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GESTÃO PÚBLICA E

GOVERNANÇA
GESTÃO PÚBLICA E GOVERNANÇA

LIDERANÇA NO SETOR PÚBLICO: UMA ANÁLISE


EM PROCESSO DE RECONVERSÃO DE FUNÇÕES
ECONÔMICAS DE CIDADES
LEADERSHIP IN THE PUBLIC SECTOR: AN ANALYSIS OF THE ECONOMIC
FUNCTION RECONVERSION PROCESS OF CITIES

Anderson de Souza Sant’Anna Daniela Diniz Martins


Fundação Dom Cabral e Pontíficia Universidade Católica
Fundação Dom Cabral
de Minas Gerais

Data de submissão: 08 jul. 2012. Data de aprovação:


Fátima Bayma de Oliveira
Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas 09 set. 2013. Sistema de avaliação: Double blind review.
da Fundação Getúlio Vargas
Universidade FUMEC / FACE. Prof. Dr. Henrique Cordeiro
Martins. Prof. Dr. Cid Gonçalves Filho. Prof. Dr. Luiz Claudio
Vieira de Oliveira

RESUMO

Este artigo tem como objetivo apresentar resultados de pesquisa destinada


a investigar o papel e formas de atuação de lideranças públicas em proces-
so de reconversão de funções econômicas da cidade de Sete Lagoas (MG).
Fundamentado em revisão de literatura que aponta para a prevalência de
uma lógica de “cidade empresa” e “liderança por resultados”, o estudo pode
ser caracterizado como de natureza qualitativa e caráter descritivo, en-
volvendo 26 entrevistas semiestruturadas e em profundidade, tratadas por
meio do software de tratamento qualitativo de dados N-vivo 9.0. Como re-
sultado, foi possível a identificação de uma série de desequilíbrios e tensões
sociais decorrentes da dinâmica de reconversão investigada, assim como
(re-)configuração do imaginário da liderança, enfatizando-se atributos como
“performance”, “pragmatismo” e “individualismo”. Em decorrência, o esgar-
çamento dos laços sociais, de solidariedade e das redes sociais informais
apresenta-se como importante desafio à construção de uma liderança no
setor, mais democrática, inclusiva e sustentável.

PALAVRAS-CHAVE

Liderança. Liderança no setor público. Poderes locais. Gestão de cidades.


Reconversão de funções econômicas de cidades.
LIDERANÇA NO SETOR PÚBLICO: UMA ANÁLISE EM PROCESSO DE RECONVERSÃO DE FUNÇÕES ECONÔMICAS DE CIDADES

ABSTRACT

This article aims to present the results of research that sought to investigate
the role and the behaviors of public leaders in the economic function reconver-
sion process in the city of Sete Lagoas (MG). This study is based on literature
review that points to the prevalence of an ‘entrepreneurial city’ and ‘results-ori-
ented leadership’ logic and it can be characterized as being of a qualitative
and descriptive nature. It involved 26 semi-structured, in-depth interviews that
were treated by the N-vivo 9.0 qualitative data treatment software. The results
obtained made it possible to identify a series of social imbalances and tensions
stemming from the dynamics of the reconversion that was investigated, as well
as to the (re-)configuration of the leadership imaginary, emphasizing attributes
such as “performance”, “pragmatism” and “individualism”. This has led to the
rending of social, support and informal social network bonds, which have been
found to be important challenges to the building of a more democratic, inclusive
and sustainable leadership in this sector.

KEYWORDS

Leadership. Leadership in the Public Sector. Local Powers. City Management.The


Economic Function Reconversion of Cities.

INTRODUÇÃO cesso de urbanização brasileiro sinaliza


O papel e relevância das cidades na para uma natureza distinta da produ-
organização do espaço econômico con- ção e estruturação do espaço nacio-
temporâneo têm sido amplamente re- nal. De um lado, para um adensamento
conhecidos, notadamente na medida em regional e concentração populacionais
que a centralidade do fato urbano - du- em grandes e médias áreas urbanas,
plamente referenciado à organização do principalmente em regiões metropoli-
território imediato e à articulação do tanas e na região mais industrializada.
espaço econômico em territórios am- De outro, para a ampliação do proces-
pliados - gera e amplifica, continuamente, so de urbanização sobre amplos espa-
novas regiões e redes de localidades em ços regionais, por meio da expansão
seus espaços de influência, redefinindo das redes de transportes, comunica-
centralidades que governam espaços de ção e serviços, integrando múltiplas e
produção e consumo cada vez mais ex- distintas espacialidades, (re-) qualifi-
tensos, nos moldes de uma “urbanização cando relações e alterando a natureza
extensiva” (MONTE-MÓR, 2005). da urbanização, antes centrada em ci-
Segundo Monte-Mór (2005), após dades e vilas, para uma noção de tecido
cinco décadas em aceleração, o pro- urbano, em que:

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[...] observa-se a proliferação de co tipos de objetivos: nova base econômi-


centros urbanos pequenos e médios ca, infraestrutura urbana, qualidade de vida,
articulados em novos arranjos socio- integração social e governabilidade. Ainda
espaciais, buscando inovações institu- de acordo com esses autores, “dificilmen-
cionais para a oferta e gestão de ser- te encontraremos uma resposta positiva [a
viços municipais e ou microrregionais. esses objetivos] se não há uma liderança
Neste nível, surgem sistemas urbanos personificada e, em muitos casos, a figu-
locais onde os diversos centros de- ra dos prefeitos é decisiva” (CASTELLS;
sempenham papéis complementares BORJA, 1996, p. 156). No caso da Amé-
e desenvolvem ações articuladas en- rica Latina, ressaltam, “a democratização e
tre si (MONTE-MÓR, 2005, p. 438). a descentralização dos Estados reforçaram
Concomitantemente, observa Maricato e deram maior legitimidade aos governos
(2000), após cerca de cento e cinquenta locais. Por sua vez, criaram-se as condições
anos sob a égide de uma matriz de plane- para que, em muitos casos, se expressasse
jamento urbano modernista - e posterior- uma capacidade de liderança pública local
mente funcionalista - que norteou o cres- de prefeitos, intendentes e governadores”
cimento das cidades dos países centrais, (CASTELLS; BORJA, 1996, p. 157).
assiste-se a seu desmonte pelas propostas Para esses autores, todavia, a liderança
neoliberais que acompanham os proces- local nem sempre corresponde, de início, à
sos de reestruturação produtiva do final autoridade política e de seus agentes públi-
do século XX. Em decorrência, as trans- cos, muito embora considerem-na essen-
formações na composição tecnológica cial à construção de uma “liderança com-
de produção, nas relações de trabalho, na partilhada” (CASTELLS; BORJA, 1996). De
centralização do controle dos negócios e, todo modo, o projeto de transformação
ao mesmo tempo, a possibilidade do es- urbana seria resultante de três fatores: 1.
praiamento da produção pós-fordista e Sensação de crise aguda pela conscienti-
aumento na mobilidade do capital, pre- zação da globalização da economia; 2. Ne-
nunciam significativas mudanças urbanas e gociação entre os atores urbanos, públicos
urbanísticas. e privados, e a geração de liderança local
Segundo Harvey (1989), a estética está- (política e cívica); 3. Vontade conjunta e o
vel da modernização fordista se vê substi- consenso público para que a cidade dê um
tuída pela instabilidade, pela efemeridade, salto adiante, tanto do ponto de vista físico
pelo espetáculo, pela mercantilização da quanto econômico, social e cultural (CAS-
cultura, pela preponderância da marca e TELLS; BORJA, 1996, p. 156).
da imagem. Para Maricato (2000), isso se Conforme evidencia Friedman (1991),
manifesta de forma intensa também no âm- sob a égide dessa racionalidade, a dimensão
bito da cidade, cada vez mais impingida a política tende, todavia, a se reduzir a item
se submeter à lógica da competitividade de meramente supérfluo, indicando a preva-
mercado, à lógica empresarial. lência de uma lógica de funcionamento das
Sob essa lógica, para Castells e Borja instituições baseada em uma espécie de
(1996), as “cidades de mercado” passam a “administração das necessidades”, em que
ser demandadas enquanto respostas a cin- caberia às lideranças e gestores - privados

