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Para uma Nova Visão Orçamentária: o PPA como norteador da estabilidade fiscal

Disponível em: https://www.estadao.com.br/politica/gestao-politica-e-sociedade/para-uma-nova-visao-


orcamentaria-o-ppa-como-norteador-da-estabilidade-fiscal/

Autores

Welles Matias de Abreu, Mestre e Doutor em Administração (UnB). Pós-doutor em Administração Pública e
Governo (FGV - EAESP). Analista de Planejamento e Orçamento da Secretaria de Orçamento Federal.
Professor de Pós-Graduação do IBMEC

Constantino Cronemberger Mendes, Doutor em Economia na área de Setor Público (UnB), Técnico de
Planejamento e Pesquisa do Ipea e ex-Subsecretário de Planejamento Governamental do Ministério da
Economia

Dalmo Palmeira, Economista, pós-graduado em Orçamento Público, cursa mestrado em Políticas Públicas no
Ipea. Foi Consultor do FMI e Secretário Adjunto de Planejamento e Orçamento no Governo do Distrito
Federal. É Analista de Planejamento e Orçamento, do Ministério da Economia, cedido ao Senado Federal

Texto

Segundo Hyde, em sua obra “Government budgeting: theory, process, and politics” publicada em 2002, o
processo de decisão da orçamentação pública é considerado um dos mais importantes no âmbito
governamental. No caso brasileiro, isso não é diferente, sendo o processo orçamentário federal referenciado
como vanguarda no tocante a introdução de inovações teóricas, com impactos nos entes federados, como
no caso de avanços em governança pública tratados por Ferreira et al. no artigo intitulado “Integração do
planejamento e orçamento”, publicado no jornal científico Contabilidade, Gestão e Governança em 2016.

No entanto, é notório que tais inovações são acompanhadas por dispositivos, por vezes, questionáveis, do
ponto de vista de agregação de qualidade ao processo decisório público, a exemplo da recente
implementação do “teto do gasto” como ferramenta de governança orçamentária. Nos termos da tese de
doutorado de Girley Damasceno (intitulada “Governança orçamentária e a aprovação de regras fiscais no
Brasil: fatores determinantes e o papel dos stakeholders na implantação do teto de gastos”, defendida em
2022), alguns mecanismos adotados tem sido objeto de constante quebras institucionais, traduzindo-se em
frágil instrumento de controle fiscal. Nota-se, assim, que o teto de gasto não impediu a gastança de recursos
públicos, em especial, de quem tem poder para conseguir alterações constitucionais ou para viabilizar
desonerações, sob o bastião de elevadas liberações de emendas de relator (pejorativamente chamadas de
“orçamento secreto”).
Musgrave afirma, em 1959, no seu clássico livro “Teorias das finanças públicas”, que as funções
governamentais devem se caracterizar por três principais objetivos, quais sejam, promover a estabilidade
econômica, a alocação dos recursos públicos e a distribuição de renda. Nessa toada, as ferramentas estatais
de planejamento e orçamento devem convergir com vistas a atingir tais propósitos de forma integrada e
harmônica. Portanto, não há de se falar em alcance de metas de endividamento (perspectiva fiscal
estabilizadora), sem observar, por exemplo, questões relacionadas com o nível de pleno emprego (social
com foco distributivo) e de implementação de investimentos públicos (visão desenvolvimentista alocativa).

As leis orçamentárias precisam absorver efetivamente tais prerrogativas financeiras e fiscais sem perder, no
entanto, suas qualidades de ferramenta de gestão governamental. O instrumento de planejamento
orçamentário de médio prazo (de quatro anos), conhecido por PPA (Plano Plurianual), deve contribuir como
peça-chave para as escolhas públicas na priorização dos investimentos estratégicos, como preconiza a
Constituição. Ademais, sob a perspectiva de dispositivo que incorpora o diagnóstico das desigualdades
sociais e regionais, o PPA promove o diálogo entre as visões de longo e curto prazos, mediando o conflito
distributivo latente na sociedade, utilizando os resultados intermediários das políticas públicas como ponto
chave para tal feito. Por fim, a condução dos processos avaliativos de políticas públicas (monitoramento e
avaliação) necessita alinhar os resultados de curto prazo com os objetivos futuros, sem perder de vista as
necessidades de ajustes de rumos.

