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automobilístico de Gravataí e implicações sociais em
empresas locais
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TRABALHO EM CENÁRIO DE GLOBALIZAÇÃO: o pólo automobilístico de Gravataí e implicações sociais em empresas locais
de interdependência e integração das economias res globais e nacionais é marcada pela desigualda-
no presente seja diferente do que ocorreu no pas- de. Essa realidade, todavia, não significa necessa-
sado. Para eles, a globalização seria a nova face do im- riamente uma relação unilateral, como
perialismo e, como tal, os mercados globais não seri- freqüentemente proposto. O movimento é sempre
am capazes de impor limites aos atores nacionais. dialético: os agentes subordinados tendem a reagir
Em oposição, há argumentos de que o fenô- e a criar alternativas que podem transformar-se em
meno representaria uma descontinuidade, em face oportunidades. Dessa perspectiva, a globalização
de formas anteriores de relações de troca interna- poderia ser considerada não apenas como uma
cional, com implicações significativas para a vida força de aniquilamento das condições locais, mas
social. Tal posição enfatiza as rupturas do proces- também como força potencializadora de novas ca-
so. Parte dessa literatura, ilustrada pelos argumen- pacidades. Cabe, portanto, conhecer a forma como
tos de Ohmae (1996), afirma, em tom otimista, que os agentes locais reagem à nova situação, domina-
a globalização gera crescimento econômico e bem- da por grande mobilidade do capital e pelas
estar local, requer a redução do papel das institui- corporações multinacionais, submetendo-os a rá-
ções nacionais (notadamente o Estado-Nação), pa- pidas e inesperadas mudanças.
dronizando o processo produtivo e as relações de Afirma-se, no presente artigo, com o apoio
trabalho, homogeneizando os sistemas produtivos em formulações de autores como Beck (1999),
e as instituições sociais. Mantendo a idéia de rup- Castells (1999) e Therborn (2000, 2001), que o
tura, porém reconhecendo as contradições da nova processo de globalização é modelado por diferen-
realidade, outro tipo de argumento é desenvolvi- tes contextos institucionais e por recursos e estra-
do por Castells (1999), que analisa as mudanças tégias dos atores sociais implicados. Nesse senti-
econômicas da atualidade a partir da perspectiva do, supõe-se que as mudanças sociais decorrentes
das tecnologias da informação e da comunicação, conteriam, potencialmente, riscos e oportunidades,
consideradas fundamentais para expansão da eco- cuja realização dependeria da capacidade dos ato-
nomia global. Desse ponto de vista, Castells dis- res locais de interagir com as forças e os agentes
tingue “economia mundial” (que caracterizaria um globais. Tal argumento é discutido mediante a aná-
tipo de acumulação de capital ocorrida desde o lise empírica do novo pólo automobilístico de
século XVI) e “economia global” – “capacidade de Gravataí (RS) – tomado como expressão do pro-
trabalhar como uma unidade em tempo real em cesso de globalização – e seus reflexos em empre-
escala planetária” (1999, p. 92). sas fornecedoras locais. O referido pólo é consti-
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Essas idéias são bem conhecidas, e torna-se tuído por uma unidade montadora da General
desnecessário aprofundá-las. O importante é cha- Motors do Brasil (GMB), instalada naquele muni-
mar a atenção para o fato de que, mais recentemen- cípio no ano de 2000, no contexto do novo ciclo
te, o foco da discussão tem mudado: há menos de investimentos automotivos realizados no país,
preocupação com os riscos impostos pelo sistema na segunda metade da década de 1990.
global à autonomia política e econômica do país e Nosso argumento é de que as relações entre
com o debate sobre a conveniência ou não de o o global e o local podem constituir-se em um pro-
país integrar-se ao sistema global. Ao contrário, a cesso traumático, em razão não apenas da intensi-
discussão parece girar em torno da questão sobre dade e da velocidade das mudanças, da complexi-
qual seria a melhor forma de integrar-se e benefici- dade das tecnologias estrangeiras, do desequilíbrio
ar-se com isso. das relações entre os agentes, mas também porque
A competição e a busca por novos merca- os agentes globais desafiam relações consolidadas,
dos forçam os agentes nacionais a aceitarem as re- ideologias e identidades locais. A despeito das
gras econômicas e os atores globais. Entretanto, na perdas, os agentes locais tendem a desenvolver
maioria das vezes, a relação de poder entre os ato- estratégias para se ajustarem favoravelmente ao
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novo ambiente. Esse pode ser um esforço difícil, Automotores (ANFAVEA) e do Sindicato dos Fa-
posto que requer atuar sob uma lógica diferente, bricantes de Autopeças (SINDIPEÇAS).
