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A busca pelo fim das Favelas

Em um longo processo de exclusão racial e social, o Brasil tem em grande parte do seu
território, Periferias e Favelas, locais onde a violência policial se tornou institucional em um
ímpeto de controlar os “favelados”. Nessa realidade os contornos de segregação racial e social
são fortemente demarcados, sendo perceptível uma luta constante entre os moradores dessas
regiões para resistir e buscar seus direitos contra ataques do governo e das classes mais ricas.
E nesse ímpeto de exclusão esses agentes criam estereótipos sobre as Favelas, que são
caracterizadas como locais de insalubridade, ignorância e principalmente de criminosos, uma
visão que acaba legitimando ainda mais a forte representação policial.

Esse é um cenário presente na história do país desde o Brasil Império que perdura até
os dias atuais, se alterando apenas na forma como o governo pretende lidar com esses locais.
A violência sobre tais locais sempre foi marcante, mas é com o início da Ditadura Militar que
se inicia um forte processo de exclusão e repressão. É um período no qual, questões
socioespaciais seriam o foco principal dos debates sobre as Favelas, pois muitas delas se
localizavam em regiões propícias para o mercado imobiliário. Desta forma, um processo de
remoção forçada, exclusão, separação de classes sociais e medida de controle sobre as Favelas
foram tomadas. E em diversas partes pelo país os militares buscaram lidar com essa questão e
muitas dessas medidas perduram até hoje.

Um ímpeto de separação entre as classes ocorria logo no início da Ditadura Militar,


sendo que as elites buscavam o fim da Favela ou a expulsão das classes mais pobres da
cidade. E quando os militares tomaram o poder, com uma centralização política e
administrativa, criou-se um movimento bem mais ordenado com maior apoio financeiro e
técnico para que esses anseios fossem atendidos (BRUM, 2012, P.359). Dessa forma, ao
longo do regime as paisagens das cidades foram profundamente alteradas, sendo que muitas
favelas foram removidas ou expulsas para periferias, consequentemente as cidades acabam
sendo dominadas por moradias das classes mais altas.

Além disso, essa remoção das Favelas foi feita amparada pelo estigma de que favelado
seria alguém marginal, ilegal e sem direito a cidade. Dessa forma a remoção se consolida
como praticamente a única política de Estado para as Favelas. (BRUM, 2012, P.357). Então,
essa transferência de uma grande parcela da população das cidades para as periferias acaba
gerando um forte impacto social, primeiramente porque as cidades se tornam um marco de
exclusão, já que passou a ser um local que apenas as classes médias e altas habitavam,
consequentemente não existiria mais o convívio entre diferentes categorias étnicas ou sociais.
(BRUM, 2012, P.358)

Todo esse processo acaba afetando muitas famílias, que tiveram sua vida alterada
drasticamente e precisaram se adaptar a uma nova realidade, muitas delas trabalhavam nas
cidades e quando expulsas para as margens precisam se locomover quilômetros para os
centros das cidades, diminuindo ainda mais sua qualidade de vida. Desse modo, "o favelado,
com baixo orçamento, não suporta as despesas extras que o deslocamento para as periferias
distantes dos locais de trabalho ocasionava.” (Jornal do Brasil, 1968). Assim sendo, essa
mudança causou significativa redução de suas rendas, já que nas cidades mulheres e crianças
acabavam conseguindo ajudar a compor a renda e agora fica apenas restrita a um trabalhador,
chefe da família, que precisa custear também seu transporte e alimentação. (QUEIRÓS, 2019,
P.68)

É importante lembrar que é na realidade de uma Ditadura que esse processo foi
permitido, pois como os canais democráticos estavam fechados, a remoção pôde ser
implementada sem resistência. Sendo que muitos movimentos sociais que buscavam os
direitos dos moradores das favelas estavam sofrendo constantes vigilâncias e ataques. E
revoltas e a busca por direitos básicos eram mais motivos para uma repressão violenta
(BRUM, 2012, P.368).

Existem exemplos marcantes de como a Ditadura ajudou a aprofundar as


desigualdades urbanas, violando os direitos dos moradores das Favelas. Sendo alguns deles a
expulsão dos moradores de favelas no Rio de Janeiro, Belo Horizonte, entre outros. O Distrito
Federal sofreu esse processo de forma nítida, no qual assim que foi instaurado a Ditadura
Militar os moradores que construíram a própria capital foram expulsos de Brasília para
cidades periféricas. Essa é uma realidade que mostra como as medidas socioespaciais
anteriormente mencionadas afetam toda a estrutura social da cidade. Então, falar sobre essa
realidade vivida em Brasília torna possível exemplificar de forma clara os processos
anteriormente analisados e será então o objeto de análise dos parágrafos seguintes.

