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Título: Saberes dos Céus e saberes da terra: Um estudo das narrativas e histórias do
povo Jaminawa que vive entre a Floresta, o Rio e as Periferias da cidade de Sena
Madureira
Pelotas RS
2022
RESUMO
Minha motivação para a escolha deste tema e principalmente este povo se deu
pela minha proximidade com suas comunidades, já iniciada durante minha dissertação de
mestrado em Ciências da Linguagem, realizada na Unir em 2012. Escutei e registrei alguns
mitos do Kushuitia (xamãs) deste povo durante minha atuação como agente indigenista,
ligada ao CIMI – Conselho Indigenista Missionário do Acre e Sul do Amazonas, uma
organização vinculada à CNBB. Sei de alguns relatos da sua luta pelo território e pela
manutenção da língua. A partir dessa observação recorrente em meus contatos, surgiu a
ideia de continuar contribuindo de maneira qualificada com suporte teórico e
metodológico, no intuito de aprofundar o que fui descobrindo e assim contribuir e subsidiar
as suas lutas concretas.
III - Objetivo geral: Descrever as narrativas históricas do povo Jaminawa, dando ênfase à
autoafirmação enquanto povo, à produção simbólica como elaboração de conhecimento
étnico autônomo, através do registro das narrativas do líder José Correia.
Objetivos específicos:
1 - Descrever os principais mitos do povo Jaminawa assim como as narrativas orais
presentes na memória e transmitidas nos espaços rituais, na escola, na vida cotidiana e nas
relações de conflitos;
2 - Entender as trajetórias do povo Jaminawa, evidenciando o caminho entre a cidade de
Sena Madureira, os rios e as suas aldeias.
3 - Analisar o papel do líder indígena na mediação dos conflitos internos e na articulação
das lutas políticas do povo Jaminawa.
IV Metodologia da pesquisa: Existem poucas produções científicas a respeito do povo
Jaminawa, principalmente sobre os mitos Jaminawa ou até mesmo sobre a biografia do
líder Zé Correia. Neste sentido, surgiu o interesse de escrever sobre esse povo e junto com
suas comunidades e liderança.
No Brasil, somam aproximadamente uma população crescente de 1.800 pessoas,
segundo dados extra oficiais1. Todos os Jaminawa são falantes da língua materna de
mesmo nome, que pertence à família linguística Pano. (AGUIAR,1994.) No lado
brasileiro há duas terras indígenas demarcadas para o povo Jaminawa, a Terra Indígena
(TI) Mamoadate2, no Rio Iáco com a extensão de 313.647 hectares, localizada nos
Municípios de Sena Madureira e Assis Brasil; e a TI Cabeceira do Rio Acre, com 76.680
hectares de extensão, localizada no município de Assis Brasil. Também habitam os rios
1
Esse número pouco preciso, refere-se a todos os povos identificados como Jaminawa, inclusive os que
habitam os espaços urbanos de Sena Madureira, com exceção dos Jaminawa-Arara, considerado como povo
distinto.
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Essa terra é compartilhada também com povo Manchineri, que também somam uma população crescente de
1600 pessoas.
Caeté, Purus, como também localizados nas cidades de Rio Branco, Sena Madureira, Santa
Rosa do Purus, Assis Brasil e Brasiléia. (PADILHA,2012).
Os Jaminawa são pessoas que possuem uma longa trajetória histórica. Mesmo
valendo-me de pesquisas anteriores e das informações por mim conhecidas, tenho plena
consciência de que a minha pesquisa não esgotará todo o conhecimento a respeito deste
povo. Ela pretende apresentar aspectos da realidade sócio cultural do povo, seus mitos,
suas narrativas, como também tratar da história de um de seus líderes.
Há outro fator importante a ser considerado e diz respeito ao meu projeto de
pesquisa e a minha pessoa. Sou indigenista há trinta anos e, como tal, participo ativamente
da história desse povo, faço parte dela. Estou envolvida na vida desse povo em nível
político, organizativo e social. Desta maneira tenho oportunidade de analisar as
permanências e as mudanças que se produzem dentro da vida atual deste povo indígena.
Consigo perceber e focalizar o dinamismo de uma cultura específica, nos seus movimentos
dialéticos e nas suas contradições, através da atuação do seu líder e do próprio povo,
percebendo como um grupo étnico reage e responde às agressões, provocações e os
desafios postos pela sociedade não indígena.
Como nos alerta o antropólogo Roberto Cardoso de Oliveira, é preciso apurar o
método antropológico a partir do olhar, ouvir e então escrever. Ele enfatiza: “Se olhar e o
ouvir constituem a nossa opção da realidade focalizada na pesquisa empírica, o escrever
passa a ser parte quase indissociável do nosso pensamento, uma vez que o ato de escrever é
simultâneo ao ato de pensar” (CARDOSO, 1995). O trabalho de campo, também nos traz
“a solidão do trabalho de campo, a amizade dos xamãs e um certo gosto rebeldia
instauraram entre nós cumplicidade que para mim assumiu uma forma de uma verdadeira
maiêutica” (ALBERT, 2011).
