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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(3) 1996

UMA ESTRATÉGIA ECONÔMICA


PARA O GRANDE ABC

CELSO DANIEL
Professor de Administração Pública da FGV-SP. Foi prefeito de Santo André. É deputado federal por São Paulo

A inda é expressivo, entre lideranças e acadêmicos, a constituição de uma vontade coletiva regional e a ela-
o número dos que só têm olhos para as "grandes boração e implementação de um plano estratégico de de-
questões" nacionais e internacionais. Ao consi- senvolvimento sustentado com emprego para o Grande
derarem o quotidiano e a localidade apenas reflexos de ABC.
uma grande lógica – ou âmbitos de manifestação pouco A ampliação da consciência regional se expressa, por
relevantes da vida social – contribuem, na verdade, para exemplo, na existência do Fórum da Cidadania e do Con-
deixá-los nas mãos do bairrismo e do atraso. Crescem, sórcio Intermunicipal, ambas entidades plurais de alcan-
todavia, em particular no Grande ABC, as vozes dos que ce regional, que envolvem, de um lado, representantes das
apostam na eficácia de uma ação regional que, ao contrá- classes médias, dos trabalhadores e do pequeno e médio
rio de dar as costas para os grandes temas, aproveite de empresariado (excepcionalmente, também da grande
suas tendências as melhores oportunidades. empresa) e, de outro, prefeitos e vereadores.
Desde logo, convém deixar bastante claro: não se trata A constituição de uma vontade coletiva regional, par-
de cair no “small is beautifull” (o negócio é ser peque- tindo do que já se acumulou, significa um salto de quali-
no), nem tampouco de negar que a realidade local seja dade indispensável para o enfrentamento dos desafios
fortemente condicionada pelo que ocorre nos níveis in- postos pela economia regional, expresso na criação de um
ternacional e nacional, mas sim de reafirmar que, dados arranjo institucional de novo tipo, fruto de uma coalizão
estes últimos, a sorte da localidade será determinada pela ampla que integre, num mesmo espaço público não pura-
especificidade da dinâmica local. De mais a mais, mode- mente estatal, os poderes públicos e a sociedade civil lo-
los de ação locais podem, perfeitamente, trazer em seu cais.
bojo elementos nucleares para soluções mais gerais, ser- A vocação de uma vontade pública única, capaz de falar
vindo como referências concretas para a reinvenção de pelo Grande ABC com legitimidade, remete a dois aspec-
um modelo de desenvolvimento nacional. tos complementares: em primeiro lugar, a condensação
É com certeza bastante difícil romper a letargia e a de um poder regional com força suficiente para interagir
passividade predominantes na História do Grande ABC positivamente com a grande empresa e com os governos
com referência às ações voltadas ao desenvolvimento com estadual e federal; em segundo lugar, a geração de unida-
emprego, na medida em que se trata de um traço cultural, de para a elaboração e colocação em prática de um plano
adquirido como resultado do fato de que as decisões mais estratégico regional.
importantes, a esse respeito, vinham sendo tomadas por Importa destacar que a correta configuração de um
agentes não enraizados na vida regional (grande empresa arranjo institucional regional deve partir de uma avalia-
e governos estadual e federal). Num momento em que tais ção crítica da experiência acumulada das regiões metro-
decisões não favorecem mais a região, é fundamental es- politanas. A reconhecida ineficácia destas acarreta um
tabelecer os eixos centrais de uma estratégia regional efi- conjunto de aspectos que cabe recordar: centralização do
caz, articulados a partir de duas dimensões simultâneas: poder em torno do governo estadual (em detrimento dos

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municípios); ausência de participação da sociedade civil; cimento. O perfil do setor terciário é muito pouco conhe-
e rigidez da estrutura institucional (em face da qual o cido, posto que não há estudos suficientemente desagre-
Grande ABC desaparece, com suas peculiaridades). Infe- gados a respeito de sua composição interna, que, por na-
lizmente, a nova legislação, proveniente da Constituição tureza, é bastante heterogênea: comércio atacadista e
de 1988, incorre nos mesmos vícios, razão pela qual é varejista (além disso, qual a relação entre o pequeno e o
necessário inovar, se o que se deseja é uma ação estraté- grande estabelecimento varejista?), serviços pessoais,
gica regional dotada de eficácia. serviços financeiros, serviços de apoio à produção indus-
Nesse sentido, ao lado das características já apontadas trial, etc.
