia local e a
formação de riquezas pessoais” (ALMICO, 2001: 40).
Diante do contexto mencionado, com o intuito de contribuir para historiografia regional,
buscamos analisar em que se baseavam as aplicações monetárias dos moradores de São Paulo
do Muriahé, em um período de intensas transformações culturais, sociais e econômicas no
país, pois, compreendemos, assim como já salientou Zélia Cardoso de Mello, que “investigar
as transformações da riqueza significa produzir informes adicionais que permitem
compreender o modo como se deu a transição de uma economia” (MELLO, 1985: 66).
É importante ressaltar, que entendemos como riqueza, todo o acumulado pelo
inventariado durante sua vida, de acordo com a metodologia do trabalho de Zélia Cardoso de
Mello, seguida por Renato Leite Marcondes e Rita de Cássia Almico. Para essa última, “o
estudo da riqueza pessoal, embora de alcance limitado, auxilia o entendimento das
transformações no nível da própria esfera produtiva”. Sendo que, a “diversificação econômica
e a discussão sobre a retenção de capital na Zona da Mata mineira tem sido objeto de
relevante discussão na historiografia regional” (ALMICO, 2005: 81).

3. Composição da riqueza e variação dos investimentos pessoais em São Paulo do


Muriahé: uma análise documental
Localizado nos sertões leste da Zona da Mata mineira, São Paulo do Muriahé teve seu
processo de ocupação iniciado tardiamente, ocorrido somente no início do século XIX,
através de um aldeamento indígena, sob as premissas das leis Pombalinas (CÂMARA, 2012:
35). Possuidora de características peculiares como a predominância de pequenos e médios
proprietários, sem grandes plantations a freguesia aos poucos se desenvolveu de forma lenta e
constante. De acordo com Vitória Andrade, o que definia a posição socioeconômica na região,
era o número de escravos pertencentes à família, não estando a terra condicionada a este
número de cativos, haja vista a quantidade de solo improdutivo que resultava numa variável
produção agrícola (ANDRADE, 2017: 60).
Para uma melhor compreensão dos investimentos realizados pela sociedade de São
Paulo do Muriahé no período entre 1870-1910, primeiramente buscamos evidenciar através
do trabalho realizado por Vitória Andrade em parceria com Antônio Anardino Salvador, os
ativos que concentravam as riquezas no período anterior ao proposto nessa pesquisa. Os
autores para efetivação do trabalho analisaram um total de 89 inventários post-mortem entre
os anos de 1846 a 1865, optando pela divisão do período em dois recortes temporais, o
primeiro de 1846 a 1858 e o segundo de 1859 a 1865. Sendo os documentos descritos usando
as seguintes categorias: escravos, benfeitorias/raiz, bens materiais (prata, ferro, utensílios e
móveis), animais e dívidas ativas. Conforme podemos observar nos gráficos a seguir.
Gráfico 1: Alocação de riqueza em São Paulo do Muriahé e região (1846-1865)

Fonte: SALVADOR, 2008, p. 13. apud Andrade, 2011,p. 106.


Como podemos observar no gráfico acima, as riquezas nesse período eram constituídas
com investimentos que se concentravam predominantemente em escravos (40,66%) e
benfeitorias/raiz (38,72%), além dos outros ativos que possuíam menor valor investido em
comparação com os dois já citados, como os animais (3,31%), os bens matérias (4,28%), e as
dívidas ativas (5,27%). Segundo Vitória Andrade, a presença do ativo escravo como um dos
maiores concentradores dos investimentos no período, possuía forte influência da Lei Euzébio
de Queiroz que colocou fim ao comércio internacional de escravos, e colaborou com o tráfico
proibido e interprovincial, que encareceu o preço dos cativos. Em busca de confirmar sua
proposta, a autora nos chama a atenção para analisarmos os preços desse ativo, que nos anos
iniciais da pesquisa variavam entre 800$000 (oitocentos mil reis) e nos anos finais passam
para 2:000$000. De acordo com a autora, esse aumento resultou em várias transformações e
até mesmo na falência de alguns cafeicultores locais, que, sem dinheiro para investir em mão
de obra acabariam por sofrer um colapso (ANDRADE, 2017: 61).
No segundo período que compreende os anos de 1859 a 1865, podemos perceber uma
pequena variação se comparado ao anterior, com a permanência do ativo escravo como o
principal concentrador de riquezas (49,47%), seguido pelas benfeitorias/raiz (42,34%),
dívidas ativas (4,03%), animais (3,14%) e bens materiais (1,02%), como podemos observar no
gráfico a seguir.