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ou públicos - o papel de melhor gerir os gional como empreendimento do Estado,


recursos disponíveis, alocando-os da forma conduzido sob uma racionalidade política,
mais otimizada. fortalecendo uma racionalidade de merca-
Alguns pensadores previam, inclusive, o do, mais aderente e favorável aos empreen-
nascimento de uma nova classe profissional dimentos empresariais (LUCHIARI, 2005).
- uma intelligentsia técnica - e especulavam Concomitantemente, os modos de pro-
sobre sua relação com classes sociais an- dução, regulação, acumulação e as práticas
teriores: capitalistas e operários (FRIED- de gestão contemporâneas tendem, cada
MAN, 1991). Reconheciam no papel dessa vez mais, a operar no registro do simbóli-
nova classe uma forma de Scientific Manage- co, com valorização crescente das subjeti-
ment que diferiria do management tradicio- vidades, dos ativos intangíveis e dos conte-
nal ao incorporar técnicas especiais de pla- údos imateriais, como fatores de distinção
nejamento e análise racional para a solução competitiva. Desse modo, a agregação de
de problemas (FRIEDMAN, 1991). valor aos produtos, serviços - incluindo as
Sob o ritmo turbulento e vertiginoso cidades - e a inovação ganham destaque
dos acontecimentos da contemporaneida- econômico e social, com implicações não
de e os efeitos colaterais da racionalidade somente em nível das dinâmicas inter e
instrumental, a primazia da razão científica, intrainstitucionais, nas competências in-
dominante durante esse século e meio, vê- dividuais requeridas aos gestores e lide-
se cercada de questionamentos. Uns irão ranças públicas, mas também em políticas
propor como resposta ações de planifica- socioespaciais que permitam às cidades,
ção nacional, outros buscarão suprir o vá- territórios, regiões e países - por meio
cuo político por meio de aproximações co- das tendências quanto à adoção de instru-
munitárias. O fato é que, nos dias atuais, o mentos como planos diretores, operações
significado de noções como planejamento, urbanas, planos estratégicos de atração de
liderança e representatividade se veem sob investimentos e grandes eventos, estraté-
intenso debate (FRIEDMAN, 1991). gias de (re-)qualificação e marketing urba-
Os desdobramentos dessa discussão no, assim como de dinâmicas de reconver-
evidenciam-se no âmbito da gestão das ci- são de funções econômicas - diferenciais
dades, em particular, ao colocarem em de- e vantagens competitivas.
bate o papel de suas lideranças, bem como Nesse atual estágio de desenvolvimento
as formas de sua atuação e articulação com das forças produtivas, contudo, o desenvol-
os diversos atores sociais. Afinal, seguindo vimento de uma comunidade não consiste
tendências mais contemporâneas do Scien- apenas da energia de sua atividade econô-
tific Management - em que o planejamen- mica. Esse é o desenvolvimento que se pro-
to estratégico de cidades é um exemplo, jeta, à superfície, muito bem apreendida pelo
associado a noções como “cidade global”, senso comum. Sua outra face, no entanto,
“cidade empresa”, “cidade empreendedo- apoia-se na criatividade com que uma comu-
ra” e “cidade espetáculo” (HARVEY, 1989; nidade, uma cidade ou uma região enfrenta
HALL, 1995; BORJA, CASTELLS, 1997; SAS- seus problemas cotidianos e a solidariedade
SEN, 1999; VAINER, 2000), acabou-se por e respeito que seus membros demonstram
enfraquecer o planejamento urbano e re- uns pelos outros (FISCHER, 1996).

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Como, então, articular políticas e práti- empreendedores e empresários, cidadãos


cas sociais na promoção de um efetivo e e formadores de opinião locais (SELLTIZ et
sustentável desenvolvimento local? A aná- al., 1974; BRUYNE, 1977; YIN, 2005). Para
lise dos poderes locais remete-nos às rela- o tratamento dos dados coletados, fez-se
ções de forças, por meio das quais se pro- uso do software de tratamento qualitativo
cessam alianças e conflitos entre os atores de dados N-vivo 8.0, seguindo-se o proces-
sociais, bem como à formação de lideran- so de codificação e categorização (FLICK,
ças, identidades e dispositivos de gestão es- 2009) e análise de conteúdo por categoria
pecíficos (FISCHER, 1996). (RICHARDSON, 1985).
A construção social do desenvolvimen- No que tange à sua relevância, o estudo
to é, desse modo, forjada por relações in- justifica-se, em termos teóricos, ao ampliar
terinstitucionais, interorganizacionais e in- estudos sobre o construto Reconversão de
terpessoais que refletem interesses plurais Funções Econômicas de Cidades, incluindo a
dos agentes que operam nos âmbitos local, análise de outros casos empíricos e dinâ-
regional e global. O universo de análise é, micas de reconversão. Concomitantemen-
assim, amplo e abstrato, podendo relacionar te, apresenta-se significativo ao aprofundar
várias escalas de poder - liderança - consi- debates quanto à tônica atualmente confe-
deradas isoladamente ou em conjunto com rida ao papel e formas de atuação de lide-
um ou mais territórios (FISCHER, 1996). ranças/gestores públicos, em que o contí-
Tendo por base tal debate, associado à nuo enfraquecimento da dimensão política,
revisão de literatura envolvendo os cons- como atributo central de sua atuação, per-
trutos alvo deste estudo, este artigo tem fil e representatividade se vê sobrepujada
como propósito apresentar resultados de pela ênfase na razão científica, em que o
pesquisa destinada a investigar o papel e papel do homem/mulher público(a) tende,
formas de atuação de lideranças - neste não raro, a se limitar à aplicação de técnicas
caso, em específico, com foco na liderança e instrumentos do Scientific Management,
no setor público - em processo de recon- restringindo-os, conforme já evidenciado, à
versão de funções econômicas de cidade, alocação de recursos (FRIEDMAN, 1991),
orientadas por dinâmica de desconcentra- com implicações sobre as interações com a
ção de atividade econômica, originalmente, sociedade que merecem ser melhor com-
bastante centradas na indústria extrativo- preendidas.
mineral, por meio de diversificação de seu
parque industrial e de serviços. A noção de “cidade empresa”
Em termos metodológicos, o estudo Com a ruptura do chamado Ciclo Virtuo-
pode ser caracterizado como de natu- so do Fordismo (LIPIETZ, 1985), em meados
reza qualitativa, desenvolvido por meio da década de 1970, as organizações têm
do método de estudo de caso, envolven- empreendido processos sistemáticos de
do análise documental, observação direta reestruturação produtiva, envolvendo em
- do tipo não participante - realização de seu bojo estratégias como a intensificação
grupos de foco (focus groups) e entrevistas da busca por novos mercados - expressa
semiestruturadas e em profundidade junto no movimento de globalização da econo-
a políticos, gestores e servidores públicos, mia - a introdução de novas tecnologias de

