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VI Congresso da Geografia Portuguesa

Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007

LEI DAS AUGI NO QUADRO DAS ALTERAÇÕES AO REGIME


JURÍDICO DE GESTÃO TERRITORIAL
- novas soluções para velhos problemas – O PPR–

Júlia Susana C. Reis (Geógrafa) e Maria Teresa Caiado F. Correia (Juiz de Direito)

Rua Dr. Vasco Moniz, Edifício Varandas da Lezíria I, Bloco 2, 3º D, 2600- 273, Vila
Franca de Xira, 964497482, teresaescoural@gmail.com ou matasdesousa@hotmail.com

1. O CLANDESTINO EXISTE … E AGORA ?


Resultado de apurado esforço legislativo e consequência de uma verdadeira tempestade de
papel”, surge em 1995 o actual regime jurídico excepcional para a reconversão urbanística
do solo e para a legalização das construções integradas em Áreas Urbanas de Génese Ilegal
(AUGI) – cfr. Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro, com a redacção introduzida pela Lei n.º
165/99, de 14 de Setembro e Lei n.º 64/2003 de 23 de Agosto.
Este diploma, também conhecido como a Lei das AUGI, estabelece claramente um
conjunto de procedimentos normativos e ferramentas jurídicas que apontam a reconversão
como prioridade, visando a satisfação do princípio da legalidade, procurando ultrapassar
uma das mais complexas teias jurídico-administrativas do urbanismo em Portugal.
Este diploma veio dar um impulso considerável às reconversões em curso promovidas
pelos Municípios, permitindo estabelecer regras comuns e normas de procedimentos
adaptáveis consoante as realidades em concreto de cada área de reconversão. As parcerias
levadas a cabo com a sociedade civil (Associações, Comissões, etc.), viram também neste
diploma a sua posição legitimada, saindo assim reforçada a sua prestação enquanto
parceiro privilegiado e com uma maior co-responsabilização no processo de reconversão.

Palavras-Chave: Reconversão, Legalização, Desafios, Normas, Sinergias, Urbanidade.

1.1. OCUPAÇÃO CLANDESTINA: A GÉNESE DO FENÓMENO


O fenómeno clandestino, consubstanciado na transformação informal e no fraccionamento
ilegal do território, teve e tem em Portugal, e sobretudo nas áreas metropolitanas de Lisboa
e do Porto, um significativo papel na criação do espaço urbano e na formação das
periferias.

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Foi sobretudo a partir dos anos 60 do século XX que se assistiu a uma explosão na
ocupação do solo para fins urbanos, reflexo do extravasar dos centros até então existentes,
fruto da necessidade de obtenção de habitação própria de uma vasta camada da população,
numa época em que a oferta imobiliária não era suficiente, nem cobria as exigências de
todas as camadas sociais.
Se os bairros clandestinos dos anos 40 e 50 ofereciam alojamento barato, constituindo-se
como uma alternativa à construção em barracas (fenómeno que ocorreu principalmente na
margem norte de Lisboa) os loteadores ilegais dos anos 70 e 80 ofereceram a alternativa de
uma moradia com quintal e jardim construída pelos próprios proprietários.
Os clandestinos de “primeira geração”1 instalaram-se e cresceram por “falta de uma
política de habitação social que respondesse às necessidades do crescimento demográfico
e à instalação de população imigrante de baixos rendimentos”2. Os de “segunda geração”,
dominados pela casa própria, consolidaram-se por não haver uma “política urbanística
global que responda a um modelo de habitat eleito pela classe média com uma capacidade
de auto-investimento acrescida.”3
A urbanização clandestina é um fenómeno de transformação social, envolvendo diversos
estratos sociais da população, desde os grandes proprietários fundiários, aos
intermediários, aos pequenos empresários e construtores, à pequena burguesia urbana,
largamente associada ao clandestino do lazer e à segunda habitação junto às praias, aos
operários dos centros industriais e à população rural deslocada em busca de referências que
recriassem o seu modelo de habitat.
Esta forma de urbanização marginal surgiu como resposta a três aspectos fundamentais:4
Procura de terrenos para investimento de pequenos capitais e poupanças familiares,
proporcionando o acesso à propriedade urbana como garantia face à desvalorização da
moeda, fruto do processo inflacionário que ocorria na década de 70.
Procura de alojamento por parte dos estratos sociais de menor capacidade económica,
proporcionando casas de renda acessível, reduzindo o desfasamento entre o poder

1
O termo clandestinos de “primeira e segunda geração” é utilizado por BRUNO SOARES, Jorge Luís
(1997) “Transformação Informal do Território. Situação na Área Metropolitana de Lisboa”, in A Cidade em
Portugal: Onde se Vive, Colecção Povos e Culturas, n.º 2, pp. 345 a 351, Centro de Estudos dos Povos e
Culturas de Expressão Portuguesa, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa;
2
Idem;
3
Ibidem;
4
Ibidem;

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aquisitivo e o preço da habitação, contornando os aspectos do difícil acesso ao mercado do


crédito bancário;
Procura de terrenos para construção de casa própria, habitualmente de moradias
unifamiliares, recorrendo-se à auto-construção, gerida através do auxílio de familiares,
amigos e colegas de trabalho, numa articulação de esforços em que a família assume o
papel orientador do processo.
Milhares de hectares foram, em resposta a estes anseios, parcelados e destinadas à
construção sem que tenha sido emitido, por parte das autoridades competentes, a respectiva
autorização para lotear. Vastas áreas continuaram nas décadas seguintes, e continuam nos
nossos dias, embora a um ritmo diferenciado e com objectivos distintos dos iniciais, que
interessaria noutro contexto aprofundar, a ser divididas, parceladas e objecto de construção
no mais completo desrespeito para com as regras técnico-jurídicas aplicáveis, à vista de
todos, perante a lentidão, e na maior parte das vezes ineficácia, do quadro legal vigente e
das instituições competentes, tementes na maioria das vezes do preço político que resulta
de uma acção repressiva constante, sem que sejam proporcionadas alternativas viáveis e
em tempo útil para grande parte da população alvo.
Embora o processo clandestino seja complexo social e urbanisticamente, possua uma base
especulativa, e se alimente dos diversos jogos de interesses dos agentes sociais, não se
pode esquecer que a sua existência resulta da transformação ocorrida no País e mais
especificamente na sociedade portuguesa, refém das dificuldades em se reajustar, entre
outros, no campo urbanístico e habitacional, em face dos interesses sociais dominantes que
as alterações político-económicas promoveram.

