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A Regionalização do Plano Plurianual como Instrumento de Combate à Desigualdade

https://www.estadao.com.br/politica/gestao-politica-e-sociedade/a-regionalizacao-do-plano-plurianual-como-instrumento-de-combate-a-desigualdade/

Welles Matias de Abreu

Constantino Cronemberger Mendes

Thiago Silva e Souza

Quando nos referimos ao Planejamento Orçamentário Plurianual (PPA) no Brasil nos


deparamos com a premente necessidade de atender ao constituinte originário no que diz
respeito ao tema regionalização do dispêndio público federal. Vide o artigo 165 da
Constituição Federal de 1988, onde em seu primeiro parágrafo estabelece que “[a] lei que
instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada [grifo nosso], as diretrizes,
objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras
delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada”.

Porém, qual seria a motivação por trás de o PPA ter a compulsoriedade de ser de forma
regionalizada? A resposta está na própria Carta Magna brasileira, em especial ao
revisitarmos o inciso III do art. 3º, onde há como um dos objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil o de “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais” [grifo nosso].

O Brasil é um país historicamente desigual do ponto de vista social e regional. Uma


população de mais de 33 milhões de pessoas vive na extrema pobreza, concentrada nas
regiões norte e nordeste do país. O grupo mais rico do país detém mais de metade da
riqueza nacional e está localizado, predominantemente, nas regiões sudeste e sul do país.
Uma forma de visualizar essa desigualdade está no mapa da renda do trabalho. Então,
nada mais racional do que considerar o planejamento orçamentário, procurando dar conta
desse problema social e regional.

Quando vamos ao detalhamento expresso na Lei Orçamentária Anual (LOA), temos no


termo regionalização a expressão do menor nível legal da programação qualitativa do gasto
público (também conhecida como subtítulo). Ela busca, então, demonstrar a localização
física das ações de governo, traduzidas sob a forma de investimentos ou despesas de
custeio da chamada Máquina Pública.

Adiciona-se a toda essa situação o fato de a Constituição, em seu art. 35 dos Atos das
Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), estabelecer que teríamos um prazo de
10 (dez) anos, a partir de sua promulgação (tendo com base na situação populacional
verificada no biênio 1986-1987), para que, progressivamente, o país alcançasse uma
melhor distribuição de seus recursos entre as regiões macroeconômicas. Então, voltamos
ao problema já levantado anteriormente: por qual o motivo que em torno de 70% do
orçamento federal está concentrada no nível “Nacional” e “Exterior”? Em tese, isso significa
o fato do gasto público atender a todo o território nacional ou ao contexto internacional.

Mapa da Desigualdade
Autoria: FGV/IBRE

Fonte: SIOP (LOA - despesas discricionárias do Poder Executivo)


Em outras palavras, regionalizar consiste no fato de tentar observar uma distribuição de
recursos e de despesas que possa dar conta das desigualdades sociais e regionais no país.
Mas por que dizemos tentar? Pelo fato de grande parte das ações orçamentárias estarem
com o detalhamento no nível “Nacional”, o que impede de fato a real regionalização prévia
ou posterior da identificação do local específico do gasto público. Isto se deve pela falta de
regramento que obrigue a orçamentação adotar níveis regionais adequados (quais sejam,
por exemplo, níveis regional, estadual, municipal, ou até mesmo por biomas ou por bacias
hidrográficas) no atendimento distributivo requerido para determinadas políticas com o fim
de reduzir as desigualdades sociais e regionais.

Bem, mesmo partindo da hipótese de existirem várias razões para essa concentração de
gastos no nível “Nacional”, é notório que seus impactos são, em sua grande maioria, locais
(onde a população vive e recebe os impactos das políticas públicas). Neste contexto, é
patente que a falta de uma regionalização a priori para que os recursos sejam aplicados é
um fato para que tal situação atual não ter refletivo aquilo que esperava o constituinte.

Após a execução orçamentária, há a possibilidade da localização do gasto, apesar de que


isso só possa ocorrer em parte, quando a regionalização na LOA for no nível “Nacional”.
Por exemplo: quando se transfere recursos para estados, mas o gasto é municipal, não há
como se ter tal clareza no sistema de administração financeira federal sobre qual município
ocorreu o gasto; em outra situação, caso a despesa ocorra de modo direto pelo governo
federal, o registro da aplicação fica para o local onde a empresa executora está registrada.
Desse modo, a identificação do local seria a da sede da empresa e não no local onde foi
realizado o gasto.

Uma das razões apontadas para o não detalhamento da regionalização é o fato de que a
falta de transparência quanto a localização do gasto faria com que o orçamento fosse
anualmente planejado para aplicar nas mesmas regiões, mesmo que ao longo do tempo
elas não tenham as mesmas necessidades sociais iniciais. Isso faz parte da natureza
incremental do orçamento, promovendo uma rigidez ainda maior na distribuição e na
alocação dos recursos públicos. Então, qual a solução para responder ao mandato
constitucional de regionalização do plano plurianual, das diretrizes, objetivos e metas da
administração pública federal?

Uma solução seria retirar da Constituição esse mandato. Com isso, a regionalização
poderia ser adotada a partir de regulamentos infraconstitucionais e legais. Sem dúvida, isso
pode fragilizar mais ainda a adoção da regionalização por parte da administração pública.
Nesse caso, a flexibilidade para que ela pudesse a cada ano rever as aplicações dos
recursos e, assim, redirecionar para as localidades com maior demanda ou necessidade
social poderia servir à conveniência do momento para que os stakeholders mais fortes
mantivessem o seu domínio no processo alocativo do orçamento. Isso manteria o seu status
quo com argumentos míopes para justificar as decisões descasadas, com o propósito
distributivo com foco na redução das desigualdades regionais e sociais.

