Você está na página 1de 194

Tópicos de Manejo e Conservação da

Ictiofauna para o Setor Elétrico


Companhia Energética de Minas Gerais - Cemig

Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna


para o Setor Elétrico

2ª edição

Organizadores:
Cintia Veloso Gandini
Raquel Coelho Loures
Yuri Malta Caldeira

Belo Horizonte

2019
ISBN: 978-85-87929-84-6
Copyright: Companhia Energética de Minas Gerais - Cemig
Presidência: Cledorvino Belini
Superintendente de Estratégia, Meio Ambiente e Inovação: Lauro Sérgio Vasconcelos David
Gerente de Gestão Ambiental: Rafael Augusto Fiorine

Organizadores:
Cintia Veloso Gandini
Raquel Coelho Loures
Yuri Malta Caldeira

Coordenação de Edição:
Yuri Malta Caldeira

Endereço:
Cemig – Companhia Energética de Minas Gerais
Superintendência de Estratégia, Meio Ambiente e Inovação
Av. Barbacena, 1.200 – 12º A1
30.190-131 Belo Horizonte (Minas Gerais) / Brasil

C737 Companhia Energética de Minas Gerais.


Tópicos de manejo e conservação da Ictiofauna para o setor
elétrico / Organizadores: Cintia Veloso Gandini, Raquel Coelho
Loures, Yuri Malta Caldeira. – 2.ed. – Belo Horizonte: Cemig, 2019.

192 p.: il.; color.


ISBN: 978-85-87929-84-6

1. Peixes – Aspectos ambientais. 2. Usinas hidrelétricas –


Segurança ambiental. I. Companhia Energética de Minas Gerais.
II. Gandini, Cintia Veloso. III. Loures, Raquel Coelho. IV. Caldeira,
Yuri Malta. V. Título.

CDD: 577
597.5
620
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
3

Sumário

APRESENTAÇÃO .......................................................................................................................................................................... 7

MINICURRÍCULOS DOS AUTORES ................................................................................................................................................ 9

CAPITULO 1: SISTEMÁTICA, ANATOMIA, FISIOLOGIA E ECOLOGIA DE PEIXES ............................................................................ 13

1.SISTEMÁTICA ...................................................................................................................................................................... 13

2.ANATOMIA E FISIOLOGIA .................................................................................................................................................... 16

3.ECOLOGIA E COMPORTAMENTO ......................................................................................................................................... 25

4.PRINCIPAIS ESPÉCIES DE PEIXES ENVOLVIDAS EM ACIDENTES AMBIENTAIS ........................................................................ 28

5.BIBLIOGRAFIA SUGERIDA .................................................................................................................................................... 35

CAPÍTULO 2: PRINCIPAIS IMPACTOS DAS HIDRELÉTRICAS SOBRE A ICTIOFAUNA....................................................................... 37

1.LEGISLAÇÃO ........................................................................................................................................................................ 37

2.IMPACTOS A MONTANTE E A JUSANTE RESULTANTES DA CONSTRUÇÃO DE HIDRELÉTRICAS .............................................. 39

2.1. IMPACTOS A MONTANTE ..................................................................................................................................... 39


2.2. IMPACTOS A JUSANTE ......................................................................................................................................... 40
2.3. EFEITOS DA INTRODUÇÃO DE ESPÉCIES EXÓTICAS...................................................................................................... 46
3.FORMAS DE SE EVITAR O IMPACTO DAS HIDRELÉTRICAS SOBRE A ICTIOFAUNA .................................................................. 48

3.1. PROCEDIMENTOS PARA EVITAR/MITIGAR IMPACTOS DA OPERAÇÃO DE USINAS SOBRE A ICTIOFAUNA .................................. 48
3.2. BARREIRAS FÍSICAS............................................................................................................................................. 50
3.3. BARREIRAS COMPORTAMENTAIS ........................................................................................................................... 50
4.O QUE A CEMIG ESTÁ FAZENDO PARA MITIGAÇÃO DE IMPACTOS? ..................................................................................... 52

4.1. MONITORAMENTO DA ICTIOFAUNA ...................................................................................................................... 52


4.2. MANEJO E CONSERVAÇÃO ................................................................................................................................... 56
4.3. NOVOS DESAFIOS ENFRENTADOS PELO PV .............................................................................................................. 62
5.PROJETOS DE PESQUISA...................................................................................................................................................... 63

5.1. AVALIAÇÃO DE RISCO E MORTE DE PEIXES EM USINAS DA CEMIG ................................................................................. 64


5.2. PROJETO 985: VALIDAÇÃO DE PROTOCOLOS DE PROTEÇÃO PARA PEIXES EM USINAS DA CEMIG......................................... 64
5.3. COMPORTAMENTO DE PEIXES A JUSANTE DE BARRAGENS-SUBSÍDIOS PARA A CONSERVAÇÃO DA ICTIOFAUNA ....................... 65
5.4. MORTES CRÔNICAS DE PEIXES EM USINAS HIDRELÉTRICAS DO GRUPO CEMIG (UFMG) ................................................. 66
6.BIBLIOGRAFIA SUGERIDA .................................................................................................................................................... 67

CAPÍTULO 3: RECOMENDAÇÕES BÁSICAS PARA OPERAÇÃO DE HIDRELÉTRICAS PARA PROTEÇÃO DA ICTIOFAUNA ................... 71

1.INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................................................... 71

2.RELATÓRIO DE OCORRÊNCIAS AMBIENTAIS – ROA.............................................................................................................. 72

2.1. HISTÓRICO ....................................................................................................................................................... 72


2.2. UTILIZAÇÃO DO ROA ......................................................................................................................................... 72
2.3. ANÁLISE .......................................................................................................................................................... 72
2.4. CORRETO PREENCHIMENTO DO ROA .................................................................................................................... 72
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
4

3.INSTRUÇÃO DE SERVIÇO Nº 47 - “PROTEÇÃO DA ICTIOFAUNA NAS OPERAÇÕES DE USINAS HIDRELÉTRICAS” ..................... 79

3.1. HISTÓRICO ....................................................................................................................................................... 79


3.2. MANOBRAS E PROCEDIMENTOS OPERATIVOS .......................................................................................................... 81
3.2.1. Manutenção de unidades geradoras com a colocação de comporta ensecadeira (stop log) e
esgotamento do tubo de sucção com resgate de peixes .................................................................................... 81
3.2.2. Manutenção programada de unidades geradoras com a colocação de comporta ensecadeira e formação
de aquário no tubo de sucção ............................................................................................................................ 89
3.2.3. Parada e partida programada de unidades geradoras .............................................................................. 89
3.2.4. Parada e partida não programada de unidades geradoras ....................................................................... 91
3.2.5. Operação de fechamento de comporta de vertedouro .............................................................................. 91
3.2.6. Reversão síncrono-gerador ........................................................................................................................ 91
3.2.7. Descarga de fundo ..................................................................................................................................... 92
3.2.8. Comissionamento ....................................................................................................................................... 93
3.2.9. Variação de carga ...................................................................................................................................... 94
3.2.10. Giro a vazio ................................................................................................................................................ 95
3.2.11. Teste de Black Start .................................................................................................................................... 95
3.2.12. Teste de perenização.................................................................................................................................. 95
3.2.13. Testes de extravasores ............................................................................................................................... 96
3.3. OPERAÇÃO DESVIA PEIXE.................................................................................................................................... 96
3.4. RESGATE DE PEIXES EM LOCAIS CONFINADOS E TRECHOS DE VAZÃO REDUZIDA................................................................ 96
3.4.1. Definições ................................................................................................................................................... 96
3.4.2. Resgate de peixes em locais confinados: no caracol (caixa espiral), sucção e poços de
esgotamento/esvaziamento e/ou drenagem ..................................................................................................... 97
3.4.3. Resgate de peixes em Trechos de Vazão Reduzida (TVRs) ......................................................................... 99
3.5. SOLUÇÕES DE ENGENHARIA E MODIFICAÇÕES FÍSICAS SUGERIDAS PARA USINAS ............................................................ 101
3.5.1. Plano de Atendimento a Emergência (PAE) ............................................................................................. 108
3.5.2. Procedimentos ......................................................................................................................................... 108
CAPITULO 4: FATORES CRÍTICOS PARA A MORTE DE PEIXES .................................................................................................... 113

1. O QUE É LIMNOLOGIA? .................................................................................................................................................... 113

2. ECOSSISTEMA LACUSTRE: PRINCIPAIS COMPARTIMENTOS............................................................................................... 113

3. COMPARTIMENTOS E RESPECTIVAS COMUNIDADES ........................................................................................................ 114

3.1. COMUNIDADE PLANCTÔNICA .................................................................................................................................. 114


3.2. MACROINVERTEBRADOS ........................................................................................................................................ 116
3.3. MACRÓFITAS ....................................................................................................................................................... 116
3.4. MEXILHÃO DOURADO............................................................................................................................................ 117
3.4.1. Como reconhecer o mexilhão dourado ...................................................................................................... 119
3.4.2. Mexilhão dourado e sua interação com os peixes e piscicultura .............................................................. 120
3.4.3. Limpeza dos tanques-rede ......................................................................................................................... 122
3.4.4. Reprodução do mexilhão dourado na piscicultura .................................................................................... 124
3.4.5. Cuidados com esse molusco para minimizar a dispersão .......................................................................... 124
3.4.6. Finalizando ................................................................................................................................................ 126
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
5

4. MICRORGANISMOS E DESEQUILÍBRIO AMBIENTAL........................................................................................................... 127

4.1. MORTE DE PEIXES CAUSADA POR MICRORGANISMOS PATÓGENOS .................................................................................. 127


4.2. MORTE DE PEIXES CAUSADA POR FLORAÇÕES DE ALGAS TÓXICAS.................................................................................... 127
5. IMPORTÂNCIA DAS INTER-RELAÇÕES DE ALGUNS FATORES ABIÓTICOS NA ESTRUTURA DAS COMUNIDADES DE PEIXES . 128

5.1. TEMPERATURA..................................................................................................................................................... 128


5.2. OXIGÊNIO DISSOLVIDO........................................................................................................................................... 128
5.3. PH E ALCALINIDADE .............................................................................................................................................. 130
5.4. TURBIDEZ, TRANSPARÊNCIA E COR............................................................................................................................ 131
6. MORTE DE PEIXES CAUSADA POR SUPERSATURAÇÃO DE GASES ...................................................................................... 132

7. MORTE DE PEIXES CAUSADA POR SUBSTÂNCIAS TÓXICAS ................................................................................................ 133

7.1. MORTE DE PEIXES CAUSADA POR SUBSTÂNCIAS NATURALMENTE TÓXICAS ........................................................................ 133
8. RESUMO DE CARACTERÍSTICAS DE COMPORTAMENTO DE PEIXES DIANTE DE ALGUMAS ALTERAÇÕES ABIÓTICAS .......... 136

9. BIBLIOGRAFIA SUGERIDA ................................................................................................................................................. 137

CAPÍTULO 5: INVESTIGAÇÃO DE CENÁRIO DE MORTANDADES DE PEIXES................................................................................ 139

1.INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................................... 139

2.PESQUISA DA CENA DA MORTANDADE ............................................................................................................................. 141

2.1. INTERPRETANDO A CENA ........................................................................................................................................ 141


2.2. APARÊNCIA DOS PEIXES MORTOS COLETADOS ............................................................................................................. 144
2.3. GARANTIA DA QUALIDADE E NORMAS DE EVIDÊNCIAS .................................................................................................. 150
2.4. SELECIONAR E ENVIAR AMOSTRAS DE PEIXE PARA AJUDAR A DETERMINAR A CAUSA DA MORTANDADE.................................... 152
2.5. EXEMPLOS DE MORTANDADE DE PEIXES EM USINAS HIDRELÉTRICAS ................................................................................ 153
3.ESTUDOS DE CASO DE OCORRÊNCIAS DE MORTANDADE DE PEIXES. ................................................................................. 154

3.1. MORTANDADE DE PEIXES POR DEPLEÇÃO DE OXIGÊNIO ................................................................................................ 154


3.2. OPERAÇÃO DE USINA HIDRELÉTRICA E MORTE DE PEIXES ............................................................................................... 154
4.BIBLIOGRAFIA SUGERIDA .................................................................................................................................................. 156

CAPITULO 6: ESTRATÉGIAS DE MANEJO E CONSERVAÇÃO DA ICTIOFAUNA ............................................................................. 157

1.PROGRAMAS DE MONITORAMENTO DE RESERVATÓRIOS DA CEMIG ................................................................................ 158

1.1 MONITORAMENTO DE OVOS E LARVAS ....................................................................................................................... 158


1.2 LEVANTAMENTO DA PRODUÇÃO PESQUEIRA ............................................................................................................... 161
2.SISTEMAS DE TRANSPOSIÇÃO DE PEIXES (STPS) ................................................................................................................ 164

3.CONSERVAÇÃO DE HABITAT E PROCESSOS FUNCIONAIS ................................................................................................... 167

3.1. RIOS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE ...................................................................................................................... 168


3.2. ÍNDICE DE INTEGRIDADE BIÓTICA (IBI) ...................................................................................................................... 169
3.3. VAZÃO ECOLÓGICA ............................................................................................................................................... 171
4.PISCICULTURA E PEIXAMENTO .......................................................................................................................................... 174

4.1. O QUE A CEMIG TEM FEITO PARA MITIGAR IMPACTOS SOBRE A ICTIOFAUNA NA ÁREA DA PISCICULTURA? ............................... 178
5.REMOÇÃO DE BARRAGENS COMO MEDIDA DE MANEJO AMBIENTAL ............................................................................... 179
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
6

6.PROJETOS APOIADOS PELO PROGRAMA PEIXE VIVO......................................................................................................... 181

6.1.DESENVOLVIMENTO DE TECNOLOGIA PARA AVALIAÇÃO DE CARACTERÍSTICAS NATATÓRIAS DA ICTIOFAUNA MIGRADORA


BRASILEIRA .............................................................................................................................................................. 181
6.2. DESENVOLVIMENTO DE ÍNDICES DE INTEGRIDADE BIÓTICA PARA AVALIAÇÃO DE QUALIDADE AMBIENTAL E SUBSÍDIO PARA A
RESTAURAÇÃO DE HABITATS EM ÁREAS DE SOLTURA DE ALEVINOS....................................................................................... 182
6.3. AVALIAÇÃO DA EFICÁCIA DE REPOVOAMENTO NAS REPRESAS DE JAGUARA E VOLTA GRANDE ............................................... 183
6.4. SUBSÍDIOS PARA CONSERVAÇÃO E MANEJO DA ICTIOFAUNA DA BACIA DO RIO JEQUITINHONHA ............................................ 183
6.5. DESENVOLVIMENTO DE FERRAMENTAS MOLECULARES PARA MONITORAMENTO AMBIENTAL DE PEIXES E PLANTÉIS DE
PISCICULTURA .......................................................................................................................................................... 184
6.6. DESENVOLVIMENTO DE TECNOLOGIA APLICADA À MANUTENÇÃO DO ESTOQUE PESQUEIRO DE POPULAÇÕES NATIVAS DE ESPÉCIES
MIGRADORAS NA REGIÃO DE INFLUÊNCIA DA UHE TRÊS MARIAS: ESTUDO GENÉTICO E DE MIGRAÇÕES REPRODUTIVAS ................. 185
6.7. MIGRAÇÃO, SÍTIOS DE DESOVA E DESENVOLVIMENTO INICIAL DE DUAS ESPÉCIES POTENCIALMENTE MIGRADORAS DO RIO
JEQUITINHONHA: SUBSÍDIOS PARA AVALIAÇÃO DA NECESSIDADE DE TRANSPOSIÇÃO NA UHE IRAPÉ .......................................... 185
6.8. VARIAÇÕES ESPACIAIS DE MÉDIO PRAZO E ÍNDICE DE ASSEMBLEIAS DE PEIXES PARA RESERVATÓRIOS COMO INDICADORES DA
QUALIDADE DO HABITAT EM EMPREENDIMENTOS HIDRELÉTRICOS DA CEMIG EM MINAS GERAIS ............................................. 186
6.9. PROGRAMA D E REPOVOAMENTO DE PEIXES DA ESTAÇÃO DE PISCICULTURA DE VOLTA GRANDE: AVALIAÇÃO PROTEÔMICA E
GENÔMICA DE PROCHILODUS LINEATUS ........................................................................................................................ 187
6.10. DESENVOLVIMENTO DE FERRAMENTA PARA A PRIORIZAÇÃO DE DESCOMISSIONAMENTO DE PEQUENAS CENTRAIS
HIDRELÉTRICAS (PCH) NO ESTADO DE MINAS GERAIS E ESTUDO DE CASO PARA A PCH PANDEIROS......................................... 187
6.11. USO DE FERRAMENTAS INOVADORAS PARA A DETECÇÃO E MONITORAMENTO DE PEIXES EM AMBIENTES DE ÁGUA DOCE .......... 188
7.BIBLIOGRAFIA SUGERIDA .................................................................................................................................................. 190
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
7

Apresentação

O Programa Peixe Vivo, desde sua criação em 2007, atua buscando a preservação da ictiofauna
no estado de Minas Gerais e definindo estratégias de proteção para evitar e prevenir morte de
peixes nas usinas hidrelétricas do Grupo Cemig. Suas principais ações estão sintetizadas na missão
do programa: “Minimizar o impacto sobre a ictiofauna buscando soluções e tecnologias de manejo
que integrem a geração de energia elétrica pela Cemig com a conservação das espécies de peixes
nativas, promovendo o envolvimento da comunidade”. Para cumprir sua missão, o Programa se
sustenta em três pilares: Programas de Conservação e Manejo que visam a adoção das melhores
práticas para conservação de peixes; Pesquisa e Desenvolvimento que ampliam o conhecimento
científico sobre a ictiofauna e proporcionam subsídios para estratégias de conservação mais
eficientes e Relacionamento com Comunidade que divulga de diversas maneiras as ações e
resultados do Programa para a sociedade, buscando seu envolvimento na construção do
planejamento estratégico que se torna mais completo com a diversidade de visões sobre um mesmo
assunto.

A atuação da Cemig sobre a ictiofauna das bacias hidrográficas onde possui empreendimentos
hidrelétricos não se limita às ações do Programa Peixe Vivo. Conciliar as estratégias operacionais
das usinas com as premissas básicas para a proteção da ictiofauna exige a participação das equipes
de engenharia e operação da companhia, bem como o acompanhamento dos órgãos ambientais
vinculados ao ambiente aquático. A troca de experiências e conhecimentos entre as áreas permite
estabelecer medidas ambientalmente seguras e apoiadas em bases cientificas por meio da parceria
com as universidades e institutos de pesquisa.

Buscando atender à necessidade de aproximação entre as áreas interessadas com ampliação


do conhecimento sobre a interação entre os peixes e as usinas, foi elaborada a apostila “Tópicos de
Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico” com conteúdo teórico sobre a interação
peixes e usinas. O objetivo é divulgar aspectos gerais de impactos de hidrelétrica sobre peixes e
medidas que visam mitigar e evitar tais impactos. Achamos crucial tal divulgação para que todos
saibam da importância do envolvimento das diversas áreas na busca por soluções de uma mesma
questão. Esta apostila proporciona ao leitor conhecimentos básicos em ictiologia, limnologia,
genética de peixes, geração elétrica e procedimentos de segurança, além da relação das usinas
hidrelétricas com a ictiofauna. Esperamos que o conteúdo apresentado possa capacitar os
profissionais envolvidos e aperfeiçoar seus conhecimentos garantindo menor risco às espécies de
peixes nativas das nossas bacias hidrográficas.

Equipe Peixe Vivo


Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
8
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
9

MINICURRÍCULOS DOS AUTORES

Ana Carolina Lacerda Rêgo (anacarolinalac@yahoo.com.br)


Graduada em Ciências Biológicas (2005), Mestre (2008) e Doutora (2017) em Ecologia e Conservação
de Recursos Naturais pela Universidade Federal de Uberlândia. Atua na área de ecologia e manejo
de peixes de água doce. Possui experiência na execução de trabalhos no setor hidrelétrico,
realizando inventários, monitoramentos e operações de resgate e salvamento da ictiofauna. Bióloga
de campo do Programa Peixe Vivo da Cemig desde 2009, desempenhando atividades relacionadas
à interação entre peixes e usinas hidrelétricas.

Alexandre Peressin (alexandre.peressin@gmail.com)


Bacharel e Licenciado em Ciências Biológicas pela Unesp - Rio Claro (2010). Mestre em Diversidade
Biológica e Conservação pela UFSCar - Sorocaba (2013). Especialista em Ictiologia, com ênfase em
ecologia de comunidades, ecologia trófica e reprodução. Biólogo de campo do Programa Peixe Vivo
de 2013 a 2018. Nos anos de 2011 e 2012 realizou levantamentos, monitoramentos e uma
transposição de peixes em diferentes tipos de empreendimentos.

Átila Rodrigues de Araújo (atila.araujo@cemig.com.br)


Biólogo pelo Centro Universitário do Planalto de Araxá (UNIARAXÁ) 2008. Especialista em Avaliação
de Fauna e Flora pela Universidade Federal de Lavras (UFLA) 2012. Atua como biólogo de campo no
Programa Peixe Vivo desde novembro de 2009. Tem experiência em monitoramento de ictiofauna,
mastofauna e avifauna.

Cíntia Veloso Gandini (cvgandini@gmail.com)


Graduada em Bacharel em Ciências Biológicas em 2008 e Mestre em Ecologia Aplicada em 2011,
ambos pela Universidade Federal de Lavras (UFLA). Atuou como Analista de Meio Ambiente,
especialista em peixes, na empresa Brandt Meio Ambiente de 2011 a 2013. Atuou no Programa
Peixe Vivo como Bióloga, de 2013 a 2017, dando apoio às questões relacionadas à Transposição de
Peixes e Produção Pesqueira; composição de banco de dados sobre os referidos temas;
monitoramentos da ictiofauna; acompanhamento de projetos; organização de eventos e
representação do Peixe Vivo em eventos. Atualmente atua como gestora ambiental da UHE
Queimado.

Fabiana de Oliveira Gama (fabiana.gama@cemig.com.br)


Graduada em Ciências Biológicas, pela Faculdades Metodistas Integradas Izabela Hendrix (2002).
Analista de Meio Ambiente 2003-2010 no Centro Tecnológico de Minas Gerais (CETEC) e de 2011-
2015 consultora ambiental no núcleo de Gestão de Qualidade da Água Cemig Geração e
Transmissão. Atuando sempre na área de Limnologia, com ênfase nos seguintes temas:
Monitoramento de qualidade da água, perifíton, zooplâncton e estudo do bivalve Limnoperma
fortunei.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
10

Ivo Gavião Prado (ivogaviaoprado@gmail.com)


Possui graduação em Ciências Biológicas com ênfase em Gestão Ambiental pela PUC Minas e
mestrado em Ecologia Aplicada pela Universidade Federal de Lavras. Trabalhou no Programa Peixe
Vivo, no âmbito do projeto "Avaliação do risco e morte de peixes em usinas da Cemig” desde 2009
e no projeto de “Comportamento de Peixes a jusante de usinas da Cemig” desde 2010. Atua nas
áreas de hidroacústica (ecossondagem), ecologia, manejo e conservação de peixes de água doce
com ênfase na relação peixes e usinas.

Lucas Borges de Resende (lucas.resende@cemig.com.br)


Biólogo, especialista em Avaliação de Fauna e Flora para Estudos Ambientais pela Universidade
Federal de Lavras - UFLA (2010) e mestre em Ciências em Tecnologias para o Desenvolvimento
Sustentável pela Universidade Federal de São João Del-Rey - UFSJ (2015). Possui experiência com
avaliações de impactos de reservatórios, usinas hidrelétricas, mineração e outros empreendimentos
sobre a comunidade de peixes, além de inventários, monitoramentos e manejo da vida silvestre.
Atualmente, é analista de meio ambiente do Programa Peixe Vivo da Cemig, atuando com à
interação entre peixes e usinas hidrelétricas nas regionais do Centro Sul, Triângulo e Norte de Minas
Gerais.

Marcela David de Carvalho (marcela.david@cemig.com.br)


Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Minas Gerais (1998), com
especialização em Meio Ambiente pela Escola de Engenharia da UFMG (2001). Coordenadora do
núcleo de Gestão da Qualidade da Água da Cemig Geração e Transmissão. Atualmente realiza um
MBA em Gestão da Sustentabilidade pela Universidade de Luneburg, Alemanha.

Mateus Moreira de Carvalho (mateus.carvalho@cemig.com.br)


Bacharel licenciado em Ciências Biológicas pela PUC Minas (2002) e mestre em Ecologia e
Conservação de Recursos Naturais pela Universidade Federal de Uberlândia (2018). Realizou
consultorias sobre primatas da mata Atlântica, peixes em empreendimentos hidrelétricos e
participou da gestão ambiental de uma PCH. Integra o Programa Peixe Vivo da Cemig desde 2009,
através de parcerias com o Centro de Transposição de Peixes da UFMG e com a Brandt Meio
Ambiente Ltda. Atua nas áreas de ecologia de peixes e interação peixes x usinas hidrelétricas.

Míriam Aparecida de Castro (miriam.castro@cemig.com.br)


Bacharel em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Lavras-UFLA (2009). Mestre em
Ecologia Aplicada pela Universidade Federal de Lavras-UFLA (2012). Atua no Programa Peixe Vivo
como Bióloga, desde julho de 2012, apoiando às questões relacionadas à piscicultura e estocagem,
acompanhamento de manobras em usinas, monitoramentos da ictiofauna; acompanhamento de
projetos; organização de eventos e representação do Peixe Vivo em eventos.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
11

Rafael Couto Rosa de Souza (rafael.csouza@cemig.com.br)


Biólogo, mestre e doutor em Ecologia Aplicada pela Universidade Federal de Lavras - UFLA (2010,
2013 e 2017). Possui experiência com análises da influência de reservatórios e usinas hidrelétricas
na comunidade de peixes e sua tese fez parte dos estudos sobre a viabilidade de remoção de uma
usina hidrelétrica em Minas Gerais. Atualmente, é analista de meio ambiente do Programa Peixe
Vivo locado em Lavras, dando suporte relacionado à interação entre peixes e usinas hidrelétricas da
Cemig do Sul, Leste e Norte de Minas Gerais.

Raquel Coelho Loures (raquel.fontes@cemig.com.br)


Graduada em Ciências Biológicas, pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Mestre e
doutoranda em Ecologia Aplicada pela Universidade Federal de Lavras – UFLA. Analista de Meio
Ambiente desde 2006 na Cemig Geração e Transmissão atuante no Programa Peixe Vivo
principalmente nas áreas de ecologia e manejo de peixes de água doce, com ênfase em impactos
de hidrelétricas e monitoramento da ictiofauna. Coordenadora do Programa Peixe Vivo de 2012 a
2015.

Ricardo José da Silva (ricardo.jose@cemig.com.br)


Graduado em Ciências Contábeis pela Faculdade de Ciências Econômicas e Contábeis de Visconde
do Rio Branco-MG (1981). Atuou como técnico de meio ambiente da Cemig na gestão e apoio nos
processos de manejo e produção de alevinos de peixes nativos e mudas nativas, de arborização
urbana, de educação ambiental, de apoio ambiental em manobras de risco na operação e
manutenção de usinas hidrelétricas, de licenciamentos ambientais e de cumprimento de
condicionantes ambientais. Desde 2009, trabalha como analista de meio ambiente do Programa
Peixe Vivo da Cemig através de parcerias com o Centro de Transposição de Peixes da UFMG e com
a Brandt Meio Ambiente Ltda. Atua nas áreas de ecologia e conservação da ictiofauna, com ênfase
na relação e interação entre peixes e a operação e a manutenção de hidrelétricas.

Thiago Teixeira Silva (thiteixeira@hotmail.com)


Biólogo, especialista em Gestão Ambiental pelo Centro de Ensino Superior de Uberaba (CESUBE).
Mestrando em Aquicultura (Biologia Aquática) pela Universidade Estadual Paulista/UNESP, Campus
Jaboticabal. Atua no Programa Peixe Vivo desde março de 2009. Tem experiência em ecologia de
ambientes aquáticos e interação peixes - usinas hidrelétricas
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
12
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
13

CAPITULO 1 1

SISTEMÁTICA, ANATOMIA, FISIOLOGIA E ECOLOGIA DE PEIXES

Alexandre Peressin
Lucas Borges de Resende
Thiago Teixeira Silva

Atualmente, existem mais de 50 mil espécies de animais vertebrados. Destes, 28 mil são peixes
que habitam desde lagos tropicais, onde a temperatura pode ultrapassar os 36oC, até mares polares
onde a água está sempre próxima do ponto de congelamento.

Das 28 mil espécies de peixes existentes, cerca de 15 mil são descritas para ambientes de água
doce, sendo mais de 6 mil encontradas na região neotropical (América do Sul). A fauna de peixes de
água doce da América do Sul é a mais rica do mundo e apresenta uma grande diversidade biológica
e adaptativa. No Brasil, há aproximadamente 2500 espécies de água doce. Minas Gerais abriga um
pouco mais de 350 espécies, o que representa quase 12% do total registrado no Brasil.

Peixes ocorrem em dois tipos principais de ambientes: a) lóticos – aqueles que apresentam
fluxo de água, como: riachos, cabeceiras e calhas dos rios; b) lênticos – aqueles com nenhum ou
pequeno fluxo de água, como: lagoas, lagos e reservatórios. Alguns peixes vivem em lagoas rasas,
com menos de 50 cm de profundidade e outros nas fossas abissais do oceano, mais de 2.000 metros
abaixo da superfície. Algumas espécies de peixes atingem sua maturidade sexual com menos de 2
cm de comprimento e outros, como o tubarão baleia, podem atingir mais de 10 m. Esta grande
variedade de modos de vida implica em uma grande variação anatômica e fisiológica entre as
espécies. Esta apostila abordará apenas espécies de peixes de água doce que habitam rios e lagos
da região tropical brasileira.

1. Sistemática

Sistemática é a ciência que trata da classificação dos seres vivos, organizando-os em: Reino,
Filo, Classe, Ordem, Família, Gênero e Espécie. Os peixes pertencem ao Reino Animalia, Filo
Chordata e Sub-filo Vertebrata e estão divididos em dois Infrafilos: Agnatha e Gnathostomata.

Peressin A., Resende L. B. & Silva T. T. (2019). Sistemática, anatomia, fisiologia e ecologia de peixes. In: Gandini C. V. ,Loures R. C. &
Caldeira Y. M. (orgs.) Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico. Belo Horizonte: Companhia Energética
de Minas Gerais, 2.ed., pp. 13 - 36.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
14

Agnatha (Figura 1): são os vertebrados mais primitivos, desprovidos de mandíbulas e maxilas e,
por isso, sua boca é circular. Possuem o corpo alongado, cilíndrico e sem escamas. São
ectoparasitas de peixes ou necrófagos. Seus representantes são popularmente chamados de
lampréias e bruxas (também conhecidas como feiticeiras). As lampréias (Classe
Petromyzontidae) são tanto de água doce quanto de água salgada, porém não ocorrem no Brasil.
Já as bruxas (Classe Myxini) são exclusivamente marinhas. Ambas ocorrem apenas em regiões
temperadas. Não há nenhum registro de exploração econômica destas espécies.

Figura 1 – Exemplo de peixe do infrafilo Agnatha.

Gnathostomata: são vertebrados que possuem mandíbulas. Os peixes deste Infrafilo estão
classificados em duas classes: Chondrichthes e Osteichthyes (ou Teleostomi).

A Classe Chondrichthyes (Figura 2) é composta por mais de 800 espécies. Sua principal
característica é o esqueleto cartilaginoso, sem ossos verdadeiros. Tubarões (ou cações) raias e
quimeras são os representantes mais conhecidos desta Classe. A maioria das espécies é
marinha, mas existem espécies dulcícolas (de água doce), inclusive no Brasil. As raias de água
doce que ocorrem no Brasil costumam causar acidentes devido ao ferrão que possuem na cauda.
Apesar de várias espécies de Chondrichthyes serem explorados pela pesca comercial com a
finalidade de abate para o consumo humano ou de uso como ornamentais, não existe cultivo
dessas espécies.

Figura 2 – Exemplo de peixe da classe Chondrichthyes.


Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
15

A Classe Osteichthyes (Figura 3) é composta pelo maior número de espécies, cerca de 21


mil. Ao contrário da Classe anterior, os Osteichthyes possuem o esqueleto formado por ossos.
Dentre essas espécies, encontram-se os peixes mais intensamente pescados e aqueles
cultivados para fins de alimentação humana, pesca esportiva, ornamentação e outras
finalidades. Esses peixes são dominantes desde o Cretáceo, período compreendido entre 145 a
65 milhões de anos atrás.

Figura 3 – Exemplo de peixe da classe Osteichthyes.

A Classe Osteichthyes é dividida em duas Subclasses:

 Sarcopterygii: peixes que possuem nadadeiras carnosas (lobadas), representados pelos


peixes pulmonados (Dipnoi – Pirambóia) e Celacantos (Coelacanthini). Há poucas espécies
vivas desse grupo que é, filogeneticamente, o mais próximo dos vertebrados tetrápodas.

 Actinopterygii: peixes ósseos com nadadeiras sustentadas por filamentos rígidos. Esse grupo
possui 5 Infraclasses. Quatro delas são representadas por apenas algumas poucas espécies:
os Branchiopterygii (Polipterus), os Chondrostei (Esturjões), os Ginglymodi (Gars) e
Halecomorphi (Amnias). A outra é a Infraclasse Teleostei, responsável por cerca de 23 das
28 mil espécies de peixes descritas em todo o mundo.

Dentro da Infraclasse Teleostei, está a Superordem Ostariophysi, aquela com maior número de
espécies nos rios do mundo. Ela compreende 27% do total de espécies de peixes e mais de 60% dos
peixes de água doce. O nome refere-se aos pequenos ossos (ostar = pequeno osso) que conectam
a bexiga natatória (physa = bexiga) ao ouvido interno. Dessa forma, a bexiga natatória é utilizada
como um amplificador e os pequenos ossos como condutores, formando o sistema conhecido como
Aparelho de Weber que incrementa a audição nesses peixes. É um grupo muito diverso, com mais
de 6500 espécies, incluindo os bagres, as carpas, os barbos, os peixes elétricos, tuviras e os
characiformes (ordem que engloba muitos dos peixes com escamas conhecidos no Brasil). A grande
maioria das espécies capturadas em monitoramentos nas áreas de influência de usinas hidrelétricas,
resgatadas em drenagens e/ou envolvidas em acidentes no Brasil (Pimelodus maculatus – mandi;
Prochilodus sp – curimba; Salminus sp – dourado; Pinirampus pirinampu – barbado; Leporinus sp –
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
16

piau, piapara; Wertheimeria maculata – roncador; Franciscodoras marmoratus – serrudo; e outros)


pertencem a esse grupo.

A partir de agora, vamos estudar a anatomia e a fisiologia dos peixes da Infraclasse Teleostei e,
em alguns casos, citaremos peculiaridades dos demais. Começaremos pelas características externas.

2. Anatomia e Fisiologia

Formato do Corpo: Quando pedimos a uma criança para que desenhe rapidamente um peixe,
o resultado é quase sempre um animal fusiforme (cilíndrico ou alongado) visto de perfil. Se
perguntarmos a esta mesma criança se todos os peixes que conhece se parecem com o desenho,
possivelmente a resposta será um sim, seguido de uma série de observações relativas às espécies
que possuem outro formato. Caso façamos a mesma solicitação a um aquarista ou um produtor de
peixes ornamentais, provavelmente não teremos nenhum desenho, pois estas pessoas estão
acostumadas a ver peixes de diferentes espécies com os mais diversos formatos, e essa variação
morfológica é uma das características dos peixes ornamentais.

Diversas espécies comerciais possuem o formato "padrão" fusiforme, sendo a altura do corpo
maior que sua largura e o comprimento maior que ambas. Esse formato reduz a resistência da água
ao movimento do peixe, permitindo uma redução do gasto de energia para o deslocamento e
possibilitando a natação em alta velocidade. O atum, o marlim e determinadas espécies de tubarões
são bons exemplos dessa configuração. Dentre as espécies comerciais, podemos observar esse
formato nas carpas, na truta, no salmão, na matrinxã e mesmo em alguns peixes ornamentais como
os barbos, os labeos e as botias. Apesar desse formato ser o que confere menor resistência ao
movimento, nem todos os peixes necessitam nadar velozmente ou vencer fortes correntezas, o que
explica o desenvolvimento evolutivo de outros formatos corporais mais adequados a certos nichos
em várias espécies existentes. O extremo oposto ao formato fusiforme é uma forma esférica ou
cúbica. Essas formas apresentam grande resistência ao deslocamento e por isso as espécies que as
possuem são peixes que nadam lentamente, como por exemplo o baiacu e o peixe cofre, que são
peixes marinhos. Essas espécies possuem estruturas especiais para defesa e são muito apreciadas
como peixes ornamentais.

Existem peixes que possuem o corpo achatado lateralmente e, de perfil, apresentam um


formato arredondado. Algumas espécies criadas para abate, como o tambaqui e o pacu, possuem
esse formato e por isso são conhecidas como peixes redondos. Mas nenhuma outra espécie merece
tanto esse nome como o acará-disco. Alguns exemplares de acará-disco parecem ter sido feitos com
um compasso. Dentre os peixes marinhos, também encontramos espécies com esse formato como,
por exemplo, o peixe-lua.

Outro formato incomum é o das enguias, das moréias e do mussum. Esses peixes são alongados
e seu comprimento excede em muitas vezes sua altura, assemelhando-se a uma cobra. Os bagres
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
17

possuem um formato semelhante ao fusiforme, porém, possuem a largura maior que a altura do
corpo. Assim, sua seção reta tem um aspecto comprimido no sentido dorso ventral. Mesmo nas
espécies que possuem formatos exóticos como o acará-disco, o cavalo marinho e o linguado, as
larvas nascem com formato fusiforme e, à medida que se transformam em alevinos e juvenis, vão
passando por sucessivas mudanças. No caso do linguado, que vive apoiado lateralmente no fundo,
essa metamorfose é tão complexa que o adulto possui um lado do corpo que fica em contato com
o fundo do mar e outro onde ficam os dois olhos, sendo que o peixe nada de lado.

Coloração: A coloração dos peixes pode ser bastante variada dada a presença de cromatóforos,
células que contêm pigmentos. Eles estão presentes na pele (derme), tanto por fora como por baixo
das escamas. Os pigmentos podem ser da cor preta (melanina), amarela, alaranjada ou vermelha
(carotenóides), e as células podem conter combinações destes pigmentos, que resultam em outras
cores como o marrom e o verde.

Os pigmentos têm a função de proteger o peixe da ação dos raios solares, uma função tão
importante que já nos primeiros dias de vida aparece a coloração escura. A cor de diversas espécies
muda durante o crescimento e podem ser uma indicação da maturidade sexual. Além dos
pigmentos, os peixes possuem cristais que refletem a luz em diferentes comprimentos de ondas
(cores). A cor é refletida pelos cristais em função da sua largura e da profundidade em que se
encontram na derme. Esses cristais também são responsáveis pelo aspecto prateado de muitos
peixes.

Na maioria dos peixes, a intensidade da cor varia com a intensidade de luz na água. Algumas
espécies, como salmões e ciclídeos (carás, tucunarés e tilápias), têm sua cor alterada em função do
período reprodutivo. Para que as mudanças na coloração ocorram, algumas regiões concentram os
pigmentos dos cromatóforos, enquanto em outras esses pigmentos se espalham. A coloração
também pode ser modificada pela ingestão de substâncias pigmentárias, como os carotenóides.
Outros fatores que produzem alterações na coloração são o estresse e determinadas doenças. As
modificações na coloração provocadas pelo estresse são, em geral, passageiras.

Pele: A pele (epiderme) dos peixes é lisa e contínua, recobrindo o peixe completamente,
inclusive os olhos. Ao longo do corpo do peixe, percebe-se uma sequência de poros que formam a
linha lateral. Esses poros comunicam-se com um canal longitudinal que fica abaixo das escamas e
no qual existem células mecanorreceptoras que permitem ao peixe perceber mudanças na pressão
ou ondulações provocadas por presas e predadores.

A pele dos peixes apresenta um grande número de glândulas mucosas. O muco secretado
permite a redução da resistência da água ao movimento de natação, mas serve, principalmente,
como proteção. O muco protege o peixe da infestação por fungos e parasitas. Esse fato é facilmente
observado nas pisciculturas. Quando se realiza qualquer manejo que retire o muco, nos dias
seguintes pode-se observar o surgimento de peixes com infestações fúngicas, problema que é
agravado no inverno. Os peixes são animais ectotérmicos, o que significa que a velocidade de suas
reações metabólicas é reduzida em quase 10% a cada redução de 1 grau na temperatura da água.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
18

Com isso, a produção de muco no inverno é mais lenta e o peixe fica mais susceptível aos fungos e
parasitas.

Escamas (Figura 4): As escamas são estruturas ósseas de origem mesodérmica, possuindo
diferentes formatos. Nas escamas da linha lateral, observa-se uma abertura. Na maioria das
espécies, as escamas estão imbricadas, formando uma estrutura semelhante a um telhado com
telhas de barro. Em algumas espécies, elas podem ser separadas ou mesmo ausentes. Em alguns
peixes há placas ósseas, como nos cascudos. Apesar de os peixes poderem repor rapidamente as
escamas perdidas por acidente, as escamas são permanentes e se desenvolvem durante toda a fase
de crescimento do peixe. Quando o peixe habita uma região onde ocorre uma estação fria bem
definida, pode-se observar nas escamas que os anéis formados durante a estação fria são mais
densos e mais opacos. Estes anéis podem servir para indicar a idade do animal.

Figura 4 – Escama de peixe ósseo mostrando anéis de crescimento.

Esqueleto e Musculatura (Figura 5): O esqueleto dos peixes pode ser formado por cartilagens,
mas na maioria das espécies (Osteichthyes) é formado por ossos. O esqueleto compreende o crânio,
a mandíbula, a coluna vertebral, as costelas, a cintura peitoral e os pterigióforos, que sustentam os
raios das nadadeiras. A coluna vertebral é muito flexível, porém, sua ligação com o crânio é feita por
uma articulação dupla, que impede o peixe de virar sua cabeça. Na cabeça do peixe encontramos o
opérculo, que é o osso que protege a cavidade branquial e possui funções relacionadas a deglutição
e respiração. Podemos destacar também os ossos intramusculares que são espinhas em forma de
Y. Os músculos dos peixes são segmentares (miômeros) e localizados entre as vértebras e na cabeça.
Entre os grupos de miômeros são encontrados tabiques (membranas) de tecido conjuntivo.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
19

Figura 5 – Esqueleto de peixe ósseo visto ao raio X.

Nadadeiras (Figura 6): As nadadeiras dos peixes Actinopterygii são expansões membranosas da
pele e, possivelmente, têm sua origem evolutiva nas dobras dos tegumentos dos cordados
primitivos. Possuem raios ósseos recobertos por uma membrana e podem variar em formato,
coloração, tamanho e posição.

As nadadeiras pares mais próximas ao crânio, situadas na lateral do corpo, são as nadadeiras
peitorais. O par seguinte é o das nadadeiras pélvicas, que podem estar próximas às brânquias, no
abdômen ou mesmo ausentes. Próximo ao ânus, existe uma pequena nadadeira chamada nadadeira
anal, que nos peixes machos da família Poecilidae (guarus, guppys, molinésias, espadas e platis) é
modificada em um órgão copulador, denominado gonopódio. Sobre o dorso dos peixes existe uma
nadadeira denominada nadadeira dorsal. Esta pode ser única, dupla, múltipla ou contínua e, em
algumas espécies, é ausente. Em alguns peixes, como no caso da tilápia, os primeiros raios dessa
nadadeira são rígidos, pontiagudos e salientes, constituindo um elemento de defesa. Nessa espécie
e em outros ciclídeos, a nadadeira dorsal do macho é pontiaguda e maior do que a da fêmea.
Diferentemente das demais, a nadadeira adiposa não possui raios, sendo de aspecto carnoso. Essa
nadadeira não está presente na maioria das espécies e é considerada primitiva. A nadadeira caudal
apresenta três tipos básicos:

Heterocerca: O tipo heterocerca é observado em tubarões e em alguns peixes ósseos como


o esturjão. Nessa nadadeira, as vértebras do final da coluna apresentam inflexão para a parte
superior da nadadeira, que pode ser bifurcada ou ter o aspecto de uma foice. Uma variação
do tipo heterocerca é observada no celacanto. Nesta espécie, a inflexão é reduzida e a
nadadeira é lobada. Esse tipo é conhecido como heterocerca abreviada.

Dificerca: O tipo dificerca é característico dos peixes pulmonados, como a pirambóia, e tem
como característica possuir dois lobos iguais e as vértebras presentes até a extremidade da
nadadeira em posição mediana.

Homocerca: O tipo mais comum nos peixes teleósteos é a nadadeira caudal homocerca, na
qual as vértebras terminam no pedúnculo caudal. O formato da nadadeira é bastante
variado, mas o mais comum é o de leque.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
20

Quando os peixes nadam para frente, em grande velocidade, apenas a nadadeira caudal é
utilizada no movimento, mas é a movimentação das demais nadadeiras que permitem as manobras
mais complexas como desviar de obstáculos ou nadar para trás. Além de serem utilizadas na
natação, as nadadeiras podem servir para apoiar o peixe no substrato, cortejar a fêmea e
movimentar a água ao redor dos ovos. Essas funções ocorrem apenas em um reduzido número de
espécies.