Gráfico 2: A alocação da riqueza em São Paulo do Muriahé e região (1859- 1865)

Fonte: SALVADOR, 2008, p. 13. apud Andrade, 2011,p. 106.


Propondo uma análise parecida à realizada pelos autores acima mencionados, buscamos
identificar através dos inventários post-mortem os ativos que concentravam as riquezas dos
indivíduos entre os anos finais do século XIX e início do XX. Nessa etapa da pesquisa, foram
analisados um total de 195 documentos referentes aos anos de 1870 a 1910. Como o intuito da
pesquisa é perceber as transformações dos investimentos monetários da população diante as
mudanças macro ocorridas no país como a abolição da escravidão e a Proclamação da
República, primeiramente será demonstrado os ativos que concentravam as riquezas dos
indivíduos, presentes em 83 inventários entre os anos de 1870 a 1888, permitindo-nos
perceber o perfil populacional local, assim como sua dinâmica econômica.
Através dos dados digitalizados, catalogamos a parte referente ao montante de bens,
onde subdividimos os ativos encontrados da seguinte maneira; 1) Escravos, 2) Cafés (cafezais
e café colhido), 3) animais (Equínos, suínos, bovinos, caprinos e outros) 4) Terras, 5) Casas,
6) benfeitorias (moinho, engenho, paiol, tulha), 7) objetos pessoais (instrumentos
profissionais, utensílios, prata, ouro, móveis e outros), 8) títulos (títulos, dinheiro, dotes e
apólices), 9) dívidas ativas, 10) terrenos e 11) alimentos (mantimentos, outros tipos de cultura
e roças).
Além da subdivisão feita, é importante ressaltar que trabalhamos com valores nominais
para não ocorrer discrepância inflacionária, e agregamos o período em mais ou menos 10 anos
(1870- 1880 e 1881-1888), onde os bens foram separados em categorias e somados ano a ano,
resultando a soma dos bens de todos os indivíduos à soma das riquezas individuais,
denominadas riquezas do ano, calculada a partir da participação de cada ativo na riqueza
anual. Essa análise serve para evidenciar os interesses mais gerais da população no
movimento desses ativos.
O primeiro período avaliado de 1870 a 1880 representa o resultado da análise de 50
inventários que estão distribuídos entre os anos da seguinte forma; 5 de 1870, 2 de 1871, 2 de
1873, 5 de 1874, 6 de 1875, 6 de 1876, 3 de 1877, 9 de 1878, 5 de 1879 e 7 de 1880. Como
podemos perceber não foi encontrado documento referente ao ano de 1872, porém
acreditamos que esse fator não interfere em nossa análise por representar apenas um ano
dentro da década e existirem dados nos anos anteriores e posteriores, o que contribui para o
entendimento do restante do decênio.
Gráfico 3: Médias de participação dos ativos no montante da riqueza: São Paulo
do Muriahé no período de 1870-1880

Fonte: Inventários post-mortem do Fórum Tabelião Pacheco de Medeiros 1870-1880.

Podemos observar que a composição da riqueza pelos indivíduos pouco se altera se


compararmos com o período demonstrado anteriormente, mantendo como principais
investimentos escravos (43,35%), terras (25,68%) e café (9,88%), seguido de perto pelas
dívidas ativas (7,29%). Entre os outros itens analisados, percebemos uma pequena
participação de animais (3,10%), casas (3,88%), benfeitorias (2,10%), objetos (1,70%), títulos
(1,83%) e alimentos (1,18%), sendo o ativo terreno nessa amostragem estando zerado por não
existir nenhum investimento voltado para sua aquisição.
Para o período de 1881 a 1888 foram analisados 33 inventários, sendo 4 de 1881, 1 de
1882, 8 de 1883, 9 de 1884, 7 de 1885, 1 de 1887, e 3 de 1888, podemos observar que
novamente não foi encontrado documento para um ano dentro do recorte analisado, porém
assim como mencionamos anteriormente, também acreditamos que essa ausência não interfere
de maneira significativa no geral da análise, por existirem processos em anos anteriores e
superiores ao ano ausente. Nesse período, percebemos uma mudança nos principais
concentradores de investimentos da população, sendo o ativo dívida ativa o maior com
(27,62%), seguida pelos ativos, escravos (25,17%), terras (23,05%) e o café (9,69%), que no
período já elevava a freguesia como uma das principais produtoras da região. Outro ativo que
obteve aumento em relação aos demais ativos que praticamente se mantiveram com as
porcentagens do período anterior é o ativo casa, aumentando sua participação em 2,77%,
saltando de 3,88% para 6,65%. Conforme nos mostra o gráfico a seguir.
Gráfico 4: Médias de participação dos ativos no montante da riqueza: São Paulo
do Muriahé no período de 1881-1888

Fonte: Inventários post-mortem do Fórum Tabelião Pacheco de Medeiros 1881-1888.