Resta, dessa forma, a condução da regionalização compulsória, em especial de políticas


impactantes regionais. Por exemplo, os projetos de infra-estrutura têm uma característica
territorial-local explícita (uma estrada é perfeitamente localizada no território, em um ou
mais municípios). Então, agora nos deparamos com outra questão: Qual o nível da
regionalização? O termo não está apenas associado ao nível regional, mas a qualquer
localização possível da aplicação de recursos. Assim, a distribuição ou a alocação de
recursos podem variar do nível local ou municipal até o nível nacional (com outras variantes
como biomas ou bacias hidrográficas, por exemplo).
A localização do gasto pode ser operacionalizada em todas as escalas regionais. O
importante é que possa ser avaliada em que medida os recursos públicos estão sendo
distribuídos e alocados regionalmente. O objetivo maior é atender a demanda ou a
necessidade social específica, com serviços públicos que possam atingir o público-alvo
com maior fragilidade social. O Estado não pode tudo, mas pode muito. Então, é preciso
priorizar a população em situação de piores condições socioeconômicas, geralmente
associadas com regiões menos desenvolvidas.

Nesse sentido, sublinhar e congratular a pioneira iniciativa da cidade de São Paulo em


regionalizar seu planejamento orçamentário para o período de 2022 a 2025. Comprometido
com a redução das desigualdades socio-espaciais nas 32 regiões (subprefeituras) da
capital paulista, a transparência orçamentária da Agenda de Governo foi traduzida em um
PPA com recorte regionalizado, onde sua metodologia está baseada no denominado Índice
de Distribuição Regional (IDR) do gasto público. Resumidamente, a métrica do IDR é
composta por uma cesta de indicadores de desempenho (tabela a seguir) que resulta em
um ranking daqueles territórios prioritários na implementação de políticas públicas. Logo,
regiões com piores indicadores de vulnerabilidade social e maior déficit de infraestrutura
urbana passam a ser priorizadas no atendimento continuado de demandas por serviços
públicos, nas áreas que efetivamente mais precisam de intervenção do Estado.

DIMENSÃO VARIÁVEIS PESO


Famílias inscritas no CadÚnico (ponderado por faixa de renda) 20%
Vulnerabilidade
Taxa de empregos formais por habitante 20%
Social
Mortes por causas externas 20%

Falta de acesso à coleta de esgoto 15%


Infraestrutura
Urbana Domicílios em favelas 15%

Demografia População 10%


Fonte: Adaptado de Exposição de motivos do Plano Plurianual 2022-2025 – cidade de São Paulo (p. 35)

Apesar de ainda não existir um Índice nacional que possibilite definir melhor as diretrizes
para a devida intervenção regional do poder público, inspirado na iniciativa da cidade de
São Paulo, não resta dúvida de que as regiões norte e nordeste do país são aquelas com
maiores necessidades socioeconômicas. Mas, mesmo em regiões desenvolvidas existem
“bolsões” de pobreza que precisam ser atendidos. Nesse sentido, as escalas regionais
devem atender aos problemas específicos sociais e econômicos que podem alcançar níveis
diferentes de localidades de acordo com o problema a ser enfrentado.

Diante do exposto, qual o caminho para atender ao mandato constitucional sobre a


regionalização? A resposta é a promoção da regionalização obrigatória considerando os
casos impactantes para o combate às desigualdades regionais e sociais, assim como
observando as características próprias de regionalização de cada ação (por exemplo, uma
política ambiental poder requerer uma regionalização própria considerando os biomas, não
necessariamente por Unidades da Federação).

Ou seja, na medida em que os problemas identificados sejam desenhados em programas


públicos, as causas desses problemas podem ser atacadas de acordos com as escalas
regionais específicas, sejam elas locais, microrregionais, mesorregionais, macrorregionais
ou nacionais etc. Região não significa o nível regional administrativo definido pelo IBGE
para as regiões norte, nordeste, centro-oeste, sudeste e sul, mas escalas regionais
definidas de acordo com os problemas específicos a serem enfrentados. Em outras
palavras, quando a Agenda de Governo é elaborada de forma regionalizada e, em especial,
com a população sendo informada sobre os motivos que levaram a certas priorizações da
intervenção, reafirma-se a maturidade, responsabilidade e o compromisso da gestão com
a transparência e o controle social das políticas públicas.

Dessa forma, considerando que estamos no ano que os governos irão elaborar os seus
PPAs, não seria este o momento ideal para que possamos assegurar previamente que o
recurso público, efetivamente, chegue a quem realmente mais precisa dele? Momento ideal
não para apenas discutirmos uma nova âncora fiscal, mas para também fazermos com que
o PPA seja o direcionador de políticas públicas intersetoriais e transversais, ou seja,
efetivamente seja o nosso instrumento de articulação político-federativa para a erradicação
da pobreza, da marginalização e da redução das desigualdades sociais e regionais, como
idealizado pelos nossos constituintes originários? Ademais, só poderemos avaliar, a
posterior, se as decisões alocativas e fiscais atingiram os seus propósitos distributivos no
longo prazo com tal firmamento claro, objetivo e prévio de compromisso de mudança da
atual realidade perversa e histórico no tocante à distribuição de renda do nosso País.

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