(espaço público integrando os poderes públicos e a so- Em linhas gerais, o crescimento do terciário depende
ciedade civil da região), um arranjo institucional de novo do tamanho do mercado. Este, por sua vez, deve-se à da
tipo deve ser flexível o suficiente para dar conta de pro- renda per capita e à sua amplitude espacial. Assim, dada
blemáticas diferenciadas, que requerem o concurso de a renda per capita, a expansão do terciário pode ser obti-
distintos níveis espaciais e de poder. Isto poderia ser al- da a partir da ampliação de seu raio de abrangência espa-
cançado a partir da construção de um núcleo central (com- cial, incorporando novas “zonas tributárias” (no caso do
posto a partir do Fórum da Cidadania e do Consórcio ln- Grande ABC, por exemplo, a integração de áreas da peri-
termunicipal), em torno do qual arranjos versáteis se feria de São Paulo, ou a exportação de serviços culturais
encarregassem de abordar problemas específicos, deman- para a capital). Na situação específica da região (que não
dando variados recortes institucionais. Desse modo, al- apresenta vocação para o turismo), o campo para esse tipo
guns assuntos exigiriam a participação da região em con- de crescimento do terciário apresenta claros limites.
junto com a prefeitura da capital ou com o governo de Por outro lado, também dada a amplitude espacial, a
Estado, enquanto outros contariam, talvez, com a presen- expansão do comércio e dos serviços depende da renda
ça apenas de parte dos municípios do Grande ABC. per capita. Com isso, não pode restar qualquer dúvida a
Um planejamento estratégico do Grande ABC dotado respeito do papel central do emprego e da renda industriais
de eficácia (e não mero estudo técnico encomendado a para a dinâmica do terciário regional. Por isso, o futuro
uma consultoria) exige, antes de mais nada, um método do comércio e dos serviços (sejam pessoais, financeiros
adequado, composto em torno da articulação de um triân- ou produtivos) está intimamente ligado ao destino da in-
gulo básico, cujos vértices são o conjunto de propostas dústria regional, em particular o complexo automotivo (em
para a região, as condições de governabilidade (isto é, de face de seu potencial de geração de emprego direto e in-
correlação de forças favorável à coalizão responsável pela direto).
implementação das propostas) e a capacidade técnica,
política e gerencial necessária à colocação em prática A DUPLA CONVERGÊNCIA
dessas propostas. Obter o equilíbrio de tal triângulo –
propostas regionais, governabilidade e capacidade para Freqüentemente retorna ao debate uma contraposição
implementá-las – é crucial para fazer desse planejamento entre os defensores da grande empresa e os partidários da
uma verdadeira estratégia de ação. pequena empresa, quanto às questões do desenvolvimen-
Já se disse que o segredo para a solução de um proble- to e emprego. Tendências recentes, ligadas às mudanças tec-
ma consiste em enunciar corretamente tal problema. Em nológicas, às relações de trabalho e ao comportamento do
outras palavras, a eficácia de um plano regional é função, mercado, evidenciam a emergência de articulações de nova
também, da abordagem adequada dos problemas da eco- qualidade entre o pequeno e o grande capital industrial.
nomia do Grande ABC. Convém, nesse sentido, precisar Uma série de estudos empíricos, envolvendo regiões
três pontos relevantes: sua dinâmica econômica presen- de várias partes do mundo e publicados na revista Economy
te, a relação entre o pequeno e o grande empreendimento and Society, apontam para três direções principais. Em
e os fatores relativos à competitividade regional. primeiro lugar, há um crescimento rápido e bem-sucedi-
A economia do Grande ABC está deixando de ser in- do de distritos industriais baseados em redes interdepen-
dustrial para se transformar em uma economia baseada dentes de pequenas empresas, que apresentam respostas
no terciário? Ao invés de tentar responder a essa indaga- ágeis e inovadoras frente aos requerimentos do mercado,
ção, é muito mais interessante reformulá-la, uma vez que sustentadas numa combinação de cooperação e conflito
não dá conta de um elemento essencial, ou seja, da inte- entre as firmas individuais.
