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TRAVESSIA

AS PRÁTICAS DE OCUPAÇÃO
DE TERRAS EM TERESINA
A INTERSEÇÃO ENTRE A ILEGALIDADE E A LEGITIMIDADE

Antônia Jesuíta de Lima *

s análises acerca da realidade mente, as chances de os pobres viverem direito formal, instrumento regulador das
do Piauí, como de resto sobre de aluguel, forçando-os a se transferir para relações entre os agentes sociais envolvi­
o Brasil, mostram a presença outras áreas, instalando-se em formas pre­ dos na posse da terra urbana: população,
marcante dos pobres na con­ cárias de moradia. Estado e proprietários fundiários.
figuração dos grandes centros urbanos1. Esse movimento foi se concretizando Como resultado de lutas, mobilizações
Teresina exibe esses sinais, com mais evi­ em estratégias diversas de inserção, fosse e conflitos, os pobres trazem à cena “no­
dência, desde a década de 70 quando essa pela ocupação individual ou coletiva de vas legalidades” e constroem experiênci­
capital registrou os maiores índices de cres­ vazios urbanos, fosse pela compra da pos­ as concretas de apropriação da terra para
cimento populacional, alcançando uma se do terreno ocupado ou do barraco. Es­ uso social. Embora não estivessem ampa­
taxa média geométrica anual de 5,53%2. tas modalidades constituíam, efetivamen­ radas em normas prescritas na forma da
Esse aumento foi provocado, sobretudo, te, as condições plausíveis para os pobres lei, essas práticas moviam-se noutra dire­
pelos grandes fluxos migratórios campo- migrantes se integrarem à vida urbana. Na ção, a da conquista da cidadania inscrita
cidade. O lugar de forte presença da po­ ausência delas, a saída era a improvisação no espaço público e alicerçada em
breza era a periferia dessa cidade, maior em casa de parentes ou amigos até o parâmetros e critérios de reconhecimento
centro aglutinador desse contingente de tra­ surgimento de uma nova favela, para onde e reciprocidades (Lefort, 1991).
balhadores rurais que acorriam para a ca­ se projetavam todas as expectativas de Pretendo, neste texto, expressar uma
pital em busca de um projeto de melhorar aquisição de uma moradia de forma defi­ breve análise acerca da dinâmica que en­
de vida. nitiva. volve as práticas sociais urdidas nas lutas
Contudo, se até final dessa década o Desse modo, sob distintas formas, os de ocupação de temas por famílias pobres
lugar dos migrantes e dos pobres era a pe­ pobres vão traçando suas trajetórias espa­ em Teresina, como se operam mediações
riferia ou os pequenos aglomerados em ciais, e, à margem da lei, procuram “cons­ e clivagens que se inclinam para “novas
leitos de ruas e/ou terrenos vazios, de fins truir sua própria cidade”, como enfatiza legalidades”, assentadas no reconhecimen­
dos anos 80 em diante a sua presença en­ Panizzi (1989), no âmbito da “ilegalida­ to, conquistado, do direito de acesso à ter­
contra-se em toda a malha urbana. de”. Esse modo de expressão das contra­ ra, não pelos modos conferidos no direito
Esse novo cenário demonstrava que o dições e conflitos urbanos se materializa­ formal, mas adquiridos no espaço público.
lugar dos pobres extrapolava os limites das va no avanço das ocupações coletivas de
zonas periféricas, espaço para onde par­ terras que, aos poucos, foram ganhando A emergência das ocupações
cela significativa foi destinada nas déca­ legitimidade no espaço público e adqui­ coletivas de terras
das de 70 e 80, através de uma “política de rindo am plitude e força com a
desfavelamento” que removeu e transfe- institucionalização do “movimento dos A deterioração das condições de mo­
riu populações pobres das regiões centrais sem-teto”. Essas mobilizações e práticas radia e a qualidade de vida da população
para os conjuntos habitacionais implanta­ vão encenar confrontos, sofrimentos, per­ de Teresina para os pobres, nos anos 80,
dos, justamente, para cumprirem essa fi­ das, e longas e dolorosas jornadas de ne­ tornou impraticável manter o pagamento
nalidade3. gociação. do aluguel bem como a compra de um pe­
A transformação da cidade verificava- Na realidade, essas práticas que ganha­ queno lote de terra. A realidade parecia
se tanto pelos sinais de urbanização quan­ ram a cena pública a partir da metade dos indicar, portanto, que não restava outra
to pelo aumento progressivo de favelas e anos 80 representavam alternativas de so­ alternativa, senão a ocupação de vastas áre­
vilas tecidas na teia urbana dessa cidade, lução e de defesa do direito à habitação, as ociosas que conformam uma outra di­
reafirmando a pobreza como fator de sua ao tempo em que infringiam as normas ju ­ mensão da cidade, aquela dominada pelos
constituição. O aumento do desemprego rídicas em diferentes esferas - civil, penal, proprietários fundiários que vivem da es­
nos anos 80 e, conseqüentemente, a queda administrativa, etc., pondo em discussão peculação.