que inclui não apenas novos atores e regras, mas O artigo está dividido em três partes: na
também a adoção de novos conceitos: idéias como primeira, apresentam-se, sucintamente, aspectos
estabilidade, permanência, homogeneidade, auto- relacionados à constituição de novos pólos auto-
nomia, soberania são substituídas por instabilida- mobilísticos, com o objetivo de evidenciar o pro-
de, contingência, dependência e complexidade. O cesso de globalização do setor, focalizando o caso
desafio para os atores locais é o de construir um do Brasil; na segunda, caracteriza-se a experiência
novo curso de ação que considere um novo tipo do novo pólo automobilístico de Gravataí; na ter-
de contexto e de relações. ceira, examinam-se os reflexos da presença da
O objetivo deste artigo, portanto, consiste montadora sobre o processo produtivo e sobre as
em apreender aspectos do processo de globalização, relações de trabalho e emprego nas empresas lo-
através do exame da presença do novo pólo auto- cais pesquisadas. Por fim, formulam-se as princi-
mobilístico de Gravataí e de suas implicações soci- pais conclusões da análise, tentando responder à
ais locais, tendo como foco a análise da questão proposta.
reestruturação do processo produtivo e das mu-
danças nas relações de trabalho e de emprego nas
empresas locais e considerando-se o desempenho GLOBALIZAÇÃO E NOVOS PÓLOS AUTOMO-
da montadora (relações próximas da idéia de coo- BILÍSTICOS
peração ou de subordinação), das instituições lo-
cais (ativo, passivo, indiferente) e dos recursos e A partir de meados da década de 1990, o
estratégias das empresas (capital, tipo de produto processo de globalização atinge mundialmente o
e tecnologia, acesso a mercados). setor automobilístico, com a constituição de no-
Os dados empíricos foram obtidos por meio vos pólos de produção industrial. Neste século
de entrevistas semi-estruturadas, realizadas com XXI, o setor é marcado por uma nova geração de
gestores da fábrica da GMB em Gravataí; com fábricas mais produtivas e flexíveis do que as plan-
gestores de sete empresas fornecedoras locais; e tas montadoras tradicionais, apoiando-se em refe-
com lideranças do sindicato de trabalhadores.2 rências competitivas e produtivas globais: diversi-
Ademais, obtiveram-se informações complemen- ficação e inovação de modelos, comercialização de
tares em diferentes fontes secundárias: contratos e modelos mundiais, segmentação de mercados de
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Tabela 1 - Nú mero d e au toveícu los e habitantes p or au toveícu lo d as p rincip ais frotas circu lantes mu nd iais
(1992-2002)
Nú mero d e au toveícu los (milhões) Hab./au toveícu lo
País
1992 2002 Variação % 1992 2002
com importantes frotas de autoveículos têm apre- gentina, a frota pouco tem crescido em face da
sentado reduzidas taxas de crescimento dessas fro- recessão econômica.
tas, em razão de que já detêm baixa relação de ha- Em segundo lugar, a constituição de blocos
bitantes por autoveículo. São os casos dos Esta- político-econômicos regionais (como o
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governos e de filiais locais (Freyssenet, 2005). (Lung, 2002; Nelder; Harrys; Evens, 2001). Países
Em terceiro lugar, assiste-se ao ingresso de em desenvolvimento tornam-se mercados atraen-
novos competidores no mercado mundial, medi- tes para as montadoras pelo potencial crescimento
ante processos de fusão, aquisição ou aliança en- e pelos baixos custos de produção e passam a re-
tre corporações, com conseqüente aumento da con- ceber uma onda de investimentos em novas plan-
corrência, o que implica a exploração de novos tas que tende a diversificar (há novos competido-
mercados e o investimento em novas plantas in- res, modelos de produto e mercados consumido-
dustriais, para além dos países de origem dessas res) e a desconcentrar a atividade de produção no
corporações (Cutcher-Gershenfeld et al., 1998). As setor (O’Brien; Karmokolias, 1995; Freyssenet,
fusões e aquisições (como, Daimler-Chrysler- 2005).
