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LEGISLAÇÃO URBANA E MERCADOS INFORMAIS DE TERRA EM SÃO PAULO,

BRASIL: O VÍNCULO PERVERSO.


Raquel Rolnik*

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RESUMO

Na literatura sobre o impacto da legislação urbana no desenvolvimento dos mercados informais


da terra prevalece a análise que relaciona a difusão da informalidade com o alto nível de
exigência e com os altos padrões das regularizações urbanas. Sob este ponto de vista, estes altos
padrões provocam a elevação dos preços da terra, dificultando, se não for impossibilitando, o
acesso dos pobres a estas terras. A conseqüência é, então, o crescimento de um mercado de terra
fora dos padrões, tolerado por todas as autoridades da cidade, já que, onde estes mercados ilegais
surgem, não há mais outra alternativa de moradia ou de localização de baixo custo. Finalmente,
segundo a mesma concepção, a política pública mais progressista deveria criar regularizações
especiais de baixo custo e de “baixos padrões” para possibilitar ao mercado formal de bens
imóveis a oferta legal de terra aos pobres.
Se examinarmos mais de perto o funcionamento dos mercados da terra urbana e seus vínculos
com a legislação urbana, a existência de mercados informais paralelos, aparentemente o mais
claro fracasso da legislação urbana, constitui na verdade o seu maior êxito. Pelo visto, as
regularizações urbanas deveriam operar como uma espécie de molde para a cidade ideal ou
desejada. Todavia, completamente construída e adaptada à lógica econômica e aos ritmos e
estratégias do mercado dos grandes investidores imobiliários, a legislação urbana serve
basicamente para definir e proteger as melhores áreas urbanas para eles. Sua maior função -
ainda mais eficaz com a presença de mercados informais da terra - é a ereção de barreiras
invisíveis para impedir a penetração dos pequenos investidores enquanto garantem os benefícios
do investimento imobiliário, qualquer que seja a categoria de renda da população a ser acolhida.
Por esta razão, a criação de padrões “mais baixos” e as regularizações especiais de baixa renda,
sem quebrar com a lógica completa da ordem urbanística baseada em uma forma homogênea e
de alta renda de produzir as cidades, não é uma política capaz de democratizar o mercado de
terras e, consequentemente, da cidade.

A Cidade Brasileira e suas desigualdades estruturais

No final do século XX, a organização espacial nas cidades brasileiras – e na maioria das cidades
da América Latina – é comandada por uma ordem urbanístico-legal fortemente enraizada nos
princípios formulados no início do mesmo. Se quiséssemos sintetizar a complexidade dessas
estruturas urbanas em uma imagem única e forte, esta deveria ser o contraponto entre uma

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paisagem contida no quadro de uma legislação urbanística detalhada e outra, três vezes maior,
eternamente situada em uma zona intermediara entre o legal e o ilegal.

Este contraponto não é absoluto: a ordem legal formal ou estatal nunca está completamente
ausente, mesmo no espaço mais ilícito. Está sempre presente como uma referência e é
freqüentemente mobilizado nas negociações entre os residentes/ ocupantes destes espaços ilegais
e as autoridades que devem cumprir as regras. De maneira similar, dentro dos espaços
construídos segundo as regularizações urbanísticas, há uma infinidade de violações, que
freqüentemente são o resultado de uma grande atração e alto valor das regiões ultra-reguladas da
cidade.

O contraste destes espaços pode ter inumeráveis significados. Do ponto de vista da geografia da
cidade, eles compõem paisagens que apresentam distintos graus de prestigio e,
conseqüentemente, de valor na situação de mercado. De um modo geral, há zonas que
concentram paisagem formal, ricas e valorizadas e, outras, regiões pobres, desvalorizadas,
marcadas pela condição de irregularidade ou de extra-legalidade.

Mais uma vez devemos matizar esta descrição: a condição de irregularidade não se refere a uma
configuração espacial específica, mas sim a múltiplas. Não podemos falar de irregularidade
como se fosse um atributo intrínseco do espaço urbano como o são a topografia ou a qualidade
do solo. Não somente porque há muitos tipos de irregularidades dentro da ordem urbanístico-
1
legal, mas sim porque na prática, as normas legais podem ter significados diferentes para os
distintos atores sociais, dependendo das condições políticas e culturais prevalecentes1. Por
exemplo, no caso brasileiro, ainda que ambas as favelas e “casas populares” auto construídas,
compartem o mesmo vasto campo da irregularidade, construir sem permissão é hoje em dia
considerado muito menos ilícito do que morar nas favelas. Além de ter seu espaço organizado de
uma maneira particular que não vai com as provisões da lei, a favela é uma forma de apropriação
do território baseada unicamente no critério de utilização, e não de compra apropriadamente
registrada da propriedade, a fundação da noção de propriedade como foi definida pela “Lei de

1Antonio Azuela de la Cueva. La ciudad, la propiedad privada y el derecho. México: El Colegio de México, 1989, p.84.
*Autoconstrução: processo de construção de moradias de baixo custo no qual o proprietário legal de um lote constrói ele mesmo,
ou com a ajuda da família, parentes e amigos, sua casa, geralmente nos fins de semana. As casas construídas baixo este processo
são chamadas auto construída. Favelas são também assentamentos de baixos custos, definidos pelo fato de que os residentes não
são proprietários legais da terra, nem arrendatários nem nenhum tipo de contratante legal com o proprietário. A terra sobre a qual
se assentam as favelas pode ser propriedade pública ou privada.

