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Rumos e caminhos para a reforma orçamentária1

Fernando Rezende Armando Cunha

2013

Uma questão de importância estratégica para a sustentação do desenvolvimento econômico


e social do país não tem merecido a devida atenção: o orçamento público. Por vários motivos, o
processo orçamentário brasileiro foi acumulando problemas que criam limitações ao efetivo uso
pelo Estado de um instrumento de fundamental importância para a eficácia das políticas públicas
e para aliviar as restrições fiscais à ampliação das medidas que visam promover a
competitividade do parque produtivo brasileiro. Importa, pois, provocar um debate sobre essa
questão, adotar iniciativas para melhorar a qualidade do processo orçamentário e associar essas
iniciativas à promoção de uma ampla reforma da gestão pública no país, a exemplo do que se
verifica em algumas experiências internacionais nessa área.

A reforma orçamentária é mais um passo importante para dar continuidade ao processo de


reformas institucionais que tiveram como objetivo inicial promover o ajuste das contas públicas
e construir um regime fiscal condizente com a necessidade de sustentar a estabilidade
macroeconômica e reduzir a vulnerabilidade a crises externas.

Um marco importante das reformas promovidas no passado recente foi a aprovação da Lei
de Responsabilidade Fiscal - LRF. Mais importante ainda do que a aprovação dessa lei foi a
afirmação de uma nova cultura baseada no firme compromisso das lideranças políticas com o
equilíbrio das contas públicas e na adoção das medidas necessárias para preservar a estabilidade
da economia.

Essas reformas contribuíram para que a economia brasileira retomasse uma trajetória de
crescimento, que, embora exiba índices de expansão econômica inferiores aos registrados pelos
demais países emergentes, apoia-se em uma situação fiscal mais sólida e em um sistema
financeiro que goza de boa saúde, ao mesmo tempo em que as disparidades sociais diminuem
e o regime democrático se aperfeiçoa. Enquanto no Brasil se observa o crescimento da classe
média, os países desenvolvidos exibem resultados opostos, com forte aumento da concentração
da renda na pequena fração da população com rendas elevadas.

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REZENDE, Fernando e CUNHA, Armando – A Reforma Esquecida. Orçamento, Gestão Pública e
Desenvolvimento (Rio: FGV Editora, 2013, cap. 2)

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Os fatos são auspiciosos, mas a sustentação desse modelo de crescimento não está a priori
garantida. As transformações em curso na geopolítica e na economia mundial impõem grandes
desafios de natureza estratégica que demandam preparação para que o Brasil possa enfrentá-
los com maiores chances de sucesso. Os desafios que se apresentam ao desenvolvimento
brasileiro neste terceiro milênio impõem repensar o Estado sob distintas perspectivas: nas suas
relações com a sociedade, na escolha das estratégias requeridas, na reorganização de estruturas
e processos, e na necessidade de ter em conta o rico mosaico cultural do país, buscando garantir
a harmonia entre as distintas dimensões do desenvolvimento. Nessa tarefa, há que contemplar
a importância de dotar o país de condições para acompanhar o ritmo acelerado da inovação
tecnológica no terreno da informação, da produção e da capacidade gerencial.

No calor das mudanças provocadas por essas transformações avulta a necessidade de o país
definir a estratégia a ser adotada para sustentar o modelo de crescimento com inclusão social,
que nos últimos anos promoveu inegáveis avanços nos campos da redução da pobreza e das
desigualdades sociais. A par disso, cumpre promover as mudanças necessárias para recriar as
condições indispensáveis para uma eficiente implementação dessa estratégia nas quais a
reforma do processo orçamentário deveria ocupar inegável prioridade.

Deficiências do atual regime orçamentário e


as qualidades do orçamento público

Em face da sua importância para a vida econômica, social e política de uma nação, o
orçamento público deve ser dotado de características que permitam responder afirmativamente
às seguintes questões que buscam aferir sua aderência a quatro atributos principais que ele
deve exibir, para obter um selo de qualidade, a saber: equilíbrio, previsibilidade, compreensão
e contribuição à vitalidade democrática.

Equilíbrio - Em que medida as decisões sobre a composição e alocação dos recursos que
compõem o orçamento, bem como a implementação das políticas nele contempladas, contribui
para o equilíbrio macroeconômico e para a distribuição dos frutos do progresso de forma mais
equilibrada na sociedade?