Mitsubishi, Renault-Nissan, Peugeot-Citröen, Conforme mostra a Tabela 2, grandes países
Volkswagen-Audi-Seat-Skoda, Ford-Mazda, Volvo- produtores de autoveículos tendem a reduzir sua
Land Rover) e alianças entre montadoras (General participação relativa no mercado mundial, como
Motors-Toyota na NUMMI, Toyota-Honda, Gene- nos casos dos Estados Unidos4, do Japão, da Fran-
ral Motors-Fiat) visam à repartição de riscos e in- ça, do Canadá, do Reino Unido e da Itália. Por
vestimentos, ao ganho de escalas de produção e outro lado, observa-se propensão à expansão da
de compras e à busca de complementaridades en- participação relativa no mercado mundial de pro-
tre empresas (acesso a novos mercados, compe- dutores emergentes (notadamente a China, a Coréia
tências organizacionais e tecnologias) (Ikeda; do Sul, a Espanha, o México e a Índia), bem como
Nakagawa, 2001). o surgimento de importantes países produtores,
Em quarto lugar, a oferta de mão-de-obra antes inexpressivos (Tailândia, Irã e República
escolarizada e relativamente barata, a disponibili- Tcheca). O Brasil eleva a produção em números
dade de infra-estrutura adequada (redes de teleco- absolutos, embora mantenha a mesma participa-
municações, de energia e de transporte) e, em ção relativa no cenário internacional. No caso da
muitos casos, a concessão de incentivos fiscais e Alemanha, pode-se conjeturar que o crescimento
de subsídios governamentais, em países em de- de sua produção relaciona-se, antes, com a ampli-
senvolvimento e no interior de países desenvolvi- ação da atividade no lado oriental do que com a
dos (greenfields), estimulam a instalação de novas expansão no lado ocidental.
plantas montadoras pelas corporações automobi- No Brasil, o setor automobilístico e o de
lísticas (Aller; Garcés, 2002; Courtaux-Kotbi, 2004; autopeças ajustam-se à globalização mediante po-
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vestimentos externos (Arbix, 2001). Na segunda bora aquém das expectativas locais, posto que se
metade dos anos 1990, a disposição de montadoras trata de “fábricas enxutas”) tanto maior quanto mais
(agentes da globalização) em investir no país, com- elevado o investimento em capital e quanto mais
binada com as políticas governamentais, refletiu- capacitada se acha a cadeia de fornecimento local;
se, entre outros aspectos, em investimentos que b) propensão ao uso de mão-de-obra com instru-
resultaram em uma nova geração de fábricas situa- ção mais elevada do que as plantas tradicionais; c)
das fora do ABC paulista.5 crescimento da atividade produtiva local; d) salá-
estados e por municípios, para a atração dos investi-
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As novas plantas foram instaladas no Rio Grande do mentos (Arbix, 2001). Constata-sedesconcentração do
Sul (General Motors e Navistar), no Paraná (Audi- investimento também na indústria de autopeças: a mai-
Volkswagen, Renault, Chrysler), em Minas Gerais or parte dos fabricantes de autopeças permanece na Re-
(Mercedes-Benz), no Rio de Janeiro (Volkswagen e gião Metropolitana de São Paulo (53,5%, em 2003), po-
Peugeot-Citröen), na Bahia (Ford), em Goiás (Mitsubishi) rém o percentual de fabricantes situados em outros es-
e em São Paulo (General Motors, Kia, Honda e Toyota), tados cresceu de 10,7%, em 1993, para 22,7%, em 2003,
conforme negociações, caso a caso. A escolha de tais bem como no interior de São Paulo, de 18,1% (em 1993)
regiões decorreria, resumidamente, dos baixos níveis para 23,8% (em 2003) (SINDIPEÇAS, 2004). O total de
salariais e de combatividade sindical vis-à-vis, no ABC investimentos das montadoras e das empresas de
paulista, da oferta de infra-estrutura urbana satisfatória autopeças atingiu mais de US$ 18 bilhões, no período de
e, especialmente, dos incentivos fiscais oferecidos por 1996 a 2001 (ANFAVEA, 2004; SINDIPEÇAS, 2004).