1.2. AS “URBANIZAÇÕES CLANDESTINAS”...


A transformação do solo não planeada e, na maior parte das vezes, completamente
divorciada das estratégias de desenvolvimento municipal, e das regras legais e
regulamentares aplicáveis, originou estruturas urbanas com as mais diversas patologias,
tais como: ocupação de solos impróprios para construção, delapidando recursos e
destruindo equilíbrios ecológicos; ausência de infra-estruturas básicas ou incipientes cujo
alastramento da construção no território as torna inviáveis ou extremamente onerosas; falta
de espaços para equipamentos colectivos e zonas verdes; incorrecta implantação das
construções numa notória má organização do tecido urbano e dos espaços públicos,
ausência de hierarquia viária aumentando pontos de conflito; ausência de diversidade

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funcional que suporte a permanência da população e responda às necessidades básicas


diárias e ainda ausência de relações de vizinhança com a envolvente próxima.
Esta imagem demonstra a falta de cuidado dos loteadores na promoção destas áreas
urbanas em que o parcelamento do solo é a regra básica de ocupação. A forma do
loteamento clandestino resulta da acção individual de centenas ou milhares de proprietários
movidos pelos seus interesses económicos e pelas suas aspirações sociais e culturais.
A construção clandestina é, do ponto de vista financeiro, o assumir de um risco calculado,
com possibilidade de controlar o endividamento e o investimento, em função das etapas e
ritmos de construção, realizada à medida das disponibilidades económicas, sem projecto
que coordene a sua evolução e a escolha dos materiais mais adequados e em que a
organização interna da construção se encontra, amiúde, mal solucionada, anti-regulamentar
e sem condições de habitabilidade, dando a imagem constante de obra inacabada, embora
em muitos casos o produto final seja semelhante ao das construções legais e muito superior
às dos bairros de lata e mesmo de alguns bairros sociais.
Ninguém ao iniciar o processo de construção de uma casa, ainda que clandestina, ignora
que produz igualmente património, no entanto, à partida, o seu valor estará reduzido por
condições de mercado, nomeadamente, pela incipiente existência de infra-estruturas, ou
mesmo pela sua ausência, e pela localização do terreno, isolada dos aglomerados urbanos
consolidados de cariz tradicional.
O clandestino espera que o tempo jogue a seu favor, isto é, que a periferia deixe de ser tão
periférica e que as acções estatais e, em particular, as municipais, sejam, desencadeadas
visando a consolidação e recuperação do loteamento, e, por conseguinte, a melhoria das
suas condições de habitação num interesse egoísta e especulativo do indivíduo com
absoluto desprezo pelo interesse social, numa perspectiva do máximo benefício da sua
parcela, isoladamente, sem ponderar os aspectos mais gerais dos seus actos, com prejuízos
e conflitos para a área do interesse colectivo. “O clandestino é o cadinho onde se fundem a
diversidade de condições e situações e a multiplicidade de aspirações, hoje (i)legítimas ...
amanhã legitimadas”5

5
Retirado de GUERRA, Isabel; MATIAS, Nelson (1997) “Elementos para uma análise sociológica do
movimento clandestino” in A Cidade em Portugal: Onde se Vive, Colecção Povos e Culturas, n.º 1, pp. 335 a
355, Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa, Universidade Católica Portuguesa,
Lisboa;

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2. A LEI DAS AUGI: NOVAS SOLUÇÕES, VELHOS PROBLEMAS


2.1. DAS PARCELAS EM M2 AO REGIME DE COMPROPRIEDADE
A tomada de consciência do fenómeno clandestino não é nova. Em termos legislativos,
vários diplomas legais procuraram, ainda que de forma incipiente, obter resultados
práticos.
Em 1965 surge o primeiro diploma legal (DL n.º 46.673, de 29 de Novembro) que faz
depender de licenciamento da Câmara Municipal o parcelamento do solo sujeitando, pela
primeira vez, e de uma forma sistemática, a licenciamento as operações de loteamento e as
obras de urbanização6. No texto do seu articulado pode ler-se “Em várias regiões do País
(...) tem sido verificada, com frequência crescente, actividade especulativa de indivíduos
ou de empresas (...) formando aglomerados populacionais sem sujeição a qualquer
disciplina (...).” A principal razão de sujeição a controlo municipal das operações de
loteamento promovidas por particulares foi a de evitar que se efectuassem operações sem
que previamente estivessem garantidas as indispensáveis infra-estruturas urbanísticas,
situação que, além de lesar os comparadores de boa fé, criava para as câmaras municipais
graves problemas de carácter financeiro visto serem elas que, em última instância, tinham
de realizar, com prejuízos evidentes, as respectivas obras de urbanização, bem como a
construção de equipamentos para garantir a qualidade de vida dos residentes.
Apesar do esforço, não foi possível disciplinar os negócios jurídicos relativos a terrenos
rústicos e os loteadores continuaram a parcelar os prédios rústicos em lotes urbanos. Surge

6
“De facto a divisão de um ou vários prédios em lotes destinados à construção não esteve, entre nós, sujeita
a qualquer regulamentação jurídica autónoma até à publicação daquele diploma legal. Dúvidas existem,
contudo, sobre a questão de saber qual era o regime que vigorava antes deste diploma. Uns defendem que
vigorava a regra da liberdade (neste sentido, cfr. Osvaldo Gomes, Manual dos Loteamentos Urbanos
Coimbra Editora, 1983, p.35 a 37), outros que, após o Código Administrativo de 1936, o governo passou a
proibir tacitamente a realização de urbanizações particulares [posição defendida por Fernando Gonçalves,
“Evolução Histórica do Direito do Urbanismo em Portugal (1851-1988), in Direito do Urbanismo, INA,
1989, p. 2519]. No entanto, não obstante as dúvidas que perante as disposições do Código Administrativo se
colocaram quanto à respectiva legalidade, a verdade é que a iniciativa dos particulares no fraccionamento
da propriedade não foi, antes de 1965, impedida, desde que fossem respeitados os preceitos legais
aplicáveis. cfr. António Duarte de Almeida, Legislação Fundamental de Direito do Urbanismo, Lisboa, Lex,
p.502” Retirado de CARVALHO, Jorge; OLIVEIRA, Paula (2003) “Perequação Taxas e Cedências –
Administração Urbanística em Portugal” pp.15 a 18, Livraria Almedina, Lisboa;

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assim o DL n.º 289/73, de 6 de Junho, que vem tentar impor algumas regras,
nomeadamente a necessidade de identificação do número e data do alvará de loteamento
para o registo dos actos ou negócios jurídicos relativos a terrenos com ou sem construção
(ver a este propósito o art.º 27º que impede a celebração dos negócios jurídicos acima
referidos. Deste modo parecia estar vedada a possibilidade de constituição de direitos sobre
parcelas concretas de terrenos.7
De facto, com a publicação deste diploma, deixou de ser possível vender parcelas de
terreno rústico como lotes para construção urbana (em m2), no entanto as propriedades
rústicas passaram a ser vendidas em parcelas de avos indivisos. A venda em avos
processava-se da seguinte forma: por exemplo, um prédio rústico de 100.000 m2 era
vendido em tantas parcelas quanto possíveis, até atingir o valor da propriedade (100.000
m2) – 350/100.000 avos, 500/100.000 avos, 1.000/100.000 avos, etc, registando assim os
compradores o seu direito na competente Conservatória do Registo Predial em regime de
compropriedade.8
A venda em avos não implica o destaque do prédio inicial, ou seja, não é vendida uma
parcela de terreno, mas sim um direito em comunhão com os outros compradores, porque
como não pode ser vendida uma fracção de terreno, vende-se uma fracção do direito ao
terreno, constituindo a escritura em avos a comunhão do direito indiviso.
Embora constitua um princípio do direito civil - ninguém ser obrigado a permanecer na
indivisão - este princípio encontrou-se limitado pelo referido art.º 27º do DL n.º 289/73, de
6 de Junho, pois quer a divisão se efectuasse por partilha judicial ou extra-judicial seria

7
Este diploma integra uma reforma da legislação urbanística ocorrida no principio da década de 70 marcada
também pelos DL n.º 166/70 de 15 de Abril relativo ao licenciamento de obras particulares, DL n.º 576/71 de
24 de Novembro, que aprovou a lei dos solos e DL n.º 506/71 e DL n.º 561/71, ambos de 17 de Dezembro,
que legislam sobre planos de urbanização, gerais e parciais, planos zonamento, planos de áreas territoriais,
planos de conjunto que abrangiam vários centros urbanos e zonas territoriais intermédias e envolventes e
planos de pormenor.
8
Muitos loteadores chegaram a vender a totalidade da propriedade rústica incluindo a área necessária aos
arruamentos que entretanto tinham “aberto” no terreno, deixando numa situação muito complicada os
compradores de direitos indivisos. Acontecem igualmente situações em que os compradores se localizam
num determinado prédio, e lá edificaram a sua construção, e encontram-se com o seu direito inscrito noutro
prédio rústico, demonstrando uma total falta de preocupação do loteador com os aspectos de natureza
registral e cadastral aquando da venda das parcelas, essencial, aliás, para a posterior concretização da divisão
da coisa comum no âmbito do processo de reconversão. Esta situação, entre outras de igual complexidade
que interessaria noutro âmbito também desenvolver, têm constituído obstáculo à celeridade dos processos e à
emissão dos títulos de reconversão.