ração dinâmica entre os setores industrial e de serviços Em segundo lugar, a busca de produtos mais especializa-
no presente momento. dos e processos de produção mais flexíveis tem levado gran-
A visível expansão do terciário demanda uma melhor des multinacionais a descentralizar sua operação e estreitar
qualificação de seu perfil e dos determinantes de seu cres- laços com fornecedores, em geral espacialmente próximos

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em função da facilidade de contatos, interações quotidianas ção ou crescimento lento da produção, vêm acarretando
e possibilidade de redução do custo dos estoques. um aumento no número de trabalhadores desempregados,
Esses desenvolvimentos – procura sintetizar Zeitlin excluídos do setor industrial moderno. Parte destes pode
(1989) – “vêm produzindo uma dupla convergência das encontrar emprego – provavelmente de menor qualidade
estruturas de grandes e pequenas firmas, na medida em – no setor terciário em expansão. Viabilizar alternativas
que pequenas firmas nos distritos industriais constroem para os restantes é condição necessária para manter sua
formas mais amplas de serviços comuns, freqüentemen- qualidade de vida e, mais do que isso, para que a região
te inspirados pelos modelos das grandes firmas, enquan- não perca seu valioso patrimônio de força-de-trabalho
to as próprias grandes firmas crescentemente procuram qualificada.
recriar entre suas subsidiárias e subcontratadas as re- Portanto, é fundamental, por um lado, garantir, educa-
lações de colaboração características dos distritos in- ção e capacitação profissional capazes de permitir a re-
dustriais. A tendência final é o papel crescentemente conversão e a atualização desses trabalhadores e, por ou-
ativo dos governos locais na promoção do emprego, no tro, implementar políticas públicas que estimulem a
fornecimento de serviços industriais e na orquestração criação de pequenas empresas e cooperativas autogestio-
de desenvolvimento econômico regional, em parte como nárias de trabalhadores, agregando às habilidades já exis-
resposta às duas primeiras tendências, em parte em fun- tentes mecanismos de capacitação gerencial e financia-
ção da eficácia declinante da gestão macroeconômica mento de atividades que explorem os nichos de mercado
e da crescente retração do Estado de Bem-Estar nacio- não ocupados na região do Grande ABC.
nal em muitos países".
As referidas experiências internacionais, em sua diver- CUSTOS, BENEFÍCIOS E COMPETITIVIDADE
sidade, sugerem ainda que o sucesso das estratégias lo-
cais requer um grau elevado de confiança mútua e de con- A economia urbana ensina que uma cidade, após atin-
senso social entre os vários setores envolvidos (governos, gir certo tamanho, passa a apresentar efeitos úteis (vanta-
empresas e sindicatos de trabalhadores). gens econômicas) associados à aglomeração urbana, isto
Tudo indica que tais orientações são bastante apropria- é, à proximidade espacial de atividades e pessoas. Porém,
das para o setor industrial do Grande ABC, exigindo a na medida em que a cidade continua a crescer, movida
constituição de uma coalizão ampla que, partindo dos por tais economias de aglomeração, atinge-se um pata-
interesses conflitantes, permita produzir consensos rele- mar a partir do qual passam a se manifestar determinadas
vantes entre os atores públicos e privados envolvidos. desvantagens econômicas, denominadas deseconomias de
Esses consensos devem basear-se, de um lado, no estrei- aglomeração.
tamento das relações da grande empresa com fornecedo- Tanto as economias quanto as deseconomias de aglo-
res locais e nas negociações com seus trabalhadores e, de meração compõem-se de custos e benefícios. As primei-
outro, na criação de estruturas cooperativas de serviços ras envolvem, por exemplo, redução de custos de trans-
comuns para que a pequena empresa tenha acesso a fi- portes e comunicação (fruto da proximidade espacial) e
nanciamento, informações e economias de escala, capa- criação de benefícios como porte de mercado (que viabi-
citando-a para respostas flexíveis e inovadoras às exigên- liza novas atividades), oferta de mão-de-obra em quali-
cias mutáveis dos mercados local, nacional e internacional. dade e quantidade ou melhoria de qualidade de vida (aces-
Convém observar, nesse sentido, um desdobramento so dos moradores a novos bens e serviços). Já as
de importância no que tange à política industrial: o inte- deseconomias, além de anular certos benefícios – a exem-
resse do conjunto da região aponta para a exigência de plo da qualidade de vida –, incluem a escassez de terre-
uma política solidária no âmbito das cadeias produtivas nos, a elevação de seus preços, congestionamentos, po-
locais. Tal é o caso do complexo automotivo, no qual é luição, enchentes, etc.