Previsibilidade - O orçamento aprovado deriva de decisões assentadas em um projeto nacional


de desenvolvimento e tem a credibilidade indispensável para que sirva de orientação para
decisões e ações adotadas por agentes públicos e privados?

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Compreensão - A leitura e a análise do orçamento público permitem que a sociedade delas


extraia um claro entendimento com respeito aos objetivos perseguidos pelo governo no curto e
médio prazos, bem como das ações adotadas para eles serem alcançados?

Contribuição à Vitalidade Democrática - O processo de formulação, aprovação e implementação


do orçamento oferece oportunidades para que os cidadãos participem das escolhas
orçamentárias, particularmente no tocante a políticas que afetam os indivíduos e a coletividade?

Em face das distorções que o processo orçamentário brasileiro foi acumulando ao longo
das últimas décadas, é impossível responder afirmativamente a qualquer das perguntas
formuladas, o que implica a existência de enormes barreiras ao alcance do objetivo de melhorar
a eficiência e a eficácia da gestão pública. Questões tais como o desequilíbrio na repartição dos
recursos, a irregularidade na execução orçamentária, a prevalência de uma visão setorial na
gestão das políticas públicas, a má qualidade dos projetos, e a ausência de garantias de
continuidade dos investimentos, impedem que o gestor governamental possa administrar com
competência seus programas. Não se trata de falta de conhecimento sobre o que precisa ser
feito, e sim de ausência de condições efetivas para uma eficiente gestão.

O encurtamento da perspectiva temporal da política orçamentária é outro aspecto que


merece ser destacado. O predomínio do curto prazo passou a ser conveniente, pois qualquer
tentativa de racionalizar as escolhas orçamentárias, planejar a despesa pública e regularizar a
execução orçamentária reduz a liberdade do Executivo para controlar a realização da despesa e
o poder de barganha do Legislativo para negociar as questões de seu interesse.

Para a qualidade do processo orçamentário, é essencial a existência de um regime de


financiamento que forneça previsibilidade aos gestores públicos, com respeito à disponibilidade
de recursos no prazo necessário para a conclusão das obras e à operação dos serviços, bem
como assegure a sincronia entre os cronogramas físicos e financeiros, de modo a evitar atrasos
e paralisações que inviabilizam a conclusão dos investimentos no prazo previsto e aumentam os
custos em razão de um descompasso nesses cronogramas.

Incertezas com respeito às previsões de receitas e à execução orçamentária geram


instabilidade macroeconômica e acarretam desequilíbrios sociais. A atual composição das
receitas orçamentárias apresenta alta participação de tributos economicamente ineficientes e
socialmente injustos. O encurtamento dos prazos em que as decisões são tomadas e a existência
de controles sobre a liberação dos recursos tornam o orçamento imprevisível, tanto para os
agentes públicos quanto para os agentes privados. Incertezas, imprevisibilidade e deficiências
na mensuração e avaliação de programas, projetos e ações prejudicam a eficiência da gestão e
a eficácia das políticas públicas, ao passo que as dificuldades de compreensão do orçamento

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público, limitam o controle social, daí decorrendo baixo grau de accountability pública, e a
limitada contribuição do orçamento para a democracia.

Previsibilidade e estabilidade financeira são necessárias, mas não são suficientes. É


preciso, ainda, que a execução dos projetos disponha de um sistema de acompanhamento que
permita a adequada compreensão de outros motivos que possam comprometer a ocorrência de
atrasos na execução desses cronogramas, de modo que os administradores públicos possam
intervir preventivamente para evitar que isso ocorra, ou atuar com rapidez para corrigir o
problema. Ademais, as informações geradas por esse sistema devem atender aos requisitos de
visibilidade e transparência, a fim de que os demais poderes da República e a sociedade possam
atuar supletivamente com vistas ao objetivo de garantir a eficiência no uso dos recursos e a
eficácia dos investimentos realizados.