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produção - inicialmente de base microele- promove a globalização na esfera cultural,


trônica e, mais contemporaneamente, digi- política e econômica - o papel ‘moderni-
tais - e modelos de gestão e regulação da zante’ das ‘cidades globais’” (FERREIRA,
força de trabalho, mais flexíveis e facilmen- 2007, p. 115). Um modelo que se estrutura
te reestruturáveis; assim como inovações em torno da ideia de que compete às cida-
nos sistemas de transporte e comunicação, des prepararem-se para as novas forças da
substituindo a rigidez do modelo fordista, economia global, servindo como suporte
por uma nova ordem flexível de acumula- físico aos fluxos econômicos e à atuação
ção (HARVEY, 1989). das empresas.
De acordo com Ferreira (2007), a deci- Sob essa concepção, segundo Sassen
são estratégica das empresas é quanto a se (1999), para serem competitivas, as cidades
espalharem pelo globo - não abrindo mão, devem ser mais especializadas, mais prepa-
porém, de centralizar o comando, o capi- radas para um novo tipo de organização
tal e as core competencies em suas sedes. econômica, para uma nova economia de
A proposta é buscar, em cada país, o que serviços. Devem, em síntese, se adaptar “às
ele pode oferecer de mais vantajoso: mão exigências das ‘transformações globais’ que
de obra barata, ausência de restrições am- lhes permitirão um novo papel estratégi-
bientais e, ou, trabalhistas, proximidade da co” (FERREIRA, 2007, p. 115). Se as teorias
matéria-prima, beneficiando-se das possibi- clássicas sobre cidades propunham inves-
lidades advindas das tecnologias de comu- tigar seus atributos, conferindo-lhes - ou
nicação, que permitem o controle de todo não - a classificação de “cidade-global” de
o processo em um único ponto, montan- primeira ou segunda importância, emerge
do-se o produto final em diversas unidades a necessidade de uma nova matriz teóri-
geograficamente espalhadas (FERREIRA, ca propositiva, que possa, de forma efetiva,
2007, p. 98). aviar a receita necessária a essa transfor-
Tal movimento, avança Ferreira (2007), mação (FERREIRA, 2007).
contempla duas dimensões centrais: por Autores como Sassen, Castells e Borja
um lado, os avanços tecnológicos, promo- especializaram-se no estudo - e consul-
vendo uma crise estrutural, em função do toria - dessa nova modalidade de planeja-
“paradoxo do aumento da produtividade- mento urbano, amplamente inspirado nas
desemprego”, por outro lado - como ten- teorias de gestão empresarial, mais afins às
tativa de equacionamento desse impasse - a demandas das cidades que se pretendem
incorporação de “novos arranjos espaciais- competitivas: “o planejamento estratégico,
temporais”, visando a sustentar a expansão e sua variante, o marketing urbano” (FER-
do sistema capitalista para a periferia, com REIRA, 2007, p. 116). O pressuposto é que:
vistas a possibilitar o acesso a novos mer- [...] no mundo da ‘acumulação flexí-
cados de consumo e a mão de obra mais vel’, em que dominam as “novas” dinâ-
barata e menos politizada. micas econômicas da globalização, as
No âmbito das cidades, tal movimen- cidades devem ser mais competitivas
to evidencia-se na difusão de um “discur- em sua capacidade de oferecer a base
so ideológico hegemônico que preconiza física para esse novo cenário e, para
como inexorável - de forma similar ao que isso, devem ser pensadas não mais

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como cidades, mas sim como empre- Por outorgar um papel central e compe-
sas. O modelo teórico foi montado titivo às cidades, o planejamento estratégi-
a partir da experiência festejada da co dá especial ênfase aos governos locais”
reurbanização de Barcelona - do que (FERREIRA, 2007, p. 121).
decorre a presença dos urbanistas ca- Nesse sentido, apropria-se, não raro, de
talães, realizada em função da escolha discursos típicos dos movimentos urbanos
da cidade como sede das Olimpíadas de esquerda: “participação popular, gestão
de 1992. [...] a urbanização de Barce- democrática e descentralizada, a importân-
lona é o caso mais típico de capita- cia dos poderes locais, o papel responsável
lização de um evento internacional e cidadão da sociedade civil, a necessidade
de grande porte, que seria retomado de o planejamento funcional se distanciar
posteriormente por outras cidades. da intervenção ‘de gabinete’ em favor de
Grandes cidades europeias e norte-a- uma abordagem mais próxima das áre-
mericanas, seguindo esse receituário, as reais que demandam transformações”
empreenderam amplas operações de re- (FERREIRA, 2007, p. 121).
vitalização urbana em áreas degradadas, Na prática, no entanto, as cidades pa-
geralmente aquelas abandonadas pelo de- recem se configurar como “polos econô-
clínio da atividade industrial. Operações micos marcados pela fragmentação, duali-
urbanas como as empreendidas por Nova zação, violência e degradação ambiental”.
York e Londres tornaram-se também para- Poder-se-ia, inclusive, salientar “que o ur-
digmáticas desse modelo, não por isso sem banismo, enquanto ideologia” tenderia a
efeitos colaterais (FERREIRA, 2007). se colocar “a serviço da dissimulação das
Nas palavras de Ferreira (2007, p. 120), contradições urbanas, contribuindo para a
“o planejamento estratégico estabelece as produção da cidade desigual e segregada
linhas de gestão para uma cidade empresa’, que caracteriza nossa sociedade” (SAN-
promove a ‘cidade mercadoria’, que deve TOS JÚNIOR, 2008, p. 145).
ser capaz de ser vendida e, sobretudo, es- No âmbito de tal discussão, interessa-
tabelece a estratégia ideológica para que nos “chamar a atenção para a necessida-
tais políticas sejam aceitas como inquestio- de de análises mais complexas da dinâmica
náveis e necessárias pela população. Trata- socioespacial, que levem em consideração
se, assim, de promover o 1patriotismo de a interação entre esses diferentes aspec-
cidades’” (VAINER, 2000). tos, as práticas institucionais, a dinâmica
Tal, construção, porém, demanda con- econômica, a intervenção dos agentes e as
sensos entre os agentes locais, com vistas cotidianidades” (SANTOS JÚNIOR, 2008,
a legitimar a vocação da cidade, bem como p. 147). Conforme aponta Costa (1999,
os investimentos públicos requeridos a p. 16), tratar-se-ia de uma perspectiva de
torná-la atraente aos olhos dos investido- análise que visa a incorporar “aspectos im-
res. Por necessitar “‘gerar consensos’ ne- portantes das contribuições relacionadas
cessários à sua própria aceitação, o plane- ao estudo do cotidiano, de identidade, de
jamento estratégico insiste fortemente em comunidade etc.”.
questões como a gestão participativa e a É relevante, ainda, destacar, os des-
importância do chamado ‘terceiro setor’. compassos e contradições entre as novas

