Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Introdução
Foi realizada uma prévia revisão bibliográfica em pesquisa anterior sobre o manejo pré-
colonial da floresta de Mata Atlântica, utilizando principalmente bibliografia
arqueológica e ecológica, reconhecendo o legado para a sociobiodiversidade atual
destas paisagens. A A. angustifolia se mostra presente junto a ocupação humana do sul
do Brasil há alguns milhares de anos, inclusive, com o primeiro registro documentado
por Pontes et al. (2023) de pintura rupestre de árvores desta espécie na região de Piraí
do Sul (PR), reafirmando o que vem sendo demonstrado em pesquisas, que sua ligação
com povos indígenas desde o passado é significativa.
2
também está sob risco de extinção, e os seres humanos, que se alimentam do pinhão,
embora também faça parte da alimentação de outras aves e mamíferos.
Conforme Branco et al. (2023), esse território não era inicialmente formado pelas
imensas florestas com araucárias, que os colonizadores europeus encontraram no século
XVIII e XIX. No decorrer dos milênios, principalmente a partir de 1500 AP, foi que a
região passou por uma transformação ambiental: o clima seco se tornou úmido e os
campos, aos poucos, foram sendo povoados por florestas com araucárias. Os ancestrais
dos atuais Jê meridional são conhecidos como Proto-Jê, produziram paisagens com as
araucárias e outras espécies vegetais, animais, fungos, nascentes, rios, cachoeiras,
rochas, montanhas e espíritos. Os campos, gerações após gerações, cederam espaço às
florestas, que os colonizadores passaram a conhecê-la e a explorá-la. Neves (2020)
também sustenta o argumento que, tal qual o caso da castanha-do-pará para a
Amazônia, a expansão da araucária no Planalto Meridional parece ter sido fortemente
ligada à ocupação indígena no passado, demonstrando como esses processos ecológicos
e sociais não podem ser desembaraçados um do outro.
3
Os Kaingang, por sua vez também têm sido estudados por vários pesquisadoras/es por
um longo período. Entre os primeiros, Baldus (1937) identificou ser o oeste do planalto
dos estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul o seu habitat
tradicional. Ele também documentou a organização social das duas "metades"
exogâmicas Kamé e Kairu complementares, onde membros de uma só podem casar com
membros da outra. Baldus identificou também que, dentre as plantas consumidas,
encontrava-se o pinhão da araucária, que figurava em diversos momentos nas práticas
rituais do povo. Crépeau (1997), outro estudioso dos Kaingang, pesquisou o Kiki Koj, o
“culto aos mortos”, no qual cada metade trata os mortos da outra, a fim de lhes liberar e
permitir deixar o cemitério onde eles estavam confinados desde a morte. Tendo
observado durante a realização do ritual, que mulheres, uma de cada metade, são
encarregadas de desenhar com o carvão de uma árvore, o pinheiro da araucária no rosto
da criança pertencente à metade Kamé. Há também narrativas orais sobre a relação da
árvore com a gralha-azul, como a descrita por Salvador e Fonseca (2022).
Estes e outros aspectos cosmológicos das etnias serão aprofundados durante a pesquisa,
visando compreender a relação que estas construíram com a planta, realizando atenta
revisão dos trabalhos realizados sobre esses povos. Buscando um entendimento mais
amplo sobre a preservação desta espécie ameaçada, partindo de uma abordagem com
base em informações coletadas em campo, em algumas aldeias selecionadas, assim
como no ambiente acadêmico da UFSC, no curso de Licenciatura Intercultural Indígena
do Sul da Mata Atlântica (LII), que tem no corpo discente estudantes Kaingang,
Laklãnõ-Xokleng e Guarani. E, se possível, em cooperação com o projeto Ação Saberes
Indígenas na Escola (ASIE) da UFSC e estudantes Kaingang e caso haja, Laklãnõ-
Xokleng de cursos da UFPR. Através de observação participante, entrevistas e uma
revisão sistemática da bibliografia, se intentará documentar como os esforços de
reflorestamento se alinham com as visões de mundo, identidades e práticas sustentáveis
nestes contextos indígenas.
4
No que diz respeito aos esforços de proteção da araucária, há, por exemplo, a legislação
estadual catarinense que está em vigor desde 2010, a Lei nº 15.167 que entre outras
tipificações, calcula para cada árvore explorada, deve haver 50 m² de área de plantio
florestal de A. angustifolia. Pesquisas como a de Montagna et al. (2019) mostram que
86% dos fragmentos florestais com a presença de araucária em SC são atualmente
menores que 50 hectares. Portanto, é crucial conservar grandes fragmentos florestais
para manter as populações da espécie, corroborando para a necessidade urgente de
iniciativas que promovam o reflorestamento.
