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As normas como bem público e privado: reflexões


nas fronteiras do enfoque “ativos, vulnerabilidade e
estrutura de oportunidades” (Aveo)
Ruben Kaztman
Fernando Filgueira

À memória de Carlos Filgueira

Introdução

A profundidade dos processos de transformação dos modelos de acu-


mulação e desenvolvimento em que está imersa a região está afetando o
acesso estável das pessoas às fontes de bem-estar, alimentando com isso o
crescimento do “mal-estar social” com a globalização. Entre os fatores que
afetam esta estabilidade, podem-se citar: a abertura das fronteiras comerciais,
o maior impacto dos shocks externos sobre as economias latino-americanas, o
processo de “desindustrialização” e de incorporação acelerada de novas tecno-
logias, uma crescente desvinculação do salário com relação às instituições de
proteção social relacionadas a um aumento do emprego informal, ao ajuste
fiscal do Estado e a seus impactos sobre o emprego e as políticas sociais.
Esta breve lista de causas do “mal-estar latino-americano” com a glo-
balização goza de amplo consenso, foi trabalhada intensamente pela literatura
especializada e apóia-se em uma multiplicidade de indicadores que permitem
constatar sua relevância e vincular seus efeitos às vicissitudes da desigualdade
e da vulnerabilidade, à pobreza e à exclusão social.
Estes processos são também de natureza “rápida” em seus desen-
volvimentos e em seus impactos. Pierson (2005) chama a atenção sobre
dois aspectos das ciências sociais, na atualidade. Por um lado, uma ênfase
excessiva sobre o visível, o mensurável e os encadeamentos causais que
se manifestam em períodos relativamente curtos. Por outro, uma escassa
consideração de processos importantes, que, no entanto, pela lentidão de
suas dinâmicas, não se prestam a ser detectados pelo radar um tanto míope
de uma ciência cada vez mais compelida a dar explicações apressadas sobre
fenômenos rápidos e visíveis a olho nu. A queda dos impostos ao comércio
exterior, os shocks externos, as revoluções tecnológicas e, ainda que em
menor escala, o desaparecimento rápido da massa de emprego formal que
caracterizava as nações mais avançadas do mundo em desenvolvimento,
conservam não só o atrativo de sua relevância imediata como também uma
vinculação bastante fácil com os “resultados” sociais e econômicos. Não há
dúvida de que, embora muitos destes fatos se processem discretamente
ao longo do tempo, são processos cujos efeitos ampliam-se para além do
horizonte. Mas estes efeitos ampliados tendem a receber menos atenção do
que aqueles em curto e médio prazos.
A razão pela qual outros processos − que acreditamos ser essenciais para
entendermos o presente e projetarmos o futuro social das nações da região
− não recebem uma atenção privilegiada é bastante variada. Parte se deve à
mesma lentidão com a qual se desdobram e mostram-se em toda a plenitude;
parte à ausência de uma bagagem teórica que os vincule a resultados, parte à
carência de categorias conceituais que os tipifiquem e de medidas operativas
adequadas que permitam o registro padronizado de sua natureza e, muito
especialmente, de suas mudanças. Uma outra parte ainda desta desatenção
parcial deve-se à fossilização disciplinar de objetos que, anteriormente, ti-
nham sido submetidos a processos de fertilização transdisciplinar, nas quais
as reflexões sociológicas haviam desempenhado um papel central.
Acreditamos que hoje, na América Latina, existam pelo menos duas
vertentes de investigação subtilizadas no debate sobre o desenvolvimento, em
particular sobre o desenvolvimento social, cuja relativa obscuridade responde a
uma combinação dos fatores mencionados anteriormente. Pertencem à área da
família e à área dos estudos de migração e, no interior desta, em particular, à
área de estudos urbanos. Exilados durante um tempo excessivamente longo, a
demografia, no caso dos estudos sobre a urbanização e cidades, delimitados em
prol da análise microssocial ou eliminados pelo debate ideológico, no caso da
família, estes espaços de estudo têm sido subutilizados também pela ausência
de um paradigma de desenvolvimento social que lhes conceda uma posição
articulada no debate e na investigação acadêmica. Apenas recentemente,
a economia começa a compreender a importância dessas mudanças para a
questão do desenvolvimento. A ciência política ainda permanece alheia nos
que lhes diz respeito, enquanto, talvez, a demografia e a sociologia sejam as

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que mais tenham insistido em sua importância, embora o que se tem escrito
sobre essas mudanças raras vezes ocupe as vitrines da novidade acadêmica,
ou a agenda das políticas públicas.
Esta negligência amenizou-se, nos últimos tempos, com o aparecimento
de um conceito que se destaca na vitrine das ciências sociais: a idéia, ou a
noção do capital social. Esta noção, não importa qual seja sua formulação, exige
a compreensão dos sistemas normativos que operam unidades agregadas, bem
como de suas relações e interações sociais que caracterizam as mencionadas
unidades agregadas. A cidade, o bairro e a família são unidades coletivas
por excelência. As cidades, enquanto unidade de cooperação e diferenciação
econômica e política; os bairros, como espaço de socialização, no sentido
de pertencimento e de intercâmbio comunitário; e as famílias, como último
reduto das formas não mercantilizadas de cooperação e conflitos. Estes são
os “úteros” do capital social. Se eles mudam, muda a distribuição e o acesso
ao mencionado capital, com efeitos que se constatam de forma crescente na
distribuição e no acesso posterior que o citado capital viabiliza para outras for-
mas mais “individuais” de capital: o humano e o físico. Mas, se o capital social
pretende ser algo mais do que um modismo, deve também ter o cuidado de
não cair nas três armadilhas muito comuns das ciências sociais. Em primeiro
lugar, não deve ser uma categoria residual nos modelos explicativos (isto é,
o que não explica o capital físico e o humano, explica o capital social). Em
segundo lugar, não pode ser imperialista (isto é, o capital social renomeia os
outros capitais e oferece uma simplificação reducionista). Em terceiro lugar,
deve evitar o pior dos males: ser um conceito sem indicador.
Para evitar os conhecidos potenciais de giro inférteis, o capital social
deve estar ancorado e articulado em teoria mais abrangente do que a de lugar,
sentido e demarcações de alcance. Para fazer isso, deve, necessariamente,
demonstrar sua capacidade de operar no registro das teorias de alcance
médio, aquelas que se caracterizam pela capacidade taxonômica e heurística
não totalizante, mas analítica e empiricamente referenciada. A cidade, o
bairro e a família são bons terrenos empíricos para se traçar um percurso
cuja rota contemple o longo prazo como matéria de investigação de proces-
sos e resultados. Além disso, deve existir uma teoria articulada que permita
vincular esta forma de capital, não apenas a seus referenciais empíricos, que
lhe dão sustento e utilidade, como também às outras categorias e conceitos
que lhe dêem sentido em um sistema causal e classificatório interconectado.
As páginas a seguir apresentam o enfoque que temos denominado ativos,
vulnerabilidade e estrutura de oportunidades. O capital social aí se encontra,
contribuindo para construir o que é, definitivamente, o intuito de avançar
em uma “teoria de alcance médio” sobre alguns aspectos da estrutura e da
estratificação social.

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O paradigma Aveo

Desde 1997, primeiramente no escritório da Cepal de Montevidéu e,


depois, a partir do programa de investigação sobre a pobreza, exclusão e
integração social (Ipes) da Universidade Católica do Uruguai, vimos desenvol-
vendo um parâmetro conceitual com o propósito de compreedermos melhor
até onde vão as estruturas sociais das cidades da região. Particularmente,
interessava-nos saber se estávamos nos aproximando ou nos afastando do
ideal das sociedades integradas sobre bases igualitárias (FILGUEIRA, 1998;
KAZTMAN, 1999; KAZTMAN et. al., 1998).1
As primeiras indagações confirmam nossas suspeitas iniciais. Coincidente
com muitas outras interpretações sobre as conseqüências de novas modali-
dades de acumulação, assim como as mudanças nos padrões demográficos
e no papel do Estado, nossa impressão é que estamos nos afastando deste
ideal de integração sobre bases de equidade e nos encontramos, na realidade,
diante de um processo de endurecimento das estruturas sociais urbanas.
Acreditamos que isto responde a três processos interconectados: segregação
urbana, transformação familiar e destruição de vínculos dos setores populares
urbanos com o mercado de trabalho.
Os setores mais afetados pelo endurecimento das estruturas sociais
urbanas são os trabalhadores de baixa qualificação relativa e suas famílias.
Enfrentam crescentes dificuldades para integrar-se aos principais circuitos
econômicos e sociais, nas sociedades em que vivem. Em todos os casos, estas
dificuldades significam uma piora relativa das condições de vida desses tra-
balhadores. Em alguns casos, significam também uma piora absoluta, que se
expressa por um aumento da proporção de domicílios que caem na pobreza,
ou que não conseguem sair dela, ou que experimentam situações de exclusão
social. Em outras palavras, encontramo-nos ante um bloqueio progressivo
das cotas de mobilidade ascendente para as pessoas de baixa qualificação, as
quais não conseguem aproveitar as oportunidades que, atualmente, o mercado
oferece, concernentes a postos de trabalhos estáveis, protegidos e suficiente-
mente remunerados. A nosso ver, esta defasagem é a fonte mais importante
de vulnerabilidade ante a pobreza e a exclusão social, ao menos para um
número crescente de trabalhadores dos extratos populares urbanos.
O parâmetro conceitual que estamos elaborando procura explicar os
diferenciais de vulnerabilidade ante a pobreza e a exclusão social de distintas
categorias de domicílios urbanos. Isto se faz de uma perspectiva que privile-

1
Juntamente com Carlos Filgueira, a quem dedicamos este artigo, os primeiros trabalhos foram
produzidos desenvolvendo esse paradigma. Em particular, deve-se ressaltar o trabalho pioneiro de
Carlos Filgueira, “Welfare and citizenship: old and new vulnerabilities”, in Tokman, V. e O’Donnell
G., Poverty and inequality in Latin América: issues and new challenges. University of Notre Dames
Press, 1998.