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demandas do urbano e respostas apre- levando diversas delas à adoção de estraté-


sentadas pelas lideranças públicas. Uma gias que lhes permitam constituir-se como
crítica evidenciada em praticamente to- polopolos de atração de capitais. A guer-
dos os relatos obtidos por respondentes ra fiscal, o chamado City Marketing, a busca
da pesquisa que subsidiou os resultados por atrair grandes eventos e empreendi-
deste estudo, e também em pesquisas an- mentos são alguns exemplos de tais estra-
teriores sobre o tema, desenvolvidas por tégias (BENTLEY, 2005).
Sant’Anna et al. (2011) e Oliveira et al. É relevante registrar, no entanto, que
(2011), diz respeito ao caráter “tradicional a perspectiva de reconversão de funções
das administrações” e dos políticos locais, econômicas, orientada pelo empreende-
sobremaneira distantes daqueles a quem dorismo urbano, acontece em cidades
deveriam representar, e ainda fortemente de diferentes escalas, das metropolitanas
fundamentados em políticas e práticas de às interioranas (pequenas e médias), que
cunho “assistencialista”, “patrimonialista”, apostam em suas competências centrais
“clientelista” e “conservador”. ou no potencial atrativo, herdado histori-
Uma série de outros estudos e debates camente e expresso na arquitetura e, ou,
levados a cabo no meio acadêmico têm cultura do lugar, bem como na capacidade
alertado para a importância de se analisar de cada municipalidade em reafirmar seu
dinâmicas de cidades submetidas a pro- patrimônio físico, intelectual e, ou, simbó-
cessos de reconversão de suas funções lico na atração de novos empreendimen-
econômicas (SANT’ANNA et al., 2011; tos industriais e, ou, de serviços. Em última
OLIVEIRA et al., 2011). Ao mesmo tempo, análise, tais projetos almejavam amplo al-
têm estimulado reflexões mais profundas cance no cenário nacional ou internacional.
sobre implicações dessas transformações Para Compans (2005), esse movimento
nos arranjos locais e no potencial de de- sugere que a cidade se torna empresa, seus
senvolvimento de tais localidades. Tal inte- equipamentos e serviços tornam-se merca-
resse provavelmente possa ser explicado dorias e a competitividade das empresas tor-
pelas experiências de cidades internacio- na-se a competitividade da cidade, vista como
nais e brasileiras orientados à requali- um recurso discursivo pelo qual se atribuem
ficação de seus espaços urbanos e, mais novos papéis e objetivos à administração ur-
profundamente, de reconversão de suas bana e a seus tradicionais atores, em particu-
funções econômicas. lar suas lideranças públicas (SOUZA, 2003).
Muito embora enfatizem dimensões,
não raro, distintas, cabe ressaltar, como A liderança pública no contexto
ponto comum a essas diferentes expe- da “cidade empresa”
riências - quer aquelas mais amplas, quer Conforme recente revisão de literatu-
as mais restritas - as referidas tendências ra sobre a liderança no âmbito do setor
contemporâneas de planejamento estraté- público, no Brasil, procedida por Oliveira,
gico de cidades e seus diversos endereça- Sant’Anna e Diniz (2010) e reproduzida, de
mentos. Em outros termos, o acirramento forma compacta, neste tópico, a difusão da
da competição entre cidades pela captação noção de “cidade empresa”, alimentada por
de recursos para viabilização de negócios, discursos que enfatizavam “uma ampla cri-

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se da administração pública”, a qual deman- Mais contemporaneamente, registram-


daria, para seu equacionamento, novos pa- se novas incursões orientadas à moderni-
radigmas de gestão, capazes de superar as zação do Estado, centradas em modelos
estruturas centralizadas, as hierarquias for- de gestão pública que enfatizam a noção
mais e os sistemas de controle tayloristas de resultado e a adoção de instrumentos
prevalecentes (BRESSER PEREIRA, 1996), gerenciais típicos do Scientific Management,
parece, todavia, reforçar um traço da ges- conforme amplamente difundidos e incor-
tão pública contemporânea: a adoção de porados por grandes organizações priva-
conceitos, discursos e práticas gerenciais das (FRIEDMAN, 1991).
típicas do mundo corporativo. Como coro- Em uma análise sobre a evolução da
lário, criatividade, postura empreendedora, administração pública e seus movimentos
inovação gerencial, gestão por resultados, contemporâneos, em nível mundial, Ter-
contratos de gestão, gestão por competên- ry (1998) caracteriza o momento atual a
cias são alguns dos termos e expressões partir de dois princípios centrais: o libe-
que, paulatinamente, aderem ao vocabulá- ralismo gerencial (liberation management)
rio cotidiano das diversas instâncias da ges- e o gerenciamento orientado ao mercado
tão pública, incluindo as brasileiras. (market driven management). Sustentado
Ademais, as administrações públicas ve- por tais princípios, o autor destaca o mo-
em-se pressionadas a rever suas estrutu- vimento em torno da construção de um
ras e dinâmicas de funcionamento, a fim de neogerencialismo (neo-managerialism).
otimizarem seus processos e rotinas, asse- A ideia subjacente é que os gestores pú-
gurando melhor desempenho e resultados blicos deveriam ser “inovadores oportunis-
mais efetivos (PABLO et al., 2007). Como tas”, motivados por interesses pessoais e,
resultante, a demanda por reformas no se- como tomadores de riscos, aproveitarem-
tor passa a constituir importante elemento se de informações e situações específicas
da agenda política nacional, inserindo-se de para promoverem mudanças radicais. Em
forma sistemática nos discursos das lide- suma, deveriam assumir o papel de “líderes
ranças e gestores públicos, que cada vez empreendedores” (TERRY, 1998). A ênfase
mais deveriam assumir um perfil “empre- em tal estilo de liderança, todavia, recebe
sarial e gerencial” (SARAIVA SILVA, 2002). inúmeras críticas. A principal delas é a de
Nos anos 1990, tal debate se amplifica, defender características que estimulam o
ganhando espaço o movimento em torno caráter manipulador e oportunista.
de uma “nova administração pública”, que Como contraposição ao neogerencia-
acelerasse a ruptura de traços seculares do lismo, base de sustentação do modelo li-
setor, fundamentados no tradicionalismo beral de administração pública minimalista,
(FAORO, 1964), personalismo (PRESTES defende-se o delineamento de uma “ad-
MOTTA, 2007) e patrimonialismo (BRES- ministração pública ativista”. Tal proposta,
SER PEREIRA, 1996; FAORO, 1964). Como também, não será poupada de críticas, no-
resultado, downzing, privatização, reenge- tadamente por insistir na transformação da
nharia de processos, desburocratização gestão pública em empresarial, ignorando a
se configuram em conceitos que marcam, dimensão política do Estado e reduzindo
nesse período, diversas ações de governo. seu propósito final à utilidade de merca-