Com base na análise dos dados catalogados, nota-se que a riqueza pessoal em São Paulo
do Muriahé no período compreendido entre os anos de 1870 a 1888, esteve composta
basicamente pela posse de escravos, seguido das terras e café até a década anterior a abolição
da escravidão. Visto que a necessidade de crédito nos anos próximos a abolição resultou em
um aumento significativo das dívidas ativas na participação dos investimentos na região,
principalmente através de particulares possuidores de grandes fortunas que realizavam
empréstimos com juros a outros. Conforme constatamos no inventário datado de 25/03/1883
do Desembargador Antônio Augusto da Silva Canêdo 1, que havia realizado empréstimos para
58 pessoas particulares, com uma média de 4:894$617 para cada um, com um montante total
de 283:887$797.
Acreditamos que, essa necessidade pelo crédito ocorria devido aos vários movimentos
pró-abolição que aconteciam no país no período, e a um ofício encaminhado pela presidência
da província a Câmara municipal da cidade no dia 12 de novembro de 1883 pedindo a
introdução de colonos nas terras, em substituição aos braços escravos que tendiam a
desaparecer2. Levando a grande parte dos moradores da freguesia a terem a convicção de que
o processo de abolição era apenas uma questão de tempo e decidissem não realizar
investimentos com o risco de perderem capitais.
Diante desse contexto, percebemos que nesse primeiro período, o perfil socioeconômico
dos habitantes de São Paulo do Muriahé estava voltado predominantemente para o meio rural.
Com os ativos, escravos, terras, café, e dívidas ativas entre os principais, que juntos

1
Inventário do Desembargador Antônio Augusto Canêdo, disponível no Fórum Tabelião Pacheco de Medeiros,
Muriaé- MG.
2
Ata de 12/11/1883. Livro 2. Paço da Câmara Municipal de Muriaé.
representavam 86,20% dos investimentos entre os anos de 1870-1880 e 85,53% do período de
1881-1888.
A partir dessas perspectivas, podemos afirmar que o trabalho dialoga com o trabalho
efetuado por Rita Almico referente às transformações da riqueza de Juiz de Fora no mesmo
período abordado por nós, a autora observa que,
Numa sociedade cuja economia tem como principal produto o café,
que tem neste período o início de seu apogeu na cidade e em toda uma
região, ocupando cada vez maiores proporções de terras cultiváveis,
derrubando matas virgens para a lavoura cafeeira ser implementada, a forma
de trabalho predominante é o braço escravo, e a necessidade de crédito é
primordial para a reprodução das unidades produtivas, é perfeitamente
compreensível que esses ativos supracitados ocupem as primeiras posições
na composição das fortunas da época (ALMICO, 2001: 92).

Por se localizarem na Zona da Mata mineira, São Paulo do Muriahé e Juiz de Fora
possuíam dinâmicas econômicas parecidas, com sociedades que majoritariamente
concentravam seus investimentos no desenvolvimento da cultura cafeeira, fazendo da região a
principal produtora de café em Minas Gerais durante o século XIX.
Dessa forma, considerando as mudanças ocorridas no passar dos anos, como a abolição
da escravidão em 1888, que alterou a forma de trabalho existente no Brasil e a Proclamação
da República, em 1889, procuramos abaixo evidenciar algumas transformações na
composição da riqueza dos moradores no período entre 1889-1910.

