Quem são os recordistas dos exames?

Especialistas identificam uma tendência

POLÍTICO MADEIRENSE PANDEMIA AUMENTOU
JÁ FEZ 29 TESTES À COVID-19 NÚMERO DE PARTOS EM CASA

www.sabado.pt N.º 864 – SEMANAL – 18 A 24 DE NOVEMBRO DE 2020 – €3,50 (CONT.)

A REDE
DE CUNHAS
E FAVORES
DE SALAZAR
T Cartas de médicos, deputados,
juízes e militares revelam
os pedidos da elite ao ditador:
aumentos, cargos no Estado e em
bancos, comendas e até lugares
à janela para ver Isabel II
T Avô de ideólogo do Chega
trocou dezenas de cartas
com o líder do Estado Novo

CASO DO HIDROGÉNIO MP GRAVOU CONVERSAS ENTRE GALAMBA E SIZA VIEIRA

ANTIENVELHECIMENTO
SUPREMO
GLOBAL-REPAIR
FÓRMULA CONCENTRADA DE
EFICÁCIA MULTIRREVITALIZANTE

NOVO

1.º   LABORATÓRIO FRANCÊS DE MEDICINA ESTÉTICA

(1)

Em farmácias e parafarmácias.
(1) Fundado em 1978.
Sumário 18 NOVEMBRO 2020
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72
PODE IR FAZER
COMPRAS POR MIM?
Há quem faça negócio a ir
comprar roupa às lojas e a en-
viá-la por correio a quem não
quer sair de casa. Primark e
Lidl são das mais procuradas
56
MAR VERDE FOI
HÁ 50 ANOS
António Luís Marinho recorda
o ousado ataque a Conacri
organizado por Alpoim Calvão
e António Spínola e nunca
reconhecido por Portugal

82
CAMPEÃ NACIONAL,
A SURFISTA TERESA
BONVALOT LEMBRA
O INÍCIO DA CARREI-
RA, O GOSTO PELO
FUTEBOL E O MEDO
DE TUBARÕES E
ONDAS GIGANTES

ALEXANDRE AZEVEDO

3
 DIVER 300M

CERTIFICAÇÃO MASTER CHRONOMETER

Por detrás da elegância de cada
Master Chronometer está um extremo grau
de exigência: 8 testes ao longo de 10 dias,
para garantir uma precisão e resistência
anti-magnética superiores.

BOUTIQUE OMEGA
Av. da Liberdade, 192A • Lisboa
 18 NOVEMBRO 2020
Sumário www.sabado.pt
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Sociedade
A Semana
16 Julgamento A burla milionária da
sobrinha-neta do marechal Spínola
20 Prisões Relatório europeu critica
sobrelotação e a violência dos guardas
28 Entrevista Psicóloga da Moda expli-
ca como a roupa nos faz sentir bem

Destaque
34 Salazar Os pedidos de cunhas e de
empregos ao Presidente do Conselho

Portugal
48 Parlamento As negociações do OE

66 52 Hidrogénio As escutas entre João

Galamba e o ministro Siza Vieira
JOÃO MIGUEL RODRIGUES

54 Perfil Pedro Catarino, o embaixador

QUEM SÃO OS CAMPEÕES que aceitou a “caranguejola” nos Açores

EM NÚMEROS DE TESTES COVID? Dinheiro

64 Entrevista O economista Tim
Harford explica como ler as estatísticas
Deputados das ilhas, treinadores, atores e até o Presidente da República já somam
e como escapar às fake news
mais de uma dezena de testes. Não o fazem por razões de saúde, mas pela profissão
Sociedade
76 Livro Mulheres Invisíveis revela
Mundo GPS estudos chocantes
COSMÉTICA 78 Leilão Os objetos de espionagem
do KGB vão estar à venda
CUIDAR DO CORPO 80 Brinquedos A Barbie é novamente
a rainha das crianças
AO MESMO TEMPO QUE
SE CUIDA DO PLANETA GPS
É O LEMA DE MUITAS 96 Gourmet O novo restaurante Boato
e o seu chef, Manel Perestrelo
MARCAS DE BELEZA 98 Vinhos Os topos de gama da
Ribafreixo e o seu terroir
102 Séries Perfil da nova atriz Anya
Taylor-Joy, de The Queen’s Gambit
106 Música Tenho Dito, com o saxo-
fonista João Cabrita
108 Livros Entrevista: Santiago Poste-
guillo e as suas figuras da Roma Antiga

60 www.sabado.pt
TERRORISTA EM FUGA Covid-19
Ângela Barreto fugiu do campo de Al Hol com Pfizer anuncia vacina
outras 14 mulheres e alugou casa com piscina “90% eficaz”
A empresa diz não ter registo
de efeitos secundários graves
Opinião
Buscas
Judiciária faz buscas ao
Benfica e ao Santa Clara
Em causa estão os negócios

32
JOSÉ
62
NUNO
84
JOÃO
114
JOÃO
de três jogadores líbios

PACHECO ROGEIRO PEDRO PEREIRA

PEREIRA GEORGE COUTINHO

8 Editorial 47 António José Vilela 81 Pedro Marta Santos Crias de leão ado-
10 Bastidores 59 Carlos Rodrigues Lima 94 Ângela Marques tadas em Gaza
17 Octávio Ribeiro

6
 Do diretor
EDITORIAL
É na divisão do seu potencial
exército que está a batalha.
Não na verborreia que
apenas estigmatiza quem
vota em Ventura, criando
uma classe de eleitores
pestilentos, estratégia
manifestamente errada e
antidemocrática. O jogo de
Rui Rio é perigoso mas é,
seguramente, mais corajoso
que o da pura retórica
antifascista
E rio que afasta muitos portugueses da
Diretor
Eduardo Dâmaso
8
E dos, precários, dentro de casa, sem fu-
Os eleitores
pestilentos
do Chega
R
ui Rio apadrinhou a negocia-
ção do PSD-Açores para for-
mar uma coligação de gover-
no que vai levar o Chega para a esfe-
ra de influência na governação, mas,
muito mais do que isso, testa aquilo
que realisticamente pode vir a ser
um dos resultados eleitorais possí-
veis para governar Portugal. Caiu o
Carmo e a Trindade porque aconte-
ceu aquilo que há muito se desenha-
va num sistema partidário afundado
nas suas próprias contradições.
Não é de agora o risco de cresci-
mento eleitoral de um partido antis-
sistema até ao nível decisivo de se
constituir como uma charneira ca-
paz de determinar coligações no es-
paço da direita. Desde os anos 90
que o vírus está lá, na outra metade
de eleitores deste País que deixou de
ir às urnas e se vê representado na
desistência da abstenção. Esses anos
90 em que tanto o PS como o próprio
PSD prometeram medidas para
reorganizar o sistema político, para
aumentar os níveis de transparência
e escrutínio dos eleitos, para clarifi-
car o financiamento partidário, para
renovar as instituições, para aproxi-
mar eleitos de eleitores. Nunca o fi-
zeram. Gastaram muito dinheiro em
estudos sobre os círculos uninomi-
nais que acabaram no lixo. Muito di-
nheiro em sondagens que não servi-
ram para nada. Pelo contrário, dei-
xaram cristalizar no seu seio um gru-
po de famílias políticas que mono-
polizam o controlo da coisa pública e
que tem hoje uma dimensão de ver-
dadeira casta. Casta no sentido quase
cleptomaníaco em que a palavra é
usada em países como Itália.
O Estado, seja na sua versão de ad-
ministração central ou local, está hoje
transformado numa gigantesca agên-
cia de empreguismo político-partidá-
política, desde logo pela irritação que
sentem ao ver os filhos desemprega-
turo, enquanto outros sem currículo
mas com o conforto da proximidade
do poder vão sempre progredindo. E
essa cultura clientelar, que tem uma
escala muito grande, é uma das gran-
des sementeiras do Chega.
O partido de André Ventura é mui-
to o resultado das omissões e incom-
petências dos partidos parlamenta-
res históricos que moldaram o exer- i
cício do poder. Da sua ocupação do Olhemos para
lá da indigna-
Estado e da sua propensão tentacu- ção e da ideia
lar para o clientelismo e para a cor- de superiori-
rupção, pecados que são hoje olha- dade moral
dos com uma inacreditável ingenui- dos nossos va-
lores sobre os
dade (acreditemos) até por setores de Ventura. A
de esquerda, que preferem ver em indignação é
Portugal uma “perceção” endémica um pavio de-
sobre a corrupção e não verdadeira- masiado curto
que só serve
mente um clima de corrupção gene- para gerir
ralizada. E que, por isso, relativizam oportunismos
o podre do regime, acusando outros políticos
de se terem transformado numa es-
pécie de profissionais do regime po-
dre. Enfim, chapéus há muitos e cada
um enfia o que quer, mas este tipo de
discurso é precisamente o que favo-
rece o crescimento do Chega. Este
tipo de discurso prefere meter a ca-
beça na areia ou vestir a infalível ar-
madura da superioridade moral an-
tifascista. É trágico que André Ventu-
ra e o Chega sejam combatidos ape-
nas assim, de um modo que só o fará
crescer. Sem coragem, sem políticas,
sem racionalidade, sem ousadia,
sem escrutínio de quem tem o real
poder, com uma hipocrisia imensa e,
pior do que isso, demonizando os
eleitores do Chega, considerando-os
mais ou menos atrasados mentais,
pestilentos e fora da democracia.
Olhemos para lá da indignação e
da ideia de superioridade moral dos
nossos valores sobre os de Ventura.
A indignação é um pavio demasiado
curto que só serve para gerir oportu-
nismos políticos, como a propagan-
da dos que estão a cavalgar a legiti-
midade de Rui Rio para fazer o dito
acordo açoriano. É cartilha para o
País político e a sua extensão mediá-
tica, ou seja uma horda de comenta-
JOÃO MIGUEL RODRIGUES