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gia, como fator explicativo, por um lado, o grau de ajuste entre os ativos que
podem mobilizar os domicílios e, por outro, os requisitos de acesso às fontes
de renovação e acumulação dos ativos necessários para participar plenamente
da sociedade. Ao conjunto destas fontes de ativos chamamos estrutura de
oportunidades. Quando os recursos dos domicílios são insuficientes para
aproveitar oportunidades de acesso ao bem-estar, falamos de vulnerabilidade
ante a pobreza e/ou ante a exclusão social. As transformações ocorridas nas
famílias e nos processos habitacionais urbanos nos quais nos concentraremos
na terceira parte deste documento, encontram-se na base deste bloqueio,
tanto intra como intergerações.
Qual é o uso que estamos dando ao termo “vulnerabilidade”, neste con-
texto? Em geral, quando se aplica às pessoas ou aos grupos, ele denota uma
escassa capacidade para resolver situações de risco ou situações adversas.
Neste sentido, tem sido usado freqüentemente como sinônimo de pobreza,
mas respondendo mais à ressonância semântica que o termo desperta no
bom senso do que a uma definição apoiada em outros conceitos e a eles
articulada, como a que tentamos propor. Em nosso caso, chamamos de vul-
nerabilidade ante a pobreza ou a exclusão social às situações que surgem
quando as configurações de recursos que controlam e podem movimentar os
domicílios não são suficientes para aproveitar as estruturas de oportunidade
de acesso ao bem-estar.
Esse conceito de vulnerabilidade social é fruto da acumulação de inú-
meras contribuições. Para resumir as referências mais próximas do nosso
interesse, citamos os trabalhos de Caroline Moser para o Banco Mundial, que
foram decisivos. Seus estudos levaram-na à construção do asset vulnerability
approach, marco analítico que lhe permitiu observar e analisar as estratégias
que os domicílios pobres desenvolveram para enfrentar situações de crise.
Com base nesse marco, Moser buscava saber como se adquirem os ativos
dos domicílios, como se acumulam, protegem, consomem, como se invertem
e se articulam uns aos outros. É importante enfatizar a convicção de Moser
de que o conhecimento destes processos é imprescindível para evitar que as
intervenções favoráveis aos pobres entrem em conluio com os mecanismos
que operam naturalmente no seio da trama social. O que ela propõe é que
as políticas sociais facilitem e potencializem os encadeamentos positivos en-
tre ativos que já fazem parte das estratégias dos domicílios para enfrentar
situações de adversidade. De seu ponto de vista, as intervenções poderão
converter-se em poderosos instrumentos de política social na medida em que
partam do reconhecimento de que a sustentabilidade do bem-estar tem a ver
com o fortalecimento das estratégias que já fazem parte das capacidades
autônomas dos domicílios para melhorar suas condições de vida (MOSER,
1996; 1997).

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Nossa contribuição à proposta de Moser foi vincular a existência de ativos
nos domicílios e sua capacidade para movimentá-los às lógicas de produção e
distribuição de ativos em cada sociedade. Reconhecemos o passo fundamental
dado por Moser, ao abrir a caixa-preta dos domicílios e perguntar-se a respeito
dos recursos e das estratégias que utilizam para mobilizá-los diante das crises
e adversidades. O que propusemos em nosso enfoque é ampliar a pergunta,
interrogando-nos sobre como construir sociedades que minimizem a ocorrência
dessas situações de risco, para que estas afetem o menor número possível
de pessoas e de famílias. Para responder a esta questão, devemos entender
as lógicas de produção e distribuição desses ativos em distintas sociedades,
isto é, perguntar pela natureza e pela dinâmica das estruturas de oportuni-
dades que controlam as ordens institucionais básicas da sociedade, isto é, o
mercado, o Estado e a comunidade. Dentro da comunidade, encontram-se os
espaços privilegiados de análises: a cidade e seus bairros. Naturalmente, ao
nos referirmos às crianças, pressupomos a família como sua fonte imediata
de bem-estar, de fato, como sua estrutura de oportunidades por antonomásia.
Como veremos, as estruturas de oportunidades diferenciam-se da noção de
ativos, porque não são modificadas pela ação isolada dos indivíduos. Por isso,
a família, enquanto unidade concreta, não seria parte da estrutura de opor-
tunidades. Mas, no caso das crianças, sem dúvida, a família constitui algo que
elas raramente controlam e, por sua vez, provê boa parte dos bens e serviços
que definem os riscos, as oportunidades e o bem-estar delas.

O que entendemos por estrutura de oportunidades

As estruturas de oportunidades definem-se em termos de oportunidades


de acesso a bens, serviços ou atividades que incidem sobre o bem-estar dos
domicílios, seja porque os fazem usar seus próprios recursos mais facilmente,
seja porque lhes possibilitam outros, úteis para que integrem a sociedade por
meio dos canais existentes. A chave para distinguir a fonte dos ativos dos
ativos propriamente ditos é a noção de controle ou comando. As fontes mais
importantes não podem ser transformadas ou afetadas pela ação individual
das pessoas. Ao contrário, essas fontes constituem estruturas de oportuni-
dades para o acesso aos ativos. Os indivíduos podem utilizar ou não essas
oportunidades, dadas suas preferências e capacidades, mas não as podem
modificar individualmente (embora possam se organizar para modificá-las,
como quando os vizinhos demandam coletivamente a instalação de escolas
ou policlínicas em um bairro).
O termo “estrutura de oportunidades” indica que as rotas do bem-estar
estão estreitamente vinculadas entre si, de modo que o acesso a determinados
bens, serviços e oportunidades provê recursos que facilitam o acesso a outras
oportunidades. Como a capacidade de geração de rendimentos é o recurso

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mais importante para o bem-estar dos domicílios, os ativos mais valorizados
pelas pessoas são aqueles que tornam possível o acesso a empregos de boa
qualidade. De fato, a seqüência no acesso a distintas fontes de ativos tende a
organizar-se de modo a maximizar a probabilidade dos membros do domicílio
a se ligarem às atividades cujos produtos são valorizados pelo mercado. Por
isso, devem estar atentos às mudanças nas qualificações e habilidades reque-
ridas pela estrutura produtiva. Para muitos pais, a crescente visibilidade da
estratificação dos circuitos que conduzem ao bem-estar implica, por exemplo,
uma pressão cada vez mais precoce por tomar decisões que assegurem a
colocação de seus filhos em “linhas de montagem” corretas, o que, às vezes,
pode afetar opções tão distantes do mercado como a escolha do jardim-de-
infância para o qual irão.
As funções das estruturas de oportunidades podem ser classificadas
em dois grandes grupos: as que provêm novos ativos ou regeneram aqueles
esgotados e as que facilitam um uso mais eficiente dos recursos já disponíveis
nos domicílios. Um exemplo da primeira categoria de funções é a provisão de
oportunidades de educação e saúde gratuitas pelo Estado. Um exemplo da
segunda categoria de funções é a provisão de serviços de creches, porque a
utilização desses serviços libera recursos humanos do domicílio que podem
ser investidos em atividades geradoras de renda. Resultados similares são
produzidos quando, por exemplo, melhora-se a infra-estrutura viária de uma
localidade, a infra-estrutura de subsistência (gás, água potável, eletricidade,
telefones etc), ou a rede de transportes. Tudo isso incide diretamente nos
domicílios, elevando o bem-estar, e também indiretamente, ao criar condições
favoráveis tanto para um aumento da disponibilidade de sua força de trabalho
como para sua utilização mais eficiente.
Existem formas menos visíveis, mas igualmente importantes, por meio
das quais o Estado e as instituições da sociedade civil facilitam o uso dos
recursos do domicílio. Uma delas é o fortalecimento do capital social comuni-
tário e/ou a provisão adequada de serviços de segurança pública. De fato, as
intervenções que reforçam o tecido social comunitário construindo confiança
entre vizinhos, assim como a presença efetiva, nos bairros, de representan-
tes da lei que inspiram confiança no que se refere à implementação dessas
intervenções, evitam que esses domicílios despendam tempo para proteger
seus bens ou a integridade física das crianças, tempo este que pode, então,
ser destinado a gerar renda, contribuindo diretamente para a melhoria das
condições de vida da família.
As estruturas de oportunidades mais importantes para o acesso aos ativos
são as que surgem do funcionamento do Estado, do mercado e da comunidade.
Cada uma destas ordens institucionais oferece oportunidades de acesso aos
recursos, às facilidades e à proteção que, em cada lugar ou momento histórico,

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são consideradas necessárias para que se participe ativamente da vida em
sociedade. Além disso, cada uma das ordens institucionais também contribui
para a eficácia com que se entrelaçam as cadeias de oportunidades ao bem-
estar. Em seguida, caracterizaremos brevemente o que significam essas três
ordens institucionais básicas em termos de estruturas de oportunidades.