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sempre necessário exibir o alvará de licença de loteamento da Câmara Municipal. Assim


nunca uma parcela em avos poderia reconduzir à aquisição da propriedade de uma parcela
concreta do solo.
Porém o negócio jurídico era estabelecido com esse objectivo preciso – obter uma parcela
de terreno definido e localizado, através de elementos concretos como a demarcação das
parcelas no terreno cfr. planta do loteamento clandestino (planta do particular) por acordo
com o vendedor e todos os compradores e comproprietários. Daqui resultou a fraude à lei.
Só com a aprovação do DL n.º 400/84, de 31 de Dezembro, ficou também proibida a venda
de parcelas em avos, declarando-se a nulidade de quaisquer actos jurídicos de que resulte
ou possa resultar a compropriedade ou ampliação do número de compartes de prédios
rústicos sem parecer favorável da Câmara Municipal. Este diploma veio reconhecer que é
necessário “evitar que «o crime ainda compense» (...) não são os que constroem
ilegalmente os principais infractores, mas sim os que se dedicam a uma actividade
comercial que não é só especulativa mas é, sobretudo, fraudulenta, já que se vende como
lote para construir e a preços tal um produto onde não se pode construir legalmente e que
não tem as infra-estruturas exigidas por lei.”
Posteriormente o disposto no DL n.º 448/91, de 29 de Novembro, vem exigir que os
negócios jurídicos de que resulte o fraccionamento dos prédios rústicos seja comunicado
ao actual Instituto Geográfico Português, sob pena de prática de contra-ordenação, sem
prejuízo de responsabilidade civil, criminal ou disciplinar, que no caso em concreto seja
aplicável. Com base neste diploma legal e mais tarde na vigência do DL n.º 555/99 de 16
de Dezembro e respectivas actualizações, que mantém esta redacção, alguns Municípios
enviaram para o Ministério Público processos de fraccionamento ilegal para que este
declarasse a nulidade do negócio jurídico praticado.9
A Lei das AUGI no n.º1 do art.º 54.º, vem reforçar esta filosofia e identifica como “ 1 -
São nulos os negócios jurídicos entre vivos de que resultem ou possam vir a resultar a
constituição da compropriedade ou a ampliação do número de compartes de prédios
rústicos quando tais actos visem ou deles resulte parcelamento físico em violação do
regime legal dos loteamentos urbanos”.
Com a alteração introduzida pela Lei n.º 64/03 de 23 de Agosto, a redacção do n.º1º deste
artigo é alterada para “1 – A celebração de quaisquer actos ou negócios jurídicos entre

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Seria muito interessante dispor de dados sobre a concretização destas declarações de nulidade, no sentido de
avaliar sobre a sua aplicabilidade, no entanto, não dispomos desses elementos.

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vivos de que resulte ou possa vir a resultar a constituição de compropriedade ou a


ampliação do número de compartes de prédios rústicos carece de parecer favorável da
câmara municipal do local da situação dos prédios.”
Embora a actual redacção contenha outros aspectos que interessaria aprofundar, o facto é
que aos Municípios é dada, a partir desta data, a oportunidade de intervir ex-ante, ou seja,
antes da concretização do negócio jurídico, de forma a controlar e impedir novos
parcelamentos. Por outro lado a interpretação deste artigo pode ser extensível, (a
interpretação extensiva da Lei será abordada de seguida) a áreas do território municipal
não abrangidas por AUGI, mas cuja pressão urbanística se faz sentir de forma muito real
permitindo um maior controle do Município sobre o seu território. Ainda sobre este artigo
importa referir a possibilidade da compropriedade ser admissível, ao contrário da anterior
redacção, em face do desenvolvimento da operação de reconversão, cabendo à câmara
municipal definir as regras em que tal autorização seja possível, ou seja, conforme “ … o
local da situação dos prédios”.

2.2. A LEI DAS AUGI: REMEDIAR O QUE NÃO SE CONSEGUIU PREVENIR


Uma Lei Excepcional
A Lei das AUGI é, verdadeiramente, uma lei excepcional, isto porque, neste diploma, a
teoria (operando com conceitos abstractos com a força da lógica) foi capaz de extrair os
princípios gerais da lei e de lhes dar desenvolvimento prático. Deste modo teoria e prática
não estão em antítese, antes colaboram reciprocamente, conscientes que, não obstante
terem objectos de actividade distintos, cada uma tem sempre que aprender com a outra.
O legislador compreendeu, há muito, nesta como noutras matérias, que a teoria recebe
quotidianamente da prática ensinamentos e sugestões, pois é a prática que sente primeiro a
solução jurídica, aquela que conhece a variedade inexaurível das mais diversas hipóteses
reais com as quais é diariamente confrontada, e que, por isso, revela novos problemas, ou
novos aspectos dos mesmos, bem como abre novos campos de estudo à dogmática,
mostrando experimentalmente, por vezes, também, que uma teoria é errada ou unilateral.
Só assim e perante o contacto dos factos, o edifício jurídico, fadigosamente, levantado
pelas abstracções dos teóricos não desmorona, ou pelo menos, não desmorona facilmente.
Com efeito, na Lei das AUGI, a teoria e a prática juntaram e fundiram os seus anseios para
cooperarem na actividade legislativa, sendo disso reflexo as alterações a que a Lei tem sido
sujeita, no sentido de a adaptar ao melhor conhecimento da realidade, o que é