do poder aquisitivo reduziram, drastica- princípios e regras que fundam a base do Porém, áreas públicas pertencentes à

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União, ao Estado, especialmente as do veis da abertura política, a mobilização da Descortinavam o que se tentara conter com
Município constituíam-se nos principais al­ sociedade brasileira em torno das eleições políticas reparadoras, fragmentárias e
vos das ocupações, fossem aquelas de uso diretas, o apoio, em âmbito local, de enti­ assistencialistas e, ainda, punham em difi­
público - leitos de ruas e áreas verdes - dades civis aos desabrigados reforçaram a culdades parceiros incontestes na produ­
fossem os terrenos destinados ao uso pressão junto ao Governo do Estado (ges­ ção do espaço urbano - proprietários pri­
institucional - construção de equipamen­ tão Hugo Napoleão), viabilizando a nego­ vados, imobiliários e Estado.4
tos sociais ciação, desapropriação e a permanência A luta por moradia, que se fizera pre­
Tais manifestações ocorriam a despei­ das famílias na área ocupada. Tais experi­ sente desde os anos setenta, torna-se, ao
to do risco de as famílias pobres se expo­ ências sinalizavam com a emergência de lado da luta por transporte, uma das prin­
rem a constrangimentos e a atos de violên­ práticas de ocupação de terras urbanas, cipais reivindicações dos movimentos po­
cia sofridos nos conflitos decorrentes das com a exigência do reconhecimento legí­ pulares naquela conjuntura. E a questão
ocupações. Estas, na sua essência, questi­ timo de uso e posse da propriedade a seus que congrega maior volume de demandas,
onavam as bases de sustentação do siste­ habitantes. extrapolando a capacidade das entidades
ma econômico e político, ao desafiarem o Ao contrário das primeiras favelas que associativas e federativas dos moradores.
preceito da propriedade privada. eram, ¡mediatamente, objeto de ação judi­ O aprofundamento da crise urbana e o
As práticas de ocupação de terra, inte­ cial, seguida de despejo, às experiências aumento dos conflitos de terra são acom­
gradas, hoje, à trama da vida urbana de vitoriosas em torno da posse da terra (Vi­ panhados do crescimento das mobilizações
Teresina, constituem um fenômeno que las Risoleta Neves e Tancredo Neves), se­ em torno de melhores condições de vida
vem ocorrendo igualmente em cidades do guiram-se movimentos de ocupação em na cidade e de uma intensa atuação de
interior do estado. No seu resgate históri­ vários pontos da cidade, numa velocidade movimentos organizados como as associ­
co, constata-se que lograram conquistas surpreendente, desafiando a “ordem” e ações de moradores e os conselhos comu­
efetivas de regularização da terra, embora impondo-se com todo o ônus que trazia nitários.
à custa dc violentos embates com as for­ para os sujeitos diretamente implicados na Embora os investimentos dos governos
ças da ordem, de resistência e mobilização relação de interdito e subordinação: os estaduais, no setor habitacional, tenham se
da sociedade. favelados. Estes, ao fixarem-se na terra e constituído em uma prioridade nos anos 80,
Os pobres, historicamente marginaliza­ reivindicarem o direito de posse, passavam o déficit habitacional se mantinha muito
dos, estigmatizados e identificados de a simbolizar a idéia de detratores da lei, elevado, decorrente não apenas do contí­
maneira negativa com a favela, com a pe- da “ilegalidade” e a sofrer os efeitos puni­ nuo fluxo migratório campo-capital, mas
riferiaecom a criminalidade (Zaluar, 1985) tivos cabíveis a quem a ela contraria. também do agravamento das condições de
se insinuam procurando romper com es­ Após um longo conflito, tentativas de vida dos pobres e setores de classe média
ses atributos e com a condição mesma que despejo, insegurança e dois anos de inces­ baixa. Esse contexto ensejou, portanto, a
lhes institui essa marca. Questionam as sante luta, finalmente os moradores con­ partir de 1986, cenas cotidianas marcadas
fronteiras entre a legalidade e a ilegalida­ cretizavam o desejo comum a centenas de por conflitos em torno do uso social do solo
de, através das ocupações de terras, da re­ famílias, o de construir uma forma de urbano. Às práticas isoladas de fins dos
sistência às ações de despejo, dos confron­ pertencimento, de saírem da “ilegalidade” anos 70 e começo da década de 80, con­
tos com a polícia e com proprietários par­ e viverem a experiência de estarem liga­ trapunham-se as ocupações organizadas
ticulares de terras e dos apelos aos repre­ dos a algo concreto. Conquistar o espaço que, nem sempre, eram planejadas antes
sentantes institucionais e autoridades go­ em que pudessem se identificar com o lu­ do assento nas áreas e, muitas vezes, sem
vernamentais. gar, não numa relação de transitoriedade, a tutela de entidades formais. Mas, com a
O quadro que emoldura essa cidade, mas através da construção de outra forma evolução das lutas por moradia, tornaram-
repõe antigos problemas e velhos confli­ de inserção na cidade, em que pudessem se mais frequentes as ocupações sistemá­
tos, porém, reatualizados. Essa mudança é fincar raízes, conferindo a este lugar um ticas.
constatada em novas práticas sociais que significado novo, a perspectiva e o come­ Devido ao caráter abrangente e a um
incidem sobre as políticas de uso da terra ço de uma vida “digna”, sem carregar o forte conteúdo mobilizador, canalizariam
e da legislação fundiária, introduzindo peso da transgressão. O sentimento de per­ o apoio de setores da sociedade, como Igre­
questões como regularização e urbaniza­ tença advindo da conquista da terra é, para ja, imprensa e outros, obtendo, tais práti­
ção de áreas ocupadas, o reconhecimento o favelado, a possibilidade de “sair do cas de acesso à terra, grande espaço na
e a incorporação da favela como parte da mundo da ilegalidade”, de edificar uma mídia. Imiscuíam-se na cidade com forte
cidade, eliminando os tradicionais meca­ vida sem estigma (Silva, 1996). presença, não passando imunes aos críti­
nismos de remoção. As figuras da “ilegalidade”, que se cos olhares e a ações solidárias, tampouco
Essa inflexão tem como lugar simbóli­ multiplicaram por diversos lugares da deixavam de instigar setores que, através
co o ano 1985 quando famílias vítimas das cidade, causando perplexidade, sinaliza­ de discursos e posturas, alimentavam sen­
enchentes dos rios Parnaíba e Poti ocupa­ vam com alteração na esfera jurídica, po­ timento de desprezo e discriminação para
ram dois terrenos na Zona Norte da cida­ lítica, administrativa e, inequivocamente, com as lutas e reivindicações das popula­
de. Naquele momento, os ventos favorá­ no plano sócio-espacial e estético. ções pobres. Foi nesse contexto que os

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executivo estadual (Hugo Napoleão) e "... formas inéditas de gerenciamento dos ação e uso do solo urbano e na ausência de
municipal (Freitas Neto) tomaram algumas conflitos urbanos que apontam para uma uma política de habitação para os setores
iniciativas de regularização de posse da legalidade emergente que se abre ao reco­ da população de baixa renda.