O mercado

Em nossas sociedades, o mercado de trabalho é a esfera principal para


a geração, apropriação e utilização de ativos. Suas dimensões básicas são o
emprego, o rendimento, o consumo e a poupança. O emprego, sua distribuição,
sua retribuição e sua estabilidade variam na história e na geografia dos países,
afetando de forma determinante a sorte dos setores populares e limitando ou
expandindo o repertório de suas estratégias para gerar rendimentos.
As análises das transformações do mercado de trabalho têm uma larga
tradição em países da região. Grande parte dessa tradição consolidou-se
através dos estudos sobre a natureza e conseqüências do funcionamento dos
modelos de “substituição de importações”. Tanto o crescimento econômico
como as transformações produtivas geradas pela expansão industrial e pelo
crescimento do aparato estatal, durante este período, forneceram uma ampla
gama de experiências propícias para a análise dessas oportunidades. Quando
ocorreu o colapso dos modelos de substituição de importações e emergiram
as novas modalidades de crescimento associadas à globalização, o arsenal
de conceitos e de metodologias que resultou daqueles estudos ajudou a fazer
uma rápida caracterização da natureza do novo modelo e de suas conseqüên-
cias sobre o mercado de trabalho. A este respeito, pode-se observar, por um
lado, que, à medida que se consolidava sua vigência, tornava-se mais clara
a primazia das estruturas de oportunidades assentadas no mercado sobre
as que dependiam das outras ordens institucionais básicas. O Estado, como
empregador, retraiu-se na maioria dos países, o que, dentre outras coisas,
reduziu as margens de manobra para o clientelismo político. Por sua vez, a
crescente presença do grande capital nas economias locais reduziu os espaços
das pequenas empresas e para a obtenção de empregos através de relações
primárias.
Por outro lado, embora ainda haja quem sustente que, em longo prazo, o
crescimento econômico associado à aceleração da transformação tecnológica,
à abertura das economias ou à reconversão produtiva irá produzir uma am-
pliação importante das oportunidades oriundas deste mercado, conhecida por
trickle down, o fato é que alguns dos fenômenos que acompanharam esses
processos nos países da região − como a maior exposição às crises econômicas
de origem externa, a redução do emprego público e do emprego industrial, a
eliminação de determinadas ocupações e qualificações pelas mudanças técni-

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cas − parecem estar causando, ao menos neste momento, o efeito contrário.
De fato, o que se observa é uma redução de oportunidades que se traduz em
uma drástica elevação dos patamares do desemprego estrutural, uma forte
expansão de formas contratuais não protegidas de curto prazo, maior insta-
bilidade nos empregos, enfraquecimento das estruturas sindicais e retração
do Estado como garantidor dos direitos trabalhistas.
As oportunidades de emprego que permitem que as pessoas incorpo-
rem-se aos circuitos sociais e econômicos principais concentram-se, hoje em
dia, em torno das atividades globalizadas e com alta densidade tecnológica. A
conseqüente elevação dos patamares de habilidades cognitivas e as destrezas
sociais que dão acesso ao que a OIT chama de “emprego decente” implicam
forte estreitamento da estrutura de oportunidades do mercado de trabalho
para os trabalhadores de menor qualificação. Este setor da população vê
debilitados seus vínculos com o mercado, crescendo com isso sua incerteza
quanto à efetividade do trabalho como via legítima de progresso pessoal e
como referência medular para a construção de suas identidades pessoais.

O Estado

Com relação ao Estado, apesar da evidente retração em muitas áreas,


suas estruturas de oportunidades continuam sendo as fontes mais significa-
tivas para a acumulação de ativos nos estratos populares urbanos, o que se
manifesta através de múltiplas funções. Entre as mais importantes, pode-se
mencionar a de estruturador ou vinculante, que lhe permite definir as relações
entre as fontes, como quando é exigida a participação formal no mercado de
trabalho para atribuição de benefícios de seguridade social. O mesmo ocorre
quando se exige a assistência escolar das crianças para a provisão de alocações
familiares ou subsídios de vários tipos, ou quando se estabelece um plano de
subsistência para domicílios dentro de canais específicos de renda per capita.
O Estado é também importante como empregador, oferecendo postos de tra-
balho estáveis e com plena cobertura de benefícios. Como provedor direto de
ativos físicos e em recursos humanos, mediante a alocação de subsistência,
da provisão de educação e de saúde pública. Como provedor indireto, facili-
tando o acesso a ativos por meio de crédito para microempresas ou para a
subsistência, ou possibilitando o uso mais eficiente dos recursos dos domicí-
lios, a exemplo das creches. Finalmente, o Estado é importante regulador de
outras fontes de ativos, como é o caso do controle sobre o funcionamento do
mercado em todas as suas formas, controle sobre as relações capital–trabalho,
ao fixar contribuições à seguridade social, sobre o estabelecimento de limites
para a negociação salarial, ou sobre a definição de direitos trabalhistas; mas
também sobre os usos possíveis do solo urbano e dos espaços públicos e do
funcionamento das instituições da sociedade civil.

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Entretanto, o aspecto mais importante do papel regulador que o Estado
exerce, direta ou indiretamente, sobre as estruturas de oportunidades refere-se
a sua capacidade de ajustar a arquitetura do regime de bem-estar da socie-
dade de modo a manter uma conexão razoável com as mutáveis estruturas
de risco. Regimes construídos em torno dos riscos típicos que emergiam em
contextos familiares relativamente estáveis, organizados em torno do sistema
de aporte único, com expectativas de trajetórias trabalhistas estáveis e prote-
gidos no mercado de trabalho, com uma massa de ativos ocupados no setor
formal das economias que garantiam condições de vida dignas aos passivos
e com áreas urbanas relativamente integradas, devem transformar-se para
enfrentar as estruturas de risco que surgem com o colapso das expectativas
prévias em cada uma das esferas de comportamento.

A comunidade e sociedade civil

No plano da sociedade civil, sem exaurir o assunto, queríamos destacar


três tipos de estruturas de oportunidades que funcionam como fontes impor-
tantes de ativos: as redes políticas, as famílias e as redes extrafamiliares na
comunidade.
O clientelismo político foi e continua sendo, em muitas sociedades da
região, uma fonte importante de capital social para os estratos populares
urbanos. Em particular, seu significado como via de acesso a empregos pú-
blicos potencializou-se no período em que a expansão dos serviços urbanos
acompanhou os processos de urbanização e a substituição de importações.
As pressões para racionalizar o gasto fiscal, aumentar a eficácia e a eficiência
do aparato estatal e tornar mais transparente o recrutamento de funcionários
públicos restringiram a margem de manobra dos políticos para oferecer
este tipo de favores. Para alguns setores dos estratos populares urbanos,
isso significou uma redução dos lucros que podiam obter ofertando lealdade
política ou comprometendo seu voto nas eleições, ou investindo seu tempo
em atividades de proselitismo.
As famílias e as redes extrafamiliares, na comunidade, fazem parte do
que Coleman chamou de “instituições primordiais”, desempenhando funções
fundamentais como fontes de proteção e segurança perante riscos e contingên-
cias nos regimes de bem-estar tradicionais. Na medida em que parte destas
proteções e seguranças começaram a ser providas pelo Estado, ou adquiridas
no mercado, a importância relativa das instituições primordiais reduziu-se. Em
muitos países da região, entretanto, o caráter marcadamente estratificado e,
em alguns casos, excludente, das lógicas que regulam a distribuição destes
bens pelo mercado e pelo Estado, direciona as famílias e as redes comunitárias
dos estratos populares urbanos a continuarem operando como fonte principal
de proteção e segurança perante situações adversas (COLEMAN, 1994).