Portanto, o PPA deve ser melhor utilizado, inclusive abrindo a possibilidade de ser regulamentado no âmbito
do Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), cujo veto foi um equívoco histórico sem sequer haver sido debatida
sua função sobre o aspecto estabilizador, para além do seu papel alocativo e distributivo. Por outro lado,
atribuir metas fiscais a uma lei que visa estabelecer diretrizes orçamentárias com caráter anual, como no
caso da LDO, que é uma lei de vigência curta, institui a visão míope sob uma temática que carece de tempo
para se concretizar. Observa-se que a instituição da Lei Complementar prevista na CF/88 para regulamentar
o processo orçamentário deixaria evidente o questionamento da real necessidade de existência da LDO.

Outrossim, é premente a necessidade de ruptura da ideia falaciosa de que países de baixa e média renda
têm a tendência de minorarem os seus problemas fiscais, como referenciado na obra “Orçamento Público”
do autor Giacomoni (7ª edição, de 1997), de maneira que seriam incompatíveis com a adoção de modelos
de planejamento orçamentário de médio e longo prazo. Infelizmente, é nessa premissa que o atual PPA se
apresenta, apenas como uma peça meramente informativa, sem cunho autorizativo de maneira a não se
constituir um instrumento efetivo de programação orçamentária, reforçando, assim, a miopia sob os
resultados de médio e longo prazos a partir das deliberações no âmbito da lei orçamentária anual (LOA).

Um PPA que faça a ponte entre o curto e o longo prazos é urgente, incorporando a gestão das metas fiscais
sob a perspectiva plurianual. Na perspectiva temporal, o longo prazo deve abarcar 3 períodos de PPA ou de
3 governos, pelo menos, mas também visando o monitoramento anual (de curto prazo) para a sua
concretude. O alargamento do tempo de cobertura do ato de planejar vai levar ao resgate da visão
estratégica no processo de construção das políticas públicas planejadas. Adiciona-se a este fato, o controle
mais intensivo das escolhas dos investimentos priorizados. Ademais, as metas intermediárias dos programas
governamentais devem orientar para o alcance de resultados efetivos das políticas públicas, minorando as
desigualdades sociais e regionais. Assim, sob uma nova perspectiva orçamentária, os resultados das ações
públicas devem solucionar os problemas complexos de desenvolvimento sustentável e não apenas gerenciar
“voos de galinha” de crescimento econômico, com foco em reeleições de governo.
Muito embora a notória racionalidade limitada vigente sob o processo decisório orçamentário, com o
advento de técnicas informatizadas modernas e sofisticadas para análise dos dados, cada vez mais observa-
se ganhos com possibilidades prescritivas de políticas públicas mais assertivas. Isso contribui enormemente
para a obtenção de respostas, tendo como base o dilema levantado por Key em 1940, em sua obra “A
ausência de uma teoria orçamentária” no tocante à razão de se alocar um montante de recursos em uma
programação em detrimento de outra.

A atual configuração de consolidação do orçamento público brasileiro, concentrada sob a égide do poder
executivo, tem também necessidade de ser debatido. O poder legislativo precisa se responsabilizar mais
sobre a qualidade das decisões orçamentárias, como se espera em uma democracia (aliás isso já fora
proposto na primeira constituição da república brasileira), buscando evitar os processos de “toma lá dá cá”,
que imperam em destarte com liberações de emendas com perfil “paroquiais” contestáveis. Casos como os
dos “anões do orçamento”, os “sanguessugas” e o “orçamento secreto” colocam em xeque o interesse
público, interesse esse que deve reger as decisões orçamentárias com foco em resultados efetivos de médio
e longo prazo.

Diante do exposto, nota-se que a implementação de uma nova visão orçamentária perpassa pela
reformulação dos instrumentos constitucionais, com destaque para a implementação de um PPA norteador
sob as escolhas públicas e as funções governamentais, que incluem os apectos da estabilidade fiscal. Além
de incorporar tal perspectiva estabilizadora, o PPA deve assumir um caráter mais efetivo para as questões
alocativas e distributivas, quais sejam mirando a concretude sobre as entregas dos investimentos públicos e
a implementação dos resultados intermediários, sem perder de vista os resultados de longo prazo.

Para tanto, considera-se como essencial que o PPA deixe de ter apenas uma prerrogativa formal e
informativa, para atuar como real instrumento norteador das políticas públicas de médio prazo, construindo
a ponte entre o curto prazo (anual) e o longo prazo (mais de dez anos), a partir de definições de metas não
apenas financeiras, mas do contexto fiscal. Destarte, conclui-se ser necessário avançar das visões míopes
atuais (como as da LDO e do Teto do Gasto) para um ambiente em que as funções estabilizadora (fiscal),
alocativa (investimentos) e distributiva (desigualdades sociais e regionais) de políticas públicas integrem às
ferramentas estatais de planejamento e orçamento (PPA e LOA), buscando alcançar tais propósitos de forma
harmônica.

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