3
Terras” de 1861 e consagrada no Código Civil de 1902. Talvez por esta razão e como ocorreu
muitas vezes na historia do país, a evacuação e até mesmo o encarceramento dos ocupantes era
considerado um castigo aceitável. Entretanto, a ocupação efetiva por aqueles que não têm
alternativa de residência (e sua contraparte, o abandono de propriedade pelos proprietários
legais), tem sido usado como um argumento recorrente dentro e fora da comunidade legal para
que esta transgressão não seja castigada com a penalidade indicada pela lei.

Depois dos anos 80, os governos estatais e municipais estenderam crescentemente as redes de
serviços e infra-estruturas às favelas mais organizadas e adotaram uma política de tarifas
diferenciadas em relação ao pagamento destes serviços. Finalmente, os proprietários de choça
nas favelas constituem um mercado monetizado de vendas e rendas, inserido na hierarquia dos
preços praticada nos mercados imobiliários reais da cidade.

Entretanto, ali se mantém uma forte repulsão a este desvio da lei atual, de tal maneira que o
favelado (o habitante da favela) é imediatamente associado a “marginal” mesmo quando nenhum
dos residentes da favela seja criminoso. Desta maneira um espaço definido como criminal não é
eliminado, mas somente rejeitado. 2 Mesmo quando a atitude dos governos estatais e municipais
e os provedores de serviços públicos foi de tolerância e às vezes até mesmo incluiu o
investimento de materiais, a ordem urbanístico-legal expôs claramente a rejeição deste espaço,
definindo o território das favelas como desviado.

Este tipo de assentamento está localizado dentro de uma categoria definida como “subnormal” na
linguagem da planificação urbana e assim são considerados na legislação que governa o uso e a
ocupação da terra. No caso da cidade de São Paulo, os assentamentos populares deste tipo são
classificados na Lei de Zoneamento, a qual constitui o conjunto de regras que governam o uso e
ocupação da terra em toda a cidade, e a qual tem estado vigente desde 1972. 3 A mesma situação
repetiu-se em centenas de cidades latino-americanas que adotaram o mesmo conceito de
estratégias de zoneamento para o controle do uso e da ocupação da terra: nos mapas que indicam
as fronteiras de cada zona, aquela considerada “subnormal” não aparece. Em algumas partes do
plano da cidade há espaços em branco e descontinuidades. Algumas destas regiões estão pintadas
com a mesma cor que as zonas dentro das quais se encontram, sem realmente existir dentro
delas. 4

4
Na linguagem administrativa e política estes assentamentos estão classificados como favelas,
cortiços, conventillos*, subdivisões e moradias clandestinas ou irregulares sem permissões. Estes
aparecem nas ações governamentais (principalmente da municipalidade, mas também do estado)
através de ações de inspeção, em solicitação a serviços de legalização ou de incorporação dentro
da cidade realizadas pelos residentes destas regiões ou pelos políticos que os representam. Os
problemas relacionados com a inspeção da construção e a oferta de serviços são negociados
dentro dos órgãos executivo e legislativo e muitas vezes também envolvem os aparelhos judicial
e policial.

Através deste mecanismo de negociação, as formas de inserção regular são simultaneamente


estigmatizadas e legitimadas em uma escala micro e as bases macro da legitimidade dos direitos
de propriedade não são questionadas. O efeito urbanístico desta regulação político-legal é
impressionante; há milhares de hectares de terra e quilômetros de ruas públicas sobre as quais
não se sabe se estão ou não integrados à cidade, se deveriam ou não ser o objeto de investimento
público ou se podem ou não estar integrados à rede de serviços, de informação ou ao sistema de
saúde.

A conseqüência inevitável desta posição extralegal é a idéia de que esses assentamentos


irregulares são provisórios, e que um dia desaparecerão desta localização. A posição provisória
funciona a nível de política urbana como uma justificação para a falta de investimento público a
qual reforça a precariedade urbanística e, sobretudo, acentua as diferenças destas regiões em
relação aos setores da cidade beneficiados pelos investimentos.

Com o tempo e através de formas mediadas de inserção à cidade dos assentamentos definidos
como irregulares pela ordem legal, novas formas de legitimidade foram traçadas. Estas
resultaram das negociações entre os atores envolvidos no processo de construção das “regras do
jogo” válidas para cada território. 5
Este tipo de acordo coletivo foi adotado tanto pelos
ocupante/residentes como pelos agentes e políticos encarregados do cumprimento das
regularizações destes territórios extralegais. As regras negociadas do jogo de cada assentamento
funcionavam como “leis”, inscritas nas relações econômicas, sociais e políticas efetivamente
praticadas pelos atores que construíram o acordo. Desta maneira, estabeleceram-se pactos
territoriais paralelos à ordem oficial e normativa legal, sem impedir o diálogo com este.