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Para cada etapa do ciclo de vida, existe ao menos uma estrutura de
oportunidades que constitui a fonte dominante na qual procuram-se os ativos
necessários para uma integração adequada à sociedade. É indubitável que a
família exerce esse papel para as crianças, sendo também certo que outras
estruturas, como a vizinhança, o Estado e o mercado, gradativamente, as-
sumem primazia, na medida em que elas crescem como provedores de ativos.
Neste cenário, as condições sob as quais as novas gerações integram-se às
sociedades ficam sujeitas ao grau de articulação que se estabelece entre os
produtos de uma estrutura de oportunidades e os recursos necessários ao
acesso às seguintes. Em geral e com uma intensidade que depende do tipo
de regime de bem-estar prevalecente em cada sociedade, as famílias e as
redes familiares sempre permanecem no fundo deste cenário, operando como
estruturas primordiais de proteção e segurança básicas.
O valor das famílias como fonte de ativos para seus membros, par-
ticularmente os mais jovens e os mais velhos, parece ter sido debilitado por
algumas das mudanças que, habitualmente, associam-se à segunda transição
demográfica, tais como o aumento da monoparentalidade, a instabilidade das
relações conjugais e o incremento das famílias reconstituídas. Em classes mé-
dias e altas, estes supostos efeitos negativos foram parcialmente compensados
pela redução da natalidade, aumento dos níveis de educação, postergação
da idade da primeira gravidez e aumento de rendimentos e experiências de
realização pessoal das mães, cujos níveis de educação associaram-se forte-
mente à elevação de suas taxas de participação trabalhista.
Distinto é o caso dos estratos populares urbanos, nos quais muitas famí-
lias exibem, ao mesmo tempo, aspectos da segunda e da primeira transição
demográfica. Nestes casos, a combinação da ausência ou da instabilidade de
um dos cônjuges com a presença de prole numerosa e de uma maternidade
precoce reduz a capacidade dos pais para atender às necessidades dos filhos,
o que, por sua vez, debilita a aptidão familiar para funcionar como fonte de
ativos dos quais estes necessitam para integrar-se adequadamente a suas
sociedades. Deste modo, o enfraquecimento da capacidade de socialização
das famílias constitui-se em importante elo dos mecanismos de reprodução
intergerações da pobreza e da exclusão social, uma vez que antecipa um
incremento da iniqüidade na sociedade futura.
Passando agora para a comunidade, pode-se afirmar que, contrariamente
ao que se passou no plano do mercado, no plano da comunidade avançou-se
muito pouco para caracterizá-la como estrutura de oportunidades. O interesse é
bem mais recente, compreendendo a identificação das funções exercidas pelas
formas associativas da “sociedade civil”, a contribuição das ações coletivas
de caráter solidário e, sobretudo, o tipo de ativo denominado “capital social”,
sobre cuja natureza iremos nos estender mais adiante. Basta, por enquanto,

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dizer que, quando as comunidades funcionam efetivamente como estruturas
de oportunidades informais de acesso ao bem-estar, o capital social é seu
recurso mais importante. Este capital localiza-se principalmente nas redes
de relações interpessoais de apoio mútuo que, em geral, constroem-se com
base em princípios de reciprocidade, como ocorre, por exemplo, nas redes
de amizade, nas que se estabelecem com os vizinhos na comunidade local,
comunidades étnicas ou religiosas etc. Qualquer destas formas constitui uma
área de ampliação ou redução das demais estruturas de oportunidades, inde-
pendentemente do que venha a ocorrer no âmbito do mercado e do Estado.
O contexto comunitário é uma fonte de capital social sob várias formas.
Uma delas é a eficiência das normas que regulam o comportamento no entorno
social imediato dos domicílios. Esta eficiência está diretamente vinculada ao
nível de confiança nas relações entre vizinhos, nível que, além de ser um in-
dicador do bem-estar em si mesmo, está positivamente associado à realização
de empreendimentos coletivos. Para os indivíduos dos setores mais humildes
da sociedade, localiza-se nas vizinhanças da composição social heterogênea
e se instala nas relações que os residentes pobres podem estabelecer com
seus vizinhos em melhores condições econômicas. Tais interações abrem
oportunidades de acesso a contatos e a recursos de informação de qualidade
mais elevada do que aqueles disponíveis aos que têm acesso a vizinhos po-
bres residentes em bairros homogeneamente pobres. No mesmo sentido,
outro recurso que opera nas vizinhanças heterogêneas em benefício dos mais
humildes é a presença dos modelos de rol. Refiro-me às pessoas que, por
suas condições de vida, por seus hábitos e comportamentos, são exemplos
de como alcançar níveis razoáveis de bem-estar utilizando a estrutura de
oportunidades existente.
Todos estes benefícios potencializam-se em contextos comunitários onde
prima a confiança. Em contraposição, a desconfiança e a insegurança, por
um lado, levam os domicílios a congelar parte dos meios que poderiam ser
dedicados à melhoria das condições de vida, como quando deixam uma pes-
soa encarregada de proteger a casa contra intrusos, ou de cuidar dos filhos,
ou acompanhá-los até a escola para protegê-los dos riscos no caminho. Por
outro lado, o clima de insegurança ativa mecanismos que a reproduzem e a
ampliam. Um destes mecanismos consiste no abandono da comunidade local
pelos que contam com recursos para mudarem para bairros ou localidades
com padrões de convivência mais confiáveis. As deserções progressivas es-
vaziam a vizinhança justamente dos que tiveram maior êxito em se integrar
aos circuitos sociais e econômicos modais das cidades, o que usualmente se
associa a uma maior capacidade de “voz”.
Do que precede, depreende-se que as comunidades locais, como fontes
de distintas formas de capital social, cumprem funções muito importantes

78 AS NORMAS COMO BEM PÚBLICO E PRIVADO


para a integração das pessoas e dos domicílios na sociedade. Para a popu-
lação pobre urbana, estas funções estão sendo debilitadas por processos
de segmentação ou de segregação espacial que reduzem as oportunidades
da sociabilidade informal com membros de outras classes, situação que
poderia reforçar as condições objetivas e subjetivas de isolamento dos
mais vulneráveis com relação ao curso modal da sociedade (mainstream)
(KATZMAN, 2001).
De fato, os níveis de segregação residencial nas cidades determi-
nam a maior ou menor probabilidade de que se conformem espaços de
sociabilidade que incluam apenas pessoas ou famílias com características
socioeconômicas semelhantes. A constatação destes fatos aumentou a
preocupação dos efeitos perversos do aprofundamento das fissuras do
tecido social urbano, em particular porque estas podem signifi car um
fortalecimento da impermeabilidade que, tradicionalmente, tem caracte-
rizado as estruturas sociais da região contra as pretensões de mobilidade
dos que estão em níveis inferiores. Nos países latino-americanos que se
industrializaram muito cedo, estes processos estão transformando o caráter
universalista que se pode imprimir ao desenvolvimento dos serviços pú-
blicos durante o período de substituição de importações. Em outros, que
nunca desenvolveram esta característica universalista, o que se observa
é uma superposição de antigas segmentações com novas segmentações,
que reforçam as anteriores. Em ambos os casos, nota-se um estreitamento
dos espaços da sociabilidade informal com membros de outras categorias
sociais e, portanto, a diminuição das probabilidades de construir o tipo de
“laços débeis” que Granovetter (1986) destaca como recurso significativo
para a melhoria das condições de vida dos pobres.
Além de seus efeitos sobre o tecido social das cidades, os processos de
formação de bairros homogeneamente pobres também têm conseqüências
importantes sobre as chances de vida de seus residentes. Alguns estudos na
região, principalmente nas cidades de Santiago do Chile, Montevidéu e Rio
de Janeiro, começam a constatar a existência de um impacto significativo
na composição social da vizinhança sobre os comportamentos de risco de
crianças e jovens (abandono e retardamento escolar, desfiliação institucional
e maternidade adolescente) (SABATINI, 2002; KATZMAN, 1999; TORRES;
FERREIRA; GOMEZ, 2005). Ainda que longe de conclusivos, estes resultados
permitem conjeturar que, dadas as novas características da pobreza urbana,
a homogeneidade na composição social das vizinhanças é um fator que tende
a debilitar a capacidade coletiva para gerar o tipo de capital social que facilita
o alcance das metas individuais ou comunitárias. Isto é, sob o aspecto traba-
lhista, caracterizado pela progressiva debilidade dos vínculos que mantêm os
pobres no mercado de trabalho, as conseqüentes incertezas ocupacionais e

RUBEM KAZTMAN E FERNANDO FILGUEIRA 79


de rendimentos não podem senão influenciar o desejo e a disponibilidade de
recursos para manter instituições comunitárias, ou para investir na formação
de redes locais de reciprocidade.2
Deste modo, parecem confluir sobre as pessoas pobres, espacialmente
segregadas das cidades e com laços de trabalho débeis, pelo menos dois
processos que reduzem suas oportunidades de acumular capital social. Por
um lado, o isolamento com relação a outros extratos da sociedade. Por outro,
as dificuldades para gerar instituições e redes sociais locais que sirvam de
suporte a este capital.

Ineficácia normativa, desconfiança interpessoal e insegurança nos


bairros da nova pobreza urbana

Alguns estudos etnográficos revelam casos alentadores de bairros


pobres urbanos que operam com uma base territorial fértil para o surgi-
mento de atores locais que articulam os interesses coletivos dos residentes.
Sem ignorar a existência destes casos, parece realista afirmar que eles
estão em menor número e o que prevalece é a situação oposta. Ou seja,
na maioria dos aglomerados de pessoas pobres das cidades, com laços
frágeis no mercado de trabalho, observam-se grandes dificuldades para
que os bairros operem como fontes de capital social para seus residentes.
São freqüentes os estados de desordem e o sentimento generalizado de
insegurança e desconfiança interpessoal, que se traduzem em um mal de
ineficácia normativa, ao mesmo tempo em que assinalam a presença de
importantes obstáculos para gerar atores locais que possam processar
as insatisfações comuns e apresentá-las, de forma articulada, perante os
poderes públicos.
O que precede conduz ao enfoque de duas grandes questões, cujas
respostas são úteis para que se compreenda a natureza dos efeitos dos bair-
ros urbanos pobres sobre o comportamento dos seus residentes. A primeira
questão refere-se às condições que levam os marcos normativos locais a ser
mais fortes ou mais frágeis como reguladores da conduta das pessoas. A se-
gunda questão está voltada para a mudança do enfoque das condições que
afastam ou aproximam os residentes dos marcos normativos dominantes, isto
é, dos que regulam a conduta das pessoas nos circuitos sociais e econômicos
principais da cidade.