nhecimento de novos direitos (...) transcre­
terra e urbanização de favelas. A relativa tolerância por parte do po­
vendo demandas antes sem lugar na or­
Entre 1986 e 1988, o Movimento dos der público pautava-se no reconhecimen­
dem legal, no código de direitos legítimos. ”
“Sem-Teto” ganha densidade política e to de uma demanda que cria, pelo seu ca­
(Falcão citado por Telles, 1994, p. 89).
reconhecimento público, obtendo amplo ráter simbólico, novas formas de garantir
espaço para a divulgação de suas lutas e Após as primeiras experiências, desen­ a legitimidade e “novas famílias de enun­
dos principais problemas enfrentados pela cadeou-se um processo rápido de ocupa­ ciados jurídicos” (Panizzi, 1989). Com
cidade. ções, extrapolando o controle do Estado e esse fundamento, abria-se a possibilidade
Alcançam grande repercussão os em­ das entidades mobilizadoras do Movimen­ de transformarem-se os assentamentos ur­
bates e confrontos, as ações de despejo e to dos “Sem-Teto”. O ano de 1986 regis­ banos em figuras jurídicas de um novo di­
as tentativas de resistência e de negocia­ tra na cidade uma grande ocupação (Vila reito, produzido à margem do legal, por­
ção. A despeito da solidariedade e do apoio da Paz), conflito solucionado em 1987, que emerge de um processo de negocia­
da opinião pública, na realidade, os ocu­ com a desapropriação da área e permanên­ ção em que a normatização prescrita pau-
pantes eram considerados transgressores cia das famílias no local. Entre 1986 e ta-se no acordo que não encontra assento
da ordem e sofriam os efeitos punitivos 1987, realizaram-se outras 20 ocupações, na lei. Funda-se em práticas concretas a
legais. Eles representavam a “desordem” fato que indicava a irreversibilidade desse partir da interação de forças sociais que,
diante da sociedade, o que implicava na fenômeno na cidade. politicamente, estabelecem regras, acertos
aplicação dos rigores da lei e na repressão Tendo iniciado em 1986 um programa e arranjos que alteram as normas em vigor.
policial e, em se tratando de um sujeito es­ de assentamento, o Prefeito Wall Ferraz, Mediante a impossibilidade de ter aces­
pecífico, os “pobres”, se lhes imputava uma em seu segundo ano de administração, in­ so a um terreno por via legal, de encontrar
infração grave, descarregando sobre ele tensificou as ações na área de habitação. um lugar em que possa construir referên­
toda a arbitrariedade do uso da força. Com o acirramento dos conflitos de terra cias locais de pertencimento, a população
A repressão policial sempre permeou tornava-se um imperativo as intervenções pobre produzirá formas próprias de expres­
os processos de ocupações em Teresina, da Prefeitura em torno de ações de desa- são de suas necessidades, mesmo contra­
desde o instante primeiro aos momentos propriação/assentam ento de fam ílias riando o direito inalienável da proprieda­
atuais, a despeito de observar-se uma cer­ faveladas, bem como gestões junto ao go­ de privada, da ordem estatal, balizada na
ta tolerância da sociedade e do Estado para verno federal para aquisição de recursos, defesa da lei e no uso da “violência legíti­
com as favelas, seja porque elas se im­ visando dar continuidade ao processo de ma.”
põem, indistintamente, seja porque os legalização de terrenos ocupados. Desse Na realidade, a violência legalmente
interlocutores são suscitados a encaminhar modo, torna-se pública a regularização de instituída e aceita como parâmetro para a
soluções que não se incluem mais no mo­ algumas ocupações, através de “contratos manutenção de regras de sociabilidade,
delo tradicional de simples remoção ou de cessão onerosa e desapropriações por mesmo que em cumprimento de ordem ju­
despejo. interesse social”, especialmente em áreas dicial, “ ... não só não resolve a questão
de domínio público ou institucional, uma como acirra as condições objetivas que
vez que os órgãos oficiais negavam-se a geraram e continuam a gerar estes fatos”
A resposta governamental: mediar os conflitos que envolvessem ter­ (Jacobi, 1982, p. 69), pois, a despeito dos
a política de reassentamento ras particulares. mecanismos formais e institucionais, os
Contudo, essas iniciativas, por não ata­ pobres se insurgem com suas práticas que,
Essas formas de apropriação do solo carem, diretamente, a questão dos confli­ aceitas ou não, estão construindo, sem di­
urbano abrem perspectivas novas no tos de ocupação e nem da moradia, funci­ reito de escolha, decerto, esta cidade.
enfrentamento da questão da moradia, por­ onavam mais como o cumprimento de uma Os atos de violência e a repressão po­
que conferem um sentido novo e outro es­ plataforma de governo e como tentativa de licial, a condenação legal das ocupações
tatuto jurídico ao direito que não está ins­ redução do clima de tensão permanente nas não impediram que as favelas se multipli­
crito na lei, mas assume uma potência sim­ áreas em litígio. Na prática, as ocupações cassem e que os pobres continuassem na
bólica no âmbito das práticas cotidianas crescem, celeremente, assim como as ações luta, mesmo com a certeza dos riscos do
daqueles que reivindicam o direito legíti­ de despejo e os confrontos abertos entre estigma de “invasor” e da repressão, pois,
mo de representar-se no espaço público. forças policiais e favelados. ao defenderem seus interesses, desenvol­
Na complexa oposição legalidade versus O contexto deixava entrever a fragili­ vem também a “consciência de serem víti­
ilegalidade, a necessidade enseja práticas dade dos governos, tanto em âmbito local mas, mais de que de um dano, de um erro,
que extrapolam os limites da lei, da juris­ quanto nacional, na formulação e execu­ enquanto sua fala não for ouvida.” (Lefort,
prudência e transformam a ilegalidade ção de políticas públicas, o que se desnu­ 1991, p. 55).