dores barricados na solução mais fá-
cil, de envergar as habituais vestes
de ruidosos lutadores antifascistas
de sofá, ungidos pela pureza originá-
ria de valores absolutamente con-
sensuais numa sociedade civilizada,
como a defesa dos direitos humanos,
o combate ao racismo, à xenofobia e
aos privilégios. Isso é importante
mas é demasiado fácil e cómodo. O
caminho a fazer é muito mais exi-
gente, requer mais cidadania, mais
independência, mais trabalho, me-
nos palavreado estéril, mais capaci-
dade de distinguir entre as linhas de
combate a um sargento que só debi-
ta radicalismo verbal e eleitores que
têm de ser convencidos pelo diálogo
e pelo exemplo democrático.
O essencial do caminho é exigir
coerência, seriedade, rigor, transpa-
rência e democraticidade a quem
governa. O essencial do caminho, no
atual contexto, passa por exigir ao
Governo que explique o gasto de
cada cêntimo dos fundos comunitá-
rios que aí vêm. Que seja transpa-
rente nas políticas e na subsidiação
dos negócios com as energias lim-
pas. Que aprove verdadeiras medi-
das de combate ao desperdício de
dinheiro público e não favoreça car-
téis de empresas detentoras dos mo-
nopólios naturais. Que defenda a le-
galidade e faça com que os tribunais,
as magistraturas e as polícias funcio-
nem como o único poder dos que
18 NOVEMBRO 2020
www.sabado.pt
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não têm poder nenhum. Que aproxi-
me o rendimento dos portugueses,
diminuindo as atuais fraturas sociais,
e não utilize o fisco como um camar-
telo contra cidadãos e empresários.
Só assim será possível combater
este ou futuros Chegas, porventura
mais perigosos. Só assim será possí-
vel entalar Ventura entre a sua reali-
dade e a Constituição, que também
lhe dá vida mas pode vir a ser o seu
cadafalso. Só assim será possível em-
purrar Ventura para o dilema de mo-
derar o seu programa para evitar ba-
ter de frente no muro constitucional
ou empurrar-se a si próprio para fora
dos consensos constitucionais bási-
cos. Se a primeira opção pode afastar
os seus eleitores mais radicais, já a
segunda pode ter o condão de dis-
tanciar os eleitores moderados – que
também os há – do Chega. E é aqui,
na divisão do seu potencial exército,
que está a batalha. Não na verborreia
que apenas estigmatiza quem vota
em Ventura, criando uma classe de
eleitores pestilentos, estratégia mani-
festamente errada e antidemocrática.
O jogo de Rui Rio é perigoso mas é,
seguramente, mais corajoso do que o
da pura retórica antifascista.
E
As cautelas da Cautela
Uma apresentadora da RTP, Filome-
na Cautela, denunciou nas redes so-
ciais o abuso de um deputado que
passou à frente de toda a gente
numa fila de cidadãos que aguarda-
va a sua vez para fazer o teste à Co-
vid. Denunciou o ato mas não o seu
autor. A ser verdadeiro, aí está um
bom exemplo do calculismo, do ci-
nismo e da cobardia que envenenam
a vida pública. Um abuso destes – se
foi um abuso – deve ser apurado e
denunciado. Um deputado não tem
nenhuma prerrogativa especial para
a realização de um teste Covid e
deve ser confrontado com um abuso
repugnante. Será por ser alguém de
um partido com poder sobre o em-
prego de Cautela na RTP que a levou
a ter tantas cautelas e a refrear a sua
indignação? Que triste figura! W
9
 Opinião 18 NOVEMBRO 2020
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BASTIDORES B

Numa edição antecipada Cunhas do

devido às restrições que
vigoram no fim de semana,
fomos ler as cartas com os
pedidos de favores feitos a
António Oliveira Salazar e
contamos quem são alguns
dos portugueses que mais
testes fizeram à Covid-19
antigo regime
O
arquivo de correspondência
particular de António Olivei-
ra Salazar, depositado na
Torre do Tombo, é composto por
centenas de pastas e milhares de do-

cumentos, cartas, telegramas, cartões
e fotografias. Se a pesquisa já era de-
morada em condições normais, as li-
mitações impostas pela pandemia di-
ficultaram ainda mais o trabalho do
jornalista Marco Alves para o tema de
capa desta edição: o que escreviam e
pediam os portugueses de todo o País
a Oliveira Salazar. Para agilizar a pes-
quisa, o repórter optou por fotografar
as missivas e analisá-las ao detalhe
mais tarde – o que resultou num ar-
ALEXANDRE AZEVEDO
JOÃO CORTESÃO
B g
Retratos na praia O jornalista
André Santos
Para aproveitar a luz de fim de tarde, a entrevistou o
campeã nacional de surf, Teresa Bon- escritor Santiago
valot, esteve 40 minutos a ser fotogra- Posteguillo
fada pelo subeditor Alexandre Azeve-
do num lajedo da praia de Carcavelos,
cheio de poças devido à maré vazia.
Embora com algum cuidado para não
escorregar nas rochas molhadas, a
surfista estava mais preocupada em
não deixar cair a prancha, que se po-
dia estragar. Já o fotojornalista da SÁ-
BADO, enquanto procurava um me-
lhor ângulo, acabou por meter os pés
numa poça – mas valeu a pena, por-
que estão fantásticos os retratos da
entrevista à surfista, que em miúda
também experimentou o futebol, feita
pelo editor executivo Carlos Torres.

B
A SÁBADO à quarta-feira
Como já terá reparado, esta semana, a
g quivo gigante com um total de 8.751 sua SÁBADO chegou às bancas um
O editor imagens onde constam os pedidos de dia mais cedo. Esta antecipação – que
executivo
durante a favores e cunhas feitos ao ditador ao obrigou a um esforço acrescido da re-
entrevista à longo de muitos anos. dação – foi decidida no seguimento
campeã nacional das restrições à circulação durante o
de surf, Teresa
Bonvalot B fim de semana impostas pelo gover-
Os recordistas dos testes Covid no, de forma a dar aos leitores mais
Desde março que o número de um dia para comprar a sua revista
testes à Covid-19 feitos em Portu- preferida. Esta antecipação ocorrerá !
gal não para de subir. E há muitas também na próxima edição e durante k
pessoas que, pelas funções que o tempo em que durarem as medidas
ocupam, são obrigadas a fazê-lo restritivas de circulação. SÁBADO
investigação
regularmente. É o caso do deputa- A si, que mesmo nestes tempos di-
do do PS, Carlos Pereira, que to- fíceis se mantém connosco – no pa- Faça a sua
parte.
das as semanas vai a casa, na Ma- pel e no digital –, deixo-lhe o nosso Nós tratamos
deira, e é por isso obrigado a fazer sincero agradecimento. A sua fideli- do resto
o teste cada vez que viaja. Até dade é mais importante do que nun- Envie as suas
B denúncias para
agora, já vai em 29, feitos sempre ca. Obrigado! o nosso email:
Chefe de Redação no mesmo local e com a mesma Boa semana – e proteja-se, a si e investigacao@saba-
Nuno Tiago Pinto enfermeira, a senhora Manuela. aos outros. W do.cofina.pt