2
Um exemplo excelente da dinâmica que se ativa neste tipo de processo encontra-se no filme
argentino Luna de Avellaneda. Avallaneda é um bairro da Grande Buenos Aires que experimentou
um forte processo de industrialização. O filme conta a relação entre desindustrialização da área e
o colapso de um clube de bairro.

80 AS NORMAS COMO BEM PÚBLICO E PRIVADO


Determinantes da eficácia dos marcos normativos locais

Com relação à eficácia dos marcos normativos locais, aparentemente


dois fatores são os condicionantes mais relevantes. Um desses fatores já
foi mencionado em parágrafos anteriores. Trata-se dos efeitos da incerteza
ocupacional e dos rendimentos sobre a relutância e/ou incapacidade dos resi-
dentes em assumir responsabilidades na manutenção das redes informais de
reciprocidade, ou nas bases físicas das instituições locais. São estas redes e
instituições que apontam a eficácia dos marcos normativos locais. Em outros
documentos, temos argumentado sobre os prováveis efeitos destas incerte-
zas nas formas de constituição e dissolução das redes de reciprocidade mais
críticas para o desenvolvimento das pessoas e das sociedades: as famílias.
(KATZMAN, 1992; KATZMAN, 2001).
O outro fator refere-se a processos mais sutis e deve ser examinado
detalhadamente. Trata-se do grau de convergência das gerações e entre as
gerações, referente às orientações para a ação.
Com relação à convergência das gerações, devemos começar reconhe-
cendo que as situações de anomia manifestam-se com maior freqüência e
dramaticidade nas posições de estrutura social correspondentes aos pobres
das cidades. Neste ponto, os desajustes entre as expectativas e os sucessos
são maiores, tanto no que diz respeito ao consumo material como no que
se refere ao exercício da cidadania. Sobre os processos que geram estas ex-
pectativas, basta recordar que elas são diariamente alimentadas pela for-
midável e crescente penetração dos meios de comunicação de massa nos
domicílios urbanos.
É também nestes bairros que se encontra a maior diversidade de res-
postas para as expectativas frustradas. Recuperando a tipologia mertoniana
de respostas às situações de anomia, podemos dizer que alguns domicílios
reagiram aos desajustes opondo-se a ser desafiados pela sociedade, ader-
indo às metas convencionais de bem-estar e esforçando-se para alcançá-
las, utilizando, para isto, caminhos socialmente aprovados. Uma segunda
categoria de domicílios abandonará a batalha, desistirá das metas e tratará
de sobreviver como puder. São “os que desistem da luta”, entre os quais se
incluem os vagabundos, os “sem-teto”, os viciados em drogas, os alcoólatras
etc., mas também os que tentam sobreviver aproveitando-se dos interstícios
da informalidade que deixam aberto o funcionamento da economia urbana.
Uma terceira categoria se rebelará e buscará canalizar suas reivindicações
mediante ações coletivas, apoiando-se nos grupos políticos que propõem
transformações tanto nas metas como nos meios para alcançá-las. Uma
última categoria manterá as metas convencionais, mas utilizará meios não
legítimos para alcançá-las, a delinqüência, o não convencional e a migração

RUBEM KAZTMAN E FERNANDO FILGUEIRA 81


internacional. Em torno de cada uma destas diferentes respostas, as situações
de anomia vão fixando padrões de orientação para ação.
Nossa impressão é que uma das razões principais da ineficiência norma-
tiva nos bairros populares urbanos é justamente a alta probabilidade de que
nele vivam pessoas cujas ações cotidianas respondam a códigos diferentes e,
muitas vezes, contraditórios. Essa convivência, freqüentemente obrigatória,
devido à falta de recursos para evitá-la, implica o estrangulamento dos es-
paços de interação entre os vizinhos que podem ser efetivamente regulados
por marcos normativos comuns. Por outro lado, o tom da convivência entre
vizinhos não pode deixar de refletir a luta subjacente entre os padrões es-
sencialmente antagônicos, que orientam a ação de cada grupo, uma luta que
tende a emergir cada vez que é preciso tomar uma decisão coletiva diante de
um problema que diz respeito à vizinhança.
Com relação à convergência entre gerações, devemos nos referir à de-
fasagem entre a forma de atuação dos idosos e dos jovens urbanos pobres.
Parece razoável defender que as orientações dos primeiros manifesta-se pela
inércia dos padrões relativos às expectativas e atitudes que faziam parte de
um cenário significativamente distinto do atual. Em tal cenário, as aspirações
de consumo eram mais modestas, o mundo de trabalho operava como eixo
central na formação das identidades, eram mantidas as perspectivas de me-
lhoria nas condições de vida com base no esforço pessoal e familiar, e tudo
isso se apoiava no funcionamento de regimes de bem-estar cujo amparo
apontava para estas esperanças.
Isto não significa dizer que estas gerações de pobres urbanos não tenham
sido afetadas pelas profundas transformações que, mais tarde, alteraram a
estrutura produtiva, pelos pré-requisitos de acesso a trabalhos, assim como
pela formidável ampliação dos meios de comunicação de massa e conseqüente
exposição aos padrões de consumo de outros grupos, muito mais ricos. O que
se busca enfatizar aqui é a presença de fatores que amortizaram o impacto
destes fenômenos sobre a adesão daquela geração aos padrões normativos
convencionais. Podem ter tido mais oportunidades do que a juventude atual
para acumular ativos úteis, a fim de enfrentar as mencionadas mudanças.
Pode também ter sido por causa dos códigos e orientações para a ação, parte
de cenários socioeconômicos mais favoráveis e reforçados pelas respostas de
seus pares, que compartilharam experiência de vida similar. Ou, então, porque
suas aspirações foram naturalmente temperadas pelo vigoroso enfrentamento
de resistências que subordinam a realização dos desejos à realidade.
De certa forma, a experiência de vida dos atuais adolescentes e jovens
pobres é totalmente distinta. Enunciemos alguns aspectos destas experiências
que contrastam claramente com os da geração anterior. Em primeiro lugar, sua
socialização foi muito mais marcada pelos meios de comunicação de massa.

82 AS NORMAS COMO BEM PÚBLICO E PRIVADO


Em segundo lugar, ao focalizar os jovens como receptores privilegiados de
mensagens publicitárias, os mesmos meios têm fornecido elementos impor-
tantes para a constituição de subculturas juvenis com seus próprios códigos,
expectativas e preferências de consumo material e simbólico, que orientam
sua atuação. Em terceiro lugar, a passagem pela etapa da “moratória de pa-
péis”,3 isto é, o período de suspensão temporal de obrigações que favorece
a experimentação de situações novas, é hoje muito mais extenso do que o
da geração anterior, o que implica maior exposição às influências de grupos
semelhantes e aos conteúdos das subculturas juvenis. Em quarto lugar, as
perspectivas dos jovens pobres urbanos de construir trajetórias profissionais
estáveis e de melhorar a suas condições de vida com base no trabalho, são
mais incertas do que no passado.
Estas circunstâncias, no mínimo, ampliam a defasagem entre os padrões
de orientação das gerações antigas e novas. Com isso, solapa-se a legitimi-
dade da autoridade dos idosos, depositários tradicionais dos papéis ligados à
transmissão, para as novas gerações, dos códigos, das normas disciplinares
e orientações de conduta derivadas destes marcos, reduzindo-se as possibi-
lidades de construir marcos normativos locais que sirvam de referência geral
para a orientação dos comportamentos de ambas as gerações.4

Distanciamento dos padrões normativos convencionais

Nos bairros com altas concentrações de pobres urbanos, operam uma


série de fatores que afetam a relação dos residentes com os padrões norma-
tivos dominantes da sociedade. Um deles diz respeito à falta de participação
estável nos espaços econômicos, sociais e políticos regulados por estes pa-
drões. Para uma quantidade cada vez maior de residentes, especialmente mais
jovens, o mundo de trabalho deixou de operar como eixo na construção das
identidades. Por sua vez, a participação institucional, talvez com a provável
exceção das igrejas, é muito baixa ou nula.
Referimo-nos a uma espécie de vazio das estruturas institucionais for-
madoras de identidades, em cujo centro, sem dúvida, localiza-se a falta de
oportunidades para construir trajetórias profissionais estáveis. A necessidade
de preencher este vazio de identidade não pode senão provocar uma revira-
volta nas pessoas com relação a seus potenciais de construção de identidades

3
N. do T: o termo originalmente usado pelo autor foi “moratoria de roles”.
4
Outras formas de desvios das normas convencionais parecem responder a modificações muito
profundas das lógicas que orientam a ação. Em sua análise sobre os jovens delinqüentes de Buenos
Aires, Gabriel Kessler utiliza a noção de “lógica da provisão”, para referir-se a uma tendência
de legitimar recursos obtidos pela necessidade de possuí-los. “Qualquer recurso, não importa
sua procedência, é legítimo, se permite cobrir uma necessidade, definida subjetivamente e pelo
indivíduo” (KESSLER, 2004, p.250). Enunciada desta forma, esta lógica não parece compatível com
o estabelecimento de qualquer padrão de convivência.