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particularmente relevante se atendermos ao facto dos processo de reconversão e de


legalização durarem décadas.
A Lei das AUGI veio criar bases sólidas e objectivas para alcançar a reconversão
urbanística do solo e a legalização do edificado, quase trinta anos depois do surgimento do
fenómeno10 tendo, no entanto, o legislador tido a capacidade de uniformizar as regras
dispersas por todo o nosso ordenamento jurídico, captando a experiência dos diversos
municípios onde o fenómeno se fazia sentir, sobretudo na Área Metropolitana de Lisboa.
A Lei das AUGI estabelece o regime excepcional para a reconversão urbanística das áreas
urbanas de génese ilegal (cfr. n.º 1 do art. 1º). Importa, a este propósito, ter presente que
uma Lei de natureza excepcional é um conjunto normativo que regula um sector particular
de relações, e fá-lo de forma específica, singular, exclusiva, e muitas vezes mesmo oposta
àquela que genericamente se verifica.
Entendeu o legislador que para alcançar a reconversão urbanística e a futura legalização
das AUGI mostrava-se necessário, por motivos de utilidade e, eventualmente, contra as
exigências da razão, interromper a regra geral e introduzir um regime excepcional que
retirasse do quadro legal vigente princípios orientadores e pressupostos, através dos quais
seria possível retirar aplicações concretas, concedendo também protecção ou regras
específicas, para uma certa categoria de situações.
Pela sua singularidade, fruto de imposição da lógica e do Direito, as regras excepcionais
acham-se restringidas aos casos estabelecidos e não podem, por isso, aplicar-se além deles,
mas admitem a interpretação extensiva embora não comportem aplicação analógica. Isto
significa, aliás como, magistralmente, o ensinam PIRES DE LIMA E ANTUNES
VARELA “…o recurso à analogia pressupõe a existência de uma lacuna da lei, isto é,
pressupõe que determinada situação não está compreendida nem na letra nem no espírito
da lei. Esgotou-se todo o processo interpretativo dos textos sem se ter encontrado nenhum
que contemplasse o caso cuja regulamentação se pretende, ao passo que, na interpretação
extensiva, encontra-se um texto, embora, para tanto, haja necessidade de estender as
palavras da lei, reconhecendo que elas atraiçoaram o pensamento do legislador que, ao
formular a norma, disse menos do que efectivamente pretendia dizer. Mas o caso está
11
contemplado. Não há omissão…”. Deste modo, a existência deste instrumento jurídico,

10
Durante estes anos os Municípios, com recurso à imaginação, foram procurando alcançar resultados
experimentando soluções em face do apertado quadro legal, tentando ultrapassar a rigidez dos
procedimentos, que se revelaram muito úteis no quadro do surgimento do regime legal em apreço.
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VARELA, Antunes; LIMA, Pires de (s.d.) “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4.ª Edição, Coimbra Editor

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nesta matéria é especialmente útil, pois quando perante os desafios que a reconversão
apresenta, não se encontra, nem mesmo na Lei das AUGI, solução expressa, é possível
encontrar solução por recurso à referida forma de interpretação legal.

Regime Jurídico Excepcional reflexo de relações jurídicas poligonais ou multilaterais


Reconverter à luz da actual Lei das AUGI requer que sejam diagnosticados os problemas,
para que se possam identificar com rigor, as soluções. Nas áreas de génese ilegal quanto
mais cedo se realizar uma intervenção reguladora do espaço, mais reduzidas são as
dificuldades técnicas, bem como os custos de recuperação do território, daí o interesse em
estabelecer, em devido tempo, as regras para a sua ocupação.
Importa ter presente que são muitos e diversos os instrumentos legais e regulamentares a
que é possível recorrer, partindo das directrizes contidas no diploma em referência, a
saber: Código do Procedimento Administrativo – CPA (DL n.º 442/91, de 15 de
Novembro, com a redacção introduzida pelo DL n.º 6/96, de 31 de Janeiro); o Regime
Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (DL n.º 380/99 de 22 de Setembro com a
redacção actualizada e respectivas Portarias) o Regime Jurídico da Urbanização e da
Edificação (DL n.º 555/99, de 16 de Dezembro, com a redacção actualizada e respectivas
Portarias); Regime Jurídico das Expropriações (Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro);
Regulamentos Municipais (nomeadamente de Taxas e Licenças, condições de mobilidade e
acessibilidades, etc.), entre outros, nomeadamente, os diplomas que tutelam as diversas
Servidões e Restrições de Utilidade Pública, em especial as áreas de Reservas (RAN, REN,
Domínio Hídrico, Rede Natura, entre outras), o Regulamento Geral do Ruído, os Planos
Regionais e mais recentemente o Plano Nacional da Política de Ordenamento do Território
(PNPOT), e tantos outros que se articulam com aqueles aqui enumerados, numa lógica de
articulação transversal assente numa base de complementaridade.
O recurso à compatibilização entre os instrumentos que a Lei coloca ao dispor dos
interessados é reflexo do actual panorama jurídico, resultado directo da tarefa de gerir o
território, partilhado pelas autarquias locais e demais entidades envolvidas quer públicas –
designadamente na prossecução da qualidade de vida das populações – quer privadas,
reflexo das diversas relações multilaterais ou poligonais, verdadeiras pedras de toque do
direito do urbanismo, em geral, e das questões da reconversão, em particular.

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Atente-se, a este propósito, ao feixe das relações que ocorrem, isolada e/ou
simultaneamente, entre os proprietários, entre estes e as respectivas comissões eleitas, entre
estas e as respectivas autárquicas, nomeadamente os eleitos locais, entre os eleitos e o
corpo técnico que dirigem, entre os técnicos das autarquias e os técnicos da AUGI, entre o
corpo técnico municipal e o corpo técnico dos diferentes organismos da administração
central, entre os diversos organismos da administração do estado entre si, e por aí fora, na
demanda pela concertação dos diversos interesses envolvidos.
A concertação de interesses é, para o território, essencial, pois este é o palco onde actuam a
maioria dos agentes sociais que querem ver satisfeitas as suas pretensões e anseios, nem
sempre coincidentes espacial e temporalmente.
A Lei das AUGI veio, neste aspecto específico, regulamentar a participação dos
interessados no processo de reconversão, orientando-a no quadro do regime da
administração dos prédios integrados em AUGI. Os interessados têm, no âmbito deste
diploma legal, a faculdade de intervirem de forma activa e responsável, nos diferentes
estádios do processo de reconversão, que vão desde a elaboração da proposta de
recuperação, determinante para a posterior divisão da coisa comum, até à aprovação da
mesma por parte das diversas entidades da administração local e/ou central, por via das
Assembleias de Proprietários e Comproprietários, onde podem discutir, entre outros
assuntos a proposta de regeneração urbana, alterá-la e posteriormente aprová-la, nos
termos da Lei, numa participação empenhada, na procura de soluções e não apenas na
inventariação dos problemas. Aos interessados a Lei não faculta a possibilidade de
participar, antes os obriga a fazê-lo, impondo sanções, num exercício de cidadania
responsável que interessaria, em moldes semelhantes, alargar a outras áreas de actuação
que não as AUGI.12

2.3. CHEGAR AO TÍTULO DE RECONVERSÃO - DO FRACCIONAMENTO


ILEGAL AO FRACCIONAMENTO LEGAL
O Título de Reconversão é o documento final que comprova o cumprimento dos
parâmetros legais e urbanísticos da AUGI, permitindo assim a divisão em lotes.

12
Seria, sem dúvida, muito interessante estudar o comportamento destas Assembleias de Proprietários e
Comproprietários no quadro da participação, no processo de planeamento, na Sociedade Portuguesa, pois,
malogrados os casos, constituem exemplos muito curiosos, pese embora o tipo de ocupação possuir as
contingências aliadas à sua génese marginal.

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A reconversão do loteamento clandestino é realidade diferente da legalização das


construções. São processos distintos, que constituem duas etapas do percurso da
reconversão, sendo que a reconversão do solo deverá ser sempre a prioridade.
O percurso que leva até à emissão do Título de Reconversão nem sempre é plano e
rectilíneo, antes repleto de dificuldades práticas e legais, implicando o recurso a
complicadas operações de engenharia jurídico-administrativa, que procuram conjugar
regras urbanísticas que, nasceram de costas voltadas umas para as outras.