preciso compatibilizar os estímulos à produção de veícu- Convém recordar, neste ponto, que a perda relativa de
los, bens de capital, partes e peças. Propiciar vantagens participação do Grande ABC nas economias paulista e
às montadoras em detrimento de suas fornecedoras locais brasileira remonta à década de 70 (conforme mostram os
– como vem ocorrendo pelas medidas do governo federal dados do IBGE), derivada justamente da ocorrência de
– corresponde a “cobrir um santo descobrindo outro”, pois algumas deseconomias de aglomeração (a mais importan-
desestrutura uma parcela da cadeia produtiva e produz te das quais parece ter sido a escassez e o alto custo dos ter-
desemprego regional irreversível, que se agrega ao de- renos). Tal tendência, por conseguinte, inicia-se antes da
semprego tecnológico. emergência das grandes greves que originaram o novo sin-
As transformações tecnológicas e gerenciais, num qua- dicalismo brasileiro a partir da região (algo que os críticos
dro de manutenção da jornada de trabalho e de estagna- desse sindicalismo preferem convenientemente omitir).

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Portanto, um dos fatores que explica o crescimento de cessidades de localização industrial durante o período na-
uma cidade ou, ao contrário, a reversão de tal tendência, é cional-desenvolvimentista – marcado pela produção em
o balanço, em dado momento, entre as economias e dese- massa (padronizada) a partir das tecnologias oriundas da
conomias de aglomeração, do qual deriva uma composi- 2a Revolução Industrial e da divisão de trabalho taylorista
ção de custos e benefícios que tende a atrair atividades e – diferem daquelas postas pelas tendências recentes, em
pessoas ou a repeli-los. Na perspectiva de uma empresa que se destaca a produção pós-fordista, voltada ao atendi-
ou indivíduo, a decisão a respeito de sua localização espa- mento de demandas diferenciadas no mercado, articulada
cial é função – de modo análogo – de sua percepção a pro- à nova revolução tecnológica (na informática, na biotec-
pósito das vantagens e desvantagens locacionais apresenta- nologia, etc.) e a modelos de gestão que redefinem rela-
das pelas cidades (suas economias e deseconomias de ções com fornecedores e requerem uma força-de-trabalho
aglomeração) e pela sua posição e função no sistema urba- mais qualificada e versátil.
no, cujo resultado é maior ou menor acessibilidade a insu- Nesses termos, portanto, é fundamental o acesso à mão-
mos produtivos ou a mercado consumidor. Aqui também, de-obra com o perfil de qualificação exigido. Do mesmo
por conseguinte, um balanço entre custos e benefícios. modo, a proximidade espacial de fornecedores (alternativa
Dados certos requisitos locacionais, a atratividade de ao fornecimento "global") ou a existência de estruturas
uma aglomeração urbana depende do balanço entre van- cooperativas que – ao oferecer serviços administrativos,
tagens e desvantagens que ela apresenta, em termos de financeiros ou mercadológicos – viabilizem o acesso da
custos e benefícios. Por isso, o uso da expressão "Custo pequena empresa a mercados mais amplos, constituem
ABC" para designar as condições de competitividade da vantagens locacionais de novo tipo. Isso não significa, é
região é rigorosamente equivocado, por captar apenas um claro, que todos os requisitos de localização se alterem
lado das referidas vantagens e desvantagens (o dos cus- de uma hora para outra. Deseconomias de aglomeração,
tos), omitindo os benefícios. como congestionamentos ou escassez e alto custo de
Tal engano expressa uma fragilidade conceitual que não terrenos, por exemplo, mantêm sua relevância. O essencial,
é, contudo, inocente: a mistificação da realidade – através em face dessas continuidades, é não perder de vista as
do realce dos custos e da omissão dos benefícios – serve ao importantes transformações em curso.