4- Transformações nas riquezas 1889-1910

Como mencionado acima, São Paulo do Muriahé era uma das principais produtoras de
café da Zona da Mata mineira na segunda metade do século XIX, e com o passar dos anos,
sua produção se intensifica, favorecida pelo escoamento, via estrada de ferro, elevando o
município a ser o principal produtor da rubiácea no início do século XX.
Nesse segundo momento, continuamos a utilizar a metodologia de dividirmos o período
em duas fases (1889-1900 e 1901 a 1910), sendo analisado um total de 112 inventários,
distribuídos da seguinte maneira; 4 de 1889, 2 de 1890, 1 de 1891, 4 de 1892, 6 de 1893, 11
de 1894, 5 de 1895, 2 de 1896, 4 de 1897, 6 de 1898, 10 de 1899,4 de 1900, 4 de 1901, 3 de
1902, 4 de 1903, 10 de 1904, 12 de 1905, 5 de 1906, 6 de 1907, 4 de 1908, 2 de 1909 e 3 de
1910. Buscamos através dessa segunda análise, perceber as transformações ocorridas nos
investimentos de capitais da população, visto que com a abolição da escravidão, um dos
principais ativos que concentrava as riquezas deixava de existir.
Nos anos entre 1889-1900, temos o café como o principal concentrador de
investimentos dentro das riquezas pessoais com (29,42%), seguido pelas terras com (24,41%)
e as casas com (23,60%). Logo em seguida, podemos observar o aumento do percentual das
benfeitorias (10,46%), e os outros ativos que aparecem com menores participações como os
animais com (3,71%), objetos (1,93%), títulos (0,75%), terrenos (0,08%), alimentos (1,62%) e
as dívidas ativas (3,98%), que obtiveram uma grande queda, levando-nos a levantar a hipótese
de ter sido impulsionada pelo surgimento das agências bancárias em cidades próximas ao
município como em Leopoldina e Juiz de Fora no ano de 1889.

Gráfico 5: Médias de participação dos ativos no montante da riqueza: São Paulo


do Muriahé no período de 1889-1900.

Fonte: Inventários post-mortem do Fórum Tabelião Pacheco de Medeiros 1889-1900.

Diante desse contexto, é importante ressaltar, que entre os anos do período


compreendido entre 1901 a 1910, mais precisamente em 1906, Carlos Prates, então Inspetor
de Indústria, Minas e Colonização ao percorrer os municípios da região, destacou a
importância agrícola de São Paulo do Muriahé, o considerando como o mais importante da
Zona da Mata sobre esse ponto de vista, exaltando as culturas praticadas no município,
principalmente a do café,
A cultura predominante é a do café, vindo depois a do milho, da
canna, do feijão, arroz e do fumo. Nas fazendas que percorri encontrei
sempre boas lavoura, bem carregadas e bem tratadas, sendo muita diminuta a
porcentagem de cafesaes decantes (PRATES, 1905: 17).

Nesse período a rubiácea continuava entre os principais concentradores de riqueza da


cidade com (27,12%), ficando atrás somente das terras que apareciam como a principal com
(32,08%), além desses dois ativos, as casas com (19,07%) representava o terceiro ativo com
maior percentual de investimento realizado pelos moradores. Os outros ativos praticamente se
mantiveram com os mesmos percentuais, sendo que apenas o ativo benfeitorias obteve uma
leve aumento de 2,25%, como podemos observar a seguir.
Gráfico 6: Médias de participação dos ativos no montante da riqueza: São Paulo
do Muriahé no período de 1901-1910.

Fonte: Inventários post-mortem do Fórum Tabelião Pacheco de Medeiros 1901-1910.

Após a análise realizada através dos inventários post-mortem do Fórum Tabelião


Pacheco de Medeiros, percebe-se, que após as transformações ocorridas em contexto macro
no país, os moradores de São Paulo do Muriahé passam a concentrar seus investimentos
principalmente no melhoramento de sua produção cafeeira, e na construção de casas urbanas,
sendo esses ativos, juntamente com as terras estando sempre entre os principais do período.
Dessa forma, concordamos com a proposta colocada pela historiadora Vitória Andrade
de que a rubiácea seria a grande impulsionadora do crescimento urbano em finais do século
XIX (ANDRADE, 2017: 69) e acrescentamos que esse desenvolvimento continuará
ocorrendo nos anos iniciais do século XX, pois a riqueza rural continuava sendo convertida
em riqueza urbana, impulsionada principalmente pela ideia de modernização implantada na
sociedade brasileira no período.

5- Considerações Finais

Esperamos que a análise dos dados acima levantados tenha contribuído para um maior
entendimento das transformações dos investimentos realizados pelos moradores de São Paulo
do Muriahé, que representavam “ser o movimento dessas formas de riqueza a expressão da
transição em curso no momento” (ALMICO, 2001: 5).
Devido à delimitação do artigo não realizamos discussões aprofundadas sobre essas
modificações. Porém, com as observações feitas percebemos que o início do processo de
desenvolvimento urbano em São Paulo do Muriahé se inicia de fato após a abolição da
escravidão, quando a população, além de realizar investimentos no rural, inicia aplicações
econômicas no espaço urbano, com as construções de casas.
Desta forma, a pesquisa se justifica devido à importância do estudo regional e por
entendermos que muitas dessas incógnitas do passado, podem ajudar a revelar traços e
características do presente, contribuindo para desmistificação ou confirmação de paradigmas
tradicionais e generalizantes sobre o eixo econômico e social vigente nesses lugares.

Bibliografia

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