Delimitação da AUGI
A delimitação da AUGI é a primeira etapa no processo de reconversão urbanística,
podendo a iniciativa partir da Câmara Municipal ou ser efectuada a pedido dos
interessados (cfr. art.º 1º conjugado com art. 35º da Lei das AUGI). Assim, qualquer
interessado poder tomar a iniciativa para a reconversão do seu prédio.
Podem ser delimitados como AUGI:
- Os prédios que, sem o respectivo alvará de loteamento, foram objecto de operações
físicas de parcelamento destinadas à construção, até à data de entrada em vigor do DL
n.º 400/84 de 31 de Dezembro (até Março de 1985);
- Os prédios que se encontram classificados no Plano Municipal de Ordenamento do
Território (PMOT) em vigor como espaço urbano ou urbanizável. Existe a
possibilidade de integrar áreas com outros tipos de classificação, desde que cumpram
os requisitos impostos pela Lei das AUGI na sua redacção actualizada (cfr. art.º 5º)13;
- Os prédios ou conjuntos de prédios parcelados anteriormente à entrada em vigor do DL
n.º 46.673 de 29 de Novembro de 1965, quando predominantemente ocupadas por
construções não licenciadas.

13
Este artigo possibilita que áreas parcialmente classificadas no PMOT em vigor como urbanas ou
urbanizáveis possam ser delimitadas como AUGI, desde que a maior parte da área esteja abrangida pelas
classificações referidas e a área não classificada esteja maioritariamente ocupada com construções destinadas
à habitação própria, e que preencham as condições de salubridade e segurança previstas na Lei das AUGI,
bem como se encontrem participadas na respectiva matriz à data da entrada em vigor da presente Lei. Refere
ainda este artigo no seu n.º 2 que as áreas abrangidas por reserva ou servidão possam ser desafectadas, até ao
estrito limite do necessário à viabilização da operação de reconversão, desde que não ponham em causa o
conteúdo essencial ou o fim da reserva ou da servidão, impondo nestes casos sempre a alteração ao PMOT
em vigor.

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VI Congresso da Geografia Portuguesa
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Estas três condições base expressas na legislação visam abarcar o maior número possível
de situações nascidas na ilegalidade.14
A delimitação do perímetro das AUGI é feita com recurso a qualquer meio gráfico,
cadastral ou registral que identifique com clareza a área delimitada, podendo integrar um
ou mais prédios contíguos, pese embora um dos elementos base para a delimitação sejam
as plantas cadastrais que se apresentam extremamente desactualizadas.
Os constantes fraccionamentos e destaques de prédios rústicos contribuíram para que ao
longo dos anos se sedimentasse o actual sistema de descoordenação entre as instituições
intervenientes no processo.15 Como é óbvio, os loteadores clandestinos não tinham o
interesse de participar às entidades competentes o fraccionamento ilegal que praticavam,
para estas procederem à sua actualização. Tal situação conduz a uma complexa tarefa na
identificação dos limites das propriedades e da sua titularidade. A delimitação das AUGI
deve pois ser uma responsabilidade partilhada entre quem propõe e quem aceita.

14
Para as áreas insusceptíveis de reconversão urbanística (art.º 48º) a Lei prevê mecanismos de resolução que
passam pela reafectação das parcelas ocupadas aos usos previstos no PMOT em vigor, complementadas com
os meios que actualmente as autarquias dispõem no âmbito dos processos de realojamento, ou em alternativa
através da atribuição ao município de prioridade nos concursos municipais de habitação a custos controlados
para venda, ou ainda por via da aplicação do regime constante no DL n.º 226/87 de 06 de Junho, e legislação
complementar, para arrendamento em regime de renda apoiada. Este é um dos artigos constantes da Lei das
AUGI de mais difícil aplicação. De acordo com a nossa experiência profissional em matéria de reconversão,
o presente artigo não teve aplicação, permanecendo as áreas insusceptíveis de recuperação urbanística
imutáveis. Seria interessante procurar saber da experiência dos diversos municípios nesta matéria, porquanto
nos foi igualmente dado a perceber, em sede de troca de experiências, no decurso da actividade profissional,
que as dificuldades na aplicação deste artigo eram do foro comum e não exclusivas de um determinado
município.
15
O DL n.º 224/2007 de 31 de Maio visa constituir, cfr. se pode ler no texto introdutório do diploma legal
“…a viabilização de um sistema de informação predial único que condense, de forma sistemática , a
realidade factual da propriedade imobiliária com o registo predial, as inscrições matriciais e as informações
cadastrais.” Este diploma visa aprovar o regime experimental da execução, exploração e acesso à
informação cadastral visando a criação do Sistema Nacional de Exploração de Informação Cadastral,
abreviadamente designado por SINERGIC, cujos objectivos são, entre outros, assegurar a identificação
unívoca dos prédios mediante a atribuição de um número único de identificação, de utilização comum a toda
a Administração Pública, possibilitando a criação da informação predial única. A sua aplicabilidade será de
grande utilidade nas mais diversas esferas da sociedade e determinante no futuro desenvolvimento dos
instrumentos de gestão territorial, porquanto, frequentemente, quem procura desenvolver estudos na área do
planeamento e ordenamento do território se vê enredado na difícil tarefa de articular informação cadastral,
registo predial e fiscal.

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VI Congresso da Geografia Portuguesa
Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007

Neste contexto os proprietários e comproprietários destas parcelas de terreno devem, em


seu interesse, e no interesse do colectivo, procurar ser activos na resolução deste problema,
pois são eles os seus legítimos titulares/possuidores. Há, amiúde, que percorrer o caminho
inverso ao do loteador e reconstruir o puzzle cadastral dele herdado. Neste percurso é
essencial o papel da Comissão de Administração, uma vez nomeada, ou das Associações
de Moradores, pois são estas que melhor conhecem a situação da sua área de intervenção.
O objectivo é reunir o maior número de informação possível que permita suportar e
fundamentar propostas que representem fielmente a realidade.

Dever de Reconversão
Na reconversão urbanística ao abrigo da Lei das AUGI, direitos e deveres encontram-se
interligados, pois do cumprimento do dever de reconversão depende o sucesso da mesma,
sendo condição indispensável à recuperação do solo, à legalização e ao licenciamento da
construção, assim como, na impossibilidade de legalização, na atribuição do estatuto de
manutenção temporária da construção e usufruto de infra-estruturas16.
O dever de reconversão (cfr. art.º 3º da Lei das AUGI) constitui a obrigação de actuar em
prol da reconversão, de conformar os prédios que integram a AUGI no respeito pelas
regras urbanísticas estipuladas pelos instrumentos de ordenamento e gestão do território,
nomeadamente o derrube e alinhamento dos muros mal implantados e respectiva cedência,
quando for o caso, para os arruamentos, o cumprimento dos afastamentos mínimos
previstos na Lei para implantação das novas construções ou legalização das existentes,
cedências para zonas verdes ou equipamentos, entre outros. O dever de reconversão inclui
igualmente o dever de comparticipar nas despesas e em todos os custos necessários à
concretização da reconversão, entre os quais a execução das infra-estruturas e dos espaços
de utilização colectiva, bem como dos respectivos projectos.
Importa ter presente que a Lei prevê sanções para os incumpridores que podem passar, no
que diz respeito à intervenção do Município, pela aplicação aos devedores, do corte dos
abastecimentos às redes de infra-estruturas já em funcionamento, nomeadamente a ligação
às redes de água e electricidade17 ou pelo recurso ao embargo e demolição da construção
clandestina (art. 52º do mesmo diploma). No que diz respeito às sanções aplicáveis pela

16
Esta figura deriva do DL n.º 804/76 de 6 de Novembro, actualizado pelo DL n.º 90/77 de 9 de Março,
conjugada com a Lei das AUGI.
17
Raramente os Municípios cortam o acesso às redes de saneamento, quando estas existem, por motivos que
se prendem com a saúde pública.