propósito de justificar, de um prisma unilateral, toda redu- O exame sistêmico dos custos e benefícios relativos
ção de custos salariais e tributários inspirada nas teses neo- ao grau de atratividade econômica do Grande ABC colo-
liberais da liberdade de mercado e do Estado mínimo. ca em relevo a existência de contradições entre eles. As-
É indispensável, a bem do rigor conceitual, abordar os sim, a redução de custos salariais (tida por muitos como
fatores que definem a maior ou a menor atratividade de condição para a competitividade regional) conflita com a
uma região urbana a partir de uma visão sistêmica, e não preservação e a expansão do mercado regional, fonte do
parcial. A noção de competitividade sistêmica regional, dinamismo do terciário, que demanda elevação do nível
que associa seus custos aos benefícios, responde de ma- de renda e emprego e, portanto, do poder de compra dos
neira adequada a essa exigência. Nessas condições, pas- assalariados da indústria.
sar do diagnóstico – a constatação de uma tendência à De modo análogo, a priorização exclusiva das monta-
perda de atratividade na indústria e a ganhos no terciário doras de veículos – expressa pela redução dos custos de
– para a proposição de ações, visando a melhoria das con- importação de insumos e bens de capital, por meio de alí-
dições de competitividade sistêmica, supõe uma estraté- quotas de importação muito baixas, valorização cambial
gia orientada, simultaneamente, para a redução dos cus- ou juros altos – contradiz uma política industrial voltada
tos regionais e para o aproveitamento do potencial de à sustentação de todo o complexo automotivo (e, por con-
benefícios econômicos que a região possa apresentar. seguinte, das montadoras, bem como de seus fornecedo-
Os requisitos locacionais para a instalação de empre- res locais, responsáveis por parcela importante da renda
sas e a geração de empregos variam no espaço e no tem- e do emprego gerados). A diminuição dos custos tributá-
po. Em termos espaciais, eles são condicionados à posi- rios locais (com vistas à atração de empresas e ao estímu-
ção e à função da região no sistema urbano, remetendo à lo à competitividade), por sua vez, conflita com a manu-
sua dinâmica econômica: os requisitos de localização tenção de um nível de investimento público compatível
numa aglomeração urbana com vocação industrial distin- com a produção de vantagens locacionais de relevo, tam-
guem-se daqueles onde predominem atividades de turis- bém responsáveis pela competitividade (educação, trans-
mo, comerciais, etc. porte, renovação de centros comerciais, apoio à pequena
Do ponto de vista temporal, os requisitos locacionais e à média empresas, etc.).
variam de acordo com fatores como o padrão tecnológi- Em outras palavras, é impossível garantir, simultanea-
co e as relações de trabalho prevalecentes. Assim, as ne- mente, todas as reduções de custos e criação de benefíci-

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os capazes de aprimorar as vantagens regionais de locali- do da atividade no setor terciário, o que, por seu turno,
zação. Por isso, é necessário efetuar escolhas – ainda que produziria nova redução da renda e do emprego.
estas correspondam a soluções de compromisso ante as Ao lado de tal círculo vicioso, haveria também uma
contradições existentes. perda em termos da qualidade de vida e outros benefícios
econômicos (capacitação profissional, combate a con-
MODELOS DE DESENVOLVIMENTO gestionamentos e enchentes, etc.), fruto da diminuição dos
recursos orçamentários. Em outras palavras, o Grande ABC
Frente aos condicionamentos mais amplos, ditados pela seria composto por limitadas "ilhas de excelência" cerca-
globalização dos mercados e por inovações tecnológicas das por um amplo mar de miséria e exclusão. Do ponto de
ou de gestão, abre-se um campo de possibilidades que tor- vista macroeconômico, a generalização desse modelo apro-
na não apenas viável, mas necessária uma opção entre fundaria a guerra predatória entre municípios e regiões,
rumos possíveis. Assim como, no plano nacional, o esgo- acarretando apenas um jogo de soma zero (isto é, o que
tamento da estratégia desenvolvimentista exige a imple- alguns ganhassem corresponderia à perda dos outros).