numa relação de ambigiiidade com a legi­ dava de forma mais evidente com a ampli­ E no contexto de reconhecimento das
timidade. Criam-se ação dos conflitos relacionados à apropri­ tensões sociais em torno da problemática

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da moradia, da discussão que se processa, ra administração do Prefeito Wall Ferraz competentes a imputabilidade da defesa da
em âmbito local e nacional, pela reforma (1993/1996), com prioridade para a urba­ propriedade privada, o que, aparentemen­
urbana e o debate provocado na formula­ nização de favelas, especialmente aquelas te, dá ao executivo municipal o poder de
ção da Constituição de 1988, que o Pre­ áreas que sofreram processos de desapro­ manter-se distante dos problemas que lhe
feito Heráclito Fortes (1989/1992) defini­ priação e foram repassadas a seus ocupan­ dizem respeito diretamente, ou seja, o
rá, entre suas metas, a execução do II Pla­ tes, e as que resultaram das ações de gerenciamento dos processos urbanos. Es-
no Estrutural de Teresina, uma política de reassentamento. cusando-se de arbitrar conflitos que envol­
transportes coletivos urbanos, moderniza­ Com esse governo implantou-se a po­ vam favelados e particulares, deslegitima
ção ad m in istrativ a e uma política lítica dos “Parques”, principal eixo na área a existência de um problema social, repro­
habitacional para os “Sem-Teto”. Porém, de habitação e program a o ficial de duzindo, assim, a negação da eqüidade
suas intenções ficaram restritas ao texto, reassentamento de famílias. No período como medida de arbitragem no tratamen­
pois as ações não ultrapassaram os limites referido, a Prefeitura promoveu, através de to das desigualdades sociais. Tratamento
da gestão anterior no que respeita à con­ ação conjunta entre a Secretaria Munici­ diferenciado têm as áreas desapropriadas
cessão de títulos de aforamento de terre­ pal do Trabalho e de Assistência Social e ou favelas localizadas em áreas
nos municipais, pequeno volume de assen­ outros órgãos, o reassentamento de 3.557 institucionais e áreas verdes que, igualmen­
tam entos e p rojetos de m elhoria famílias, envolvendo 16.555 pessoas em te, foram autorizadas para fins
habitacional. seis áreas. Do total de fam ílias habitacionais, as quais se constituíram alvo
Em virtude da ausência de uma políti­ reassentadas, 51,4% situavam-se na Zona de ações municipais e de outros órgãos
ca eficaz, as favelas se avolumam de tal Norte, dado que acenava para a intenção públicos.
ordem, que em 1993 são contabilizadas do poder público municipal de consolidar Todavia, é inegável que um novo foco
141 favelas e vilas (Teresina, Secretaria essa região como área de expansão, em que de luta, uma nova expressão se configurou
Municipal de Trabalho e Assuntos Comu­ o Parque Wall Ferraz, localizado no bair­ no complexo quadro urbano. Esses proces­
nitários, 1994). Esses aglomerados se lo­ ro Cidade Industrial, constituía a pedra sos concretizam-se, contrariando as nor­
calizam em toda a estrutura urbana, mas, fundamental (Teresina, Secretaria Munici­ mas institucionalizadas do regime da pro­
sobretudo, nos bairros periféricos e emer­ pal do Trabalho e de Assistência Social, priedade privada, embora, consciente­
gem sob a égide de um novo perfil: a fave­ 1996). mente, os ocupantes pleiteiem apenas o
la e os pobres são o espelho desta cidade Com os “Parques”, o Governo Wall reconhecimento do direito de ter um lugar
e, através de suas práticas de inserção, in­ Ferraz (1993/1996) demarcara o traço de para viver e fazer morada. A ocupação,
vocam uma nova cidadania, pautada no sua “política de reassentamento”. E para fosse em áreas públicas ou privadas, tra­
reconhecimento legítimo enraizado em lu­ ali se voltaram as expectativas de seu su­ duzia-se na manifestação desse direito à
tas, tensões, conflitos e resistência. Assim, cessor (Firmino Filho) de construir o mo­ cidadania e, na prática, constituía-se numa
promovem modificações no tratamento delo “Vila - Bairro”, como ação integrada forma concreta de construir, simbolica­
dado pelas políticas públicas, quando os que visa a urbanização das favelas, mente, um novo direito que engendra fór­
governos passam a admitir que uma nova metamorfoseando-as em vilas que, segun­ mulas e posturas diferentes no âmbito das
forma de pensar e produzir a cidade impli­ do essa lógica, ganhariam o estatuto de regras jurídicas. Articula-se uma lógica que
ca legitimar processos produzidos pelas bairro quando dotadas de todos os servi­ transita da ocupação dos espaços livres à
populações que foram, historicamente, ços. sua transformação em instrumento de luta.