14
VI Congresso da Geografia Portuguesa
Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007

Administração Conjunta aos devedores, as mesmas ocorrem na esfera do direito privado,


passando, sem prejuízo de outros exemplos, pela exigência do pagamento de juros de mora
e pela penhora da cota indivisa para boa cobrança dos montantes em dívida.

Os caminhos da Reconversão
O Titulo de Reconversão pode ser alcançado por uma das duas vias que a Lei das AUGI
coloca ao dispor dos interessados, a saber:
Modalidade de Reconversão por Iniciativa dos Particulares, através de operação de
loteamento, cujo Título de Reconversão será o alvará de loteamento – cfr. art. 4º conjugado
com o art. 17ºA e seguintes da Lei das AUGI e, subsidiariamente, pelas disposições do DL
n.º 555/99 de 16 de Dezembro com a redacção actualizada. Razão pela qual, é, entre outras
condições legalmente exigíveis, indispensável que cada projecto de loteamento se
conforme com o plano municipal de ordenamento do território (PMOT) superiormente
aprovado, sob pena do estudo de loteamento poder ser indeferido ou de vir a ser praticado
um acto administrativo nulo, com todas as consequências legais daí decorrentes.
Modalidade de Reconversão por Iniciativa Municipal, que pode ser desenvolvida com, ou
sem, o apoio da Administração Conjunta,18 através de operação de loteamento, cujo Título
de Reconversão será também o alvará de loteamento, depois de PMOT superiormente
aprovado, ou através de "PPR” - ao qual por mera simplificação de tratamento
chamaremos Plano de Pormenor de “reconversão” ou simplesmente “PPR”, cujo Título de
Reconversão será a certidão do plano, cfr. art.º 4º, conjugado com o 31º e seguintes da Lei
das AUGI e, subsidiariamente, pelas disposições do D.L. n.º 380/99, de 22 de Setembro, na
redacção actualizada. Quando a opção pela modalidade de reconversão recai sob a
iniciativa municipal, é necessário celebrar-se um Contrato de Urbanização (cfr. art.º 32º da
Lei), que define as atribuições e competências dos intervenientes no processo de
reconversão.
A opção por um ou outro caminho está sobretudo dependente de dois factores:
Da classificação da área de reconversão na Planta de Ordenamento do Plano Director
Municipal (PDM) respectivo, pelos motivos acima descritos;
Do grau de desenvolvimento da operação de reconversão à data da publicação da Lei das
AUGI e do contexto do seu desenvolvimento em face da legislação vigente.

18
À Comissão de Administração, de acordo com o art.º 15º da Lei das AUGI compete praticar, entre outros,
os actos necessários à tramitação do processo de reconversão, em representação dos titulares dos prédios e
donos das construções integradas em AUGI.

15
VI Congresso da Geografia Portuguesa
Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007

3. O “PPR” - A GRANDE INOVAÇÃO


Na redacção do art. º 31º da Lei n.º 165/99 de 14 de Setembro, a reconversão municipal
mediante Plano de Pormenor segue os trâmites do DL n.º 380/99, de 22 de Setembro.
Quiçá preciosismo linguístico ou resultado de um apurado esforço de compatibilização
entre os diferentes, e supra sumariamente referenciados, diplomas aplicáveis ao direito do
urbanismo, o facto é que na redacção original do artigo em apreço (Lei n.º 91/95 de 02 de
Setembro) se referia que a reconversão municipal era prosseguida através da elaboração de
Plano de Pormenor de Reconversão: “PPR”.
Não obstante tal designação ter sido entretanto alterada, facto é que, independentemente da
denominação (PP de reconversão ou reconversão mediante elaboração de PP), a mais
importante inovação chegou na redacção de 1999, através da qual, e de acordo com o
disposto no n.º 4 do art. º 31º, a certidão do PP substitui o alvará de loteamento para efeitos
de registo predial, ou seja, em termos práticos, o “PPR” assume agora, e também, o papel
de Título de Reconversão, situação que se mantém na actual redacção da Lei das AUGI
(Lei n.º 64/2003, de 23 de Agosto).
Na modalidade de reconversão por iniciativa municipal introduziu-se, em 1999, a
possibilidade desta se processar em simultâneo, num único processo de reconversão, não
apenas mediante a elaboração de um PP, permitindo a alteração ao PMOT em vigor
quando necessário, mas também através de uma operação de loteamento.
O PP, ao abrigo da Lei das AUGI, é apresentado como uma solução do tipo: “2 em 1”, pois
a emissão da certidão do “PPR” corresponde à emissão do Título de Reconversão, o que
equivale à emissão de um alvará de loteamento, como supra mencionado.
O “PPR” assume pois as funções de um PP “tradicional” (concepção do espaço urbano
que define os usos do solo e condições gerais das edificações) e, por outro lado, tem
também as atribuições de um alvará de loteamento (instrumento que divide de facto, e de
direito, a propriedade em lotes). Pretende-se que os “PPR” sejam instrumentos de
planeamento territorial, mas também, e sobretudo, instrumentos de gestão que permitem
dividir, de direito, a propriedade.
O “PPR” apresenta-se como o percurso mais célere para alcançar o Título de Reconversão,
quando as propostas de ocupação do solo não se enquadram dentro dos índices e
parâmetros urbanísticos estipulados pelo PMOT em vigor, nomeadamente dos Planos
Directores Municipais (PDM). Assim, ao aliar a filosofia do PP “tradicional” à filosofia da
Lei das AUGI, ultrapassa-se a necessidade de elaboração de um PP e, posteriormente, a

16
VI Congresso da Geografia Portuguesa
Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007

elaboração de estudos de loteamento para a mesma área, unificando procedimentos, e


reduzindo substancialmente burocracias.
O “PPR” constitui uma nova abordagem no âmbito das figuras de Planos Municipais
permitindo ao município respectivo, estabelecer, aplicar e gerir, simultaneamente, a
disciplina urbanística numa determinada área através de um único instrumento de gestão
territorial.
No entanto a prática tem levado a concluir que a tramitação de um PP é morosa, em face
das consultas que obriga a efectuar e aos prazos que lhe estão subjacentes, bem como a
dependência de parecer vinculativo das Entidades Centrais, nomeadamente das Comissão
de Coordenação e Desenvolvimento Regional e da Direcção Geral de Ordenamento do
Território e Desenvolvimento Urbano, em diferentes fases do processo. Embora os prazos
legais, no âmbito das consultas às diversas Entidades, estejam bem patentes na legislação,
a verdade é que os mesmos são amplamente ultrapassados transformando o processo de
plano num longo e interminável percurso de concertação de interesses entre as entidades
com diferentes jurisdições sobre o território e visões sobre o desenvolvimento do mesmo,
frequentemente, antagónicas.
Pelos motivos acima descritos, aliado ao facto do conteúdo material de um Plano conter
maior número de elementos, do que a instrução de um estudo de loteamento, este último
acaba por ser a opção mais célere face à intervenção que se pretende para a zona de
reconversão. Não teorizando a questão, que não faz parte do âmbito do presente trabalho,
relativamente aos benefícios e prejuízos de cada opção, loteamento ou PP, sendo certo que
a diferença entre estas duas figuras não se confina à questão da tramitação, a verdade é que
esta deve ser equacionada, nomeadamente no que respeita à obtenção de resultados mais
pragmáticos.
O loteamento ao abrigo da Lei das AUGI apresenta face ao PP um conjunto de vantagens
que importa avaliar, tais como:
- maior celeridade em termos de tramitação processual permitindo uma intervenção em
tempo útil;
- maior flexibilidade em se ajustar a eventuais alterações no decorrer da elaboração e
implementação do mesmo. Frequentemente se tem verificado, no caso dos PP em
tramitação, que um conjunto reduzido de alterações fazem praticamente reiniciar um
processo, obrigando quase sempre a proceder a novas consultas e a sujeitar a novos
pareceres de Entidades com as consequências temporais acima referidas.