Figura 6 – Anatomia externa de peixe ósseo.

Aparelho Digestivo: Nos peixes, o aparelho digestivo é composto pela boca, dentes, faringe,
rastros branquiais, esôfago, estômago, intestino e glândulas anexas. Veremos cada um deles a
seguir.

Boca: A boca possui diversos formatos relacionados ao hábito alimentar e, mais precisamente,
à forma de apreensão do alimento pelos peixes. Em geral, a boca é terminal e sua abertura pode ser
à frente, um pouco acima ou abaixo da linha mediana. Esse padrão é comum aos peixes que se
alimentam na coluna d'água. Peixes que se alimentam na superfície possuem a boca voltada para
cima como no caso do tambaqui e do pacu. Em algumas espécies, a boca é praticamente dorsal,
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
21

como é o caso do betta e do aruanã. Em peixes que se alimentam no fundo, podemos observar a
boca ventral, presente nos cascudos, ou com estrutura protrátil, como na carpa e no curimba.
Quando fechada, a boca protrátil fica em posição mediana, mas, ao abrir, ela forma um tubo voltado
para baixo que auxilia na sucção de detritos e outros alimentos presentes no sedimento.

Dentes: Em geral, os dentes dos peixes são cônicos, podendo ter apenas uma cúspide ou várias.
Algumas espécies possuem placas ásperas que são formadas por inúmeros dentes filiformes (esses
dentes formam a “lixa” dos bagres e mandis). Também são comuns espécies desprovidas de dentes
maxilares e/ou de dentes mandibulares. Na carpa, por exemplo, ocorrem dentes faríngeos que não
têm função de apreensão do alimento, mas sim de trituração. Nos peixes, a língua é totalmente
presa ao assoalho da cavidade bucal e não tem função de deglutição, como em outros animais. Mas
no caso de algumas espécies, ela possui uma aspereza que auxilia a manter capturadas as presas
vivas. O pirarucu é um exemplo disso, sendo sua língua óssea e áspera inclusive comercializada
como lixa. Na cavidade bucal existem glândulas mucosas, porém, as salivares, que são comuns aos
mamíferos, não são observadas. O processo de ingestão de alimentos por um peixe tem duas
etapas. Na primeira, o animal fecha a boca e abre o opérculo, permitindo a saída da água. O alimento
é então retido pelos rastros branquiais. O alimento é deglutido na segunda etapa, indo para o
esôfago. Nesse processo, o peixe ingere água que depois é eliminada pelo processo de excreção.

Rastros (Figura 7): Rastros são estruturas ósseas presentes nos lados da faringe que se
prolongam do arco branquial. Esse, por sua vez, é o osso que sustenta os filamentos branquiais, que
são a parte avermelhada da brânquia com função respiratória. Os rastros branquiais variam em
número e em formato. Seu conjunto forma uma malha que retém o alimento, impedindo que ele
retorne ao meio juntamente à água expelida. A malha formada pelos rastros branquiais determina
o tamanho mínimo das partículas ingeridas. Peixes com rastros finos e abundantes podem filtrar e
ingerir plâncton de origem animal ou mesmo o fitoplâncton em casos mais específicos. Peixes
carnívoros possuem rastros mais largos e em menor número, pois retêm partículas de alimento
maiores.

Figura 7 – Arcos branquiais de peixe ósseo.


Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
22

Esôfago e Estômago: O esôfago é curto e se comunica com o estômago que, por sua vez, pode
ter diversos formatos ou mesmo estar ausente. Na carpa comum não há uma porção do tubo
digestivo com as características de um estômago, mas as células secretoras de ácido clorídrico e de
pepsina, que normalmente ficam no estômago, estão presentes em diversas partes do intestino
delgado. Nos peixes carnívoros, o estômago é relativamente grande, enquanto que nos onívoros e
nos herbívoros é menos evidente. O estômago é delimitado pela válvula pilórica, que marca o início
do intestino delgado. Nessa região, a maioria dos peixes possuem estruturas denominadas cecos
pilóricos, que têm por finalidade melhorar o processo de digestão através do aumento do tempo de
permanência do alimento. Os cecos são projeções do intestino delgado em forma de sacos e seu
número é bastante variável.

Intestino e Glândulas Anexas: Associados ao intestino delgado, existem os seguintes órgãos:


fígado, vesícula biliar e pâncreas. O fígado dos peixes geralmente é grande e sua função está
relacionada à produção de bile e aos ciclos de ácidos graxos (gorduras). Associado ao fígado, está
uma pequena vesícula biliar que se liga ao intestino pelo ducto biliar, por onde passa a bile. O
pâncreas é difuso, mas apresenta as mesmas funções do pâncreas humano, que é a secreção de
enzimas (tripsina e quimotripsina) e de hormônios. O intestino grosso não é muito característico
nos peixes, assim as funções de recuperação dos sais biliares são feitas em diversos locais do
intestino delgado. O intestino termina em um ânus. O tamanho do intestino varia entre espécies e
tem relação com o habito alimentar. Em carnívoros, especialmente os piscívoros, o intestino
normalmente mede aproximadamente o mesmo comprimento do corpo de peixe. Nos herbívoros
e detritívoros, o intestino pode ultrapassar em 20 vezes o comprimento do corpo.

Aparelho Respiratório (Figura 8): Os peixes respiram por meio de brânquias localizadas em uma
câmara comum denominada câmara branquial. Nos peixes ósseos, as brânquias são protegidas
pelos opérculos, e nos peixes cartilaginosos ocorrem as fendas branquiais. Além dessas estruturas,
existem, na cavidade bucal, valvas orais passivas. A respiração nos peixes cartilaginosos ocorre da
seguinte forma: a água entra pela boca e o peixe, ao fechá-la e levantar o assoalho da cavidade
bucal, força a água a passar pelas brânquias e sair pelas fendas brânquias. Com os peixes ósseos é
diferente: depois que a água entra pela boca, eles fecham as valvas orais e a cavidade bucal é
contraída, forçando a água a passar pelas brânquias e a sair pelos opérculos, que possuem
membranas para evitar o refluxo da água. Como os filamentos branquiais são muito irrigados e com
paredes finas, ocorre a troca gasosa. O oxigênio da água entra na circulação e o gás carbônico vai
para o meio externo. Como estes processos ocorrem em função da diferença de concentração entre
o plasma sanguíneo e a água, baixas concentrações de oxigênio dissolvido ou altas concentrações
de gás carbônico reduzem esse processo. Os peixes possuem um mecanismo de contracorrente para
aumentar a eficiência das trocas gasosas, assim o sangue dos filamentos circula no sentido oposto
ao da água. Durante a respiração, o peixe não ingere água, mas diversos nutrientes e substâncias
tóxicas são assimiladas diretamente pelas brânquias. Dentre elas, alguns minerais como o cálcio, o
fósforo e o alumínio, além de substâncias tóxicas como a amônia. Como o processo de respiração
está intimamente relacionado à integridade das brânquias, qualquer lesão nestas reduz a eficiência
respiratória. São comuns lesões causadas por substâncias tóxicas, deformações devido à deficiência
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
23

de vitamina C e/ou de cálcio e obstruções causadas por material em suspensão. Diversos parasitas
também causam lesões mecânicas nas brânquias por nelas se alojarem.

A bexiga natatória não faz parte do aparelho respiratório da maioria das espécies de peixes,
sendo sua função hidrostática. O volume de gases pode ser rapidamente ajustado e permite ao
peixe flutuar ou afundar com mais facilidade e se ajustar às diferenças de pressão ao nadar em
profundidades distintas. A bexiga natatória é intensamente vascularizada em alguns peixes, tendo
função semelhante ao pulmão em peixes como a pirambóia. Com isso, essa espécie pode
permanecer respirando fora d'água por longo período. Graus de vascularização intermediários
existem em outras espécies e são importantes durante situações de hipóxia (falta de oxigênio), pois
permitem que o peixe utilize o oxigênio atmosférico. A bexiga natatória pode ser ligada ou não à
faringe pelo ducto pneumático. Em alguns peixes, chamados fisóstomos, há conexão da bexiga
natatória com o esôfago. Assim, o peixe infla e esvazia sua bexiga com rapidez, pois pode engolir ar
para inflar a bexiga e posteriormente expelir rapidamente esse ar. Nos peixes fisóclistos, o
enchimento e esvaziamento são feitos pela corrente sanguínea, o que torna o processo mais
demorado. Essa diferença na condição fisiológica influencia a susceptibilidade dos peixes à operação
de usinas: na passagem por turbinas, principalmente considerando peixes oriundos de montante, o
tempo de esvaziamento da bexiga é crucial, já que a descompressão provocada pela passagem pela
turbina causa expansão do ar presente na bexiga natatória que, se não for expulso a tempo, pode
causar eversão de órgãos, rompimento da bexiga e morte do peixe. Assim, peixes fisóclistos são
mais vulneráveis à passagem por turbinas. No entanto, considerando peixes oriundos do canal de
fuga, a maior resistência ao trauma por pressão pode permitir ao peixe se aproximar mais da
turbina, o que aumenta a chance de choque mecânico.

Figura 8 – Foto mostrando a brânquia (Br), coração (co) e bexiga natatória (bn) de peixe ósseo.

Aparelho Circulatório (Figura 9): O coração dos peixes é bastante simples e possui apenas duas
câmaras, um átrio (aurícula) e um ventrículo. O coração está situado logo abaixo da faringe e das
brânquias, próximo à inserção das nadadeiras peitorais. O sangue chega ao coração pelo seio
venoso, deste vai para o átrio para depois ir para o ventrículo. Esta cavidade possui sua parede
muscular muito mais espessa que as demais. Entre as câmaras existem válvulas que impedem o
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
24

refluxo do sangue. Os batimentos do ventrículo (contrações) expelem o sangue para o cone arterial
e deste para a artéria aorta ventral, que se divide em quatro pares de artérias branquiais aferente.
Cada artéria branquial aferente distribui o sangue para capilares que irão irrigar uma das oito
brânquias do peixe. Após passar pela brânquia, o sangue oxigenado segue por capilares até a artéria
branquial aferente, que o conduz à artéria aorta dorsal que distribui o sangue para todo o corpo.
Através das veias cardinais anteriores e posteriores e da veia hepática, o sangue desoxigenado
retorna ao coração. Pode-se perceber, então, que no coração dos peixes passa apenas sangue
desoxigenado. O sangue dos peixes contém hemácias (eritrócitos) arredondadas, com a presença
de núcleo e de vários tipos de leucócitos que são produzidos no baço. O volume de sangue em peixes
é pequeno quando comparamos com o dos mamíferos. O sangue, além de gases, transporta
hormônios, nutrientes, anticorpos e substâncias metabólicas.

Aparelho Excretor: Os peixes possuem um par de rins, do tipo mesonefro, escuros e filiformes
(alongados), situados no dorso da cavidade celomática (abdômen), acima da bexiga natatória, onde
os metabólitos presentes no sangue são filtrados. A urina é eliminada na água através do seio
urogenital. O nitrogênio proveniente do metabolismo protéico é eliminado na urina sob as formas
de amônia e/ou ureia, mas a maior parte desse nitrogênio é eliminado sob a forma de amônia pelas
brânquias. Em algumas espécies, o ducto urinário e o reprodutor não se encontram associados nos
machos, apenas nas fêmeas, sendo esse um caráter que ajuda na distinção dos sexos. Uma
importante função do sistema excretor em peixes é a osmorregulação. Os peixes de água doce
(dulcícolas) vivem em um meio no qual a concentração de sais (concentração iônica) é muito inferior
(meio hipotônico) à do sangue e, por isso, absorvem involuntariamente grandes quantidades de
água pelas brânquias e pela membrana da boca e da faringe. Também ocorre perda de sais pelas
fezes, urina e brânquias. Para manter seu equilíbrio osmótico, esses peixes produzem uma grande
quantidade de urina. A urina dos peixes dulcícolas é muito diluída e seu volume pode ser até dez
vezes superior ao produzido por um peixe marinho de mesmo tamanho, nos quais o problema é
justamente o oposto.

Figura 9 – Sistema circulatório dos peixes.


Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
25

Aparelho Reprodutor: O aparelho reprodutor é composto pelas gônadas (testículos e ovários) e


pelos ductos por onde passam os gametas. As gônadas são formadas após o nascimento dos peixes
e têm a mesma origem celular. Este fato permite que sejam feitos processos de inversão sexual em
diversas espécies de peixes. Nos machos, pode ser verificada a presença de um par de testículos
cuja coloração e formato variam durante seu ciclo reprodutivo. Os testículos podem ser ambos
funcionais, mas em algumas espécies um pode ser atrofiado. Nas fêmeas, a gônada pode variar de
um pequeno filamento translúcido em peixes imaturos, até atingir 25% do peso do peixe quando
maduras, dependendo da espécie.

3. Ecologia e comportamento
A diversidade de padrões ecológicos de peixes é fabulosa, por isso iremos nos concentrar no
hábitat, reprodução e alimentação de peixes de água doce e, principalmente, nas espécies mais
vulneráveis à operação de usinas.
Habitat: Raízes, troncos, gramíneas e macrófitas submersas são ótimos refúgios, especialmente
para espécies de pequeno porte ou juvenis. É comum capturar peixes pequenos em “peneiradas”
na vegetação submersa. Tuviras (ou sarapós) são frequentemente vistas paradas em partes vegetais
durante o dia. Raízes e troncos são especialmente importantes para peixes de riachos,
predominantemente de pequeno porte. Além disso, abrigam muitos invertebrados que servem
como alimento. Além das margens, matacões e blocos de rochas presentes no canal do rio também
servem como substrato para o crescimento de macrófitas que, por sua vez, fornecem abrigo aos
peixes. Mandis e outros bagres vivem em tocas formadas pelas pedras do fundo do rio, inclusive
lutando por elas. Esses mesmos peixes e os mussuns também são conhecidos por viverem em tocas
na margem dos rios. Outros peixes se enterram na areia (pacamã) ou na lama (bagres africanos). Já
muitos pequenos e grandes Characiformes, como pacus, dourados, lambaris, piracanjubas e piabas
são nadadores ativos da coluna d’água e podem inclusive formar cardumes mistos. Daí provem a
importância da heterogeneidade ambiental e preservação das características originais do rio: cada
elemento do canal do rio serve de abrigo, local de desova ou alimentação para espécies diferentes.
Assim, a redução do número de habitats disponíveis também reduz a quantidade de espécies que o
local pode abrigar.
Alimentação: Talvez a característica mais marcante da ictiofauna brasileira quanto à dieta seja
o oportunismo: os peixes aproveitam o(s) recurso(s) com maior energia, quantidade e facilidade de
obtenção num dado momento. No entanto, isso não significa que não exista preferência: um bom
pescador sabe que uma determinada isca funciona melhor para determinada espécie do que para
outras. Mas significa que há capacidade de consumir amplo espectro de itens alimentares
dependendo da disponibilidade, o que facilita a sobrevivência em um ambiente altamente sazonal
e variável como rios neotropicais. Pacus, tambaquis e matrinxãs entram nas matas alagadas durante
a estação das cheias e consomem enorme quantidade de frutos e sementes, entre elas as castanhas.
As cheias também são boas oportunidades para herbívoros, como os ximburés (também conhecidos
como campineiros, taguaras ou piavas) Schizodon spp., que aproveitam o alagamento da vegetação
para se alimentarem de capim. Mas embora preferencialmente herbívoros, os ximburés podem
consumir invertebrados também. A redução do nível dos rios e consequente aumento na
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
26

transparência facilita a alimentação de piscívoros como o dourado. Mandis e pacus-caranha podem


consumir grandes quantidades de grãos como soja e milho acumulados em rios próximos a
plantações ou portos fluviais. Doradideos (armado, abotoado, roncador, roque-roque) podem se
alimentar basicamente de qualquer material orgânico de origem antrópica descartado, incluindo
cascas de frutas. Piranhas e pirambebas (Pygocentrus spp e Serrasalmus spp) se alimentam de
pedaços de peixes e nadadeiras. Contudo, frutos e vegetais já foram encontrados em seus
estômagos. Tal ingestão de vegetais pode ser acidental – durante a captura de presas escondidas
na vegetação - ou não. Candirus se alimentam de restos e carcaças de animais. Este hábito necrófago
inclui um peixe em evidência ultimamente: a piracatinga (Calophysus macropterus), que tem sido
pescada com uso de carne de jacaré e boto, levando a caça dessas espécies. O tricomicterídeo
Paravandelia oxyptera parasita brânquias de peixes, alimentando-se de sangue. A lepidofagia (ato
de se alimentar de escamas de outros peixes) é praticada por certas espécies do gênero Roeboides
e Odontostilbe. Aruanãs (Osteoglossum spp) saltam para capturar insetos fora da água e
Gymnotiformes como o poraquê (Electrophorus electrus) e as tuviras (Gymnotus spp) produzem
descargas elétricas para comunicação e/ou paralisação de presas. Nos grandes lagos africanos, há
peixes especializados em retirar filhotes guardados na boca das mães e pais. Cascudos raspam o
perifíton (camada de algas) aderido em troncos e pedras. Os panaques, tipo diferenciado de cascudo
da Amazônia, comem pedaços da madeira. Curimbas e saguirus comem, basicamente, detrito -
restos de material orgânico, animal ou vegetal, em diferentes estágios de decomposição -
depositado no fundo do rio. O dourado, a cachorra e grandes bagres como a piraíba, o jaú, surubim
e o pintado comem, quase exclusivamente, peixe. Sarapós e tuviras consomem principalmente
insetos. Lambaris, mandi-amarelo, pacu-caranha, piracanjubas, matrinxãs, armados, piaus, piaparas
e muitos outros podem consumir diversos tipos de alimento, vegetal ou animal. Em geral, entre os
itens mais consumidos estão: o próprio detrito (presente em diferentes quantidades na dieta de
muitas espécies); peixe; insetos e outros invertebrados como crustáceos, moluscos e vermes; algas
e material de origem vegetal.
Reprodução: Em peixes ciclídeos (tucunarés, tilápias e carás), peixes extremamente diversos
nos grandes lagos africanos, mas também presentes no Brasil, é comum que os machos se tornem
mais coloridos e desenvolvam estruturas diferenciadas durante o período reprodutivo. Os salmões
do Pacífico (Oncorhynchus spp), por exemplo, mudam sua coloração e morfologia das maxilas ao
longo do amadurecimento das gônadas. Nos Cyprinodontiformes poecilídeos (lebistes, guarus,
barrigudinhos, molinésias, espadas e platis) há fecundação interna, assim como nos cangatis
(Auchenipteridae). Nestes, a fêmea pode inclusive armazenar esperma do macho para fecundações
posteriores. No caso dos Cyprinodontiformes e ciclídeos, há dimorfismo sexual (diferenças
morfológicas entre macho e fêmea). Os Cyprinodontiformes não desovam, são vivíparos. Nos
ciclídeos, assim como nas traíras (Hoplias spp), no pirarucu (Arapaima gigas) e pacamã
(Lophiosilurus alexandrii), há cuidado parental. Essas espécies fazem ninhos onde são depositados
os ovos e que são vigiados por um dos pais ou por ambos. Centrarquídeos (Black bass) depositam
seus ovos em galhadas submersas. Nessas espécies, é comum o territorialismo: não permitem
aproximação da área onde está o ninho, sendo espécies bastante agressivas que atacam quem se
aproxime dos ovos ou juvenis. Algumas piranhas e carpas depositam seus ovos em raízes de
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
27

macrófitas flutuantes (aguapé, alface d’água e outras). Alguns cascudos (Loricariidae) podem
carregar seus ovos aderidos em folhas ou no próprio corpo. Essas espécies que apresentam cuidado
parental tendem a produzir ovos maiores, em menor quantidade e com múltiplos eventos de desova
ao longo do ano. Os peixes migradores neotropicais (peixes de piracema) e alguns outros não
migradores como os saguirus, por sua vez, apresentam comportamento diferente: desovam
dezenas a centenas de milhares de ovos pequenos que não são guardados por nenhum dos pais.
Esses ovos são carreados pela corrente e se desenvolvem em locais diversos, que podem ser o canal
do próprio rio, corpo do lago ou lagoas marginais. A desova dessas espécies pode ocorrer em um
(desova total) ou mais (desova parcelada) eventos, quase sempre concentrados na estação chuvosa.
A piracema (Figura 10): Para que ocorra a desova, é necessário que os óvulos estejam
amadurecidos. O amadurecimento começa com a diferenciação de uma célula chamada ovogônia,
que se desenvolve passando por diversas fases e aumentando de tamanho. A ovogônia recebe do
fígado o vitelo, uma substância importante para nutrir o embrião e a larva. O núcleo desta célula
também sofre transformações e migra para a periferia, onde existe um orifício chamado micrópila,
pelo qual o espermatozoide penetra para realizar a fecundação. Processo semelhante ocorre nos
machos, nos quais as espermatogônias amadurecem e se transformam em espermatozoides. Para
que estes processos ocorram, é necessária a interferência de diversos hormônios. Os estímulos
ambientais decorrentes da alteração na duração do dia (fotoperíodo) e da variação de temperatura
estimulam o hipotálamo de algumas espécies a liberar hormônios que atuam sobre a hipófise. A
hipófise, então, produz os chamados hormônios gonadotrópicos, que atuam sobre ovários e
testículos, promovendo respectivamente a maturação dos óvulos e espermatozoides. Em cativeiro,
com água parada, as espécies que realizam piracema têm o desenvolvimento dos óvulos paralisado
na fase anterior à maturação final. Quando a maturação final ou a reprodução não ocorrem, os
óvulos são reabsorvidos. O processo em que o óvulo é destruído por enzimas é chamado de atresia
folicular. Quando ele começa, mesmo ocorrendo uma desova, a porcentagem de fecundação será
muito baixa. Dizemos que os ovos estavam passados, ou mais propriamente, atrésicos. O acúmulo
de ácido lático representa um estímulo vital para maturação. Após a maturação, a desova ocorre da
mesma forma que para as espécies ovíparas que desovam em água parada. Por esse motivo, a
construção de barramentos nos rios pode causar o gradual desaparecimento de diversas espécies
como pacu, curimba, piau, dourado, piracanjuba, matrinxã, pintado, cachara e jaú.

Figura 10 – Fenômeno da Piracema. Fonte: Internet


Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
28

4. Principais espécies de peixes envolvidas em acidentes ambientais

a) Nome Popular: curimatã, curimatá-pacu, curimbatá, curimba

Nome Científico: Prochilodus spp.

Família: Prochilodontidae

Distribuição Geográfica: Bacias Amazônica e Araguaia-Tocantins (P. nigricans), Prata (P.


lineatus,), São Francisco (P. argenteus e P. costatus), Doce (P. vimboides) e Jequitinhonha (P. hartii).
Também foram introduzidas nos açudes do Nordeste. Hoje, existe conhecimento da presença das
espécies do rio São Francisco nos rios Doce e Jequitinhonha, devido a introduções artificiais.

Descrição: Peixes de escamas. A principal característica da família é a boca protrátil, em forma


de ventosa, com lábios carnosos sobre os quais estão implantados numerosos dentes diminutos
dispostos em fileiras. As escamas são ásperas e a coloração é prateada. A altura do corpo e o
comprimento variam com a espécie. Pode alcançar de 30 a 80 cm de comprimento total e 15 kg de
peso, dependendo da espécie.

Ecologia: Espécies detritívoras: alimentam-se de matéria orgânica e microorganismos


associados à lama do fundo de lagos e margens de rios. Realizam longas migrações reprodutivas.
São capturadas em grandes cardumes, sendo espécies importantes comercialmente,
principalmente para as populações de baixa renda. Embora o valor comercial da carne seja baixo, o
grande volume de capturas torna a espécie importante na pesca. Na bacia do Prata, a curimba
representa mais de 50% da biomassa total de peixes que vivem no rio.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
29

b) Nome Popular: mandi; mandi–amarelo; mandi-guaçu

Nome Científico: Pimelodus spp.

Ordem/ Família: Siluriformes/Pimelodidae

Distribuição Geográfica: O mandi-amarelo (Pimelodus spp.), peixe de ampla distribuição


geográfica e de grandes variações cromáticas e até estruturais (Santos, 1954). Pode ser encontrado
na Amazônia, Guianas, Venezuela, Peru, Bolívia, Paraguai, Argentina, Bacia do Paraná, do Prata, Rio
Uruguai e Rio Iguaçu (Godoy, 1987).

Descrição: Peixe de médio porte, alcançando cerca de 50 cm de comprimento e peso de até 3


kg. O corpo é alto e a cabeça é curta e baixa, com a boca terminal e a fenda bucal ampla, não
possuindo dentes no palato. Os barbilhões maxilares são longos, alcançando a região do pedúnculo
caudal. O dorso é castanho escuro, com 3 a 4 séries longitudinais de manchas negras sobre o flanco.
As nadadeiras possuem manchas negras e pequenas.

Ecologia: De hábito alimentar onívoro com tendência à ictiofagia (Basile-Martins, 1978; Souza,
1982; Menin & Mimura, 1991), o mandi-amarelo apresenta ampla plasticidade da dieta, podendo
comer praticamente qualquer matéria de origem orgânica, desde frutos e sementes até peixe. Há
uma tendência da espécie se tornar piscívora com o crescimento, passando a consumir
principalmente peixes a partir dos 25 cm de tamanho (Lima-Junior & Goitein, 2003). Como na
maioria dos peixes de couro, habita o fundo dos ambientes aquáticos. É geralmente considerado
um peixe de piracema, fazendo a migração reprodutiva rio acima para a desova, que ocorre com a
elevação do nível das águas em razão das chuvas. No entanto, essa condição migratória é
controversa, pois a espécie também é abundante em cascatas de reservatórios, o que seria
incompatível com a migração reprodutiva. Especula-se que a espécie seria migradora opcional ou
que as populações originalmente conteriam os dois fenótipos (migrador e não migrador), que por
sua vez seriam selecionados de acordo com ambiente. O comprimento médio na primeira
maturação sexual varia de 12,5 a 18 cm para machos e 12 a 19 cm para as fêmeas. É uma espécie
abundante e importante na pesca comercial (Lolis et al., 1996), com boa aceitação pelo mercado
consumidor (Souza & Torres, 1984). É também a espécie mais comum em resgates durante paradas
de máquina em usinas da Cemig. A presença de três ferrões, um na nadadeira dorsal e outros dois
nas nadadeiras peitorais pode causar acidentes dolorosos e recomenda-se cuidado no manuseio
dos indivíduos.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
30

c) Nome Popular: piapara

Nome Científico: Megaleporinus spp.

Ordem/ Família: Characiformes/Anostomidae

Distribuição Geográfica: Bacias Amazônica e Araguaia-Tocantins, Prata e São Francisco.

Descrição: Peixe de médio porte, alcançando cerca de 50 cm de comprimento e podendo atingir


o peso de até 6 kg. Na bacia do Prata estão presentes M. obtusidens e M. piavussu. Em
Megaleporinus piavussu a boca é terminal, enquanto em Megaleporinus obtusidens essa é
subinferior. Possui seis dentes incisiviformes inclinados para frente, tanto na maxila superior quanto
na inferior. O corpo é alongado e comprimido lateralmente, sendo o dorso castanho-escuro e o
abdome amarelo. As escamas do tronco são castanho-escuras na base, dando o seu conjunto a
impressão de listras longitudinais interrompidas. Possui três manchas negras ovais ou alongadas
verticalmente, não bem delimitadas, sobre a linha lateral. As nadadeiras peitorais, pélvicas e anal
são amarelas. Sua coloração varia conforme a transparência da água do rio. Observamos que com
transparência maior, as piaparas tendem a ter cores mais fortes.

Ecologia: Possui hábito alimentar onívoro, alimentando-se de insetos, vegetais, peixes e,


eventualmente, de moluscos. Possui importância comercial na pesca de diversas bacias, tendo carne
apreciada pelo mercado. É um peixe de piracema, vivendo no canal dos rios.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
31

d) Nome Popular: dourado

Nome Científico: Salminus spp.

Ordem/ Família: Characiformes/Characidae

Distribuição Geográfica: Bacias do Prata (S. brasiliensis) e São Francisco (S. franciscanus).

Descrição: É o maior dos peixes de escama da bacia do Prata, podendo atingir mais de um metro
de comprimento e 30 kg de peso. O corpo é alto e as escamas são relativamente pequenas. A boca
possui duas séries de dentes, tanto no pré-maxilar, quanto no dentário. A séria externa é composta
de dentes cônicos muito maiores que os da interna. O dorso é castanho escuro. Na região central,
as escamas dorsais apresentam uma mancha, formando, em conjunto, estrias longitudinais. O
abdome e a região inferior do corpo são amarelo-vivos, com uma listra negra sobre os raios caudais
medianos. A nadadeira anal é áspera nos machos, devido a inúmeras espículas que aparecem entre
os raios na época da reprodução.

Ecologia: É um peixe de piracema, reproduzindo-se normalmente de novembro a janeiro. No


rio São Francisco, a jusante de Três Marias, o período com maior intensidade reprodutiva seria de
dezembro a março (Andrade et al. 2008). O macho atinge a maturidade sexual com dois anos de
idade, enquanto a fêmea alcança aos três anos. O hábito alimentar piscívoro dessa espécie já está
estabelecido em alevinos de 8 cm de comprimento, sendo o adulto um piscívoro exclusivo,
engolindo a presa inteira. Sua carne é muito apreciada pelo mercado, sendo considerada uma das
melhores entre peixes de água doce. Pela qualidade da carne e tamanho, é um dos peixes mais
procurados por pescadores.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
32

e) Nome popular: barbado

Nome Científico: Pinirampus pirinampu

Ordem/ Família: Siluriformes/ Pimelodidae

Distribuição Geográfica: Bacia do Prata, incluindo os rios Grande e Paranaíba.

Descrição: Peixe de grande porte, alcançando cerca de 60 cm de comprimento e 10 Kg de peso.


O dorso é verde-claro e o ventre esbranquiçado. A nadadeira dorsal é longa, com um acúleo flexível
e seis raios, a adiposa é muito longa e a anal possui onze raios. O peso médio gira em torno de 3 a
5 kg.

Ecologia: O período reprodutivo coincide com a enchente de rios. É um peixe muito voraz e
pode atacar peixes presos em malhadeiras. É oportunista e tem dieta variada. O local mais provável
para a sua captura é no leito de rios de médio e grande porte. É bastante procurado por pescadores
profissionais, que utilizam principalmente espinhéis iscados com peixe em sua captura. Essa espécie
merece atenção especial durante as paradas de máquinas pois tem aumentado a sua abundância
em muitos reservatórios da bacia do Paraná e se mostra extremamente frágil e sensível ao estresse
por manuseio e confinamento, ao contrário do mandi que é uma espécie bastante resistente.
Durante os resgates de peixes, deve-se dar prioridade a essa espécie sob o risco de ocorrerem
mortandades.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
33

f) Nome popular: corvina

Nome Científico: Plagioscion squamosissimus

Ordem/ Família: Perciformes/Sciaenidae

Distribuição Geográfica: Nativa da bacia Amazônica, hoje atinge os reservatórios da bacia do


Prata chegando aos rios Grande e Paranaíba.

Descrição: Corpo alto, boca terminal, pré-maxilar e dentário com várias séries de dentes. Corpo
prateado, nadadeiras claras.

Ecologia: Essa espécie se reproduz em ambientes lênticos, sendo uma das espécies exóticas que
mais impactam a comunidade de peixes nativa de diversos reservatórios da Cemig. Seu hábito
alimentar é piscívoro, mas a espécie também pode utilizar outros itens alimentares como crustáceos
e insetos. Em muitos casos, camarões de água doce são seu alimento principal. Entre todas as
espécies citadas, as corvinas são as únicas que apresentarem condição fisóclista. É bastante
procurada por pescadores em reservatórios e sua carne possui boa aceitação.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
34

g) Nome popular: corvina

Nome Científico: Pachyurus spp.

Pachyurus squamipennis Pachyurus francisci

Ordem/ Família: Perciformes/Sciaenidae

Distribuição Geográfica: Nativas da bacia do São Francisco, sendo que Pachyurus squamipennis
pode também atingir a região costeira.

Ecologia: Pouco se sabe sobre a reprodução dessa espécie, mas aparentemente demostram ser
prejudicadas por ambientes represados, lênticos. Seu hábito alimentar é variável de acordo com a
disponibilidade de alimentos, podendo classificá-la como insetívora bentônica, alimentando-se
principalmente de formas imaturas de insetos associadas ao substrato de fundo. Esse hábito
alimentar é favorecido pela posição da boca, que é pequena e sub-terminal. Podem também ser
classificada como piscívoras ou com tendência à piscivoria. Entre todas as espécies citadas, as
corvinas são as únicas a apresentarem condição fisóclista. É bastante procurada por pescadores e
sua carne possui boa aceitação.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
35

5. Bibliografia sugerida

Andrade Neto F.R. (2008) Migração e conservação do dourado (Salminus franciscanus, Lima & Britski
2007) em um trecho do rio São Francisco. Dissertação de mestrado, Programa de Pós-Graduação
em Ecologia, Conservação e Manejo de Vida Silvestre, Universidade Federal de Minas Gerais,
Belo Horizonte, Brasil.
Buckup P.A., Menezes N.A. & Ghazzi M.S. (2007) Catálago das espécies de peixes de água doce do
Brasil. Museu Nacional, Rio de Janeiro: 195p.

Drummond D.M., Martins C.S., Machado A.B.M., Sebaio F.A. & Antonini Y. (2005) Biodiversidade em
Minas Gerais: um atlas para a sua conservação. Belo Horizonte, Fundação Biodiversitas, 222p.

Helfman G.S., Collette B.B., Facey D.E. & Bowen B.W. (2009) The diversity of fishes. Wiley-Blackwell,
720p.

Hichman Jr.C.P., Roberts L.S. & Larson A. (2001) Integrated Principles of Zoology. McGraw-Hill, 899p.

Langeani F., Castro R.M.C., Oyakawa O.T., Shibatta O.A., Pavanelli C.S. & Casatti L. (2007)
Diversidade da ictiofauna do Alto Rio Paraná: composição atual e perspectivas futuras. Biota
Neotropica 7(3), 181-197.

Lévêque C., Oberdorff T., Paugy D., Stiassny M.L.J. & Tedesco P.A. (2008) Global diversity of fish
(Pisces) in freshwater. Hydrobiologia 595, 545-567.

Lima-Junior S.E. & Goitein R. (2003) Ontogenetic diet shifts of a Neotropical catfish, Pimelodus
maculatus (Siluriformes, Pimelodidade): an ecomorphological approach. Environmental Biology
of Fishes 68 (1), 73-79.

Lowe-McConnell R.H. (1999) Estudos ecológicos em comunidades de peixes tropicais. São Paulo:
Editora USP, 535 pp.

Malabarba L.R., Reis R.E., Vari R.P., Lucena Z.M.S. & Lucena C.A.S. (1998) Phylogeny and
Classification of Neotropical Fishes. Edipucrs: 603p.

Myers, G.S. (1951) Fresh-water fishes and East Indian zoogeography. Stan. Ich. Bull. 4, 11-21.

Nelson, J.S. (2006) Fishes of the World. Wiley: 601p.

Reis R.E., Kullander S.O. & Ferraris Jr.C.J. (2003) Check List of the Freshwater Fishes of South and
Central America. Edipucrs: 729p.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
36
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
37

CAPÍTULO 2 2

PRINCIPAIS IMPACTOS DAS HIDRELÉTRICAS SOBRE A ICTIOFAUNA

Raquel Coelho Loures


Ana Carolina Lacerda Rêgo
Ivo Gavião Prado

Ao contrário da maioria dos países do mundo, a matriz energética brasileira é basicamente


hidráulica (16% em todo o mundo e 66% no Brasil). Apesar de sua importância para o
desenvolvimento industrial e econômico, as usinas hidrelétricas são responsáveis por mudanças
severas e irreversíveis nos cursos d´água e para os organismos que ali habitam, especialmente os
peixes. Neste capítulo apresentaremos: os principais impactos causados pela construção e operação
de usinas hidrelétricas; noções sobre a legislação ambiental pertinente; medidas de
mitigação/prevenção dos impactos; contextualização da Cemig neste cenário e ferramentas
internas para controle.

1. Legislação

A Constituição Federal de 1988 tem diversos artigos que trazem preocupação com as questões
ambientais como fundamentais para a continuidade da vida em nosso planeta. Vale destacar o
artigo 225, que insere um capítulo destinado ao meio ambiente. Ele apresenta regras e princípios
que deverão ser obedecidos por toda a sociedade e não apenas por quem explora comercialmente
a natureza. Segundo o Art. 225 da Constituição Federal de 1988 “Todos têm direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade
de vida, impondo-se ao Poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações”.

O artigo 170, parágrafo VI, da Constituição dispõe que é princípio da atividade econômica a
defesa do meio ambiente. O artigo 225 parágrafo IV indica outra norma a limitar o pleno uso do
bem ambiental quando for caso de obra ou atividade causadora de passivo ambiental.

O artigo. 3o do Decreto-Lei Nº 4.657/1942, Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro adverte:


“Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece. ”

Loures R. C., Prado I. G & Rêgo A. C. L (2019) Principais impactos das hidrelétricas sobre a ictiofauna. In In: Gandini C. V. ,Loures R.
C. & Caldeira Y. M. (orgs.) Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico. Belo Horizonte: Companhia
Energética de Minas Gerais, 2.ed., pp. 37-70.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
38

Dessa forma, é importante o conhecimento de algumas normas importantes para o nosso


trabalho no dia-a-dia:

A Lei 6938/1981 - Política Nacional do Meio Ambiente tornou obrigatório o licenciamento


ambiental para atividades ou empreendimentos que possam degradar o meio ambiente; aumentou
a fiscalização e criou regras mais rígidas para atividades de mineração, construção de rodovias,
exploração de madeira e construção de hidrelétricas.

A Lei 9.605/1998 – Lei de Crimes Ambientais, que dispõe sobre as sanções penais e
administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras
providências. No seu artigo 29 determina que é crime ambiental: “matar, perseguir, caçar, apanhar,
utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença
ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida”

O Decreto federal 6.514/2008 que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio
ambiente estabelece o processo administrativo federal para apuração das infrações apresentadas
na Lei 9.605/1998, e dá outras providências.

O Decreto Estadual 43.713/2004 regulamenta a Lei Estadual nº 14.181, de 17 de janeiro de


2002, que dispõe sobre a política de proteção à fauna e à flora aquáticas e de desenvolvimento da
pesca e da aquicultura no Estado, e dá outras providências.

A Lei 21.972/2016 que reestrutura o SISEMA (Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos
Hídricos) e estabelece novos procedimentos e diretrizes para o licenciamento ambiental:
licenciamento simplificado e concomitância de fases.

O Decreto Estadual 47.383/2018 que revoga o decreto 44.844/2008 e estabelece normas para
licenciamento ambiental, tipifica e classifica infrações às normas de proteção ao meio ambiente e
aos recursos hídricos e estabelece procedimentos administrativos de fiscalização e aplicação das
penalidades.

A Resolução Conjunta Semad/IEF 1.905/2013 que dispõe sobre os processos de autorização


para intervenção ambiental no âmbito do Estado de Minas Gerais e dá outras providências

Portarias do IEF - MG, com destaque para as que definem o período de piracema nas bacias
hidrográficas de Minas Gerais e regulamentam a pesca nesse período.

Além destas normas, é importante sempre buscar atualizações sobre novas legislações da
Secretaria de Meio Ambiente (SEMAD – MG) e Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos
Naturais Renováveis (IBAMA) e de órgãos ambientais de outros estados, quando aplicável.

Atender aos requisitos legais impostos na legislação vigente, em condicionantes e outras


demandas ambientais é dever das empresas que utilizam recursos naturais como insumo.
Entretanto, a colaboração e aproximação dos órgãos ambientais aumenta a confiança nas atividades
desenvolvidas pela empresa, mostrando o comprometimento com ações mais sustentáveis.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
39

2. Impactos a montante e a jusante resultantes da construção de hidrelétricas

Durante o planejamento, implantação e operação de empreendimentos hidrelétricos, o setor


elétrico brasileiro tem se deparado com várias questões ambientais. Dentre essas questões,
destacam-se os impactos sobre a fauna aquática, em especial sobre os peixes.

A construção de barramentos e a consequente formação de reservatórios impactam


diretamente toda a comunidade aquática do ambiente. A montante do reservatório, o principal
impacto é a transformação do ambiente lótico em lêntico, o que desencadeia uma série de
mudanças físicas, químicas e biológicas nessa região. A jusante do barramento também se observa
alterações do fluxo de água e controle do regime de cheias. Além disso, o barramento provoca o
bloqueio de rotas migratórias de peixes em ambos os sentidos.

Como consequências desses impactos ocorrem grandes alterações na composição de espécies


e redução da biodiversidade da ictiofauna nativa e, em muitos casos, redução da produtividade
pesqueira.

2.1. Impactos a montante

O barramento de rios causa muitas modificações no ambiente aquático. Dentre os impactos a


montante da barragem podem ser destacados: restrições impostas pela dinâmica da água,
inundação de áreas sazonalmente alagáveis, eutrofização e deterioração da qualidade da água,
estratificação térmica e condições anóxicas nas camadas mais profundas da represa, instabilidade
das comunidades bentônica e litorânea e redução da razão área terrestre/área aquática.

Com a formação do reservatório, haverá mudança da profundidade e do curso natural do rio,


além da modificação do regime lótico para lêntico. Tais alterações interferem em fatores físicos,
químicos e biológicos, como a incidência de luz, a temperatura da água, a concentração de oxigênio
e nutrientes e a distribuição das comunidades na coluna d’água.

A alteração das águas lóticas de um rio para as lênticas ou semilênticas de uma represa tem
efeitos adversos sobre as espécies. As novas condições podem ser restritivas ao desenvolvimento
de umas (espécies reofílicas que necessitam das águas correntes para completar seu ciclo de vida)
e favoráveis ao de outras que têm condições para manifestar seu potencial de proliferação no novo
ambiente (geralmente espécies sedentárias).

Um dos efeitos do represamento no corpo do reservatório é a inundação de áreas


sazonalmente alagáveis. O regime hídrico das planícies sazonalmente alagáveis tem papel
fundamental para desova de alguns peixes e desenvolvimento inicial da maioria das espécies. Dessa
forma, o alagamento dessas áreas antes submetidas a flutuações naturais do nível fluviométrico
poderá impactar a reprodução, disponibilidade de alimento e abrigo para inúmeras espécies de
peixes.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
40

O aumento na concentração de nutrientes resultantes da decomposição da biomassa alagada


durante a formação do reservatório associado à entrada de poluentes oriundos das atividades
antrópicas desenvolvidas na bacia pode levar a condições de produtividade primária excessiva ou à
explosão de biomassa de macrófitas aquáticas flutuantes, conduzindo a uma redução do teor de
oxigênio dissolvido. A piora da qualidade da água decorrente do processo de eutrofização do corpo
d’água refletirá negativamente na ictiofauna. O desenvolvimento acentuado das macrófitas
também pode prejudicar os usos múltiplos do reservatório.

Com a formação do reservatório ocorre aumento da profundidade e diminuição da velocidade


da água que, associados a outros fatores, podem promover a estratificação térmica da coluna de
água. Nesse caso, as camadas mais profundas da represa podem ficar sem oxigênio dissolvido, o
que acarretará na eliminação da comunidade de peixes nela presente.

Outro impacto refere-se à instabilidade das comunidades bentônicas e litorâneas. A deposição


de material particulado no ambiente represado, resultante do carreamento de trechos superiores
ou das encostas, dependendo de sua magnitude, pode impedir a instalação de uma comunidade
bentônica estável. Como esses organismos constituem um importante recurso alimentar para
diversas espécies de peixes, a instabilidade dessa comunidade pode se refletir na disponibilidade de
alimento. Já na região litorânea, a flutuação do nível do reservatório e a ação das ondas sobre suas
margens dificultam a instalação de uma comunidade vegetal e animal que é utilizada como fonte
de abrigo e alimento, principalmente por juvenis. Esses ambientes tornam-se, também,
inadequados para postura de ovos de várias espécies que deles necessitam.

Por último, os represamentos reduzem a razão área terrestre/área aquática, importante para
as espécies cujo alimento é essencialmente alóctone, como as frugívoras.

Também vale ressaltar que os reservatórios podem induzir modificações na estrutura das
comunidades da bacia a montante por representarem uma ampliação dos ambientes lênticos e ser
foco de proliferação de espécies lacustres, geralmente de menor interesse para pesca. Além disso,
o represamento pode eliminar barreiras geográficas à dispersão de determinadas espécies e, com
isso, realizar introduções nos trechos a montante do represamento. O barramento também
representa uma barreira física para deslocamentos de dispersão, alimentação e reprodutivos
(especialmente para o carreamento de ovos e larvas de peixes) para a comunidade de peixes do
trecho a montante.