A adoção de uma visão estratégica nas escolhas sobre a alocação de recursos


orçamentários reforça o foco em resultados a serem alcançados pelos programas e projetos na
ação governamental. O foco nos resultados demanda a necessidade de o orçamento ser
reconhecido como um instrumento importante, não apenas para a gestão governamental, mas
também para o exercício do controle social sobre o Estado. Isso significa que o orçamento precisa
ser transparente, isto é, que as informações nele contidas possam ser traduzidas em linguagem
acessível a distintos segmentos da sociedade, com múltiplas formas de acesso, que seus
resultados adquiram credibilidade e que a população se interesse em participar do processo de
elaboração e em acompanhar sua execução.

A participação da sociedade é importante, pois a contribuição do orçamento público para


a vitalidade democrática não se restringe, naturalmente, às relações entre os poderes Executivo
e Legislativo. Para tanto, o acesso e a compreensão das informações orçamentárias são
essenciais (Rezende & Cunha, 2002:8), condição essa que deverá se beneficiar do grau de
organização da sociedade e de novas facilidades propiciadas pela tecnologia da informação e da
comunicação, que poderão contribuir para o aumento do interesse dos cidadãos pelo orçamento
público e para o surgimento de diferentes formas de envolvimento social com a dinâmica
orçamentária nos anos a frente.

A figura1 sintetiza as distintas questões que precisam estar contempladas em um


processo de reformas que tenha por objetivo evoluir na direção do objetivo de assegurar as
qualidades do orçamento.

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Figura 1- As qualidades do orçamento público e as trilhas para as reformas

As principais relações entre as qualidades do orçamento público e as mudanças


requeridas para o seu alcance e sustentação, exibidas na figura acima, podem ser assim
resumidas:

 A redução de incertezas e a melhoria na qualidade do financiamento


contribuem para o equilíbrio e a previsibilidade. A previsibilidade se
beneficia da ampliação do horizonte temporal e de melhorias na composição
da receita, ao passo que o equilíbrio concorre para a eficiência e a eficácia
das políticas públicas;
 De outra parte, a previsibilidade facilita a compreensão e esta contribui
para um maior grau de accountability pública. Juntas, eficácia e accountability
reforçam a contribuição do orçamento para a vitalidade democrática;

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 Em conjunto, confiança nas previsões de receita, estabilidade da execução


orçamentária, qualidade da informação e clareza da exposição contribuem
para reduzir incertezas, ampliar o horizonte do orçamento, aumentar a
eficiência da gestão e a eficácia das políticas e dar transparência ao processo
orçamentário.

Barreiras e limitações ao avanço do processo de reformas

A acomodação experimentada pelo processo orçamentário a uma nova realidade gerada pela
redemocratização do país teria, segundo a visão de alguns estudiosos da ciência política,
repercutido positivamente no relacionamento dos poderes Executivo e Legislativo, contribuindo
para a formação do que veio a ser denominado de ‘presidencialismo de coalizão’ 2. Vários estudos
que exploraram essa tese comprovaram a funcionalidade desse regime para a governabilidade
democrática. Não obstante, o fato apontado, a sustentação desse regime contribuiu para que o
foco da política da despesa pública se distanciasse de um debate estratégico sobre as prioridades
de alocação dos recursos públicos para se concentrar no processo de execução orçamentária e
não nas etapas de elaboração e aprovação do orçamento.

Em parte, a funcionalidade do arranjo que foi construído reflete a acomodação a uma


realidade decorrente de decisões derivadas dos trabalhos da Constituinte de 1988, que tinham
em mira reforçar os pilares da democracia mediante a recomposição do equilíbrio entre os
poderes da República e o fortalecimento da federação, para reduzir a excessiva concentração de
poderes e de recursos na União promovida pelo regime militar. Adicionalmente, a liberalização
das regras que regulam a formação de partidos políticos objetivava ampliar as possibilidades de
representação da diversidade de situações que marca a sociedade brasileira.

No entanto, a sintonia no alcance desses objetivos foi atropelada pelos eventos que
sucederam a promulgação do novo texto constitucional. A partir de 1999, a exigência de ajuste
das contas públicas provocou grande impacto no país. Para serem atingidas, as metas do
superávit primário demandaram sucessivos incrementos na carga tributária, uma vez que a
contenção de despesas esbarrava na forte rigidez de seus principais componentes. Ao mesmo
tempo, por se apoiar no aumento das contribuições sociais, o crescimento da carga tributária

2 Ver, por exemplo, Cheibub, Figueiredo e Limongi, 2009; Pereira e Muller, 2004.

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engendrava novos aumentos do gasto, contribuindo para a formação de um “efeito cremalheira”3


com repercussões negativas no processo orçamentário.