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VI Congresso da Geografia Portuguesa
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O estudo de loteamento é a opção mais célere para alcançar a reconversão do solo quando
estamos em presença de um território, que embora apresente necessidades específicas em
matéria de ordenamento, não contraria figuras de planeamento em vigor, no entanto,
quando o território carece de uma visão mais estrutural do que aquela que decorre apenas
da concretização da divisão pré-existente, e no caso das AUGI em particular que
correspondem a espaços com necessidades de intervenção específicas, a opção deve, salvo
melhor opinião, passar pela elaboração de um plano municipal.
A figura do plano de pormenor carece de se tornar numa realidade no quadro dos
instrumentos de planeamento, no entanto, esta figura deve ser equacionada em moldes que
assentem no exercício da prática urbanística, que não se esgota na mera aplicação da Lei
alicerçada, frequentemente, em normativos abstractos que ignoram as especificidades de
cada lugar, as suas características biofísicas, sócio-económicas e jurídico-administrativas,
num processo formatado de acordo com especificações regulamentares, rígido e incapaz de
se adaptar às mudanças.
Um plano a que, por princípio teórico, não é permitido abertura e flexibilização, apenas
rigor e obediência subserviente, revela a incapacidade de olhar para o território como uma
expressão viva da vontade dos agentes que o titulam. Os planos devem ter margem de
manobra para reagir às mudanças e devem ser balizadores das iniciativas dos indivíduos
apostando na inteligência de interpretação e não na rigidez dos seus procedimentos. Por
sua vez um regulamento urbanístico não deve ser apenas o somatório de um conjunto de
comandos cegos, alheios ao fim a que se destinam, apenas para contentar quem não é
capaz de perceber que o urbanismo e a arquitectura não são, nem devem ser reféns de
espartilhos legais que condicionem a liberdade de expressão. 19

19
Sobre o processo de planeamento em Portugal, atente-se a intervenção do Sr. Secretário de Estado do
Ordenamento do Território e das Cidades, JOÃO FERRÃO, no II Congresso da Associação Nacional de
Municípios sobre o Tema “Ordenamento do Território e Revisão dos PDM”, na Covilhã a 25 de Outubro de
2006 que refere “É reconhecido por todos nós que o processo de planeamento territorial em Portugal tem
muitas virtudes, mas também vários defeitos. E é também reconhecido por todos que alguns desses defeitos
estão a afectar gravemente a eficiência e até a credibilidade do sistema de planeamento. (…). Do meu ponto
de vista (…) existem cinco factores principais que põem em causa o seu bom funcionamento. Em primeiro
lugar: complexidade, lentidão e burocracia. Para fazer face a este tipo de problemas temos que efectuar um
sério investimento na simplificação e agilização de procedimentos. Em segundo lugar: centralismo e
tecnocracia. A visão excessivamente tecnocrática revela-se em dois aspectos: ao nível da elaboração dos
planos, dado que os processos de concertação surgem apenas na fase final, situação tanto mais desadequada
quanto a concertação de interesses e valores constitui um desígnio essencial para o ordenamento do

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A entrada em vigor do DL n.º 316/2007, de 19 de Setembro


A alteração ao Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial ocorrida com a
entrada em vigor do DL n.º 316/2007, de 19 de Setembro, que vem dar nova redacção ao
DL n.º 380/99 de 22 de Setembro, introduzindo um conjunto de aspectos particularmente
relevantes nesta matéria cfr. refere o Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do
Território e do Desenvolvimento Regional, FRANCISCO NUNES CORREIA20, “A
alteração ao DL n.º 380/99 visa alcançar a simplificação e agilização dos procedimentos

território; ao nível da apreciação dos planos pelos serviços públicos, já que por razões diversas,
predominam as verificações de conformidade legal em detrimento das avaliações da qualidade do plano. Em
terceiro lugar: “planocentrismo” recorrendo a uma designação utilizada pelo Director-Geral do
Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano. Quer isto dizer que o exercício de ordenamento do
território está muito centrado nos processos de elaboração dos planos, dando pouca importância à execução
(ou concretização) desses planos. Existe uma relação demasiado assimétrica entre a importância atribuída à
concepção do plano e a atenção dada à sua execução programada. É evidente que precisamos de planos e,
sobretudo, bons planos, mas não podemos descurar os processos e mecanismos de execução, que são, afinal,
o que permite alcançar os objectivos iniciais do processo de planeamento. O reconhecimento deste
desequilíbrio deve suscitar soluções inovadoras, nomeadamente no que se refere à participação dos
privados na elaboração do planos de pormenor e na execução de vários tipos de planos, o que implica um
debate alargado acerca de temas como as modalidades de contratualização ou o papel das parcerias
público-privadas neste domínio. Em quarto lugar: rigidez. Todos reconhecemos que os planos são rígidos e
que essa rigidez tem justificado o recurso generalizado a procedimentos de excepção - como a suspensão
parcial dos PDM – que infelizmente, por tão frequentes que são, quase se tornam “normais”. A esta rigidez
temos que contrapor com flexibilidade e diferenciação. Flexibilidade, para que, os planos possam acolher
dinâmicas de evolução sem alterar as orientações estratégicas assumidas nesses planos. E diferenciação,
porque não tem sentido exigir procedimentos e conteúdos idênticos para situações distintas, como sucede
hoje, por exemplo com os procedimentos de alteração ou revisão dos Planos, ou com os Planos de
Pormenor, sejam de modalidade simplificada ou não. Finalmente e em quinto lugar: fragmentação e
desarticulação entre planos. Uma maior coerência e articulação dos diferentes níveis de planeamento exige
vários tipos de iniciativas. Por um lado há que completar o edifício do sistema de planeamento aprovando o
Programa Nacional de Política de Ordenamento do Território e os vários PROT – Planos Regionais de
Ordenamento do Território ainda em falta. Em simultâneo, é preciso consagrar o Plano Director Municipal
– PDM como um instrumento de âmbito municipal que concentre todas as disposições relativas à
classificação, à qualificação e às regras de uso do solo, o que pressupõe a integração obrigatória no PDM,
através de alterações simplificadas, quer das disposições dos Planos Especiais de Ordenamento do
Território, quer das orientações dos Planos Sectoriais e dos PROT. O PDM deve transformar-se numa
espécie de “balcão” único para os decisores - públicos e privados – e para os cidadãos em geral.”
20
No discurso de abertura do II Congresso da Associação Nacional de Municípios sobre o Tema
“Ordenamento do Território e Revisão dos PDM”, na Covilhã a 25 de Outubro de 2006.