5
Através de mais um século de legislação urbana, estes pactos nunca foram integrados na ordem
legal, permanecendo paralelos ao mesmo. Assim, um tipo não oficial de lei foi criado para
proteger as infrações à lei. 6

A política urbana em São Paulo no século XX: privilégios e desigualdades

A cidade de São Paulo foi fundada em 1554 por padres jesuítas e resumia-se até o século XIX a
um pequeno vilarejo. Conheceu seu primeiro grande ciclo de crescimento com a expansão do
cultivo de café nas regiões sob sua influencia a partir de 1850. Desde então a cidade não parou
de crescer, passando por sucessivos ciclos de re-investimentos na indústria e na estrutura de
comercio e serviços.
Constituindo-se a partir de capitais privados, São Paulo jamais deixou de ser traduzida social e
espacialmente como uma gigantesca ferramenta em favor do enriquecimento de suas elites. A
esfera pública da cidade confundiu-se permanentemente com os interesses das classes
dominantes, visto que, se não é exemplo único no Brasil e na América Latina, envolve
quantidades de capital e população que apresentam poucos paralelos no continente. O estudo das
relações entre a política urbana e processos de enriquecimento das minorias em São Paulo pode
lançar luzes sobre as dinâmicas de produção e perpetuação da desigualdade no país e no
continente.
No começo do século XX, quando um terço das residências da cidade eram cortiços, acreditava-
7
se que estes desapareceriam um dia dando lugar a vilas de trabalhadores. Nas normas
urbanísticas, o cortiço tornou-se explicitamente ilegal, devendo ser simplesmente excluído de um
certo perímetro da cidade onde sua presença desvalorizava a região.
Na prática, foi por décadas tolerado e transformado no maior investimento alternativo para o
capital rentista e a possibilidade segura embora não sem sacrifícios de mobilidade social. Mesmo
ultrapassado pelo modelo de casas auto construídas no começo dos anos 30, e mais recentemente
pelo enorme crescimento das favelas, o cortiço nunca desapareceu. Pelo contrario: não há bairro
na municipalidade de São Paulo onde não haja cortiço.
Eles existem em bairros centrais velhos da cidade, onde casas antigas de uma família foram
subdivididas e convertidas em multifamiliares para aluguel. Assim mesmo, na periferia distante,
onde o aluguel de quartos e pátios é uma estratégia básica do próprio processo de
autoconstrução. 8

6
Entretanto, a presença do cortiço nunca foi reconhecida como um problema urbano. Com a
exceção de um curto período de tempo, nos finais do século XIX e começos deste, durante o qual
as autoridades de saúde usaram a “desinfecção” dos cortiços como uma estratégia principal para
o combate às epidemias na cidade, um processo que poderia implicar ainda em sua demolição, o
cortiço desapareceu completamente do campo da intervenção urbanística. Porém, durante todo o
século estes nunca pararam de ser reproduzidos, reinventados ou resituados.
A existência destas duas/ambas - ou múltiples - ordens legais e urbanísticas e sua presença
através do tempo é geralmente vista como uma “disfunção” nos mercados de terra ou como
“práticas desviadas” das autoridades locais. A idéia econômica de disfunção dos mercados de
terra está baseada na suposição de que a demanda de terra tem sido maior que a oferta – devido,
basicamente, à migração continua para a cidade e a sobre regulamentação do Estado sobre a
terra.9 Uma perspectiva diferente tem outra explicação sobre a brecha oferta/demanda. Isto é, a
especulação da terra, a qual tira permanentemente fora do mercado grandes quantidades de
terra.10 . As práticas “desviadas” dos governos são geralmente atribuídas a uma atitude
permissiva das autoridades locais as quais não realizam esforços suficientemente fortes para
11
fazer cumprir a lei ou são atribuídas simplesmente à corrupção. 12 Finalmente, um argumento
explicativo bastante difundido do fracasso dos mercados urbanos de terra para abordar as
necessidades do crescimento da cidade, é o isolamento dos panificadores urbanos dos programas
econômicos nacionais de desenvolvimento e dos organismos executivos e agências encarregadas
de implementar as políticas e planos urbanos. 13
Em realidade, mais que disfuncionalidade ou desvio, os pactos territoriais paralelos às leis
oficiais urbanas têm sido tremendamente eficazes para sustentar a desigualdade econômica e
política. E é devido ao êxito - e não ao fracasso - das políticas urbanas que é tão difícil de mudar
o funcionamento desta ordem urbanística.
De um ponto de vista econômico, a eficácia consiste em estabelecer paredes invisíveis que
impedem aos micro e pequenos investidores penetrar nas áreas “melhor urbanizadas”, enquanto
se garante a rentabilidade do investimento imobiliário, qualquer que seja a faixa de renda da
população a ser alojada. De um ponto de vista político, o pacto territorial paralelo à ordem legal
tem sido a base de uma política populista local, já que o voto popular tem sido intercambiado
com a incorporação progressiva dos assentamentos extralegais aos benefícios da cidade.
A história dos bairros populares é a historia dos pátios coletivos, dos pequenos quartos alugados
a famílias inteiras, do eternamente mutante meio-ambiente, do lento progresso realizado com os
pequenos investimentos familiares. Este padrão, estes ritmos, esta lógica espacial, comercial e