10
 18 NOVEMBRO 2020
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A semana

AS IMAGENS
Caminho
improvisado
Mumbai (ou Bombaim
nos tempos idos) é a mais
populosa e importante
cidade da Índia. É tam-
bém a metrópole que
atrai mais migrantes
num país conhecido
por ter a segunda mais
extensa linha férrea do
mundo. São quase 64 mil
quilómetros que servem
também para caminha-
das como a desta mulher
carregada.
FOTO FRANCIS MASCARE-
NHAS/REUTERS

11
Uma neblina matinal
A região de Pamplona, em Navarra, Espanha, é conhecida pelas altas
torres que produzem energia a partir do vento. Mas nem dezenas destes
moinhos modernos conseguem dissipar a neblina que sobe a pequena
montanha sem, no entanto, tocar na capela isolada.
FOTO JESUS DIGES/ EPA
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Um setor à beira do precipício

A cidade do Porto recebeu a maior manifestação de protesto em tempos
de pandemia, do setor da restauração. Aconteceu na sexta-feira, dia 13,
com faixas, gritos de revolta e até confrontos com a polícia. Este ano,
já encerram milhares de restaurantes e cafés em todo o País.
FOTO JOSÉ REIS
 A semana

C
hama-se Ana Mafalda
OdJULGAMENTO Spínola Prazeres, vai fazer
61 anos este mês, perten-
ce à família do antigo Pre-
sidente da República António de
Spínola, foi consultora financeira
externa de dois bancos e vai agora
ser julgada por um total de 105 cri-
mes de burla, simples e qualificada
e informática, falsificação de docu-
mentos e de acesso ilegítimo. Para
o Ministério Público (MP), Ana Ma-
falda terá montado a partir de
2001 “um plano” para desviar das
contas de cerca de 50 clientes mais
de 11,5 milhões de euros.
O despacho de pronúncia deste
caso, a que a SÁBADO foi autori-
zada a aceder no Tribunal Central
de Instrução Criminal (TCIC), reve-
la que o alegado esquema de burla
e falsificação se verificou durante
quase 15 anos (até 2016). E que foi NIO
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16

fevereiro de 2016 uma for-
mação de seis meses para se
tornar colaboradora do ban-
q
A acusada
Em 2016, a PJ fez bus-
cas à casa de Ana Mafalda,
ao escritório da R. Castilho e
à residência da mãe, um lar de
luxo em Lisboa. A consultora
foi detida, mas está desde
essa altura apenas com
termo de identidade
e residência
confiança que a consultora exter-
na do Banco Best e do Deutsche
Bank manteve com dezenas de
clientes, alguns deles amigos, ex-
-colegas de trabalho e até com o
motorista de táxi que a transporta-
va amiúde. O homem consta no
rol das vítimas identificadas pelo
MP – ficou sem 40 mil euros.
Aliciados maioritariamente pela
possibilidade de conseguirem juros
mais altos através de investimen-
tos na compra e venda de moeda
estrangeira (dólares, por exemplo)
ou na capitalização de supostas
apólices de seguro da Império Lu-
xembourg (hoje denominada Fide-
lidade, Sucursal no Luxemburgo),
os clientes terão entregado a Ana
Mafalda avultadas quantias em
cheques ou através de transferên-
cias bancárias. O grau de confian-
ça seria de tal ordem que os clien-
tes terão fornecido à consultora
as respetivas passwords de aces-
so às contas através da Internet
(home banking).
Esta terá sido a condição impres-
18 NOVEMBRO 2020
q www.sabado.pt
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Deutsche
Bank
Consultora iniciou em
q
Banco Sobe&Desce
co. Mas em março o Best
Deutsche afastou-a: Ana Ana Mafalda deixou as fun-
já tinha enganado ções neste banco em janeiro
vários clientes de 2016, escassos meses an-
tes de ser detida para interro-
gatório. Era há mais de uma
década “agente externa”:
a função era angariar
clientes Octávio Ribeiro
Jornalista
cindível para concretizar o esque- i
ma, pois Ana Mafalda não tinha, Marta Temido
nem no Best, nem no Deutsche, Ministra da Saúde
a possibilidade de abrir ou mexer Nem a vacina da
nas contas ou fazer aplicações fi- gripe logra fazer
nanceiras dos clientes que anga- distribuir com res-
riava. Aliás, alguns dos clientes vie- peito pela ordem
ram depois a saber que nem conta de urgência dos
aberta tinham naqueles bancos. grupos de risco.
O esquema dos investimentos Será ainda Temido
em apólices de seguro no Luxem- quem vai avalizar o projeto de
burgo – que o MP diz ter sido feito distribuição de uma nova vaci-
através da falsificação de docu- na contra a Covid? É o caso
mentos das apólices e de extratos mais grave da má governação
bancários – ter-lhe-á rendido a que está a contaminar Costa.
maior fatia de ganhos indevidos.
i
Só um cliente terá ficado sem 3,3
milhões de euros. Rui Rio
Mesmo quando alguns dos clien- Líder do PSD
tes morreram, a gestora terá conti- O seu olhar de
nuado a enganar os herdeiros, não mero contabilista
só nos montantes que lhe teriam sobre os “Direitos,
sido entregues, mas também con- Liberdades e Ga-
seguindo novos reinvestimentos rantias” permite o
feitos pelos herdeiros. Terá sido Chega na mesa do
assim que burlou em 1,2 milhões poder. Com o trato
de euros dois filhos de um indus- dos Açores, o intrépido Ventu-
trial de mármores. ra fica a um passo do abraço
Os investigadores da PJ e do MP de urso que não hesitará em
acham que a maior parte do di- dar à democracia. Com o País
nheiro desviado dos clientes pas- ávido de alternativa, o xadrez
sou por cinco contas que Ana Ma- de Rio só vê peões.
falda tinha em vários bancos, in-
clusive no Best. Com esse dinheiro, i
a consultora terá pago durante lar- João Galamba
gos anos muitas despesas pessoais, Secretário de Estado da Energia
inclusive dívidas que teria porque “Se vires um cága-
apostaria no Casino do Estoril. do em cima de
Judiciária A 23 de outubro passado, o juiz uma árvore, não
andou, em 2016 de instrução Carlos Alexandre de- penses que foi ele
e durante algu- cidiu enviar o caso para julgamen- que subiu. Alguém
mas semanas, à to: “(...) deverá a arguida ser pro- o lá pôs”, diz o dita-
procura de Ana nunciada nos precisos termos da do. Sócrates subiu-
Mafalda, que se acusação, por se mostrarem verifi- -o para a árvore da política;
terá escondido cados indícios que, neste tocante, Costa deu-lhe o ramo do Go-
depois de uma inculcam um juízo de prognose, verno. Minas e hidrogénio são
ida às urgên- conducente à consideração de que suculentos demais. Quando o
cias da CUF é mais forte a probabilidade da sua cágado se mexe na árvore cai.
Infante Santo, condenação do que a exoneração
em Lisboa da sua responsabilidade”. W
17