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do. De forma similar, não deixa claro o pa- públicos, sociólogos, economistas, admi-
pel dos agentes e lideranças no processo nistradores, professores universitários e
(MARTINS, 1997). urbanistas residentes na cidade, com vis-
Em estudos de caso sobre o processo tas a melhor compreender características
de reconversão de funções econômicas de sua história e dinâmica atual, a fim de
das cidades de Tiradentes (MG) e Paraty caracterizá-la como caso de reconversão
(RJ), Sant’Anna et al. (2011) e Oliveira et de funções econômicas nos moldes dos
al. (2011), também observam, em relação à propósitos do estudo, bem como a cons-
atuação do setor público municipal, estilos trução e validação do desenho da pesqui-
de gestão ainda bastante “tradicionais” e sa - incluindo a identificação de potenciais
“personalistas”. Conforme ilustram Oliveira entrevistados - e do roteiro de entrevista.
et al. (2011, p. 31): “a baixa articulação en- O primeiro grupo focal envolveu seis parti-
tre os atores sociais é evidente em várias cipantes; o segundo, dez; e, o terceiro, doze;
dimensões, isto é, entre os empresários, cada dinâmica com duração média de qua-
destes com o poder público e entre os em- tro horas. Na sequência, foram procedidas
presários e a comunidade, de modo geral”. análises documentais, entrevistas semies-
truturadas e em profundidade (SELLTIZ et
METODOLOGIA al., 1974) e observações diretas - do tipo
Tendo em vista a tipologia tradicional de não participante -, por meio de visitas in
métodos de pesquisa, a investigação que loco a Sete Lagoas.
subsidiou os resultados apresentados nes- No que se refere à estratégia de co-
te artigo pode ser caracterizada como um leta de dados, o estudo iniciou-se com o
estudo de campo, de natureza qualitativa, levantamento de documentos históricos
desenvolvida por meio do método do es- e administrativos que pudessem descre-
tudo de caso. Em pesquisas desenvolvidas ver os contextos econômico e social da
sob tal desenho, a seleção do caso constitui cidade, ao longo de sua história, com des-
decisão crucial (EISENHARDT, 1989; YIN, taque para sua trajetória econômica e so-
2005). Com base nessa premissa optou-se cial, principais fases de sua evolução eco-
pela realização da pesquisa empírica junto nômica, assim como atores econômicos,
à cidade de Sete Lagoas (MG), haja vista sua políticos, sociais e culturais envolvidos.
representatividade como caso “emblemáti- Em seguida, por meio dos grupos de foco,
co” de reconversão de funções econômi- buscou-se melhor caracterizar a evolução
cas de cidades, decorrente da implantação histórica da cidade e atual dinâmica de re-
de empresas de grande porte, assim como conversão de suas funções econômicas,
seu estágio de transição de cidade de pe- bem como sua natureza e principais ato-
queno porte para cidade de médio porte res envolvidos. Isto posto, foram realizadas
(BOLSON, 2011). seis visitas in loco à localidade. Além de ob-
Quanto à coleta de dados, a mesma servações gerais sobre a configuração dos
se baseou no uso de instrumentos múlti- empreendimentos, das atividades culturais,
plos. Seguindo a tipificação de Bruyne et do uso do espaço físico, da distribuição e
al. (1991),l foram realizados três grupos fluxo de negócios, das interações sociais e
de foco (focus groups), envolvendo agentes comunitárias, foi realizado um conjunto de

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26 entrevistas semiestruturadas e em pro- reconversão de funções econômicas vi-


fundidade, envolvendo cidadãos, empre- venciada pela cidade de Sete Lagoas (MG).
endedores, políticos, gestores, servidores Como resultado, os dados revelaram que
públicos, professores universitários, repre- “a localização geográfica estratégica da
sentantes de entidades da sociedade civil, cidade” teve influência marcante no pro-
jornalistas e formadores de opinião locais. cesso pesquisado - assim como em seus
Tais entrevistas, que ao todo compreende- “ciclos anteriores de desenvolvimento”
ram cerca de 40 horas, foram gravadas e, (NOGUEIRA, 2003; ANDRADE, 2006) -
posteriormente, transcritas, propiciando apresentando-se como “carro-chefe” que a
mais de 150 laudas de transcrição. levou a vivenciar seus principais processos
Para a análise dos dados obtidos por de expansão econômica.
meio das entrevistas, foi adotado o método O município, localizado a 70 km de Belo
de análise de conteúdo, por categoria (RI- Horizonte, constitui passagem obrigatória
CHARDSON, 1985), o qual consiste no uso de cidades do norte e noroeste de Minas
de técnicas de sistematização, interpretação Gerais, rumo à capital. Além disso, localiza-
e descrição do conteúdo das informações se a meio caminho, pela BR-040, do Rio de
coletadas, a fim de compreender melhor o Janeiro e Brasília, além de estar próxima ao
discurso, aprofundar suas características e aeroporto internacional Tancredo Neves,
extrair os detalhes mais importantes. Como em Confins (MG).
resultado, foi possível examinar várias di- Ademais, a cidade é descrita como “polo
mensões dos relatos dos entrevistados e regional do centro-leste do Estado”, atuan-
construir inferências a partir deles. Para faci- do como “anteparo à capital mineira”, es-
litar essa etapa, foram geradas categorias de pecialmente para pequenas cidades da “mi-
análise com base na literatura e revisadas à crorregião do rio das Velhas”, servindo-lhes
luz das evidências da pesquisa (EISENHAR- de referência, notadamente, nos setores
DT, 1989; GODOY, 1995). comercial e de serviços - saúde, educação,
Além de cuidadosa análise manual dos serviços financeiros. Ainda em decorrência
dados obtidos de cada entrevista, fez o exa- de sua posição logística e “vantagens loca-
me deles por meio do software de tratamen- cionais” privilegiadas, Sete Lagoas exerce
to qualitativo de dados N-vivo 9.0, seguindo forte atração para atividades industriais,
o processo de codificação e categorização, em particular aquelas dependentes de faci-
conforme indicado por Flick (2009). As ca- lidades associadas a transporte e distribui-
tegorias resultantes constituíram-se em im- ção (NOGUEIRA, 2003; ANDRADE, 2006;
portantes elementos para contextualização BOLSON, 2011).
e análise dos dados coletados, conforme Quanto à sua história econômica, a cida-
apresentadas e discutidos, a seguir. de vivenciou diversos “ciclos econômicos”,
merecendo destaque: o “Ciclo da Estra-
A dinâmica de reconversão de da de Ferro Central do Brasil” (de 1896
funções econômicas de Sete Lagoas a 1950); o “Ciclo do Cristal” (de 1940 a
A partir do conjunto dos dados cole- 1947); o “Ciclo da Pecuária Leiteira” (déca-
tados, buscou-se analisar o papel e formas da de 1950); o “Ciclo do Ferro Gusa” (de
de atuação de lideranças em dinâmica de 1960 a 1980); o “Ciclo das Indústrias” (a