Em 1971, o governo do Distrito Federal implementou a “Campanha de Erradicação de


Invasões”, com o intuito de remover moradores de favelas próximas ao Plano Piloto para
cidades mais afastadas. Para construir Brasília os trabalhadores precisaram construir barracos
perto das obras para otimizar seu tempo, dessa forma acabam criando a vila do IAPI. E então
com o fim da construção, os moradores das classes mais ricas e o próprio governo
questionavam a existência desta vila, já que Brasília foi concebida para ser o berço do
modernismo e local onde apenas privilegiados deveriam viver.  Desse modo, quando os
militares chegaram ao poder, se propuseram a dar fim a esse local, institucionalizando um
processo de expulsão dos moradores da vila do IAPI para Ceilândia, uma região apenas de
terrenos vazios sem condições mínimas para viver. Essa é uma nítida realidade pela busca da
limpeza étnica da capital, promovida para garantir que os empreendimentos imobiliários
voltados para as elites prosperassem. 

Foram mais de 100 mil pessoas expulsas para uma região sem nenhum tipo de infra
estrutura, a 30 km do Plano Piloto. Não somente Ceilândia é criada para isso, outras cidades
nas regiões foram iniciadas no ímpeto da remoção de Favelas próximas ao plano-piloto. Em
uma realidade não planejada, onde os moradores acabam sendo obrigados a se adaptarem a
terrenos inóspitos, sem condições mínimas para viver como água e comida. (SERÚBAL,
2019, P. 571)

E essa violência institucional não se restringiu apenas na expulsão, mas também na


fiscalização, pois com a criação de periferias, os militares se preocupam ainda mais com a
segurança desses locais, sendo o toque de recolher ainda mais incisivo e as rondas eram
constantes, feitas em busca de marginais. Desse modo, o cotidiano dos habitantes dessas áreas
passou a ser marcado ainda pelo aparato repressivo do Estado. Sendo que essa repressão se
estendia por todos os aspectos do cotidiano da população periférica, perpassando por espaços
de lazer, diversão e cultura. Em uma realidade que muitas vezes eventos culturais sofreram
invasões que produziram dezenas de vítimas.

Por fim, é perceptível como a construção da sociedade brasileira é marcada pelo


caráter demofobico1 de suas elites. Um processo onipresente na história da política do país,
que com a ascensão do golpe 1964 foi ainda mais acentuado. E nesse processo diversas
famílias sofreram por serem expulsas de suas casas, criando uma realidade que até hoje
1
Denomina-se demofobia todo o método de escamotear ou de rejeitar a ‘palavra’ do povo,
decorrente de alegria, apreensão ou desconfiança suscitada por este mesmo povo, que é
reputado ‘ignorante’ na medida em que acabaria vítima de suas próprias afeições, sejam elas
excessos de paixão ou, ao contrário, completa indiferença. A demofobia é manifestada pelos
governos, sempre que, confrontados por meio de contestações e reivindicações populares que
os incomodam, eles tentam minimizar aquela ‘palavra’ ou desacreditá-la. Mas ela constitui
também o ponto cego comum dos teóricos que fustigam as ‘derivas’ da democracia e
desconfiam das eleições e seus resultados, quando lhe recusam toda e qualquer legitimidade
(CRÉPON 2012 apud LYNCH 2014: 250).”
perdura, pois as periferias acabam ficando à margem da sociedade, em que medidas políticas
são poucas ou quase inexistentes. Mas além disso, as periferias se tornam lugar de resistência,
onde os moradores precisam lutar para que suas vozes sejam ouvidas e que o preconceito
sobre eles seja quebrado.
Referências
Periferias e Favelas, Memórias da ditadura, 2019. Disponível em:
https://memoriasdaditadura.org.br/periferias-e-favelas/. Acesso em: 17 de fevereiro de 2022.
BRUM, Mário. Ditadura civil-militar e favelas: estigma e restrições ao debate sobre a cidade
(1969-1973). Cadernos Metrópole, v. 14, n. 28, 2012

SETÚBAL, M. L. Distopia e reparação política na Ceilândia de Adirley Queirós. URBANA:


Revista Eletrônica do Centro Interdisciplinar de Estudos sobre a Cidade, Campinas, SP, v. 10,
n. 3, p. 570–591, 2019. DOI: 10.20396/urbana.v10i3.8651524. Disponível em:
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/urbana/article/view/8651524. Acesso em: 15
fev. 2022.

RIBEIRO, C. E. da S. A representação da Ceilândia e dos ceilandenses no cinema de Adirley


Queirós. Século XXI: Revista de Ciências Sociais, [S. l.], v. 9, n. 1, p. 53–92, 2019. DOI:
10.5902/2236672536866. Disponível em:
https://periodicos.ufsm.br/seculoxxi/article/view/36866. Acesso em: 16 fev. 2022.

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