7
financeira, sempre ausente das normas urbanísticas, não tem relação com os investimentos
massivos que criaram a cidade formal.
Um perfil feito pelo sociólogo norte-americano Donald Pierson, quem buscava descrever o que
considerava os níveis “superior” e “inferior” de moradia na cidade de São Paulo nos anos 40,
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assinalou claramente este contraste. Na amostra escolhida estavam de uma parte, casas
situadas no Bexiga, Mooca e Canindé (bairros pobres trabalhadores) e de outra, 100 casas no
Jardim América, Pacaembu e Higienópolis (bairros ricos elites). Esta amostra não incluiu
moradias construídas na nova periferia da cidade. A descrição estatística de Pierson revelou as
características espaciais dos territórios populares, as quais têm sido repetidas ao longo do século:
a presença de varias famílias no mesmo edifício, pátios coletivos, uso misto de edifícios, sótãos
desabitados, banheiros e lavanderias coletivos, cômodos (quartos) multifuncionais nas moradias,
paisagens instáveis/cambiantes e multifuncionais nas ruas. Nos bairros ricos, os edifícios
abrigavam somente uma família, as casas eram exclusivamente residenciais, os pátios, banheiros
e área de lavanderia eram privados com um mínimo de dez cômodos por família. Do ponto de
vista da oferta de serviços, a moradia “inferior” bombeava água e tinha uma rede de esgoto,
mesmo que o acesso fosse coletivo, e não tinha água quente, a madeira e o carvão eram os
combustíveis predominantes. Enquanto na moradia “superior” tinha água quente e os abasteciam
de gás.
De um ponto de vista paisagístico, enquanto as casas “superiores” tinham seus próprios jardins e
as ruas eram ladeadas de árvores, no nível “inferior” não havia qualquer tipo de jardim nem
árvores. De uma perspectiva urbanística, os espaços descritos diferem em densidade - do uso
exclusivo da residência uni familiar ao uso misto e coletivo dos edifícios, jardins e quartos - e na
qualidade dos serviços. Do ponto de vista da legislação vigente nos anos 40, quando o estudo foi
realizado, todas as moradias do nível “superior” reuniam os requisitos da legislação, enquanto
todas aquelas pertencentes à categoria “inferior” não puderam ser aprovadas.
Contrariamente às regras do jogo que regulavam a formação dos subúrbios populares e, mais
tarde, da periferia e das favelas, a estruturação do espaço das elites foi inscrita de uma maneira
extremamente detalhada na legislação urbanística. Praticamente toda a legislação urbanística
formulada durante este século está referida e aplicada quase exclusivamente à minoria com poder
de decisão da cidade, a qual, mesmo constituindo apenas 30% do território da cidade, é muito
poderosa. 15
O rico vetor sudoeste é a área mais regulada da cidade, de um ponto de vista da legislação
urbana. Na atual Lei de Zoneamento, esta parte do mapa está dividida em dezenas de micro
zonas que concentram, em uma pequena área da cidade, a maioria de categorias e subcategorias.

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No resto do território encontram-se distribuídas pequenas manchas de zonas industriais (zonas
Z6 y Z7) dentro de um mar de Z2, a qual segundo esta lei, incluía tudo aquilo que “sobrava” e
que correspondia a 70% da cidade. 16
Há também diferenças de qualidade e o acesso aos serviços públicos, os quais estão diretamente
vinculados às diferenças no ritmo e volume dos investimentos públicos realizados nos diversos
casos. Deste ponto de vista é possível afirmar de maneira geral que os investimentos públicos
que privilegiaram o vetor sudoeste – onde um investimento acumulado em trabalhos de ruas e
intervenções urbanísticas, concentrado e vinculado aos substanciais investimentos privados -
foram capazes de sustentar seus valores por mais de 100 anos e continuamente gerar uma nova
importância e novos pólos de atração dentro deste mesmo.
O contraste entre o altamente regulamentado e melhorado sudoeste e o “resto” da cidade foi
consagrado na Lei de Zoneamento, vigente desde 1972. Uma vez mais neste século, a legislação
urbana, além de consagrar como lei dos tipos de ocupação que garantiam o valor da terra nesta
porção da cidade, repetiu a gestalt discriminatória da cidade. À diferença da cidade irregular, nos
bairros exclusivos a característica mais sobressalente da relação entre o território e a lei é a
perpetuação do tipo de contrato comercial estabelecido entre as partes quanto ao que se refere ao
seu desenvolvimento. Isto foi necessário para assegurar que os substanciais investimentos
realizados nesta região proporcionassem retornos a longo prazo sem os quais o desenvolvimento
destes, correria um risco indesejável. A legislação urbana tem efeitos opostos nos casos dos
mercados ricos e privilegiados de moradia e nos mercados de moradia de baixo custo. Os
desenvolvimentos de densidade muito baixa podem obter preços altos no mercado, em função de
sua exclusividade garantida pela lei. Também, a demarcação de um espaço não regulado pela
legislação aumenta o valor das áreas “protegidas por lei” nas quais se previne a ocorrência de
ocupações desvalorizadoras. Por outra parte, desobedecer aos padrões e às regras é a maneira de
tornar altamente rentáveis os assentamentos informais para os pobres: devido a que os mercados
informais de terra se desenvolvam geralmente em áreas “selvagens” e desvalorizadas,
incrementar ao limite a densidade é a maneira de aumentar os benefícios em terra de baixo custo.
Mas, para viabilizar esta rentabilidade duas condições dependentes do poder concessionário do
Estado foram requeridas: a terra há de ser ocupada com uma intensidade e densidade de
construção mais além dos padrões municipais e as chamadas melhorias urbanas haveriam de ser
providas algum dia nos bairros populares.
A verticalização tem sido uma estratégia para atualizar as áreas de alto valor na cidade e a
expressão de um dos extremos de um mercado dividido. O outro extremo, algumas vezes mais
rentável do que os desenvolvimentos ricos, é a expansão não regulada na zona rural. Uma das