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rios inferiores aos do ABC Paulista; e e) novas pau- ticos. Importa saber como se configura a experiên-
tas e desafios para os sindicatos (diversidade de cia de Gravataí e seus reflexos nas empresas lo-
interesses entre trabalhadores de montadoras e de cais, considerando-se, para tanto, o desempenho
fornecedores, ritmo de trabalho, participação em da montadora, das instituições locais e dos recur-
questões sobre o processo produtivo, mobilização sos e estratégias das empresas locais.
de jovens metalúrgicos).
Além da desconcentração da produção e do
emprego e da maior concorrência (novos competi- O PÓLO DE GRAVATAÍ
dores, abertura de mercado) no setor automobilís-
tico e no de autopeças no Brasil, o processo de O novo pólo automobilístico de Gravataí
globalização parece refletir-se em elevação da pro- iniciou suas operações no mês de julho de 2000.
dução e da produtividade e em queda do nível O investimento de US$ 600 milhões (US$ 350
global de emprego no país. A nova geração de plan- milhões da GMB e US$ 250 milhões das 17
tas, que já nascem flexíveis e enxutas, bem como a “sistemistas” que acompanharam a montadora)
reestruturação das montadoras existentes vieram contou com significativa contrapartida do governo
a ampliar a produtividade do trabalho: em 1995, estadual e da prefeitura municipal, no contexto de
cada empregado respondia, em média, pela pro- “guerra fiscal”.6 A planta de Gravataí é considera-
dução de 15 autoveículos; em 2003, pela produ- da a mais moderna da corporação em âmbito mun-
ção de 23 autoveículos. Nesse caso, o crescimento dial7: 80% das vendas são realizadas via internet;
da produção nacional de 1,6 milhão de a robotização é 40% superior à planta de São Cae-
autoveículos, em 1995, para 1,8 milhão, em 2003 tano do Sul; a produtividade é de cerca de 100
(12% no período), não foi suficiente para evitar a veículos/ empregado/ ano (seria o dobro de outras
queda do nível de emprego nas montadoras (de unidades recém instaladas no Brasil); e uso do
104 mil empregos, em 1995, para 79 mil, em 2003, conceito de condomínio industrial. Há cerca de
retração de 24%) (ANFAVEA, 2004). A elevação 3.500 empregados no condomínio (1.500 na
do nível de emprego dependeria da expansão do montadora e 2.000 nas sistemistas). Trata-se de
mercado interno e da competitividade externa, com produção em grande escala de um modelo de bai-
o aumento das exportações. xo custo,8 que vem em ascensão no mercado e tem
Portanto, o processo de globalização do se- sido exportado: em 2000, foram produzidas 24.007
tor automobilístico tende a estimular a unidades;9 em 2001, 91.407 unidades; em 2002,
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Os dados acima sugerem que a montadora qualidade e eventuais ajustes na linha de produ-
aproxima-se, nos termos de Boyer e Freyssenet ção dos fornecedores, em tempo real.
(2001), de uma estratégia competitiva de volume e O condomínio industrial envolve uma rede
diversidade (modelo de baixo custo, grande escala de prestadores de serviços auxiliares, que atuam
de produção, comercialização nos mercados inter- internamente (alimentação, logística, jardinagem,
no e externo). Esse tipo de estratégia requer ampla vigilância, manutenção, obras civis, entre outros),
flexibilidade e forte redução de custos no proces- e de fornecedores de autopeças, de insumos e de
so produtivo. Daí as pressões da montadora sobre matéria-prima para a GMB e para as sistemistas,
fornecedores – mediante a redução de fornecedo- que constituem um segundo e um terceiro nível
res diretos no âmbito do condomínio industrial – de fornecimento na cadeia produtiva. Para integra-
e sobre trabalhadores – mediante a ênfase na rem-se ao complexo industrial, as empresas locais
automação.10 Isso se reflete, por um lado, na im- precisam ajustar-se aos padrões globais requeri-
posição de intenso ritmo de trabalho na fábrica e, dos pela montadora.