marginalizadas das políticas de desenvol­ Um registro importante nessa política Esse estatuto jurídico é conquistado a
vimento urbano. de favelas por parte dos recentes governos partir da capacidade dos favelados se mo­
A despeito de críticas e de muitas pro­ municipais é o acento dado aos conflitos bilizarem e utilizarem competentemente os
messas ficarem restritas ao papel, é notó­ que, visivelmente, chamam a atenção da canais que levam ao comprometimento do
rio que o poder público foi obrigado a in­ opinião pública e acionam a responsabili­ poder público com os interesses da popu­
corporar demandas e apresentar de algu­ dade social do Estado. Alegando não po­ lação envolvida. Essas novas práticas se
ma forma respostas aos conflitos urbanos, der interferir em conflitos entre favelados instituíram na luta pela afirmação de di­
indicando uma perspectiva de democrati­ com proprietários particulares, o poder reitos de sujeitos sociais e pelo reconheci­
zação das relações com a sociedade. Des­ público transfere para a esfera jurídica e mento público de necessidades básicas da
se modo, várias favelas, fruto de ocupa­ policial o destino de famílias que, muitas população e de suas reivindicações. As
ção. tiveram seus moradores transforma­ vezes, não dispõem de estoque suficiente novas experiências de ocupação vão ar­
dos em legítimos proprietários (ressalve- de mobilização para se defender das agres­ mando a passagem, tornando tênues as
se, apenas com o título provisório de pos­ sões dos proprietários, da violência poli­ fronteiras entre a ilegalidade e a legalida­
se) através da negociação entre morado­ cial ou para exercer o direito de pressão e de, instituindo legalidades construídas no
res, associações de moradores, proprietá­ reivindicar o reconhecimento público de interior de lutas que são aceitas e, publica­
rios de terras e governo. suas demandas. mente, reconhecidas como significativas e
Foi nesse horizonte, que a “política de Respaldado no direito formal que pres­ portadoras de legitimidade. A ocupação
bairros” tornou-se o carro-chefe da tercei­ creve a lei, o Estado confere às instâncias representa a saída do anonimato, e a posse

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da terra representa o caminho para o reco­ formas específicas de os pobres construí­ de”, transformam-se em fonte de constru­
nhecimento da alteridade, a passagem da rem sua identidade social,7 alicerçada em ção de experiências significativas, mesmo
condição de “estranho” para a do “encon­ valores referidos a um lugar e a um espaço que se encontrem em total estado de pre­
tro” (Martins, 1993).5 onde podem vi venciar sociabilidades mais cariedade. Instalar-se, dispor de um lugar
A legitimidade do direito, reconheci­ duradouras, aprofundar vínculos de afeto, para fixar-se representa a condição
do socialmente, supõe uma nova legalida­ tecer uma rede dc relações, o “estoque sim­ precipua para lograr o projeto de “melho­
de que acompanha a posse da terra e uma bólico” (Foracchi, 1982) de uma nova sub­ rar de vida”. A moradia constitui-se ponto
nova estética para as favelas, imprimindo jetividade. Uma subjetividade construída de partida para se produzirem projetos que
uma ótica diferente sobre o espaço e o lu­ no âmbito da cotidianidade, na inter-rela- nomeiem sentido à vida. O barraco na fa­
gar em que os pobres vivem. Por isso, ga­ ção público/privado, na intersubjetividade vela representa a base da sobrevivência,
nha popularidade o termo “vila” como sig­ e nos marcos da “emancipação.” (Santos, porque, além de contribuir para a redução
no mais adequado para designar essa nova 1995). das despesas, altera o campo de referênci­
imagem que serve, também, para ameni­ As práticas de ocupação pela sua natu­ as subjetivas ligadas à esperança de con­
zar, mesmo que simbolicamente, o peso reza e regularidade acabam por compor quistar o direito de morar de forma defini­
das desigualdades e dos estigmas de que uma família de regras jurídicas (Panizzi, tiva.
são alvo essas formas de moradia e seus 1989) amparadas em mecanismos explíci­ Conforme indica o Censo das Vilas e
habitantes. tos de legitimidade. Daí terem se tornado Favelas de Teresina realizado em 1996
A conquista formalizada na instituição rotina das entidades associativas as cons­ (Teresina, Secretaria Municipal do Traba­
de um instrumento legal - o título de pos­ tantes buscas de processos, de ações judi­ lho e de Assistência Social, 1996), naque­
se'’ - que confere aos seus ocupantes a con­ ciais em tribunais, que são perpassadas por le ano, existia nessas áreas uma população
dição de permanência e a possibilidade de mediações jurídicas geradas no plano das de 94.617 habitantes, número correspon­
resgate de uma dimensão da cidadania, negociações, abrindo a possibilidade de dente a 14,46% da população total do mu­
somente se consolida para seus moradores transformar a questão legal numa questão nicípio. São dados que evidenciam a mas­
através do processo de urbanização da social. Essa legitimidade, apoiada num sa de população pobre que enfrenta difi­
área. Tarefa não ¡mediatamente cumprida acordo tácito obtido no espaço público, culdades para habitar na cidade, tendo que
pelos poderes públicos que se mobilizam, confere à moradia um valor simbólico por­ lançar mão do ardil das favelas que, na au­
quando acionados, através das reivindica­ que representa a possibilidade de tornar sência de uma política de habitação efeti­
ções e demandas locais. Nesse sentido, as plausível a vida do pobre. va e eficaz, constituem o lugar comum de
favelas e vilas representam a metáfora da As favelas e vilas não estão apenas in­ referência.