A semana
PCTP-MRPP. ÚLTIMO CONGRESSO FOI À PORTA FECHADA
O partido-fantasma?
O telefone fixo já não existe, a sede principal em Lisboa teve
de ser abandonada, houve novas cisões e desde a morte
de Arnaldo Matos não há notícia de novo secretário-geral.
50
anos em
setembro, foram
assinalados no
I Congresso
Extraordinário
N
ão entrou na clandestinida-
de, mas parece: liga-se pa-
ra o número da sede do
PCTP-MRPP e está desati-
vado. Talvez seja normal, na medida
em que o partido perdeu a sede que
mantinha na Avenida do Brasil, em
Lisboa, por já não conseguir pagar
a renda, depois de nas legislativas ter
ficado abaixo do patamar para man-
ter a subvenção estatal.
Houve notícia de congresso extraor-
dinário no Luta Popular, em setembro,
mas sem ter na ordem de trabalhos
nada sobre os órgãos do partido. Ou
seja, apesar de terem passado quase
dois anos da morte do líder histórico,
Arnaldo Matos, não haverá novo se-
cretário-geral. A SÁBADO questionou
por mail o Luta Popular, órgão oficial e
único contacto, sobre quem é agora a
18
A CRISE
Por Maria Henrique Espada
direção, mas não houve resposta. Um
colaborador do Luta Popular, contac-
tado, garantiu que alertaria “o comité
central”, mas não houve mais notícias.
O partido mantém apenas a sede da
Rua da Palma, cedida num protocolo
da Câmara Municipal de Lisboa. Do-
mingos Bulhão, ex-MRPP (saiu em
2015), não se surpreende: “Pratica-
mente já não existe. É curioso que mais
depressa consiga falar comigo, que já
saí, do que com alguém de lá.” E uma
dissidente, que pediu para não ser
identificada, resume o atual estado do
MRPP: “É um partido-fantasma. Serão
muito poucos (6, 8 talvez) os que conti-
nuam a militar” ativamente.
O MRPP estará a ser dirigido por um
comité central, de composição não pú-
blica. Artigos no Luta Popular e publi-
cações nas redes sociais (que o Luta
18 NOVEMBRO 2020
www.sabado.pt
www.sabado.pt
2019
Foi o ano da
morte do líder
Arnaldo Matos.
Não houve
substituto
Popular invetiva), ilustram novas “ci-
sões”. Um ex-MRPP diz que a última
saída “legal”, regulada pelos estatutos,
foi a de António Garcia Pereira, já em
2015. Mas ter-se-ão seguido outras. Há
ataques à “camarilha fracionista, divi-
sionista, liquidacionista”, e fica claro
que mesmo a “clique de Carlos Paisa-
na” (o próprio e três apoiantes), ex-
-braço direito de Arnaldo Matos, saiu.
O último congresso pareceu semisse-
creto: à porta fechada, reportado a
posteriori no Luta Popular sem indicar
onde foi ou quem foi – longe vai o
tempo em que havia conferências de
imprensa e comício no final. Na roma-
gem de 2019 à campa dos estudantes
assassinados Ribeiro dos Santos e Ale-
xandrino de Sousa, momento alto no
calendário do MRPP, é possível conta-
bilizar, pelas fotografias, 13 pessoas. W
SteakmasterA verdadeira inovação
O primeiro e único forno criada para si
concebido para cozinhar o bife
perfeito em casa.

Este inverno não tenha saudades de um bom churrasco. Com o novo

Steakmaster desfrute de uma verdadeira carne na grelha, mas confecionada
na sua cozinha. Para além de todas as funções de um forno multifunções de
última geração, este modelo incorpora 20 programas automáticos e um guia
completo para os diferentes tipos de carne, corte e ponto de cozinhado.
O SteakGrill permite alcançar até 700ºc e, combinado com uma grelha de
ferro fundido, possibilita obter resultados dignos de restaurante. Cozinhar um
bife como um chef nunca foi tão fácil.

Teka, uma receita para a vida. teka.com

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SARA CAPELO

O RELATÓRIO
CADEIAS. EXIGIDAS MEDIDAS “VIGOROSAS” AO ESTADO PORTUGUÊS

Presos e violência a mais

Numa visita, em dezembro de 2019, o Comité Antitortura do Conselho da Europa encontrou
“alegações credíveis de maus-tratos policiais” e celas sobrelotadas. Exige agora mudanças.

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 A semana

AS FRASES F
Keith Richards, guitarrista dos Rolling Stones, Classic Rock
“Estou ‘escondido’ com a minha
família e alguns amigos, numa espécie
de bolha. Esta coisa mata, pá.
Temos de nos manter seguros”
F F F
Nuno Morais Sarmento Augusto Santos Silva Teresa Guilherme
“Rui Rio, que era acusado de ser “Não sou mesmo fofinho com “Esforço-me por endireitar
de esquerda, agora de repente é tiranos nem com amigos de aquilo que está torto. É-me
um perigoso direitista. Eu atiro- tiranos nem com primos de absolutamente indiferente se
-me para o chão a rir com isto” amigos de tiranos nem com os outros compreendem ou não”
Vice-presidente do PSD, Público vizinhos circunstanciais que Apresentadora, Caras
se encostem a primos de amigos
F de tiranos para efeitos F
D. Duarte de provocar mudanças” Tony Blair
Ministro dos Negócios Estrangeiros,
“Como pouca carne, Parlamento
“Se [Boris] Johnson quer
mais para acompanhar ter uma boa relação
a família. Prefiro tudo F com [Joe] Biden,
o que tenha a ver Álvaro Covões deverá trabalhá-la”
Ex-primeiro-ministro britânico, El País
com cereais, legumes, “Nós na Cultura somos resilientes.
laticínios... gosto muito! Ninguém nos para. Adaptamo-
-nos às circunstâncias e não F
Faço, ao pequeno- desistimos” Manuel Luís Goucha
-almoço, batidos de Empresário, Blitz “Sei o que é isso de passar
legumes ou de frutas” de bestial
Duque de Bragança, Nova Gente F a besta de um dia para
Ana Gomes o outro”
“O António Costa é inteiramente Apresentador, TVI
político, da ponta dos pés à ponta
do cabelo. E Sócrates achei-o
muito pipi, muito galarote”
Candidata à Presidência da República,
livro Ana Gomes – A Vida e o Mundo

F
Maria Botelho Moniz
“Não acredito em
ascensões repentinas.
Prefiro fazer um
PEDRO CATARINO

caminho sólido e
consistente, subindo
degrau a degrau”
GETTYIMAGES

Apresentadora, Caras

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F
Natalie Portman, atriz, Instagram

“Podemos respirar de
novo a democracia.
Celebro a conquista
histórica, há muito
esperada, de Kamala
Harris como
primeira mulher
sul-asiática-norte-
-americana eleita
vice-presidente
dos EUA”

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SÓNIA BENTO

INSÓLITO
!
! Toca acordeão para
Miúda só comia a mulher com Covid
nuggets de frango Os italianos Stefano e Carla
Desde os 4 anos que Re- estão casados há 47 anos e fo-
becca Giddins, de 19, só ram separados pela Covid-19.
comia nuggets de frango Ela está internada e ele, não
com batatas fritas por- podendo visitá-la devido às
que, segundo ela, tudo restrições impostas, foi para
o resto lhe provocava debaixo da janela do quarto
náuseas. Os pais leva- e tocou acordeão durante
ram-na a fazer hipnose uma hora. Carla foi à janela.
e desde a primeira ses-
são que Rebecca come-
çou a comer alimentos !
novos todos os dias. Lava as rodas do carro
com champanhe
1. Victor Micula, de 25 anos, é
! filho de um milionário romeno,
Árvore-espetáculo vive na Suíça e publicou um
em templo budista excêntrico vídeo no Tik Tok
Todos os anos, no fim que se tornou viral.
de outubro, muitos mi- 2. Ele mostrou-se a lavar as
lhares de pessoas vão rodas do seu Lamborghini Urus
ao templo budista Gu SUV, no valor de €225 mil, com
Guanyin, na China, só champanhe Moët & Chandon e
para ver uma majestosa ! a seguir despejou outra garrafa
árvore ginkgo biloba,
com 1.400 anos, trans- Aranhas de peças vintage da marca Cristal.
3. Aos seguidores, Victor ex-
formar a folhagem de O artista húngaro Peter Szucsy tem um hobbie fora do plicou que estava a experimen-
verde para dourado. comum: ele monta todos os tipos de peças mecânicas tar champanhes caros para ver
qual o melhor para pôr a brilhar
de relógios antigos, câmaras e equipamentos médicos as rodas do seu carro.
em complexas esculturas de aranhas. Szucsy traba-
lhou como diretor de arte, criando todos os tipos de
criaturas virtuais e monstros para videojogos, até de- !
As tatuagens que se
cidir começar a trazer algumas dessas invenções para destacam e ocultam
o mundo real. Todas as semanas, ele vai a um merca- As tatuagens UV são cada vez
do de rua, em Budapeste, à procura de peças vintage mais uma opção pelos fre-
para as suas criações. quentadores de clubes que
só desejam que a tatuagem
se destaque no escuro, como
! ! pelos que querem manter
UM PESCADOR EGÍPCIO, DE 40 ANOS, ESTE- Coleção com mais os desenhos invisíveis.
VE À BEIRA DA MORTE DEPOIS DE UM PEIXE de mil telemóveis
Sehabettin Ozcelik, um repa-
VIVO SE LHE TER ENCRAVADO NA GARGAN- rador de telemóveis da Tur-
TA. AO PESCÁ-LO, O HOMEM SEGUROU-O quia, tem uma coleção com
COM A BOCA E O PEIXE DESLIZOU mais de mil telemóveis da era
E ALOJOU-SE NA TRAQUEIA. anterior ao iPhone. Começou
a colecionar há 20 anos e ga-
FOI SALVO PELOS rante que todos funcionam.
MÉDICOS, QUE Já quiseram comprar-lhe
LHE FIZERAM UMA alguns modelos mais raros,
LAPAROSCOPIA. mas ele não quis vender.