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partir de 1980), e, atualmente o “Ciclo da ta empresarial (MARICATO, 2000; MON-


Grande Indústria” (ANDRADE, 2006; NO- TE-MÓR, 2005;ARANTES, 1998; FIX, 2007;
GUEIRA, 2005). LEAL, 2008; SCHWAMBACH, 2012).
Sob o “Ciclo da Grande Indústria”, Sete
Lagoas vivencia processo de expansão eco- A dinâmica da liderança pública:
nômica, com diversificação da economia inter-relações entre os campos
local, permitindo a ampliação de postos de político, empresarial e comunitário
trabalho e maiores demandas em relação Sob a prevalência da lógica de “cidade
ao nível de qualificação de sua mão de obra empresa” evidenciam-se tendências de
(BOLSON, 2011). Não obstante, como em fortalecimento do papel - e centralidade
cada um dos demais “ciclos”, evidenciam-se - dos empreendimentos privados no de-
impactos negativos: “crescimento urbano senvolvimento local e o concomitante en-
desordenado”, “fragmentação de aspectos fraquecimento de formas mais coletivas de
tradicionais da cidade e de sua identidade”, interação, incluindo o enfraquecimento das
“aumento dos níveis de violência”, “proble- lideranças públicas tradicionais - “cada vez
mas de mobilidade urbana”, “especulação mais subordinadas à logica do capital glo-
imobiliária”, “reestruturações produtivas bal” - como agentes decisores autônomos.
com demandas por requalificações profis- De fato, os dados empíricos revelam que,
sionais”, “crescimento excludente”. atualmente, as “lideranças empresariais”
Tal diversificação econômica e a natu- possuem peso cada vez mais proeminente
reza do desenvolvimento contemporâneo na condução das questões de desenvolvi-
de Sete Lagoas indica que a cidade tem mento local, comparativamente aos atores
experimentado fenômeno semelhante ao políticos.
registrado pela literatura em discussões Além desse efeito, constata-se que as
envolvendo noções como “cidade empre- grandes empresas - mas também os pe-
endedora” e “cidade empresa”, aportadas quenos e médios empreendimentos locais
por diferentes autores e sob distintas ba- - têm procurado estabelecer dispositivos
ses teórico-epistemológicas, no exterior que lhes permitam maior independência
e no Brasil (HALL, 1995; HARVEY, 1989; em relação ao poder público, o que re-
BORJA; CASTELLS, 1997; VAINER, 2000; duz ainda mais a influência das lideranças
LUCHIARI, 2005). políticas, que tendem, por conseguinte, a
Tais concepções, não obstante partirem aprofundar um “traço de atuação política
de diferentes perspectivas teórico-concei- mais tradicional” - voltando-se para uma
tuais, envolvem a compreensão de que a ci- atuação mais vinculada às periferias mais
dade tem-se constituído - no atual estágio pobres, por meio de práticas “assistencia-
do “desenvolvimento capitalista, de escala listas”, assentadas na “troca de favores”, no
global” - cada vez mais como um “negó- “clientelismo” - e ou se “modernizando” -
cio”, submetido à lógica da “competitivi- inserindo-se como representantes e agen-
dade de mercado”; o que implica a busca tes promotores da “atratividade da cidade”
contínua por investimentos - públicos e aos olhos dos “potenciais investidores”,
privados - que visam a torná-la - ou mantê comumente por meio da adoção de instru-
-la - competitiva e atrativa do ponto de vis- mentos de origem empresarial:

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Hoje, uma Prefeitura do tamanho Tais relatos associam-se diretamente ao


de Sete Lagoas, não consegue mais [...] conjunto de mudanças vivenciados pela ci-
Não tem tanto peso mais na econo- dade nas últimas três décadas: “antigamen-
mia. A cidade tem sua independência, te, as pessoas que detinham o poder eco-
eu acho que independente se o pre- nômico em Sete Lagoas também tinham
feito quiser ou não quiser, se o ‘cara’ representatividade no cenário político e, ao
quiser fazer um empreendimento, vai mesmo tempo, pertenciam às famílias tradi-
fazer (Relato, Empreendedor 1). cionais da cidade”: “Eram figuras marcantes
Nessa direção, um achado recorrente diz e conhecidas na dinâmica local, interagiam
respeito à percepção dos respondentes quan- cotidianamente com nossa realidade”. Atu-
to à “carência de lideranças públicas aptas a almente, “registra-se uma desvinculação e
dar direção ao processo de crescimento da dispersão desses poderes, na medida em
cidade”, que “sejam formadoras de opinião, que as grandes indústrias instaladas na ci-
do imaginário coletivo”, que “criem espaços dade, a partir de 1980, assumiram parcela
para a discussão de questões coletivas e co- importante da força econômica da cidade”,
munitárias, de forma mais ampla”, que “sejam observando-se um “caráter mais impesso-
capazes de aglutinar os diferentes grupos so- al”, “menos tradicional da política local, em
ciais envolvidos”. Se em “ciclos” anteriores, que as famílias tradicionais já não são mais
diversas figuras políticas e econômicas apre- influentes como foram no passado”:
sentaram-se como marcantes na construção Acho que hoje há um descolamento
da história de Sete Lagoas, atualmente, ob- dessas duas coisas: o poder econômi-
serva-se um “vácuo de líderes”: co hoje não é familiar, nem o poder
Não vejo esse ‘cara’. Hoje tem alguns político é familiar. Ainda ‘arranha’ um
casos que são belos empreendedores. pouco a questão familiar, mas é um
Mas eu não vejo um ‘cara’ assim, pu- poder que está cada dia mais pres-
xando. Vamos fazer junto aqui e tal. É sionado por essa política impessoal.
um ‘cara’ que empreende, mas com ele Hoje, por exemplo, os vereadores
mesmo. (Relato, Empreendedor 3). mais votados, se você pegar as lide-
Os dados empíricos revelam, ainda, que ranças, elas não tem nenhuma tra-
os atores públicos encontram-se “desacre- dição familiar local, muitos vêm de
ditados”, na medida em que “não há um classes sociais mais baixas (Relato,
ideal ou um projeto comum que contribua Professor 1).
para a união de esforços”, bem como evi- Ou seja, você começa a ter emergên-
denciam a ausência de um maior controle cia de lideranças públicas que não são
social sobre o processo de crescimento ou vinculadas a um sobrenome. As famílias
“inchaço” da cidade. tradicionais, elas hoje não conduzem
Com esse crescimento, ou seria mais mais a política (Relato, Professor 1).
apropriado dizer ‘inchaço’, Sete Lago- Nesse cenário, na medida em que o po-
as carece muito de lideranças, ela ca- der econômico desloca-se para as “mãos
rece muito de aglutinação das pesso- de figuras desconhecidas, anônimas e sem
as para ‘controlar’ esse crescimento vínculo com Sete Lagoas” evidencia-se uma
(Relato, Empreendedor 2). “crise de liderança”, cujas saídas corrobo-