2.2. Impactos a jusante

A jusante do barramento observa-se: alterações do fluxo de água; bloqueio de rotas migratórias


de peixes; supersaturação gasosa pela incorporação de gases atmosféricos devido a ação do
vertedouro e turbinas; impacto mecânico em algumas espécies de peixes em decorrência do
funcionamento de turbinas e vertedouro; aumento nos níveis de predação próximo à barragem
devido à alta densidade de peixes que podem se acumular nas proximidades dessa área; regulação
do regime de cheias.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
41

Em grande parte das usinas hidrelétricas, é comum observar, em determinados períodos do


ano, grandes concentrações de cardumes a jusante de barragens, no canal de fuga (Figuras 1 e 2).
A presença destes peixes ocorre mesmo quando um mecanismo de transposição de peixes
(estratégia empregada para eliminar o bloqueio exercido por barramentos à migração da ictiofauna)
encontra-se instalado. Acredita-se que, durante o funcionamento da hidrelétrica, as condições
hidráulicas nos trechos imediatamente a jusante da barragem podem atraí-los para o canal de fuga.

Reservatório

Canal
de fuga

Vertedouro

Figura 1 – Vista aérea da Usina Hidrelétrica de Três Marias (UHE Três Marias) com indicação dos nomes de
sua estrutura como um modelo geral de uma usina hidrelétrica.

Figura 2 – Cardume a jusante da UHE Três Marias.


Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
42

A presença desses cardumes é motivo de preocupação para o setor elétrico, uma vez que várias
manobras executadas nas usinas apresentam risco à ictiofauna. As principais manobras que
impactam os peixes a jusante estão relacionadas na Tabela 1. Alguns estudos e levantamentos
realizados pelo setor elétrico demonstram que partidas e drenagem de unidades geradoras (UG)
são as operações de maior risco a fauna de peixes.

Tabela 1 – Descrição das principais manobras que impactam os peixes.

PRINCIPAIS IMPACTOS SOBRE OS


MANOBRA DESCRIÇÃO
PEIXES
Antes que o isolamento da UG seja
Isolamento do circuito hidráulico com concluído, peixes do canal de fuga
colocação de comportas e/ou painéis podem entrar e ficar aprisionados no
Drenagem de “stop log” a montante e a jusante e tubo de sucção. Na drenagem da
unidade geradora drenagem da água de todo o sistema água pode haver deplecionamento
(Figura 3) para realização de alguma de oxigênio dissolvido com
manutenção no interior da unidade consequente morte dos peixes.
geradora (UG). Estresse e ferimentos podem ocorrer
durante o resgate dos peixes na UG.
Há redução da quantidade de água Os peixes podem aproximar-se do
que passa pela turbina. A vazão rotor da turbina, em decorrência da
Giro a vazio turbinada fica entre 10 e 15% da vazão redução da vazão, onde a risco de
turbinada máxima. A UG gira, mas sem colisão com as pás e de
produzir energia. descompressão.
Enquanto a UG está parada, peixes
podem entrar no tubo de sucção e
Partida de unidade
durante a partida sofrer impactos nas
geradora Início da rotação da turbina. pás da turbina e paredes do tubo de
sucção. Eles também podem sofrer
(Figura 4)
barotraumas (e.g., exoftalmia e
eversão estomacal).
Durante o vertimento, peixes de
montante podem descer e sofrer
Abertura do vertedouro para
colisões com a estrutura física do
passagem de água do reservatório
vertedouro provocando lesões e
para jusante. O vertimento pode
fraturas. Nos peixes de jusante, pode
ocorrer por várias razões como:
Operação do aparecer embolia gasosa devido à
manutenção de determinada vazão no
vertedouro supersaturação de gases na água.
trecho a jusante, capacidade de
Quando do fechamento do
armazenamento do reservatório
vertedouro, peixes podem ficar
esgotada; planejamento do volume de
aprisionados, em poças a jusante e
água do reservatório, etc.
na área de alagamento das margens,
e faltar-lhes oxigênio.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
43

A reversão síncrono-gerador ocorre


quando a UG volta a gerar depois de
operar como motor. Na situação de
motor, é injetado ar comprimido na Durante expulsão da bolha de ar,
UG, com as pás do distribuidor peixes são arremessados contra as
Reversão fechadas, rebaixando o nível de água pás da turbina e paredes do tubo de
síncrono-gerador do tubo de sucção. O rotor da turbina sucção. Eles também são submetidos
(Figura 5) gira livremente, sem contato com a a variações bruscas de pressão,
água e sem produção de energia. A UG podendo apresentar exoftalmia,
fica pronta para entrar em carga a hemorragias e perda de
partir de um aumento de demanda. A direcionamento, que pode deixá-los
reversão síncrono-gerador ocorre mais susceptíveis aos predadores.
com a abertura das pás do
distribuidor. A água que entra expulsa
o ar para jusante pelo tubo de sucção.
O grau de impacto se relaciona com a
morfologia do rio a jusante e nível de
oscilação. Peixes podem ficar
Diferenças na demanda energética
aprisionados em locas e poças
levam a variação de carga nas usinas,
formadas durante o rebaixamento
que diminuem ou aumentam a
Variação de carga do nível do rio a jusante. Nesses
geração de acordo com a necessidade.
locais, pode haver falta de oxigênio
Neste caso, a vazão que passa pelas
(Figura 6) dissolvido ou água. Além disso,
turbinas irá variar conforme a carga, o
peixes podem ser afetados pelo
que pode provocar variações no nível
aumento súbito da carga (que
de jusante.
aumentará a vazão), devido
variações na pressão e turbulência
no tubo de sucção.

Figura 3 – Peixes aprisionados no tubo de sucção de uma usina durante drenagem de unidade geradora
(PCH Pai Joaquim, março/2009).
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
44

Figura 4 – Peixes mortos durante partida de unidade geradora da UHE Três Marias em março de 2007.

Figura 5 – Expulsão da bolha de ar durante reversão síncrono-gerador na UHE Emborcação.


Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
45

Figura 6 – Variação de carga com oscilação do nível a jusante da UHE Irapé. Possíveis locais de
aprisionamento de peixes.

Nas paradas das unidades geradoras, quando só ocorre a interrupção do funcionamento das
turbinas, sem que haja fechamento de comportas, o tubo de sucção permanece aberto, em
continuidade com o rio a jusante (canal de fuga, Figura 7). Os peixes podem entrar no seu interior e
há possibilidade de sofrerem devido ao impacto com as pás das turbinas ou estruturas do tubo de
sução injúrias durante a partida da UG para retornar ao sistema elétrico. Como partida é a manobra
mais comum na operação das usinas, seu potencial risco aos peixes deve-se à frequência com que
ela ocorre.

Figura 7 – Perfil esquemático mostrando componentes de uma usina hidrelétrica e, no caso de parada de
unidade Geradora (UG), peixes com acesso ao interior da estrutura.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
46

Existe relação entre o tipo de turbina e as injúrias nos peixes. Turbinas do tipo Francis são mais
danosas à ictiofauna que as do tipo Kaplan. As turbinas tipo Francis apresentam pás fixas com
ângulos de curvatura especial no rotor, enquanto que as pás das turbinas tipo Kaplan, são móveis e
distribuídas como em uma hélice.

Nas paradas para manutenções programadas ou emergenciais que necessitam de drenagem da


UG (esvaziamento do tubo de sucção), comportas e/ou painéis stop log são colocados a montante
e a jusante para isolamento do circuito hidráulico da UG. Porém, antes que o fechamento total
esteja concluído, pode ocorrer a entrada de peixes das imediações do canal de fuga no tubo de
sucção, possivelmente atraídos pela redução da vazão e/ou pelas correntes geradas pelas unidades
vizinhas. Uma vez confinados no interior do tubo de sucção sem fluxo d’água, os peixes estão
susceptíveis ao deplecionamento do oxigênio dissolvido (OD) que pode levar à morte por asfixia. A
abundância de peixes aprisionados, a concentração de OD e o tempo necessário para realizar os
trabalhos de drenagem determinam o grau de risco da manobra. Quanto mais peixes aprisionados,
maior será o consumo de OD no interior da UG, sendo necessários procedimentos para monitorar
e controlar o nível de OD durante a drenagem e a retirada dos peixes para retorná-los ao rio (ver
item 3).

2.3. Efeitos da introdução de espécies exóticas

A mudança estrutural das comunidades aquáticas provocadas pelo represamento é agravada


ainda pela introdução de espécies exóticas nos reservatórios. A introdução de espécies é
considerada como a segunda maior causa promotora de perda de biodiversidade, ficando atrás
somente da destruição de hábitats naturais.

Espécie exótica é aquela não nativa, proveniente de outros continentes. O termo alóctone é
usado para designar espécies não nativas oriundas de outras bacias hidrográficas.

As introduções podem ou não ser intencionais. No caso dos peixes, as razões mais frequentes
para as introduções são a pesca (espécies introduzidas para pesca esportiva ou como isca para
pesca), controle biológico de pragas (espécies introduzidas para controle de mosquitos, por
exemplo), aquarismo (espécies de aquário introduzidas intencional ou acidentalmente) e
piscicultura (espécies utilizadas em piscicultura que podem ser introduzidas intencionalmente ou
acidentalmente em decorrência de escapes). Têm-se ainda introduções decorrentes da própria
formação do reservatório que, como citado anteriormente, dependendo das condições topográficas
da bacia, pode eliminar barreiras geográficas permitindo a dispersão de espécies para trechos onde
antes elas não existiam. Este foi o caso da UHE Itaipu, que eliminou as Setes Quedas, um obstáculo
natural instransponível aos peixes entre os trechos do alto e médio rio Paraná.

Dentre as introduções realizadas com espécies de outros continentes, as mais bem-sucedidas


em reservatórios foram as tilápias de origem africana (Tilapia rendalli e Oreochromis niloticus)
(Figura 8A). Outros exemplos são as carpas asiáticas (Cyprinus carpio, Ctenophringodon idella e
Hypophthalmichthys nobilis) e bagre africano (Clarias gariepinus). Em relação às espécies
transferidas entre bacias, os tucunarés do gênero Cichla (Figura 8B) e a corvina Plagioscion
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
47

squamosissimus são as principais espécies amazônicas transferidas para diversas bacias do país (ex:
Paraná, Paraíba do Sul, São Francisco e bacias do Nordeste) e cujo sucesso na colonização de
reservatórios foi relevante.

Figura 8 – Espécies Coptodon rendalli (tilápia) (esquerda) e Cichla kelberi (tucunaré) (direita).
Fotos: Francisco Langeani.

Muitas espécies introduzidas têm vantagem sobre nativas por apresentar alta capacidade
competitiva. Geralmente, são espécies com hábito onívoro, alto potencial reprodutivo (cuidado
parental e múltiplas desovas ao longo do ano) e de elevada plasticidade frente às condições
ambientais.

Entre os impactos causados pelas espécies introduzidas à fauna nativa destacam-se:


competição por recursos (recursos alimentares, espaço, locais para desovas e construção de ninhos,
etc), predação exacerbada, disseminação de parasitas e patógenos, degradação genética (os
impactos causados pela introdução podem reduzir o contingente populacional de algumas espécies
e contribuir para diminuição da variabilidade genética) e hibridação (se cruzamento de espécie
introduzida com nativa for viável, a manutenção do patrimônio genético da espécie pode ser
comprometida). A médio e longo prazo, as espécies introduzidas podem provocar alterações de
comportamento e uso da área e até mesmo extinção local.

Um exemplo desses impactos é a introdução do tucunaré (Cichla sp.) e da corvina (P.


squamosissiumus) em reservatórios do rio Grande. Essas espécies promoveram uma grande pressão
de predação sobre espécies de pequeno porte, que tiveram suas populações deplecionadas. Tal fato
levou os invasores a se alimentar dos seus próprios jovens (canibalismo). Em alguns locais onde foi
introduzido, o tucunaré-amarelo (Cichla kelberi), que é um predador extremamente voraz,
ocasionou redução da riqueza e densidade de peixes, desaparecimento de espécies de peixes de
pequeno porte, além de uma tendência a homogeneização biótica.

Apesar deste tópico se restringir a introdução de espécies de peixes, vale lembrar o molusco
invasor Limnoperma fortunei (mexilhão-dourado) (Figura 9), que tem impacto direto sobre usinas
hidrelétricas. Originária do sudeste Asiático, essa espécie chegou à América do Sul em 1991 pelo
porto de Buenos Aires, por meio das águas de lastro dos navios, e se disseminou a partir do rio da
Prata. O mexilhão invade, ainda em forma de larva, as tubulações por onde passa a água e lá se fixa.
Na fase adulta, obstrui as tubulações, podendo causar superaquecimento nas máquinas. Ele se
reproduz rapidamente, não possui predador natural e compete na alimentação com algumas
espécies nativas.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
48

Figura 9 – Espécie Limnoperma fortunei (mexilhão-dourado) (esquerda) e interior da unidade geradora de


uma usina hidrelétrica tomada pelo invasor (direita). Fotos: Helen Regina Mota.

3. Formas de se evitar o impacto das hidrelétricas sobre a ictiofauna

A busca por soluções para os impactos à ictiofauna decorrentes da operação e manutenção de


usinas hidrelétricas é crescente no setor elétrico nacional e internacional. O conhecimento sobre a
ictiofauna a jusante dessas usinas é de extrema importância para subsidiar decisões relacionadas às
ações a serem implementadas. O investimento em pesquisa é fundamental. A redução desses
impactos beneficia o ambiente, mantendo um bom funcionamento com características próximas
das naturais. Além disso, a economia em multas ambientais, que tendem a ser mais rigorosas com
o tempo, passa a ser um importante resultado.

Impactos à ictiofauna são inerentes ao processo de geração de energia hidrelétrica desde a


construção até a sua operação e manutenção. Com objetivo de mitigar e evitar alguns desses
impactos, diversas medidas de manejo e conservação são adotadas e estudadas. Dentre elas, os
peixamentos e os sistemas de transposição de peixes serão abordados no Capítulo 6. Além das
medidas citadas anteriormente, apresentamos a seguir, outras ações e resultados de estudos
desenvolvidos pelo Programa Peixe Vivo para manejo e conservação da ictiofauna na área de
influência de seus empreendimentos.

3.1. Procedimentos para evitar/mitigar impactos da operação de usinas sobre a ictiofauna

Várias usinas já adotam procedimentos específicos para cada manobra, a fim de evitar/mitigar
os impactos sobre a ictiofauna. A programação de paradas das unidades geradoras deve ser feita,
preferencialmente, em período fora da piracema e arribação (migração de dispersão dos juvenis),
pois nestes períodos a concentração de peixes é maior no canal de fuga. Além disso, há
planejamento para otimização de manutenções para a redução do número de paradas. A seguir, os
procedimentos já adotados na Cemig para cada manobra são descritos. No Capítulo 3, esses
procedimentos serão apresentados com mais detalhes.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
49

Giro a vazio: Existem procedimentos que determinam o tempo máximo que as unidades
geradoras podem permanecer na condição de giro a vazio para que não tenham problemas
mecânicos. Porém, esse tempo pode ser ainda menor por questões relativas ao risco de morte de
peixes dependendo da usina e do seu histórico de impacto.

Reversão síncrono-gerador: Não é recomendado fazer a reversão automática, que expulsa a


bolha de ar abruptamente. A expulsão rápida das bolhas submete os peixes a grandes diferenças de
pressão e supersaturação gasosa. Quando a reversão é lenta, a bolha é expulsa lentamente,
permitindo aos peixes se adaptarem às novas condições ou saírem da região.

Partida de unidade geradora: Deve ser feita preferencialmente durante o dia e com velocidade
reduzida, para que a velocidade da água no tubo de sucção aumente progressivamente, diminuindo
o risco de choque dos peixes com as pás da turbina e estruturas físicas do tubo de sucção.

Drenagem de unidade geradora: O risco da realização da manobra de drenagem está


relacionado à quantidade de peixes no canal de fuga. Quanto mais peixes, maior o risco. Desta
forma, realiza-se monitoramento da ictiofauna no canal de fuga previamente à drenagem, com o
propósito de avaliar a quantidade de peixes presentes e o risco da manobra. Dependendo do risco,
as manobras podem ser abortadas ou reprogramadas. Durante o procedimento de drenagem, é
feito o monitoramento da temperatura e do OD. O OD é um parâmetro de qualidade da água crucial
à sobrevivência dos peixes. Para medir o OD, amostra de água é coletada junto às escotilhas de
acesso à caixa espiral, tubo de sucção e poço de esgotamento. Em caso de redução abrupta dos
níveis de OD ou caso sua concentração chegue a níveis críticos, pode ser feita injeção de OD,
renovação da água ou até suspensão da manobra. Após a abertura da escotilha de acesso ao tudo
de sucção, os peixes aprisionados são resgatados e posteriormente devolvidos ao rio. O
procedimento deve ser feito de forma ininterrupta e com a maior brevidade possível para diminuir
o tempo de confinamento dos peixes.

Figura 10 – Monitoramento do oxigênio dissolvido (OD) na escotilha da sucção


durante drenagem de unidade geradora da UHE Três Marias.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
50

3.2. Barreiras físicas


Barreiras físicas podem ser importantes ferramentas para evitar a presença de peixes em áreas
de risco de impacto nas usinas hidrelétricas. As barreiras físicas mais comuns são as grades ou telas.
Elas podem ser usadas tanto no reservatório, para evitar a entrada de peixes na tomada d´água,
vertedouro ou em outras estruturas, quanto nas saídas do tubo de sucção a jusante do barramento.
Em quase todas as instalações existem grades na tomada d´água, mas a eficiência para evitar a
passagem de peixes é reduzida devido à impossibilidade de utilizar grades com malhas pequenas.
Os problemas mais críticos tendem a ocorrer a jusante das usinas, principalmente com a entrada
de peixes no tubo de sucção durante paradas de unidades geradoras. Para tentar reduzir esse
impacto, sistemas de grades têm sido utilizados. Essas grades podem ser empregadas para guiar os
peixes para regiões de menor risco ou impedir sua entrada no tudo de sucção. Para isso, elas descem
imediatamente após a parada da UG, impossibilitando a entrada de peixes no tubo de sucção. O
tempo de descida das grades deve ser o menor possível, o que diminui a possibilidade de entrada
de uma grande quantidade de peixes. Mesmo que peixes fiquem aprisionados no interior do tubo
de sucção após a descida das grades, há renovação da água. No momento de retomada do
funcionamento da UG, a grade é retirada imediatamente antes do início da partida do equipamento,
reduzindo o intervalo de tempo em que peixes poderiam entrar no tubo de sucção. Atualmente, as
UHEs Retiro Baixo e Três Marias, possuem sistemas de grades instalados (Figura 11).
Posteriormente, o sistema de grades da UHE Três Marias será descrito com mais detalhes.

A B

Figura 11 – Sistema de grades das Usinas hidrelétricas (UHE) de Três Marias (A) e Retiro Baixo (B).

3.3. Barreiras comportamentais

Outra alternativa para o direcionamento dos peixes são as barreiras comportamentais. Elas
possuem o intuito de influenciar o comportamento dos peixes repelindo-os de áreas de maior risco.
Dentre os sistemas de repulsão, destaca-se a utilização da luz estroboscópica, bolhas, som e campo
elétrico. A efetividade das barreiras comportamentais varia conforme a espécie e tamanho dos
peixes, condições do local e as condições ambientais (incluindo turbidez da água e vazão). O
desenvolvimento e aprimoramento de sistemas de repulsão de peixes podem significar redução nos
riscos de operação e manutenção de hidrelétricas.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
51

Várias espécies de peixes têm sistemas visuais bem desenvolvidos e para elas a luz é um
importante estímulo. Luz estroboscópica é proveniente de dispositivos capazes de emitir flashes de
luz extremamente rápidos, curtos e brilhantes. Luz estroboscópica tem demonstrado eficácia para
repulsão de várias espécies de peixes de regiões de clima temperado quando utilizada na frequência
de emissão de 300 flashes/min. Os resultados obtidos em trabalhos no Brasil têm sido promissores.
Entretanto, estudos em ambientes de clima temperado têm demonstrado que passado algum
tempo de exposição à fonte de luz, algumas espécies de peixes tendem a se acostumar,
neutralizando o efeito de repulsão. Além disso, a velocidade da água é um fator determinante para
sua eficiência.

O sistema de cortina de bolhas consiste na geração de bolhas na área de risco criando uma
barreira que visa impedir que os peixes a atravessem. Além disso, acredita-se que exista também
um estímulo acústico nesse sistema. Esse sistema apresenta eficiência variável, principalmente
relacionado às condições ambientais da região. Entretanto, possui baixo custo quando comparado
aos demais e deve ser mais bem estudado. Além disso, a velocidade da água também é um fator
determinante para sua eficiência.

Diferente da luz, o som se propaga muito bem na água. A linha lateral é o principal sistema
relacionado com a percepção do som e outros estímulos pelos peixes. Assim como para a luz
estroboscópica e as bolhas, os resultados do som na repulsão de peixes têm sido variáveis. Alguns
estudos mostraram eficiência, outros não. Além disso, o tipo do som emitido produz resultados
diferentes. As barreiras sonoras têm sido estudadas desde a década de 80 e utilizam ondas sonoras
que podem ser divididas em três grupos: infrasom (<35Hz), som audível (35 a 20000Hz) e ultrasom
(>20000Hz). Testes realizados com frequências audíveis demonstraram resultados muito
inconstantes e, muitas vezes, com baixa eficiência. Além disso, tem-se constatado que o estímulo
pelo som parece ser espécie-específico, o que geralmente dificulta seu uso.

Peixes são sensíveis a campos elétricos e podem ser guiados ou afugentados com o seu uso. As
barreiras elétricas utilizam o campo elétrico para expulsar ou guiar peixes para áreas específicas. A
forma da onda, frequência e intensidade da corrente elétrica afetam diretamente a sensibilidade
dos peixes. Além disso, fatores limnológicos e o tamanho do peixe também influenciam sua
eficiência. Esses sistemas podem repelir os peixes pelo incômodo causado pelo campo elétrico ou
através de eletronarcose. A maior eficiência desse sistema tem sido obtida em caso de repulsão de
peixes em movimento de subida. Quando o peixe se aproxima da barreira o suficiente para ficar
paralisado, o fluxo de água se encarrega de levá-lo para longe da área de risco. Apesar da eficiência,
geralmente a amplitude do campo é pequena, a instalação e manutenção são difíceis e existem
restrições de segurança para sua utilização, principalmente em regiões com presença de pescadores
e ribeirinhos.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
52

4. O que a Cemig está fazendo para mitigação de impactos?

4.1. Monitoramento da Ictiofauna

A realização de um monitoramento, em geral atende aos propósitos de: avaliar a eficácia de


uma medida de manejo (ex: peixamento, pesca controlada, fiscalização), identificar situações de
uso incorreto da bacia hidrográfica ou da exploração de recursos naturais (ex: desmatamento,
depleção de estoque pesqueiro), detectar alterações incipientes, intrínsecas ou estocásticas no
ambiente e ainda aquelas resultantes de atividades antropogênicas (ex: alterações climáticas,
poluição, agricultura).

A principal fonte de energia elétrica no país é constituída pelas usinas hidrelétricas e o


barramento de rios para implantação de usinas causa uma série de modificações no ambiente,
gerando impactos sobre a fauna aquática, em especial os peixes. As alterações na composição dos
recursos aquáticos e a extinção localizada de alguns elementos da ictiofauna são fenômenos
inerentes a qualquer represamento. Desta forma, o setor elétrico geralmente, prevê programas de
monitoramento na área de influência dos seus reservatórios para avaliação destes impactos ao
longo do tempo de forma a subsidiar medidas de manejo mitigatórias. Apesar da grande quantidade
de empreendimentos, o monitoramento das assembleias de peixes (Figura 12) ocorre em um
número relativamente reduzido de reservatórios brasileiros. As informações obtidas nesses
monitoramentos são essencialmente relacionadas à ictiologia básica, como a composição de
espécies e a captura por unidade de esforço (CPUE). Além disso, informações relativas à estrutura
biométrica, reprodutiva e alimentar são também frequentes nos monitoramentos. Na Cemig, são
realizados dois tipos de monitoramento que estão descritos nos itens subsequentes.

Figura 12 – Métodos de coleta empregados durante monitoramento de peixes: rede de emalhar na UHE
Camargos (esquerda) e peneira na UHE Amador Aguiar II (direita).
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
53

Monitoramento a jusante de usinas

Desde setembro de 2007, equipe especializada do Programa Peixe Vivo realiza o


monitoramento sistemático da ictiofauna a jusante das usinas antes da realização de manobras de
manutenção e operação programadas que apresentam risco para a ictiofauna. As informações
geradas nesses monitoramentos subsidiam as programações das operações nas usinas para que
sejam realizadas com maior segurança ambiental, ou seja, menos impacto.

A realização de avaliação prévia de riscos à ictiofauna antes da realização das manobras por
meio de monitoramento consta da Instrução de Serviço 47 - IS-47 (Capítulo 3). A metodologia foi
desenvolvida considerando que o risco de uma ocorrência ambiental em uma manobra é
proporcional à quantidade de peixes à jusante de uma usina hidrelétrica no momento da manobra
(Figura 13). Esses monitoramentos são realizados por uma equipe de biólogos até três dias antes da
manobra programada, com apoio de pescadores profissionais. Como cada usina tem sua
particularidade em relação às vazões defluentes, estrutura civil e fauna de peixes a jusante, os
métodos foram adaptados não só para atender a avaliação de risco, mas também respeitar as
limitações logísticas e, principalmente, de segurança da equipe próximo às áreas de risco. Esses
monitoramentos são conhecidos internamente como monitoramentos prévios a manobras de
risco.

Figura 13 – A figura ilustra a ideia geral do monitoramento prévio a manobras de risco, a captura de peixes
no canal de fuga da UHE São Simão num cenário de alto risco (maior CPUE) e outro de baixo risco (menor
CPUE). O risco de uma ocorrência ambiental de uma manobra é proporcional à quantidade de peixes a
jusante de uma usina hidrelétrica no momento da manobra.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
54

Os métodos utilizados foram padronizados por usina, o que possibilita a comparação de dados
ao longo do tempo. Diferentes métodos de amostragem foram testados para determinar o mais
adequado para coletar peixes o mais próximo possível das usinas, com foco nas espécies alvo (as
mais atingidas pela operação e manutenção da usina e mais capturadas em monitoramentos)
(Figura 14). Após a coleta, a equipe de campo gera um relatório avaliando o grau de risco da
manobra para os peixes baseado no resultado da captura de peixes por unidade de esforço (CPUE).
Com base nesse grau de risco, específico de cada usina, a equipe indica ou desaconselha a realização
da manobra.

Além do monitoramento antes das manobras para avaliação de risco, também é realizado o
monitoramento periódico em cada usina com a mesma metodologia de coleta do monitoramento
prévio. O objetivo desse monitoramento é obter amostras em número suficiente para que outros
aspectos da biologia e ecologia dos peixes a jusante das usinas seja conhecida.

Os resultados destes monitoramentos podem ser encontrados no livro “Avaliação de risco de


morte de peixes em usinas hidrelétricas” organizado por Loures & Godinho (2016).

Figura 14 – Demonstração de áreas amostrais, petrechos e espécie alvo dos monitoramentos realizados a
jusante das usinas do Grupo Cemig, segundo IS-47.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
55

Monitoramento na área de influência das usinas

O monitoramento da ictiofauna na área de influência de usinas hidrelétricas brasileiras é uma


prática recente, e sua maior difusão ocorreu após a implementação da nova legislação ambiental,
que visa o licenciamento de empreendimentos que tem potencial de impactar o meio ambiente.
Esse monitoramento engloba amostragens nos reservatórios e também em seus tributários, lagoas
marginais e, eventualmente, alguns pontos a jusante. Tal monitoramento visa detectar variações na
abundância, Riqueza e composição da fauna de peixes, avaliar desembarque pesqueiro, ocorrência
e distribuição de ovos e larvas (ictioplâncton). No nosso contexto, é importante relacionar as
possíveis variações encontradas aos impactos da construção das barragens e formação dos
reservatórios. Dessa forma, serve como importante ferramenta para a tomada de decisão sobre
possíveis formas de manejo que têm como objetivo reduzir esses impactos inerentes ao barramento
do rio. A Cemig há muitos anos realiza o monitoramento da ictiofauna na área de influência de suas
usinas. Muitos destes monitoramentos ocorreram devido às cobranças dos Órgãos Ambientais para
que os impactos causados pelos barramentos fossem analisados ao longo do tempo no processo de
licenciamento ambiental.

Os programas de monitoramento requerem investimentos significativos de tempo, dinheiro e


recursos humanos para sua implementação e manutenção. Avaliações periódicas dos programas de
monitoramento são, então, necessárias para determinar se o desenho amostral aborda de forma
adequada as metas e objetivos do programa. Por isso, os monitoramentos devem adotar uma regra
de ouro de que o rigor estatístico das análises dos dados deve ser suficiente para passar no teste de
publicação científica dos resultados, mesmo que o estudo seja específico para um determinado local
e focado mais nas alterações ocorridas do que propriamente no mecanismo dessa alteração.
Infelizmente, essa não é necessariamente uma realidade no Brasil, pois como muitas empresas do
setor elétrico são públicas e precisam licitar serviços, nem sempre a contratação é bem-sucedida no
quesito qualidade, pois o menor preço é priorizado. É preciso, portanto, avaliar periodicamente os
monitoramentos realizados para que correções e ajustes de programas sejam estabelecidos e para
que haja melhorias nas técnicas de monitoramento e nas ações de manejo.

Quando considerado o elevado número de hidrelétricas no Brasil, constata-se que na literatura


existem poucas publicações que trazem análises temporais sobre assembleias de peixes em seus
reservatórios. Destacam-se, entre outros, alguns trabalhos de longo-prazo na UHE Furnas (Araújo,
2013), UHE Serra da Mesa (Mazzoni et al., 2012), UHE Peixe Angical (Agostinho et al., 2009) e UHE
Itaipu (Okada et al., 2005; Agostinho et al., 1992).
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
56

4.2. Manejo e conservação

Transposição de peixes

Uma das medidas de manejo adotadas pelo setor elétrico brasileiro é a implantação de Sistemas
de Transposição de Peixes (STPs). Esses mecanismos visam atenuar os impactos sobre a ictiofauna
provocados pela construção do barramento que impede a livre migração dos peixes em busca de
sítios reprodutivos e de alimentação. Entretanto, apesar do uso difundido, pouco critério técnico
vem sendo adotado nas decisões sobre viabilidade de STPs, que geralmente são projetados para
permitir somente a passagem dos peixes de jusante para montante. Dentre esses critérios, devem
ser avaliadas as condições ecológicas das comunidades de peixes presentes na área da barragem, a
ser implantada ou já implantada, determinar os objetivos do futuro STP e formas de monitoramento
e gestão dos resultados de sua operação.

Existem vários tipos de STPs que permitem o deslocamento dos peixes para montante como
escadas, eclusas, elevadores, elevadores com caminhão-tanque, canais naturais e seminaturais
(Figura 15). A escolha na construção de cada tipo de mecanismo depende de condições do
empreendimento como localização do canal de fuga, altura da barragem, dentre outras. Essas
características devem determinar se o sistema atuará como atrativo aos peixes, que distância será
percorrida e qual velocidade de escoamento da água os peixes terão que enfrentar para conseguir
transpor o obstáculo. Todos esses aspectos interferem diretamente na análise de eficiência do
sistema. Além disso, deve se levar em consideração a necessidade de que o mecanismo funcione
como via de mão dupla, viabilizando a conectividade entre os trechos de montante e jusante em
condições similares (Agostinho et al., 2011; Pompeu et al., 2012). Atualmente, a Cemig conta com
duas usinas próprias (PCH Salto Morais e UHE Igarapé) e quatro usinas de consórcio (UHEs
Igarapava, Funil, Baguari e Aimorés) contendo diferentes sistemas de transposição dos peixes. Para
mais informações, ver capítulo 6 desta apostila.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
57

Eclusa (UHE Tucuruí) Canal da Piracema (UHE Itaipu)

Escada para peixes (UHE Aimorés) Elevador para peixes (UHE Funil)
Figura 15 – Diferentes tipos de Sistemas de Transposição para peixes (Fonte:
https://www.ofitexto.com.br/comunitexto/sistemas-de-transposicao-de-peixes-piracema/).

Estocagem de peixes

A estocagem de peixes em reservatórios, também conhecida como repovoamento ou


peixamento, é uma das estratégias de manejo mais adotadas pelas concessionárias hidrelétricas e
entidades responsáveis pelo manejo de reservatórios no Brasil (Figura 16). Na Cemig, adotou-se o
termo peixamento para se referir ao evento de soltura dos alevinos, com participação ou não da
comunidade e o termo estocagem é todo o processo que envolve a prática dos peixamentos,
incluindo as etapas de planejamento, execução e avaliação dos resultados obtidos.

O Programa de Estocagem da Cemig inclui as atividades de peixamento de espécies de peixes


nativas realizadas por duas estações de piscicultura próprias, Itutinga e Machado Mineiro. A estação
de Itutinga é responsável pela produção de peixes da bacia do alto rio Grande. Já Machado Mineiro,
pelos peixes da bacia do rio Pardo e Jequitinhonha. O capítulo 6 desta apostila irá aprofundar na
temática de estocagem de peixes.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
58

Figura 16 – Peixamentos realizados com espécies nativas no alto rio Grande.

Apoio da área ambiental durante procedimentos de manutenção e operação em usinas

Durante a operação de empreendimentos hidrelétricos, impactos diretos sobre os peixes são


comuns e muitas vezes inerentes à operação. As concessionárias buscam a mitigação desses
impactos evitando injúrias e morte de peixes em decorrência de manutenção e operação de suas
unidades geradoras. Na Cemig, a equipe do Programa Peixe Vivo fornece esse apoio às usinas das
seguintes formas:

 Participa de grupo de trabalho de programação de parada de unidades geradoras


mensalmente para discutir aspectos de segurança ambiental, antevendo questões de
risco para peixes durante o planejamento.
 Interage com a área de planejamento energético da empresa para elaboração de
restrições operativas de forma preventiva aos impactos ambientais (ex: restrições nas
instruções operativas, mensagens operativas).
 Valida os procedimentos de todas as gerências responsáveis pelas usinas que têm
interface com a segurança ambiental das operações.
 Participa das reuniões de planejamento ambiental da operação referente a manobras de
risco para os peixes.
 Avalia os riscos potenciais à ictiofauna da operação das usinas hidrelétricas através de
monitoramentos periódicos e monitoramentos prévios às manobras (monitoramento a
jusante), para avaliar a densidade de peixes e as condições ambientais a jusante de usinas
hidrelétricas.
 Acompanha as condições de qualidade ambiental (qualidade de água) e coordenação do
procedimento de drenagem e resgate de peixes no tubo de sucção e esgotamento nas
usinas em que este acompanhamento é obrigatório (Capítulo 3) (Figura 17).
 Participa do processo de análise de situações emergenciais ocorridas nas gerências
responsáveis pelas usinas.
 Realiza avaliações ambientais de atualizações ou adequações das instruções operativas,
para atender solicitações do ONS, garantindo a segurança ambiental.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
59

O capítulo 3 desta apostila irá abordar com mais detalhes os procedimentos de segurança
ambiental que visam a prevenção e mitigação de impactos da geração sobre os peixes.

A B

Figura 18 – Acompanhamento de drenagem de unidade geradora, com monitoramento da qualidade da


água na UHE Três Marias (A), resgate no poço de esgotamento da UHE Itutinga (B) e soltura dos peixes
transportados em caixa aerada após o resgate na UHE Três Marias (C).
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
60

Modificações estruturais em usinas

As barreiras físicas, no momento, consistem na


proteção mais efetiva para impedir o acesso dos
peixes ao tubo de sucção das UGs, circuito hidráulico
e vertedouro. Os exemplos de barreiras físicas com
maior eficiência são as grades, que são instaladas no
tubo de sucção, canal de fuga ou no reservatório.
Uma dificuldade para a implantação dessa ferramenta
é o esforço resultante do fluxo e da velocidade da
água nesses pontos.

Uma usina do Grupo Cemig apresenta sistema de


grades instalado, a UHE Três Marias. Desde julho de
2007 estão sendo utilizadas grades para contenção de
peixes nas paradas programadas das UGs da UHE Três
Marias.

As grades funcionam como barreiras à entrada de peixes no tubo de sucção. Desde a sua utilização,
não se observou morte de peixes superior a 10 kg em partidas de UGs. Os estudos realizados pelo
Programa Peixe Vivo mostram que a utilização das grades reduz o impacto das partidas sobre os
peixes, reduzindo a biomassa afetada. Atualmente, o sistema é automatizado. As grades ficam
sempre na ranhura do stop log e possuem motor próprio para subida e descida. O sistema de grades
é interligado ao sistema digital e de lógicas. Durante o funcionamento normal das UGs, caso ocorra
uma parada programada ou não, independente do horário, as grades descem automaticamente e
são levantadas também automaticamente durante o processo de partida da UG. Após a implantação
do sistema automatizado, não foram verificadas mortes de peixes decorrentes de partidas de UGs
na UHE Três Marias (Figura 19).
Com relação à operação das grades, destacamos a importância de se realizar inspeções
periódicas na estrutura das grades e evitar que, em caso de rompimento, o tubo de sucção volte a
ficar exposto à entrada de peixes. Deve-se ainda, avançar nos estudos da determinação do tempo
máximo em que a grade poderá ficar no tubo de sucção sem prejuízo para os peixes aprisionados
no seu interior a fim de reduzir o risco de morte dos indivíduos por aprisionamento, fome e injúrias
físicas quando há grande concentração de peixes. No caso de parada prolongada da UG, as grades
deverão ser removidas periodicamente para permitir a saída dos peixes que conseguiram entrar no
tubo de sucção (entre a parada da UG e a descida das grades). Baseado nos estudos já realizados,
recomenda-se que o tempo máximo de utilização de grades não exceda 7 dias durante o período de
piracema e 12 dias no restante do ano, visto que não foram registradas ocorrências com esse tempo
de utilização.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
61

Figura 19 – Faixas de biomassa de peixes afetada por partidas de UG na UHE Três Marias antes da
instalação das grades, após o uso de grades manuais e com grades automáticas.

Muitas vezes, a estrutura civil da usina pode apresentar risco adicional para os peixes. Nos
canais de dissipação do vertedouro, canais de fuga e pontos irregulares a jusante deve ser avaliada
a existência de pontos de aprisionamento de peixes e as alternativas para mitigar seus impactos.
Medidas como escavação de forma regular ou preenchimento podem evitar a formação de locas
durante as variações de vazão decorrentes da operação do empreendimento.

Também na UHE Três Marias, foi realizada uma intervenção na bacia de dissipação do
vertedouro e no próprio vertedouro. A obra na bacia de dissipação consistiu em fazer furos no muro
para permitir a passagem de peixes e água, principalmente de dentro para fora, para que não fiquem
aprisionados e haja troca de água (Figura 20). Já a intervenção no vertedouro foi a retirada da água
de drenagem que atraia os peixes para o interior da bacia de dissipação. Essas obras foram
importantes para evitar que grandes quantidades de peixes fiquem na bacia, reduzindo assim o risco
de acidentes caso o nível do rio abaixe e a bacia fique isolada.

Figura 20 – Peixes concentrados na bacia de dissipação da UHE Três Marias (esquerda); dreno
do vertedouro: os peixes eram atraídos pela água que saia pelo dreno e ao pular em direção a
esse se machucavam na parede (centro); furos no muro da bacia de dissipação (a) e retirada
da água de drenagem (b) (direita).
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
62

Na UHE Itutinga foram realizadas intervenções civis na bacia de dissipação do vertedouro para
evitar pontos de aprisionamento de peixes que podem levar a morte por estresse e asfixia devido à
queda do oxigênio dissolvido na água nas poças que são formadas (Figura 21). Quando uma
operação do vertedouro tiver potencial para causar esse tipo de aprisionamento, equipes de resgate
devem ser acionadas previamente para estarem preparadas para o resgate dos peixes após o
fechamento do vertedouro.

Figura 21 – Obras para remoção de pontos irregulares que levavam a aprisionamento de peixes na bacia
dissipação do vertedouro da UHE Itutinga.

4.3. Novos desafios enfrentados pelo PV

Operação Normal

A empresa vem observando mortes de peixes com a usina em operação normal, ou seja, sem
que haja nenhuma manobra de vertedouro, partidas de UGs e/ou drenagem de UGs. Essas mortes
ocorrem principalmente no período de piracema. Uma causa provável é a de que, quando se tem
pelo menos uma UG parada, os peixes aproveitem a condição hidráulica de “remanso” criada e
tentem entrar pelas laterais das UGs em operação, vindo a sofrer escoriações que podem culminar
na sua morte (Figura 22).

A fim de reduzir essas mortes, são criados, principalmente durante a piracema, mecanismos
operacionais com a inclusão de restrições à Instrução Operativa (IO) da usina que não permitam
paradas de UGs nem mesmo por conveniência operativa.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
63

Figura 22 – Modelo da gradação da velocidade no interior do tubo de sucção. Pode-se perceber que mesmo
com a unidade geradora em carga, zonas de baixa velocidade ocorrem no interior no tubo de sucção, que
podem possibilitar a entrada de peixes.

Partidas/paradas de unidade geradora

De 2001 a 2007, drenagem e partida de UG eram as manobras que mais impactavam os peixes,
correspondendo a 53,2 e 20,7% das ocorrências registradas, respectivamente. Após as ações
implantadas pelo Programa Peixe Vivo em conjunto com as áreas de engenharia responsáveis pelos
ativos da empresa e o desenvolvimento do projeto “Avaliação de risco de morte de peixes em usinas
da Cemig” (ver item 5 deste capítulo) visando aumentar a segurança ambiental durante as manobras
de manutenção das unidades geradoras, pudemos observar uma alteração nesse cenário.
Drenagem de UG deixou de ser a principal causa de morte de peixes de 2008 a 2013, caindo para o
5º lugar. Com esse controle, as partidas de UG passaram a ser mais representativas (39,5%),
seguidas por operação normal (26,9%). O maior impacto das partidas tem sido observado no
período de piracema, quando encontramos mais peixes no canal de fuga das usinas. A segurança
ambiental mais efetiva nessas manobras ainda é um desafio para a empresa, que vem atuando para
minimizar as mortes de peixes em suas operações.

5. Projetos de Pesquisa

A fim de criar estratégias mais eficientes e subsidiar os programas de conservação ambiental, a


Cemig estabelece parcerias com centros de pesquisa e universidades. O objetivo é obter
conhecimento científico sobre biologia, ecologia, fisiologia e comportamento das espécies nativas
de peixes, qualidade da água e controle de espécies invasoras. Para que isso aconteça, a Cemig
estimula a constante troca de experiências entre suas equipes técnicas e as das universidades,
concedendo apoio logístico e recursos para a realização de pesquisas.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
64

Nesta seção, destacamos os projetos relacionados à mitigação de impactos diretos da geração


de energia sobre os peixes. Os demais projetos serão tratados no capítulo 6 e para informações mais
detalhadas sobre cada projeto acesse www.cemig.com.br/peixevivo.

5.1. Avaliação de risco e morte de peixes em usinas da Cemig

Instituições envolvidas: Cemig e UFMG


Coordenador UFMG: Alexandre Lima Godinho
Duração: 5 anos (início 2009/2013)

Este projeto teve como objetivos: monitorar periodicamente a densidade de peixes a jusante
de usinas do Grupo Cemig; monitorar a densidade de peixes previamente a realização de manobras
e acompanhar estas; estudar aspectos da biologia (reprodução, alimentação, distribuição, migração,
etc.) das espécies de peixes mais afetadas pela operação e manutenção das usinas.

Dentre os resultados obtidos, destacam-se: a padronização de metodologias de monitoramento


prévio a manobras de risco para ictiofauna; a criação de modelos preditivos de risco para realização
de manobras considerando a abundância de peixes a jusante da usina antes da realização da
manobra; o conhecimento de fatores (vazões, sazonalidade, temperatura e oxigênio dissolvido na
água, transparência, etc.) que influenciam na abundância de peixes a jusante das usinas; a criação
de protocolos de acompanhamento de manobras e realização de monitoramentos.

5.2. Projeto 985: Validação de protocolos de proteção para peixes em usinas da Cemig

Instituições envolvidas: Cemig e UFMG


Coordenador UFMG: Alexandre Lima Godinho
Duração: 4 anos (início 2013/2017)
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
65

O objetivo deste projeto foi aplicar e avaliar as metodologias padronizadas de avaliação de


riscos à ictiofauna em manobras de manutenção de unidades geradoras para testar e validar
protocolos de proteção de peixes nas usinas Amador Aguiar II, Camargos, Emborcação, Funil,
Itutinga, Pai Joaquim, São Simão e Três Marias. Além disso, propor alterações e adequações
consideradas necessárias a partir da avaliação da eficiência dos protocolos de monitoramento da
ictiofauna e acompanhamento de manobras. Neste mesmo projeto, também foram desenvolvidas
atividades relacionadas a demandas específicas identificadas durante as atividades, como: avaliação
da operação desvia peixes; avaliação do tamanho populacional de jaús e pintados; estudo de deriva
de carcaças; monitoramento de cardumes.

Os protocolos foram atualizados, melhorados e validados ao final do projeto. A aplicação dos


protocolos promoveu a redução de cerca de 70% das mortes de peixes. Os estudos específicos
forneceram informações utilizadas para estimativas de biomassa afetada, detecção de ocorrência
de mortes crônicas e avaliação de métodos comumente aplicados, mas que não possuíam eficiência
comprovada.