por outro, em significativo investimento em trei- O Contrato Coletivo de Trabalho foi negoci-
namento dos recursos humanos.11 ado conjuntamente entre a GMB e sistemistas e o
O processo produtivo inicia-se com a inser- sindicato local. Ele prevê diferentes condições de
ção de um pedido no sistema integrado de infor- emprego e de trabalho na montadora e nas
mações quando da venda de um veículo, sistemistas. As empresas fornecedoras locais pac-
estruturando-se, pois, a partir da demanda. Se- tuam, à parte, uma Convenção Coletiva de Traba-
guindo referências competitivas e produtivas glo- lho, o que indica a descentralização dos processos
bais (custo, qualidade, escala, entrega), a montadora de negociação das condições e das relações de tra-
recebe sistemas do veículo, pré-montados pelos balho. Cabe referir ainda o fato de que, conforme
fornecedores. A forma de condomínio industrial lideranças sindicais, as práticas de negociação da
facilita a integração da produção (controle de qua- GMB com sindicatos são diferentes das práticas
lidade, redução de custos operacionais e forneci- das empresas locais. A GMB negociaria a partir de
mento just-in-time) e implica uma estratégia de indicadores técnicos (índices de inflação, taxas de
divisão de custos, de investimentos e de riscos produtividade, faturamento, perspectivas de mer-
entre empresas “parceiras”. O condomínio indus- cado), enquanto as empresas locais negariam a
trial atingiu redução de 60% no número de forne- própria representatividade sindical, requerendo
cedores diretos e de 50% na aquisição de peças maleabilidade nas estratégias sindicais que preci-
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avulsas, comparativamente às plantas convencio- sam manejar com diferentes pautas e interesses
nais. A logística compartilhada permite a redução dos trabalhadores e com distintas formas de nego-
de estoques para 90 minutos, contra cerca de meia ciação e barganha.12
semana nas unidades convencionais. Ademais, o Portanto, o processo produtivo apresenta
fato de os fornecedores ficarem próximos da linha integração entre montadora e fornecedores, reque-
de montagem favorece a constante verificação de 12
O sindicato local vem experimentando expansão da base
de trabalhadores e dos sócios (respectivamente, 62% e
40%, no período de 1999 a 2003). Verificam-se reajustes
salariais acima dos índices de inflação e ganhos na parti-
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A General Motors vem-se caracterizando, também nos cipação nos resultados, bem como alguma capacidade de
Estados Unidos, por plantas intensivas em capital e em mobilização dos trabalhadores (pequenas greves e para-
robotização, amplamente flexíveis e “enxutas” lisações frente a desacordos sobre participação nos re-
(Rubinstein; Kochan, 2001; Sallaz, 2004). sultados e banco de horas, entre outros temas). No en-
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Os funcionários recém contratados pela GMB recebem tanto, o sindicato local mostra-se, até o momento, inca-
450h iniciais de treinamento, mais um período de apren- paz de discutir questões relativas ao processo produtivo
dizagem informal na fábrica. Cada funcionário recebeu, (como ritmo de trabalho, treinamento, participação dos
em média, 800h de treinamento, até 2004. O investi- trabalhadores, disciplina fabril). Ademais, há uma in-
mento em qualificação de pessoal totalizou R$ 4,4 mi- tensa disputa entre o sindicato local e o sindicato
lhões, no período de 2000 a 2003, representando gasto metalúrgico de Porto Alegre pela representação da base
de cerca de R$ 1 mil/ trabalhador/ ano – considerando-se de Gravataí, o que enfraquece a ação sindical. Para maio-
o emprego de 1.500 trabalhadores na fábrica. res informações, ver Ruduit-Garcia (2004).
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rendo desses últimos a capacidade de operar com vergências, a análise de tais mudanças revela que
base em referências competitivas e produtivas glo- as empresas acham-se em diferentes etapas de
bais (escala, custos, qualidade, entrega). No entan- reestruturação e de flexibilização das relações de
to, os sistemas de gestão da produção e as políti- trabalho e emprego, indicando que aqueles pro-
cas de recursos humanos são independentes entre cessos são bastante complexos e diversificados. A
as empresas, o que contribui para a diversidade nova dinâmica nas empresas locais decorre de fa-
dos sistemas de trabalho e de relações de emprego tores como tipos de relações de fornecimento (coo-
no contexto dos novos pólos automobilísticos. peração e parceria; conflito e subordinação), capa-
cidade das instituições locais (ativas, passivas ou
indiferentes) e recursos e estratégias dos agentes
REFLEXOS NAS EMPRESAS LOCAIS sociais implicados (tipo de produto, capital, aces-
so a mercados).