9
evidências do dinamismo e da rentabilidade deste mercado é a explosão de valores em bens
raízes ocorrido na zona rural de São Paulo, a qual, entre 1916 e 1936, sofreu um aumento no
preço da terra de USD10,00 a USD750,00 ou seja, um aumento de 740 por cento! A relação
destes desenvolvimentos com a legislação não foi encontrada em suas restrições sobre o
mercado. Melhor dito, estes se relacionam com uma abordagem “laissez-faire”, a qual permitiu
um uso intensivo de lotes, a ponto que as ruas permaneceram privadas e as construções foram
recuadas com respeito às vias públicas. Em outras palavras, permitiram-se altas densidades desde
que não implicasse a necessidade de investimentos públicos - manutenção de ruas - e desde que
os usos de alta densidade permanecessem o mais longe possível daquilo que a lei considerava a
“cidade”.

Os grandes ganhos resultaram de desenvolvimentos de alta densidade sem grandes


investimentos. Dado que a demanda destes mercados populares continuava crescendo devido ao
rápido aumento populacional da cidade, a valorização destes investimentos foi imediata. A
simples conversão da terra rural em uso urbano independentemente da qualidade desta conversão
foi suficiente para elevar o preço da terra várias vezes.
No entanto, o ritmo e o nível de apreciação posterior da terra dependeriam basicamente do ritmo
e da qualidade das melhorias urbanas introduzidas pelos poderes políticos na fronteira da cidade.
Os investimentos públicos converteram-se no calcanhar de Aquiles (e no mecanismo reprodutivo
principal) deste mercado. Este papel crucial do Estado pode ser compreendido no exemplo de
São Paulo, onde as melhorias converteram-se no fator principal de mobilização das massas
urbanas e ao mesmo tempo de coleta de apoio para os partidos políticos.
Em São Paulo, a política urbanística da Velha República (1898-1930) não considerou como
importante a provisão dos cuidados essenciais para os pobres ou de investimentos nas suas
condições de vida. Michael Coniff analisando a política urbana no Rio de Janeiro durante a
Primeira República argumentou:

O positivismo francês, inculcado profundamente nos governos desta geração,


originou os raciocínios para justificar o abandono dos menos favorecidos.
Segundo o positivismo, a sociedade progrediria se estivesse orientada
corretamente por uma vanguarda pensante e determinada. As massas acabariam
puxadas para cima se a sociedade em seu conjunto progredisse. Foi errôneo
gastar os escassos recursos nos pobres, os quais não sabiam como investir no

10
progresso. Houve também Spencerismo, uma versão radical de “laissez-faire”
aplicado às relações sociais. Assim mesmo, conhecido como “Darwinismo
social”, este enfoque recomendava que os inteligentes e talentosos fossem
estimulados a excelência através de recompensas econômicas, enquanto que os
inaptos, débeis, entediados e não preparados fossem deixados a agonizar e
morrer pela seleção natural. Estas duas políticas sociais predominaram na
América Latina e especialmente no Brasil durante o período de 1880-1910. 17

Desta maneira, os territórios populares não foram um investimento prioritário na política


municipal a qual estava relacionada à baixa representação de seus habitantes como votantes e
políticos eleitos. Entretanto, esta condição começou a mudar com a crise política dos anos 1920 e
a Revolução de 1930 quando as classes médias e os trabalhadores conseguiram ser considerados
como interlocutores políticos. Assim, a historia da legislação urbanística em São Paulo, esteve
profundamente marcada, além dos aspectos econômicos já mencionados, por este aspecto de
natureza política.
No inicio dos anos 1930 em São Paulo, foi estabelecido um pacto territorial no qual a ilegalidade
foi tolerada para ser negociada mais tarde pelo Estado. Uma das condições para este pacto foi
que o estado assumiria o papel de provedor e os residentes do território ilegal o de devedores
contra o recebimento de favores do primeiro já que, de um ponto de vista estritamente legal,
estes mereciam um castigo. O pacto territorial com a periferia foi mais plenamente estabelecido
durante o processo de redemocratização com o qual as melhorias urbanas foram transformadas
em votos e os líderes de bairros em cabos eleitorais. 18
Uma análise do pacto territorial firmado entre as classes dominantes e os emergentes de grupos
sociais revela que a velha ordem não foi transformada para incorporar diferentes formas de
ocupação do espaço. Somente se tolerava seletivamente as exceções à regra. Ao serem
reconhecidas, as exceções foram “premiadas” com o direito de receber investimentos públicos
em infra-estrutura e serviços urbanos. Assim, a maioria clandestina entrava na política urbana
devendo um favor àqueles que os julgavam admissíveis.
A relação política estabelecida pelo pacto territorial é o que convencionalmente se há chamado
na literatura sobre a questão social de “a ideologia da doação”. Isto significa que o ato fundador
da cidadania foi uma relação de doação do Estado à população. 19