mentação de outra, a partir do debate plural entre dife- Importa acrescentar, afinal, que as novas tendências con-
rentes caminhos (pois não é verdade que haja apenas o servadoras, no Brasil e no mundo, agregam ao individualis-
neoliberal), no nível regional a superação do tradicional mo econômico um corte cultural de rejeição aos não-nati-
imobilismo dos atores públicos e privados (condição para vos, isto é, aos imigrantes pobres, jogando água no moinho
escapar do sucateamento da economia do Grande ABC) da exclusão social. Nesse caso, a construção, no imaginário
torna inescapável a adoção de um modelo de desenvolvi- social, da identidade local, é posta a serviço da idéia (nega-
mento regional calcado em ações inovadoras. tiva) de que os males da localidade derivam da presença in-
Tendo em vista a existência de contradições entre de- devida dos não-locais (imigrantes, nordestinos, etc.).
terminados custos e benefícios econômicos da região, a A alternativa à crença irrestrita na liberdade de merca-
necessidade de escolhas torna clara a possibilidade de do aposta, por contraste, na valorização dos direitos de
optar por modelos de desenvolvimento distintos, susten- cidadania. Ao invés da soberania do mercado, trata-se de
tados em princípios e valores específicos. Uma das alter- colocar as relações econômicas a serviço de um modelo
nativas, que pode ser chamada de "solução de mercado", de desenvolvimento regional que modernize a economia
funda-se no valor da liberdade econômica. A outra, que do Grande ABC, defendendo o emprego e a qualidade de
passa pela constituição de uma coalizão regional ampla e vida. No lugar da "mão invisível", a regulação social do
pluralista, ancora-se no valor da cidadania. mercado alicerçada em novos espaços públicos constituí-
Um modelo de desenvolvimento regional orientado por dos com base em uma coalizão regional ampla e plural.
"soluções de mercado" busca inspiração na idéia de "Custo Resgata-se, nessa perspectiva, a noção de competiti-
ABC" e, portanto, na defesa de medidas que permitam vidade sistêmica regional, considerando iniciativas de re-
reduzir os custos regionais, omitindo ou tornando secun- dução de custos, mas priorizando a busca dos benefícios
dários os benefícios potenciais do Grande ABC. Nessa potenciais que a região oferece. Ou seja, diante de confli-
linha, seria imprescindível a redução dos custos salariais tos entre custos e benefícios, trata-se, como regra geral,
e tributários, através da neutralização das formas clássi- de optar pelos últimos.
cas de "intervenção" sobre o mercado (e, portanto, sobre Em termos gerais, tal estratégia persegue: o fortaleci-
a liberdade econômica): os sindicatos e o Estado – no caso, mento dos fornecedores locais da grande empresa (em
os governos locais. sintonia com uma política industrial voltada à preserva-
Um componente importante de tal modelo consiste na ção do complexo industrial); a participação ativa dos sin-
crença de que, para manter a grande empresa (sobretudo dicatos em processos de negociação de salários, empre-
as montadoras) na região, seria preciso concentrar esfor- go, jornada de trabalho, modernização tecnológica e
ços, antes de tudo, na redução de seus custos, o que, além democratização das relações de trabalho; a melhoria da
dos já citados, significaria baratear o fornecimento glo- qualidade de vida; o combate a deseconomias de aglo-
bal de insumos e bens de capital. Não é difícil antever os meração (congestionamentos, enchentes); e a ações liga-
resultados de uma estratégia que jogasse todas as suas fi- das à busca de benefícios regionais (educação para o tra-
chas na "modernização" das montadoras através da redu- balho, apoio à pequena empresa e ao setor informal),
ção dos custos regionais: permanência da grande empre- pressupondo capacidade de investimento público e, por-
sa, com queda drástica de fornecedores locais, do número tanto, os correspondentes recursos tributários.
de trabalhadores, de seus salários e dos tributos locais. Um modelo de desenvolvimento nesses moldes é ca-
Como resultado da diminuição do nível de renda e em- paz de produzir um círculo virtuoso na economia regio-
prego do setor industrial, ocorreria um declínio acentua- nal, pois a sustentação da renda e do emprego industriais, ao

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lado do investimento público, constitui um estímulo impres- doviário e ferroviário e ao porto de Santos, todos fora do
cindível à expansão do setor terciário e, por isso, à geração âmbito de atuação direta da região. O essencial, neste caso,
de mais renda e emprego no interior do Grande ABC. Tal é a constituição de uma coalizão regional com força polí-
círculo virtuoso – expressão de um dinamismo próprio da tica para negociar com os governos estadual e federal
região – responde pelo fato de que a eventual generalização medidas concernentes ao interesse local.