RUBEM KAZTMAN E FERNANDO FILGUEIRA 83


mais próximas e acessíveis, desta forma ativando a sensibilidade delas para as
influências de seu entorno territorial imediato. Desta maneira, juntamente com
as forças centrífugas ativadas pelas respostas diferentes dos vizinhos às situa-
ções de anomia, também ativam-se as forças centrípetas associadas à busca,
no território, das bases de identidade e da sensação de pertencimento, que já
não se encontram num mundo de trabalho ou na participação das instituições.
A estas circunstâncias, deve-se somar a falta de recursos, considerando-se que
muitas famílias, descontentes com os padrões locais de convivência, precisam
descartar a alternativa de mudar-se para outros bairros.
Por fim, o compromisso dos residentes com os marcos normativos
convencionais é solapado mais severamente ali, onde o cotidiano de fortes
carências favorece desvios assíduos das normas, que é o que se verifica em
bairros com altas concentrações de pobres. Uma observação freqüente dos
estratos socioeconômicos médios urbanos refere-se à falta de cumprimento
de compromissos assumidos por trabalhadores de baixa qualificação, usual-
mente como parte de atividades informais. Para a grande maioria destas
pessoas, respeitar os compromissos assumidos é uma fonte importante de
auto-estima. Na maior parte dos casos, o descumprimento responde a pressões
vinculadas à satisfação urgente de necessidades de sobrevivência. A menos
que, nos setores medianos da sociedade, haja o reconhecimento generalizado
das dificuldades para aderir a este tipo de norma sob condições de extrema
carência, as penalizações e estigmatizações conseqüentes somente forta-
leceram circuitos que retroalimentam a vulnerabilidade dos pobres urbanos
ante a exclusão social.
Duas observações adicionais sobre a segregação residencial são perti-
nentes. A primeira é a nossa convicção de que ainda há um longo caminho
a percorrer para construir evidências sólidas sobre a relação entre os pro-
cessos de segregação residencial nas cidades, sobre o grau de aumento de
homogeneidade na composição social das vizinhanças e sobre a natureza
mais virtuosa ou mais perversa dos mecanismos atuantes, hoje, nos bairros
com altas concentrações de pobres. A pergunta-chave a este respeito é: Até
que ponto o funcionamento destes mecanismos aumenta a desvinculação
com as fontes dos ativos que os residentes necessitariam ter para diminuir,
de maneira significativa, sua vulnerabilidade ante a pobreza e a exclusão
social?
A segunda aponta para o fato de que, ainda que existam projetos de
pesquisa, em alguns países da região, dando prioridade a estes estudos, cada
vez mais se necessita de um projeto regional. Até o momento, os escassos
esforços nacionais nesta matéria têm sido desconectados, mas existe uma
crescente consciência sobre a necessidade de coordenar, comparar e contrastar
nossas descobertas, carências e desafios neste campo.

84 AS NORMAS COMO BEM PÚBLICO E PRIVADO


Ativos e classificação de ativos

As famílias manejam muitos recursos, materiais e imateriais, cuja mobili-


zação e articulação lhes permitem melhorar seu bem-estar, evitar a deterioração
das condições de vida e ficar menos vulneráveis. A enumeração detalhada destes
recursos poderia ser quase infinita. Mas, sob este ponto de vista, somente alguns
desses recursos constituem ativos. São aqueles que permitem aos domicílios
um aproveitamento efetivo das oportunidades oferecidas pelo Estado, pelo
mercado e pela comunidade, para ter acesso a condições de vida que possam
ser consideradas dignas em um determinado momento.
Da premissa deste enfoque, podem-se extrair pelo menos duas conse-
qüências. A primeira é que a possibilidade de converter recursos em ativos
está fortemente condicionada pela estrutura produtiva do país, mediante suas
formas de acumulação e crescimento, pela sua natureza e cobertura específica
de seu regime de bem-estar, isto é, pela forma particular de combinar proteção
e segurança oferecidas pelo Estado com as oferecidas pelas comunidades,
famílias e mercado. Uma segunda conseqüência é que, dentro deste enfoque,
a análise microssocial dos recursos dos domicílios, das pessoas e de suas
estratégias de mobilização não pode ser feita independentemente da análise
macrossocial das transformações das estruturas de oportunidades.5
Em nossos trabalhos, coincidindo com muitos outros autores, temos proposto
classificar os domicílios em três tipos de ativos principais: capital físico, capital
humano e capital social, ainda que tenhamos também explorado a conveniência
ou não de incorporar os direitos e o capital cidadão como um outro tipo de ativo.
Os ativos do capital físico e do capital humano têm sido amplamente dis-
cutidos na literatura das ciências sociais. Muitos são os trabalhos que exploram
sua lógica de produção e reprodução, seus usos, assim como as estratégias
específicas que demandam a aquisição, acumulação, consumo, poupança e
investimento de cada um deles. Portanto, e em virtude do argumentado na
introdução, acreditamos que vale a pena nos concentrar tanto no capital so-
cial como em seus ativos. Para encerrar estas notas, examinemos algumas
reflexões sobre as formas do capital social e seus possíveis efeitos sobre a
vulnerabilidade ante a pobreza e a exclusão social urbana.

O capital social

O significado e os usos do capital social foram os temas mais contro-


vertidos das ciências sociais na última década. Nossa impressão, todavia, é

5
Ainda que seja um dos principais atrativos do enfoque, a complexidade metodológica implícita
na afirmação anterior adverte sobre seu caráter exploratório – isto é, deve ser posta à prova a
factibilidade empírica de se trabalhar simultaneamente nos níveis micro e macrossociais, ou de se
trabalhar em um nível sem perder de vista o outro.

RUBEM KAZTMAN E FERNANDO FILGUEIRA 85


que esses debates mantiveram uma característica turbulenta e confusa, e
grande parte desta confusão prende-se ao fato desta noção ter sido utilizada
para explicar fenômenos que se manifestam com níveis de agregação e for-
malização das relações humanas muito diferentes, indo desde os resultados
do desempenho escolar de crianças até o ritmo de crescimento de regiões
ou de nações; desde a dinâmica de um agrupamento de vizinhança até o
funcionamento das grandes instituições. Recordemos-nos que as famílias, os
clubes comunitários, as ruas dos bairros, os centros educativos, os locais de
trabalho, os partidos políticos, as associações e as instituições de qualquer
tipo, os grêmios e os sindicatos, todos constituem fontes potenciais de capital
social. Entretanto, possuem critérios diferentes de recrutamento, modalidades
distintas de acumular obrigações, marcos de valoração e deficiências normati-
vas diferentes para regular o cumprimento das obrigações de seus membros
e, fundamentalmente, distintos tipos e níveis de recursos. Parece razoável
reconhecer que a confusão também se deve ao fato de os antecedentes da
investigação sobre estes temas serem muito escassos e recentes. Portanto,
para poder avaliar a utilidade de cada um dos significados do capital social
que, hoje, competem com propostas de sistematização do conhecimento em
diversos campos, talvez o mais conveniente seja esperar que as águas fiquem
tranqüilas, o que, seguramente, irá ocorrendo enquanto se decantam os re-
sultados das investigações que utilizam esta noção em busca de explicações
de fenômenos específicos.
As referências ao capital social, a seguir, limitam-se ao papel que de-
sempenham no marco conceitual que ora elaboramos e que concebemos como
ferramenta analítica para compreendermos as condições que favorecem o
surgimento de sociedades mais integradas e mais eqüitativas. Neste contexto
analítico específico, a noção de capital social será colocada como um dos re-
cursos fundamentais na configuração dos ativos das pessoas e dos domicílios
e, também, como atributo das estruturas de oportunidades, na medida em
que estas operem como fontes desses ativos.
Como se exemplificou anteriormente, todas as esferas sociais definem
âmbitos e modalidades de interação nos quais o capital social localiza-se e a
partir dos quais se acumula. Estas fontes de capital social diferem entre si,
pela intensidade das obrigações entre as pessoas, pela eficiência das normas
que regulam o cumprimento dessas obrigações, mas, fundamentalmente,
pela importância dos recursos que fluem em suas estruturas. Estes recursos
podem ser bens materiais (por exemplo, empréstimos), ou não materiais (por
exemplo, informações, contatos, mostras de reconhecimento e de prestígio),
e têm em comum o fato de facilitarem o alcance das metas de bem-estar das
pessoas. Diferentes dos ativos no capital humano e os ativos no capital físico
e financeiro, os ativos referentes ao capital social são totalmente dependentes