5
Outros autores, como Dos Reis et al. (2014), consideram aquelas que são formadas
pelas espécies de A. angustifolia e A. Araucana como paisagens culturais, nas quais a
presença dessas árvores reflete padrões de uso que não servem apenas a propósitos
práticos, mas desempenham um papel fundamental na formação da identidade de
comunidades indígenas que as utilizam. Além disso, nos últimos anos tem havido uma
revalorização cultural e ressignificação da araucária e dos pinhões como símbolos de um
modo de vida que valoriza as tradições e o meio ambiente no sul do país, especialmente
entre os povos indígenas do Sul, que a tomam como símbolo de identidade e
pertencimento étnico (Branco, 2021).
Neste sentido, busca-se com esta pesquisa compreender os modos como atualmente os
povos Jê do Sul do país têm se relacionado com as araucárias, focando sobre os seus
significados culturais e cosmológicos, assim como as suas iniciativas de preservação e
ações atuais de reflorestamento desta espécie nos territórios que ocupam. Assim,
buscarei compreender as dimensões socioecológicas dessas iniciativas e como estes
esforços se entrelaçam com as visões cosmológicas e identitárias de pertencimento
étnico. Todavia, será preciso considerar os diminutos territórios indígenas em que os
indígenas do Sul do país se encontram atualmente, fruto de histórica espoliação
territorial, e compreender as implicações para a manutenção das áreas florestais de
araucária.
Objetivos
Objetivo geral
Objetivos específicos
6
- Mapear as iniciativas de recuperação e preservação da árvore que ocorrem nas aldeias
indígenas.
Para conduzir esse projeto de pesquisa pretendo realizar pesquisa de campo junto as
terras indígenas dos povos Jê no sul do país, os quais serão posteriormente contatados e
apresentados a proposta de pesquisa.
Junto às aldeias farei entrevistas com anciões e também com jovens para saber o que a
A. Angustifolia significa para eles.
Também buscarei entrar em contato com ambos os povos através de alunas/os do curso
de Licenciatura Intercultural Indígena da UFSC, em oportunidades acadêmicas durante
as etapas do Tempo-Universidade, período onde estão presentes no campus de
Florianópolis. Também buscar contato com estudantes indígenas de outros cursos, bem
como os estudantes indígenas da UFPR, para saber o que sabem e pensam sobre a
Araucaria angustifolia.
Após este mapeamento, analisar os projetos que estão ocorrendo e entender a dimensão
destas ações para a revitalização cultural de ambas etnias.
7
selecionando uma ou duas em uma Terra Indígena de cada povo, onde a proposta da
pesquisa foi apreciada, como um critério a ser considerado a ocorrência de atividades.
Cronograma
1° Semestre/2024 2° 1° Semestre/2025 2°
ETAPAS
Semestre/2024 Semestre/2025
Cumprimento de X X
Créditos
Revisão X X
Bibliográfica
Idas à Campo X X
Coleta de dados X X X
Análise de Dados X X
Qualificação X
Redação da X X
Dissertação
Defesa X
Bibliografia
BALÉE, William. The research program of historical ecology. Annu. Rev. Anthropol.,
v. 35, p. 75-98, 2006.
8
BRANCO, Carlos Frederico; PERONDI, Miguel Angelo; RAMOS, João Daniel
Dorneles. Fág e Nen: Araucária e Floresta no Coletivo Kaingang. Historia Ambiental
Latinoamericana y Caribeña (HALAC) revista de la Solcha, v. 13, n. 1, p. 165-187,
2023.
COPÉ, Silvia Moehlecke. A gênese das paisagens culturais do planalto sul brasileiro.
Estudos avançados, v. 29, p. 149-171, 2015.
DOS REIS, Maurício Sedrez; LADIO, Ana; PERONI, Nivaldo. Landscapes with
Araucaria in South America: evidence for a cultural dimension. Ecology and Society, v.
19, n. 2, 2014.
DOS SANTOS, Sílvio Coelho. Os índios Xokleng: memória visual. Editora da UFSC,
1997.
KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. Editora Companhia das Letras,
2019.
9
NEVES, Eduardo Góes. Castanha, pinhão e pequi ou a alma antiga dos bosques do
Brasil. Vozes vegetais: diversidade, resistências e histórias da floresta. São Paulo: Ubu,
p. 94-109, 2020.
THOMAS, P. Araucaria angustifolia. The IUCN Red List of Threatened Species 2013:
e. T32975A2829141. doi: 10.2305/IUCN. UK. 2013-1. RLTS. T32975A2829141. en,
2013.
10