Conforme informantes da montadora, o Entre as convergências, observa-se, como
número de fornecedores gaúchos (peças, insumos, mostra a Tabela 3, importante expansão do
serviços) conectados aos diferentes segmentos da faturamento e da produtividade nas empresas lo-
cadeia produtiva passou de 69 empresas, no ano cais. A integração ao novo pólo automobilístico de
de 2000, para 462 empresas, em 2003, e para 486 Gravataí exigiu das empresas locais a ampliação
empresas, em 2004, apresentando tendência de da escala de produção, margens de lucro aperta-
substituição gradativa de fornecedores de outros das, forte controle e padronização da qualidade
estados por empresas locais. Por outro lado, a par- dos produtos fornecidos e agregação de valor ao
ticipação dos fornecedores locais no Complexo é, produto, com a fabricação de sistemas em lugar de
ainda, relativamente baixa: 28%, em 2004. Existe, peças isoladas. Nesse caso, como se pode verificar
pois, amplo espaço para a inserção de fornecedo- no Quadro 1, outra notável convergência entre os
res locais na cadeia, desde que sejam capacitados, casos pesquisados seria a propensão à realização
tendo em vista as referências produtivas e compe- de novos investimentos em expansão das plantas
titivas globais requeridas pela montadora.13 e na aquisição e ajuste de novas tecnologias, ao
A apreciação da presença da GMB em desenvolvimento de novos produtos de maior va-
Gravataí, expressão do movimento de globalização, lor agregado e à promoção de processos de
mostra que ela vem estimulando não apenas a ex- reestruturação técnico-organizacional e de
pansão dos negócios, como também mudanças no flexibilização das relações de trabalho, as quais se
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Tabela 3 - Evolu ção d o fatu ramento, d o emp rego e d o fatu ramento p or emp regad o nas emp resas investigad as -
1999-2003
Fatu ramento Fatu ramento/ emp regad o
E m p rego
(R$1.000,00) (R$ 1.000,00)
1999 2003 1999 2003 1999 2003
Empresa A 192.000 400.000 1100 1500 174 267
Empresa B 88.000 163.000 800 614 110 265
Empresa C NI* NI* 20 50 NI* NI*
Empresa D 23.000 74.000 400 370 57 200
Empresa E 4.000 10.000 80 107 50 93
Empresa F 15.000 21.000 210 300 71 70
Empresa G 20 50 4 4 5 12
Fonte: Pesquisa empírica, Região Metropolitana de Porto Alegre, 2003 e 2004. * Não Informado.
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ção da qualidade dos produtos, ampliação das es- investigadas e suas estratégias de utilização (capi-
calas de produção), em detrimento de estratégias tal, tecnologia, tipo de produto, inserção no mer-
cooperativas ou de parceria com as empresas lo- cado global) condicionam não apenas o nível de
cais. As empresas locais tendem a integrar o com- fornecimento na cadeia produtiva, como também
plexo industrial mediante laços mais próximos da as etapas dos processos de reestruturação e
idéia de subordinação, fornecendo partes de me- flexibilização, bem como as formas de tais proces-
nor significado no produto final, embora algumas sos. Em contexto de ausência de cooperação e de
forneçam produtos de alta tecnologia e valor agre- programas de capacitação de fornecedores pela
gado. Constata-se, pois, relativamente às empre- montadora (estratégia competitiva de volume e de
sas locais pesquisadas, que a montadora, apoiada redução de custos e relações de subordinação com
naquelas relações, desenvolve papel de referência fornecedores locais) e de instituições locais incli-
no que se refere aos padrões de custos, de quali- nadas à passividade (iniciativas genéricas e seleti-
dade, de prazos de entrega e de escala de produ- vas, foco na atração de grandes empreendimen-
ção, deixando de desenvolver programas de tos), as empresas locais tendem a ajustar-se às re-
capacitação tecnológica e organizacional. ferências competitivas e produtivas globais trazidas
Qual seria o papel das instituições locais? pela montadora com os seus próprios recursos, o
Inclina-se para a passividade no que concerne à que limita as chances de ingresso nos elos mais
reestruturação das empresas locais, contrastando nobres da cadeia produtiva, marcada pela diversi-
com o caráter ativo e decisivo na atração da dade no que se refere ao processo produtivo e às
montadora, especialmente, no que se refere à esfe- relações de trabalho. Parece que quanto maior o
ra governamental (com política de industrializa- nível de recursos e de acesso às instituições lo-
ção, apoiada em renúncia fiscal). Os instrumentos cais, maior seria a propensão dos trabalhadores de
governamentais aplicados ao setor metal-mecâni- obter vantagens nos processos de mudança ou ajus-
co local e ao de autopeças, em particular, limitam- te nas empresas locais. Por outro lado, se as em-
se à oferta de linhas de crédito de caráter genérico. presas dispõem de menor nível de recursos e de
Inexistem políticas para a constituição de redes, acesso às instituições locais, os processos de mu-
para o fomento à inovação, para a capacitação dança ou ajuste tendem a ser mais desfavoráveis
tecnológica, para a parceria com instituições de aos trabalhadores.