sobrevivência, ao mesmo tempo em que tegradas ao urbano. Elas compõem o uni­ Essas vilas e favelas não formam um
revelam as incongruências manifestas nas verso das realizações possíveis, uma pers­ mundo à parte do resto da sociedade, pois
condições de vida e nas expectativas que pectiva nova de vivência da pobreza, mes­ é na mera aquisição do terreno, numa ocu­
seus habitantes projetam quanto ao futuro. mo mantendo suas incongruências e am­ pação, em que se expõe a oposição entre
biguidades. A moradia como uma neces­ legal e ilegal, legítimo e ilegítimo, a ques­
sidade humana fundamental torna-se a tão da justiça, que a pobreza ganha visibi­
Vilas e favelas: metáforas e lidade irrefutável. Essas zonas “ilegais”
metáfora da própria vida, e a favela ou vila
incongruências da vida urbana representam a síntese, o instrumento de traduzidas em vilas e favelas estão por toda
efetivação desse projeto. A medida que parte, ocupando espaços vazios em áreas
Em Teresina, as práticas de ocupação expõem as desigualdades, abrem perspec­ urbanizadas na Zona Leste, no extremo da
de terras trouxeram uma densidade políti­ tivas de o pobre prover um lote de terra, periferia como a Zona Sul. Ocupam áreas
ca muito definida, porque interferiram no viver e concretizar o sonho de sentir-se li­ públicas, de dom ínio público, áreas
modo de o poder público tratar os pobres gado a um espaço, rom per com o institucionais e de particulares, áreas com­
e contribuíram para a formação de espa­ nomadismo urbano, com a itinerância que pletamente inabitáveis, com um rápido
ços de discussão em torno da problemáti­ marca sua trajetória de vida desde a expe­ crescimento da população que se produz,
ca urbana. Com isso, colocaram a temática riência anterior no cam po, agora exponencialmente, por acréscimos pro­
das favelas em outro registro, o da refe­ reproduzida na cidade pela luta de favela gressivos e surpreendentes.
rência a uma noção ampliada de direitos, em favela. Dessa forma, o favelado pode A consolidação das vilas e favelas na
guardando-se distância dos códigos jurí­ imaginar-se proprietário do terreno que cidade reflete as incongruências da estru­
dicos consagrados pelo direito legal. ocupou e realizar o desejo acalentado, num tura urbana, nos últimos anos, assentada
Essa cidadania ampliada configura-se percurso marcado pela eterna busca de um no avanço do processo de verticalização e
pela potência simbólica implícita nas lu­ lugar no mundo. ao mesmo tempo no aumento das favelas
tas e demandas dos moradores das favelas Única forma viável de estabelecer-se e vilas assim como no empobrecimento da
e vilas pelo direito à moradia. Ao determi­ com a perspectiva concreta de ali perma­ população vis-à-vis supervalorização do
narem uma nova espacialização da pobre­ necer por um longo tempo, as favelas e preço da terra urbana e dos aluguéis.
za, ensejam outro julgamento sobre essas vilas, nascidas sob a égide da “ilegalida­ E a falta de perspectiva, da

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insustentabilidade de sua situação, em ou­ tido na “política de reassentamento”, o blico, com instituições de assistência e or­
tro patamar, que leva os pobres a recorre­ número de famílias que estão instaladas em ganizações não-governamentais, uma vez
rem às ocupações, a darem destino social áreas consideradas de “risco e irregulares” que, nas favelas não regularizadas, a pre­
a áreas livres e ociosas. Conscientes ou é enorme ainda, revelando a falta de uma sença desses órgãos é reduzida. Em algu­
não, ao moverem-se pela necessidade, ins­ política mais eficaz no eixo - uso e posse mas situações não existem, nem mesmo,
tauram uma nova ordem ou a “desordem”, da terra/questão habitacional. estruturas organizativas locais para acio­
forjada no campo do direito - o direito à narem as demandas.
moradia como plausibilidade de uma vida O morador da favela ou vila, na sua
Trajetória das famílias maioria, migrante, ao tomar a cidade gran­
“digna”. Não significa, todavia, que esse
processo percorrerá um planejamento, um migrantes pobres em Teresina de como destino, não vislumbra mais, no
estratagem a, critérios inteligíveis de seu horizonte, a possibilidade de morar em
racionalidade. Ao se procurar configurar a pobreza em um bairro, mesmo nos tradicionalmente
As experiências têm mostrado que as Teresina, nota-se que ela é sempre referi­ destinados aos setores de renda baixa. A
favelas e vilas são constituídas, em sua da ao universo constituído pelas vilas e vida nessas áreas encareceu sobremanei­
maioria, a partir da conjunção de vários favelas, caracterizado por essas designa­ ra, as terras e as casas se valorizaram de
fatores objetivos e subjetivos. Dentre es­ ções atribuídas pela sociedade. E nesse tal forma, que viver de aluguel é sinônimo
tes, ganham prevalência a necessidade de espaço que as famílias pobres encontram de pesadelo, e comprar um terreno ou uma
um lugar para morar e a existência de ter­ seu ancoradouro, embora itinerante, e cons­ casa tornou-se um sonho inatingível, mes­
ras ociosas. Outros elementos concorrem tróem suas subjetividades. Até encontrar mo em se tratando de financiamentos po­
para a definição do local de origem, desta­ a estabilidade esperada, com a regulariza­ pulares da COHAB-PI e da Caixa Econô­
cando-se o fato de ser área pública ou de ção da área ocupada ou com a compra de mica Federal.
domínio público, isso porque se percebe uma casa, participam de um certo ciclo de A trajetória mais freqüente do migrante
que as chances de conquista da terra são partidas e retornos, que caracterizam o se inicia, quase sempre, em casa de um
mais factíveis quando se trata de proprie­ movimento contínuo de deslocamento das parente ou de um amigo numa favela ou
dade dessa natureza. Via de regra, situam- famílias, tanto internamente, no mesmo vila até o momento de se desfazer dos par­
se, em sua maioria, em terrenos munici­ território, quanto externamente, entre as cos bens (casa, pequenos animais, resquí­
pais. diversas outras áreas. cios de safra), que deixou no meio rural
Em 1993, a ocupação de áreas da Pre­ Alugar um barraco é o último recurso ou em cidades menores e poder adquirir
feitura correspondia a um percentual de até adquirir seu próprio espaço para mo­ um barraco e trazer a família.* Dependen­
55,10%. Em 1996, elevou-se para 65,09%, rar, embora esta não seja uma prática co­ do das condições na primeira favela e de
ocupando áreas de topografia acidentada, mum no universo das favelas. A essas se outros fatores aleatórios, sua trajetória de
muitas apresentando riscos à integridade recorre, justamente, para eliminar o ônus itinerante poderá ser encurtada. O constan­
física (no caso das áreas propensas à ero­ do aluguel, esse mecanismo que corrói, te deslocamento à procura de um espaço
são). Esse índice se elevou em virtude dos vorazmente, as mínimas condições de so­ para fixar-se é o cenário possível do
assentamentos institucionais da Prefeitu­ brevivência na cidade. Conforme indica o migrante até se estabelecer num lugar de­
ra. Compreendendo, claramente, o papel último Censo das Vilas e Favelas em finitivo, em geral adquirido via processos
do Estado na realização do bem público, Teresina (Teresina, Secretaria Municipal de ocupação e de legalização definitiva.