O impacto no processo orçamentário repercutiu na área política à medida que o Executivo


precisou negociar com o Legislativo a aprovação de medidas necessárias para sustentar a
estabilidade da economia. Em decorrência, as regras do processo orçamentário se adaptaram a
essa nova situação. A proposta orçamentária enviada pelo Executivo passa por uma substancial
revisão das estimativas de receita, efetuada pelo Congresso para acomodar suas emendas ao
orçamento, o que, por seu turno, conduz a um posterior contingenciamento de despesas
promovido pelo Executivo. A administração desse contingenciamento constitui um dos pilares
da funcionalidade do regime que sustenta o chamado presidencialismo de coalizão.

A funcionalidade desse regime foi reforçada com a adoção de novos expedientes, como a
acumulação de ‘restos a pagar’, pois a negociação que trata da liberação de emendas
parlamentares passou a alcançar vários anos passados, além do corrente. Mas o peso do passado
sufocou o presente e ofuscou o futuro. A política da despesa pública se distanciou de uma visão
estratégica das prioridades nacionais para se concentrar no processo de execução orçamentária.
O ritual de elaboração e aprovação do orçamento e dos planos plurianuais tornou-se uma mera
formalidade, sendo substituído por regimes especiais de execução orçamentária para projetos
considerados prioritários pelo Executivo.

A consequência disso foi a fragilização do processo orçamentário. A disputa entre os poderes


se estendeu ao controle sobre a mesa diretora da Câmara e do Senado, tendo em vista o poder
do presidente das duas casas para decidir o que é posto em votação no plenário, alcançando
também a escolha de presidentes e relatores das comissões mais importantes. No âmbito do
Executivo, a necessidade de acomodar a diversidade de interesses das diversas facções que
compõem sua base no Congresso levou a uma multiplicação do número de Ministérios e à
politização de cargos diretivos em importantes organizações da administração pública.

A acumulação de todo esses fatos repercutiu intensamente no processo orçamentário,


cabendo assinalar, entre outras implicações, o encurtamento da perspectiva temporal da política
orçamentária. Qualquer tentativa de racionalizar as escolhas orçamentárias, planejar a despesa
pública e regularizar a execução do orçamento esbarra em dificuldades criadas pela necessidade
de sustentar o precário equilíbrio que garante a aprovação de medidas necessárias para
preservar a estabilidade econômica e continuar avançando no campo social.

3 Para uma descrição desse efeito consultar Rezende et alii. O Dilema Fiscal: Remendar ou Reformar. Rio
de Janeiro, FGV, 2007.

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A intervenção do Judiciário na despesa pública, motivada pela demanda de segmentos da


população para obter na justiça o direito de fazer valer alguns preceitos constitucionais, com
destaque para a distribuição gratuita de medicamentos, que representa uma conta importante
dos gastos em saúde, também cresce na área da assistência social, adicionando novas fontes
de pressão sobre o orçamento.

Na atualidade, as crescentes tensões que rondam as relações entre o Executivo e o


Legislativo indicam que a funcionalidade do modelo, com respeito ao equilíbrio nas relações do
Executivo com o Legislativo, começa a exibir fissuras decorrentes do aumento de conflitos
gerados pelo represamento de emendas parlamentares e pela dificuldade de lidar com
negociações que envolvem compromissos assumidos em vários anos passados, além do ano
corrente. À medida que o modelo se depara com uma conjuntura econômica desfavorável os
conflitos emergem com maior intensidade e reforçam os sinais de que a oportunidade de discutir
mudanças no processo orçamentário, concebidas em bases realistas, não deve ser perdida.

O estabelecimento de condições propícias à realização de mudanças

O teor e a intensidade das reformas orçamentárias estão condicionados pelo caráter


multifacetado do orçamento público. O orçamento tem a ver com a política, com a economia, e
com a arquitetura legal existente. Ademais, o orçamento está estreitamente ligado à prestação
dos serviços públicos à sociedade e, sob essa perspectiva, as decisões orçamentárias e sua
implementação precisam levar em conta a dinâmica da gestão no âmbito das diferentes
organizações do setor público.