desse modelo para outras localidades teria como produto As deseconomias de aglomeração incluem congestio-
macroeconômico um jogo de soma positiva, no qual o que namentos, enchentes e oferta escassa e alto preço da terra.
alguns ganham não representa perda para outros. No campo do mercado imobiliário, não há como reverter
Ademais, a ênfase na geração de renda e emprego para radicalmente a situação, dados os investimentos já efetua-
todos (inclusive, portanto, os excluídos) e na melhoria da dos em infra-estrutura e o nível de ocupação do solo. Ape-
qualidade de vida (a partir do investimento social) cria sar disso, alterações na legislação de uso e ocupação do
condições para a elaboração de uma identidade local po- solo e na própria lei de proteção aos mananciais (respeita-
sitiva, de caráter inclusivo, baseada na valorização das da a preservação do meio ambiente) poderiam abrir novas
vantagens regionais. possibilidades, sobretudo a pequenas empresas. A redu-
Uma vez definidos os termos desse modelo regional, é ção dos custos provocados por enchentes passa por inves-
possível explicitar de maneira consistente as diretrizes para timento público local e, principalmente, estadual. Já o
redução de custos e ganhos de benefícios que aperfeiçoem a controle dos congestionamentos exige, em especial, ações
atratividade econômica da região. nas áreas de trânsito (em função de sua elevada relação
benefício-custo) e de transporte coletivo (de modo que a
CUSTOS E BENEFÍCIOS REGIONAIS melhoria de sua qualidade permita substituir o transporte
individual). Intervenções no sistema viário, embora tam-
São relevantes para a competitividade da região os bém necessárias, são limitadas (em face do custo proibitivo)
custos salarial, tributário, dos fatores logísticos e das de- e insuficientes (conforme demonstra a frustrada aposta do
seconomias de aglomeração. Conforme já se apontou an- atual governo da capital na abertura de túneis e avenidas).
tes, a questão do custo da mão-de-obra na região não deve Um modelo de desenvolvimento que procure avançar
ser vista de maneira simplista. Por um lado, salários mais na competitividade sistêmica regional a partir da defesa
elevados podem perfeitamente ser compensados por maior do nível de renda e emprego deve se apoiar, centralmen-
produtividade do trabalho e, por outro, altos níveis de te, na obtenção de benefícios econômicos, mais do que
renda e emprego na indústria do Grande ABC constituem na redução de custos do Grande ABC. A realização de
motores de expansão do terciário local. Enfim, o movi- parte ponderável de tais benefícios, desde logo, depende
mento sindical – em função de sua representatividade e da implementação de ações coletivas baseadas na coope-
de sua orientação voltada aos desafios do presente e do ração entre os diversos agentes públicos e privados e da
futuro – pode ser legitimamente considerado hoje uma garantia de um nível adequado de investimento público
vantagem da região (muito ao contrário do que alguns, local para o financiamento integral ou em parcerias de
ainda presos ao passado, insistem em divulgar). um conjunto de ações definidas pela estratégia regional.
Outro tema que exige tratamento coerente é o dos cus- O elenco de benefícios econômicos potenciais do Gran-
tos tributários específicos do Grande ABC, pois aqui es- de ABC é composto por cinco grupos de fatores: a produti-
tão em jogo também relevantes benefícios regionais. É vidade da força-de-trabalho; os espaços existentes para a com-
necessário corrigir distorções (por exemplo, convém ca- plementação da matriz interindustrial regional; o tamanho
minhar para a unificação regional de alíquotas do ISS) e, do mercado; a configuração de um ambiente empreendedor
inclusive, definir incentivos à atração de investimentos de em torno dos diferentes tomadores de decisão (empresários,
modo seletivo (a partir da fixação clara dos setores a se- setor público e sindicatos); e a qualidade de vida.