24

OBITUÁRIO
Gonçalo Ribeiro Telles (1922-2020)
Nome maior da arquitetura
paisagista em Portugal, político
e ambientalista visionário, teve
mão essencial nos espaços verdes
de Lisboa. Morreu aos 98 anos
U
ma figura com a sua lon-
gevidade e versatilidade
não poderia ter sido alvo
de menos honras: na arquitetura,
sua área de formação, onde dei-
xou marcas palpáveis na capital
que lhe hão de sobreviver muitos
anos; na política, onde pugnou
por um Portugal democrático e
forjou alianças para o desenvol-
ver; e no ambientalismo, em que
lutou pela preservação da nossa
natureza e abriu caminho para
uma nova forma de pensar a rela-
ção do urbanismo com os espaços
verdes envolventes.
Por estes e tantos outros moti-
vos a sua partida foi imediata-
mente assinalada ao nível nacio-
nal: Marcelo Rebelo de Sousa sa-
lientou o “legado alcançado por
poucos”, ao passo que o primei-
ro-ministro lamentou “a perda
inestimável” de um “homem à
frente do seu tempo”, decretando
um dia de luto nacional, que se
celebrou na quinta-feira. Após
uma longa e frutífera vida, Gon-
çalo Ribeiro Telles morreu na
passada quarta-feira, 11 de no-
vembro, aos 98 anos, em Lisboa.
Foi também em Lisboa que nas-
ceu, a 25 de maio, e se licenciou,
em Engenharia Agrónoma no Ins-
tituto Superior de Agronomia
(ISA) da Universidade Técnica de
Lisboa, a mesma instituição onde,
mais tarde, completaria o curso
de Arquitetura Paisagista, e onde
se tornou discípulo do também
canónico arquiteto paisagista
Francisco Caldeira Cabral, que
teria uma influência considerável
na sua carreira.
O começo desta deu-se na Câ-
mara Municipal de Lisboa, onde
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PEDRO HENRIQUE MIRANDA
integrou o departamento de Ar- COMO nárquico Independente, em 1957)
borização e Jardinagem e, entre ARQUITETO, e apoiando a candidatura à presi-
1955 e 1960, o Gabinete de Estu- O SEU TRAÇO dência do General Humberto Del-
dos de Urbanização como arqui- ESTÁ ESPA- gado em 1958.
teto paisagista, função que exer- LHADO POR Em 1969, concorreu à Assem-
ceu ainda entre 1971 e 1974 (no LISBOA, E bleia Nacional pela Comissão
Setor de Planeamento Biofísico e COMO POLÍ- Eleitoral de Unidade Democráti-
de Espaços Verdes do Fundo de TICO MO- ca, composta da união entre a
Fomento da Habitação) e de 1998 DERNIZOU Comissão Eleitoral Monárquica
a 2002, no planeamento das es- PORTUGAL (que integrava) e a Ação Socialista
truturas verdes da Área Metropo- Portuguesa, de Mário Soares, não
litana de Lisboa. conseguindo eleger nenhum de-
Entre os projetos desenhados putado. Ainda antes da revolução,
por ele, destaca-se o jardim da ajudou a unir os movimentos
Fundação Calouste Gulbenkian, monárquicos na Convergência
assinado com António Viana Bar- Monárquica, em 1971.
reto, com o qual ganhou o Prémio Na sequência do 25 de Abril,
Valmor em 1975, mas são muitas ajudou a fundar o Partido Popular
outras as marcas emblemáticas Monárquico, e tornou-se subse-
que deixou na cidade de Lisboa: cretário de Estado do Ambiente
a cobertura vegetal da nos três primeiros Governos Pro-
colina do Castelo de visórios pós-revolução, bem
São Jorge, o Bairro como secretário de Estado
das Estacas, em no I Governo Constitu-
Alvalade, o Jardim cional, chefiado por
Amália Rodrigues, Mário Soares. A partir
perto do Parque de 1979, juntou-se a
Eduardo VII, e, Francisco Sá Carneiro
mais recentemen- na Aliança Democrática,
te, as estruturas pela qual foi eleito à As-
verdes do Vale de sembleia da República
Alcântara, da Ra- por três vezes consecu-
dial de Benfica ou tivas, até 1984.
do corredor verde É entre 1981 e 1983, no
de Monsanto – muito governo de Pinto Balse-
do esqueleto verde da mão, que integra como mi-
cidade está, de uma nistro de Estado e da Quali-
maneira ou de outra, dade de Vida, que cria dois
ligado ao seu nome. dos mais significativos orga-
nismos ao nível da preserva-
O político ção ambiental: a Reserva
Na política, a sua ação fi- Agrícola Nacional e a Reserva
cou marcada por posições Ecológica Nacional.
por vezes contrastantes: Entre os seus últimos reco-
desde cedo um con- nhecimentos estão o docu-
servador ligado à mentário A Vossa Terra –
Ação Católica Por- Paisagens de Gonçalo Ribei-
tuguesa, deixou cla- ro Telles, de 2016, realizado
ra a sua oposição ao por João Mário Grilo e, no ano
Salazarismo, fundan- seguinte, a atribuição da Grã-
do diversas organizações -Cruz da Ordem do Infante
monárquicas (a primeira D. Henrique, por Marcelo
delas o Movimento Mo- Rebelo de Sousa. W
LUIS GRAÑENA
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INDISCRETOS !
A cada um
o seu fofinho
Augusto Santos Silva, ministro dos
Negócios Estrangeiros, respondeu
a João Cotrim Figueiredo (IL) que
não é “fofinho com tiranos” nem
está “encostado a quem gosta de
ditadores”. Era uma boca para o
apoio da IL, a par com o Chega, à
“caranguejola” política nos Açores.
Mas cuidado com o que se diz: em
Portugal há uma longa tradição de

BRUNO COLAÇO
ser fofinho com tiranos.

Baptista Leite, call

center ao seu dispor

EPA
António Costa a ser fofinho com
Viktor Orbán: era preciso conven-
! canal, da CMTV à SkyNews. Agora, o cer o húngaro (de um regime cada
ESCREVA AO SÔTOR deputado-médico do PSD também vez menos democrático) a não
Ricardo Baptista Leite já se tornou pode estar no seu telemóvel. É que o bloquear os fundos europeus.
um habitué destas páginas por ter especialista em Saúde Pública tem
regressado às consultas, como vo- um número no WhatsApp para es-
luntário, durante a pandemia ou pela clarecer qualquer pergunta sobre a
exposição nos media internacionais Covid-19: “As mensagens que me
– na semana passada, escrevemos enviam denotam ansiedade e muitas
até que tem uma espécie de estúdio dúvidas”, escreveu no Twitter. Grave
portátil para entrar em direto de na agenda: 911 937 922. O sôtor pro-
qualquer lugar e para qualquer mete responder “logo que puder”.
José Sócrates a ser fofinho com
Hugo Chávez. Uma relação especial
! ! consolidada com exportações de
De Rio a Ventura Ex-colega de casas (correu mal) e pernil (idem).

vão 61 minutos Siza nomeada

Sintonia é isto. Rui Rio a Vera Vieira, ex-colega de
tweetar: “Sobre o avanço escritório do ministro Siza
do fascismo nos Açores, o Vieira na Linklaters, foi
REUTERS

que temos hoje? Alguma nomeada no dia 12, pelo

novidade?” E André Conselho de Ministros, como
Ventura a escrever: vogal do conselho Lothar Bisky. Quem? Pois. Faleci-
“Hoje não há mais de administração da do em 2013, liderou o Partido da
nada sobre o Entidade Reguladora Esquerda Europeia. Cotrim atirou
crescimento do dos Serviços de Águas a Santos Silva que não tem ne-
terrível monstro e Resíduos. A pro- nhum parceiro “que pertença a um
do fascismo posta foi do ministro grupo parlamentar europeu que já
nos Açores?” E do Ambiente, Matos teve como líder um ex-membro
quando entre Fernandes. Estava da Stasi”, a polícia política da ex-
as duas men- desde 2010 na -RDA.” Houve quem pensasse no
sagens só passa Linklaters, de onde PCP, mas corrigimos: é o BE. E
uma hora e um Siza Vieira saiu para é Bisky o ex-Stasi. Esteve numa
minuto, isso é...? o Governo em 2017. convenção do BE em 2009. Fofo.