Assim, qualquer esforço de direcionamento de reformas orçamentárias requer, inicialmente,


explorar duas classes de conexões relevantes. Primeiro, como alcançar congruência entre os
componentes das reformas que tratam da importância do orçamento como instrumento de
política macroeconômica e como expressão de estruturas e relações políticas e institucionais, no
marco dos ditames legais e sob distintas esferas de influência que interferem na sua composição.
Segundo, compreender as relações entre essa ótica macroscópica da gestão orçamentária e o
que se passa na ‘ponta’ da ação governamental que responde pela prestação dos serviços
públicos, pois a inexistência de condições adequadas para o exercício dessa função irá evidenciar
as fragilidades organizacionais da administração pública.

Subjacente à ideia de reforma orçamentária está o seu caráter contingencial. Assim, o


esforço para promover reformas pressupõe o mapeamento e a modelagem das transformações

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necessárias e, igualmente, o desenvolvimento da capacidade para transitar da situação


prevalecente para a situação idealizada. Para tanto, a estratégia a ser seguida para a instauração
de um processo de reforma que vise alcançar maior qualidade na gestão pública e propiciar
sustentação ao desenvolvimento econômico e social, precisa reunir e integrar três componentes
essenciais: ideias e proposições para aperfeiçoar o processo orçamentário; obtenção do suporte
político e social indispensável para empreender as mudanças necessárias; e existência de
capacidade operacional requerida para obter os resultados desejados (figura 2).

Figura 2 - Componentes de uma estratégia de reforma orçamentária

Obtenção de Ideias e
suporte político e proposições de
social às mudanças aperfeiçoamento do
processo
orçamentário

Construção da
capacidade
operacional para
implementar as
ideias e proposições
de mudanças

Fonte: adaptado de Moore (1995)

Na elaboração dessa estratégia importa atentar para as políticas, econômicas e sociais


em curso desde os anos 1980. Tanto as mudanças de caráter global, como a ampliação das
relações econômicas no plano internacional, a ascensão do individualismo em detrimento do
compromisso com o bem comum, o envelhecimento da população e os desenvolvimentos no
campo da tecnologia da informação, dentre outras. E, também, as mudanças ocorridas
internamente, entre as quais se destacam a adoção de uma nova constituição em 1988, a

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pluralização política em curso, os desafios do federalismo e a revitalização do Poder Legislativo.


Ademais, não devem ser ignorados os efeitos decorrentes da interação entre as mudanças de
caráter global e as de cunho interno.

Em decorrência, considera-se aqui como essencial que a estratégia em tela reflita: (1) os
atuais e prospectivos desafios enfrentados no processo de crescimento da produção econômica
do país; (2) os novos e prospectivos arranjos políticos e institucionais que influenciam e são
influenciados pela dinâmica orçamentária; (3) as novas demandas e pressões advindas dos
cidadãos, dos beneficiários dos serviços públicos, dos eleitores e dos contribuintes; e (4) os
imperativos práticos associados com a formulação e implementação de políticas públicas e com
a prestação dos serviços públicos que estejam alinhados com as questões anteriores.

As Trilhas para as Reformas

Os caminhos a serem trilhados no rumo da reforma orçamentária tratam das cinco categorias
de mudanças a serem adotadas para que o orçamento exiba os quatro atributos essenciais a um
orçamento de qualidade que foram abordados anteriormente e sintetizados na figura1.

O quadro 1 a seguir apresenta um mapa de sugestões a serem adotadas para que a


caminhada no rumo desejado tenha sucesso. Ele exibe os problemas que precisam ser removidos
para reduzir as incertezas orçamentárias, ampliar o horizonte temporal das decisões, melhorar
a eficiência e a eficácia do gasto, propiciar a transparência das informações e a accountability
dos governantes, e melhorar a qualidade do financiamento do governo. Além disso, enumera as
consequências da não-solução dos problemas apontados.