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ram possibilidades já mencionadas: ou os “um sentimento de desconfiança ou des-


empreendedores locais - em especiais os crença em relação a projetos propostos
novos entrantes - ocupam o “vácuo”, alian- pelo poder público, ‘mancomunado’ com
do-se à racionalidade do grande capital; ou o ‘grande capital’” e ou ao “esgarçamento
os políticos tradicionais se voltam a prá- dos laços sociais, de solidariedade”, difi-
ticas populistas, desenvolvendo suas bases cultando o estabelecimento de “canais de
politicas junto aos “excluídos” da periferia; expressão mais amplos”, bem como “laços
ou seguem uma junção de ambos esses comunitários mais profundos”.
caminhos; ou “novas” lideranças surgem Evidencia-se, portanto, um “vácuo” de
em cena refletindo uma capacidade de, liderança. Como em política vácuo tende
comunitariamente, articular e mobilizar os a não se manter, resta saber os endereça-
anseios da “cidade dividida”, da “cidade in- mentos. Seria o clamor das ruas, constata-
visível” que emerge do processo de recon- do durante a realização dos jogos da Copa
versão em curso. das Confederações, um ponto de clivagem
Concomitantemente, percepções apon- quanto à construção de novas bases para a
tam para a incapacidade de a classe política liderança pública?
local alavancar recursos, desenvolver pro-
cessos e procedimentos para a promoção CONSIDERAÇÕES FINAIS
de um “desenvolvimento citadino auten- O conjunto dos dados coletados parece
ticamente sustentável, conforme a propa- corroborar teses defendidas por autores
ganda oficial”. São diversos os relatos nessa como Maricato (2000) e Harvey (1989),
direção: “a classe política não alavanca, ela contempladas na revisão teórica deste arti-
é marginal”, “é uma cidade mal cuidada, sem go. Segundo esses autores, com os proces-
planejamento”, “falta investimento na infraes- sos de reestruturação produtiva pós “Era
trutura básica”; “tem n pontos, por exemplo, de ouro do capitalismo”, o poder público
turísticos, em Sete Lagoas, não aproveitados” perderia representatividade como elemen-
(Relatos, Empreendedores 2, 4, 6, 8). to chave na dinâmica de regulação dos ru-
À introjeção desse discurso, que se vin- mos da macroeconomia.Ao mesmo tempo,
cula em diferentes aspectos à noção de constatar-se-ia maior exigência em relação
“cidade empreendedora” e à redução do a essas lideranças quanto a assumirem for-
papel do setor público em constituir bases mas de administração mais “modernas”
para a atração do “progresso”, por meio (BRESSER PEREIRA, 1996, 1997; MARTINS,
da melhoria da infraestrutura e “embeleza- 1997) e vinculadas às forças produtivas ca-
mento” da cidade, diversos relatos expres- pitalistas, resultando na adoção de concei-
sam que o poder público tem “privilegiado tos, discursos e práticas gerenciais típicas
os interesses econômicos das grandes in- do contexto empresarial.
dústrias em detrimento de um desenvolvi- Se em diversas cidades brasileiras é pos-
mento sustentável da cidade”. sível observar a transposição de concei-
Por fim, evidenciam-se percepções quan- tos empresariais para a gestão pública, tal
to ao predomínio de uma “cultura cada vez situação não foge ao observado em Sete
mais individualista”, reflexo do “padrão de Lagoas. Se, no passado - inclusive não mui-
competitividade vigente”, que se traduz em to distante - suas lideranças públicas tive-

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ram papel protagonista “na preparação das (HIRSCHMAN, 1958), notadamente, de


bases para o desenvolvimento atual, com bens terciários, a fim de sustentar um ciclo
ênfase no instrumento do planejamento virtuoso de desenvolvimento.
de longo prazo e em uma maior sensibi- Dados os relatos quanto a um “vácuo”,
lidade comunitária”, atualmente, a tônica é “carência” ou mesmo “incapacidade” das
na “atração de novos empreendimentos e lideranças públicas locais em formular e le-
construção de obras de infraestrutura re- var a cabo tal “planejamento sustentável”,
queridas ao grande capital” e no “embele- o mesmo estaria sendo articulado - e, em
zamento da cidade”. caso afirmativo, em que extensão - por
Constata-se, como decorrência, mu- quais outros atores sociais locais?
danças que sinalizam para uma “perda de A partir do que se pôde inferir dos
espaço e escopo das lideranças públicas”. dados coletados, o que se verifica é que,
Isso, quer por dificuldades em “manterem embora as lideranças empreendedoras
o ritmo de atração de novos empreendi- locais tenham demonstrado, em diversos
mentos” e, portanto, de utilização desse setores, capacidade de “reação” e “adap-
dispositivo como “capital político” relevan- tação”, assim como de se “anteciparem e
te, quer por dificuldades quanto a sustenta- aproveitarem janelas de oportunidades”
rem o próprio processo de crescimento da abertas pelo processo de reconversão das
cidade, que lhes demanda mediar e mitigar funções econômicas da cidade, mobilizan-
seus efeitos colaterais, de modo a assegu- do, além de capitais econômicos, capitais
rar “a promoção de um desenvolvimen- sociais, culturais e simbólicos - tendo em
to sustentável da cidade” e “levar a cabo vista o conhecimento do mercado local -
um “planejamento estratégico consistente as mesmas revelam assumir papéis pouco
para a sustentação do estágio atual de de- expressivos em articulações mais cole-
senvolvimento e a continuidade de atração tivas, direcionadas à busca por soluções
de novos grandes ‘empreendimentos’ para de problemas e questões sociais e urba-
a cidade”. nas de interesse mais amplo. Tal compor-
Se em um primeiro momento do atual tamento, contempla riscos à sustentação
processo de reconversão das funções eco- da própria noção de “cidade-empresa”, na
nômicas da cidade a presença das lideranças medida em que a mesma demanda “con-
públicas é descrita como “fundamental”, ao sensos” entre os atores sociais, com vistas
“constituir agências locais de desenvol- a legitimar a “vocação” local, bem como
vimento”, “mobilizar a classe empresarial os investimentos públicos necessários à
local” e adotar instrumentos do chamado sua “competitividade”.
City Marketing, seu papel, hoje, é criticado Cabe ressaltar, também, que a atração
por se mostrar pouco efetivo na “gestão de “empreendimentos externos” não se
dos efeitos do crescimento econômico, deu acompanhada pelo desenvolvimento
notadamente, suas implicações sociais”, as- de infraestrutura urbana adequada, como
sim como na capacidade de diversificação se revela típico em processos de indução
da economia local, de ampliar sua capaci- do desenvolvimento regional, em que a op-
dade de criar “trabalho novo” (JACOBS, ção se centra em investimentos em “capa-
2011), aumentar sua “base de exportação” cidade produtiva” (na atração de grandes