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O CARTOON
Por Vasco Gargalo

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 A semana
ENTREVISTA
Quando se especializou em Psicologia da Moda, chamaram-lhe
psicóloga pop. Hoje, trabalha com celebridades, juízes, médicos e
empresas como a General Electric. Está a escrever o segundo livro.
DAWNN KAREN
“Prescrevi a mim
mesma uma mala
da Hermès”
O
fim de semana em que o
namorado a violou come-
çou e acabou com roupa.
Dawnn Karen tinha esco-
lhido o seu minivestido preto preferi-
do para jantar com o noivo. Ao con-
trário do que pensava – estavam a
começar a organizar o casamento –
a noite de sábado acabou de forma
traumática: a polícia foi chamada a
sua casa, mas Dawnn não quis apre-
sentar queixa. Pôs fim à relação e
passou o domingo na cama. Mas na
segunda-feira decidiu sair de casa:
vestiu a sua melhor roupa e foi para
a faculdade. Sete anos depois, em
2018, num artigo do The New York
Times, o sub-ramo da Psicologia que
decidiu criar (a Psicologia da Moda)
valeu-lhe a alcunha de Dress Doctor.
Dawnn Karen estudou Psicologia na
Universidade de Columbia e foi a
primeira mulher negra a dar aulas
no Fashion Institute of Technology,
onde estudaram os designers Calvin
Klein e Michael Kors. Nem tudo foi
fácil: até conseguir ganhar a vida
com uma mistura de moda e psicolo-
28
Por Ana Taborda
gia, teve colegas a chamarem-lhe
psicóloga pop e dormiu em sofás de
amigos – não tinha dinheiro para
continuar a pagar o apartamento.
Depois do episódio traumático
com o seu ex-noivo saiu à rua com
a melhor roupa que tinha no ar-
Terapia mário. Foi uma decisão conscien-
Antes de olhar te? Lembra-se do que vestiu?
para o guarda-rou-
Não, foi inconsciente. Na minha co-
pa dos pacientes,
Dawnn Karen faz, munidade, quando vamos à igreja
tipicamente, três ao sábado ou ao domingo, usamos a
consultas de nossa melhor roupa. Mesmo que não
Psicologia. Cobra estejas bem, levas a tua melhor rou-
mais de 250 euros pa. Lembro-me que calcei luvas. Lu-
por cada uma vas para ir para a faculdade, conse-
gue imaginar? Um vestido justo, cin-
tado, ao estilo Audrey Hepburn em
F Breakfast At Tiffany’s, um chapéu e
“Lembro-me uns brincos enormes, de penas. Foi
que usei luvas um bocadinho estranho, mas foi
para ir para assim que tudo começou. Comecei
a faculdade. a pensar: porque é que estou a usar
Percebi que isto? Percebi que usava a roupa para
estava a usar me expressar e, neste caso, para me
a roupa para curar. Alguns investigadores concluí-
me curar” ram que mais de metade das vítimas
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de abusos sexuais mudam a forma

de vestir depois do ataque.

Algumas de forma a evitar chamar

a atenção, outras de modo a mos-
trar poder, escreveu no seu livro.
Sim, é aquilo a que chamo Mood
Enhancement Dress, usar a roupa
para melhorar o nosso estado emo-
cional. Depois da Segunda Guerra,
quando as vítimas do Holocausto fo-
ram libertadas dos campos de con-
centração, escreveu-se que se senti-
ram mais otimistas não com a che-
gada de comida, mas com a chegada
de batons. Ajudaram a restaurar um
sentimento de humanidade.

Estou vestida com uma camisa

que tem um padrão de leopardo.
O que é que isso diz de mim?
Adoro esse padrão. Quando o vesti-
mos evocamos aquilo que o animal
significa. O leopardo é rápido, forte,
consegue mover-se seja no meio do
que for para ter as coisas prontas.
Quando usamos padrões de animais
é quase como se absorvêssemos as
suas características.
j
Dawnn Karen é No dia da aprovação do Orçamen-
minimalista: ter
um armário com to do Estado, o Primeiro-Ministro
demasiada roupa português, António Costa, usou
faz com que se uma máscara encarnada. Tem
sinta ansiosa
algum significado especial?
[Dawnn pede uns minutos para pes-
quisar na Internet]. Vêm-me duas
coisas à cabeça. O encarnado é uma
cor de poder, de paixão, e com o po-
der vem a autoridade. É quase como
se dissesse: preciso que isto corra
bem de qualquer maneira. Os estu-
dos científicos provam que, nos ho-
mens, usar a cor vermelha aumenta
os níveis de testosterona. Sentem-se
o rei da selva. Isto é normalmente
inconsciente. Ninguém dá atenção
à cor da roupa na política, mas a cor
tem um papel, ainda que muitas ve-
zes seja inconsciente. Agora, não sei
se o fez de propósito ou não.

Escreveu-se que Melania Trump

foi a melhor coisa que lhe aconte-
ceu na vida. Concorda?
Sim, mas não tem nada a ver com
política. Ela veste-se muito bem e Q