ensino e pesquisa. As associações empresariais Em resumo, para além das convergências,
locais voltam-se para as empresas de maior porte, tais como expansão dos negócios, investimentos,
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plo, novos empregos e oportunidades de treina- padroniza expansão do emprego e da atividade pro-
mento e de escolarização, que convivem com a dutiva local, reestruturação de fornecedores locais
aplicação de estratégias de segmentação das políti- e mudanças na ação sindical. No entanto, no caso
cas de gestão da mão-de-obra (trabalho temporário, de Gravataí, há particularidades que merecem des-
terceirização, remuneração variável, políticas taque. Trata-se de unidade fabril intensiva em ca-
focadas em setores ou equipes específicas de tra- pital, de elevada escala de produção, com alto grau
balhadores mais qualificados). de automação e de uso de tecnologias da informa-
ção, o que se reflete no alto grau de produtividade
da planta – hoje a mais elevada da corporação em
CONSIDERAÇÕES FINAIS todo o mundo – e em significativo investimento
em treinamento da mão-de-obra. A adoção da for-
Como atesta o caso em discussão, o proces- ma de condomínio industrial, conjugada com a
so de globalização, ou de difusão de referências produtividade alcançada na planta, implica a gera-
competitivas e produtivas globais, tende a produ- ção de relativamente poucos empregos diretos (con-
zir diferentes implicações sociais para as quais con- siderando-se o capital investido), mas vem trans-
correm, entre outros aspectos, a estratégia compe- ferindo para os fornecedores partes mais comple-
titiva da montadora, o papel das instituições lo- xas do produto, com maior valor agregado e com
cais, os recursos próprios e as estratégias das em- maior escala de produção. Ademais, uma das mar-
presas locais (capital, tecnologia, tipo de produto, cas do caso em estudo, como já mencionado, é a
acesso a mercados). Trata-se de mudanças marcadas diversidade de configuração dos sistemas de tra-
pela diversidade e pela contingência, que desfa- balho e de relações de emprego, a despeito da
zem homogeneidades e determinações. integração produtiva entre as empresas, o que re-
Os que afirmam a existência de uma abstra- quer mudança de estratégias dos atores sociais (sin-
ta “lógica do capital” contribuem para evidenciar dicatos, governos, associações empresariais, elites
contradições do processo de globalização, porém, políticas e empresariais).
deixam de captar certas mudanças sociais em cur- Em resumo, poder-se-ia concluir que a ins-
so, ao menosprezar a importância para o resultado talação da unidade montadora da GMB produziu
dos recursos e estratégias dos atores sociais. Ade- impactos positivos, como utilização de tecnologias
mais, pode-se obtemperar que certos aspectos ne- da informação e propensão ao uso pelos fornece-
gativos atribuídos à globalização devem-se, antes, dores de novas tecnologias na produção de partes
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TRABALHO EM CENÁRIO DE GLOBALIZAÇÃO: o pólo automobilístico de Gravataí e implicações sociais em empresas locais
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