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empresas, por exemplo), em vez de investi- e “messiânicos”. É significativo o número de


mentos prévios em “capital social básico”. novas “igrejas”, notadamente, da chamada
Em outros termos, a opção “política” ou o linha neopentecostal, na cidade - de quem
“modelo de desenvolvimento” considera- se espera serem capazes de “magicamente”
do pelas “lideranças públicas locais” pare- solucionar os problemas da periferia e das
ce ter-se centrado na expectativa de que a “classes excluídas”.
atração de grandes indústrias configuraria Outro aspecto são as mudanças no pa-
a cidade como um “polo” econômico, no pel do Estado, “que aos poucos se retira de
sentido clássico, resultando em “desequi- cena, deixando de ser o principal gestor do
líbrios econômicos locais” - decorrentes espaço público” (ARANTES, 1998, p. 38),
das próprias demandas dele decorrentes abrindo espaço para o Capital como “o
- capazes de fomentar a atração de novos grande produtor dos novos espaços urba-
empreendimentos - serviços, saúde, trans- nos, por ele inteiramente ‘requalificados’”
porte, educação - e a geração, a posteriori, (ARANTES, 1998, p. 38).
de capitais sociais a eles necessários (HIRS- Cabe reiterar, uma vez mais, que em “ci-
CHMAN, 1958). clos econômicos” anteriores constatava-
Até o momento, no entanto, a percep- se certa “sobreposição de características
ção, de parte significativa dos entrevis- das lideranças locais”. Em outras palavras,
tados, é quanto a uma não “inclusão” da as lideranças públicas tendiam a dispor,
população local como beneficiaria desse simultaneamente, de “representatividade
“crescimento econômico da cidade”, quer econômica, política e comunitária, com in-
pela erosão de suas características como teração social mais ampla”. Atualmente, to-
“cidade típica do interior”, quer pela manu- davia, evidenciam-se perfis de “líderes pro-
tenção de uma renda per capita ainda baixa, fissionais”, valorizando-se atributos como
quer, ainda, pela emergência de problemas “experiência administrativa”, “vivência em
sociais antes somente associados a grandes gestão” e “eficácia”.
centros urbanos: trânsito, violência, falta de Concomitantemente, o poder econô-
segurança, drogas, dentre outros. mico desloca-se, cada vez mais, para as
Tais achados suscitam considerações. mãos das grandes empresas e seus cen-
Primeiro, o caráter “pragmático” associa- tros de decisão instalados fora do terri-
do ao imaginário do líder público, como tório da cidade, “sem vínculos orgânicos e
agente de “atração de grandes empreen- influência política direta sobre seu dia-a-
dimentos para a cidade”, assim como de dia, seu cotidiano, sua instância social mais
construção de infraestrutura necessária comezinha”. Abre-se, desse modo, espaço
para manter a cidade permanentemente para que o campo empresarial - “cada vez
“atraente aos olhos dos investidores”. Se- mais associado ao grande capital e a seu
gundo, as tendências à “profissionalização” discurso” - “exima-se de seu papel social
das lideranças públicas: de “homem/mulher no seu sentido estrito”, desenvolvendo-se,
público(a)”, para “gestor público” (FRIED- por conseguinte, “de forma mais indepen-
MAN, 1991). Terceiro, os riscos quanto a dente” em relação ao governo municipal,
expectativas de emergência de “líderes he- exceto na articulação e defesa das bases
roicos”, “salvadores da pátria”, “populistas” que permitam a expansão de seus negó-

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cios (FRIEDMAN, 1991). Tal achado, con- urbana”; “planejamento público”; “melhoria
trariamente ao preconizado por Castells da renda per capita”; “segurança”; “mobilida-
e Borja (1996), corrobora tese defendida de urbana”; “desenvolvimento do turismo”,
por Maricato (2002), quanto à perda de “meio ambiente”, “educação e cultura”.
influência do poder público que, no caso Finalmente, há que se reiterar a cons-
estudado, tem tentado buscar - ou man- tatação, em decorrência da dinâmica de
ter - seu status quo junto à periferia ou reconversão de funções econômicas em
à grande massa de servidores municipais análise, do enfraquecimento de atributos
- na medida em que a Prefeitura se consti- típicos do “cotidiano de Sete Lagoas como
tui como o maior empregador “individual” típica cidade de interior”: “tranquilidade”,
do município - adotando, para tal, “as ve- “segurança”, “qualidade de vida”, “senso de
lhas táticas da política interiorana conven- comunidade e de vizinhança”. Achados que
cional, como o assistencialismo e a troca evidenciam a relevância de bases epistemo-
de favores”; e ou se “aliar” ao discurso do lógicas e abordagens teórico-metodológi-
capital, convertendo-se em importante cas - conforme, por exemplo, a proposta
agente da promoção da “cidade mercado” por Jacobs (2011) - que inspirem formas
ou “cidade empreendedora”. de atuação e desenvolvimento de lideran-
Em relação aos desafios de Sete Lagoas ças que valorizem elementos como a “di-
para o futuro, os respondentes elegem um versidade”, a “participação”, a “inclusão”, as
conjunto de temas fundamentais ao delinea- “interações sociais”, as formas cotidianas
mento de uma agenda de prioridades estra- de mobilização e controle social dos diver-
tégicas para a cidade, a qual deveria requerer sos capitais - sociais, culturais, econômicos,
maior atenção de suas lideranças. São eles: simbólicos (BOURDIEU, 2008) - a microfí-
“qualificação profissional”; “preservação da sica (FOUCAULT, 1995) e às demandas e
história e cultura locais”; “infraestrutura saberes da comunidade. Eis o desafio.

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LIDERANÇA NO SETOR PÚBLICO: UMA ANÁLISE EM PROCESSO DE RECONVERSÃO DE FUNÇÕES ECONÔMICAS DE CIDADES

REFERÊNCIAS
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