Adotarei o método etnográfico, portanto, enquanto a coleta de dados se dará
através da observação participante (SHAH, 2020) e da pesquisa de campo por um tempo
prolongado (DA Matta, 1984). A abrangência da pesquisa corresponderá às aldeias e à
periferia da cidade de Sena Madureira/AC, mais especificamente no Bairro Pista, no Beco
do Adriano. Trabalharei com entrevistas abertas e farei minha interlocução com caciques,
mulheres, pajés, parteiras e especialmente com Zé Correia, que desempenha papel
importante na dinâmica de vida deste povo indígena.
Posso afirmar que a gente não tinha esse nome de Jaminawa, nem
conhecia outro povo que tinha esse nome. Com a chegada da Funai em 1975,
havia um desconhecimento da realidade dos índios que viviam aqui no Estado.
Como o órgão indigenista não sabia que povo nos pertencia, deu esse nome de
Jaminawa. Antes chamavam a gente de Marinawa (gente da cutia) Sharanawa,
(gente boa), Mastanawa (gente guerreira). No tempo dos seringais os Carius, os
brancos, chamavam a gente de caboclos como faziam com qualquer outro povo
indígena do Acre. Atualmente prefere nomenclatura Jaminawa, esse nome já foi
assimilado por todos os Jaminawa. (Entrevista cedida em 20.01.2011).
3
Chegada dos brancos, dos não índios, dos Nawa ou Cariú, invasão do território indígena, época em que os
índios se espalharam pelas cabeceiras dos Rios. Refere-se ao período dos primeiros contatos no auge da
borracha em 1912. Esse período marcou todos os grupos indígenas da região com saldo grande de mortos
entre índios, por doenças e assassinatos. E, quando escapavam da morte, eles eram capturados por homens
armados com ajuda de cães, sendo forçados a trabalhar para os “donos da terra e dos seringais” em regime de
escravidão. (figredon1997).
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Pessoas que tiravam o caucho que é resina de uma planta, quando fresca pode ser moldada na forma
desejada. É impermeável a chuva, mas o que torna notável é a sua grande elasticidade, confeccionam botas,
chinelos, garrafas etc. Figueredo 1997
expedições armadas, organizadas por seringalistas e caucheiros para cercar as malocas e
matar as famílias que nelas viviam ou ainda capturar. Correia afirma:
Notem que essas correrias são praticadas ainda hoje. Quando um branco quer se
estabelecer num terreno ocupado por uma tribo de índios, eis como procede. Ele
arma cinco ou seis homens com bons fuzis, pega para si também e parte em busca
da maloca. Quando a acha, ele e os seus homens a cercam e massacram todos
aqueles que tentam fugir e as mulheres e crianças são levadas ao Juruá e vendidas
como animais. Eu vi venderem na minha frente oito indiozinhos de quatro a cinco
anos. As lágrimas me vinham aos olhos vendo estas pobres pequenas criaturas
tratadas como animaizinhos. (TASTEVIN, 2009, p .55)
Não tiveram missas solenes, nem procissões luxuosas, nem lava-pés tocantes, nem
prédicas comovidas. Toda a semana santa correu-lhes na mesmice torturante
daquela existência imóvel, feita de idênticos dias de penúrias, de meios-jejuns
permanentes, de tristeza e de pesares, que lhes parece uma interminável sexta-feira
da paixão, a estirar-se, angustiosamente, indefinida pelo ano a fora (CUNHA,
1909, p. 101).
A narrativa de Euclides da Cunha traz denúncias graves de que o seringueiro vivia
num mundo infeliz, triste, solitário, aprisionado numa vida de extrema opressão, até em
momentos de “festas” como da semana santa. A ocupação banhada pelos rios Juruá e Purus
é descrita por Darcy Ribeiro como uma das mais violentas e exterminadoras já praticadas
pelas empresas expansionistas. O relato de Darcy Ribeiro é bastante esclarecedor. Ainda
hoje, algumas frentes expansionistas usam da violência para afastar povos indígenas sem
contato voluntário5 das áreas pretendidas:
A obra de Ribeiro poderia ser completada dizendo que na década de 1970 não
existia nenhum povo indígena reconhecido pelo órgão oficial do governo. Com a extinção
do SPI e a recém criada Funai (1967), grande foi o grau de dispersão e de desorganização
imposta aos indígenas dessa região brasileira que viviam ainda sob forte dominação da
empresa seringalista.