11
A doação, mesmo que inicialmente um ato voluntário, livre e generoso, tem realmente uma dupla
dimensão. Aquele que doa, o faz a partir do reconhecimento de uma necessidade. Como tal, a
doação tem também um caráter obrigatório, um sentido de requisição. Por outra parte, o ato de
doação implica também outra obrigação, aquela de receber. Cada presente só é completo com a
aceitação do que é dado: quem dá, o faz também por necessidade e quem recebe se comporta
desta maneira por necessidade. Como tal, receber benefícios é um direito, mas é uma
responsabilidade igualmente. Por esta razão, o Estado não precisava somente dar, mas também
criar uma obrigação de receber. 20
Finalmente, o termo que completa e confere significado à relação é retribuição. Aquele que
recebe o presente cria um vínculo que naturalmente leva a um ato de retribuição. Como tal, o
poder de dar está em produzir no receptor a consciência da obrigação de retribuir como uma
responsabilidade política de natureza ética. É interessante notar a diferença entre a retribuição de
uma doação e o pagamento de uma dívida. A retribuição por uma doação não tem data limite
nem conteúdo previamente definido: é um reconhecimento de uma obrigação que vai além da
21
dimensão utilitária. O vínculo que é estabelecido pressupõe, no entanto, a ascendência do
doador sobre o receptor cuja condição é de devedor. Isto implica em um compromisso cujo
retorno pode ser solicitado a qualquer momento e assume varias formas de retribuição.
Durante todo o período de Getulio Vargas isto levou ao reconhecimento do governante e à
identificação com ele o que permitiu o desmantelamento de qualquer tentativa de organização
trabalhista independente. Com a redemocratização, a relação do Estado com a população abriu
espaço para a construção do clientelismo e do populismo: a condição de extra-legalidade tolerada
pela maioria clandestina assumiria então a forma de um intercambio. As melhoras obtidas pelos
bairros irregulares deveriam ser retribuídas com votos. Mas, para que isto fosse possível, além de
construir um pacto político baseado na doação, era necessário também um novo papel para o
Estado. Por tanto, uma relação de ascendência e intermediação obrigatória do Estado em relação
às massas, recentemente incluídas no pacto, foi estabelecida.
Depois de 1930, estabeleceu-se um novo tipo de compromisso político no qual nenhum dos
grupos participantes no poder poderia oferecer as bases para a legitimidade do Estado. As classes
médias urbanas, que compreendiam grande parte da opinião pública que levou a crise do regime
oligárquico, não possuíam as condições para denunciar de maneira radical o marco institucional,
porque estas não podiam negar o fato de que o café, e os produtos de agro exportação
constituíam ainda a fundação decisiva da economia brasileira. Os interesses dos produtores de
café tampouco podiam ser as bases principais do sustento político, ao grau que eles haviam sido
deslocados do poder político pelo peso da crise econômica. Os setores empresariais menos

12
vinculados à exportação também não assumiram este papel, devido a distancia em que eles se
encontravam no centro da base econômica. Nestas condições, uma nova personalidade aparece
na historia brasileira: as massas populares urbanas, a única fonte possível de legitimidade do
novo Estado brasileiro. 22

Afirmando que a sua legitimidade residia nas massas urbanas,

Getulio Vargas estabeleceu o poder do Estado como uma instituição. E este


se tornou uma categoria decisiva na sociedade brasileira. Relativamente independente,
através de mecanismos manipuladores, o Estado começou a se impor como uma
instituição a ser incluída entre os grupos econômicos dominantes. 23

A expressão municipal desta nova relação assumiria somente uma forma mais definitiva depois
de 1934. Na administração de Fábio Prado, o primeiro e mais estável governo durante a
turbulência dos anos 30, quando se torna possível detectar mais claramente esta mudança. Baixo
o período deste alcalde foi promulgada a primeira anistia da cidade irregular. Uma ordem
municipal permitiu a possibilidade para as autoridades públicas, de reconhecer os loteamentos ou
subdivisões que não foram abertos de acordo com a lei, dependendo do juízo da Junta Diretiva
de Trabalhos Municipais. Esta Junta Diretiva analisaria e indicaria as mudanças necessárias para
aprovar estas subdivisões.
O mecanismo proposto nesta ordem foi inovativo: tornou possível o reconhecimento dos
desenvolvimentos irregulares, mesmo as condições de reconhecimento não estarem definidas,
estas dependiam do critério dos técnicos municipais da Junta Diretiva de Trabalhos. Esta vez um
passo fundamental foi tomado para estabelecer uma nova ordem legal onde à clandestinidade
ganhava o status de uma extra legalidade dependendo da mediação do Estado – neste caso a
municipalidade - para poder ser reconhecida. Como tal, os territórios extra legais poderiam
alcançar um status legal e por tanto cair dentro da esfera das obrigações e das responsabilidades
públicas.
Finalmente, depois de muitas tentativas encontrou-se uma fórmula para incorporar a quem
deveria ser incorporado na nova ordem, mesmo com um filtro de opção e a discrição de quem
estava à mesa do poder e que desde encima podia conceder legalidade. Por tanto, uma era de
cidadania concedida foi inaugurada: a condição de legalidade urbana, fundamental para a
inclusão das vastas massas urbanas como objetos de políticas publicas, foi uma consceção
seletiva do Estado.