5.3. Comportamento de peixes a jusante de barragens-subsídios para a conservação da ictiofauna

Instituições Envolvidas: Cemig, UFLA, CEFET-MG,


UFMG
Bacia: São Francisco
Coordenador UFLA: Paulo dos Santos Pompeu
Duração: 5 anos (2009/2013)

Considerando o contexto dos riscos que a operação de hidrelétricas pode trazer para peixes,
sejam aqueles presentes no canal de fuga e que podem ter acesso ao tubo de sucção (possivelmente
sendo atraídos pelo fluxo de água), quanto os podem passar pelas turbinas de montante para
jusante das usinas, o projeto teve como objetivos: compreender as variações temporais e espaciais
na abundância de espécies de peixes imediatamente a jusante e a montante da barragem de Três
Marias; entender como os peixes se comportam a jusante das barragens quando submetidos a
diferentes regimes de operação; propor medidas que levem à diminuição do risco de acidentes com
entrada de peixes em tubos de sucção; entre outros. Para alcançar esses objetivos, técnicas de
hidroacústica, a ecossondagem e a telemetria acústica foram adotadas.

O estudo utilizando ecossondagem no reservatório determinou os períodos de maior risco de


morte de peixes por passagem pelas turbinas e sugeriu o período mais apropriado para realizar
aberturas das comportas do vertedouro visando a passagem de peixes do reservatório para jusante
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
66

caso fosse uma estratégia interessante. Já os resultados das amostragens a jusante mostram que na
estação chuvosa há maior abundância de peixes no sopé da barragem, indicando que é a época de
maior risco para realização de manobras. Já o estudo realizado na foz do rio Abaeté utilizando
ecossondagem, capturas ativas e análises reprodutivas comprovou a importância desse rio não
barrado como área de reprodução de peixes migradores.

Através da telemetria acústica, foram observados padrões de saída e entrada de peixes no canal
de fuga da UHE Três Marias. Curimbas foram mais ativas durante o dia, enquanto os mandis à noite.
Esses padrões dos mandis foram influenciados pela transparência do rio: a sua atividade diurna
aumentou quando em períodos de baixa transparência da água. Em complemento ao estudo,
também está sendo elaborada a modelagem hidráulica 3D da UHE Três Marias. Essa modelagem
hidráulica, em conjunto com os estudos de comportamento de peixes, poderá predizer
adequadamente o comportamento de peixes em diferentes tipos e regimes de operação.

5.4. Mortes Crônicas de Peixes em Usinas Hidrelétricas do Grupo Cemig (UFMG)

Instituições Envolvidas: Cemig e UFMG


Bacia: Araguari, Grande, Paranaíba e São Francisco
Coordenador UFMG: Alexandre Lima Godinho
Ano de início: em contratação

A mortalidade de peixes pode ser aguda ou crônica. Na mortalidade aguda, muitos peixes
morrem num evento único, como no caso de drenagem. Na mortalidade crônica, poucos peixes
morrem num único evento, mas os eventos de mortalidade são recorrentes, como ocorre na partida
e operação normal de usina hidrelétricas. O sucesso na redução da mortalidade passa pela obtenção
de dados que possam responder diversas perguntas necessárias ao entendimento das causas da
morte e fornecer subsídios à proposição de medidas para solucioná-las. Algumas dessas perguntas
são apresentadas a seguir como objetivos de uma série de atividades: 1) determinar a origem dos
peixes mortos em operação normal e partida de máquinas; 2) estimar a intensidade dos impactos
da operação normal e de manobras como partida de máquina e reversão-síncrono sobre os peixes;
3) quantificar a deriva de carcaça de peixes para estimar a mortalidade crônica de peixes em
operações de usinas. Esses dados serão avaliados nas usinas de Camargos, Emborcação, Itutinga,
Nova Ponte, Irapé, Amador Aguiar II, Três Marias, Pai Joaquim, PCH´s Joasal, Marmelos e Paciência.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
67

6. Bibliografia sugerida

Agostinho A.A. (1994) Pesquisas, monitoramento e manejo da fauna aquática em empreendimentos


hidrelétricos. In: Seminário sobre Fauna Aquática e o Setor Elétrico Brasileiro. Reuniões
Temáticas Preparatórias. Caderno 1 Fundamentos, Rio de Janeiro: COMASE/Eletrobrás, pp. 38-
59.

Agostinho A.A. & Zalewski M. (orgs.) (1996) A planície alagável do alto rio Paraná: importância e
preservação. Maringá: EDUEM, 100pp.

Agostinho A.A., Gomes L. C. & Pelicice F.M. (2007) Ecologia e Manejo dos Recursos Pesqueiros em
Reservatórios do Brasil. Maringá: EDUEM, 501pp.

Agostinho A.A., Júlio Jr H.F., Borghetti J.R. (1992) Considerações sobre os impactos dos
represamentos na ictiofauna e medidas para sua atenuação. Um estudo de caso: reservatório
de Itaipu. Revista UNIMAR 14 (suplemento), 89-107.

Agostinho C.S., Pelicice F.M., Marques E.E. (2009) Reservatório de Peixe Angical: bases ecológicas
para o manejo da ictiofauna. São Carlos: RiMa Editora, 179pp.

Araújo B.B. (2013) Variações Temporais e Espaciais na Estrutura de Comunidade de Peixes do


Reservatório de Furnas – MG. Dissertação de mestrado, Belo Horizonte: Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais, 74pp.

Barletta M., Jaureguizar A.J., Baigun C., Fontoura N.F., Agostinho A.A., Almeida-Val V.M.F. et al.
(2010) Fish and aquatic habitat conservation in South America: a continental overview with
emphasis on neotropical systems. Journal of Fish Biology 76, 2118–2176.

Baxter R.M. (1977) Environmental effects of dams and impoudments. Annual Review of Ecology and
Systematics 8: 255-283.

Cemig (2015) Cemig monitora mexilhão dourado no Triângulo Mineiro. Disponível em:
http://cemignet20/comunicacao/area_de_noticias/Sustentabilidade/Pages/1024_cemig_mon
itora_mexilhao_dourado_no_triangulo_mineiro.aspx (Acesso em maio de 2015).

Goldsmith B. (1991) Monitoring for Conservation and Ecology. London: Champan & Hall, 275pp.

Guy C.S. & Brown M.L (2007) Analysis and Interpretation of Freshwater Fisheries Data. Maryland:
American Fisheries Society, 961pp.

Hocutt, C.H. (1980) Behavioral barriers and guidance systems. In: C.H. Hocutt, J.R. Stauffer, J.
Edinger, L. Hall & R. Morgan (eds.) Power plants: effects on fish and shellfish behavior. Academic
Press, NY, pp. 183-205.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
68

Ickes B.S. & Burkhardt R.W. (2002) Evaluation and proposed refinement of the sampling design for
the Long Term Resource Monitoring Program’s fish component. Technical Report. Wisconsin:
U.S. Geological Survey, 38pp.

Langeani F., Castro R.M.C., Oyakawa O.T., Shibatta O.A., Pavanelli C.S. & Casatti L. (2007).
Diversidade da ictiofauna do Alto Rio Paraná: composição atual e perspectivas futuras. Biota
Neotropica 7 (3), 181-197.

Langeani F. & Rêgo A.C.L. (2014) Guia ilustrado dos peixes da bacia do rio Araguari. Uberlândia:
GMBC, 195pp.

Latini A.O. & Petrere Jr. M. (2004) Reduction of a native fish fauna by alien species: an example from
Brazilian freshwater tropical lakes. Fisheries Management and Ecology 11 (2): 71-79.

Loures R.C. & Godinho A.L. (2015) Avaliação de risco de morte de peixes em usinas. Belo Horizonte:
Companhia Energética de Minas Gerais (Série Peixe Vivo, 5).

Mazzoni R., Caramaschi E.P & Iglesias-Rios R. (2012) Usina Hidrelétrica de Serra da Mesa, 15 anos
de Estudos da Ictiofauna do Alto Tocantins. Rio de Janeiro: Furnas, 380pp.

Okada E.K., Agostinho A.A. & Gomes L.C. (2005) Spatial and temporal gradients in artisanal fisheries
of a large Neotropical reservoir, the Itaipu Reservoir, Brazil. Canadian Journal of Fisheries and
Aquatic Sciences, 62 (3): 714-724.

Pelicice F.M. & Agostinho A.A. (2009) Fish fauna destruction after the introduction of a non-native
predator (Cichla kelberi) in a Neotropical reservoir. Biological Invasions 11: 1789-1801.

Ploskey G.R. & Johnson P.N. (2001) Effectiveness of strobe lights and an infrasound device for
eliciting avoidance by juvenile salmon. American Fisheries Society, Symposium 26, Bethesda,
Maryland, p. 37-56.

Rêgo A.C.L., Prado I.G., Silva T.T., Monteiro A.B., Silva R.J., Fontes R.C. & Godinho A.L. (2015) Peixes
afetados em manobras de usinas hidrelétricas. In: R.C. Loures & A.L. Godinho (orgs). Avaliação
de risco de morte de peixes. Belo Horizonte: Companhia Energética de Minas Gerais (Série Peixe
Vivo, 5).

Santos G.B., Maia-Barbosa P.M., Vieira F. & López C.M. (1994). Fish and zooplankton community
structure in reservoirs of southeastern Brazil: effects of the introduction of exotic predatory
fish. In: R.M. Pinto-Coelho, A. Giani & E. Von Sperling (eds.) Ecology and human impact on lakes
and reservoirs in Minas Gerais, with special reference to future development and management
strategies. Belo Horizonte: Segrac, pp. 115-132.

Silva F.N. (2010) Efeito de campo elétrico no comportamento de peixes brasileiros e estudo de
barreira elétrica como mecanismo de controle de movimentação de peixes. Dissertação de
mestrado, Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 122pp.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
69

Silva L.G.M. (2010) Estudo de sistemas para repulsão de peixes como alternativas de mitigação de
impacto ambiental em usinas hidrelétricas e canais para abastecimento de água. Tese de
Doutorado, Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 178pp.

Silva L.G.M. & Martinez C.B. (2010) Luz Estroboscópica como Alternativa de Barreira para Peixes em
Paradas de Turbinas Hidráulicas. PCH Notícias & SHP News, v. 46, pp. 14-18

Spellerberg I. (2005) Monitoring Ecological Change. 2nd Edition. Cambridge. 412pp.

Woynarovich E. (1991). The hydroeletric power plants and the fish fauna. Verh. Int. Rev. Limnol. 24:
2531-2536.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
70
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
71

CAPÍTULO 3 3

RECOMENDAÇÕES BÁSICAS PARA OPERAÇÃO DE HIDRELÉTRICAS PARA


PROTEÇÃO DA ICTIOFAUNA

Ricardo José da Silva


Rafael Couto Rosa de Souza

1. Introdução

A presença de uma usina hidrelétrica, independentemente de seu porte, afeta em menor ou


maior grau o ambiente aquático. A ictiofauna (peixes) é um dos principais componentes biológicos
desse ambiente e responde diretamente a esses impactos, sendo alvo de diversos estudos para
compreender como a construção, operação e manutenção desses empreendimentos afetam os
organismos presentes nesses rios, antes e após o barramento.

A Cemig é um dos mais sólidos e importantes grupos do segmento de energia elétrica do Brasil,
sendo constituído por 59 empresas, parte delas próprias e outras como SPEs (Sociedades de
Propósito Específico) subsidiárias integrais, controladas e coligadas. É também um dos maiores
grupos geradores, responsável pela operação de 78 usinas hidrelétricas com capacidade instalada
de 5.529 megawatts.

A ocorrência de mortandades de peixes provocadas pela operação e manutenção não está


restrita às usinas da Cemig e é bem conhecida pela comunidade em geral. Entretanto, ações para
sua mitigação são raras.

Neste capítulo, iremos detalhar alguns procedimentos que se tornaram rotina nas usinas do
Grupo Cemig, oriundos da experiência da empresa na área de manejo da ictiofauna, especialmente
a jusante de empreendimentos hidrelétricos.

Silva R. J. & Souza, R. C. R. (2019) Recomendações básicas para operação de hidrelétricas para proteção da ictiofauna. In: Gandini C.
V. ,Loures R. C. & Caldeira Y. M. (orgs.) Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico. Belo Horizonte:
Companhia Energética de Minas Gerais, 2.ed., pp. 71 – 112.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
72

2. Relatório de Ocorrências Ambientais – ROA

2.1. Histórico

Em 1998, com o advento da Lei 9.605, Lei de Crimes Ambientais, o ROA foi idealizado, para que
toda ocorrência ambiental pudesse ser informada o mais rapidamente possível à gerência
responsável pelos programas e ações ambientais da geração, para a tomada de decisão e ação para
a sua contenção, bem como para a minimização dos impactos associados.
Os casos de ocorrências relevantes deveriam ser levados ao Bom Dia DGT para discussão com
o Diretor, para conhecimento de todas as ocorrências, sua remediação e suas implicações. Ainda
hoje, o ROA continua tendo esta função de informar sobre as ocorrências ambientais nas gerências
regionais, para análise e providência de soluções para controle.

2.2. Utilização do ROA

A utilização do ROA tem interface com o disposto nas Instruções de Serviço – IS 47 (Proteção
da Ictiofauna na Operação e Manutenção de Usinas Hidrelétricas) de 19/01/2010, atualizada em
2018, item 8.3.2, e a IS-48 (Negociações Sócio-Ambientais na Cemig) de 02/10/2007, item 4.1.7, que
recomendamos sejam objeto de análise. O objetivo da IS-47, o histórico de sua elaboração e seus
itens estão detalhados na seção seguinte deste capítulo.

Além disso, o ROA também é utilizado para se formar um banco de dados a fim de se conhecer
mais profundamente os problemas ambientais de cada usina, sua variação ao longo do ano,
porcentagem e natureza de suas ocorrências. O modelo do formulário ROA encontra-se na página
06 e item 2.4 deste documento, e a instrução de preenchimento nas páginas 07 a 09.

2.3. Análise

O registro das ocorrências ambientais envolvendo peixes é de extrema importância para


levantar informações sobre os impactos sobre os peixes causados pela operação e manutenção das
usinas.

Com o correto preenchimento do ROA podemos verificar, por exemplo, quais são as principais
causas de morte de peixes nas usinas. Identificadas as causas, é possível buscar soluções mitigadoras
e preventivas para tais impactos. Além disso, o ROA pode ser uma ferramenta para indicar se uma
medida de prevenção está ou não sendo eficaz.

2.4. Correto preenchimento do ROA

Para que o ROA possa ser uma ferramenta confiável para formação de um banco de dados, é
necessário seu preenchimento correto SEMPRE que ocorrer algum evento que envolva incidentes
com peixes na área de influência da instalação, incluindo as operações de resgate de peixes (vivos).
Muitas vezes, por ser vista como uma ação positiva, os resgates de peixes vivos não têm sido
registrados no ROA. Na verdade, informações sobre quantidade de peixes retirados vivos da sucção
ou em qualquer outro local também auxilia na detecção de períodos de maior abundância de peixes
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
73

e frequência das ocorrências. Por isso, atualmente, é recomendado preencher dois relatórios
quando houver resgate de peixes. Um deles é para os peixes resgatados vivos, e um outro ROA para
os peixes recolhidos sem vida.

Enquanto houver omissão dos ROAs, não será possível a formação de banco de dados
consistente para embasar decisões. Dessa forma:

A. No caso de qualquer ocorrência ambiental, o responsável pela instalação deverá


apurar o maior número possível de detalhes da ocorrência com a ajuda de representantes
da equipe do Peixe Vivo, assim como dos técnicos e analistas de meio ambiente da gerência
de O&M das Usinas. Esses detalhes estão relacionados a: área florestal incendiada; número
de litros de óleo derramado, local do derramamento, área afetada; quantidade de peixes
resgatados vivos e recolhidos mortos, quais espécies, estado físico dos peixes, qual o tipo de
operação da máquina no dia anterior e no da ocorrência da morte de peixes (parada, partida
de UG, variação de carga, drenagem de sucção, testes variados dentre outras manobras);
possíveis causas e consequências da ocorrência; providências tomadas; etc.

B. O responsável pelo registro da ocorrência deverá preencher o formulário ROA.

C. A gerência regional deverá enviar o formulário do ROA para a Caixa do Outlook “ROA
– Ocorrências Ambientais”. Em caso de dúvida, procurar a Analista de Meio Ambiente,
Raquel Coelho Loures Fontes, e-mail raquel.fontes@cemig.com.br, telefone (31)3506-4533.

D. Na demora da apuração das causas da ocorrência ambiental, a gerência regional


deverá enviar o ROA com os detalhes disponíveis e retificá-lo posteriormente.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
74

FORMULÁRIO ROA
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
75

Instruções de Preenchimento do ROA e exemplo

Campos do formulário Explicações

Preencher manualmente o nome da regional tanto para G quanto para


Regional T, por exemplo: AG/CS, AG/LE, AG/NT, AG/TR, AT/CN, AT/LE, AT/SE
ou AT/TR

Preencher manualmente o nome da Instalação onde procedeu a


Instalação
ocorrência

Número do ROA obedecendo a ordem de emissão da instalação e ano,


Nº sequencial
ex.: 01/15 (1º ROA), 02/15, (2º ROA), assim por diante.
Local onde ocorreu efetivamente o acidente (ex.: vertedouro, canal de
Local da ocorrência
fuga, transformador, etc.)
Data da ocorrência Data da ocorrência.
Horário da ocorrência. Em caso de operações na usina, informar a hora
Hora da ocorrência de início e término da operação, e a hora em que foi detectado o motivo
da ocorrência no campo "Descrição".
Responsável pela informação Aquele que preencheu o formulário.

Nº pessoal Matrícula do responsável pela informação.

Telefone de contato: sit e


Contato do responsável pela informação.
interurbano

Assinalar qual(is) opções caracteriza(m) a situação em que se verificou


Condições da ocorrência
a ocorrência. Mais de um item pode ser selecionado.
Caso a ocorrência deva-se a alguma operação da usina, assinalar se
essa operação foi "Programada" ou "Não programada".
Operação
Se a ocorrência não for causada por alguma operação da usina,
assinalar "Não se aplica"
Indicar qual ocorrência motivou o relatório. Deve-se escolher uma das
opções listadas no formulário:
- Aprisionamento de peixes
- Assoreamento
- Atropelamento de Fauna
- Derramamento de produto químico
- Derramamento de óleo em piso
- Derramamento de óleo em solo
- Derramamento de óleo em água
- Desmatamento
- Inundação
Ocorrência - Morte de ave(s) - ex: urubu, garça, gavião, pomba, etc.
- Morte de herpetofauna - ex: cobra, sapo, cágado, rã, etc.
- Morte de mamífero(s) - ex: capivara, cutia, etc.
- Morte de peixe(s)
- Queimada
- Resgate de fauna - ex: resgate de animais vivos, exceto peixe, pois
tem uma categoria própria
- Resgate de peixe(s) - sempre que houver resgate de peixes vivos
- Outros (especificar)
Caso não esteja listada a ocorrência que será registrada, escolher a
opção "Outros (especificar)" e dentro do parêntesis especificar qual foi a
ocorrência.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
76

Campos do formulário Explicações

Em caso de derramamento de óleo, indicar neste campo qual foi a


Litros de óleo
quantidade derramada.
Sempre que possível, indicar as espécies envolvidas na ocorrência. Em
Espécie(s)/ Quantidade (nº) / caso de ocorrências que envolvam peixes, além de identificar as
Biomassa (kg) espécies, deve-se informar a quantidade de indivíduos (nº) e a biomassa
(kg) morta ou viva.

Qualidade da água (onde Informar, sempre que possível, a concentração de oxigênio dissolvido
procedeu a ocorrência): OD e (OD) e a temperatura (°C) da água no local e no momento da
temperatura ocorrência.

Em caso de ocorrências envolvendo peixes, informar características


observadas com relação ao comportamento e condições físicas dos
peixes vivos e mortos (nesse caso, se foi observado algum
comportamento não considerado "normal" antes da morte, descrever
neste campo).
Condições dos peixes
Exemplos:
Coloração das brânquias (parte que, quando compramos peixe, olhamos
para saber se está fresco - normalmente vermelho vivo), excesso de
muco, lesões na superfície do corpo, olho para fora da órbita
(exoftalmia), cabeça cortada, estômago na boca, etc.
Indicar qual foi a possível causa (qual operação pode ter levado a tal
ocorrência). Escolher a mais provável dentre as opções listadas no
formulário:
- Abertura vertedouro
- Animais na área da empresa (para o caso de morte de outros animais
que não peixes)
- Queimada ilegal
- Caça/pesca por terceiros
- Choque Elétrico
- Drenagem de Máquina
- Falta de aceiros
- Falta de oxigenação da água
- Fechamento vertedouro
Causa verificada - Indeterminada
- Invasão por terceiros
- Manutenção elétrica
- Manutenção mecânica
- Manuseio/Transporte incorreto
- Operação Normal
- Parada/Partida de máquina
- Substâncias químicas na água
- Variação de carga
- Ventos Fortes
- Outros - especificar

Caso não esteja listada, escolher a opção "Outros - especificar" e dentro


do parênteses informar a causa.

Descrição da ocorrência Descrever a ocorrência com mais detalhes.

Providências Informar quais providências foram tomadas durante e após a ocorrência.

Pendências Informar possíveis pendências a serem solucionadas posteriormente.


Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
77

Campos do formulário Explicações

Qualquer observação que seja considerada pertinente após análise da


ocorrência. Exemplo: Alguma coisa pode ser feita para se
Informações adicionais após
evitar/minimizar as chances de acontecer outra ocorrência semelhante?
análise da ocorrência
Ou sugestões para melhorar algum procedimento durante uma
ocorrência, como o resgate de peixes.
Indicar se o ROA possui algum anexo, por exemplo, fotos. Caso existam
anexos, citar no formulário indicando sua identificação. Identificar o
arquivo da seguinte forma:
Anexos
"Nome da instalação ano-mês-dia anexo x"
O "x" no fim do nome do arquivo deve ser a numeração do anexo, se 1,
2, 3, etc
Exemplo de preenchimento
Situação 1: Em uma operação de drenagem de máquina programada, peixes vivos foram resgatados e
outros mortos recolhidos.
Deverão ser preenchidos 2 ROAs!
Campos comuns: Instalação, órgão, data da ocorrência.
1º ROA: Indicará em "Ocorrência": "Resgate de peixes". Causa verificada: Drenagem da sucção.
Devem ser anotadas as condições físicas dos peixes resgatados (vivos!). Por exemplo: perda de
escamas, peixes ficavam abrindo a boca próximo a superfície da água, etc. Além disso, informar: hora
da ocorrência, responsável pela informação (contato), operação, condição da ocorrência, qualidade da
água, providências, descrição, pendências, informações adicionais após análise da ocorrência, anexos.

2º ROA: Indicará em "Ocorrência": "Morte de Peixes". Causa verificada: Drenagem da sucção.


Devem ser anotadas as condições físicas dos peixes mortos. Por exemplo: perda de escamas, feridas na
superfície do corpo, etc. Além disso informar: hora da ocorrência, responsável pela informação
(contato), operação, condição da ocorrência, qualidade da água, providências, descrição, pendências,
informações adicionais após análise da ocorrência, anexos.

Situação 2: Durante uma inspeção nas áreas da Subestação, foram encontrados vazamentos de óleo.
ROA: Indicará em "Ocorrência": "Derramamento de óleo em piso". Causa verificada: Manutenção
Técnica.
Devem ser anotadas as condições em que o óleo foi encontrado. Por exemplo: vazamento de óleo do
regulador de velocidade da turbina 01, vazamento na escotilha do trafo elevador T-3 etc.
Além disso, informar: hora da ocorrência, responsável pela informação (contato), operação, condição
da ocorrência, litros de óleo, providências, descrição, pendências, informações adicionais após análise
da ocorrência, anexos.

Encaminhamento
Informações de ROAs devem ser encaminhados para a pasta pública do outlook: Outlook ROA-
OcorrenciasAmbientais@cemig.com.br.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
78

Alguns exemplos de condições dos peixes

Exoftalmia (olhos para fora das órbitas) Lesões concentradas na cabeça, perda de escamas

Eversão estomacal (estômago aparece na boca)


Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
79

3. Instrução de Serviço nº 47 - “Proteção da Ictiofauna nas operações de usinas


hidrelétricas”

3.1. Histórico

A Instrução de Serviço n° 47 (IS-47) foi formulada em 2007 após consecutivos acidentes


ambientais envolvendo mortes de peixes nas usinas da Cemig nos anos anteriores. A biomassa
afetada nos anos de 2002, 2003, 2004, 2006, 2007 foi bastante elevada, com média em torno de 4
toneladas/ano. Porém, esses valores ultrapassaram 11 toneladas entre os anos de 2002 e 2004.

Consequentemente, esses acidentes geraram uma série de problemas para a empresa, tais
como multas, impedimento de unidades geradoras (UG) envolvidas nos acidentes, desgaste da
imagem da empresa em todas as esferas da sociedade civil nos âmbitos municipal, estadual,
nacional e internacional.

O Programa Peixe Vivo (PV) surgiu nesse contexto com o principal objetivo de estabelecer
medidas mitigatórias e preventivas contra mortes de peixes decorrentes da operação de usinas
hidrelétricas.

A partir da criação do Programa Peixe Vivo, umas das primeiras iniciativas da equipe foi levantar
dados históricos referentes às mortes de peixes dentro da Cemig. Os ROAs tiveram papel
determinante nessa fase pois permitiram levantar informações desde 2001, tais como: quais as
manobras de maior risco para a ictiofauna nas usinas; quais as épocas do ano de maior risco para a
ictiofauna; quais as espécies de peixes mais atingidas por acidentes ambientais.

Então, com a compilação e análise desse histórico, foi possível classificar as usinas de acordo
com o risco que elas apresentam à ictiofauna e criar uma instrução de serviço que disciplinasse as
atividades de manobras em usinas hidrelétricas da empresa em relação aos cuidados a serem
tomados para a proteção da ictiofauna. Surgiu então a IS-47 “Proteção da Ictiofauna na operação e
manutenção de usinas hidrelétricas”, criada para padronizar e regulamentar os procedimentos
relacionados ao manejo da ictiofauna nas usinas do grupo Cemig a fim de prevenir e reduzir
impactos sobre os peixes.

As instruções de serviço, que incluem a IS-47, são regulamentadas no Manual de


Procedimentos, Seção 5 – Serviços da Cemig e estão disponíveis na rede corporativa da Cemig para
todos empregados e colaboradores contratados. A primeira versão da IS-47 foi editada em
23/10/2007, a alteração 02 ocorreu em 18/09/2013 e a última atualização ocorreu em 17/09/2018.

A instrução visa estabelecer a metodologia, os procedimentos e os controles para prevenir e


reduzir os impactos ambientais sobre a ictiofauna. Ela se aplica a todas as gerências relacionadas à
operação e manutenção de usinas hidrelétricas e aos centros de operação COS (Centro de Operação
do Sistema) e COD (Centro de Operação da Distribuição) durante o planejamento, programação e
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
80

execução das manobras nas usinas próprias, Subsidiárias Integrais, Controladas e Coligadas. No caso
destas, a aplicação está condicionada à concordância dos sócios.

As manobras consideradas de maior risco à ictiofauna, verificadas em função de sua


importância e pelas ocorrências emitidas pelos ROAs (Relatórios de ocorrências Ambientais)
preenchidos nas usinas, foram listadas da seguinte forma:

1. Manutenção programada de unidades geradoras com a colocação de comporta


ensecadeira (stoplog) e esgotamento do tubo de sucção com resgate de peixes.

2. Manutenção programada de unidades geradoras com a colocação de comporta


ensecadeira e formação de aquário no tubo de sucção para assegurar condições de vida para
os peixes enquanto durarem as atividades de manutenção.

3. Parada e partida programada de unidades geradoras.

4. Parada e partida não programada de unidades geradoras.

5. Operação de fechamento de comporta de vertedouro.

6. Reversão síncrono-gerador.

7. Descarga de fundo.

8. Comissionamento.

9. Variação de carga.

10. Giro a vazio.

11. Teste de Black Start.

12. Teste de perenização.

13. Teste de extravasores.

Da mesma forma, e em ordem de importância em função das ocorrências observadas através


do recebimento dos ROAs, as usinas foram categorizadas assim:

Usinas Categoria A: Usinas que têm potencial de alto risco e/ou que, historicamente, já
apresentaram impactos à ictiofauna:

Amador Aguiar II (AD), Emborcação (EM), Itutinga (IT), Nova Ponte (NP), Pai Joaquim (PJ), Retiro
Baixo (RB), Três Marias (TM).
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
81

Usinas Categoria B: Usinas que têm potencial de médio e baixo risco e/ou que, historicamente, já
apresentaram impactos à ictiofauna:

Amador Aguiar I (AU), Baguari (BG), Cajuru (CJ), Camargos (CM), Irapé (IR), Queimado (QM), Rosal
(RO), Salto Grande (SG).

Usinas Categoria C: Usinas que realizam descarga de fundo:

Anil (AN), Bom Jesus do Galho (BJ), Dona Rita (DR), Jacutinga (JC), Joasal (JO), Luiz Dias (LD),
Marmelos (MA), Martins (MR), Paciência (PC), Paraúna (PR), Piau (PI), Poquim (PQ), Sá Carvalho (SC),
Salto Morais (SM), Santa Marta (SM), Sumidouro (SU), UTE Igarapé (UTE).

Usinas Categoria D: Usinas que não realizam descarga de fundo:

Ervália (EV), Coronel Domiciano (CD), Gafanhoto (GF), Lages (LG), Machado Mineiro (MM), Neblina
(NB), Peti (PE), Poço Fundo (PF), Rio de Pedras (RP), Salto Paraopeba (SP), São Bernardo (SB), Salto
Passo Velho (SPV), Salto Voltão (SV), Santa Luzia (SL), Sinceridade (SC), Pissarrão (PS), Tronqueiras
(TR), Xicão (XC).

Para ordenamento do cumprimento dessa instrução, foram elencados quais são os


procedimentos necessários ao correto cumprimento da instrução e da proteção da ictiofauna,
lembrando sempre que a confecção e a disponibilização desses procedimentos deverão levar em
conta os já existentes, seja em procedimentos específicos ou em instruções gerais.

Caso ainda não haja procedimentos, seja por sua especificidade ou não, eles deverão ser
descritos, implantados, disponibilizados e disseminados através de treinamentos e/ou outros meios
de comunicação, de modo que todos envolvidos nos processos de operação e manutenção possam
ter ciência e aplicá-los, a fim de que esses procedimentos estejam em harmonia e inseridos nas
normas e instruções de operação, manutenção e segurança, devendo observar o disposto na IS 47.

As manobras, os procedimentos básicos a serem observados e os riscos à ictiofauna estão


descritos com mais detalhes nas seções abaixo de acordo com as descrições apresentadas no
terceiro capítulo do livro “Avaliação de risco de morte de peixes em Usinas Hidrelétricas” da Série
Peixe Vivo de 2016.

3.2. Manobras e procedimentos operativos

3.2.1. Manutenção de unidades geradoras com a colocação de comporta ensecadeira (stop log)
e esgotamento do tubo de sucção com resgate de peixes

Essa manobra é de alta complexidade e envolve planejamento e execução cautelosos, pois


ainda é a manobra que mais expõe a ictiofauna a riscos. Conhecida como drenagem de máquina,
ela consiste no isolamento do circuito hidráulico da UG com colocação de comportas e/ou painéis
“stop log” a montante e a jusante para drenagem da água e acesso ao interior da UG para
manutenção da turbina e/ou outras estruturas. Entre os riscos à ictiofauna que envolvem esta
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
82

manobra o principal está ligado ao aprisionamento dos peixes na caixa espiral (caracol), no tubo de
sucção e no poço de esgotamento após isolamento do circuito hidráulico. Durante o processo de
esgotamento do circuito pode ocorrer redução do oxigênio dissolvido provocando mortes, e
durante o resgate, estresse e ferimentos podem ser observados nos peixes.

3.2.1.1. Em paradas programadas

Essa manobra consiste em parada da Unidade Geradora (UG), com acionamento de descida da
comporta de tomada d’água e colocação das comportas ensecadeiras de montante e jusante
(“stoplog”) para manutenção na turbina (Figuras 2 e 3).

3.2.1.2. Em paradas não programadas

Após a parada por ocorrência ou emergência, caso o restabelecimento não puder ser feito a
curto prazo e, após análise do “defeito”, decidir-se pela manobra, no geral será feito o acionamento
de descida da comporta de tomada d’água (caso isso já não tiver acontecido em decorrência do tipo
de “defeito”) e, em seguida, serão colocadas as comportas ensecadeiras de montante e jusante
(“stoplog”) para a manutenção na turbina.

Nas Usinas em que há comportas de jusante de acionamento automático (comporta vagão)


(ex.: UHE Baguari), nos casos de parada programada, elas serão acionadas pela operação e, em
seguida, serão colocadas comportas ensecadeiras (“stoplog”) de montante (Figura 1). Em casos de
paradas não programadas por ocorrência ou emergência, elas serão acionadas automaticamente e,
caso decida-se pela manobra após análise do “defeito” ocorrido, será feita a colocação da comporta
ensecadeira de montante (“stoplog”) para a manutenção da turbina.

Comportas de jusante
de acionamento
automático

Figura 1 – Exemplo de turbina do tipo “BULBO” com comporta de jusante de acionamento automático.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
83

Figura 2 – Turbina com comporta de montante automática e stop logs de montante e jusante de
acionamento manual.

Condições
• Máquina parada;
•Comporta fechada;
• “stoplog” fechado;
•Peixes aprisionados;
•Drenagem do caracol para sucção;
•Drenagem da sucção para o poço
com envio de parte dos peixes para o
poço.

Figura 3 – Turbina com comporta de montante automática e stop logs de montante e jusante de
acionamento manual.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
84

Descrição dos procedimentos e atividades diretamente ligadas a essa manobra:

A. Reunião de Planejamento com participação da equipe de Meio Ambiente

a) Participam dessa reunião todos os integrantes das equipes de meio ambiente e da


manutenção e, necessariamente, o coordenador da parada, o representante de meio
ambiente das Gerências Regionais ou das Usinas de Consórcio e SPEs e/ou o biólogo do
PV;
b) O Coordenador da parada é o responsável por agendar, programar e conduzir a reunião;
c) A reunião de planejamento de parada de unidade geradora com colocação de “stop log”
de jusante deve ser agendada com antecedência mínima de uma semana da data da
manobra para possibilitar a programação das pessoas envolvidas;
d) Devem ser apresentados os objetivos e o cronograma dos eventos das operações,
explicando aos participantes os motivos da realização de todas as atividades e os
Procedimentos Operacionais elaborados que devem ser utilizados para cumprimento da
IS-47;
e) Devem ser elaboradas as análises de riscos das operações que serão realizadas;
f) O coordenador da parada deve explicar aos participantes todos os procedimentos
operacionais que envolvem a manobra;
g) Representante de meio ambiente das Gerências Regionais ou das Usinas de Consórcio e
SPEs e o biólogo do PV devem informar aos participantes suas atribuições durante a
execução das operações;
h) Todas as pessoas envolvidas nas operações devem tomar conhecimento das suas
atribuições e estarem aptas a cumpri-las;
i) Nessa ocasião, deve ser apresentado o Plano de Contingências, conferidos os materiais
de aprovisionamento e o preenchimento do ISAP, preliminarmente;
j) A ATA da reunião deverá ser assinada por todos os presentes para evidenciar a
participação de todos.

B. Monitoramento da Ictiofauna no canal de fuga e a jusante da usina antes da manobra

a) Essa atividade é exclusiva da equipe do PV. Em caso de parada não programada,


dependendo do grau de risco de não se fazer a intervenção em caráter emergencial, pode
não haver tempo hábil para essa atividade;
b) Essa atividade só será executada nas usinas especificadas no ANEXO 1 da IS-47 (última
atualização em 17/09/2018);
Com antecedência mínima de três dias às manobras que necessitem de monitoramento,
contratar/disponibilizar barco + piloteiro + pescador devidamente certificado, como
consta no item 6.4 da IST-SESMT- 4.4.6-012-003 (uso de embarcações);
c) Serão monitoradas as regiões do canal de fuga e vertedouro, predeterminadas e
georreferenciadas;
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
85

d) Dois dias antes das manobras que necessitem de monitoramento, proceder a captura de
peixes a jusante da usina e monitoramento das variáveis ambientais (temperatura,
oxigênio dissolvido e transparência da água);

e) Durante o expediente anterior ao da operação, encaminhar via e-mail, ao coordenador


da parada, ao Analista de Meio Ambiente das Gerências Regionais ou das Usinas de
Consórcio e SPEs e ao coordenador do Programa Peixe Vivo, o resultado do
monitoramento com a faixa de risco referente ao número de peixes capturados para
tomada de decisão sobre a continuidade da manobra;

C. Monitoramento de oxigênio dissolvido (OD) durante as manobras de drenagem de unidade


geradora, na caixa espiral, na sucção e no poço de esgotamento em usinas em operação e/ou
em comissionamentos

a) No dia do início da manobra, todos os integrantes das equipes de meio ambiente e


manutenção, sob coordenação do coordenador da parada e na presença do
representante de meio ambiente das Gerências Regionais ou das Usinas Subsidiárias
Integrais, Controladas e Coligadas e do biólogo do PV, ouvirão deste o parecer sucinto
sobre o monitoramento que antecede a manobra para definição da continuidade dessa.
Nessa ocasião, o ISAP definitivo será preenchido;

b) O representante de meio ambiente das Gerências Regionais ou das Usinas Subsidiárias


Integrais, Controladas e Coligadas ajustará o equipamento de medição de OD (oxigênio
dissolvido) de acordo com a altitude do local, conforme Manual Próprio, e em seguida
fará leituras da água dos pontos a serem monitorados, em água corrente ou no canal de
fuga, que deverá apresentar valores de concentração OD entre 4 e 6mg/L de água,
dependendo da usina;

c) Autorizado o início da manobra, o representante de meio ambiente das Gerências


Regionais ou das Usinas Subsidiárias Integrais, Controladas e Coligadas ou pessoa
designada, fará o monitoramento da qualidade da água com equipamentos próprios
(oxímetros) que tenham pelo menos os parâmetros básicos de OD (mg/L de oxigênio
dissolvido em água) e temperatura (°C);

d) Fazer uma leitura da concentração de OD antes da parada da máquina e anotar em


planilha própria como referência para leituras pós-parada;

e) Dadas como normais as condições da água, o representante de meio ambiente da das


Gerências Regionais ou das Usinas Subsidiárias Integrais, Controladas e Coligadas
informará ao Coordenador da parada para que o mesmo prossiga com as manobras;

f) Desde o início da drenagem, monitorar o oxigênio dissolvido (OD) a cada meia hora
através de dispositivos de retirada de água fixados na escotilha da sucção, no by-pass do
caracol para a sucção e no poço de esgotamento, anotando os valores na planilha própria.
Através desses dispositivos, também é possível fazer a injeção de ar;
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
86

g) Monitorar a água captada nos pontos acima especificados através de balde próprio com
entrada pelo fundo, a fim de evitar a influência do oxigênio do ar que pode mascarar os
resultados.

h) Durante as manobras, a decisão de abortar a manobra deverá ser tomada se a qualidade


da água apresentar níveis de OD inferiores aos descritos a seguir:

2,5 mg/L para Três Marias


4,0 mg/L para as demais usinas

Obs.: Esses valores foram obtidos a partir das médias históricas de manobras dessa
natureza ocorridas nessas usinas e refletem as características da qualidade da água de
cada usina e não a capacidade dos peixes de suportar essas diferenças em função da
região. Os valores poderão ser flexibilizados para mais ou menos mediante consenso
entre o analista/técnico de meio ambiente das Gerências Regionais ou das Subsidiárias
Integrais, Controladas e Coligadas e do biólogo do PV presentes na manobra.

i) Em conjunto com o representante de meio ambiente das Gerências Regionais ou das


Usinas Subsidiárias Integrais, Controladas e Coligadas, o coordenador da parada e o
biólogo do PV poderão optar por abortar a manobra para segurança e sobrevida dos
peixes. Em caso de divergências, passar o problema para o nível gerencial;

j) Ao final do monitoramento, os dados coletados deverão ser digitados para compor o


banco de dados da usina e enviados via e-mail para o coordenador do PV.

D. Monitoramento e resgate de peixes na caixa espiral (caracol), na sucção e no poço de


esgotamento

a) A operação de resgate e salvamento de peixes é de responsabilidade da coordenação da


usina e, para que ela seja executada com sucesso, deve ser priorizada sobre as demais
atividades programadas para a unidade geradora parada;

b) No dia da parada da unidade geradora, o coordenador da parada deve garantir a


sincronicidade dos eventos necessários para a realização da operação de resgate e
salvamento de peixes na caixa espiral, no tubo de sucção e/ou nos poços de esgotamento;

c) O coordenador da parada, o profissional de meio ambiente das Gerências Regionais ou


das Usinas de Consórcio e SPEs e o biólogo do PV são responsáveis por interromper ou
cancelar a operação de resgate de peixes em qualquer momento de sua execução que
julgarem necessário;

d) A equipe de resgate e salvamento de peixes deve estar presente na área da escotilha da


caixa espiral, do tubo de sucção da máquina parada ou do poço de esgotamento para
acompanhar a drenagem;

e) Posicionar caminhão no local adequado;


Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
87

f) Distribuir EPIs específicos para os integrantes da equipe de resgate;

g) Verificar se a iluminação está devidamente montada, e, no caso do tubo de sucção,


verificar a plataforma de resgate de peixes está devidamente montada;

h) A caixa espiral, tubo de sucção e/ou poço de esgotamento devem estar parcialmente
drenados de forma a permitir a entrada segura da equipe de resgate nesses ambientes,
mantendo a água necessária para sobrevivência dos peixes nesses ambientes;

i) Dois integrantes da equipe de resgate entram no local munidos de rede de sombrite e


puçá para capturar os peixes;

j) Um integrante da equipe de resgate entra munido de lanterna e rádio VHF para fazer o
controle de subida e descida do balde de peixes;

k) O vasilhame a ser usado para resgate dos peixes deve estar com cerca de 60% de água
limpa e posicionado no local adequado mais próximo possível da unidade geradora
parada;

l) Uma balança deve estar posicionada próxima da caixa de peixes, tarada com o balde com
aproximadamente 50% de água;

m) Os peixes são capturados na caixa espiral, sucção ou poço de esgotamento e colocados


no balde que é içado por talha pneumática (ou outro equipamento adequado para
içamento dos baldes com peixes) até a plataforma de resgate;

n) O operador do equipamento usado para içamento e seu auxiliar recebem o balde de


peixes e o transportam até o local onde estará a balança na qual serão pesados antes de
serem alocados no recipiente usado para devolver os peixes ao rio;

o) O profissional de meio ambiente da gerência das Gerências Regionais ou das Usinas


Subsidiárias Integrais, Controladas e Coligadas e/ou biólogo do PV definem a quantidade
de peixes a ser colocada no recipiente de alocação provisória dos peixes e manterá
monitorado o OD no mesmo;

p) O biólogo do PV deverá, a seu critério, selecionar alguns baldes para que os peixes sejam
contados e pesados individualmente.

q) Onde for necessário, três integrantes da equipe de resgate deslocam o recipiente de


alocação provisória dos peixes até o local onde ele será içado e, de lá, até a região de
soltura e/ou transporte dos peixes;

r) O recipiente de alocação provisória. É içado pela ponte rolante ou outro sistema de


içamento (variável de acordo com cada usina) guiado por outro integrante da equipe de
resgate de peixes. Motivo: o operador da ponte rolante (ou outro sistema de içamento)
pode não ter visão completa do nicho por onde o recipiente de alocação provisória dos
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
88

peixes está sendo içado. O operador do sistema de içamento e o guia do recipiente de


alocação provisória dos peixes devem se comunicar usando rádio VHF ou outro sistema
de comunicação adequado;

s) Quando há utilização de caminhão para transporte até a região de soltura, o recipiente


de alocação provisória dos peixes é colocado no caminhão posicionado, amarrado a ele
pelo motorista do caminhão e seu auxiliar e transportado para o local de soltura dos
peixes.

Antes de soltar os peixes no local definido pelo profissional de meio ambiente da


gerência das Gerências Regionais ou das Usinas Subsidiárias Integrais, Controladas e
Coligadas e o biólogo do PV, que deverá ser preferencialmente a jusante da usina, deve-
se misturar água desses locais com aquela que está dentro do recipiente de alocação
provisória dos peixes, colocando-se baldes de água do corpo d’água dentro desse
recipiente para aclimatação. Os peixes somente serão soltos após a autorização do
biólogo do PV ou do profissional de meio ambiente da gerência das Gerências Regionais
ou das Usinas Subsidiárias Integrais, Controladas e Coligadas. Em seguida, o recipiente de
alocação provisória dos peixes é retornado ao hall da sucção próximo à unidade geradora
parada;

t) O processo se repete até que todos os peixes tenham sido resgatados;

u) Os peixes recolhidos sem vida têm seu peso estimado, sendo enterrados posteriormente;

v) O Coordenador da parada, o profissional de meio ambiente da gerência das Gerências


Regionais ou das Usinas Subsidiárias Integrais, Controladas e Coligadas e o biólogo do PV
definem se o resgate no poço de esvaziamento será realizado logo em seguida ao resgate
no tubo de sucção;

w) No dia seguinte ao resgate, deverá ser feito monitoramento no local de soltura dos peixes
resgatados, verificando a eventual morte dos peixes que foram liberados no dia anterior.