Vale destacar as mobilizações dos movimentos sociais no Acre no início dos anos
de 1970, principalmente a existência dos movimentos sociais ligados ao campo
(seringueiros e agricultores), de ONGs indigenistas, da ação da Igreja Católica Romana e
sua Teologia da Libertação expressa pelo Cimi, do movimento luterano expresso no Comin
– Conselho de Missão entre Povos Indígenas - e da figura do Padre Paolino Baldassari,
pároco de Sena Madureira, que chegou em terras acreanas vindo da Itália. Esses diferentes
atores tiveram um papel importante na vida do povo acreano e na história da região,
afetando e dando visibilidade também aos povos indígenas e suas lutas por terra, saúde,
educação e reconhecimento. A situação dos Jaminawa que o padre declarou: “A Funai é a
funerária dos índios, foi ela quem trouxe eles para a cidade, incentivou eles a deixarem
suas terras e seus costumes, entregando-os ao álcool, as drogas e a prostituição”.
(GAZETA, 05-01-2010).
5
Nessa época eram considerados povos indígenas isolados aqueles povos que não têm contato com a
sociedade Nacional. Atualmente são denominados “Povos sem contato voluntário”. No Estado do Acre são
06 povos e na Amazônia brasileira são 66 povos sem contato.
Em 1975, a Funai passou a atuar no Estado do Acre, realizando o primeiro
levantamento demográfico e sócio econômico das populações indígenas que habitavam os
rios Envira, Murú, Humaitá, Tarauacá, Jordão e Breu (AQUINO 1996). Em 1988, os
Povos Indígenas, após anos de luta e mobilizações, conquistaram um dos principais
capítulos na Constituição Federal no que se refere à demarcação de seus territórios e seus
direitos fundamentais:
“Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes,
línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e
fazer respeitar todos os seus bens. (...)
VI Justificativa da Pesquisa
Já faz quinze anos que estou convivendo com o povo Jaminawa da região de Sena
Madureira, escutando seus problemas, participando de suas lutas pela conquista de seus
territórios. Sinto a necessidade e a obrigação de continuar escrevendo sobre esse povo de
uma forma acadêmica e qualificada teórica e metodologicamente. É um povo que a
centenas de anos, batalha para manter-se vivo, transmitindo sua cultura e língua para as
novas gerações e conservando a especificidade que o faz diferente de outros povos
indígenas e da sociedade não indígena.
Tenho enorme interesse em compreender como esse povo conseguiu, ao longo dos
séculos, perpetuar-se física e culturalmente. É interessante conhecer quais são suas
perspectivas para o futuro, não obstante existem situações de ordem sócio-política,
econômica e cultural, complemente desfavoráveis a eles, tais como a não demarcação de
seus territórios, conflitos internos e as conhecidas dificuldades de reconhecimento e
aceitação por parte da sociedade regional.
Um dos capítulos a serem escritos a partir do trabalho de campo será focado sobre
traços da história de um dos mais prestigiosos líderes Jaminawa ainda vivo, José Correia, o
Tunumam Jaminawa, com seus saberes, dinamismo e sua história de vida.
VII – Cronograma
AGUIAR, Suely Maria. Análise descritiva e teórica do Katukina Pano. Tese Ciência de
Doutorado UNICAM, Campinas 1994.
AQUINO, Terri Vale de. Índios Kaxinawá. De seringueiro Caboclo a peão Acreano.
Dissertação de Mestrado em antropologia, p.184 UnB 1977.
CALAVIA, Saez Oscar. O tempo dos Yaminawa, tese de Doutorado. USP, São Paulo
1995.
CIMI: Relatórios de Campo, não publicado sobre o povo Jaminawa, Rio Branco 2007.
FIGUEREDO, Aldrin Moura de. No tempo dos seringais. São Paulo: Editora Saraiva 5ª
edição 1997.
SILVA, José Correia da. Caeté: um povo tradicional em busca em busca de terra e
saúde para sobreviver no Acre. Jornal O Rio Branco, 5 fev. 2006, P. 20
SOUSA, Shelton Lima de. Dissertação de doutorado Povo e Língua Jaminawa
(variedade de Kayapuka): da realidade social as formas linguísticas e as categorias
aspecto temporal modo e negação. Programa de Pós-graduação em Linguística
UFRJ2017.
TASTEVIN, “Na Amazônia (viagem ao Alto Juruá e ao Rio Tejo) 1914 In: CUNHA
Manuela Carneiro da (org.) Tastevin, Parrisser; fontes sobre índios e seringueiros do Alto
Juruá, Rio de Janeiro Museu do Índio 2009.
TOWNSLEY, Graham Elliot. Ideas of order and patterns of change in Yaminahua
society. Cambridge: Cambridge University, 1988. 167p. (Tese de Doutorado).