rem estimulados e das condições para tal, como metas de O mercado de trabalho da região já é, hoje, um valioso
geração de emprego). Porém, ao mesmo tempo, é impres- patrimônio, em face de sua quantidade e qualidade. É
cindível manter a carga tributária local num nível compatí- preciso, contudo, reconhecer que as novas demandas co-
vel com o investimento público voltado à qualidade de vida locadas pelo processo produtivo exigem um salto quali-
e ao desenvolvimento regional. É claro que, para o adequa- tativo em termos de capacitação da mão-de-obra, a qual
do retorno a esse investimento, os poderes públicos munici- deve estar familiarizada com as novas tecnologias e mo-
pais precisam passar por uma reforma administrativa a fim delos de gestão. Isso é condição, inclusive, para a obten-
de melhorar a eficiência e a qualidade do serviço público. ção de aumentos de produtividade compatíveis com a
Dentre os fatores logísticos importantes para o Gran- sustentação do nível de renda e emprego industrial. Para
de ABC, destacam-se os custos ligados ao transporte ro- tanto, o Grande ABC necessita de investimentos expres-

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sivos na área de educação voltada ao trabalho, envolven- atrair novos empreendedores (empresários e trabalhadores).
do diferentes dimensões: ensino básico (inclusive educa- Cabe recordar, aqui, a necessidade de um novo arranjo ins-
ção de jovens e adultos); capacitação profissional (em titucional de caráter regional, compatível com a adoção de
cursos da estrutura formal de ensino ou cursos mais rápi- ações conjuntas em temas como o meio ambiente (haja vista
dos voltados diretamente a habilidades profissionais, no a presença dos mananciais da Billings ou a problemática do
ensino médio ou de terceiro grau); capacitação gerencial lixo urbano), o uso e a ocupação do solo, o transporte cole-
(sobretudo para pequenos negócios); pesquisa e desen- tivo intermunicipal intra-Grande ABC, etc.
volvimento; etc. Daí a importância da Universidade do
ABC, sem prejuízo de ações imediatas envolvendo as ins- CONCLUSÃO: MARKETING REGIONAL
tituições de ensino existentes.
Em segundo lugar, a implementação de uma política O coroamento de uma estratégia regional, inspirada na
regional que localize espaços potenciais de complemen- defesa do nível de renda e emprego e materializada em
tação da matriz produtiva do Grande ABC, estabelecendo ações visando redução de custos e, sobretudo, aperfeiçoa-
estímulos objetivos para investimentos em tais espaços, mento e criação de benefícios econômicos, consiste na
pode se constituir numa relevante vantagem locacional, gestação de uma imagem pública positiva do Grande ABC
sobretudo para pequenas e médias empresas, e até para a (seja do ponto de vista do conjunto dos moradores, seja
modernização do setor informal. Tal diretriz inclui estí- do ângulo dos formadores de opinião e tomadores de de-
mulos à implantação de fornecedores locais de bens e ser- cisão internos e externos à região).
viços às grandes empresas, o aproveitamento de profis- Para tanto, não bastam apenas ações concretas, pois o
sionais vítimas de desemprego industrial (estrutural ou que importa, na prática, é a percepção que as pessoas ad-
conjuntural), a integração de empresas informais ao mer- quiram dessas ações. Nesse sentido, a reversão da ima-
cado formal ou a criação de cooperativas autogestionárias gem econômica dominantemente negativa de hoje, bem
de trabalhadores. Os estímulos envolvem, por exemplo, o como sua substituição por uma imagem positiva, que des-
estabelecimento de estruturas de financiamento, de capa- taque as vantagens regionais, passa pela implementação
citação (gerencial, de marketing, etc.) ou de oferta, à pe- de um marketing público regional capaz de fortalecer a
quena empresa, de serviços que exigem economias de es- identidade positiva da região e, com isso, dar sustentação
cala hoje ao alcance apenas da empresa de grande porte. às ações integradas de interesse coletivo.
Em terceiro lugar, a dinâmica da economia regional –
em que se destaca a expansão do terciário – evidencia o
papel de relevo cumprido pelas dimensões do mercado
regional. Sua sustentação, conforme já se asseverou, é REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

função, em primeira instância, do nível de renda e em- ABLAS, L.A.Q. A teoria do lugar central: bases teóricas e evidências empíri-
prego da indústria local. Seu crescimento, por outro lado, cas. São Paulo, IPE/USP, 1982.
depende do alargamento das fronteiras espaciais do mer- AZZONI, C.R. Teoria da localização: uma análise crítica. São Paulo, IPE/USP,
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tem demonstrado vocação para tal, o que, por si só, evi- RICHARDSON, H.W. Economia regional – teoria da localização, estrutura ur-
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