E. Monitoramento da ictiofauna no canal de fuga e a jusante da usina após as manobras

a) Consiste na averiguação da presença de peixes mortos advindos da manobra. Todas as


pessoas envolvidas nas operações devem tomar conhecimento das suas atribuições e
estar aptas a cumpri-las;

b) Caso ocorra morte de peixes a responsabilidade do recolhimento dos peixes mortos após
as manobras é da coordenação da operação da usina com o apoio do representante de
meio ambiente das Gerências Regionais ou das Usinas Subsidiárias Integrais, Controladas
e Coligadas e da equipe do PV, caso a situação seja grave;

c) A equipe manterá contato direto via rádio (ou outro sistema de comunicação adequado)
com a coordenação da operação na sala de controle da usina;
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
89

d) Após o término do serviço e já em terra, a equipe identifica e analisa os peixes mortos


coletados. Baseado no estado físico dos peixes, e com a ajuda do profissional de meio
ambiente da AG ou das Usinas Subsidiárias Integrais, Controladas e Coligadas e/ou da
equipe do PV, a equipe de inspeção define a provável “causa mortis”. Esses dados irão
subsidiar o preenchimento do ROA – Relatório de Ocorrência Ambiental.

3.2.2. Manutenção programada de unidades geradoras com a colocação de comporta


ensecadeira e formação de aquário no tubo de sucção

Dependendo da manutenção a ser feita, e do tempo que ela irá durar, poderá ser avaliada a
possibilidade de se manter um aquário na sucção, sendo que os peixes não serão resgatados e sim
mantidos naquele ponto até o término da manutenção quando então serão liberados para o rio
após retira dos painéis dos stop logs. O aquário será mantido e monitorado no tubo da sucção com
o nível abaixo da escotilha da mesma.

O principal risco desta manobra é similar ao apresentado no item 3.2.1 em que há


possiblidade de aprisionamento de peixes, redução de oxigênio, estresse e ferimentos durante o
resgate.

Descrição dos procedimentos/atividades diretamente ligadas a essa manobra:

a) Essa manobra segue os mesmos procedimentos da manobra descritas nas alíneas “A”, “B” e “C”
da manobra descrita no item 3.2.1 porém não haverá resgate dos peixes da sucção, entretanto
poderá haver necessidade de resgate de peixes no caracol e no poço de esgotamento.

b) Deverá ser feita injeção de ar e água na sucção e no poço geral para renovação do ar e da água
no ambiente.

c) O monitoramento da qualidade da água do aquário é de responsabilidade da equipe de meio


ambiente das Gerências Regionais ou das Usinas Subsidiárias Integrais, Controladas e Coligadas;

d) Após encerrada a manobra deverá ser feito uma vistoria no poço de esgotamento para averiguar
se há presença de peixes oriundos da passagem pela válvula by-pass da sucção para esse poço.
Verificado a presença de peixes estes deverão ser resgatados de acordo com o descrito na alínea
“D” do item 3.2.1

3.2.3. Parada e partida programada de unidades geradoras

A parada programada de máquina ocorre para manutenção de equipamentos e/ou


conveniência operativa, elas provocam a parada da rotação da turbina com interrupção de água
pelo circuito hidráulico da unidade geradora. A partida ocorre quando as razões que fizeram a UG
parar são reparadas, assim é liberado o fluxo de água pela abertura do distribuidor, dando início à
rotação da turbina até sua rotação nominal. O risco desta manobra surge enquanto a UG está
parada, peixes podem adentrar o tubo de sucção e quando for dado a partida, eles podem sofrer
injúrias físicas por colisão com as pás da turbina e paredes do tubo de sucção e/ou barotraumas.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
90

Descrição dos procedimentos/atividades diretamente ligadas a essa manobra:

3.2.3.1. Para usinas com restrições ambientais a essa manobra

a) Antes da partida, realizar inspeção no canal de fuga com equipe de meio ambiente de apoio;

b) Após autorização da equipe de meio ambiente e com a unidade geradora parada:

I. Solicitar autorização do COS;

II. Será dada a partida na unidade geradora, respeitando as Limitações Operativas (LOs)
das máquinas e as instruções e restrições ambientais específicas para essa manobra;

III. Interligar a unidade geradora ao sistema;

IV. Ajustar a geração da unidade conforme programação do COS;

V. Inspecionar o canal de fuga da usina para verificar se houve mortandade de peixes.


Caso verifique a presença de peixes mortos, deverão ser tomadas as seguintes
providências:

i. Comunicar o coordenador da usina;


ii. Preencher o formulário ROA tão logo seja possível e enviar por e-mail para os
seguintes destinatários: supervisor da operação, coordenador da usina,
gerente ou seu substituto e para a área de apoio ambiental da operação.

3.2.3.2. Para usinas sem restrições ambientais a essa manobra

a) As sequências de manobras deverão ser seguidas de acordo com as Unidades de


Treinamento de cada instalação;

b) Nos casos previstos, será feito uma inspeção visual no canal de fuga para verificar a presença
de peixes. Caso constate grande incidência de peixes, o responsável pela inspeção acionará
a equipe de meio ambiente para avaliação;

c) Solicitar autorização do COS;

d) Dar partida na unidade geradora, respeitando as LOs das máquinas e as instruções e


restrições ambientais especificas sobre essa manobra;

e) Interligar a unidade geradora ao sistema;

f) Ajustar a geração da unidade conforme programação do COS;

g) Nos casos previstos, inspecionar o canal de fuga da usina para verificar se houve mortandade
de peixes. Caso ocorra morte de peixes, comunicar o coordenador da usina para que ele
tome as providências necessárias;
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
91

h) Preencher o formulário ROA tão logo seja possível e enviar por e-mail para o supervisor da
operação, o coordenador da usina, o gerente ou seu substituto e para a área ambiental de
apoio à operação.

3.2.4. Parada e partida não programada de unidades geradoras

As paradas de unidades geradoras ocorrem após TRIP (parada por ocorrência eletromecânica
ou hidráulica) ou qualquer evento externo (chuvas, raios, queda de arvores, rompimento da rede
de subestações, etc.) que prejudique o correto funcionamento da unidade geradora. A partida
ocorre após a solução do problema que causou a parada da mesma forma que no item 3.2.3. Os
riscos à ictiofauna são os mesmos do listados no item 3.2.3.

Os procedimentos/atividades diretamente ligadas a essa manobra são os mesmos listados no


item 3.2.3

3.2.5. Operação de fechamento de comporta de vertedouro

O fechamento de comporta de vertedouro ocorre após a necessidade de se realizar a abertura


das mesmas liberando o vertimento de água do reservatório para jusante para atender demandas
diversas, como garantir a segurança da barragem em caso de enchentes, prover certa vazão no
trecho a jusante, navegabilidade, manutenção do reservatório em nível de espera, entre outros.
Durante o vertimento, peixes de montante podem descer e sofrer escoriações e pancadas no
vertedouro. Nos peixes de jusante, pode ocorrer embolia gasosa devido à supersaturação de gases
na água. Eles também podem ficar aprisionados na própria estrutura do vertedouro e em poças e
locas a jusante, após o fechamento das comportas, com riscos de morte por dessecação ou hipóxia.

Descrição dos procedimentos/atividades diretamente ligadas a essa manobra:

a) As usinas que tem restrições ambientais para essa manobra deverá ter essas restrições nas
Instruções de Operação (IOs) para controle de cheias;

b) Cabe aos gestores da usina providenciar a inserção dessas restrições nas IOs de controle de
cheias, de acordo com as característica e especificidades de cada usina.

c) A área de meio ambiente dará consultoria no momento em que forem propostas as restrições.

d) Para usinas que tem Trecho de Vazão Reduzida (TVR), cumprir rigorosamente o que está contido
nas instruções referente ao volume de água como vazão sanitária/ambiental e/ou residual nesse
trecho.

3.2.6. Reversão síncrono-gerador

A reversão síncrono-gerador ocorre quando a UG volta a gerar energia após operar como
compensador síncrono. No compensador síncrono, as palhetas do distribuidor são fechadas e ar
comprimido é injetado na UG, rebaixando o nível de água no tubo de sucção. Nessa condição, o
rotor da turbina gira livremente, sem contato com a água e sem produção de energia. A reversão
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
92

síncrono-gerador é feita com a abertura das palhetas do distribuidor e a consequente entrada de


água que expulsa o ar para jusante pelo tubo de sucção. Esse procedimento visa proporcionar maior
estabilidade ao sistema elétrico brasileiro através do controle de tensão. Durante a expulsão do ar
comprimido, peixes podem sofrer impactos nas pás da turbina e paredes do tubo de sucção,
barotraumas e perda de direcionamento pela descompressão, deixando-os mais vulneráveis à
predação por peixes e aves.

Descrição dos procedimentos/atividades diretamente ligadas a essa manobra:

a) Para as usinas que realizam essa operação e provocam danos aos peixes, deve haver restrições
ambientais para essa manobra nas Instruções de Operação (IOs);

b) Cabe aos gestores da usina providenciar a inserção dessas restrições nas IOs de acordo com as
características e especificidades de cada usina.

c) A área de meio ambiente dará consultoria no momento em que as restrições forem propostas.

3.2.7. Descarga de fundo

A descarga de fundo normalmente é utilizada para reduzir a carga de sedimentos retidos ou


para realizar intervenção civil ou eletromecânica no barramento, nas comportas ou outros pontos
do reservatório. O risco dessa manobra está ligado ao deplecionamento do reservatório pelo
rebaixamento do nível de água, durante este deplecionamento pode haver aprisionamento de
peixes a montante. Peixes aprisionados podem morrer por dessecação ou falta de oxigênio
dissolvido (OD). Alterações nos parâmetros físico-químicos da água (e. g. turbidez, OD, pH) podem
afetar peixes de montante e jusante. As usinas que realizam essa manobra deverão ter instruções
especificas de O&M e da parte ambiental que poderão estar em um só documento.

Descrição dos procedimentos/atividades diretamente ligadas a essa manobra:

a) Ter conhecimento do Plano de Contingência Ambiental da usina;

b) Ter na instalação cópia do comunicado aos órgãos ambientais e da Licença de Operação para
realização da descarga de fundo;

c) Essa manobra deverá ter sempre o acompanhamento de um técnico da área ambiental;

d) Monitorar, com equipamentos próprios (Oxímetros), pelo menos os parâmetros básicos de


oxigênio dissolvido (mg/L) e temperatura em (°C);

i) Ajustar o equipamento de acordo com a altitude do local, conforme manual próprio, e em


seguida nos pontos a serem monitorados, em água corrente ou no canal de fuga. Os valores da
concentração de oxigênio dissolvido na água devem ficar entre 5 e 7mg/L;

j) Fazer uma medição do nível de oxigênio antes da parada da máquina como referência para
leituras após a parada, anotando em planilha própria criada para esse fim;
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
93

k) Informar ao coordenador da parada para que o mesmo prossiga com as manobras da descarga
de fundo;

l) Desde o início das manobras, monitorar o oxigênio dissolvido (OD) a cada meia hora em pontos
a montante e a jusante das usinas, anotando os valores na planilha;

m) Durante as manobras, se a qualidade da água apresentar níveis de OD abaixo de 3 mg/L na


barragem ou a montante, e abaixo de 4 mg/L a jusante das usinas, a manobra deverá ser
interrompida com o fechamento parcial das comportas, atentando para a manutenção da vazão
residual mínima a jusante das usinas até que a situação se normalize;

Obs.: Esses limites estabelecidos foram obtidos a partir de médias históricas registradas nessas
manobras e dão segurança à sobrevivência dos peixes e à continuidade da manobra. Os valores
poderão ser flexibilizados para mais ou menos mediante consenso entre o coordenador da
parada e o analista/técnico de meio ambiente presente na manobra.

n) O rebaixamento do reservatório levará em conta a vazão afluente do dia e deverá ser feito de
forma lenta, gradual e sem a preocupação do término imediato, garantindo que a descarga não
ultrapasse os limites de segurança ambiental;

o) No início das manobras, uma das comportas de fundo deverá ser ligeiramente aberta para
medição e controle da vazão. A abertura dessa comporta permitirá o controle de nível do
reservatório que garanta parâmetros ambientais desejáveis e seguros durante toda a manobra;

p) Dependendo da manutenção a ser feita, poderá ser avaliada a possibilidade de se realizar a


descarga parcial ou total, sempre preservando a integridade das pessoas, do meio ambiente e
da usina;

q) Caso ocorra morte de peixes, comunicar ao coordenador da usina para que ele tome as
providências necessárias de acordo com as indicações presentes do Plano de Atendimento a
Emergência (PAE) de cada usina;

r) Preencher o formulário ROA tão logo seja possível e enviar por e-mail para o supervisor da
operação, o coordenador da usina, o gerente ou seu substituto e para a área ambiental de apoio
à operação.

3.2.8. Comissionamento

Comissionamento é, por definição, o conjunto de ensaios e testes operacionais para liberação


do equipamento para entrada em operação comercial. Nessa fase, os novos equipamentos que vão
entrar em operação devem ser previamente avaliados com relação ao seu regime de funcionamento
eletromecânico ou hidráulico, sem que haja impactos ambientais.

O comissionamento é dependente do equipamento que está sendo testado, podendo ser desde
elementos mecânicos da turbina que podem consistir em testes de variação de carga, paradas e
partidas, até do sistema de içamento automático de grades de contenção de cardumes que consiste
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
94

basicamente de paradas e partidas. O comissionamento nada mais é do que o conjunto de algumas


manobras, sendo que nem todas oferecem risco à ictiofauna, mas as que oferecem foram descritas
nos itens anteriores. Os riscos e danos à ictiofauna são dependentes dos testes que serão
executados e da necessidade de sua repetitividade, assim podem se enquadrar nos itens anteriores.

Descrição dos procedimentos/atividades diretamente ligadas a essa manobra:

a) Previamente à manobra, a coordenação do comissionamento deverá se reunir com o


representante da área ambiental e todas as áreas envolvidas na avaliação do equipamento novo
para planejar e definir os testes a serem feitos a fim de detectar possíveis riscos ambientais;

b) Um cronograma das atividades programadas deverá ser elaborado nessa reunião e incluir a
previsão de duração dos testes, horários e tipo de testes, já que nem todos os testes de um
comissionamento oferecem riscos à icitofauna;

c) Após iniciados os testes, uma análise crítica do ocorrido será feita ao final de todos os dias para
correção de rumos, adequações, etc.;

d) Aqueles testes que oferecem riscos seguirão os mesmos procedimentos e instruções previstos
para um equipamento em operação;

e) Antes de cada manobra de risco, as equipes envolvidas deverão preencher o Índice de Segurança
Ambiental Praticado (ISAP).

3.2.9. Variação de carga

A quantidade de energia gerada (carga) nas usinas hidrelétricas depende da demanda de


energia. Quanto maior a demanda, maiores serão a carga e a vazão turbinada. Significantes
variações de carga em uma usina podem provocar expressivas oscilações no nível da água a jusante.

O nível de risco depende da morfologia do rio a jusante e da amplitude da oscilação do nível da


água. Peixes podem ficar aprisionados em poças originadas pela oscilação do nível da água. Nesses
locais, eles podem sofrer hipóxia ou dessecação. Além disso, peixes próximos ao tubo de sucção
podem ser afetados pelo aumento súbito da carga, com consequente incremento da vazão, em
decorrência de variação na pressão e aumento na turbulência.

As usinas que têm restrições ambientais para essa manobra devido à presença de trechos de
rio passíveis de aprisionamento de peixes a jusante dos empreendimentos deverão ter essas
restrições nas IOs para controle de cheias. Cabe aos gestores das usinas providenciar a inserção
dessas restrições nas IOs de controle de cheias de acordo com as características e especificidades
de cada empreendimento. A área de meio ambiente dará consultoria no momento em que forem
propostas as restrições.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
95

3.2.10. Giro a vazio

No giro a vazio, a vazão turbinada é reduzida para cerca de 10 a 15% da vazão turbinada
máxima. A UG gira, mas sem produzir energia elétrica, até atingir sua rotação nominal. Essa é uma
pré-condição para se colocar carga na UG. O giro a vazio também é realizado para avaliar as
condições mecânicas da UG sem que haja necessidade dela estar interligada ao sistema elétrico.

O principal risco desta manobra é em decorrência da redução da vazão e consequente


diminuição da velocidade da água no escoamento da sucção, permitindo que os peixes se
aproximem do rotor da turbina, onde há risco de colisão com as pás e descompressão, e sofrer
injúrias físicas e barotraumas (e. g. exoftalmia e eversão estomacal).

As usinas que realizam essa operação e provocam danos ambientais deverão ter restrições
ambientais para essa manobra nas IOs. Cabe aos gestores das usinas providenciar a inserção dessas
restrições nas IOs de acordo com as características e especificidades de cada empreendimento. A
área de meio ambiente dará consultoria no momento em que forem propostas as restrições.

3.2.11. Teste de Black Start

O teste de Black Start é normalmente realizado uma vez ao ano em algumas usinas do Sistema
Interligado Nacional (SIN) mediante solicitação do Operador Nacional do Sistema (ONS) e tem a
finalidade de verificar a disponibilidade “real “dos equipamentos de geração. O teste consiste na
parada de uma ou mais unidades geradoras (UGs) ( parcial), podendo ser solicitada a parada de
todas as UGs (total) e o retorno das mesmas à geração.

Naquelas usinas que têm restrições ambientais, principalmente para partidas de máquinas,
essas manobras deverão ser acompanhadas pelo profissional de meio ambiente das Gerências
Regionais ou das Usinas Subsidiárias Integrais, Controladas e Coligadas e/ou da equipe do PV.

Os riscos dessa manobra são os mesmos da partida, mas em maior escala, por se tratar de um
número maior de UGs parando e partindo.

3.2.12. Teste de perenização

O teste de perenização também pode ser solicitado pelo ONS ou realizado por necessidade da
Cemig com finalidades diversas, como: a) obras civis a jusante; b) necessidade de se verificar por
quanto tempo os trechos a jusante da usina suportam sem defluências com vistas a ser atendidas
necessidades do SIN de se praticar “geração nula” em determinado período sem prejuízos
socioeconômicos a jusante.

Esses testes devem ser acompanhados pelo profissional de meio ambiente das Gerências
Regionais ou das Usinas Subsidiárias Integrais, Controladas e Coligadas e/ou da equipe do PV.

Os riscos desta manobra estão ligados à diminuição do nível da água a jusante podendo criar
áreas de aprisionamento para peixes que podem sofrer com hipóxia e/ou dessecação.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
96

3.2.13. Testes de extravasores

Os testes de extravasores também podem ser solicitados pelo ONS ou realizados por
necessidade da Cemig e normalmente são feitos anualmente ou após manutenção, com a finalidade
de se verificar o funcionamento e a disponibilidade desses equipamentos (comportas de
vertedouros, de fundo, vagão, etc.). Os riscos destas manobras são similares aos da abertura e
fechamento dos vertedouros e/ou comportas de fundo, porém minimizados pelo curto período em
que são realizadas, sendo feitos com valores de vertimento pouco significativos e muitas das vezes
feitos sem vertimento, com colocação de stop-log’s nas comportas durante esses testes.

3.3. Operação Desvia Peixe

A operação conhecida como desvia peixe (antigamente denominada de ‘engana peixe’) é realizada
antes de uma parada de unidade geradora (UG) para drenagem. Frequentemente empregada nas
usinas o desvia peixe tem como objetivo reduzir a quantidade de peixes aprisionados no tubo de
sucção da UG e, consequentemente, o risco de sua morte durante a drenagem. Os procedimentos
operacionais necessários para a realização dessa operação dependem de cada usina, podendo ser:

a) Utilização do vertedouro
O vertedouro é aberto com a intenção de atrair os peixes que se encontram no canal de fuga.
Em usinas onde esse procedimento é recomendado, seguir as instruções específicas.

b) Utilização das máquinas adjacentes


Nas usinas onde executa-se a manobra desvia peixe por meio de parada de unidade geradora,
a mesma deve ser parada com antecedência mínima de uma hora e somente reinterligada após a
colocação do stop-log de jusante na unidade parada para manutenção, seguindo os procedimentos
específicos dessas usinas.

Apesar de frequente, poucos estudos foram conduzidos para testar a eficiência dessa operação.

3.4. Resgate de peixes em locais confinados e trechos de vazão reduzida

3.4.1. Definições

a) Espaço confinado: de maneira geral, é qualquer área não projetada para ocupação humana
contínua e que possua meios limitados de entrada e saída. A ventilação existente é insuficiente
para remover contaminantes perigosos e/ou tem deficiência para enriquecimento de oxigênio.
São ambientes sujeitos a gases, vapores ou micro-partículas em suspensão (NR – 33).

b) Ambiente confinado: refere-se a local submerso de difícil acesso ou saída o qual, em casos de
emergência, impossibilite ou dificulte o retorno do mergulhador à superfície apenas pelo
método de flutuabilidade - NR 15 – NORMAM 15.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
97

3.4.2. Resgate de peixes em locais confinados: no caracol (caixa espiral), sucção e poços de
esgotamento/esvaziamento e/ou drenagem

Durante manobras de isolamento com drenagem do conduto forçado, caracol (caixa espiral) e
sucção para manutenção de turbinas em hidrelétricas, eventualmente serão aprisionados peixes
nesses pontos. Os animais terão que ser resgatados mantendo a segurança de todos envolvidos na
operação e buscando a retirada dos peixes ainda com vida desses ambientes confinados. O
acompanhamento e monitoramento ambiental previstos na IS-47 deverão ser seguidos
rigorosamente em todas suas etapas, conforme descrito anteriormente nos itens 3.2.1 e 3.2.2
(Figuras 4 a 7).

Figura 4 - Monitoramento que antecede a manobra feito por biólogos do PV e durante as manobras.

Figura 5 – Colocação de “stoplog” de jusante e resgate no caracol.


Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
98

Figura 6 – Abertura da escotilha da sucção e resgate.

Figura 7 – Resgate no poço de esvaziamento/esgotamento, transporte e soltura dos peixes.

A maioria das usinas tem um layout como o mostrado na figura 8, ou seja, um poço de
drenagem que escoa toda água de vazamentos dentro da casa de força e um poço de
esgotamento/esvaziamento que escoa toda água que vem da sucção quando em manobra de
isolamento com drenagem da sucção para manutenção nas turbinas. Neste caso, o resgate é feito
neste poço que recebe peixes da sucção.

O resgate é iniciado após o rebaixamento do nível de água até altura segura para os peixes e
para os integrantes da equipe de resgate que descerão até o fundo desse poço para dar
prosseguimento aos trabalhos.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
99

Excepcionalmente, teremos algumas usinas com um só poço (Poço Geral – ex.: UHE Itutinga)
pelo qual são desviadas todas as águas de drenagem e de esgotamento da sucção, e onde é feito o
resgate.

Figura 8 – Layout de uma usina.

3.4.3. Resgate de peixes em Trechos de Vazão Reduzida (TVRs)

É o trecho do rio entre a barragem e a casa de força que, após o desvio do rio para o sistema
de adução da usina, fica com vazão reduzida ao mínimo necessário para manutenção da vazão
ambiental sanitária definida pelo órgão ambiental através da outorga para aproveitamento de
potencial hidrelétrico.

Nos TVRs se faz necessário o fechamento dos vertedouros após grande defluência, podendo
ocorrer aprisionamento de peixes mesmo no caso em que os vertedouros são de crista livre.
Portanto, se faz necessário ter procedimentos operacionais que garantam o fechamento lento e
gradual dos vertedouros. No caso de vertedouros de crista livre, isso deve ser feito no retorno das
UGs que estiverem paradas, fazendo a geração aumentar de forma lenta e gradual.

Essa atividade deverá ter procedimentos específicos dessas usinas que contemple o
monitoramento e resgate de peixes aprisionados nos pontos dos TVRs onde há muitas pedras, locas,
e fendas rochosas (Figura 9 e 10).
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
100

Figura 9 – Desenho esquemático do Trecho de Vazão Reduzida (TVR) da UHE Aimorés.

Figura 10 – Início do Trecho de Vazão Reduzida (TVR) da AHE Queimado, logo após o fechamento do
vertedouro e consequente resgate de peixes.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
101

3.5. Soluções de engenharia e modificações físicas sugeridas para usinas

Em determinadas manobras ou devido a condições físicas das usinas, podem ser necessárias
modificações estruturais, com soluções de engenharia que minimizem os impactos à ictiofauna.

Abaixo relacionamos algumas que já foram implementadas ou estão a caminho de ser:

Figura 11 – Instalação de pontos de monitoramento


do oxigênio no caracol, sucção e poços. Ex.: UHE
Emborcação.

Figura 12 – Instalação de sistema de oxigenação. Ex.:


Alça do Túnel – UHE Queimado.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
102

a b

Figura 13 – Instalação de sistema de adução de água e ar. Ex.: UHE Miranda.

Figura 14 – Desobstrução de pontos de aprisionamento


e/ou enchimento (obturações). Ex.: PCH Peti.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
103

Figura 15 - Instalação de sistemas de içamentos internos. Ex.: UHE Emborcação;

Figura 16 – Água de refrigeração/atração peixes – relocação. Ex.: UHE Três Marias.


Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
104

Figura 17 – Sistema de grades automatizadas em operação. Ex.: UHE Três Marias.


Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
105

Tabela 1 - Modelo a ser preenchido com base no Sistemas Integrados de Gestão (SIG) usados na Cemig.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
106
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
107
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
108

3.5.1. Plano de Atendimento a Emergência (PAE)

Por uma das definições, emergência é toda e qualquer situação anormal e de maior
envergadura, envolvendo risco iminente à vida humana ou perdas catastróficas na propriedade
móvel e imóvel, processo produtivo, meio ambiente, imagem institucional da empresa, ou uma
combinação entre esses elementos, implicando na paralisação das rotinas de atividades, e
obrigando o exercício de ações específicas de combate a incêndio, salvamento e resgate, prestação
de primeiros socorros, etc. Tais elementos incluem incêndios, inundações, mortandade de peixes,
incidentes graves e situações extremas causadas pelo homem que possam produzir, direta ou
presumivelmente, consequências graves.
Em situações críticas durante as quais ocorram mortes de peixes, o Plano de Atendimento a
Emergência (PAE) deverá ser acionado imediatamente após constatação do ocorrido, seguindo os
trâmites e a hierarquia definidos no documento do plano.

Toda instalação deverá ter um PAE.

3.5.2. Procedimentos

Para definição dos procedimentos a serem implantados e observados durante as manobras de


risco, definiu-se nos quadros abaixo os procedimentos relacionados a essas manobras de risco por
categoria e por usina. Nas tabelas a seguir, as manobras estão numeradas da seguinte forma: 1.
Manutenção programada de unidades geradoras com a colocação de comporta ensecadeira
(stoplog) e esgotamento do tubo de sucção com resgate de peixes; 2. Manutenção programada de
unidades geradoras com a colocação de comporta ensecadeira e formação de aquário no tubo de
sucção para assegurar condições de vida para os peixes enquanto durarem as atividades de
manutenção; 3. Parada e partida programada de unidades geradoras; 4. Parada e partida não
programada de unidades geradoras; 5. Operação de fechamento de comporta de vertedouro; 6.
Reversão síncrono-gerador; 7. Descarga de fundo; 8. Comissionamento; 9. Variação de carga; 10.
Giro a vazio; 11. Teste de Black Start; 12. Teste de perenização; 13. Teste de extravasores.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
109
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
110
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
111
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
112
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
113

CAPITULO 4 4

FATORES CRÍTICOS PARA A MORTE DE PEIXES

Fabiana de Oliveira Gama


Hélen Regina Mota
Marcela David de Carvalho

Fundamental para a manutenção da biodiversidade, de todos os ciclos naturais e a preservação


da própria vida, a água vem se tornando cada vez mais um recurso estratégico para a humanidade.
Neste propósito, a ampliação do conhecimento sobre a interação dos peixes e a água contribui para
interpretações dos processos ambientais.

1. O que é Limnologia?

Limnologia é o estudo ecológico de todas as massas d’água continentais. Portanto, são


inúmeros os corpos d’água objeto de estudo da limnologia, como por exemplo: lagunas, açudes,
lagoas, represas, rios, riachos, brejos, áreas alagáveis, águas subterrâneas (ESTEVES, 2011). Os
estudos limnológicos fornecem um amplo entendimento das inter-relações existentes entre os
fatores abióticos (clima, geomorfologia e propriedades físico-químicas) e os fatores bióticos
(alimento e predação nos ecossistemas aquáticos).
Dentro desse contexto, a interpretação dos conjuntos de fatores físicos, químicos e bióticos nos
fornecem subsídios para, cada vez mais, compreender as estratégias de distribuição espacial dos peixes nos
diversos tipos de hábitats.

2. Ecossistema Lacustre: principais compartimentos

Os ecossistemas aquáticos continentais são compostos por diferentes hábitats ou


compartimentos. Neste curso, vamos exemplificar as comunidades dentro dos ecossistemas
lacustres, que se dividem em diferentes compartimentos identificados pelas seguintes regiões:
litorânea ou ripária; limnética ou pelágica; bentônica; interface água-ar (Figura 1). Importante
ressaltar que, historicamente, a Limnologia tem abordado os compartimentos separadamente e,
apenas recentemente, com a crescente ênfase em estudos de interações entre hábitats e
ecossistemas espacialmente segregados, esse panorama tem se modificado. Por meio dos estudos,
ficou comprovado que esses compartimentos não estão isolados dentro do ecossistema aquático,
mas sim em constante interação de trocas de matéria e energia, superpondo-se na maioria das vezes
(Esteves 2011).

Gama F. O. , Mota H. R. & Carvalho M. D. (2019) Fatores críticos para a morte de peixes. In: Gandini C. V. ,Loures R. C. & Caldeira Y.
M. (orgs.) Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico. Belo Horizonte: Companhia Energética de Minas
Gerais, 2.ed., pp 113 – 138.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
114

Figura 1 - Ecossistema lacustre: principais compartimentos e respectivas comunidades. Fonte: Esteves,


1998.

3. Compartimentos e respectivas comunidades

Qualquer das partes pertencentes ao todo, tanto vegetal, quanto animal, têm um papel
ecologicamente relevante enquanto interagirem com o seu meio. Dessa forma, vamos apresentar,
simplificadamente, as inter-relações dos organismos invisíveis que atuam diretamente na
manutenção da diversidade de peixes.
3.1. Comunidade Planctônica

A comunidade planctônica é constituída por vírus (virioplâncton), bactérias


(bacterioplâncton), algas (fitoplâncton) e invertebrados (zooplâncton) que estão distribuídos
através de toda a coluna d´água, desde a superfície até o fundo. As alterações ocorridas na
comunidade fitoplanctônica são rapidamente espelhadas pelo zooplâncton, que passa a sinalizar a
intensidade e as condições estabelecidas durante e após a consolidação dessas perturbações. Além
disso, o zooplâncton também apresenta forte vinculação com os níveis tróficos mais elevados da
teia aquática (Soranno et al., 1985), sendo responsável por uma importante rota de transferência
de energia dos produtores primários aos peixes.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
115

Figura 2 - Exemplares de fitoplâncton.

Figura 3 - Exemplares da microflora: fitoplâncton.

Figura 4 - Exemplares da microfauna: zooplâncton.

Figura 5 - Exemplares da microfauna: zooplâncton.


Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
116

3.2. Macroinvertebrados

Os macroinvertebrados aquáticos são de grande importância nos ambientes lóticos e


lênticos por desempenharem um papel central na dinâmica de nutrientes, na teia trófica, na
transformação da matéria e no fluxo de energia. O biorrevolvimento da superfície do sedimento e
a fragmentação dos detritos vegetais oriundos do meio terrestre adjacente são exemplos de
processos importantes para a liberação de nutrientes na água e aeração dos sedimentos, sendo a
saúde e a qualidade de um corpo d’água dependentes de tais processos.

Figura 6 - Exemplares da macrofauna bentônica.

3.3. Macrófitas

A grande variedade de espécies de macrófitas aquáticas com diferentes morfologias e formas de vida
tem sido apontada como um fator de extrema relevância para o surgimento e manutenção da biodiversidade
aquática.
Os peixes usam a estrutura física do ambiente proporcionada por rochas, madeiras submersas e
macrófitas aquáticas como como berçário, refúgio e sítio de forrageamento (Junk et al., 1997).
A cobertura oferecida pela vegetação litorânea e pelas macrófitas flutuantes permite aos peixes
esconderem-se do campo de visão dos predadores, aproveitando o refúgio nesses locais (Helfman, 1981). Os
bancos de macrófitas conferem maior diversidade estrutural aos sistemas aquáticos, aumentando os nichos
e interferindo na dinâmica das comunidades e do ecossistema lacustre. Esses ambientes são amplamente
utilizados por peixes pequenos e juvenis de espécies de maior porte, nas etapas iniciais da vida, devido à
abundante oferta alimentar e ao refúgio contra predação de aves e peixes (Esteves, 1988; Froehlich, 1999;
Pelicice & Agostinho, 2005).

Figura 7 - Exemplares de macrófitas aquáticas.


Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
117

Diante da síntese das comunidades aquáticas apresentadas neste capítulo, é possível


observar uma gama de fatores que se inter-relacionam dentro do ecossistema e interferem
diretamente na diversidade dos peixes. As condições físicas, químicas e bióticas se modificam ao
longo de um gradiente, ou seja, em função das condições geomorfológicas, promovendo forte
influência sobre as comunidades biológicas. Por isso é possível inferir que a compreensão do
padrão de distribuição espacial dos peixes só é possível a partir das interpretações dos aspectos
bióticos e abióticos do sistema.
Atualmente, a visão preponderante entre os estudiosos da ecologia de peixes coincide com
as ideias defendidas pelos ecólogos teóricos, segundo os quais a competição pode ser importante,
mas somente ao lado de uma variedade de outros fatores, como: flutuações dos parâmetros
químicos e físicos, heterogeneidade espacial, fatores estocásticos, produtividade do hábitat,
predação, entre outros (Wiens, 1984; Krebs, 1994; Pianka, 1994).

3.4. Mexilhão dourado

O mexilhão dourado (Limnoperna fortunei) é originário da China e sudeste da Ásia, foi


detectado pela primeira vez na América do Sul, em 1991, próximo a Buenos Aires, Argentina,
provavelmente introduzido acidentalmente nesse ambiente por meio de água de lastro. No Brasil,
seu primeiro registro ocorreu em 1998, no Rio Grande do Sul, por pesquisadores da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, junto ao delta do rio Jacuí, em frente ao porto de Porto
Alegre. Hoje já está presente, em grandes densidades, na bacia dos rios Paraná, Paranaíba, Grande
e baixo São Francisco (Figura 8).

Figura 8 - Os símbolos indicam áreas de ocorrência conhecida do


mexilhão dourado no Brasil (Fonte: cbeih.org).
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
118

Durante a reprodução o mexilhão dourado libera seus gametas na água e, após a


fecundação, uma larva livre se desenvolve, passando por vários estágios de crescimento. Após o
período de 13 a 15 dias, dependendo da temperatura da água (Cataldo et al. 2005), e já com concha,
adere a um substrato rígido por meio de uma estrutura de fixação chamada bisso. Uma vez fixo, o
jovem molusco cresce em torno de 2,5 mm ao mês nos estágios iniciais, chegando a 5 – 6 mm em
até 4 meses. É importante salientar que indivíduos maiores que 5 mm podem ser considerados
aptos a reproduzir. A taxa de crescimento e a reprodução do L. fortunei variam com as condições
do ambiente, principalmente com a temperatura da água. Seu tempo de vida é curto, em média 3,2
anos, quando a concha pode alcançar 3,6cm de comprimento. A reprodução do mexilhão dourado
ocorre predominantemente nos meses mais quentes, entre setembro e março, com alta densidade
de larvas em alguns momentos. Estas e outras informações da biologia de L. fortunei encontram-se
detalhadas em Darrigran e Damborenea (2006) e Mansur et al. (2012).

O mexilhão dourado é capaz de se fixar em praticamente qualquer tipo de substrato


submerso, possuindo, ainda, grande capacidade de adaptação ao ambiente local, com rápida taxa
de crescimento e grande força reprodutiva. Sem inimigos naturais, sua presença nos ecossistemas
aquáticos brasileiros vem provocando importantes danos ambientais e econômicos, como, por
exemplo, a redução de diâmetro e obstrução de tubulações das companhias de abastecimento de
água potável e o entupimento de filtros dos sistemas de arrefecimento das turbinas no setor de
geração de energia, o que vem demandando manutenções específicas e mais frequentes, com
custos extraordinários, forçando mudanças nas práticas de controle ambiental, na rotina de pesca
de populações tradicionais e causando danos aos motores das pequenas embarcações.
Entre os diversos impactos causados pelo mexilhão dourado, as interações com espécies
nativas e as mudanças na cadeia trófica parece ser de particular importância, uma vez que estes
aspectos podem revelar a presença de inimigos naturais como predadores, bem como mudanças na
dinâmica energética do ecossistema (Rosa, 2018).
Sua dispersão se dá por diversos meios, envolvendo diferentes fases do seu ciclo de vida,
larvas e adultos. A sua introdução pelas áreas da América do Sul, foi originariamente causada pela
descarga de água de lastro, a posterior ocupação das bacias hidrográficas do sul do país e do
Pantanal pelo mexilhão teve como vetor principal o trânsito de embarcações na região. O molusco
se dispersa na sua forma larval (não visível ao olho nu) ou adulto, na água armazenada em
reservatórios de embarcações de transporte e lazer e, mais provavelmente ainda, a incrustação de
formas jovens e adultas do mexilhão em barcos que transitam entre regiões infestadas e não
infestadas, constituíram o sistema de extrema "eficiência" para a sua dispersão.
A melhor forma de combater o mexilhão dourado é impedindo que ele se alastre de forma
a atingir áreas de interesse ambiental e na pior das hipóteses diminuindo a sua velocidade de
dispersão como foi feito pela Cemig ao longo de anos a jusante da UHE São Simão - GO. O trabalho
de educação ambiental é dos mais importantes para que se possa conseguir este objetivo e assim
evitar grande prejuízo para todos, indústrias, agricultura e meio ambiente. Abaixo a relação das
usinas da Cemig que estão em rios que tem grande chance de ocorrência do mexilhão (Tabela 1).
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
119

Tabela 1 - Usinas Cemig com risco potencial de infestação pelo mexilhão dourado.

Usinas Usina infestada Rio infestado

UHE ROSAL Não Não


UHE SÁ CARVALHO Não Não
UHE TRÊS MARIAS Não Sim (jusante)
UHE CAMARGOS Não Sim (jusante)
UHE ITUTINGA Não Sim (jusante)
UHE SALTO GRANDE Não Não
UHE IRAPÉ Não Não
UHE QUEIMADO Não Não
UHE EMBORCAÇÃO Não Sim (jusante)
UHE NOVA PONTE Não Não
UHE MIRANDA Não Não

OBS: O cuidado em não disseminar as larvas e nem o adulto do mexilhão dourado é


importante, pois a capacidade de monitorar estes organismos é ainda limitada. A não detecção do
molusco em determinada bacia não é garantia de que ele não esteja lá.

3.4.1. Como reconhecer o mexilhão dourado

Organismos com coloração externa das conchas dourada brilhante, variando do amarelo ao
marrom. Na parte interna as conchas são lisas, lustrosas e esbranquiçadas. Os indivíduos adultos
podem alcançar tamanhos que variam de 2 a 4 cm.
Este bivalve (ele tem duas conchas) pode ser confundido com outra espécie, também
invasora e presente em nossas águas, desde a década de 70, o Corbícula. No quadro a seguir, estão
algumas características que podem ajudar a diferenciar o Mexilhão Dourado do Corbícula.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
120

Figura 9 - Características do Mexilhão Dourado e do Corbícula

3.4.2. Mexilhão dourado e sua interação com os peixes e piscicultura

A criação de peixes em tanques-rede em águas públicas tem sido apontada como importante
alternativa para o crescimento da produção de pescado no Brasil. Apesar do crescimento da
atividade, nos últimos anos, a infestação do mexilhão dourado Limnoperna fortunei (Dunker, 1857)
nas pisciculturas em tanques-rede das Regiões Sudeste e Centro-Oeste, mais particularmente nas
bacias dos rios Paraná, Paraguai e Uruguai, tem promovido impactos ambientais e econômicos que
desestimulam a implantação de novos empreendimentos. Alguns produtores estimam que a
invasão desse molusco na piscicultura aumenta os custos de produção em cerca de 15%.
Nas áreas com piscicultura em tanques-rede o mexilhão dourado encontra substrato
abundante para sua fixação e, provavelmente, maior disponibilidade de alimentos, em
consequência do aumento da produtividade primária decorrente da carga orgânica liberada nessas
áreas. Estudos de Costa et al. (2012) no Parque Aquícola instalado no rio Adelaide, reservatório de
Salto Caxias, apontaram a existência de uma maior densidade de mexilhões nos tanques-rede que
continham peixes, comparados aos tanques-rede sem peixes. Segundo os pesquisadores, essa maior
densidade pode ter ocorrido em função da maior disponibilidade de alimento, decorrente de
arraçoamento dos peixes. Foi observado também que os mexilhões presentes nos tanques com
peixes eram de menor tamanho em relação aqueles dos tanques sem peixes, provavelmente pela
competição por espaço (Figura 10).
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
121

Figura 10 - Incrustação do mexilhão dourado na tela do tanque-rede (Foto: cbeih.org).

Como a produtividade dos tanques-rede está relacionada às trocas de água no seu interior,
o desenvolvimento dos peixes é prejudicado, podendo, em situações extremas, resultar na
mortalidade desses animais.
Além de impedir as trocas de água, as bordas das conchas podem provocar cortes e lesões
nos peixes, aumentando a necessidade de cuidados durante os manejos da piscicultura. Alguns
produtores relatam que o mexilhão se desenvolve mais nas laterais do que no fundo do tanque, o
que aumenta as chances de lesões.
A presença do mexilhão tem sido relatada em tanques-rede construídos com telas de
diferentes materiais (arame, arame galvanizado coberto por PVC e aço inox). Alguns produtores
afirmam que a fixação é menor e a colmatação mais lenta das telas fabricadas em inox e que a
redução no número de limpezas ao ano compensa o maior custo dos tanques-rede fabricados com
este material. A menor fixação nestas telas, provavelmente está associada a menor superfície de
contato, comparativamente aquelas revestidas por PVC, mas a limpeza dos tanques-rede, ainda
predomina como principal fator de redução desta invasão, Oliveira et. al. 2014.
O mexilhão também adere às demais estruturas rígidas da piscicultura tais como boias, onde
cresce até o tamanho máximo, pois nessas estruturas não há limpeza regular (Figura 11).
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
122

Figura 11 - Incrustação do mexilhão dourado em boia do tanque-rede


(Foto: cbeih.org).
Nas áreas de grande infestação observa-se acúmulo de conchas no fundo e na margem do
lago, próximas a área de produção. Os animais mortos próximos à piscicultura provocam cheiro
desagradável.

3.4.3. Limpeza dos tanques-rede

A infestação do L. fortunei nas pisciculturas acarreta a necessidade de limpezas frequentes,


que, de maneira geral, utilizando tratores modificados e as telas são limpas utilizando-se lavadoras
de alta pressão. Este procedimento aumenta o custo com mão de obra, energia elétrica,
investimento em equipamentos e, algumas vezes, na construção de estruturas e local em terra para
onde os tanques-rede são deslocados para a realização deste manejo (Figura 12). De acordo com os
piscicultores são necessários de 2 a 5 funcionários para a realização da limpeza e retirada do
mexilhão, Oliveira et. al. 2014. Dependendo do tamanho da piscicultura e da intensidade da
infestação, é estimado um tempo de até 4 horas para limpeza de cada tanque-rede. O uso da
lavadora de alta pressão aumenta o consumo de energia, impactando economicamente a atividade.
Também, segundo os piscicultores, pode ocorrer entupimento da bomba da lavadora, Oliveira et.
al. 2014.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
123

Figura 12 - Retirada dos tanques-rede para fora da água para a retirada dos
mexilhões incrustados (Foto: cbeih.org).

Com a retirada frequente do tanque-rede da água para a limpeza, faz com que sua vida útil
se torne menor, sendo comum o rompimento das estruturas de fixação das telas, conforme relatado
pelos piscicultores. Além dos danos, sob condição de infestação intensa, o tanque-rede pode até
afundar devido ao seu peso excessivo, Oliveira et. al. 2014.
Segundo Oliveira et.al.2014, muitas pisciculturas estão localizadas em áreas onde é difícil a
retirada dos tanques-rede para a limpeza em terra, razão pela qual na maioria das vezes o manejo
de limpeza é feito no próprio local de cultivo. Apesar de essa ser a forma mais fácil de limpeza, é
importante ressaltar que a retirada do mexilhão dourado não deve ser feita no próprio ambiente,
pois os indivíduos que permanecerem vivos podem continuar a se reproduzir. Além disso, os
indivíduos mortos contribuem para o acúmulo de conchas no fundo do lago e o aumento de matéria
orgânica, o que pode prejudicar a qualidade da água no local de criação.
Alguns piscicultores que não possuem este tipo de lavadora deixam o mexilhão secar ao sol
e batem na tela para derrubar os moluscos, o que pode reduzir ainda mais a vida útil do tanque-
rede.
A limpeza dos tanques-rede, de modo geral, é realizada depois da despesca ou a intervalos
que variam de 2 a 4 meses. Observa-se que, quanto menor o intervalo entre as limpezas, menor é
a incrustação nas telas e, quanto maior o intervalo, maior é o tamanho das conchas e a quantidade
de mexilhões, o que dificulta a limpeza, aumenta os danos às estruturas de criação e os riscos de
afundamento dos tanques-rede. No entanto, o maior número de limpezas implica no aumento de
custo da produção, Oliveira et. al. 2014.
Embora não se saiba a taxa de crescimento exata dos moluscos nas diferentes condições
ambientais, a literatura indica um crescimento ao redor de 2,5 mm ao mês, nos primeiros meses de
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
124

vida. Isso corrobora as informações dos piscicultores de que os tanques que ficam na água por 2 a
3 meses alojam indivíduos com tamanhos superiores a 5 mm, portanto já necessitando de limpeza.
Sendo assim, muitos piscicultores adotam a limpeza aos 2 – 3 meses, combinando com atividades
de despesca. Outros, porém, chegam a deixar o tanque na água por 3 a 4 meses porque consideram
que não vale a pena estressar o peixe em tempo tão curto. O período em que o tanque permanece
na água sem ser limpo é um fator importante, mas difícil de generalizar, pois cada piscicultura tem
seu próprio manejo de acordo com suas necessidades e tipo de cultivo, entre outros fatores.