os ocupantes das vilas e favelas, sobretu­ do Trabalho e de Assistência Social, 1996), Para o migrante recém-chegado, o des­
do daquelas que surgiram fruto de uma há uma predominância de habitações per­ tino será sempre um lugar distante dos nú­
organização, apóiam-se nessa premissa e tencentes a seus próprios moradores. cleos centrais, cujos moradores apegam-
apostam numa solução menos traumática Para os que não têm moradia definiti­ se ao seu título de posse como única fonte
quanto à posse da terra. Sabem que em ter­ va, o objetivo inicial é o de obter uma casa de segurança. Instala-se em zonas de ex­
reno de particulares é mais difícil, porque numa favela próxima ao centro, mas o ob­ pansão, onde se produz uma verdadeira
o poder público “fecha os olhos” e, em ter­ jetivo final é o de adquirir um lugar defi­ cidade, seja pelos movimentos coletivos de
reno público, o Estado é responsável pelo nitivo para morar, que no seu horizonte é ocupação de áreas vazias (sobretudo nas
destino daquelas famílias. Insere-se, nesse uma casa de vila, “legalizada”. A regulari­ Zonas Leste, Sul e Sudeste), seja pelos
contexto, também, o componente de aná­ zação da posse não só lhes assegura esta- grandes aglom erados habitacionais
lise conjuntural que pode viabilizar um bilidade em ocional, sentim ento de construídos pela Prefeitura para abrigo de
maior ganho político. pertencimento e de territorialidade como famílias retiradas de áreas consideradas de
A despeito de a administração munici­ lhes permite o acesso a serviços públicos, “risco e irregulares”. Essas remoções,
pal (gestão 1993/1996) ter priorizado a uma vez que as áreas, legalmente consti­ como já frisamos, fizeram parte de uma
periferia, favelas e vilas para ações de tuídas, dispõem de maior poder de pres­ política do Governo Municipal (1993-
infra-estrutura e saneamento, devido à ve­ são sobre a ação estatal. Ela engendra le­ 1996), de reassentamento de famílias e de
locidade de seu crescimento, o quadro ge­ gitimidade e possibilidade de se fazer re­ reordenamento urbano.
ral é ainda dramático. Embora tenha inves­ conhecer na interlocução com o poder pú­ A trajetória de parcela significativa dos

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pobres que não têm destino fixo é marcada dades habitacionais (Lima, 1996). de Janeiro.
4. Com a proliferação das ocupações, muitos pro­ FUNDAÇÃO IBGE
pela flutuação como condição permanen­
prietários privados passaram a sentir seu (1996) Contagem de população. Rio de
te, processo que faz parte do cotidiano e patrimônio ameaçado ante a falta de controle da Janeiro.
que está sempre no seu horizonte pela ci­ Prefeitura sobre os processos de ocupação de JACOBI, Pedro
ência da vulnerabilidade de suas condições terras, exigindo do executivo municipal ações mais (1982) Exclusão urbana e lutas pelo direito à
enérgicas contra as ocupações. O poder público moradia. Espaço & Debates. São Paulo, n9 7,
de habitação. Ao contrário de épocas pas­ municipal, por sua vez, tentando conter o aumen­ p. 53-69.
sadas, em que a favela era, de fato, um to crescente desse movimento em áreas particu­
LEFORT, Claude
trampolim para uma residência melhor na lares, cria lei punitiva contra os terrenos vazios
sem benefícios (muros e calçadas), consistindo (1991) Pensando o político: ensaios sobre
periferia, hoje o desejo do favelado é trans­ em cobranças de alíquotas mais elevadas do Im­ democracia, revolução e liberdade. Rio de
formar aquela área em “vila”, significan­ posto Predial e Territorial Urbano (IPTU); ao mes­ Janeiro, Paz e Terra.
mo tempo, favorecia os proprietários que garan­ LIMA, Antonia J. de
do dispor do título de propriedade e o po­
tissem a segurança de seus imóveis. Eram medi­ (1996) Favela COHEBE: uma história de luta
der de construir uma casa “decente”, Na das que, de certo modo, vinham responder a uma por habitação popular. Teresina: EDUFPI/APL.
impossibilidade disto, ele espera dias me­ das diretrizes de uso e ocupação do solo urbano LIMA, Antonia J. de
lhores para comprar um lote e construir a do II Plano Estrutural de Teresina (art9 19, item (1999) Pobreza urbana em Teresina - PI:
V II):"... aplicação de mecanismos tributários e de experiências e significados. Tese (Doutorado),
própria casa. incentivos fiscais para estimular o uso de terrenos Programa de Estudos Pós-Graduados em
Em Teresina, o percurso do migrante desocupados em áreas dotadas de infra-estrutu­ Ciências Sociais da PUC/SP.
ou do filho de migrante é a favela. Não há ra". (Teresina, Prefeitura Municipal, 1988, p. 5) MARTINS, J. de S.
outro itinerário provável. Ali se pode mo­ 5. M artins (1993) invoca a categoria do (1993) A Chegada do estranho. São Paulo,
“estranhamento” para por em relevo a tradição Hucitec.
rar, gratuitamente, livrando-se dos impos­ corporativa da sociedade brasileira, cuja sociabili­ MONTEZUMA, Kleber.
tos, das taxas de água e luz, etc. É o cami­ dade dominante é marcada “ ... por enormes difi­
(1994) “Teresina: crescimento e pobreza”.
nho possível para se sobreviver na cidade, culdades no reconhecimento do outro, sua aceita­ Cadernos de Teresina, ano VIII, n9 18, p. 69-
ção como outro, isto é, diferente, e igual." (p. 11,
até a chegada da urbanização. Os pais vêm 73.
grifo do autor)
com a família para a cidade, os filhos cres­ PANIZZI, Wrana M.