19
VI Congresso da Geografia Portuguesa
Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007

de elaboração, alteração e revisão dos PMOT nas fases de acompanhamento e de


concertação, eliminando trâmites procedimentais e diminuindo prazos que não se mostram
justificados à luz dos interesses públicos e privados e da dinâmica dos processos
económicos e sociais e ambientais de desenvolvimento territorial. É preciso contrariar
uma abordagem excessivamente proibicionista e promover uma visão dos planos de
ordenamento do território como um instrumento ao serviço do desenvolvimento,
assegurando a qualidade, a coerência e a sustentabilidade desse mesmo desenvolvimento.
(…) De facto trata-se de uma oportunidade única que deverá permitir que num futuro
próximo possamos ter um sistema de gestão territorial mais coordenado e coerente, e uma
prática mais operacional, mais expedita, mais eficaz e mais ligada à efectiva resolução
dos problemas do dia a dia da gestão do território.”
Para a reconversão das AUGI a inovação que este diploma traz surge por via do aditado
art.º 92º -A e art. 92º-B, porquanto, como o próprio legislador afirma, as: “… exigências de
simplificação e eficiência levam ao reconhecimento expresso da possibilidade dos planos
de pormenor com um conteúdo suficientemente denso procederem a operações de
transformação fundiária relevantes para efeitos de registo predial e inscrição matricial,
dispensando-se um subsequente procedimento administrativo de controlo prévio. Com
efeito, reconhecida a identidade funcional entre muitos planos de pormenor e as
operações de loteamento e reparcelamento urbano e de estruturação da compropriedade,
justifica-se, salvaguardada a autonomia da vontade dos proprietários, que o plano de
pormenor possa fundar directamente a operação de transformação fundiária, seja o
fraccionamento ou o emparcelamento das propriedades…”.
Parece-nos com a introdução desta possibilidade, no âmbito deste Regime Jurídico, e não
no quadro de uma Lei de natureza excepcional, estar a assistir ao princípio da
operacionalização da figura dos PP, uma vez que, nos termos e para os efeitos do disposto
no art. 91º a art. 92º-B do DL n.º 380/99, de 22 de Setembro com a redacção introduzida
pelo DL n.º 316/2007, de 19 de Setembro, a certidão do PP, uma vez emitida, passará a
constituir titulo bastante para a individualização no registo predial dos prédios resultantes
das operações de loteamento, estruturação da compropriedade ou reparcelamento previstas
no plano.
O legislador, reconhecendo a necessidade de reforçar os mecanismos de concertação dos
interesses públicos entre si e com os interesses dos particulares (vide o que acima se
sublinhou quanto ao importante papel das parcerias no processo de reconversão) e
reconhecendo ainda a necessidade de reforçar a efectiva responsabilização dos municípios

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VI Congresso da Geografia Portuguesa
Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007

no ordenamento do território, clarificou e diferenciou os instrumentos de gestão territorial,


e, com vista à optimização de regras de simplificação e de eficiência, introduziu
simplificações onde se identificou também que a concretização prática se vinha revelando
de difícil operacionalidade.
Por outro lado, tal opção significa que, não só a figura do “PPR” ganhou autonomia, como
saiu reforçada face às alterações introduzidas ao regime jurídico dos instrumentos de
gestão territorial, e em particular as contidas nos citados art. 91º a art. 92º-B, porquanto
indo estas mais além do que o definido na Lei das AUGI, registar-se-á, por interpretação
extensiva, influência de sentido inverso, nomeadamente, no que concerne a questões
registrais, matriciais, de taxamento, de mapa de comparticipações, cauções, etc.
As novas alterações ao regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial vêm dar uma
esperança para conclusão dos “PPR” em curso, agilizando-se, na medida em que o
legislador ao introduzir importantes novidades quanto ao acompanhamento e registo do
planos, contribui de forma inequívoca para que diminua a pleia de variáveis que no âmbito
da reconversão urbanística colaboram para que também aqui, amiúde, desde que o plano
está pronto, até que entra efectivamente em vigor, medeiem anos, fazendo que quando ele
começa a ser aplicado já esteja desactualizado e desarticulado da realidade.
O processo de acompanhamento no âmbito dos PP, por parte da Administração Central,
passa a ser opcional, assentando claramente numa maior responsabilização dos Municípios
no desenvolvimento das suas propostas, numa clara distinção de competências entre
Administração Local e Central, neste domínio. Aos Municípios e seu corpo técnico cabe
provar estar à altura do desafio, na assumpção do efectivo planeamento do seu território,
conforme têm vindo a reivindicar desde há muito.

4. PARA TERMINAR, UM CONJUNTO DE NOTAS SOLTAS …


- A experiência tem ensinado que não existem soluções mágicas para as complicadas
questões que diariamente se colocam no âmbito da reconversão urbanística. A Lei por
si só não chega, é necessário integrar realidade e Direito, cruzar disposições legais e
regulamentares, interagir velhas e novas práticas urbanísticas;
- A ideia de reconversão urbanística deve ser inseparável de políticas gerais de
planeamento e de ordenamento do território, mas deve também, ser apresentada
oportunamente de modo a não comprometer ainda mais o futuro. O planeamento só é
eficaz se for aplicável atempadamente, caso contrário não passa de um conjunto de
intenções, que a passagem do tempo pode, porventura, alterar de forma irreversível.

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VI Congresso da Geografia Portuguesa
Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007

- É necessário, para alcançar a reconversão urbanística do solo e a legalização de


construções integradas em AUGI, majorar sinergias entre os intervenientes, sejam eles
públicos (vg. Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional e outros
Organismos da Administração Central, Câmaras Municipais, Conservatórias do
Registo Predial, Finanças, Notários, Instituto Geográfico Português, etc), ou privados
(individuais ou em Associação) em consequência da crescente consciencialização da
correlação de interesses, simultaneamente coincidentes e divergentes, e da importância
que têm vindo a assumir as relações técnico-jurídicas poligonais ou multipolares que se
verificam no âmbito da intervenção no território, situação, aliás, que a nova alteração
ao DL n.º 380/99 de 22 de Setembro, vem reforçar acentuando o aspecto da
participação efectiva e activa.
- O “PPR” instrumento de gestão territorial tipo “2 em 1” permite num só processo
alcançar o planeamento e a divisão de facto e de direito do solo, através da emissão da
respectiva Certidão, “experimentando” uma nova prática urbanística, enquadrada pela
Lei das AUGI, numa tentativa de agilização de procedimentos e de simplificação
administrativa.
- O novo regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial vem reforçar esta figura
de planeamento num quadro operacional que fortalece a sua capacidade para proceder a
operações de transformação fundiária relevantes para efeitos de registo predial e
inscrição matricial, num reconhecimento da identidade funcional entre muitos PP e
operações de loteamento e reparcelamento urbano e de estruturação da
compropriedade.
- As AUGI têm no quadro do novo regime jurídico que se posicionar, em face do grau de
desenvolvimento da operação de reconversão urbanística, e procurar prosseguir a
regeneração do seu tecido urbano continuando a estimular novas práticas, assentes na
discussão interdisciplinar dos problemas, em diálogo constante, sem receio da crítica e
da refutação, explorando novos conceitos, modelos e paradigmas, que contribuam para
alcançar uma compreensão mais aprofundada da realidade territorial.
- A Reconversão carece de ultrapassar a fasquia das intenções para o campo das
soluções, superar o estigma espacial da degradação e provar que pode alcançar a sua
urbanidade.

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VI Congresso da Geografia Portuguesa
Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007

Bibliografia

ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE MUNICÍPIOS PORTUGUESES (2006) Actas da II


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