3.4.4. Reprodução do mexilhão dourado na piscicultura

A limpeza dos tanques para manter as telas livres, além de ser importante no manejo da
piscicultura, quando feita em intervalos mais curtos pode também evitar a reprodução dos
moluscos, já que ao atingem 5,5 mm são considerados aptos a reprodução (Darrigran et al., 2003).
Portanto, a limpeza evita a reprodução dos jovens e contribui para diminuir a densidade na
piscicultura.
A temperatura da água influencia o período de reprodução e o crescimento da concha,
ambos favorecidos pelas temperaturas mais altas. Embora os produtores tenham relatado alta
infestação no verão, como é esperado, outros produtores relataram fechamento das telas nos
meses de inverno. A infestação observada em junho e julho deve ser proveniente dos indivíduos
nascidos no final do verão, março e abril, que quando atingem 5 ou 6 mm começam a dificultar as
trocas de água com o ambiente externo, Oliveira et. al. 2014.
Alguns produtores também relataram que em outubro e novembro, quando se espera alta
densidade, a densidade de adultos nos tanques é mais baixa e não colmata tanto a malha do tanque.
Isso provavelmente se dá porque a reprodução é menor nos meses de junho e julho. Indivíduos
nascidos em setembro, início da reprodução, causarão danos no tanque de dezembro em diante.
Estudos são necessários para um melhor entendimento da atividade reprodutiva de L. fortunei em
áreas de piscicultura, o que pode ajudar no manejo.
Entre os indivíduos pequenos é comum se observar alguns bem maiores, resultantes de
translocamento. Isto porque o mexilhão pode se soltar de uma superfície e se fixar em outra
localizada próxima, principalmente nos estágios mais jovens, os quais podem flutuar e se manter na
coluna d’água até encontrar um substrato próximo. No caso dos tanques-rede o translocamento é
facilitado devido à proximidade dos mesmos, Oliveira et. al. 2014.

3.4.5. Cuidados com esse molusco para minimizar a dispersão

A falta de informações sobre o padrão de comportamento desta espécie nas pisciculturas e


de disponibilização de tecnologias e recomendações de manejo para a redução da infestação com
base técnica e científica leva os produtores a buscarem suas próprias soluções, muitas vezes
copiando o modelo utilizado pelo produtor vizinho.
As inspeções e desinfecções deverão ocorrer nas embarcações e nos equipamentos
utilizados nas pisciculturas, coletas e estudos.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
125

Como fazer a desinfecção das embarcações, materiais e água coletada de áreas contaminadas pelo
molusco
As inspeções e desinfecções deverão ocorrer nas embarcações e nos equipamentos
utilizados nas coletas e estudos. Em todos os reservatórios, sem nenhuma ressalva, deverá ser feita
a desinfecção das embarcações e de todos os materiais e que foram utilizados e tiveram contato
com a água, pois o risco de invasão é alto:
As embarcações e materiais utilizados devem realizar procedimentos de limpeza. A
desinfecção é feita com água sanitária comercial ou cloro. Retire o barco da água e todos os
pertences do seu interior, e siga o procedimento abaixo:
• esvazie, em terra, qualquer reservatório de água que esteja na embarcação e materiais de
coleta;
• retire qualquer resíduo de vegetação encontrado dentro e fora da embarcação e materiais
de coleta;
• limpe as possíveis incrustações de adultos com disposição dos resíduos em terra;
• lave toda embarcação, principalmente o casco, viveiros de iscas e o reboque;
• a água sanitária deve ser jogada onde tiver acúmulo de água, principalmente em caixas de
iscas vivas. Todo o barco deve ser escovado com uma vassoura macia embebida em água
sanitária (Figura 13).

Figura 13 - Desinfecção das embarcações e reboque é feita com água sanitária comercial ou cloro (Fotos:
Brandt Meio Ambiente Ltda).
Os descartes de amostras de terra ou água, estas devem ser fixadas com formol ou alteração
do pH, ácido ou básico, para certificar que possíveis larvas contidas nestas amostras sejam
eliminadas antes do seu descarte no sistema de esgotamento sanitário.
A lavagem dos vestuários, tudo deve ser revistado e vistoriado para que não transportem
mexilhões adultos nos bolsos, dobras, etc., deixando de molho por 24h em solução de água sanitária
comercial, na proporção de 1L de água sanitária para 4 litros de água (mas isto pode alvejar os
tecidos) ou com MXD100 (pois não alveja), ou ainda deixar secar por três dias ao sol antes da
lavagem.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
126

As ferramentas usadas devem também passar por inspeção para garantir que não têm
adultos de mexilhão dourado em fissuras, estrias, etc.; logo após esta ação, borrifar água sanitária
em todas as peças e deixar secar, para seu uso posterior.
Alguns produtos químicos têm sido utilizados para matar indivíduos adultos, pois tais
produtos atacam as partes moles dos moluscos, e pode ser que ataquem também o bisso, pois
facilitam o desprendimento da concha, e consequentemente a limpeza. Também são utilizados
bactericidas para esterilização das telas antes de retornar o tanque para a água de forma a evitar
ou retardar o crescimento de bactérias e do biofilme, o que pode retardar também a fixação do
mexilhão. No entanto, esses produtos podem causar modificações indesejáveis no ambiente e no
peixe para consumo. Portanto, além da eficiência na redução do mexilhão dourado, esses produtos
precisam ter sua segurança ambiental testada e estarem regulamentados para uso. Tanto os
produtos químicos como o recobrimento das telas devem ser testados antes em laboratório e nunca
diretamente na produção e após os testes precisam de um aval do Ibama/Anvisa, para evitar danos
ao meio ambiente e a produção, Oliveira et. al. 2014.

3.4.6. Finalizando

Em todos os reservatórios, sem nenhuma ressalva, deverá ser feita a desinfecção das
embarcações e de todos os materiais e que foram utilizados e tiveram contato com a água, pois o
risco de invasão é alto.
Os estudos de genética e biologia molecular podem contribuir com tecnologias para o
controle desta espécie.
Também devem ser estimuladas pesquisas para o desenvolvimento de materiais para a
fabricação das telas que desfavoreçam a fixação do mexilhão dourado, mas sem toxicidade para a
biota aquática, e de equipamentos para limpeza que podem ajudar a minimizar esta infestação.
Além das soluções tecnológicas para minimizar os impactos ambientais e econômicos nas
áreas já infestadas, são necessários planos de contenção da espécie pelo menos em áreas de
interface entre bacias hidrográficas consideradas de maior potencial de invasão.
Sendo assim o Ibama está implementando em todo Brasil com várias instituições,
universidades, empresas e órgãos públicos estaduais e federais o Plano de Prevenção,
Monitoramento e Controle do Mexilhão-Dourado no Brasil.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
127

4. Microrganismos e desequilíbrio ambiental

O desequilíbrio ambiental afeta drasticamente alguns dos processos naturais do ecossistema


e suas consequências podem comprometer a fauna aquática.

4.1. Morte de Peixes causada por microrganismos patógenos

As mortandades podem também ser causadas por doenças ou infestações por


microrganismos. Períodos prolongados de baixos níveis de oxigênio dissolvido, baixo pH,
temperaturas extremas ou alterações repentinas na qualidade da água causam estresse aos peixes
e diminuem sua resistência a doenças. A partir do estresse ambiental, alguns indivíduos que se
encontram debilitados ficam altamente susceptíveis a infecções secundárias, podendo até morrer
(Figura 14).

Figura 14 - Infecção de curimbas por bactérias com destaque para lesões apontadas pelas setas.
Fonte: Fernanda Silva de Oliveira- Bacia Jequitinhonha.

4.2. Morte de Peixes causada por florações de algas tóxicas

As causas das florações estão relacionadas principalmente às atividades humanas que vêm
causando um crescente enriquecimento artificial dos ecossistemas aquáticos (eutrofização):
extensa utilização de fertilizantes na agricultura; descarga de esgotos industriais e domésticos sem
tratamento adequado; diminuição da mata ciliar dos mananciais; alta taxa de urbanização. A
elevada quantidade de nutrientes na água, juntamente com a exposição à luz e a temperaturas
elevadas, favorecem a multiplicação excessiva das cianobactérias, um fenômeno chamado de
floração, caracterizado pelo acúmulo de células que formam uma camada verde na superfície da
água.
Elas criam um biofilme superficial que altera a transparência do meio, podendo conduzir à
desoxigenação do corpo d’água, interferindo no equilíbrio dos ecossistemas aquáticos. Em certas
situações, algas tóxicas podem se tornar dominantes em um determinado corpo d’água, alterando
suas características físico-químicas. Eventualmente, a água pode tornar-se tóxica para o
zooplâncton, insetos, peixes e, algumas vezes, para mamíferos que bebem esta água. Esse
fenômeno se intensifica ao final da floração de algas quando as células das mesmas se rompem e
liberam grande quantidade de toxinas na água. Frequentemente, existem algumas alterações nas
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
128

características do corpo d’água que estão ligadas à floração, como a formação de natas densas ou
espumas esverdeadas na superfície (Figura 15).

Figura 15 - Floração de algas tóxicas – Foto internet

5. Importância das inter-relações de alguns fatores abióticos na estrutura das


comunidades de peixes

A qualidade da água reflete diretamente as variações climáticas, a geologia, o uso e ocupação


do solo, sendo vulnerável às consequências da exploração de outros recursos naturais e bastante
impactada pelas ações antrópicas. Alguns parâmetros aquáticos relacionados à sobrevivência dos
peixes são: temperatura, oxigênio dissolvido, pH e transparência.

5.1. Temperatura

É um dos fatores ecológicos mais importantes pois exerce efeito sobre os seres vivos e também
na velocidade das reações químicas, interferindo assim no metabolismo dos organismos. Os peixes
são animais cuja temperatura do corpo tende a variar em função do ambiente, logo a temperatura
da água tem grande relevância para seu ciclo de vida. O aumento da temperatura, por exemplo,
pode funcionar como um gatilho para o início da piracema de alguns peixes que realizam migração
reprodutiva. Por outro lado, a elevação da temperatura também tem efeitos nocivos: diminui o
oxigênio disponível na água, ao mesmo tempo em que o metabolismo do peixe requer mais
oxigênio; aumenta a toxidez do íon amônio (N-NH4+) e da amônia (N-NH3). Além disso, variações
bruscas de apenas 3-4oC são prejudiciais para ovos, larvas e alevinos de peixes.

5.2. Oxigênio dissolvido

O oxigênio é um elemento indispensável à quase totalidade das funções vitais dos organismos.
Ele encontra-se na água em quantidade variável, mas quase sempre em concentração muito
superior à dos demais gases dissolvidos. Quanto maior a altitude, menor a concentração de oxigênio
dissolvido (OD). Quanto menor a temperatura, maior a concentração de oxigênio dissolvido.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
129

O valor mínimo de oxigênio dissolvido (OD) para a preservação da vida aquática, estabelecido
pela Resolução CONAMA 357/05 para mananciais hídricos é de 5,0 mg/L, mas existe uma variação
na tolerância de espécie para espécie. A quantidade de oxigênio necessária para os peixes depende
da espécie, da atividade, do estágio de desenvolvimento, além de outras características peculiares
a cada situação. A causa mais comum de mortandade de peixes no ambiente natural é a depleção
de oxigênio. Ela ocorre quando a demanda por oxigênio para processos biológicos e químicos
excede a entrada por aeração e fotossíntese. As concentrações de oxigênio dissolvido entre 5 e 8
mg/L são consideradas adequadas. Já entre 1 e 5 mg/L os animais apresentam baixa taxa de
mortalidade, mas crescem pouco. Por sua vez, concentrações entre 0,3 e 1 mg/L podem ser letais
caso o tempo de exposição seja longo.
A depleção de oxigênio é usualmente associada com grande concentração de matéria orgânica.
As exigências de oxigênio para decomposição desse material pela flora bacteriana podem exceder
a quantidade de oxigênio disponível na água. Além disso, o excesso de nutrientes como fósforo e
nitrogênio pode provocar a proliferação de plantas aquáticas e blooms de algas. Em alguns casos, a
concentração de oxigênio pode apresentar grandes oscilações, excedendo o limite de saturação da
água no meio do dia (período em que são registradas as maiores taxas fotossintéticas) e diminuindo
drasticamente ao final da madrugada.
As circunstâncias que favorecem a depleção de oxigênio incluem baixo nível de água, tempo
calmo, nublado e quente, como ocorre após uma seca prolongada. Geralmente, a depleção de
oxigênio é um fenômeno estacional, a exceção de corpos d´água que estejam sofrendo um processo
de eutrofização crônico pelo lançamento de esgotos domésticos ou industriais, como ocorre em
reservatórios urbanos (ex.: lagoa Rodrigo de Freitas no Rio de Janeiro e lagoa da Pampulha em Belo
Horizonte).
Existem algumas evidências ambientais que podem indicar a morte de peixes associada à
depleção de oxigênio:
a) Morte abrupta de peixes, geralmente nas primeiras horas da manhã;
b) Peixes grandes morrem primeiro e os peixes pequenos ainda se mantêm vivos, tentando
respirar na superfície;
c) Seletividade de espécies: espécies com grande necessidade de oxigênio, como curimbas e
piaparas, morrem primeiro. Geralmente, os bagres e cascudos continuam vivos;
d) Concentração de oxigênio dissolvido na água é baixa, geralmente entre 0 e 1 mg/L;
e) O pH se mantém entre 6 e 7;
f) A cor da água muda de verde claro para verde sopa de ervilha, marrom, cinza ou preto.
g) O local e a água podem apresentar um odor parecido com o de couve podre;
h) Muitas algas mortas ou morrendo podem ser detectadas ao microscópio;
i) O zooplâncton está morto ou morrendo.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
130

Figura 16 - Mortandade de peixes na lagoa Rodrigo de Freitas no Rio de Janeiro em decorrência de


depleção de oxigênio.

5.3. pH e Alcalinidade

Assim como vários outros, pH e alcalinidade são parâmetros relacionados. A alcalinidade reflete
a capacidade da água de resistir a alterações externas. A produção primária condiciona modificações
do pH durante o dia, sendo o padrão geral apresentado na figura a seguir.

Figura 17 - Variação nictemeral dos valores de pH.

De uma maneira geral, podemos dizer que o comportamento dos peixes em resposta ao pH
do meio segue o padrão descrito na Tabela 02.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
131

Tabela 02 - Comportamento dos peixes em diferentes pH*.

Unidade de pH Comportamento observado


4 morte e não
5 reprodução
crescimento lento
6,5
variação desejável
9
10 inadequado
11 morte
*Variável de acordo com a espécie e literatura

5.4. Turbidez, transparência e cor

A turbidez, transparência e cor da água afetam a produtividade primária e estão diretamente


relacionadas à condutividade de ecossistemas aquáticos. Quanto maior a transparência menor a
turbidez e a cor. Partículas orgânicas (do solo ou não) e microrganismos reduzem a transparência.
A turbidez elevada reduz a quantidade de luz que penetra na água, e diminui a taxa de fotossíntese.
Muitas partículas em suspensão soterram organismos bentônicos, o que pode alterar a
disponibilidade de alimentos para muitas espécies de peixes em vários estágios de
desenvolvimento. Sólidos também podem aderir às guelras ou ovos, provocando a morte de peixes.

Figura 18 - Disco de Secchi - Foto internet.


Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
132

6. Morte de peixes causada por supersaturação de gases

A supersaturação de gases é uma condição que existe em vários ambientes naturais e artificiais.
O fenômeno ocorre quando a pressão parcial dos gases dissolvidos na água excede as suas
respectivas pressões parciais atmosféricas. A solubilidade de gases é inversamente proporcional à
temperatura e diretamente proporcional à pressão atmosférica e hidrostática. Gases como oxigênio
e nitrogênio podem estar supersaturados na água sem causar danos aos organismos aquáticos. No
entanto, quando a soma das pressões parciais de todos os gases dissolvidos na água excede a
pressão parcial atmosférica, existe o potencial para formação de bolhas na água e também nos
organismos aquáticos. Esse fenômeno causa uma condição conhecida como “trauma de bolhas de
gás” (gas bubble trauma) que pode ser fatal para peixes. Esse trauma está associado aos seguintes
sinais: inflamento da bexiga natatória (podendo causar sua ruptura); exoftalmia (olhos saltados);
formação de bolhas no sistema cardiovascular, com bloqueio do bombeamento de sangue na
epiderme e nas brânquias e consequente impedimento de trocas gasosas.
As fontes de supersaturação de gases em ambientes aquáticos são muito diversas,
compreendendo desde a produção de oxigênio por plantas, que aumentam a atividade
fotossintética, disponibilizando mais O2 (oxigênio), até o lançamento de águas quentes por usinas
termelétricas e nucleares que causam a rápida elevação na temperatura da água, e criam condições
de supersaturação de gases.

Figura 19 - Formação de bolhas na epiderme e exoftalmia em Truta Arco-íris.


Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
133

7. Morte de peixes causada por substâncias tóxicas

As substâncias consideradas tóxicas para os seres vivos enquadram-se em muitas categorias,


cada uma acompanhada de uma evidência ambiental. As substâncias altamente tóxicas agem
rapidamente e causam mortandades abruptas e extensas, atingindo todos os organismos vivos.
Essas substâncias são principalmente compostos organoclorados e organofosforados (defensivos
agrícolas), metais pesados (mercúrio, cádmio, zinco, cromo, arsênico e chumbo), óleos minerais e
hidrocarbonetos de petróleo. Os níveis de toxidez variam entre elas, sendo que algumas atingem
plantas e animais e outras apenas subgrupos específicos.
7.1. Morte de Peixes causada por substâncias naturalmente tóxicas

Alguns problemas podem eventualmente ocorrer por causa da quebra da estratificação térmica
da água. A estratificação térmica é uma das condições que levam à divisão de camadas em meio
aquático. Na água de fluxo lento, é comum a formação de camadas horizontalmente orientadas,
com densidades diferentes, verticalmente separadas de forma que as mais densas ficam abaixo das
menos densas (Figura 20).
Esses gradientes de densidade podem ser provocados, principalmente, por gradientes de
temperatura (podem ocorrer também por gradientes de concentração de sólidos dissolvidos ou em
suspensão).
A ocorrência de estratificação permite identificarmos três zonas:
 Epilímnio: camada superior onde a temperatura é geralmente constante;
 Metalímnio: logo abaixo, onde ocorre o máximo gradiente de temperatura;
 Hipolímnio: se estende até o fundo do corpo d’água.

A estratificação térmica provoca uma situação ainda mais complexa: não apenas a densidade e
a temperatura são diferentes de uma camada para a outra, como também a concentração
de gases e outras moléculas, como o oxigênio (O2), gás carbônico (CO2) e o fosfato (PO4), por
exemplo. Isso afeta diretamente a manutenção da vida aquática. Num corpo d’água lêntico, por
exemplo, as camadas superiores são mais ricas em O2, o que favorece a existência de várias espécies
de peixes. No entanto, as baixas concentrações de gás carbônico (CO2) e fosfato (PO43-) nesses
estratos impedem o desenvolvimento do fitoplâncton, que encontraria algumas condições mais
favoráveis nas camadas inferiores, mas sofreria pela carência de luz suficiente para a fotossíntese.

Dessa maneira, percebemos que em ecossistemas nos quais a estratificação é intensa ou a


quebra da estratificação ocorre de forma brusca, esses fenômenos podem ter consequências
nocivas para a biota aquática (Figuras 20 e 21). Em áreas aonde o manganês é abundante nos solos
da bacia de drenagem, óxido de manganês pode se acumular no hipolímnio anóxico (sem oxigênio)
e ácido, em níveis que são tóxicos para os peixes. Como, em geral, os peixes não se mantêm na zona
anóxica, o potencial de risco normalmente permanece desconhecido. Entretanto, se há uma quebra
da estratificação da água, uma mortandade de peixes pode ocorrer devido à circulação dessa
substância tóxica por toda a coluna d’água. Esse tipo de mortandade é, em geral, difícil de ser
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
134

diagnosticado porque a mortandade é esporádica, as características ambientais podem parecer


normais e não há lesões nos peixes afetados. O diagnóstico possível é baseado na detecção de níveis
tóxicos de manganês na água e nos tecidos animais.
A recirculação de água nos reservatórios também pode liberar grande quantidade de gás
sulfídrico (H2S). Esse gás é produzido pela decomposição anaeróbica (sem oxigênio) de matéria
orgânica na região sedimentar dos reservatórios e pode atingir toda a coluna d´água durante os
fenômenos da desestratificação. Alta concentração de gás sulfídrico, mesmo em presença de
quantidades adequadas de oxigênio dissolvido, pode causar a morte de peixes por uma condição
denominada “sangue marrom”. O sangue dos peixes afetados assume uma coloração marrom pela
formação de sulfohemoglobina, molécula que reduz drasticamente a capacidade do sangue de
transportar oxigênio. Nesses casos, os peixes maiores são mais severamente afetados. Os sinais
ambientais da contaminação dos corpos d’água por H2S incluem:
a) Odor de enxofre na água;
b) Peixes desorientados e morrendo;
c) Peixes com filamentos nas brânquias com coloração escura;
d) Os sinais de uma depleção de oxigênio podem ser observados, mas não estão sempre
presentes. Muitas vezes, a concentração de oxigênio dissolvido na água é superior a 3 mg/L em
casos de contaminação por H2S.

Figura 20 - Desenho esquemático da dinâmica térmica do lago – Estratificado.


Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
135

Figura 21 - Desenho esquemático da dinâmica térmica do lago – Desestratificado.


Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
136

8. Resumo de características de comportamento de peixes diante de algumas alterações


abióticas

Segue abaixo um resumo esquemático de algumas características químicas da água, biológicas


dos peixes e as causas prováveis de episódios de mortandade (Tabela 3).

Tabela 3 - Resumo características químicas e biológicas do ecossistema associadas às causas prováveis de


mortandades de peixes.

Características do episódio de mortandade Provável fator crítico causador da mortandade


Peixes grandes vindos à superfície e inspirando ar; baixo Depleção de OD causado por excesso de matéria
OD, peixes pequenos vivos e normais. orgânica, por esgoto, pecuária, irrigação,
vazamento de fábrica.
Peixes grandes vindos à superfície inspirando ar, OD Pode ter ocorrido o mesmo que ocorreu acima,
normal. mas houve tempo suficiente para reoxigenar a
água. O aumento da concentração de amônia
também pode provocar essas características.
Peixes morrendo após fortes chuvas. Morte inicial de Herbicidas que foram lavados de campos
peixes pequenos, seguida por peixes de todos os agrícolas adjacentes.
tamanhos. Ausência de fitoplâncton na água.
Peixes morrendo após fortes chuvas. Morte inicial de Pesticidas que foram lavados de campos
peixes pequenos, seguida por peixes de todos os agrícolas adjacentes.
tamanhos. Ausência de zooplâncton na água.
Morte inicial de peixes pequenos, seguida por mortandade Florações de algas.
de todos os tamanhos. Picos de mortandade durante o dia.
OD alto.
Odor de enxofre na água, peixes morrendo com perda de Envenenamento por gás sulfídrico.
orientação, peixes com filamentos nas brânquias com
coloração escura.

Peixes com bolhas de ar epidérmicas, exoftalmia e órgãos Supersaturação de gases, variações bruscas de
internos rompidos. pressão.
Peixe com traumas externos, ferimentos, epiderme com Choque mecânico com pás de turbinas
marcas de abrasão. hidrelétricas.
Fonte: modificada de Davis, 1986
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
137

9. Bibliografia sugerida

A elaboração desta apostila foi baseada na publicação “Manual de Campo para a Investigação
de Morte de Peixes” da Cemig.

Cemig, Companhia Energética de Minas Gerais (2009) Manual de campo para investigação de
morte de peixes. Tradução de Maria Edith Rolla, Carlos Bernardo Mascarenhas, Norma Dulce de
Campos Barbosa. Belo Horizonte: Cemig. Traduzido de Meyer, F. P. & Barclay, L. A. 1990. Field
manual for the investigation of fish kills.

Costa, J. M., Manske, C., Signor, A. A., Luchesi J. D., Feiden, A. , Boscolo, W. Incrustação de mexilhão
dourado Limnoperna fortunei em tanques-rede. Cultivando o Saber. 5(2):37-46. 2012.

Darrigran, G., Damborenea C., Penchaszdeh P., Taraborelli, C. Reproductive stabilization of


Limnoperna fortunei (Bivalvia Mytilidae) after ten years of invasion in the Americas. Journal of
Shellfish Research. 22(1): 141-146. 2003.
Darrigran, G.; Damborenea, C. (eds.). Bio-invasión del mejillón dorado en el continente americano.
Universidade Nacional de La Plata, La Plata. 2006. 226p.
Esteves, F. A. . Fundamentos de limnologia. 3.ed. Rio de Janeiro: Interciência, 2011.
Helfman, G.S. The advantage to fishes of hovering in shade. Copeia, 1:392-400, 1981.
Junk, W.J. & B.A. Robertson. 1997. Aquatic invertebrates, pp. 279‐ 298. Em: The Central Amazon Floodplain
(W.J. Junk, ed.). Springer, Berlim

Krebs, C.J. Ecology: the experimental analysis of distribution and abundance. 4th ed. New York:
Harper Collins, 1994.
Mansur, M.C.D., Santos, C.P., Pereira, D., Paz, I.C.P., Zurita, M.L. L, Rodriguez, M.T. R., Nehrke M. V.,
Bergonci, P.E. A. (eds). Moluscos límnicos invasores no Brasil. Biologia, prevenção, controle, Redes
Editora, Porto Alegre. 2012. 411 pg.
Oliveria, M. D. ; Ayroza, D. M. R.; Castellani, D. ; Campos ,M. de C.S. Campos; Mansur, M. C. D.. O
mexilhão dourado nos tanques-rede das pisciculturas das Regiões Sudeste e Centro-Oeste.
Panorama da Aquicultura. Ed 145. 2014.
Pianka, E.R. On r- and k- selection. Am. Nat., 102:592- 597, 1970. Pianka, E.R. Evolutionary ecology.
5th ed. New York: Har
Pianka, E.R. Evolutionary ecology. 5th ed. New York: Harper Collins, 1994.
Rosa, Daniel de Melo. Relações tróficas entre peixes e presas invasoras em reservatórios do rio
Grande, bacia do alto rio Paraná / Daniel de Melo Rosa. - 2018. 95 p. : il. Orientador(a): Paulo dos
Santos Pompeu. Tese (doutorado) - Universidade Federal de Lavras, 2018.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
138

Soranno, P.A.; CARPENTER, S.R. & HE, X. 1985. Zooplankton biomass and body size. Pp 172-188.
In: S.R. Carpenter & F. Jitchell, (eds), The Trophic Cascade in Lakes. Cambridge Pergamon Press,
London, 381p.
TUNDISI, Jose Galizia; TUNDISI-MATSUMURA, T. Limnologia. Sao Paulo: Oficina de
Textos, 2008. 631p.
Wiens, J.A. Conclusions: non-equilibrium, reality, and myths. In: Strong Jr., D.R.; Simberlof, D.; Abele,
L.G.; Thistle, A.B. (ed.). Ecological communities: conceptual issues and the evidence. New Jersey:
Princeton University Press, 1984. p.451-457
Fonte: foto floração de cianobactéria
https://www.google.com/search?q=flora%C3%A7ao+de+cianobacteria&rlz=1C1GCEA_enBR850BR850&sou
rce=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwjX0fe-
xdfiAhXlEbkGHYAYBFIQ_AUIECgB&biw=1920&bih=969#imgrc=41mSZ5t80yA4YM:
Fonte: foto disco de secchi
https://www.google.com/search?q=disco+de+secchi&rlz=1C1GCEA_enBR850BR850&source=lnms&tb
m=isch&sa=X&ved=0ahUKEwiYpueLxtfiAhUCGrkGHTmPB50Q_AUIECgB&biw=1920&bih=969
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
139

CAPÍTULO 5 5

INVESTIGAÇÃO DE CENÁRIO DE MORTANDADES DE PEIXES

Átila Rodrigues de Araújo


Mateus Moreira de Carvalho
Ricardo José da Silva

1. Introdução

Ocorrências e acidentes ambientais podem se transformar em emergências ambientais. São


situações críticas e perigosas, podendo trazer riscos para vidas humanas, meio ambiente (fauna e
flora), saúde pública, bens vulneráveis e atividades sociais e econômicas. Uma resposta rápida a
essas emergências é importante para minimizar os impactos. São exemplos de acidentes
ambientais: explosões, incêndios, vazamentos e/ou derramamentos de produtos perigosos, colisões
e tombamento de veículos automotivos, descarrilamento de composições ferroviárias
transportando produtos perigosos e rompimento de barragens. Dentre os impactos decorrentes
desses eventos, estão as mortandades de peixes.

Mortandades de peixes podem gerar efeitos negativos no equilíbrio ecológico. Além disso,
podem causar perdas econômicas devido aos custos da limpeza do corpo d'água e à redução da
pesca e do turismo. Se a mortandade for causada por atividades corporativas, há prejuízos para
empresas via autuações e compensação pelos danos causados, além da perda de credibilidade
perante a opinião pública.

Peixes são organismos sensíveis a alterações ambientais. Como dependem da água para
necessidades respiratórias, alimentares e reprodutivas, é preciso que a boa qualidade da água seja
mantida para assegurar sua sobrevivência. Por isso, esses organismos constituem excelentes
indicadores de qualidade ambiental. Mortandades de peixes geralmente decorrem de fatores
naturais ou antrópicos que levam a alterações na qualidade da água. Esses eventos podem ser
resultantes de um fator específico ou da conjunção de vários fatores.

Variações bruscas de temperatura, tempestades e inundações, florações (bloom) de algas


tóxicas, decomposição de matéria orgânica, quebra na estratificação térmica, competição por
espaço, alimento ou parceiro sexual e infecção por patógenos são fatores naturais relativamente
comuns que podem ser responsáveis por eventos de morte de peixes. Porém, fatores antrópicos
como erosões, lançamentos de efluentes domésticos, industriais ou agrícolas, construções de

Araújo A. R., Carvalho M. M. & Silva R. J. (2019) Investigação de cenário de mortandade de peixes. In: Gandini C. V. ,Loures R. C. &
Caldeira Y. M. (orgs.) Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico. Belo Horizonte: Companhia Energética de
Minas Gerais, 2.ed, pp 139 – 156.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
140

barragens, acidentes com substâncias químicas e a operação de usinas hidrelétricas podem


acentuar o problema. Fatores naturais e antrópicos estão intimamente relacionados, sobretudo em
regiões densamente povoadas ou ocupadas por atividades humanas.

Em grande parte das usinas hidrelétricas do Brasil, é comum observar aglomerações de peixes
a jusante das barragens, principalmente nas imediações do canal de fuga. Esses cardumes podem
ser atraídos pelas condições hidrodinâmicas do canal de fuga e pelo funcionamento das unidades
geradoras.

Mortandades de peixes a jusante de barragens hidrelétricas são causadas por condições


operacionais das usinas, aprisionamento nas estruturas internas (tubo de sucção, caixa espiral e
poço de esgotamento) quando ocorre parada de unidade geradora e passagem dos peixes pelas
turbinas e vertedouro. Elas podem variar de poucos quilos até várias toneladas, sendo motivo de
preocupação para concessionárias hidrelétricas, comunidade acadêmica e sociedade em geral. O
setor hidrelétrico se baseia em estimativas e observações empíricas da quantidade de peixes mortos
para tentar prevenir ou até mesmo reduzir as ocorrências de mortes. Muitas vezes, as ocorrências
são tratadas de forma sigilosa e ficam restritas às concessionárias, o que dificulta o estudo do
fenômeno. As informações sobre mortes de peixes deveriam ser disponibilizadas às instituições de
pesquisa pelas concessionárias para melhor entendimento do fenômeno.

No Brasil, o conhecimento sobre eventos de mortandade de peixes relacionados a hidrelétricas


é ainda incipiente. Apesar das ocorrências registradas desde a construção das primeiras barragens,
há cerca de 100 anos, ainda há dúvidas básicas sobre o assunto. Muitas vezes, não se sabe sequer
se a origem dos peixes mortos é de montante ou jusante da barragem.

Determinar as causas das mortes é o melhor caminho para prevenir futuros eventos, sendo
necessário identificar os responsáveis pelas alterações que levaram à mortandade de peixes e
responsabilizá-los pelo ocorrido. Causar mortandade de peixes em rios e lagos pode levar a punições
com multa e prisão de até três anos (art. 33 da Lei Federal 9.605/98).

A decomposição dos peixes mortos pode ser prejudicial à comunidade aquática. Os peixes
mortos devem ser recolhidos e ter a destinação adequada. Riscos à saúde pública e ao meio
ambiente devem ser identificados, avaliados e reportados para que as autoridades responsáveis
atuem e a comunidade circundante esteja ciente da situação. Se necessário, o abastecimento de
água a jusante deve ser interrompido até que o problema seja resolvido.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
141

2. Pesquisa da cena da mortandade

2.1. Interpretando a cena

A primeira hora após a chegada ao local de uma mortandade de peixes pode ser crítica para o
investigador. Para determinar a causa de uma mortandade de peixes, o primeiro atendimento é
primordial e deve ser feito prontamente, principalmente quando o evento ocorre em rios, riachos
e córregos, onde a correnteza leva peixes e contaminantes que podem servir de evidências. Deve-
se planejar tudo, desde o preparo do material de coleta ao treinamento dos profissionais
envolvidos. O material de coleta deve estar prontamente separado e corretamente acondicionado,
e um formulário padronizado para registro das informações é também bastante útil e pode servir
como roteiro para a investigação da causa de mortandade de peixes. É vital que o tempo seja usado
efetivamente para coletar as informações e amostras da causa mais provável.

O investigador deve coletar o máximo de informações no menor tempo possível. Os sinais


físicos e de comportamento dos peixes e as condições do local podem ser indicativos das causas que
levaram ao evento. Para registro das condições ambientais e possíveis análises futuras, é de grande
utilidade a documentação com fotos, “croquis” e mapas de acesso ao local.

O responsável pela investigação deve procurar responder três questões:


- Qual foi a maneira da morte: natural ou não?
- Qual foi o mecanismo, a causa da morte?
- Que fato desencadeou a sequência de eventos letais?

Os investigadores devem pesquisar a cena da mortandade, registrar no Formulário de


Atendimento a Emergências e Mortandades de Peixes (Tabela 1) e recolher as seguintes
informações:

• Data e hora do acidente;


• Localização do evento (bacia hidrográfica, município, corpo d’água, referências geográficas);
• Área atingida;
• Nome e contato da pessoa que comunicou a mortandade;
• Nomes de pessoas que possam contribuir com informações;
• Condições climáticas nos momentos do preenchimento e prévios (temperatura, cobertura de
nuvens, chuvas, direção e intensidade dos ventos);
• Espécies e tamanhos dos peixes afetados e não afetados;
• Condição dos peixes avistados (vivos, moribundos, mortos ou em decomposição);
• Aparência dos peixes mortos ou moribundos (disposição diferente das brânquias, boca
aberta, curvatura da espinha, excesso de muco, lesões, áreas necrosadas nas brânquias);
• Comportamentos ou características incomuns observadas em peixes ou outros organismos
(cores excessivamente escuras, posição estranha das nadadeiras, nadar na superfície, perda de
equilíbrio, peixes ou crustáceos tentando sair da água, muco excessivo, caramujos na vegetação
fora da água, vegetação descolorida);
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
142

• Parâmetros da água: oxigênio dissolvido (OD), potencial Hidrogeniônico (pH), temperatura,


transparência, turbidez, profundidade do corpo d’água, cor e odor, salinidade e condutividade.
• Grau de decomposição dos peixes.

Tabela 1 - Formulário de atendimento à emergências e mortandades de peixes

Denúncia Análise de qualidade de água [ ] Sim [ ] Não


Data: Hora: Data: Hora:
Informante: OD: Turbidez:
Tel.: pH: Condutividade:
Obs.: Temperatura: Cor:
Transparência: Odor:
Localização do evento Presença de: [ ] Óleos [ ] Plantas aquáticas
Corpo d'água: [ ] Algas [ ] Outros
Bacia Hidrográfica:
Município: Peixes
Latitude: Longitude: Condição dos peixes avistados: [ ] Mortos
[ ] Moribundos
Informações sobre o evento [ ] Vivos
Quantidade de peixes mortos: Comportamento (peixes vivos):
Tamanho da área atingida: Aparência: [ ] Normal [ ] Úlceras
Início - Data: Hora: [ ]Lesões [ ] Bolhas
Término - Data: Hora: [ ] Hemorragias [ ] Perda de escamas
Espécies afetadas: [ ] Tumores [ ] Excesso de muco
Suspeita da causa: Coloração das brânquias: [ ] normal [ ] alterada
Atendimento/Investigação Coleta de amostras
Responsável: Coleta de água para análises? [ ] Sim [ ] Não
Data: Hora: Coleta de fitoplâncton? [ ] Sim [ ] Não
Uso do solo: [ ] Agricultura [ ]Indústrias, qual(is)? Coleta de sedimentos? [ ] Sim [ ] Não
[ ] Cidades [ ] Outros, qual(is)? Coleta de peixes para análises? [ ] Sim [ ] Não
Lançamentos de efluentes? [ ] Sim [ ] Não
Tipo(s): Fotografias do local? (Anexar) [ ] Sim [ ] Não
Alteração no corpo hídrico? [ ] Sim [ ] Não Causa(s) provável(is):
Qual(is)?
Ocorrência de chuva? [ ] Sim [ ] Não Providências adotadas:
Quando?
Temperatura ambiente: Observações complementares:
Fonte: Formulário para procedimentos durante o atendimento a emergência ambiental envolvendo
mortandade de peixes, SEMAD 2014.

Para se chegar a um bom diagnóstico da causa do evento, devem ser feitas observações
cuidadosas e os dados de campo devem ser anotados.

A observação do grau de decomposição dos peixes é uma pista importante para elucidação de
quando ocorreu o evento causador das mortes. Classifica-se em: 0 (morte recente); 1
(decomposição inicial); 2 (decomposição avançada).
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
143

- Morte recente (decomposição grau 0)


Podem ser coletados ainda vivos, moribundos, ou mortos recentemente, apresentando as
seguintes características: brânquias na cor vermelha, olhos brilhantes, cores do corpo ainda
presentes e musculatura íntegra.

Figura 1 - Corvina em decomposição grau 0. Foto: Figura 2 - Mandi em decomposição grau 0. Foto:
Átila Rodrigues de Araújo. Átila Rodrigues de Araújo.

- Decomposição inicial (decomposição grau 1)


Os indivíduos são coletados sem vida e podem apresentar as seguintes características:
brânquias rosadas tendendo para branco, olhos opacos, sem brilho. Corpo íntegro, porém, com a
musculatura flácida. A coloração é semelhante à do animal vivo, mas em tons mais claros. Leve odor
de putrefação. Carcaças de peixes com essas características costumam ser observadas entre 12 e
24 horas decorridas da morte.

Figura 3 - Jaús em decomposição grau 1. Foto: Figura 4 - Mandi em decomposição grau 1. Foto:
Átila Rodrigues de Araújo. Átila Rodrigues de Araújo.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
144

- Decomposição avançada (decomposição grau 2)

Os indivíduos são coletados sem vida e podem apresentar as seguintes características: cor
predominante cinza ou acinzentada, olhos brancos (quando presentes). Corpo inchado (se íntegro),
musculatura muito flácida. Odor forte de putrefação. Muitas vezes são coletadas apenas partes da
carcaça. Essas características costumam ser observadas após 24 horas decorridas da morte.

Figura 5 - Mandi em decomposição grau 2. Foto: Figura 6 - Corvina em decomposição grau 2. Foto:
Átila Rodrigues de Araújo. Átila Rodrigues de Araújo.

2.2. Aparência dos peixes mortos coletados

Sinais gerais

Os sinais gerais são observados nas carcaças e podem ser associados às causas apresentadas
no módulo fatores críticos para a morte de peixes: brânquias brilhantes, boquiabertos, curvatura
espinhal, muco excessivo, lesões e áreas de necrose próximas às brânquias.

As três causas de morte de peixes mais comuns são: queda de OD, floração (bloom) de algas e
presença de defensivos agrícolas na água. O investigador da cena deve estar familiarizado com os
sinais característicos para cada um desses fatores (Tabela 2) para avaliar com eficiência a cena da
mortandade.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
145

Tabela 2 - Sinais físicos associados com mortandade de peixes causados por depleção de oxigênio
dissolvido, floração (bloom) de algas e contaminação da água por defensivos agrícolas.

Fonte: Manual de Campo para a Investigação de Morte de Peixes, Cemig 2009.

Sinais relacionados à mortandade por operação de usinas hidrelétricas

Para o setor elétrico, além das três causas citadas anteriormente, é necessário citar mais uma
provável causa da morte de peixes de alta relevância: a operação das usinas hidrelétricas.
Ferimentos ou mesmo mortes de peixes podem decorrer do contato dos peixes com estruturas das
usinas (ex.: vertedouro e turbinas) ou pelas condições hidrodinâmicas, por vezes adversas, vigentes
nessas estruturas. Peixes mortos por usinas frequentemente apresentam sinais bem característicos:
exoftalmia, bolhas, eversão estomacal, hematomas, fratura, mutilação e escoriações. Os quatro
primeiros estão ligados às alterações da pressão hidrostática que ocorrem no ambiente e podem
ser classificados numa categoria de injúrias conhecida por barotrauma. Os demais sinais estão
relacionados a choques mecânicos entre peixes e estruturas e/ou forças de cisalhamento. É mais
fácil perceber os sinais em peixes em decomposição grau 0. Quanto mais avançado o grau de
decomposição, mais difícil será perceber os sinais nas carcaças.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
146

- Exoftalmia

É a saliência exagerada do globo ocular (olhos estufados). Este sinal está associado a variações
bruscas da pressão hidrostática.

Figura 7 - Mandi com globo ocular normal. Figura 8 - Mandi com exoftalmia. Foto: Mateus
Foto: Átila Rodrigues de Araújo. Moreira de Carvalho.

- Bolhas

Bolhas são formadas pela condição conhecida como embolia gasosa. A variação brusca de
pressão no ambiente aquático altera a solubilidade dos gases no sangue dos peixes, sendo o
nitrogênio o gás mais comum envolvido na formação das bolhas. Porém, em condições de
supersaturação de oxigênio na água, este também pode ser o gás responsável pela formação de
bolhas. Elas podem ser observadas mais comumente nas nadadeiras, sob a pele ou ao redor dos
olhos e também nos vasos capilares das brânquias.

Figura 9 - Peixe com bolhas no olho. Modificado Figura 10 - Peixe com bolhas nas brânquias.
de Agostinho et al., 2007. Modificado de Agostinho et al., 2007.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
147

- Eversão estomacal

A principal causa deste sinal é a variação brusca da pressão hidrostática no meio externo. Antes
da eversão propriamente dita, é comum observar os peixes ainda vivos com inchaço na cavidade
celomática. Com a brusca variação da pressão no meio, o estômago do peixe tende a se projetar
pela boca, mas há casos em que o órgão se projeta através das aberturas branquiais. A porção final
do trato digestivo também pode sofrer eversão, projetando-se pelo do ânus.

Figura 11 - Mandi com eversão estomacal. Foto: Figura 12 - Pintado com eversão estomacal.
Mateus Moreira de Carvalho. Foto: Átila Rodrigues de Araújo.

Figura 13 - Abotoado com eversão do intestino.


Modificado de Alves, 2011.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
148

- Fraturas

Sinal causado principalmente por choques mecânicos contra as partes móveis de turbinas ou
paredes da sucção.

Figura 14 - Mandi com fratura. Foto: Átila Figura 15 - Pintado com fratura. Foto: Átila
Rodrigues de Araújo. Rodrigues de Araújo.

- Mutilações
Perda de partes do corpo. As mutilações mais frequentemente observadas são das nadadeiras
dorsal, peitoral e caudal. Mas há ocorrências de decapitação.

Figura 16 - mandi com mutilação da nadadeira Figura 17 - Pintado com mutilação da cabeça.
dorsal. Araújo, 2015. Fonte: Araújo, 2012.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
149

- Hematomas

Os hematomas são marcas avermelhadas geradas por micro hemorragias ao longo corpo do
peixe. Eles podem estar associados tanto a barotraumas quanto a choques mecânicos.

Figura 18 - Mandi com hematomas. Foto: Mateus


Moreira de Carvalho.