29

A semana
Q fala pouco, toda a gente quer saber
o que está a pensar quando usa uma
peça. As análises que fiz ajudaram
muito a minha carreira, ajudou a que
me levassem mais a sério. A Melania
faz muito mood enhancement, deve
ser muito difícil para ela ser a primei-
ra-dama. Usa muitas vezes um casa-
co que lhe cai pelos ombros, tapa as
mãos e faz um efeito de capa. É uma
forma de criar uma barreira, uma
espécie de escudo protetor. Tal como
os óculos de sol enormes, que lhe
permitem evitar o contacto visual.
O empresário Mark Zuckerberg,
cofundador do Facebook, usa
sempre a mesma roupa. Steve
Jobs, da Apple, fazia o mesmo.
É uma boa estratégia?
É aquilo a que chamo o repetitious
wardrobe complex (complexo de
guarda roupa repetitivo). É uma boa
estratégia para minimizar a ansieda-
de. Às vezes uso roupa igual durante
vários dias para trabalhar mais e de
forma mais eficiente. Ajuda a aumen-
tar a produtividade porque não preci-
samos de pensar no que vamos vestir.
Não é comum ver uma mulher
a fazer isso...
Há um preconceito de género, as
mulheres não podem dar-se a esse
luxo. Quando o fazem são vistas
como pobres ou pouco preocupadas
com a higiene. Quando, tal como os
homens, podem perfeitamente ter a
mesma roupa repetida no armário.
As mulheres são muito versáteis,
muito multitask, achamos sempre
que podem ser supermulheres e
também lhes atribuímos vários uni-
formes: o de mãe, o de mulher, o de
trabalhadora. Mas cada vez mais
mulheres vão usar a mesma roupa.
A pandemia também veio ajudar.
O seu livro, Dress Your Best Life,
foi lançado este ano, em plena
pandemia. Já teve algum pedido
de ajuda ligado à Covid-19?
Tive uma cliente, uma médica que
está na linha da frente, com pacien-
tes a morrer, que ficou deprimida. Já
não estava bem antes, mas a pande-
mia agravou a sua instabilidade, o
número de roupa que usa passou
de um 16 para um 8. Aconselhei-a a
30
g vestir peças amarelas. Ela não que-
Dawnn foi ria, dizia que o amarelo lhe ficava
modelo, relações-
-públicas e mal, ainda por cima era branca, cau-
designer. Em 2015 casiana. Mas passar a vestir T-shirts
fundou a escola amarelas e máscaras com smiles
online Fashion
Psychology ajudou-a a sentir-se melhor.
Institute, onde
dá aulas Além das cores, a textura também
é importante?
Sim, se te sentires ansioso é melhor
usares lã ou seda, tecidos mais sua-
ves e relaxantes. Também já aconse-
lhei clientes a usarem roupa interior
sexy mesmo que não tenham um en-
contro, porque isso pode ajudá-los a
sentirem-se sexy. E não é fácil sentir-
mo-nos sexy numa pandemia.
A partir de que idade devemos
escolher a roupa que vestimos?
Devemos estimular a autonomia e
a criatividade desde a infância. Os
adultos que usaram uniformes a vida
toda geralmente procuram mais as
tendências e as revistas, vestem-se
SPQR para os outros porque não conse-
guem decidir sozinhos o que usar.
Púrpura Não tem de ser todos os dias, mas a
Era uma cor tão partir dos 3 anos, se uma criança dis-
rara que, durante ser: eu quero usar isto, devemos per-
o Império Roma- mitir que oiçam a sua própria voz.
no, apenas o impe-
Deixamos que escolham brinquedos
rador a podia usar.
Chegou a haver mas não a roupa?
pena de morte
para quem não Que idade tinha o seu paciente
respeitasse a regra mais novo?
18 NOVEMBRO 2020
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Tinha 7 anos e era hiperativo. Os
pais procuraram-me porque que-
riam uma terapia alternativa para o
acalmar. Às vezes percebo que uma
criança é hiperativa porque tendem
a vesti-los com roupas justas, T-
-shirts apertadas e eles querem mo-
ver-se de um lado para o outro e
não conseguem. Pelo contrário, es-
colhemos roupa divertida, usei mui-
to o verde, a roupa preferida dele.
Porque é que acordamos muitas
vezes e pensamos: não tenho
nada para vestir?
Porque não sabemos como nos sen-
timos ou como nos queremos sentir.
O problema não é a roupa.
Usar roupa de luxo faz-se nos sen-
tir melhor?
Bom, eu tenho uma mala Hermès.
Quando compramos luxo é porque
queremos ter alguma coisa que nem
toda a gente tem. Queremos sentir-
-nos num pedestal. Ser a primeira
mulher negra professora de Psicolo-
gia no Instituto onde trabalho foi difí-
cil, houve muitas pessoas que tenta-
ram puxar-me para baixo. Por isso,
prescrevi a mim mesma uma mala
Hermès. E sim, já prescrevi roupa de
luxo; se vejo que as pessoas estão
disponíveis para isso.
Também funciona se for luxo em
segunda mão?
Sim. Acho que sou a segunda dona
da minha Hermès. Até tem um plus
ambiental: não estou a matar um
animal para fazer a minha mala.
Quem foram os clientes que mais
a impressionaram até hoje?
Um deles foi um juiz negro, que
quando põe a sua toga é uma pes-
soa muito importante. Mas, quando
a tira, as pessoas questionam a sua
autoridade e assumem que está do
lado errado da lei. Acontecia-lhe ser
chamado pela polícia quando estava
a andar de comboio, por exemplo.
Foi muito difícil, porque ele sentia-
-se muito vulnerável. Tivemos que
trabalhar muito a questão da autori-
dade. E passou a usar gravata ou
fato nos transportes públicos, para
ajudar a transmitir essa ideia. Mes-
mo aos fins de semana. W
 FABRICADO
EM PORTUGAL

FAQUEIRO

Fado
É COM CERTEZA
uma mesa
portuguesa
Todas as 3.as e 5.as feiras, receba uma peça
deste elegante faqueiro feito em Portugal,
com o seu Correio da Manhã. Com um
design intemporal, este faqueiro feito em
inox de alta qualidade fará parte da sua
família por várias gerações. Este Fado
vai deixar saudade, por isso não perca
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garfo sobremesa, pack colher chá + colher café €1,99, Peças complementares: Colher de servir, garfo de trinchar carne, faca de trinchar carne, faca de
trinchar peixe, garfo de trinchar peixe, pá de bolos €3,99, talheres de salada €4,99 Cont. (IVA incluído). PVP serviço completo: €136,39 Cont. (IVA incluído).
Serviço para 6 pessoas composto por 68 peças. Promoção às 3. as e 5. as feiras de 3 nov 2020 a 17 jun 2021.
 Opinião
A LAGARTIXA
E O JACARÉ
Ajudar o Chega a tornar-se
uma parte legítima do
sistema de governo, ou de
uma maioria parlamentar,
é um erro. Só o Chega ganha
com estes namoros e podem
ter a certeza de que ele sabe
aproveitá-los. E sabem onde
ele vai buscar votos? Ao PSD
O esta circunstância devia ser um factor
Professor
José Pacheco Pereira
32
O Ajudar o Chega a tornar-se uma par-
O vírus
à solta
O governo não tem mão nele, a mi-
noria que resiste mesmo a medidas
sensatas como a máscara ou não
haver ajuntamentos infanto-juvenis,
o jusq’au boutisme e o je m’en fi-
chisme (vai em francês porque é
mais expressivo), ou por insensatez
e irresponsabilidade, ou por deses-
pero e necessidade, são aliados do
vírus. Até haver uma vacina ou fe-
char tudo a sério, o vírus vai conti-
nuar a ganhar terreno. W
O
Chega-te
para lá
A pena e a voz nunca me hão-de
doer para escrever e falar sobre o
Chega. O Chega responde-me insul-
tando-me em sucessivos artigos pu-
blicados no site do Chega ou por
membros e simpatizantes do partido,
já para não falar do lixo nas redes so-
ciais. Desde ser a “cabeça apodreci-
da do regime”, a “maior responsável
pela falência continuada do País”,
“miserável” e “idiota” e outras coisas
mais, vale tudo. Se pensam que me
intimidam estão bem arranjados,
pelo contrário revelam que o que
digo e escrevo lhes faz alguma mos-
sa. Ainda bem. W
O ficaz. Pode excitar os convictos e ou-
Os namoros
com o Chega
O Chega é hoje o partido com maior
dinâmica no sistema político portu-
guês, aquele que a curto prazo tem
mais condições de crescimento, em-
bora duvide que a médio prazo possa
manter o dinamismo. Veremos. Mas
suplementar de prudência no encos-
tar ao Chega que o PSD está a fazer.
te legítima do sistema de governo, ou
de uma maioria parlamentar, é um
erro de enormes consequências, tan-
to mais que leva a uma falta de capa-
cidade de crítica e de confronto polí-
tico com tal organização. Não se bate
num futuro parceiro nacional e actual
parceiro regional. Só o Chega ganha
com estes namoros e podem ter a
certeza de que ele sabe aproveitá-los.
E sabem onde ele vai buscar votos?
Ao PSD. W
O
Costa =
Maduro
Vai demorar anos a corrigir a forte
deslocação à direita das classifica-
ções políticas correntes. Tudo o que
eram moderadas propostas na de-
mocracia e na social-democracia
hoje parecem de extrema-esquerda.
Comparações absurdas, como aque-
la que dá o título a este fragmento ti-
rada de um cartaz do Chega, são usa-
das por muitos comentadores de di-
reita para encontrar equivalências
que equilibrem a abertura de portas
ao partido de Ventura. Mas será que
eles percebem que, a começar pelo
facto de o PCP e o BE não terem posi-
ções comuns sobre a Venezuela, por
muito que se possam criticar as polí-
ticas de António Costa descrevê-lo
como um ditador sul-americano é
quase que patológico de tão excessi-
vo que é? Quem faz este tipo de sinais
de igualdade ainda não percebeu que
descrever assim um adversário é ine-
tros excitados, mas é tão irrealista
que não resulta como propaganda,
quanto mais como argumento racio-
nal. É atacar um fantasma que diz
mais sobre quem coloca lá o sinal de
igual do que sobre Maduro e, muito
menos, sobre Costa. W
SUSANA VILLAR

O adversários: que os democratas tive-
As viúvas
de Donald
Trump
Sabem como é que se reconhecem as
viúvas de Donald Trump? Simples.
Escrevem meia dúzia de linhas a es-
conjurar Trump pelo feitio, por insul-
tar os adversários, pelo carácter errá-
tico das decisões. E depois falam em
extensão sobre os defeitos dos seus
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ram uma derrota, que houve proble-
mas com os votos, que o Partido De-
mocrata pode estar “capturado” por
aquilo a que chamam, como Trump,
a “extrema-esquerda”, que Trump
obteve excelentes resultados, que as
sondagens falharam, etc. Quase tudo
verdades, mas é a economia do texto
que revela a viuvez, assim como a
percepção que se pode ter do que é
que verdadeiramente incomoda
quem o escreve. W
O
O alçapão
do dualismo
“esquerda-
-direita”
Esta pena com a perda de Trump é
mais um resultado da tribalização
crescente da vida política portuguesa.
Como Biden ganhou com a “esquer-
da”, a “direita” sente que perdeu al-
guma coisa. A parte que gosta de
Trump, os “trumpinhos” ficam tão
enraivecidos como o seu patrono po-
lítico, mas mesmo aqueles que não
gostam de Trump acham que a sua
derrota favorece a esquerda e por
isso incomodam-se.
Enquanto não sairmos deste binó-
mio simplista mas favorável à arregi-
mentação do tribalismo não vamos a
lado nenhum, porque isso significa o
bloqueio aos moderados, ao centro-
-direita e ao centro-esquerda. W
Texto escrito segundo
o anterior acordo ortográfico
33
 Destaque