13
Foi durante este mesmo período que o primeiro zoneamento seletivo foi introduzido na cidade. O
desejo da elite de controlar a cidade manifestou-se como um desejo de proteger seu próprio
espaço: a intensidade do desenvolvimento urbano foi uma dupla fonte de riqueza e perigo, já que
poderia permitir tanto que a riqueza mudara de mãos, como que terminara alguns de seus
privilégios. Por esta razão, era necessário proteger a cidade. Segundo o discurso das elites
enfrentadas com o populismo das leis estatais, era seu território que precisava de proteção legal,
uma proteção que tinha, ao contrario da anistia para o território popular, fronteiras e regras
claramente definidas pela lei.
A anistia e o zoneamento seletivo eram duas caras da mesma moeda: elas representavam em São
Paulo uma estratégia de política urbana que sentou bases tão profundas que não há havido
praticamente inovações legislativas. Sua fundação teve a marca do compromisso estabelecido
com a revolução de 1930: as massas chegaram ao poder sem autodeterminação subordinadas a
um Estado protecionista e populista: as elites realizaram uma reviravolta sem perder seu lugar.
Quer dizer, tudo mudou para que nada mudasse.
Entender o êxito econômico e político deste pacto territorial é fundamental para poder analisá-lo.
Criando padrões “menores”, ou simplificando para os pobres, reforça a lógica das regularizações
urbanas, o qual está baseado em um tipo de investimento homogêneo e altamente concentrado.
Democratizar os mercados de terra e conseqüentemente, a cidade, significa reabordar à ordem
legal urbana não somente levando em consideração o funcionamento real dos mercados de terra,
mas também o complexo tema da cidadania e do acesso ao poder.

14
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LEGENDA

1
Antonio Azuela de la Cueva. La ciudad, la propiedad privada y el derecho. México: El Colegio
de México, 1989, p.84.
*Autoconstrução: processo de construção de moradias de baixo custo no qual o propietário legal
de um lote o constrói ele mesmo, ou com a ajuda da família, parentes e amigos, sua casa,
geralmente nos fins de semana. As casas construídas baixo este processo são chamadas auto
construída. Favelas são também assentamentos de baixos custos, definidos pelo fato de que os
residentes não são proprietários legais da terra, nem arrendatários nem nenhum tipo de
contratante legal com o propietário. A terra sobre a qual se assentam as favelas pode ser
propriedade pública ou privada.
2
Fabio Ulhoa Coelho. Direito e poder. São Paulo: Saravia 1992, p.112.
3
A lei 7805 de 1972 é a Lei de Zoneamento da cidade. Esta Lei estabelece o uso de categorias e
a medida de edifícios permitidos nas distintas zonas criadas pela lei. A lei esteve acompanhada
pela demarcação de fronteiras que definem uma zona para cada seção da cidade. A lei está em
vigor até agora, e tem sido emendada centenas de vezes por novas leis e decretos. Inicialmente
oito zonas distintas foram criadas de Z1 a Z8, mesmo que este número cresceu e hoje inclui 19,
zonas. Além de um grande número de divisões conhecidas como “zonas especiais”, a zona Z8,
na primeira formulação da lei não tinha um uso definido nem regularizações. As emendas feitas
durante os mais de 20 anos desde a promulgação da lei também se referem à classificação de
novos usos e detalhes dos critérios de ocupação de edifícios.
4
Exemplos típicos são as numerosas subdivisões abertas ilegalmente na zona rural, as quais
aparecem no mapa como verdes ou áreas sem ruas, como si elas estivessem ainda cobertas por
vegetação.
*
Cortiços ou malocas (brasileiro e conventillos (ibero-americano) são um tipo de acerto de
propriedade de um ou mais edifícios precários que toman seu nome da palavra colméia. Suas

17
características principais são o uso coletivo de banheiros, cozinha e lavanderia por mais de uma
família, assim como a existência de pátios coletivos.
5
Wrana Panizzi. “Entre cidade e Estado, a propriedade e seus direitos”. Em: Espaço e debate,
No26, 1989, p.89.
6
Para uma mais ampla discução deste tema ver Joaquim de Arruda Falcão (org.). Conflito de
direito de propriedade. Rio de Janeiro: Forense, 1984; Boaventura de Sousa Santos. Estado,
direitos e lutas sociais. Bogotá: Instituto Latino Americano de Serviços Legais Alternativos,
1991, especialmente “El Estado, el derecho y las luchas sociales en las luchas urbanas de
Recife”; e Wrana Panizzi, ibid. Ver também Emile Le Bris (org.), Contribution à la
Connaissance d’un Droit foncier Intermediaire dans les Villes d’Afrique de L’Ouest,
ORSTOM/Ministère de la Recherche et de la Technologie, 1991.
7
O estimado é o jornal Fanfulla: apud Pulo Sergio Pinheiro y Michael Hall. The working class
in Brasil. Documentos. Vol. II, São Paulo: Brasiliense, 1981, p.42.