- Escoriações

Sintomas resultantes da fricção do corpo do peixe em superfícies ásperas como rochas ou


concreto. A perda de escamas (escamação) pode ser considerada uma escoriação.

Figura 19 - Curimba com escoriações. Foto: Figura 20 - Mandi com escoriações. Foto:
Átila Rodrigues de Araújo. Átila Rodrigues de Araújo.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
150

2.3. Garantia da qualidade e normas de evidências

- Equipamentos (oxímetro, condutivímetro, etc.): devem estar devidamente calibrados;


- Fotos: atentar para o enquadramento. O peixe deve ocupar todo o quadro ou ser claramente
identificável. A foto deve delinear com clareza os aspectos relevantes.
- Vídeos: devem conter informações como data, hora e localização exata.
- Formulário padronizado: deve ser preenchido com tinta permanente (Tabela 1).

Figura 21 - Foto adequada. Foto: Mateus Figura 22 - Foto adequada. Foto: Átila
Moreira de Carvalho. Rodrigues de Araújo.

Figura 23 - Foto inadequada, mal enquadrada. Figura 24 - Foto inadequada, desfocada.


Foto: Mateus Moreira de Carvalho. Foto: Mateus Moreira de Carvalho.

- Técnicas para contagem de peixes:


I) Contagem total: é o melhor método, já que todos os peixes são contabilizados. Deve
ser a metodologia prioritária a ser executada. Entretanto, dependendo da magnitude da
mortandade, pode ser inviável. Deve ser feito de jusante para montante no curso d’água.

II) Contagem de procedimento padrão (CPP): na impossibilidade de usar a contagem


total, deve-se adotar este método. O primeiro passo é delimitar os extremos da área de
mortandade. Depois é necessário definir segmentos amostrais em intervalos regulares entre os
extremos. Na maioria dos casos, segmentos amostrais de 113 metros a cada 1000 m de curso
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
151

de rio são o mínimo necessário. O investigador pode optar por ampliar o segmento,
dependendo da viabilidade. Vale ressaltar que quanto maior a extensão amostrada, melhor
será o resultado dessa técnica. O número de peixes mortos é obtido usando a média de peixes
contados por segmento.

Exemplo: Um evento com morte de peixes em 3 km de extensão em um rio. Coletados 240


mandis em 3 segmentos amostrais de 113 metros.

Média:
240 peixes/ 3 segmentos = 80 peixes por segmento;
Em 3 km, há 26,5 segmentos de 113 metros, então:
80 peixes/segmento X 26,5 segmentos = 2.120 mandis mortos.

Todavia, alguns cuidados devem ser tomados ao se escolher os segmentos amostrais, por
exemplo: ter em mente que o segmento amostral deve ser similar ao trecho de rio em que está
compreendido. Não se deve contabilizar peixes num segmento amostral onde há uma represa
quando o restante do trecho compreende trecho de rio livre, pois isso seria uma amostragem
tendenciosa.

III) Estimativa: quando nenhum dos procedimentos anteriores for executável, utiliza-se
a estimativa. Comumente utilizada em mortandades de grandes proporções (milhões de peixes)
quando parte da massa de peixes mortos pode estar submersa por falta de espaço para a
flutuação. A estimativa é uma aproximação da magnitude da mortandade.

Vale ressaltar que as técnicas apresentadas subestimam a quantidade de peixes mortos. Não
são contabilizadas, por exemplo, carcaças que não são avistadas durante a coleta por estarem
submersas ou serem de tamanho reduzido e aquelas que foram predadas por outros peixes. Além
disso, o tempo é inimigo do investigador: estudos apontam que o valor estimado para mortandade
reduz em 50% decorridas 24 horas do evento inicial. Há procedimentos mais caros e complexos
para se estimar com maior acurácia, porém a rapidez na resposta tem sido a melhor opção custo-
benefício.

Mortandades de peixes são eventos nos quais ocorre a morte repentina de grande número de
peixes em um curto período de tempo. De acordo com a quantidade de peixes mortos, a
mortandade pode ser classificada em pequena, moderada ou grande.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
152

2.4. Selecionar e enviar amostras de peixe para ajudar a determinar a causa da mortandade

Deve-se enviar para um patologista a melhor amostra, da melhor maneira e o no menor prazo
possíveis.
2.4.1. Diagnóstico de amostras

Amostras que podem ser enviadas à um patologista para identificação da causa de morte:
1. Peixes exibindo sintomas como:
 Comportamento letárgico nas áreas mais rasas e ausência de movimentos bruscos
quando estimulados;
 Indiferença e ausência de fuga rápida quando estimulado na superfície da água,
acompanhadas de retorno rápido à superfície após submersão.
 Natação veloz, errática e em círculos;

2. Peixes vivos que exibem outros sintomas físicos como:


 Dor evidente;
 Palidez nas áreas erodidas, em frente às nadadeiras dorsais ou outras partes do corpo;
 Áreas amareladas dentro da cavidade bucal;
 Áreas erodidas nas brânquias;
 Brânquias inchadas, fundidas ou claviformes;
 Brânquias escoriadas.

Enviando amostras que apresentavam esses sintomas, provavelmente a chance de identificar a


causa da morte é grande.

Exemplos de amostras que dificultarão a identificação da causa da morte:


 Peixes mortos que ainda tem brânquias avermelhadas e muco e cor quantidade
normais;
 Vários peixes coletados sem critério algum em rede de pesca;
 Peixes capturados por anzol em diferentes partes do corpo d’água;
 Peixe morto que tenha perdido coloração e muco e apresente brânquias brancas e
danificadas;
 Amostra de água do corpo d’água onde haja peixes doentes;

Transporte e envio das amostras


 Coloque o peixe vivo em um plástico e feche. Em seguida, coloque o plástico dentro de
um isopor contendo gelo em cubo ou moído;
 Por curtas distâncias, o peixe pode ser transportado vivo em um contêiner ou isopor
com água bem oxigenada e um pouco de gelo para mantê-la fresca;
 Amostras congeladas devem ser evitadas por dificultarem o trabalho, exceto para
análises de agrotóxicos;
 Resfriar todas as amostras aceitáveis para retardar o dano à integridade dos tecidos.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
153

2.5. Exemplos de mortandade de peixes em usinas hidrelétricas


A seguir, algumas imagens de peixes mortos em decorrência da operação de usinas
hidrelétricas.

Figura 25 - Mortandade de peixes em Figura 26 - Mortandade de peixes em


decorrência de operação normal das decorrência de operação normal das
unidades geradoras. Foto: Átila Rodrigues unidades geradoras. Foto: Átila Rodrigues de
de Araújo. Araújo.

Figura 27 - Mortandade de peixes durante Figura 28 - Mortandade de peixes durante


geração com carga baixa. Foto: Thiago reversão síncrono-gerador. Foto: Átila
Teixeira Silva. Rodrigues de Araújo.

Lembrem-se: O erro mais grave que um investigador pode cometer é presumir que condições
óbvias para ele em campo podem ser facilmente demonstradas num relatório. Os dados, análises
de amostras, fotografias, notas detalhadas em um caderno de campo e outras provas devem ser
suficientes para que alguém com menos conhecimento do assunto dê credibilidade ao laudo do
investigador.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
154

3. Estudos de caso de ocorrências de mortandade de peixes.

3.1. Mortandade de peixes por depleção de oxigênio

Um tanque de cultivo de peixes era alimentado por um riacho e, devido a uma seca prolongada,
a vazão tornou-se muito baixa, sendo necessário bombear água suplementar do riacho para que o
nível do tanque fosse mantido. Em uma manhã, o proprietário do tanque deparou-se com uma
grande mortandade de peixes sendo os de pequeno porte recém-estocados os únicos peixes vivos.
Além disso, um bloom de algas que existia havia desaparecido e a água tornara-se clara como cristal.
O proprietário desligou a bomba do córrego e acionou a agência local de controle de poluição para
ajudar na identificação química do composto que poderia ter descido pelo riacho e causado a
mortandade dos peixes. Ele informou que, como medida profilática para controle de parasitas, o
tanque era tratado com 2 mg/L de Cutrine, produto algicida e herbicida.

Neste caso, a causa da morte dos peixes foi a depleção de oxigênio pela ação algicida do Cutrine.
A perda da atividade fotossintética devido à diminuição das algas reduziu o oxigênio dissolvido
abaixo do limite letal para peixes de maior porte. Durante estações em que o fluxo de água era
normal, o oxigênio foi suficiente para os peixes suportarem os efeitos do Cutrine. Na ocasião da
mortandade, a variação natural da concentração de oxigênio dissolvido catalisou os efeitos nocivos
do Cutrine no tanque.

3.2. Operação de usina hidrelétrica e morte de peixes

3.2.1. Cenário de geração de energia elétrica da usina


Como alternativa de recomposição do nível de água do reservatório, uma usina hidrelétrica
praticava geração reduzida acionando uma das três unidades geradoras (UG) por vez e mantendo
as demais interligadas ao Sistema Interligado Nacional (SIN) como compensador síncrono. Ao longo
da semana, (segunda a sexta) ocorreu alternância entre UGs com geração e em compensação,
ocasionando várias reversões síncrono-gerador.

3.2.2. Atendimento a ocorrência e cronologia dos fatos


Na segunda feira, a operação da usina visualizou um total estimado de 100 mandis mortos a
jusante da usina, próximos ao canal de fuga, elaboraram um relatório de ocorrência ambiental (ROA)
e enviaram para a equipe de meio ambiente.

Na manhã de quarta-feira, a população local entrou em contato com a operação da usina,


relatando a presença de peixes mortos nas imediações de suas propriedades e intenso mau cheiro.
Por volta das 14 horas, houve alternância na condição das UGs 01 e 03. A UG01 passou a gerar com
carga mínima operativa após reversão síncrono-gerador e a UG03 passou de gerador para
compensador síncrono, permanecendo assim até as 17 horas. Após esse horário, houve reversão
síncrono-gerador na UG03. Ainda nesse dia, a gerência ambiental da empresa foi acionada para
investigação da causa, sendo solicitado que a usina mantivesse a geração reduzida até a avaliação
in loco.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
155

Na quinta-feira, a equipe ambiental vistoriou trecho de rio a jusante da usina e recolheu 764
carcaças de peixes da espécie mandi, totalizando 191 kg de biomassa afetada. Cerca de 80% das
carcaças estavam em decomposição grau 2, enquanto os outros 20% aparentavam ter morrido há
menos tempo (decomposição grau 0 e 1). Isso indicou que novas mortes estavam ocorrendo,
levantando a suspeita de que a reversão síncrono-gerador, realizada em dois momentos na tarde
do dia anterior, pudesse ser a causa principal das mortes. A maioria das carcaças tinha sinais de
barotrauma (exoftalmia e reversão estomacal) e algumas apresentavam sinais de choque mecânico
(mutilações e fraturas).

Como medida de urgência, a gerência ambiental solicitou aumento da geração na UG 03 de


37 para 120 MW, a fim de dificultar a aproximação dos peixes das estruturas da turbina, e
manutenção das outras UGs como compensador síncrono. Concomitantemente, a gerência
ambiental enviou e-mail formal à Diretoria de Emergência Ambiental (DEAMB), à Secretaria de Meio
Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD) e à Polícia Militar de Meio Ambiente (PMMA)
regional, informando sobre a ocorrência ambiental.

Uma nova vistoria foi realizada na sexta-feira e outras 289 carcaças de mandis (72 kg) em
decomposição grau 2 foram recolhidas. Provavelmente, o aparecimento dessas carcaças estava
relacionado ao aumento da geração/vazão que promoveu a emersão da biomassa afetada que se
encontrava à deriva na coluna d’água ou depositada no fundo do rio. Uma vez acionada, a PMMA
compareceu à usina, vistoriou o rio, coletou informações junto aos funcionários e emitiu um boletim
de ocorrências (BO). Por sua vez, a gerência ambiental da empresa acionou o Plano de Atendimento
a Emergências (PAE) com morte de peixes naquela instalação.

No sábado, mais uma vistoria foi realizada no rio e sete carcaças de mandis (2 kg) em
decomposição grau 2 foram recolhidas, provavelmente oriundas de manobras de dias anteriores. O
grau de decomposição e a pequena quantidade de carcaças coletadas evidenciaram a
descontinuidade de mortandade de peixes, comprovando que as restrições impostas à operação da
usina foram eficazes para cessar o problema.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
156

4. Bibliografia sugerida

Agostinho, A. A., Gomes, L. C. & Pelicice, F. M. (2007) Ecologia e Manejo de Recursos Pesqueiros em
Reservatórios do Brasil. Maringá: Eduem, 501 pp.

Alves, C. B. M. (2011) Tópicos em Manejo e Conservação da Ictiofauna para o setor elétrico.


Investigação da Cena da Mortandade. Três Marias-MG,31 pp.

Apha, American Public Health Association & American Water Works Association and Water Pollution
Control Federation (1985) Standard methods for the examination of water and wastewater. 16ª ed.
American Public Health Association. Washington, DC. 1268 pp.

Cemig, Companhia Energética de Minas Gerais (2009) Manual de campo para investigação de morte
de peixes. Tradução de Maria Edith Rolla, Carlos Bernardo Mascarenhas, Norma Dulce de Campos
Barbosa. Belo Horizonte: Cemig. Traduzido de Meyer, F. P. & Barclay, L. A. 1990. Field manual for
the investigation of fish kills.

Cemig, Companhia Energética de Minas Gerais (2011). Relatório de visita técnica – UHE Estreito.
Municípios de Aguiarnópolis-TO e Palmeiras do Tocantins-TO. Newton Schimdt Prado e Ricardo José
da Silva. Belo Horizonte. 20 pp.

DEQ, Virginia Department of Environmental Quality (2002) Fish kill investigation guidance manual.
2ª ed. Water quality standards and biological monitoring programs. Richmond, Virginia.

Giraldo, A. (2014) Deslocamentos e Mortalidade de peixes nos rios Grande e Paranaíba, MG. Tese
de doutorado: Universidade Federal de Minas Gerais, 117 pp.

SEMAD, Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (2014) Manual de


orientação para procedimentos, durante o atendimento à emergência ambiental envolvendo
mortandade de peixes. Belo Horizonte,. 50 pp.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
157

CAPITULO 6 6

ESTRATÉGIAS DE MANEJO E CONSERVAÇÃO DA ICTIOFAUNA

Cintia Veloso Gandini


Miriam Aparecida de Castro
Fernanda de Oliveira Silva
Rafael Couto Rosa de Souza

As atividades humanas de maneira geral promovem alterações no meio ambiente e interferem


na condição de equilíbrio das comunidades biológicas. As usinas hidrelétricas, apesar de
representarem fontes de energia limpa e renovável, promovem diversos impactos ambientais desde
a sua construção. Durante a implantação, há diversas fontes poluidoras atuando sobre o meio,
como: desmatamento para construção de estradas e instalação de equipamentos e maquinários;
emissões de gases e poeira pelas máquinas que realizam as escavações e aberturas de acesso, com
aporte de sedimento no leito do rio; presença humana em locais pouco povoados gerando lixo e
degradação; interrupção temporária do curso do rio para construção da barragem; dentre outros.
Esses impactos, geralmente de curto prazo, tendem a ser minimizados logo após o encerramento
das obras.

Porém, há outros impactos decorrentes da criação de um reservatório, da interrupção do curso


natural do rio, da operação e manutenção das usinas, que surgem após a completa implantação do
empreendimento. Após a formação do reservatório, podemos listar como efeitos relevantes para a
microbiota aquática: a perda de habitats, a alteração na disponibilidade de nutrientes, o controle
do regime de vazões, além da redução na abundância de algumas espécies e substituição por outras,
principalmente na região do reservatório. Esses fatores podem afetar negativamente a comunidade
aquática em longo prazo e exigem maiores esforços para controle e redução da magnitude.

As ações de manejo e conservação dos recursos aquáticos, executadas como forma de


mitigação dos impactos de hidrelétricas, devem ser sustentados por dados ou análises científicas
sólidas. Historicamente, as ações de mitigação eram implantadas em resposta a obrigações legais e
sem considerar as particularidades ambientais. Apresentamos algumas medidas mitigadoras que,
quando bem executadas, podem contribuir para a redução dos impactos sobre o meio ambiente.

Gandini C. V., Castro M. A. Silva F. O. & Souza R. C. R (2019) Estratégias de manejo e conservação da ictiofauna. In: Gandini C. V.
,Loures R. C. & Caldeira Y. M. (orgs.) Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico. Belo Horizonte: Companhia
Energética de Minas Gerais, 2.ed, pp 157 – 190.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
158

1. Programas de Monitoramento de Reservatórios da Cemig

O monitoramento ambiental não é propriamente uma medida de manejo ou conservação, mas


é uma prática essencial para diagnóstico, acompanhamento e avaliação da proposição e execução
dessas medidas. Mesmo assim, será apresentado nesse tópico em função de sua importância, uma
vez que as informações geradas são necessárias para a efetividade das ações de mitigação.

O processo de licenciamento ambiental prevê que os empreendedores sejam responsáveis por


estimar os níveis de impacto ambiental incidentes na área de influência e monitorar a magnitude e
ocorrência dos mesmos. Os programas de monitoramento da ictiofauna geralmente se configuram
como condicionantes ambientais, o que é solicitado pelo órgão ambiental responsável pelo
licenciamento do empreendimento. Assim, a manutenção da Licença de Operação está vinculada
ao monitoramento de aspectos de relevância da fauna aquática como diversidade, abundância e
distribuição das espécies, peso e comprimento dos indivíduos, análises genéticas, etc. Os estudos
da fauna aquática podem envolver a ictiofauna (adultos e jovens) de rios e seus tributários, os ovos
e larvas e potenciais sítios de desova, além da produção pesqueira.

Dentro das usinas do grupo Cemig, dois tipos de monitoramentos são realizados: a jusante das
usinas e em reservatórios. Importante ressaltar que nesta apostila estão sendo considerados
“monitoramentos de reservatórios” aqueles que abrangem o reservatório das usinas, tributários,
lagoas marginais e mesmo pontos a jusante do barramento, que geralmente são solicitados nas
condicionantes ambientais (Ver descrição no Capítulo 2, item 4). Assim, serão apresentados abaixo
alguns dos monitoramentos realizados pela Cemig e que fornecem importantes resultados quanto
aos impactos ambientais das usinas sobre a ictiofauna e medidas de mitigação.

1.1 Monitoramento de ovos e larvas

A maioria dos peixes de água doce possui fecundação externa e desenvolvimento externo, ou
seja, eles extrusam na água os gametas masculino e feminino para ocorrência da fecundação. Após
esse processo, os ovos fornecem todos os nutrientes necessários para o embrião até a eclosão das
larvas, fase de desenvolvimento que antecede o juvenil. Os requerimentos para sobrevivência das
larvas nem sempre são os mesmos do juvenil ou adulto, o que é chamado de variação ontogênica e
reforça a importância dos estudos dos peixes desde os estágios mais iniciais.

O estudo de ovos e larvas (ou ictioplâncton) é relativamente recente no Brasil e tem-se


mostrado bastante eficiente para o conhecimento da dinâmica populacional das espécies e a
complementação de inventários ambientais e do manejo da pesca. Existe uma tendência de
espécies de peixes semelhantes desovarem em um mesmo local e período, principalmente no caso
dos peixes migradores. Assim, a presença de ovos e larvas pode ser determinante para o
reconhecimento de áreas de desova e recrutamento.

Considerando a interrupção das rotas migratórias das espécies migradoras com a construção
de barramentos, o monitoramento dos ovos e larvas pode auxiliar na definição de estratégias para
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
159

conservação das espécies e manutenção dos estoques pesqueiros. A presença de tributários não
barrados a jusante das usinas hidrelétricas pode garantir a reprodução das espécies sem
necessidade de implantação de um sistema de transposição de peixes, desde que eles sejam
reconhecidos como locais de desova e recrutamento. Além disso, a presença de ovos e larvas nesses
tributários mostra que existe reposição dos estoques pesqueiros na região e que essas áreas devem
ser preservadas e permanecer livres de barramentos. A variação na abundância dos ovos e larvas
encontrados pode também fornecer informações sobre o sucesso reprodutivo das espécies
migradoras e estimativa dos peixes reprodutivamente maduros a cada piracema.

O monitoramento de ovos e larvas é executado em algumas usinas do grupo Cemig durante o


período de piracema visando levantar informações reprodutivas sobre as espécies na área de
influência dos barramentos (Ver Figuras 1, 2 e 3). O Programa de Monitoramento de Ovos e Larvas
tem como objetivo principal avaliar a distribuição e composição do ictioplâncton presente na área
de influência do barramento, com identificação dos potenciais sítios de desova. Durante o Encontro
Brasileiro de Ictiologia em 2015, um Protocolo Mínimo de Amostragem de Ictioplâncton que
apresenta as metodologias mínimas para que a amostragem de ovos e larvas seja adequada em
todos os estudos ambientais (consultar Boletim Sociedade Brasileira de Ictiologia nº113 de 2015)
foi elaborado por especialistas, direcionando o monitoramento atualmente executado pela Cemig.

Além de indicar a ocorrência da reprodução de espécies de piracema, os estudos têm apontado


tributários que atuam como importantes locais de desova e desenvolvimento dos juvenis.
Adicionalmente, tem sido possível identificar ovos e juvenis de espécies exóticas em alguns pontos
de amostragem, aumentando a preocupação com a falta de controle no manuseio dos tanques-rede
e pisciculturas localizadas próximo aos cursos d’água.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
160

Figura 1 - Utilização da rede de ictioplâncton para coleta diurna e noturna

Figura 2 - Larva de caracídeo não identificado (à esquerda) e larva de corvina (Plagioscion


squamosissimus)

Figura 3 - Juvenil de tilápia (Tilapia rendalli) à esquerda e ovo não identificado à direita
Fonte: Fotos extraídas de relatórios da empresa Brandt Meio Ambiente
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
161

1.2 Levantamento da Produção Pesqueira

A implantação de empreendimentos hidrelétricos tem sido uma das principais causas de


alterações nas comunidades de peixes, com mudanças no perfil das espécies mais abundantes. Em
geral, a formação dos reservatórios tende a deplecionar as populações das espécies de maior porte,
com alta longevidade e baixo potencial reprodutivo, no qual se enquadram a maior parte das
espécies migradoras. Dessa forma, há diminuição dos estoques pesqueiros nos rios afetados por
barramentos, principalmente naqueles onde o sistema de transposição é ausente ou ineficiente.
Embora seja conhecida a pressão da pesca profissional e esportiva sobre as populações de
espécies migradoras, o barramento também é responsável pela redução dos peixes. Isso porque,
além de alterar as condições estruturais, físicas e químicas do rio, a barragem interrompe a rota
migratória da maioria das espécies alvo para os pescadores, sendo a pesca um acelerador do
processo de deplecionamento das populações.
No Brasil, as informações disponíveis sobre a pesca são geralmente incompletas e
intermitentes, provenientes de estudos que utilizaram metodologias variadas e algumas vezes sem
o rigor científico necessário. Essa escassez e/ou inconsistência de dados sobre a pesca em
reservatórios brasileiros deve-se tanto à cultura do não-monitoramento, tradicional no país, quanto
à alocação equivocada de recursos e esforços de retorno apenas momentâneo (estocagem,
introdução de espécies com alta produtividade, etc.). Na América do Sul, os registros pesqueiros
continentais em geral são restritos aos grandes rios e represas de companhias hidrelétricas e
carecem de informações biológicas complementares que subsidiem as ações de manejo dos seus
estoques. Todavia, os relatos já publicados demonstram a grande influência negativa da construção
de usinas hidrelétricas na produção pesqueira regional, inclusive considerando as usinas construídas
recentemente na região Amazônica, como Jirau e Santo Antônio.
Considerando o contraste entre a escassez de informação sobre a atividade pesqueira (pontos
de desembarque, tipo de pesca, artefatos, municípios de abrangência, dentre outros) e a redução
evidente dos estoques pesqueiros, é clara a necessidade de mudanças urgentes. Para a
continuidade da pesca a longo prazo, faz-se necessária a criação de regulamentações e formas de
controle das atividades, como aquelas feitas para o ambiente marinho. Também é essencial a
execução de estudos que avaliem a pesca e/ou a capacidade de recuperação das populações das
espécies alvo a fim de evitar o colapso da atividade.
O levantamento e monitoramento da produção pesqueira registram os aspectos relacionados
à captura de pescados em uma determinada região, subsidiando o potencial manejo pesqueiro.
Informações sobre a atividade pesqueira permitem identificar as principais espécies capturadas e
as oscilações na produção, esforço de pesca, preços de comercialização do pescado, bem como, no
seu sentido mais amplo, as alterações socioeconômicas e culturais que podem se processar nas
comunidades de pescadores. Um bom acompanhamento dos desembarques pesqueiros tem sido
realizado na região Amazônica e, nas últimas décadas, também no Pantanal.
Para o manejo efetivo da pesca, há necessidade de informações de cunho científico, buscando
entender como os estoques de peixes se comportam com a exploração à qual são submetidos. Para
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
162

tanto, a obtenção de informações deve ser realizada de maneira sistemática, conduzida através de
uma série de etapas, contemplando levantamentos e estudos específicos, e, posteriormente, a
definição das ações de manejo aplicadas ao recurso. É necessário conhecer a dinâmica das
populações das espécies exploradas e como estas reagem aos diferentes níveis de esforço
empregado na pesca, interpolando com informações sociais e econômicas em escala
microrregional. Essas informações são imperativas no entendimento da atividade, possibilitando
uma maximização da eficiência da conservação dos estoques pesqueiros, principalmente no que se
refere à redução da sobrepesca e à mitigação dos efeitos diretos das alterações de habitat sobre os
estoques.
Em usinas do grupo Cemig, já foram iniciados estudos sobre a produção pesqueira cujo principal
objetivo é conhecer a produção pesqueira e aspectos socioeconômicos gerais na área de influência
das usinas, a fim de subsidiar ações e melhorias futuras. Os trabalhos preveem a avaliação do
componente socioeconômico e da atividade pesqueira através da aplicação de questionários para
acompanhamento temporal da produção pesqueira. Assim, será possível avaliar fatores como:
 Se a pesca no entorno das usinas é uma atividade econômica relevante e/ou a principal
atividade econômica da região;
 O nível de dependência financeira das comunidades locais em relação à pesca;
 Quais os principais problemas enfrentados pelos pescadores amadores e profissionais;
 Quais as principais espécies de interesse para os pescadores;
 Qual a representatividade (em número e peso dos indivíduos) dessas espécies para a pesca
regional anualmente;
 Como se comportam as populações dessas espécies frente às variações sazonais e/ou
impactos antrópicos, dentre outros.
Essas informações, de maneira geral, permitem acompanhar as oscilações nas comunidades de
peixes visadas pela pesca, bem como as mudanças no perfil da atividade pesqueira local (Figuras 4
e 5). Dessa forma, é possível propor ações estratégicas visando a exploração sustentável do recurso
e a prevenção do esgotamento das populações de peixes, podendo inclusive resultar em aumento
da produtividade da pesca.

Figura 4 - Entrega do pescado proveniente do rio Figura 5 - Pesca amadora registrada no rio
Paranaíba Itabapoana
Fonte: Fotos extraídas de relatórios da empresa Brandt Meio Ambiente
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
163

No caso dos estoques pesqueiros que estejam em processo de deplecionamento drástico, é


preciso recuperá-los através da proteção dos locais de desova e manutenção dos adultos. A criação
de sistemas que controlem o aproveitamento desses recursos é um importante instrumento de
manejo e procura impedir que estoques sejam exauridos, garantindo a divisão deles entre os
interessados. Essas iniciativas já acontecem de forma sutil, por exemplo, através da legislação
federal e estadual que instituem o período de defeso (piracema). As normas regulamentam a pesca
no período da piracema, estabelecendo limites de tamanho e peso para a captura de espécies
nativas e restringindo o uso de petrechos de pesca considerados de alta eficiência. A pesca de
espécies não nativas nos reservatórios da região Sul e Sudeste do país, como a corvina (Plagioscion
squamosissimus), o tucunaré (Cichla spp.), o apaiari (Astronotus ocellatus) e a sardinha (Triportheus
spp.), tem sido liberada mesmo durante os períodos de defeso, medida considerada um avanço na
área de gestão de recursos aquáticos pois esforços de conservação não devem ser empregados em
prol de espécies exóticas e alóctones.
Porém, essa restrição de consumo é de difícil aceitação por parte de políticos, administradores,
técnicos, cientistas e do público em geral, pois no mundo em que vivemos existe uma forte crença
de que tecnologias futuras, cedo ou tarde, serão capazes de solucionar o problema da escassez de
pescado. Infelizmente, apesar da legislação vigente, é comum observarmos pescadores atuando no
período de defeso. Muitos deles exibem como troféus os grandes exemplares de peixes migradores
capturados que, na maioria das vezes, estão maduros para reproduzir, mas são impedidos de fazê-
lo e gerar mais juvenis e adultos.
É importante enfatizar que o controle da pesca é um instrumento de manejo e, como tal, tem
elevada complexidade, requer uma clara definição dos problemas em questão e, para seu sucesso,
necessita de informações provindas de uma robusta base científica. A comunidade científica tem
papel central nesses casos por prover aos usuários informações confiáveis a respeito do estado de
conservação dos recursos explorados, orientando, assim, as medidas necessárias. Isso é válido
especialmente em sistemas nos quais as pescarias são multiespecíficas (com variações espaciais e
temporais na abundância das espécies) e inclui equipamentos diversos cujas características e uso
também variam em escala espacial e temporal. Com isso, os anseios dos usuários devem ser
considerados e balanceados com os problemas no aproveitamento do recurso e as reais
possibilidades existentes.
Por exemplo, se estudos constatarem desestruturação etária em populações de peixes, fato
comum devido à intensa pressão de pesca sobre os maiores espécimes, algum tipo de controle
mostra-se urgente e a preferência dos pescadores deverá ser postergada. O controle da pesca é
considerado uma opção barata de manejo e muitas vezes é escolhido em substituição a outras
estratégias, pois é entendida apenas como regulamentação. Isso representa uma forma equivocada
de gerenciamento de recursos pesqueiros porque as abordagens têm caráter complementar. O
gerenciamento requer um grande investimento para ser se conduzido de forma adequada pois
requer ordenamento da pesca, regulamentação e fiscalização baseadas em informações do sistema,
consulta aos atores envolvidos, divulgação adequada e o monitoramento dos resultados.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
164

Apesar de serem pouco eficientes, as medidas tomadas para controle da pesca no Brasil são
parcialmente efetivas e, portanto, devem ter continuidade. Aparentemente, isso é resultado do
efeito moral que a interdição da pesca, apesar da pouca fiscalização, tem sobre os pescadores,
promovendo uma diminuição do esforço da atividade em alguns locais ou períodos do ano. Com a
aquisição de novos conhecimentos ou o surgimento de novos conflitos, adequações regionais e
específicas na legislação devem ser tema de intenso debate.

2. Sistemas de Transposição de Peixes (STPs)

Um dos principais aspectos negativos dos barramentos sobre a ictiofauna é a interrupção da


rota migratória, principalmente para espécies denominadas “migradoras”. Na época da piracema
(normalmente durante o período de chuvas), esses peixes sobem o rio em busca de locais que
ofereçam abrigo e alimento aos ovos e larvas, como córregos, ribeirões, planícies alagáveis e lagoas
marginais. Após a desova, os peixes retornam ao rio, o seu principal sítio de alimentação e
desenvolvimento, enquanto as larvas crescem e se desenvolvem nos berçários até estarem aptas a
colonizar o leito principal do curso d’água. Dessa forma, o barramento pode criar uma separação
entre esses dois ambientes e dificultar a reprodução dos peixes migradores.

A descontinuidade e alteração de habitats essenciais podem reduzir a abundância de algumas


espécies e gerar extinções locais. Peixes como o surubim (pintado), que é migrador e tem
importância comercial, tiveram uma grande redução na quantidade de indivíduos das populações,
o que gerou um reflexo negativo sobre a pesca. Outras espécies importantes como recurso
pesqueiro que tem o seu ciclo migratório alterado pelas barragens são: dourado, matrinxã, curimba,
piau, piapara, jaú, dentre outras. Durante a piracema, muitos desses peixes, apesar de possuírem
gônadas maduras e preparadas para a desova e espermiação, não realizam a reprodução por não
encontrarem habitats propícios para o desenvolvimento dos ovos e das larvas.

Uma das formas de minimizar esse problema e permitir a subida dos peixes durante o período
reprodutivo é construir Sistemas de Transposição de Peixes (STPs). Os STPs permitem movimentos
de jusante para montante e podem ser de vários tipos (Figura 6): escadas, elevadores, elevadores
com caminhão tanque, eclusas, canais semi-naturais e naturais. O princípio geral desses sistemas é
atrair os peixes para um ponto específico a jusante do barramento e induzi-los, ativamente ou
passivamente, a transporem a barragem. Os tipos de STPs citados variam de acordo com as
características do barramento e das espécies de peixes locais que precisam ser transpostas.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
165

e
Figura 6 – Exemplos de Sistemas de Transposição de Peixes. a) STP do tipo escada, implantado na UHE
Igarapava, rio Grande; b) STP do tipo elevador, instalado na UHE Funil, rio Grande; c) STP do tipo elevador
com caminhão tanque, implantado na UHE Santa Clara, rio Mucuri; d) STP do tipo eclusa, instalado na UHE
Sobradinho, rio São Francisco; e) STP do tipo canal seminatural, implantado na UHE Itaipu, rio Paraná.
Fonte: a) e b) – Fernanda Silva; c) - Pompeu (2006); d) – site: www.panoramio.com; e) – site:
http://www.h2foz.com.br/noticia/itaipu-construira-pista-artificial-para-canoagem.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
166

Apesar das grandes diferenças entre peixes migradores nativos da América do Norte e do Sul,
os STPs construídos na América Latina são baseados nos modelos norte-americanos, que visam,
principalmente, transpor salmões. Pouco se conhece sobre as histórias de vida e hábitos migratórios
de peixes brasileiros, tornando difícil o planejamento de sistemas de transposição que sejam
adequados para as espécies migradoras brasileiras.

Embora se decorra praticamente um século desde a implantação do primeiro STP no Brasil, que
passou a ser obrigatória em Minas Gerais após a Lei 12.488 de 09 de abril de 1997, a experiência
brasileira no uso da transposição de peixes é ainda bastante limitada. Há diversos questionamentos
sobre a efetividade da transposição como ferramenta para a conservação de peixes nativos. Em
geral, a construção dos STPs não possui objetivos bem definidos e visa, essencialmente, o
atendimento à legislação vigente. Informações sobre os peixes nativos da bacia, definição das
espécies alvo do mecanismo, delineamento das possíveis áreas de desova a montante,
conhecimento das características comportamentais e hidrodinâmicas das espécies são algumas das
premissas essenciais para a projeção de um sistema mais eficiente. Porém, esses critérios raramente
são considerados, sendo que muitos sistemas bem projetados pela engenharia não são atrativos
para a ictiofauna local, fracassando quanto ao objetivo primordial de permitir a subida dos peixes.
Outros mecanismos transpõem grande quantidade de espécies para a montante, mas poucas
dessas, ou nenhuma, são migradoras, dando continuidade ao problema que justificou a construção
do STP.

Quando não há estudos prévios adequados à implantação do STP, pode haver a construção de
mecanismos com efeitos contrários ao esperado, ou seja, eles funcionam como armadilhas
ecológicas. Como exemplo, podemos citar: a) sistemas nos quais os peixes são transpostos para
montante, mas não encontram locais adequados para a reprodução b) transposição de quantidades
elevadas de peixes sem permitir o retorno dos adultos, deplecionando os estoques pesqueiros a
jusante; c) subida dos peixes para montante onde há áreas de desova, mas os berçários ou sítios de
desenvolvimento das larvas estão a jusante do barramento.

Adicionalmente, é necessário considerar que a maioria dos sistemas propicia apenas a


transposição unidirecional, ou seja, os peixes são conduzidos ao reservatório, mas dificilmente
conseguem retornar para a região a jusante do barramento. Em longo prazo, isso pode implicar em
prejuízos aos estoques pesqueiros e perda de diversidade genética das populações de peixes
situadas no trecho a jusante.

Alguns autores sugerem que a transposição pode ser prejudicial em algumas situações, por
exemplo, quando áreas a montante são inadequadas à reprodução enquanto existem áreas
propícias a jusante. Por outro lado, outros defendem que mesmo nessas situações a transposição
pode conectar um habitat de boa qualidade, principalmente para reprodução dos peixes (trecho de
jusante), a um habitat de qualidade inferior (trecho de montante), sendo que essa conexão poderia
evitar a extinção de espécies nos trechos a montante do barramento. Outra questão importante é
o monitoramento dos sistemas de transposição após sua implementação, quanto ao número,
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
167

biomassa e espécies de peixes que utilizam o sistema. Esse controle deverá ser feito durante toda a
piracema, visando avaliar a eficiência do mecanismo quando o sistema estiver em funcionamento.

Apesar da tecnologia envolvida na elaboração de STPs estar se desenvolvendo rapidamente, muitos


desafios ainda precisam ser superados, em especial no que diz respeito à padronização de
procedimentos e estudos para a implantação, operação desses sistemas e avaliação de sua eficácia.
Para que se consiga uma máxima eficiência a um custo-benefício ótimo, é necessário que sejam
conhecidas as características de cada local, empreendimento e da ictiofauna impactada pela
construção do barramento. O primeiro livro da Série Peixe Vivo “Transposição de Peixes”, publicado
em 2012, apresenta importantes resultados obtidos em estudos científicos, além de orientar sobre
a gestão ambiental das barragens e planejamento adequado dos sistemas de transposição de
peixes.

3. Conservação de habitat e processos funcionais

Nos últimos anos, em função da preocupação crescente do manejo ambiental, legislações têm
procurado caracterizar problemas de conceituação e ações que envolvam a restauração e/ou
recuperação de ecossistemas degradados. Uma tendência evidente tem sido a importância dos
aspectos da própria ecologia da região a ser restaurada/recuperada.

As ações de manejo realizadas através de interferências no habitat dos peixes, a despeito de


seu grande potencial, não têm recebido atenção no Brasil. Isso é surpreendente, visto que os
impactos oriundos dos represamentos se manifestam, principalmente, através da alteração na sua
qualidade e quantidade.

A manipulação de habitats pode resultar em benefício pelas implicações que tem no (i) balanço
das relações competitivas, (ii) aumento na capacidade biogênica do corpo d’água, (iii) incremento
do potencial reprodutivo e (iv) elevação da taxa de sobrevivência. Algumas alternativas visando o
manejo da fauna aquática em reservatórios se relacionam, na grande maioria das vezes, ao conceito
de recuperação do habitat. Após a formação do reservatório, não mais será possível que o ambiente
retorne a sua condição original, mas é possível otimizar a exploração do ambiente e garantir a
sobrevivência das espécies nessa nova condição. Algumas importantes medidas que permitem o
desenvolvimento de novas condições ecológicas favoráveis ao crescimento e desenvolvimento dos
organismos aquáticos são citadas a seguir.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
168

3.1. Rios de Preservação Permanente

As atividades humanas, o crescimento demográfico e o crescimento econômico causam


pressões sobre o meio ambiente, degradando-o. Visando salvaguardar o meio ambiente e os
recursos naturais, existem mecanismos legais como leis e decretos que buscam estabelecer áreas
onde as ações antrópicas são proibidas ou restritas. No Estado de Minas Gerais, existe uma categoria
de área protegida denominada “Rio de Preservação Permanente” que, segundo a Lei nº 15.082 de
2004, são os cursos d’água ou trechos deles com características excepcionais de beleza ou dotados
de valor ecológico, histórico ou turístico, em ambientes silvestres naturais ou pouco alterados.

Os objetivos da criação de um Rio de Preservação Permanente são: manter o equilíbrio


ecológico e a biodiversidade dos ecossistemas aquáticos e marginais; proteger paisagens naturais
pouco alteradas, de beleza cênica notável; favorecer condições para a educação ambiental e a
recreação em contato com a natureza; proporcionar o desenvolvimento de práticas náuticas em
equilíbrio com a natureza; favorecer condições para a pesca amadora e desenvolver a pesca
turística.

Os Rios de Preservação Permanente são trechos de rios onde são proibidos: a modificação do
leito e das margens, ressalvada a competência da União sobre os rios de seu domínio; o
revolvimento de sedimentos para a lavra de recursos minerais; o exercício de atividade que
ameacem extinguir espécie da fauna aquática ou que possa colocar em risco o equilíbrio dos
ecossistemas; a utilização de recursos hídricos ou execução de obras ou serviços a eles relacionados
que estejam em desacordo com os objetivos de preservação do ambiente. Dessa forma, os Rios de
Preservação Permanente são trechos de rios que devem manter-se livres de barramento,
permitindo a migração dos peixes. De maneira geral, os Rios de Preservação Permanente podem
ser facilmente comparados à categoria de Unidade de Conservação Federal mais conhecida pelos
brasileiros: os Parques Nacionais. Apesar dos Parques Nacionais abrangerem áreas com cursos
d´água, normalmente não são estabelecidos com base em informações dos organismos aquáticos,
muitas vezes falhando no objetivo de protegê-los e conservá-los. Assim, no estado de Minas Gerais,
a nova categoria Rios de Preservação Permanente surge com o intuito de proteger especificamente
o ambiente aquático e os organismos que nele vivem ou dele dependem.

Em Minas Gerais, a Lei nº 15.082 de 2004 institui os seguintes Rios de Preservação Permanente
(Figura 7):
 rio Cipó, afluente do rio Paraúna, e seus tributários, integrantes da bacia hidrográfica do rio
das Velhas;
 rio São Francisco, no trecho que se inicia imediatamente a jusante da barragem hidrelétrica
de Três Marias e vai até o ponto logo a jusante da cachoeira de Pirapora;
 rios Pandeiros e Peruaçu, integrantes da bacia hidrográfica do rio São Francisco;
 rio Jequitinhonha e seus afluentes, no trecho entre a nascente e a confluência com o rio
Tabatinga;
 rio Grande e seus afluentes, no trecho entre a nascente e o ponto de montante do remanso
do lago da barragem de Camargos.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
169

Figura 7 – Rios de Preservação Permanente do Estado de Minas Gerais, segundo a Lei Estadual nº 15.082 de
2004.
Fonte: Wikimedia Commons.

A existência de trechos de rios livres de barramentos em cada bacia hidrográfica pode se tornar
uma alternativa de manejo que possibilite às espécies de peixes migradoras completarem o seu ciclo
de vida, impedindo ou diminuindo o deplecionamento das populações ou a extinção local das
espécies. Essa estratégia poderá se tornar a grande ferramenta para a manutenção da nossa
biodiversidade aquática.

3.2. Índice de Integridade biótica (IBI)

Uma ferramenta para aprimoramento de medidas de manejo já usada em alguns países da


Europa, nos Estados Unidos e em adaptação para o Brasil é a metodologia de análise do ambiente
através do Índice de Integridade Biótica (IBI).

A Integridade Biótica pode ser compreendida como a capacidade do ambiente de manter uma
comunidade de organismos equilibrada, possuindo diversidade e organização funcional
semelhantes às áreas que conservam o habitat natural. A Integridade Biótica de uma área pode ser
representada através de um gradiente de valores entre os pontos mais preservados (considerados
como áreas de referência) e os mais impactados (Figura 8).
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
170

A B

Figura 8 – Riachos da região de Três Marias, A - ambiente mais preservado (exemplo: presença de mata ciliar)
e B – ambiente mais degradado (exemplo: presença de pastagem e captação de água).
Fonte: Míriam Castro

O Índice de Integridade Biótica é uma forma de representar essa variação, considerando os


efeitos de múltiplos impactos e agregando medidas biológicas individuais em um único valor. Assim,
consegue-se quantificar e comparar os níveis de impacto entre ambientes de uma região, podendo
representá-los através de mapas (Figura 9).

Figura 9 – Riachos classificados em função da Integridade Biótica (Boa, Intermediária e Alterada) nas bacias
dos reservatórios de São Simão, Três Marias, Volta Grande e Nova Ponte. Estudo realizado no projeto IBI-
Cemig entre 2009 e 2012.
Fonte: Callisto et al. 2014.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
171

Essa ferramenta de manejo foi criada pela Agência de Proteção Ambiental Americana (USEPA -
United States Environmental Protection Agency) e utiliza protocolos (fichas onde as pessoas
respondem perguntas preestabelecidas) para avaliação padronizada de habitats físicos (cobertura
vegetal, substrato do leito, fluxo da água, etc.) e parâmetros biológicos (diversidade de espécies,
quantidade de espécimes, etc.) em ecossistemas aquáticos. Através desses protocolos, é possível
quantificar variáveis biológicas por meio da atribuição de um valor quantitativo a uma característica
ou processo de um sistema biológico. Assim, torna-se possível acompanhar mudanças quantitativas
no estado de conservação dos cursos d’água ao longo do tempo.

Essa medida de manejo possibilita também o levantamento de informações sobre ambientes


pouco conhecidos como alguns riachos na área de influência dos reservatórios de usinas
hidrelétricas, subsidiando a determinação das melhores medidas de conservação e restauração de
habitats degradados.

Desde 2009, a Cemig desenvolve projetos com essa temática, confiando na importância dessa
estratégia para conhecer melhor o ambiente influenciado por suas usinas e as atividades que
degradam os mesmos.