Quadro 1 - Caminhos, problemas, consequências e recomendações

Trilhas O problema As consequências

 Estimativas de receita sem  Instabilidade


credibilidade macroeconômica

 Arritmia na execução  Ineficiência na gestão pública


Reduzir orçamentária
incertezas  Dificuldade de fazer
 Falta de confiança nas avaliações
informações

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Trilhas O problema As consequências

 Investimentos sem  Atrasos e aumento nos custos


perspectivas de continuidade dos investimentos

 O plano plurianual é que se  Perda da credibilidade do


ajusta ao orçamento anual e Estado como promotor do
Ampliar o não o contrário desenvolvimento
horizonte
temporal  Ausência de visão estratégica  Desperdício de recursos
públicos
 O orçamento contribui para o
caráter pró-cíclico da política
fiscal

 Ausência de processos  Alta relação custo-benefício


adequados para
monitoramento e avaliação  Falta de informações para
que a sociedade cobre a
 Foco nos setores e não nos eficiência dos governantes
Melhorar problemas
eficiência e
eficácia  Difícil coordenação
intersetorial e cooperação
intergovernamental na
formulação e gestão das
políticas públicas

 Dificuldade para compreensão  Desinteresse da sociedade


Transparência das informações divulgadas pelo orçamento público
e
accountability  Receio de comprometer o  Dificuldade de mobilização e
ajuste fiscal participação

 Tributação pesada dos  Inibe o emprego e onera as


salários exportações

 Oneram investimentos e
 Limitações à utilização de exportações
Qualidade do créditos
 Prejudicam a competitividade
financiamento
 Incentivos do ICMS às nacional
exportações
 Limita atividades de micro e
 Carga tributária elevada pequenas e médias empresas

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Trilhas O problema As consequências


 Promove guerra fiscal,
 ICMS na origem
ineficiência econômica e
conflitos federativos

 Multiplicidade de tributos  Gera distorções econômicas e


incidentes sobre mercadorias iniquidades sociais
e serviços

Como qualquer mapa, este se apoia no conhecimento acumulado sobre o tema, tanto o
propiciado por experiências internacionais quanto o advindo da experiência e de estudos e
análises sobre o caso brasileiro. Dadas as incertezas que cercam essa caminhada, as escolhas a
serem feitas para dar os primeiros passos requerem uma cuidadosa avaliação, e esses passos
precisam ser constantemente monitorados para permitir ajustes na direção e na velocidade do
avanço.

Comentários Finais

A cuidadosa avaliação das limitações econômicas, políticas e sociais enfrentadas em um


processo de reformas é essencial para evitar resistências e reações que impeçam seu avanço e
possam, até mesmo, criar maiores dificuldades à frente.

As limitações econômicas referem-se à importância de preservar o compromisso com a


responsabilidade fiscal. As limitações políticas remontam à tese da funcionalidade do regime
vigente para a governabilidade de nossa democracia. E as limitações sociais apontam para a
necessidade de evitar retrocessos com respeito aos avanços alcançados na redução das
desigualdades e da pobreza.

Nesse contexto, a escolha dos primeiros passos deve orientar-se pela necessidade de abrir
brechas nas limitações acima apontadas, mediante revisão dos procedimentos aplicados à
execução orçamentária, ao relacionamento entre os poderes e à identificação de iniquidades e
desperdícios, bem como apoiar-se em um debate que explore alternativas e identifique
resistências, de modo a alcançar o acordo necessário para o início da caminhada.

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Referências

CHEIBUB, José Antonio; Figueiredo, Argelina e Limongi, Fernando. Political Parties and
Governors as Determinants of Legislative Behavior in Brazil´s Chamber of Deputies, 1988- 2006.
Latin American Politics and Society, 2009.

MOORE, Mark H. – Creating Public Value. Strategic Management in Government. Cambridge:


Harvard University Press, 1995.

PEREIRA, Carlos e MUELLE, Bernardo. The Cost of Governing: Strategiv Behavior of the President
and Legislators in Brazil´s Budegetary Process. Comparative political Studies, v.37 n.7, Sept
2004.

REZENDE, Fernando e CUNHA, Armando (Org.) – Contribuintes e Cidadãos: Compreendendo o


Orçamento Federal. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2002.

REZENDE, F., OLIVEIRA, F. e ARAUJO, E. – O Dilema Fiscal. Remendar ou Reformar? Rio de


Janeiro, FGV Editora,

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