86 AS NORMAS COMO BEM PÚBLICO E PRIVADO


da cobertura territorial e social das redes em que se encontram instalados,
assim como os sistemas de normativos de obrigações e reciprocidade que
regulam as interações de seus integrantes.
Isso faz com que se reduzam os ativos de uma pessoa, ou família, que
seja fisicamente removida das estruturas sociais nas quais teve acumulado
seu capital social. Da mesma forma, quando os sistemas e as deficiências das
normas são destruídos, ou seus conteúdos modificados, o capital social do
indivíduo também o será. Esta reflexão propõe problemas interessantes a ser
investigados; por exemplo: Como se transformam os usos do capital social
que tem como fonte as redes familiares e o núcleo familiar, quando estes se
transformam, perdem integrantes ou modificam as normas que regulam as
obrigações mútuas de seus membros? O que sucede quando, em um bairro,
desaparecem os membros que possuíam maiores recursos de capital social,
humano e físico, por processos de segregação e de migração entre cidades?
Como o ativo de uma pessoa, o capital social é sua aptidão para mobilizar
a vontade de outras, de modo que lhe proporcionem recursos que tornem mais
fácil, para ela, alcançar certos fins. Surgem daí duas características. A primeira
é que a mobilização deste ativo é dependente da vontade de outras pessoas.
A segunda é que a possibilidade de apropriação dos recursos que circulam
nas redes é dependente de que os “doadores” de recursos reconheçam os “re-
ceptores” como membros da rede em relação às quais existem determinadas
obrigações. Esta acepção está muito próxima daquela de Bordieu (1986), para
quem a construção das redes sociais é uma meta instrumental. As pessoas
fazem um investimento deliberado de recursos com o objetivo de gerar ativos
no capital social. Nesta concepção, o montante do capital social passível de
ser apropriado por alguém é resultante de uma equação complexa que inclui
obrigações de outros para consigo, normas que regulam o cumprimento des-
sas obrigações e recursos que circulam entre essas redes.
Entretanto, é inquestionável que muitas pessoas e famílias têm facilidade
para alcançar certas metas de bem-estar, graças aos aspectos das estruturas
sociais que as constituem, embora não tenham investido para construí-las.
Nestes casos, o capital social está incrustado nas instituições de uma so-
ciedade (local, regional ou nacional) e se reflete na qualidade dos padrões
de convivência, na reciprocidade das expectativas entre seus habitantes e,
fundamentalmente, na confiança depositada por outros. Deste modo, é pos-
sível que uma família migre para uma localidade que se caracterize por um
clima elevado de confiança mútua e se beneficie deste capital social pelo fato
de residir ali. O mencionado clima geral de confiança facilitará o alcance das
metas de bem-estar, porque, por exemplo, a segurança nas ruas evitará que a
família tenha que dedicar parte de seus recursos para proteger suas crianças
a caminho da escola, ou para manter-se alerta diante dos riscos de roubo ou

RUBEM KAZTMAN E FERNANDO FILGUEIRA 87


de violência. Talvez existam, nos membros mais antigos destas comunidades,
expectativas latentes de que as famílias que se instalam nestas localidades
contribuam, com suas atitudes e comportamento, para a manutenção deste
clima. Expectativas de contribuição futura também podem estar subjacentes
nas estruturas de oportunidades mais fechadas, como no caso dos jovens de
minorias étnicas que conseguem bolsas de estudo, ou de pessoas que con-
seguem empréstimos para fins diversos, outorgados por representantes de
sua comunidade étnica, pelo simples fato de pertencerem a ela. No caso das
famílias, também elas costumam operar como fonte de capital social para seus
filhos, sem requerer maiores contribuições para sua construção, ainda que
estes requisitos possam ir mudando à medida que os filhos crescem.
Outra forma de capital social, isto é, dos atributos das estruturas sociais
que facilitam o alcance de metas individuais que não requerem necessaria-
mente investimentos deliberados em sua construção, é o mencionado ante-
riormente como exposição de modelos de rol. Eles resultam da existência, no
entorno social imediato, de pessoas que são exemplos de êxito na utilização
das vias legítimas de acesso ao bem-estar. Esta forma de capital social é
apreciada entre as crianças pobres que concorrem ao ingresso em estabe-
lecimentos escolares onde a maioria dos colegas provém da classe média,
para os quais a continuidade dos estudos em nível superior é uma expectativa
não questionada. Mas também é certo que, em alguns casos, a assistência de
crianças pobres a essas escolas faz parte de uma estratégia familiar deliberada,
que permite despertar nas crianças a incorporação natural de expectativas de
sucesso usualmente ausentes no meio socioeconômico original.
Estes poucos exemplos são suficientes para mostrar que as formas de
capital social são múltiplas, que também são variadas as estruturas de opor-
tunidades em que se depositam estes ativos, que o acesso a estas fontes pode
requerer mais ou menos investimentos e responder a ações mais ou menos
deliberadas das pessoas e das famílias. O que permite também estabelecer
esta descrição superficial do que são o capital social e suas fontes é que a
família e a cidade/bairro constituem as fontes essenciais do capital social. Por
esta razão, sua transformação também modificará a quantidade, qualidade e
distribuição do capital social em uma sociedade.

À guisa de conclusão

Nisbet (1967) enfatizava que a matriz da sociologia foi resultante dos


esforços realizados por seus pais-fundadores, para encontrar sentido nas mu-
danças vertiginosas que se produziam nas sociedades que, simultaneamente,
viviam transformações revolucionárias, tanto nas formas de produção como
nas formas de organização da autoridade (Estado, democracia, capitalismo e

88 AS NORMAS COMO BEM PÚBLICO E PRIVADO


industrialização). A este respeito, Nisbet tinha uma hipótese incômoda. Susten-
tava que o espírito da matriz sociológica era conservador, não em sua vocação,
mas em sua reação visceral à modernidade. Marx, Durkheim, Weber e outros
buscavam reconstruir intelectualmente uma ordem que se havia perdido na
realidade. Para Nisbet, as chamadas “idéias-eixo” da sociologia definiam-se
como uma série de contínuos: o sacro e o secular, o poder e a legitimidade, o
status e a classe, a comunidade e a sociedade de massas. Todos estes autores
viam nas transformações conjuntas do Estado-nação, democracia, capitalismo
e industrialização, a promessa da emancipação humana. Mas destacavam,
por sua vez, os riscos inerentes a estes processos. O outro lado da divisão do
trabalho era a anomia. O poder criativo do capitalismo trazia, como um cavalo
de Tróia, a exasperação da alienação. A legitimidade burocrático-racional
propunha o dilema da jaula de ferro vazia de conteúdo e, com o avanço das
formas democráticas, emergiram os riscos da tirania das maiorias e a temida
invasão das massas. Deste modo, a ordem rígida e estável dos estamentos, a
relação face a face com as pequenas comunidades e os sentidos da ação com
base em normas compartilhadas davam lugar, crescentemente, à alienação,
à anomia e à massificação. Sem dúvida, existe nestes relatos um aspecto
essencial do problema da ordem e da compreensão das bases e estruturas
que as garantiam no passado.
Eventualmente, esta desordem deu lugar a uma nova ordem, baseada no
Estado-nação, no capitalismo regulamentado, nos novos arranjos familiares,
nas concepções democráticas da autoridade e nas novas formas de organização
do trabalho industrial. A era de ouro dos estados de bem-estar do pós-guerra
representa o ápice desta ordem. Lentamente e mediante cruentas batalhas
anônimas e públicas,6 houve a substituição da desordem originária dos séculos
XVIII e XIX, processo que, na Europa e no Norte desenvolvido, completa-se
em meados do século XX. No início do novo milênio, estes países começam a
enfrentar novas fontes de desordem.
Diferentemente dos países que se industrializaram mais cedo, o de-
senvolvimento do capitalismo de bem-estar nunca se completou na América
Latina. Em nenhum de seus países houve plenitude da aliança entre Estado,
família e capitalismo, que, nos países desenvolvidos do Norte, gerou o mo-
delo do homem provedor,7 bairros heterogêneos e promessa de mobilidade
estrutural e individual. O fato é que, na região, os novos ventos da mudança,
com seus impulsos desindustrializadores, novas pautas familiares e crescentes
processos de segregação e segmentação arrasaram as poucas ordens parciais

6
Foram públicas as guerras européias, mas anônima a terceira idade, sacrificada a um novo modelo
familiar e industrial, anônima a domesticação da mulher e de seu exílio desta mencionada esfera,
anônimos os migrantes que não encontravam lugar nas grandes cidades.
7
N. do T: o termo originalmente utilizado foi “hombre ganapán”.

RUBEM KAZTMAN E FERNANDO FILGUEIRA 89


e fragmentárias que, apenas em algumas cidades latino-americanas, haviam
começado a manifestar-se como um apoio precário da era de ouro do capi-
talismo de bem-estar.
Eis que a garantia da ordem social apóia-se necessariamente na exis-
tência de mecanismos e dinâmicas que produzem, distribuem e sustentam
a eficácia dos marcos normativos. Assim como nos problemas de produção
e distribuição de bens, devem ser equacionados a riqueza e os serviços que
surgem como conseqüência do desenvolvimento, deve-se discutir, no caso
da produção e distribuição, o problema das normas eficazes para regular a
cooperação e o conflito e o oferecimento, ao cidadão, de ferramentas de co-
municação, cooperação e competência. Por um lado, as normas compartilham
com outros bens um conjunto de características. São um bem escasso e, por
este motivo, um bem cuja distribuição não é igualitária. Por outro lado, as
normas são − fazendo agora um paralelo com os debates ecológicos − uma
fonte de energia social renovável, exigindo condições que, como sugerimos
nesse documento, não estão presentes na região, especialmente nas grandes
cidades latino-americanas.
Em primeiro lugar, para que sejam eficazes, as normas devem ser legítimas,
isto é, devem atuar como tais por sua capacidade efetiva para regular o compor-
tamento. As normas são reais quando internalizadas. A produção e a distribuição
de normas eficazes equivalem a produzir e distribuir conteúdos suscetíveis de
ser internalizados e utilizados como marcos orientadores da ação individual.
Em segundo lugar, estejam ou não dadas as condições para preservar
e renovar sistemas normativos eficazes, as normas sempre existem. Des-
dobremos este aparente dilema para entendê-lo. Salvo em casos extremos,
todos os indivíduos podem invocar princípios normativos que justifiquem um
determinado proceder. O problema é que esgrimir uma norma para justificar
uma ação não é o mesmo que participar de um sistema normativo. Para tanto,
é necessário que o conjunto de denominadores mínimos de normas que orien-
tam o comportamento dos membros de uma comunidade − isto é, dos que
compartilham um espaço territorial e institucional, e participam, por intermé-
dio de sua ação, do mundo da política, da produção e da reprodução social −
também seja compartilhado com outros atores inseridos nestas esferas. Isso
é necessário tanto para a produção da ordem agregada como pelo fato de
que, se assim não for feito, estes indivíduos se encontrariam, em geral, em
desigualdade de condições para operar, cooperar e competir nestas esferas.
O problema, então, é que, apesar de as normas sempre existirem, os míni-
mos denominadores comuns podem perder-se, e a fragmentação normativa
resultante pode gerar orientações diversas da ação. Este problema tem pelo
menos duas implicações centrais: a extensão dos marcos normativos e o grau
em que estes prescrevem a ação.