8
Lucio Kowarick & Clara Ant. “Cem anos de promiscuidade” de Lucio Kowarick. As lutas
sociais e a cidade, São Paulo: Paz e Terra/UNRISD, 1988, p.66. No processo de autoconstrução,
o proprietário normalmente constrói uma primeira casa ou cômodo para morar com a família,
liberando-se dos pagamentos de aluguel. Mais tarde, para poder pagar seus custos de construção
constrói outros cômodos para serem alugados, compartindo a área de lavanderias e muitas vezes
o banheiro, com outras famílias. O tema de autoconstrução nas cidades brasileiras há sido
amplamente estudado. Para uma síntese ver Licia Valladares. ed. Repensando a habitação. Rio
de Janeiro: Zahar, 1983 e Erminia Maricato, ed. A produção capitalista da casa (e da cidade) no
Brasil industrial. São Paulo: Alfa-Omega, 1979.
9
Dowall, D.E. Avaliação do Mercado de Terras: um novo instrumento para a administração
Urbana - Programa de Gestión Urbana/PNUD/World Bank, 1991, p.10.
10
Trivelli, P. Access to land by the urban poor: an overview of the Latin American experience.
Land Use Policy 3, 1986.
11
Nora Clichevskyy (org) Construcción y administración de la ciudad latinoamericana -
IIED/Grupo editor Latinoamericano. 1990, pp.320.
12
Massiah G & Tribillon J.F. Villes et développement. La Découverte, Paris, 1988.
13
Van Huyck, Alfred P. -Land management in the Context of National Urban Strategies -
documento apresentado ao Land Policy and Land Use Training for Developing Countries,
Lincoln Institute of Land Policy, Cambridge, Mass. 1987.
14
Donald Pierson veio a São Paulo através do convite da Escola de Sociologia y Política. Seu
estudo, conduzido por estudantes e professores da escola, foi apresentado pela primeira vez na
reunião anual do Instituto de Organização Racional do Trabalho/IDORT e publicado em
Economi, Ano II, n.29, October 119411, pp.7-113. A mais completa conclusão do trabalho foi
publicada pela Revista do Arquivo Municipal, “Habitações em São Paulo. Estudo comparativo”.
pp. 199-238.
15
O cálculo de 30% foi feito pelo Secretário Municipal de Planificação de São Paulo em 1990,
excluindo do total de edifícios aqueles considerados oficialmente como estruturas irregulares
(345,611 os quais correspondem a 51 milhões de metros quadrados aproximadamente 20% da
área total construída da cidade, não incluindo as favelas) aqueles contidos nas subdivisões
clandestinas (em 1990 os registros do governo da cidade registraram 2,500 casos de subdivisões
irregulares em processo, ocupando 13,088 hectares ou 16% da área da cidade), as residências na

18
favela (no novo censo em 1987 estimado em 150,000) e uma estimativa do número de
residências em cortiços (70,000 baseados nos dados do censo geral de 1980, residências de
somente um apartamento e no registro de edifícios do território municipal). Segundo Raquel
Rolnik, Nadia Someck e Lucio Kowarick, eds. São Paulo Crise e Mudança - São Paulo
Braisiliense/PMSP, 1990, pp.90-105.

16
Do ponto de vista das regras de uso e ocupação do solo, a Z2 é uma zona de baixa densidade
onde a área total construída pode igualar uma vez a medida da área de lote. Nesta zona, a qual é
predominantemente residencial, a presença de espaço não residencial é permitida, mesmo que
somente em uma pequena escala e usos que não tragam muito movimento e com acesso
independente da porção residencial.
17
Michael Coniff. Urban Politics in Brazil. The rise of populism, 1925-1945. Pittsburgh:
University of Pittsburgh Press, 1981, p.8.

18
Cabo eleitoral: uma pessoa encarregada de ganhar votos para um candidato. Aqui a
redemocratização refere ao final do Estado Novo, ou seja, da ditadura de Getulio Vargas (1930-
1945).
19
A análise completa da doação e de suas implicações políticas, um tema amplamente debatido
na literatura das ciências políticas brasileiras, é inspirada do trabalho de Ângela Gomes A
invenção do trabalhismo SP/RJ - Vértice IUPERJ, 198 pp. 246-254, sobre a lei trabalhista no
período Vargas, e mais particularmente na construção da imagem de Vargas como o "pai dos
pobres". Referente a este tema ver também Luis Werneck Vianna, op. Cit, trabalho no qual a
teoria da "ideologia da doação" é formulada, assim como o debate de Francisco de Oliveira, Vera
da Silva Telles e Juarez Brandão Lopes referente ao texto de Tereza Sales "Raízes da
desigualdade social na cultura política brasileira". Em: Revista brasileira de ciências sociais,
No.25 ano 9, ANPOCS, junho de 1994.

1
Angela Gomes, op. cit. p 248.
21
Marcel Mauss "Ensaio sobre a dádiva. Forma e razão da troca nas sociedades arcaicas" em:
Sociologia e antropologia, SP/EPU, 1974, p.97 e Marshall Sahlins "On the Sociology of
Primitive Exchange", de. Michael Banton The relevance of models for social anthropology.
London: Tavistock Publications, 1965.

22
Esta análise é apresentada por Francisco Weffort. O populismo na política brasileira. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1978, pp. 4-51.
23
Francisco Weffort, ibid., p.51.

19
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