3.3. Vazão ecológica

A utilização do recurso hídrico para fins diversos vai de encontro às estratégias de preservação
do meio ambiente. O volume de água necessário para abastecimento público e industrial,
dessedentação animal, irrigação e geração de energia elétrica aumentam a preocupação com a
manutenção do fluxo em níveis normais nos cursos d’água. A legislação federal e a estadual buscam
impor limites à exploração das águas, independente da natureza pública ou privada dos usuários,
sendo a outorga de direito de uso é regulamentada pela Agência Nacional de Águas (ANA). Em Minas
Gerais, o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM) estabelece a vazão mínima de sete dias de
duração e dez anos de recorrência (Q7,10) como referência para o cálculo da disponibilidade hídrica
superficial, sendo que o limite máximo de captações e lançamentos outorgados não ultrapassam
50% dessa vazão. Esses valores conferem uma segurança do ponto de vista humano, pois garantem
que o rio não fique seco ou que haja interrupção do seu leito, desconsideradas as alterações naturais
do regime de chuvas.

No século passado, muitas barragens foram construídas em todo o mundo para


armazenamento de água em períodos de estiagem, controle de inundações nas zonas ribeirinhas
ou para permitir a captação para uso humano. Essas construções representaram significativos
impactos para as comunidades aquáticas, uma vez que facilitaram a introdução e disseminação de
espécies de peixes exóticas, contribuíram para redução das espécies importantes para a pesca,
reduziram a fertilidade das planícies de inundação pelo por meio do controle de cheias e
inviabilizarem atividades econômicas dependentes das áreas úmidas.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
172

No caso dos barramentos para geração de energia elétrica, os empreendimentos são


responsáveis por manter os usos múltiplos da água de interesse comum, como: necessidades da
população ribeirinha; salubridade pública; irrigação; proteção contra inundações; conservação e
livre circulação dos peixes; escoamento e rejeição da água. Apesar dos grandes esforços para
manutenção da disponibilidade hídrica e de boa qualidade para a população e indústria, pouco se
fala no impacto da redução do nível de água dos rios sobre os peixes, algas, macroinvertebrados e
todos os demais organismos aquáticos.

Mesmo que a captação de água atenda aos limites propostos pelos órgãos regulamentadores,
é importante garantir que os corpos hídricos tenham uma quantidade mínima de água para a
manutenção dos sistemas fluviais e seus organismos vivos. Essa quantidade é também chamada de
“vazão ecológica”, pois reflete a vazão mínima necessária para garantir o funcionamento e
requerimentos mínimos do ecossistema aquático. Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos
mostrou que a redução da vazão de um rio resultou em diminuição da diversidade de espécies e do
número estimado de indivíduos de cada população. A partir disso, foi elaborado o Método Montana
para determinar a vazão ecológica mantivesse diferentes qualidades de habitat para os peixes
naquele rio.

No Brasil, o conhecimento acerca dessas questões ainda é muito limitado, sendo que as
concessões de direito de uso da água geralmente adotam um valor único para a vazão ambiental,
ou seja, sem considerar a variação natural existente no nível do rio em função das estações. Deve-
se ressaltar que a magnitude das vazões mínimas e máximas, a frequência de cheias ao longo do
ano e o período de ocorrência e duração da estiagem e da cheia são altamente dependentes do
regime hidrológico.

A manipulação humana da vazão dos rios interfere em toda a dinâmica da biota aquática, pois
altera os padrões naturalmente ocorrentes no canal. Independente do período do ano, o limite de
captação de água dos rios é o mesmo, reduzindo ainda mais o nível dos cursos d’água na época da
seca. No caso das usinas, a vazão de água a jusante depende da demanda energética porque a
hidrelétrica controla os níveis do rio de acordo com as necessidades de geração de energia. Na
época da seca, o volume de água que passa pelas turbinas pode ser baixo em função da necessidade
de armazenamento no reservatório, podendo atingir vazões inferiores àquelas normalmente
observadas para o rio durante a seca. Em algumas hidrelétricas de maior porte, há também a
chamada “geração de ponta” que consiste na flutuação diária da vazão do rio em função dos picos
de consumo de energia elétrica pela população, geralmente entre as 18h e 22h.

O controle do regime de cheias prejudica a formação natural de lagoas marginais e planícies de


inundação, pois, em condições inalteradas, muitos rios transbordam parte do volume de água para
áreas adjacentes na época das chuvas (Figura 10). O alagamento dessas áreas é fundamental na
manutenção dos processos ecológicos vinculados à reprodução e sobrevivência das espécies
aquáticas e semiaquáticas como: peixes; aves; invertebrados; zoo e fitoplâncton; plantas aquáticas
e terrestres. Para os peixes, as planícies de inundação funcionam como habitat de desova e
desenvolvimento de ovos e larvas que retornam ao canal principal do rio quando juvenis. Apesar da
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
173

comunicação entre o rio e estes berçários ser perdida no período seco (na maioria dos casos), os
ambientes marginais permanecem como grandes lagoas nos quais as larvas se abrigam e alimentam.
Na cheia seguinte, a comunicação entre ambientes é restabelecida e os juvenis se deslocam em
direção à calha principal onde devem crescer e se desenvolver.

Figura 10 – Relação entre os pulsos de inundação naturais do rio e o enchimento das planícies de inundação
e lagoas marginais. Nas imagens de “a” a “e”, é possível observar o extravasamento da calha principal do rio
para as lagoas marginais sendo que, após o período de chuvas, há retração da área inundada (f).
Fonte: Paz et al., 2010.

A alteração dos pulsos normais de vazão do rio afeta os estímulos à migração das espécies, a
produtividade primária, o transporte de sedimentos e a sobrevivência de ovos e juvenis. As
flutuações diárias da vazão tendem a reduzir a diversidade de espécies por mecanismos ainda não
compreendidos. Entre as alterações observadas, destacam-se aquelas associadas ao arraste dos
organismos, mudanças na taxa de recrutamento e na condição nutricional de algumas espécies.
Dessa perspectiva, a determinação da vazão ecológica dos rios na forma proposta pelo IGAM
precisaria ser revisada.

As muitas formas de se avaliar a vazão ecológica em um curso d’água podem ser classificadas
em quatro categorias: hidrológicas, hidráulicas, classificação de habitats e holísticas. O método
hidrológico utiliza dados das séries temporais de vazões diárias ou mensais para fazer
recomendações sobre a vazão ecológica. No caso do hidráulico, são consideradas características
específicas da região, levando em conta a variação do perímetro molhado ou profundidade máxima
em uma seção transversal do rio. O terceiro método envolve o uso do habitat, avaliando a vazão
ecológica em relação ao habitat físico disponível para espécies de interesse. Por sua vez, as
metodologias holísticas consideram maior número de aspectos ambientais, podendo ainda
considerar fatores econômicos para otimização da vazão ecológica a ser proposta.

Em função do reduzido conhecimento acerca da manipulação das vazões, a Cemig desenvolveu


o projeto “Desenvolvimento de metodologia de determinação de vazão ecológica por
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
174

bioindicadores” em parceria com universidades e centros de pesquisa. Em 2010 e 2011, o projeto


foi executado a jusante da UHE Itutinga, considerando o método hidrológico para determinar a
vazão ecológica. O objetivo principal desse projeto foi estudar as características hidrológicas e
bióticas do rio Grande frente à manipulação diária de vazão para determinação da vazão ecológica
a fim de estabelecer as melhores condições de geração de energia elétrica com efeitos mínimos
sobre a comunidade aquática. Para isso, seis passos foram adotados: i) estimativa das necessidades
do ecossistema, prescrevendo um hidrograma ecológico; ii) estimativa das necessidades humanas
através da quantificação dos usos; iii) avaliação dos possíveis conflitos através da compatibilização
do hidrograma proposto e dos usos humanos; iv) colaboração na busca por soluções para o impasse;
v) realização de experimentos de manejo para verificar as melhores opções de vazão, comparando
os resultados obtidos para as populações de peixes, macroinvertebrados e parâmetros abióticos; vi)
desenvolvimento de programa de manejo adaptativo, adotando as vazões ecológicas de forma a
compatibilizar os interesses humanos e ambientais. Outras informações sobre o projeto estão
disponíveis no item 5.

4. Piscicultura e Peixamento

Na área de meio ambiente da Cemig, adotou-se o termo “peixamento” para definir o evento de
soltura de alevinos com participação ou não da comunidade (Figura 11) e “estocagem” como todo
o processo relacionado a prática dos peixamentos, incluindo as etapas de planejamento, execução
e avaliação dos resultados obtidos.

Figura 11 – Peixamentos realizados com participação da comunidade.


Fonte: acervo Peixe Vivo.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
175

O repovoamento (como também é conhecido o processo de estocagem) é uma medida utilizada


para mitigar o impacto de barramentos em rios. No Brasil, ele é empregado desde a década de 1970
para restaurar, manter ou aumentar a produção pesqueira. Nessa época, foram construídas diversas
estações de piscicultura para atender demandas das condicionantes ambientais impostas aos
empreendimentos hidrelétricos (Figura 12).

Figura 12 – Estação de Piscicultura de Itutinga. Estrutura da Cemig localizada às margens do


rio Grande, a jusante da Usina Hidrelétrica de Camargos.
Fonte: Acervo Peixe Vivo

Na segunda metade da década de 1980, a produção no Brasil aumentou consideravelmente


com a disseminação e melhoria das técnicas de produção de peixes. Repovoamento com dezenas
de milhares a milhões de indivíduos por ano passou a ser a rotina em muitos reservatórios. Apesar
dos números, questões ainda elementares e importantes como a eficiência do processo de
repovoamento continuam sem respostas.

De modo geral, as estocagens podem ser classificadas em: (i) introdução, quando se utilizam
espécies não-nativas e visam o estabelecimento de população autossustentável; (ii) manutenção,
quando são repetidas anualmente com a finalidade de manter uma população de peixes que não se
reproduz no corpo de água receptor; (iii) suplementação, quando visam aumentar a população de
uma determinada espécie de peixe ou sua variabilidade genética.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
176

A estocagem de suplementação pode ser realizada com finalidades conservacionistas (elevação


do tamanho da população acima de limiares críticos, incremento da heterogeneidade genética) ou
pesqueiras (incremento na biomassa). Já as outras duas modalidades servem apenas a interesses
de exploração pesqueira e, eventualmente, controle biológico de pragas. A estocagem de
suplementação, objeto principal deste tópico, é uma medida de manejo recomendada apenas em
três situações: (i) nos casos em que um dado estoque apresente sinais de sobrepesca e, portanto, o
ambiente comportaria maior número de indivíduos da espécie explorada; (ii) quando as áreas de
desova e/ou os criadouros naturais são insuficientes; (iii) nas condições em que a capacidade
biogênica ou de suporte foi ampliada por uma determinada ação do homem (incorporação de
alimento ou nutrientes). Portanto, essa técnica de manejo deve ser realizada com metas claras e na
solução de problemas específicos se destinada a recompor estoques. Tal prática, quando bem
conduzida, pode auxiliar no restabelecimento de populações de interesse, sendo relevante para a
conservação dos recursos aquáticos (pesca).

Em reservatórios em que há depleção dos estoques decorrente da alteração qualitativa e


quantitativa dos habitats e da sobrepesca, a estocagem pode constituir alternativa válida. Ela tem
contribuído para o aumento do rendimento pesqueiro em diversos corpos de água ao redor do
mundo, sendo registrados casos de forte relação entre a densidade de peixes estocados e o
rendimento da pesca em diferentes tipos de ambiente. Apesar de seu valor intrínseco, muita
discussão permeia a adoção dessa modalidade de manejo, visto que existe, na história da
estocagem, uma profusão de resultados infrutíferos, incluindo severos impactos sobre o ambiente
e os estoques originais. Na maioria dos casos de fracasso, a razão não decorreu da prática em si,
mas sim da sua aplicação inadequada.

O principal impacto ocorre nas estocagens do tipo introdutória ou de manutenção, quando a


espécie é não-nativa ou incapaz de um recrutamento natural. Geralmente conduzidas com intuito
de elevar o rendimento pesqueiro, essas introduções foram, na maioria das vezes, inócuas ou
apresentaram impactos negativos sobre os desembarques, comprometendo recursos aquáticos
tradicionalmente explorados e afetando os estoques nativos. A relevância e preocupação a respeito
dessas introduções decorrem do fato que, em âmbito global, a introdução de espécies é tida como
a segunda principal causa de extinção de espécies, sendo superada apenas pela degradação de
habitats.

Lamentavelmente, as introduções em reservatórios são justificadas como necessárias para


mitigar ou compensar as alterações impostas à ictiofauna e à pesca pelo represamento, este talvez
um dos meios de se alterar mais drasticamente os habitats aquáticos. Ironicamente, os programas
de estocagem com espécies não-nativas foram, muitas vezes, conduzidos e/ou estimulados por
órgãos públicos, às vezes ligados ao controle ambiental. Foi com o estímulo ou consentimento
desses órgãos que o setor hidrelétrico desenvolveu as massivas introduções de espécies nas bacias
hidrográficas do Sul, Sudeste e Nordeste brasileiro.

O número de espécies que ingressou no Brasil para melhoria dos estoques pesqueiros de
exploração comercial ou esportiva assemelha-se ao número daquelas importadas para fins de
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
177

cultivo. Tanto que o maior afluxo de espécies no Brasil ocorreu entre os anos de 1960 e 1980,
quando houve grande proliferação de reservatórios hidrelétricos e massivas estocagens de espécies
não nativas. Não sendo um fenômeno restrito às políticas públicas brasileiras, a introdução de
espécies foi amparada, até recentemente, por organizações mundiais de renome como o Banco
Internacional de Desenvolvimento, o Banco Mundial e a Organização das Nações Unidas para a
Alimentação e Agricultura (FAO). Essas organizações estimularam, dirigiram e ainda dirigem
investimentos em projetos envolvendo o cultivo dessas espécies fora de seu país de origem.

Numa escala mundial, os fracassos têm sido atribuídos à falta de clareza nos objetivos e à
displicência com vários detalhes metodológicos fundamentais. A banalização dessa técnica de
manejo, aplicada em qualquer ecossistema aquático e com a espécie que se tem disponível,
conjugada à ausência de avaliação dos resultados, têm sido características marcantes de seu uso e
causas de insucesso. A esse propósito, alguns autores ponderam que, na busca por melhores
rendimentos pesqueiros, a estocagem pode ser realmente necessária, porém insuficiente.

Muitos outros fatores podem comprometer o sucesso da estocagem, com destaque para as
características biológicas da espécie em questão, a morfometria e estado trófico do ambiente, a
capacidade suporte, dentre outros. Porém, as controvérsias sobre o seu sucesso não têm sido o pior
aspecto dessa iniciativa. O uso indiscriminado dos peixamentos tem elevado potencial de promover
impactos irreversíveis sobre os estoques que se deseja incrementar ou na ictiofauna em geral. Esses
impactos geralmente estão relacionados à introdução de espécies não nativas, à soltura deliberada
de indivíduos de péssima qualidade genética e à contaminação dos cursos naturais por patógenos
veiculados em associação aos alevinos ou pela água.

Essas iniciativas não podem ser banalizadas pelos interesses de políticos que se aproveitam do
senso comum equivocado segundo o qual “soltar peixes em um corpo de água só pode ajudar”.
Adicionalmente, não podem ficar à mercê de iniciativas apressadas de pessoas ou instituições, ainda
que bem-intencionadas. Como será apresentado neste tópico, as decisões de estocagem devem ser
baseadas em rigorosa avaliação da necessidade, da espécie, da procedência dos alevinos, da
metodologia, dos riscos e das formas de avaliação. A ausência de manejo é preferível ao manejo
equivocado e não passível de monitoramento.

Um programa de estocagem deve ser compreendido como uma atividade que pode ocasionar
riscos ao ambiente onde é realizado, uma vez que ocasiona mudanças deliberadas das condições
naturais dos ambientes. Dessa forma, sua execução requer uma série de requisitos e cuidados a
serem tomados desde sua concepção até o monitoramento dos resultados (Lopes & Bedore, 2012).
Antes da criação do programa, é necessário realizar uma avaliação quanto à aplicabilidade ou não
da técnica. Agostinho e colaboradores (2010) propuseram um diagrama que pode subsidiar essa
decisão (Figura 13).
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
178

Figura 13 – Diagrama de decisão apresentando os diversos tipos de estocagem e suas relações para servir de
guia para tomada de decisão quanto à realização ou não da estocagem (Adaptado de Agostinho et. al., 2010).

4.1. O que a Cemig tem feito para mitigar impactos sobre a ictiofauna na área da piscicultura?

Considerando que a prática de repovoamento é uma condicionante frequentemente exigida


pelos órgãos ambientais quando da concessão de licenças para usinas hidrelétricas, a avaliação da
sua real necessidade torna-se essencial. Assim, é possível aprimorar o trabalho já realizado pela
empresa, além de subsidiar a elaboração de plano de manejo de estocagem e restauração de
habitats. Esse tipo de avaliação de programas de conservação e manejo deveria ser obrigatório, mas
é negligenciado por apresentar dificuldades metodológicas no que diz respeito ao monitoramento
de sua eficiência.
Entretanto, a Cemig conduz trabalhos de pesquisa e desenvolvimento para aperfeiçoar o
conhecimento, as práticas e as tecnologias de proteção ambiental nas áreas impactadas por suas
atividades, franqueando ao público os resultados. Dessa forma, alguns projetos buscam monitorar
tanto a eficiência do repovoamento com ictiofauna nativa quanto os pontos de soltura dos alevinos
e as espécies, avaliando a validade dessa atividade como estratégia de conservação da ictiofauna
ou mero processo mitigador. Nesse contexto, a avaliação genética é uma ferramenta segura e
eficiente e, por isso, tem-se investido em marcadores moleculares cujos resultados são
consideravelmente úteis e consistentes para responder questões antigas sobre essa prática. Assim,
em função desses trabalhos e do avanço na compreensão sobre o papel da estocagem como medida
de conservação do Programa Peixe Vivo, atualmente houve uma redução da quantidade de peixes
liberados nos rios e reservatórios sem que haja estudos sobre sua real eficiência.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
179

5. Remoção de barragens como medida de manejo ambiental

As formas de mitigação e conservação discutidas anteriormente visam reduzir os impactos em


regiões já alteradas ou evitar que ambientes preservados sejam alvo dos impactos, mas nenhuma
delas é capaz de devolver ao estado natural um ambiente afetado por usinas hidrelétricas. Nessa
linha, uma abordagem que busca a reversão do ambiente ao seu estado anterior ao impacto é
chamada de restauração ambiental. No contexto de usinas hidrelétricas, a única medida capaz de
restaurar a condição natural do ecossistema é a remoção da estrutura que interrompe e altera o
fluxo do rio.

O descomissionamento (nome dado a todo o processo de remoção da usina do rio, desde


aspectos legais até a remoção física das estruturas) de usinas hidrelétricas é uma atividade que já
ocorre há alguns anos em países como Estados Unidos da América (EUA). Entretanto, apenas nas
últimas décadas tem ganhado mais importância como medida de manejo visando a conservação
ambiental. Ainda que ocorram remoções em países da Europa, Ásia e Oceania, o número mais
significativo ainda é dos EUA, por isso, grande parte do histórico, razões e números de remoções
são baseados nas experiências deste com essa nova medida de manejo ambiental.

O número de barragens removidas aumenta a cada ano e nos EUA, o número de remoções já
foi maior do que o número de usinas construídas no ano de 2017. Há relatos de barragens removidas
desde 1912 (nem todas estão diretamente relacionadas com a produção de energia), de lá para cá
houve cerca de 1.492 eventos documentados até 2017.

De maneira geral, podemos destacar cinco principais motivações para a retirada de uma
barragem, podendo ser classificadas nas seguintes categorias:

₋ Ecológica: usinas que foram retiradas para promover a restauração ambiental,


passagem de peixes, melhorar a qualidade da água, etc.
₋ Econômica: casos em que o custo de manutenção e/ou reparação das usinas superavam
o custo de remoção ou usinas que já não eram mais funcionais.
₋ Recreacional: usinas removidas para aumentar as oportunidades de recreação e
turismo.
₋ Segurança/falha: usinas não apresentam mais segurança, apresentam falhas estruturais
e/ou foram danificadas em períodos de cheia.
₋ Legislação: em casos em que o dono da usina não quer mais a concessão da mesma,
licenças de ambientais e de operação não realizadas, usinas abandonadas.

A decisão de se retirar uma barragem deve ser tomada levando em consideração diversos
aspectos (econômicos, ecológicos, segurança) que indicarão a viabilidade da retirada. Apesar da
possiblidade do reestabelecimento do fluxo natural do rio, das características da água, reconexão
dos trechos acima e abaixo do barramento, a remoção também oferece riscos como a exposição e
movimentação de grande quantidade de sedimentos possivelmente contaminados e que podem
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
180

provocar impactos a jusante, bem como facilitar a propagação de espécies exóticas. Por isso, a
remoção deve ser realizada com estudos multidisciplinares prévios, durante e após a remoção da
barragem.

No Brasil, essa medida ainda é pouco discutida, até mesmo no meio científico. Embora não seja
raro encontrar usinas desativadas, principalmente quando consideramos usinas de pequeno porte
(menos de cinco metros de altura), até hoje não há eventos de remoção documentados e/ou com
acompanhamento técnico. Como parte de um programa de restauração de bacia hidrográfica, a fim
de reestabelecer o equilíbrio e funcionamento de todo um ecossistema, a remoção de barragem
surge como uma alternativa efetiva e concreta para alcançar o objetivo. Mesmo oferecendo riscos
e incertezas, grande parte dos estudos avaliados demonstram que o ecossistema aquático é um
meio resiliente, capaz de se recuperar com relativa rapidez após a remoção.

Pela primeira vez, o estado de Minas Gerais experimenta a possibilidade de acompanhar um


processo de descomissionamento de uma usina hidrelétrica. A Cemig, cumprindo uma demanda da
Superintendência regional de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Norte de Minas
Gerais (SUPRAM NM) reforçada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), está
desenvolvendo um projeto com objetivo de desenvolver uma metodologia para se avaliar a
viabilidade de descomissionamento de centrais hidrelétricas no estado, com estudo prático da
situação da Pequena Central Hidrelétrica de Pandeiros no município de Januária.

O projeto é completamente inédito no Brasil, onde não existe nenhuma iniciativa tecnológica
de viabilizar a remoção de barramentos. Assim, desenvolverá ferramentas ecológicas integradas,
com múltiplos enfoques, visando definir as diretrizes para remoção das estruturas físicas e o
consequente restabelecimento das comunidades. Pesquisas bibliográficas e buscas no banco de
dados da ANEEL mostram que esses estudos ainda não foram realizados no Brasil, sendo o
conhecimento metodológico que deverá servir de base para o projeto desenvolvido somente em
outros países. Além de favorecer o descomissionamento de forma ambientalmente segura, o
projeto deverá promover o reconhecimento das instituições envolvidas pelo pioneirismo na área.

Considerando o ineditismo da pesquisa desenvolvida, esse projeto deverá aumentar o


reconhecimento da Cemig, do Programa Peixe Vivo e das instituições de pesquisa envolvidas. Além
disso, deverá trazer enorme impacto para as políticas públicas no sentido de oficializar as estratégias
metodológicas resultantes do projeto, gerando reconhecimento da aplicabilidade dos resultados
observados na PCH Pandeiros (alvo do estudo) em outros empreendimentos hidrelétricos. A
metodologia produzida nesse projeto deverá ser baseada em numerosos dados biológicos e
simulações matemáticas. Para tal, serão obtidas informações sobre os efeitos cumulativos causados
ao meio ambiente, avaliação das teias tróficas e fluxos de carbono, dados amostrais de peixes,
formigas, macroinvertebrados bentônicos, macrófitas aquáticas, mamíferos, crustáceos, vegetação
ripária, além de simulação hidrossedimentológica.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
181

6. Projetos apoiados pelo Programa Peixe Vivo

Desde a sua criação em 2007, o Programa Peixe Vivo tem o comprometimento com a
conservação e preservação da ictiofauna no estado de Minas Gerais. Suas ações tentam evitar e/ou
mitigar os impactos oriundos da construção, operação e manutenção das usinas hidrelétricas do
grupo Cemig. Nesse sentido, ele apoiou o desenvolvimento de diversos projetos no intuito de
aumentar o conhecimento sobre a ictiofauna nativa e a relação dessa com as usinas. Alguns dos
projetos apoiados pelo Programa são descritos resumidamente a seguir. Mais informações sobre as
ações do Programa Peixe Vivo podem ser encontradas no site do programa:
http://www.cemig.com.br/pt-
br/A_Cemig_e_o_Futuro/sustentabilidade/nossos_programas/ambientais/peixe_vivo/Paginas/def
ault.aspx .

6.1. Desenvolvimento de tecnologia para avaliação de características natatórias da ictiofauna


migradora brasileira

Instituições Envolvidas: Cemig e UFMG

Bacia: Grande e Paranaíba

Coordenadores UFMG: Carlos Barreira Martinez e


Alexandre Godinho

Ano de início: 2008

Status: finalizado

O projeto contemplou estudos sobre a capacidade natatória e hábitos migratórios de algumas


espécies de peixes de diferentes bacias hidrográficas mineiras. Para atender essa finalidade,
levantaram-se as velocidades críticas e prolongadas de oito espécies. Um protocolo padrão de
medição dessas velocidades a partir de testes realizados também foi elaborado com o intuito de
verificar o incremento de tempo ideal a ser inserido nos experimentos. Desse modo, têm-se
parâmetros para a realização de novos testes de capacidade natatória. Além disso, utilizou-se da
biotelemetria para ampliar o conhecimento sobre a migração de peixes nas represas de
Marimbondo, Porto Colômbia, Volta Grande, Igarapava e Jaguara no rio Grande e no rio Paranaíba,
a jusante da barragem de São Simão.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
182

6.2. Desenvolvimento de índices de integridade biótica para avaliação de qualidade ambiental e


subsídio para a restauração de habitats em áreas de soltura de alevinos

Instituições Envolvidas: Cemig, UFMG,


UFLA, PUC-MG, CEFET-MG, US-EPA e
Oregon State University
Bacia: Grande, Paranaíba e São Francisco
Coordenador UFMG: Marcos Callisto
Ano de início: 2009
Status: finalizado

Neste projeto, foram estudadas as unidades geográficas das bacias dos reservatórios de Nova
Ponte, Três Marias, São Simão e Volta Grande e seus tributários. O objetivo foi desenvolver Índices
de Integridade Biótica (IBI) como ferramenta para avaliar a qualidade ambiental e subsidiar a
restauração de habitats. Uma grande contribuição do projeto foi a tradução, validação e
padronização dos protocolos da Agência de Proteção Ambiental Norte-Americana para avaliação de
habitats físicos em riachos e reservatórios, que estão disponíveis no livro da Série Peixe Vivo. Além
dessa contribuição, pode-se destacar a formação de pessoal (graduação e pós-graduação) e as
publicações em revistas internacionais (disponíveis em http://lebufmg.wixsite.com/benthos).

A pesquisa mostrou-se importante para conhecer melhor as regiões de cada empreendimento.


Através da coleta de peixes, percebeu-se que diferentes riachos possuem componentes únicos que,
agrupados, tornam-se de extrema importância à diversidade regional e, consequentemente, ao
planejamento da conservação em ampla escala. Dessa forma, é fundamental a inclusão dos riachos
em avaliações que considerem diversas escalas e visem o planejamento da conservação de áreas
contendo barramentos.

A relevância dos resultados obtidos no projeto anterior motivou a continuidade e a realização


de um novo projeto intitulado “Desenvolvimento de índices de integridade biótica: peixes de riachos
como indicadores de qualidade de água em bacias hidrográficas de empreendimentos hidrelétricos
da CEMIG em Minas Gerais”. O objetivo principal desse novo projeto foi a consolidação de uma
ferramenta de avaliação ambiental eficiente, inovadora e padronizada para as características da
região tropical. Ao longo de quatro anos, a rede de pesquisa formada pela UFMG, UFLA e PUC-MG
amostrou quatro reservatórios e riachos de suas bacias de drenagem no estado de Minas Gerais
com o objetivo de elaborar índices de integridade biótica. Nesse projeto subsequente, uma segunda
campanha de amostragens na bacia de um desses reservatórios foi realizada. Essa reamostragem,
além de possibilitar o teste da eficiência/precisão do IBI criado com os dados da primeira visita
(2009), permitiu responder perguntas relacionadas a variações temporais e espaciais de diversidade
e a estratégias para maximização da riqueza amostrada.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
183

6.3. Avaliação da eficácia de repovoamento nas represas de Jaguara e Volta Grande

Instituições Envolvidas: Cemig e UFMG


Bacia: Grande
Coordenador UFMG: Carlos Barreira Martinez
Ano de início: 2009
Status: finalizado

O objetivo principal deste projeto foi avaliar se a densidade de estocagem e o tamanho à


estocagem influenciam no número de curimbas domésticas capturadas nos reservatórios de Jaguara
e Volta Grande. As matrizes utilizadas na produção dos alevinos de curimba apresentaram
diversidade genética alta. Isso é positivo para a estocagem, já que a variabilidade genética é atributo
importante de uma população e constitui o material sobre o qual a seleção natural age. O número
de capturas de curimbas estocadas com maior tamanho e menor densidade foi significativamente
maior do que o de curimbas estocadas menores e em maior densidade. Por meio de estudos de
paternidade com DNA, concluiu-se que 77% dos peixes capturados no reservatório de Jaguara eram
provenientes da Estação de Pesquisa e Desenvolvimento Ambiental de Volta Grande. Já no
reservatório de Volta Grande, o valor foi de 27%. Esses resultados mostram que as curimbas
utilizadas na estocagem sobrevivem até a fase adulta.

6.4. Subsídios para conservação e manejo da ictiofauna da bacia do rio Jequitinhonha

Instituições Envolvidas: Cemig, Unimontes,


PUC-Minas, UEL e UFLA
Bacia: Jequitinhonha
Coordenador Unimontes: Anderson
Medeiros
Ano de início: 2011
Duração: em desenvolvimento

Inicialmente, este projeto foi idealizado para cumprir e dar suporte a algumas das
condicionantes ambientais relacionadas à ictiofauna que constam no licenciamento ambiental da
Usina Hidrelétrica de Irapé. Atualmente, o projeto está em sua segunda fase e conta com objetivos
ampliados em relação aos primeiros anos. Assim, foram/estão sendo executados os seguintes
subprojetos: 1) Monitoramento da ictiofauna da área de influência da UHE Irapé; 2) Captura de
matrizes e reprodutores das espécies ameaçadas surubim (Steindachneridion amblyurum) e
piabanha (Brycon howesi) do Jequitinhonha; 3) Levantamento da ictiofauna da bacia; 4)
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
184

Identificação dos peixes do Jequitinhonha pela técnica do DNA Barcode; 5) Embriogênese e


ontogênese larval de peixes nativos do Jequitinhonha utilizados na piscicultura; 6) Monitoramento
da migração de piaparas e curimbas por meio de telemetria acústica no trecho a montante e radio
telemetria a jusante da UHE Irapé.

6.5. Desenvolvimento de ferramentas moleculares para monitoramento ambiental de peixes e


plantéis de piscicultura

Instituições Envolvidas: Cemig e UFSJ


Bacia: Grande
Coordenador UFSJ: Gabriel de Menezes Yazbec
Ano de início: 2011
Status: finalizado

Este projeto desenvolveu um painel de caracterização de centenas de milhares de novos


candidatos a marcadores moleculares do tipo microssatélite para quatro espécies migradoras
nativas utilizadas em atividade de produção voltada à estocagem ambiental de peixes no alto rio
Grande, MG. Além disso, o projeto bateu o recorde de marcadores microssatélites desenvolvidos
para qualquer espécie de peixe Neotropical (47 marcadores validados para Salminus brasiliensis, o
dourado), isolou os primeiros microssatélites de Brycon orbignyanus (29 marcadores validados para
piracanjuba) e elucidou o primeiro genoma mitocondrial completo para a família dos piaus e
piaparas.

Essas ferramentas permitem aplicação prática no manejo de peixes e pisciculturas, na


caracterização genética de indivíduos e populações, na delimitação de estoques, no planejamento
e avaliação de eficiência de peixamentos e na avaliação da necessidade e eficiências de mecanismos
de transposição de peixes. O projeto gerou dois registros de propriedade intelectual junto ao
Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
185

6.6. Desenvolvimento de tecnologia aplicada à manutenção do estoque pesqueiro de


populações nativas de espécies migradoras na região de influência da UHE Três Marias:
estudo genético e de migrações reprodutivas

Instituições Envolvidas: Cemig, UFV, UFMG,


UFLA e PUC-MG
Bacia: São Francisco
Coordenadores: Evanguedes Kalaphotakis
(UFMG), Jorge Abdala Dergam dos Santos
(UFV), Paulo dos Santos Pompeu (UFLA) e
Gilmar Santos (PUC-MG)
Ano de início: 2012
Status: finalizado

O projeto teve como objetivo principal avaliar a necessidade de instalação de um Sistema de


Transposição de Peixes (STP) na barragem de Três Marias utilizando espécies
migradoras nativas como modelo de estudo. Como ainda não existe um consenso no meio científico
sobre a eficiência dos STPs, aspectos migratórios e genéticos de duas espécies de
curimbas (Prochilodus costatus e Prochilodus argenteus) foram analisados com o propósito de
avaliar sua dinâmica migratória e reprodutiva na região e as possíveis consequências da
instalação de um STP para essas populações.

Em continuidade ao projeto inicial e como segunda fase, os projetos “Diagnóstico das condições
para a desova e o recrutamento das espécies de peixes migradores a montante e a jusante da UHE
Três Marias (PUC)” e “Importância de trechos de rios livres para o contexto ambiental em regiões
de barramento: integrando novas tecnologias para estudo da ictiofauna (UFLA)” estão em processo
de contratação.

6.7. Migração, sítios de desova e desenvolvimento inicial de duas espécies potencialmente


migradoras do rio Jequitinhonha: subsídios para avaliação da necessidade de transposição
na UHE Irapé

Instituições Envolvidas: Cemig, Fundação


Biodiversitas para a Conservação da
Diversidade Biológica, LAPAD/UFSC, UFT e
UFSJ
Bacia: Jequitinhonha
Coordenador Biodiversitas: Fernanda de
Oliveira Silva
Ano de início: 2012
Status: finalizado
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
186

O projeto avaliou o comportamento migratório e a existência de habitats críticos para o


recrutamento (sítios de desova e crescimento) de duas espécies migradoras Leporinus
elongatus(piapara) e Prochilodus hartii (curimba) no trecho de rio influenciado pela Usina
Hidrelétrica de Irapé (UHE Irapé), a fim de produzir conhecimento acerca da ecologia dessas
espécies e, assim, subsidiar ações de manejo e conservação dos peixes migradores da região,
incluindo uma avaliação sobre a viabilidade de um STP. No desenvolvimento deste projeto, foram
realizadas coletas de ictioplâncton e alevinos de curimbas e piaparas, e os deslocamentos dos
adultos dessas duas espécies foram estudados por meio de telemetria acústica e radio telemetria.
Adicionalmente, um subprojeto sobre os deslocamentos e preferência por habitats foi desenvolvido
para três espécies de Loricariideos no rio Vacaria, tributário do rio Jequitinhonha.

Até o momento, um dos resultados mais relevantes deste projeto foi a constatação do impacto
do reservatório da UHE Irapé na deriva de ovos e larvas da região, já que não foram encontradas
larvas em pontos imediatamente a jusante da usina. A importância do rio Araçuaí (tributário) como
local de desova e desenvolvimento de formas juvenis na bacia também foi verificada.

6.8. Variações espaciais de médio prazo e índice de assembleias de peixes para reservatórios
como indicadores da qualidade do habitat em empreendimentos hidrelétricos da CEMIG em
Minas Gerais

Instituições Envolvidas: Cemig e PUC-Minas


Bacia: Grande
Coordenador PUC-Minas: Gilmar Bastos Santos
Ano de início: 2014
Status: finalizado

O objetivo principal deste projeto foi criar um índice de integridade biótica para reservatórios
baseado em assembleias de peixes (Reservoir Fish Assemblage Index RFAI), com a adaptação para
o reservatório de Volta Grande, bacia do Alto Paraná. O RFAI constitui uma ferramenta prática para
a avaliação da qualidade ambiental que permite mensurar as condições ecológicas de um
determinado sistema e diagnosticar fatores responsáveis pela degradação, além de auxiliar
tomadores de decisões em ações de manejo.

Os resultados demonstraram predominância de espécies reofílicas (gênero Hypostomus


(cascudos)) e ou migradoras (gênero Pimelodus (mandi)) nos trechos lóticos de Volta Grande.
Aparentemente, a diversidade no trecho lótico de Volta Grande é maior do que a observada tanto
nas demais áreas deste reservatório, quanto nas áreas lóticas do reservatório da UHE Nova
Ponte. Verificaram também que a distribuição espacial das espécies no corpo d’água (reservatórios
das UHEs Nova Ponte e Volta Grande) não é randômica, mas o resultado da interação entre
condições bióticas e abióticas que são heterogêneas ao longo do ambiente. Nesse contexto, parte
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
187

dos resultados do projeto demonstrou que a determinação e análise de fatores abióticos que se
relacionam com as estratégias de ocupação do espaço físico pelas espécies são de extrema
importância para o entendimento da estrutura e dinâmica das assembleias de peixes em ambientes
lênticos.

6.9. Programa de repovoamento de peixes da estação de piscicultura de Volta Grande: avaliação


proteômica e genômica de Prochilodus lineatus

Instituições Envolvidas: Cemig e UFV


Bacia: Grande
Coordenador UFV: Jorge Abdala Dergam dos
Santos
Ano de início: 2014
Status: finalizado

O objetivo do projeto foi desenvolver uma tecnologia direcionada ao aumento da eficácia do


programa de repovoamento de peixes. Nesse contexto, está sendo avaliada a correlação entre a
presença de determinados tipos de cromossomo e o sucesso de indivíduos selvagens e cativos. Essa
avaliação é realizada por meio da genômica e proteômica de curimbas provenientes da natureza e
da piscicultura. Assim, será possível compreender se a presença desses cromossomos garantiria
uma vantagem genética aos indivíduos reprodutores, sendo de aplicação imediata para a seleção
de matrizes em programas de repovoamento.

6.10. Desenvolvimento de Ferramenta para a Priorização de Descomissionamento de Pequenas


Centrais Hidrelétricas (PCH) no Estado de Minas Gerais e Estudo de Caso para a PCH
Pandeiros

Instituições Envolvidas: Cemig, UFLA e UFMG


Bacia: São Francisco
Coordenador UFLA: Paulo dos Santos Pompeu
Ano de início: 2014
Status: segunda fase em desenvolvimento
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
188

O projeto tem como objetivo criar uma metodologia para se avaliar a viabilidade de
descomissionamento de centrais hidrelétricas brasileiras que estejam desativadas, utilizando como
modelo a PCH Pandeiros. Ferramentas ecológicas integradas estão sendo desenvolvidas visando
estabelecer as diretrizes para remoção de estruturas físicas. Para tal, informações sobre peixes,
formigas, macroinvertebrados bentônicos, macrófitas aquáticas, mamíferos, crustáceos e
vegetação ripária, além de simulação hidrossedimentológica e avaliação das teias tróficas e fluxos
de energia estão sendo analisadas. Além de favorecer o descomissionamento ambientalmente
seguro, o projeto tem grande relevância pelo seu caráter pioneiro.

Os resultados encontrados no projeto até o momento permitiram constatar que, mesmo


estando desativada desde 2008, a PCH Pandeiros ainda é uma fonte de impacto para o ecossistema
aquático, principalmente em regiões mais próximas da barragem. Verificou-se também que a
descarga do sedimento provocada por uma eventual remoção da barragem, impactaria trechos
numa extensão máxima de 10 km a jusante da PCH. Dessa forma, impactos significativos não seriam
causados à região do Pantanal da foz do rio Pandeiros, importante região para conservação da
biodiversidade local. Além disso, uma ferramenta para priorização de descomissionamento está em
fase de desenvolvimento e ajustes finos com dados específicos dos peixes e bacias de Minas Gerais
e se mostra promissora como uma medida que auxiliará a tomada de decisão sobre futuras
remoções.

Em função de seu caráter inovador e de alta relevância tanto para o setor elétrico quanto para
área ambiental, o estudo terá continuidade na forma do projeto intitulado “Descomissionamento
da PCH Pandeiros: uma experiência inédita na América do Sul”. O principal objetivo do novo projeto
é avaliar os potenciais efeitos da eventual remoção da barragem de Pandeiros por meio de descarga
de fundo que promova a desmobilização do sedimento estocado no reservatório. Todo o processo
será acompanhado de monitoramento da biota aquática e dos possíveis impactos da descarga de
sedimento a jusante e a montante da barragem.

6.11. Uso de ferramentas inovadoras para a detecção e monitoramento de peixes em ambientes


de água doce

Instituições Envolvidas: Cemig, PUC Minas e


UFLA
Bacia: Jequitinhonha
Coordenador UFLA: Paulo dos Santos Pompeu
Ano de início: em contratação
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
189

O projeto é uma oportunidade de atendimento às necessidades do setor elétrico e possibilitará


a redução do tempo, redução do custo e aumento da precisão dos monitoramentos ambientais
amplamente realizados em rios e reservatórios. Seus objetivos estão ligados ao desenvolvimento
de metodologias inovadoras para os monitoramentos de peixes. Além disso, propõe avaliar dados
históricos de monitoramentos de peixes realizados pela Cemig a partir do desenvolvimento de
banco de dados específico para armazenamento dos dados.

Dentre alguns objetivos específicos estão: 1) Comparar a técnica de ecossondagem com coletas
que utilizam técnicas tradicionais; 2) Comparar os dados de DNA ambiental com coletas tradicionais;
3) Discutir a utilização do consórcio das técnicas de ecossondagem e DNA ambiental; 4) Analisar as
vantagens e desvantagens das novas técnicas de monitoramento; 5) Propor melhorias no processo
de monitoramento da ictiofauna alinhadas ao atendimento dos objetivos de forma eficiente; 6)
Propor a otimização dos custos relacionados ao monitoramento de ictiofauna; 7) Analisar as séries
temporais de dados de estudos de ictiofauna compilados do banco de dados, considerando sua
relação com dados hidrometereológicos e limnológicos; 8) Criar uma complementação ao sistema
web para o gerenciamento dos dados de monitoramentos do grupo CEMIG, com incorporação de
dados de estudos sobre peixes realizados pela empresa.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
190

7. Bibliografia sugerida

Agostinho A.A., Gomes L.C. & Pelicice F.M. (2007) Ecologia e Manejo dos Recursos Pesqueiros
em Reservatórios do Brasil. Maringá: Editora da Universidade Estadual de Maringá.

Agostinho A.A., Pelicice F.M., Gomes L.C. & Júlio Jr. H.F. (2010) Reservoir fish stocking: when
one plus one may be less than two. Natureza & Conservação, 8: 103-111.

Bialetzki A., Reynalte-Tataje D. A., Oliveira E. C. de, Zaniboni-Filho E., Baumgartner G., Makrakis
M. C., Sanches P. V., Leite R. G. & Severi W. (2015) Protocolo mínimo de amostragem do
ictioplâncton de água doce para estudos de levantamento, inventário e monitoramento ambiental
para implantação de empreendimentos hidrelétricos. Boletim Sociedade Brasileira de Ictiologia,
113: 32-34.

Callisto M., Alves C.B.M., Lopes J.M. & Castro M.A. (org.). 2014. Condições ecológicas em bacias
hidrográficas de empreendimentos hidrelétricos. Belo Horizonte: Companhia Energética de Minas
Gerais, 264p. (Serie Peixe Vivo, 2).

Cemig (2012) Transposição de Peixes. Lopes J. M. & Silva F. O. (org.) Livro Serie Peixe Vivo. Belo
Horizonte: Cemig, 172pp. Il.

Paz A.R., Collischonn W., Tucci C.E.M. (2010) Simulação Hidrológica de Rios com Grandes
Planícies de Inundação. Revista Brasileira de Recursos Hídricos 15: 31-43.

Pompeu P.S. (2005) Estudo da regra operativa e avaliação de um mecanismo de transposição


de peixes do tipo elevador com caminhão tanque. Tese – Escola de Engenharia da UFMG. Belo
Horizonte.

Lopes J. M. & Bedore A. G. (2012) Programa de Estocagem de Peixes Nativos da Cemig Geração
e Transmissão: filosofia de trabalho. In: Barroca, T. M. (Ed ). A Genética dos Peixes Neotropicais.
Washington: Amazon, p. 14-42.

Loures R. C. & Castro M. A. (2017) Melhoria de práticas em programas ambientais relacionados


a ictiofauna no âmbito do Setor Elétrico. In: Adriana Coli; Pedro Dias. (Org.). O Setor Elétrico e o
meio ambiente. 1ed.Rio de Janeiro: Synergia, v. 1, p. 496-522.

O'Connor J. E., Duda J. J., & Grant G. E. (2015) 1000 dams down and counting. Science, 348
(6234), 496-497.

Souza R.C.R. de (2013) Distribuição e composição do ictioplâncton no reservatório de Três


Marias, MG, Brasil. Dissertação de mestrado – Universidade Federal de Lavras, MG.
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
191

Para mais informações sobre o Programa Peixe Vivo acesse


www.cemig.com.br/peixevivo
Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico
192

ANOTAÇÕES

Você também pode gostar