6. Trata-se do “Título de Cessão de Posse e Uso"
(1989) “Entre cidade e estado, a propriedade
cem, constituem seus núcleos familiares e que é, geralmente, concedido às mulheres, expe­ e seus direitos". Espaço & Debates, São
tendem a se instalar nas proximidades. Ini­ diente utilizado pela Prefeitura como forma de evi­ Paulo, v. 9, n9 26, p. 84-90.
tar o repasse imediato da posse. Confere-se nas
cialmente, casam-se e, se não têm o barra­ palavras de Montezuma (1994, p. 72): “... a atual
SANTOS, Boaventura S.
co, passam a morar com os pais. A espera administração municipal entende que entregando (1995) “A Construção m ulticultural da
igualdade e da diferença” . Conferência
de uma oportunidade de encontrar um ter­ o título de propriedade à mulher posseira, está
proferida no VIII Congresso da Sociedade
garantindo o terreno correspondente à família de
reno ou uma casa barata, montam, ali mes­ Brasileira de Sociologia. Rio de Janeiro, UFRJ,
maneira mais definitiva.”
mo, sua estrutura familiar. Agosto, (mimeo).
7. Duarte ressalta que o conceito de "identidade
Essas experiências concretas das vilas SILVA, Luiz C.
social” refere-se a valores “ ... que instauram e
fazem perseverar e que também, eventualmente, (1987) “Favelados lutam e vencem a batalha
e favelas, ao mesmo tempo que expressam pela moradia”. Correio do Piauí. Teresina, 21
fazem desistir, conformar-se, rebelar-se ou mu­
trajetórias e lutas dos pobres em Teresina, set., p. 5.
dar. Sempre, porém a partir dali, de um lugar que,
exibindo fragmentos da vida de indivídu­ por mais complexo e contraditório que seja, for­ SILVA, Ana A.
os que buscam conquistar o direito de es­ nece significação e, portanto, ‘universo’ aos sujei­ (1996) Cidadania, conflitos e agendas sociais:
tos." (1988, p. 11) das favelas urbanizadas aos fóruns
tar no mundo, expõem, também, formas de internacionais. São Paulo,Tese (Doutorado),
8. Durham (1984), estudando migrantes em São
sociabilidades que alimentam desigualda­ Departamento de Sociologia da FFLCH/USP.
Paulo, observou também que o trabalhador rural,
des sociais e cortam, transversalmente, a ao se deslocar à procura de emprego na cidade, TELLES, Vera da S.
vida urbana e o cotidiano de suas famílias. “... segue as rotas que foram seguidas por paren­ (1994) “Pobreza, movimentos sociais e cultura
tes e amigos antes dele. Ele vai com conhecidos política: notas sobre as difíceis relações entre
* Antonia Jesuíta de Lima é Doutora em Ciências ou à procura de conhecidos, que sabe estar em pobreza, direitos e democracia”. In: DINIZ, Eli
Sociais e Professora do Departamento de Serviço tal ou qual lugar.” (p. 137) (org.). O Brasil no rastro da crise. São Paulo,
Social da Universidade Federal do Piauí. HUCITEC/ANPOCS.
ZALUAR, Alba.
REFERÊNCIAS (1985) A Máquina e a revolta: as organizações
NOTAS BIBLIOGRÁFICAS populares e o significado da pobreza. Rio de
Janeiro, Brasiliense.
1. Texto baseado na Tese de Doutorado sobre po­ DUARTE, Luiz F. D. TERESINA, Prefeitura Municipal
breza urbana em Teresina -Piauí, defendida em
(1988) Da vida nervosa nas classes (1988) II Plano Estrutural de Teresina.
1999 pelo Programa de Pós-graduação em Ciên­
trabalhadoras urbanas. 2- ed., Rio de Janeiro, Teresina, Diário Oficial do Município, n9 109,
cias Sociais da PUC/SP.
Zahar. 22 de dezembro.
2. Na década seguinte esse índice caiu para 4,27%
DURHAM, Eunice. TERESINA, Secretaria Municipal de Trabalho e As­
e entre 1991 e 1996 ficou na ordem de 1,84% (Fun­
dação IBGE, 1970; 1980; 1996). (1984) A Caminho da cidade. 3s ed., São suntos Comunitários.
Paulo, Perspectiva. (1994) Censo das vilas e favelas de Teresina.
3. Extensos conjuntos habitacionais foram
construídos, formando um anel periférico, visan­ FORACCHI, Marialice M. Teresina, PMT.
do abrigar as populações que ocupavam as cha­ (1982) A Participação social dos excluídos. TERESENA, Secretaria Municipal do Trabalho e
madas zonas ilegais ou áreas de risco. Entre 1980 São Paulo, Hucitec. de Assistência Social
e 1989 foram construídos pela Companhia de Ha­ FUNDAÇÃO IBGE (1996) Censo das vilas e favelas de Teresina.
bitação Popular do Piauí (COHAB-PI), 23.179 uni­ Censos Demográficos 1970, 1980, 1991. Rio Teresina, PMT.

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