90 AS NORMAS COMO BEM PÚBLICO E PRIVADO


Consideremos, em primeiro lugar, o problema da extensão dos sistemas
normativos. Estes sistemas encontram seu sentido em muitos marcos que es-
truturam os espaços reais de cooperação, competência e conflito. É irrelevante
compartilhar normas com os marcianos, já que com eles não temos interação.
Seria relativamente irrelevante o compartilhamento de normas entre o dou-
tor da cidade e o do campo, em economias de subsistência, quando se trata
de duas áreas territoriais não unificadas por uma autoridade central. Quanto
mais pessoas se vêem obrigadas a participar de instâncias comuns, mais se
torna necessária a existência de marcos normativos comuns.
Basicamente, a América Latina é hoje mais democrática do que nunca e
mais integrada do que jamais foi. A organização, a penetração do capitalismo
e a ampliação dos direitos políticos implicam esferas ampliadas de participa-
ção, competência, cooperação e conflito. Isto sucede ao mesmo tempo em
que os sistemas normativos fragmentam-se e, com eles, as orientações para
a ação.
Neste aspecto é que se encontra um dos maiores paradoxos do debate
sobre a segregação e, talvez, uma pista-chave para resolver o problema. A
segregação residencial urbana se produz em uma época em que cada vez
mais pessoas diferentes convivem em um mesmo espaço territorial (a cidade)
e compartilham de uma mesma autoridade de base territorial, participando
dela, ao menos formalmente (o Estado-nação e a democracia). Este processo
crescentemente inclusivo, em seu sentido básico, faz-se acompanhar de
uma esfera econômica que parece poder prescindir cada vez mais de uma
porcentagem importante desta mesma população. Por este motivo, a maior
cidadania política e territorial não parece traduzir-se em estruturas de opor-
tunidades que produzam marcos normativos de orientação para ações eficazes
e compartilhadas. O emprego e o trabalho remunerado retraem-se, enquanto
âmbitos de socialização e de produção de normas, ao mesmo tempo em que
a demografia e a política pressionam a incorporação de crescentes contin-
gentes da população em esferas compartilhadas de ação e resultados. Não
aparecem, por outro lado, outras esferas não territorializadas de construção
de identidades e normas para os setores populares urbanos, que ficam exi-
lados em áreas territoriais segregadas do restante, cidadão, e segmentadas
em si próprias.
Com relação ao segundo problema, o da característica de prescrição do
marco normativo, deve-se notar que, quando falamos de sistemas norma-
tivos e eficazes, não nos referimos às normas totalizantes que determinam
o que cada um deve fazer. Com efeito, os sistemas normativos eficazes da
modernidade não ordenam um curso de ação, apenas oferecem núcleos de
prescrição mínima que orientam e regulam a eleição (GERMANI, 1985). Isso
significa que o avanço da ação eletiva sobre a prescritiva não ameaça a ordem

RUBEM KAZTMAN E FERNANDO FILGUEIRA 91


social, nem afeta, de forma desigual, as chances individuais, a não ser quando
ele destrói e hiperfragmenta os núcleos de prescrição mínima que orientam tais
escolhas. Quando isto acontece e emergem sistemas normativos fragmentados
com base em formas de solidariedade apoiadas em instituições primordiais −
família, religião, território e etnia −, não somente ocorrem fissuras nos marcos
normativos, mas também estes tendem a ser menos “modernos”. Ou, citando
Germani, mais do que orientadores das escolhas, eles voltam a ser modalidades
normativas que prescrevem as ações. Por esta razão, o aparecimento destes
sistemas normativos fragmentados não agrega meramente orientações diversas
para a ação, mas também o fazem contrapondo a um mainstream moderno,
orientador da escolha de outro subconjunto de normas básico e prescritivo. Isso
afeta a capacidade destes setores de operar no mainstream e de construir, a
partir da própria realidade territorial, sistemas compartilhados de normas que
ofereçam, pelo menos, coesão social às mencionadas unidades, posto que, em
um mesmo bairro, podem aparecer identidades e sistemas normativos baseados
na família, território, etnia ou religião que resultam em contraposições, care-
cendo de espaços de compatibilização. Completa-se, assim, o défice do capital
social, que não se limita ao acesso às estruturas de oportunidades da sociedade
em seu conjunto, mas se translada também para o interior das comunidades
pobres. Deste modo, um bem escasso, não renovável e que deve ser extensivo
aos reais participantes das esferas sociais concretas produz-se em quantidades
insuficientes, com características inadequadas, fragmentando-se e distribuindo-
se de forma crescentemente desigual.
No desenvolvimento do modelo Aveo, estas peculiaridades do bem “marco
normativo eficaz” sempre foi um obstáculo para incorporar como ativos sociais
as orientações normativas dos atores (seja na esfera do capital humano, seja
na do capital social). Diferentemente do capital educativo ou dos bens mate-
riais, no modelo Aveo não podíamos identificar estruturas de oportunidades que
dessem conta da distribuição diferencial das orientações normativas. As tenta-
tivas pioneiras realizadas em um trabalho anterior, por um dos autores deste
documento (KAZTMAN, 1999), procuravam demonstrar como a segregação
residencial ativava ou desativava mecanismos distributivos de orientações nor-
mativas, mas não conseguiram identificar as grandes tendências que operavam
na estrutura de oportunidades para gerar o mencionado estado da situação.
A preocupação do enfoque Aveo com o bairro e a família traz, em sua origem,
uma clara divida sobre a questão da ordem e de marcos normativos.
Parte da resposta relativa ao diagnóstico do défice e da distribuição
desigual de capitais normativos encontra-se na própria evolução das famílias
e bairros, mas só adquire um sentido abrangente quando colocada em um
marco mais genérico e formal das três fontes de capital normativo. Estado,
mercado e comunidade continuam sendo as fontes essenciais do mencionado

92 AS NORMAS COMO BEM PÚBLICO E PRIVADO


capital, mas são as inconsistências particulares da evolução das estruturas de
oportunidades que ajudam a explicar também um défice em sua produção e
as desigualdades em sua distribuição. O incremento do espaço de cooperação
e conflito combina-se a barreiras crescentes no interior dos ditos espaços e
à perda das soluções em duas esferas fundamentais de criação, transmissão
e distribuição de normas: a família e o bairro.
O problema do emprego atravessa as transformações familiares e a mu-
dança na habitabilidade urbana, interagindo com elas. Ao tornar-se escasso
e concentrar sua ausência nos setores populares urbanos, ressentem-se as
bases materiais que predispõem os indivíduos a ingressar em acordos coope-
rativos, seja para a socialização da descendência, seja para a sociabilidade
cotidiana, ou mesmo para solidificar a ordem e favorecer as possibilidades de
mobilidade social nas cidades. Por outro lado, ao se fixar apenas nos indivíduos
de uma esfera de socialização não primordial, a fraqueza dos vínculos com
o mercado de trabalho também nos afasta de um contato cotidiano com os
núcleos prescritivos mínimos da modernidade.
Finalmente, retornando ao alerta de Paul Pierson com o qual iniciamos
este artigo, torna-se claro que os processos de produção e distribuição de
normas eficazes são mais lentos e invisíveis do que o efeito das mudanças
tecnológicas sobre as taxas de desemprego, ou a queda de impostos ao
comércio exterior sobre os novos ganhadores e perdedores, ou a retração
do estado social com relação à vulnerabilidade da terceira idade. Contudo,
eles conferem sentido e realocam estes últimos, em uma matriz causal de
desenvolvimento lento. É, portanto, por meio da consideração dos proces-
sos de produção e distribuição de normas eficazes que as transformações no
nível de emprego, dos gastos sociais, das taxas de divórcio ou dos projetos
de localização residencial adquirem pleno significado, para que se entendam
as transformações da ordem social.
Com estas reflexões, a nosso ver imbricadas nas fronteiras do enfoque Aveo,
esperamos ter feito um modesto aporte ao seu desenvolvimento, assim como aos
esforços para devolver a essencialidade do social na análise das sociedades.

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