INVESTIGAÇÃO. AS CARTAS PARTICULARES QUE ESTÃO NA TORRE DO TOMBO

h
Entre as centenas
de cartas particulares
dirigidas a Oliveira
Salazar há muitas
escritas por mulheres
a pedirem favores
para os maridos

“MEU CARO
34
DOUTOR
 18 NOVEMBRO 2020
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A
carta, datada de 16
de junho de 1960,
GETTYIMAGES começava de for-
ma pungente: “Já
não é a primeira
vez que, em de-
sespero de causa,
recorro à bondade de Vossa Excelên-
cia.” Maria do Céu Taborda Barreto
escrevia a Oliveira Salazar a partir da
rua das Pedrinhas, em Vila Real. Mãe
de sete filhos, “todos rapazes, que
vão dos 5 aos 20 anos”, lamentava-
-se que as contas domésticas tinham
mais despesas do que receitas. Estas
resumiam-se ao ordenado do mari-
do – 5.700 escudos (€2.140, usando

SA
os coeficientes de desvalorização da
moeda), como engenheiro e diretor
de Urbanização de Vila Real – e a
Os pobres “uma quintinha no Douro, que tão
depressa dá 12 pipas, como dá 20”.
pediam-lhe O filho mais velho estava no 4º ano
dinheiro, mas as de Medicina, no Porto. Depois, havia
dois filhos a fazer o 7º ano do liceu
elites (médicos, [equivalente hoje ao 12º ano] e que
engenheiros, em outubro iam para a universidade.
“Aqui é o nó do problema. Não po-
deputados, juízes, demos, economicamente, ter mais
militares, do que um fora de casa, assim como

LA ”
dificilmente podemos pensar em
empresários, padres deixar sozinhos no Porto estes dois,
e condes) queriam que não têm o feitio sossegado do
[irmão] mais velho, e longe do pai fa-
colocações em cilmente se desleixariam no estudo,
bancos, aumentos, prejudicando os mais novos.”
Um dos dois filhos que causavam
cargos e comendas. preocupação a esta mãe que escrevia
Durante 36 anos, a Salazar chamava-se António Bar-
reto, que em 1975 – apenas 15 anos
o ditador acedeu a depois da carta desesperada da sua
centenas de cunhas. mãe – era já deputado e secretário
de Estado. Um ano depois, subia a
Por Marco Alves ministro no I Governo Constitucional

ZAR
(Mário Soares, 1976-78).
Mas em 1960 ninguém sabia disso.
António Barreto, conforme contou
em 2012 numa entrevista ao Jornal
de Negócios, teve de fazer uma es-
colha na altura. “Fui-me embora de
casa, fui pedir trabalho a uma fábrica
de bolachas em Coimbra, e estudava
à noite. Fiquei sozinho na vida com
17 anos.” O sociólogo não terminou
Direito e foi para a Suíça licenciar-se
em Economia Social.
António Barreto (que este ano lan-
çou o livro Três retratos: Salazar,
Cunhal, Soares) diz à SÁBADO que Q

35
 Destaque
Q já sabia da carta da mãe. “Foi uma
descoberta. Mas sem surpresa exces-
siva: a nossa mãe era mesmo assim,
escrevia, queixava-se, apresentava
pretensões ou propostas…”
A mãe de António Barreto pedia
“um milagre”: um emprego para o
marido “como engenheiro” no Porto
(onde podia vigiar os dois filhos re-
beldes). Onde? “Em qualquer das nu-
merosas Comissões das Obras Públi-
cas ou no Serviço de Habitações
Económicas, da Federação das Cai-
xas [de Previdência], dado que é sa-
bido ser impossível transferências
para outros serviços com os quadros
completos. O nome do meu marido
é: Manuel da Costa Pinto Barreto.”
A pedido de Salazar, o caso andou
entre ministérios e percebe-se que
os pais de António Barreto (ou só a
mãe) já tinham escrito também para
estes. Mas nada feito, não havia va-
gas. António Barreto recorda agora à
SÁBADO o desfecho: “O meu pai
(com a minha mãe e mais quatro fi-
lhos) foi viver e trabalhar na Câmara
de Vila Nova de Gaia em 1967. Creio
que se candidatou a esse lugar (a fim
de ir viver com os filhos no Porto)
por outras vias.”
Compaixão ou caridade?
O caso da mãe de António Barreto é
um em centenas na correspondência
para Oliveira Salazar. “Era o Portugal
de então. Muito pouco se fazia ou po-
dia fazer sem pretensões, candidatu-
ras protegidas, amigos de influência…
Em termos diferentes conforme as
famílias e as circunstâncias, é certo,
mas eram costumes de toda a socie-
dade. Havia quantidades [enormes]
destas cartas nos gabinetes dos mi-
nistros, nas direções-gerais, nas câ-
maras, nas instituições… Eram tem-
pos sombrios”, diz o sociólogo.
O historiador Fernando Rosas con-
corda. “Isso era o mundo do Estado
Novo. O Salazar era o centro de uma
rede muito vasta de favores, de cu-
nhas, de empenhos, de transferên-
cias da província para a capital, de
arranjar o lugar de chefe de reparti-
ção, era um mundo em que o mérito
estava longe de ser o critério de as-
censão social. Havia uma pirâmide
de cunhas e o Salazar era só o pico”,
diz à SÁBADO.
36
h
As cartas
escritas pela
mãe do sociólo-
go António Bar-
reto a pedir uma
colocação do
marido no Porto
Num País empobrecido e se- Beira Alta, que era a província de
mianalfabeto, “os mecanismos nor- onde vinha [nasceu em Viseu]. Por-
Beatriz mais de ascensão social estavam tanto a CP, durante muitos anos, es-
Costa profundamente viciados”, diz. “Em tava cheia de gente da Beira Alta. Era
A atriz escre- 1938 ou 1939, o Técnico formava o Mário Figueiredo que metia lá,
veu quatro car- [apenas] uns quatro ou cinco enge- eram os seus empenhos, uma forma
tas (1961-64) a nheiros por ano. Isto para lhe dizer de popularidade local, de poder
desejar Feliz o que eram os quadros do regime”. também, ou de o segurar. Com o
Natal e a enviar Rosas, autor de vasta bibliografia presidente da Assembleia antes do
“ternura” e sobre Salazar e o Estado Novo, dá Mário de Figueiredo, que era de Oli-
“carinhos” dois exemplos. “Se for analisar as re- veira de Azeméis [Albino dos Reis,
lações sociais de alguns dos princi- 1945-61], era a mesma coisa, no ga-
pais caciques do regime encontrará binete dele as pessoas faziam fila
a mesma coisa. O Mário de Figueire- para meter a cunha. Os dirigentes
do, presidente da Assembleia Nacio- políticos exerciam um poder cacical,
nal [1961-69; além de ministro e de- de arranjar redes de apoio através da
putado], foi também administrador satisfação das cunhas, as mais varia-
Camilo da CP [1951-63] – fazia parte do ca- das, desde um lugar na repartição
Em 1936, a neta ciquismo dele empregar gente da das finanças, até a cunha ao filho de
de Camilo Cas- um sobrinho de um amigo.”
telo Branco es- Jaime Nogueira Pinto, outro abun-
creveu a Sala- Ir ver a Rainha dante autor sobre o Estado Novo,
zar (um camilia- Pelo menos duas senhoras mas com um posicionamento públi-
no confesso) a pediram lugares à janela co à direita, tem uma perspetiva do
pedir ajuda. Em fenómeno mais transversal. “A cu-
1938 conseguiu Em 1957, a visita de Isabel II nha, o empenho, o favor, a interven-
pensão vitalícia foi o acontecimento do ano. Ber- ção de favoritismo ao nível da admi-
de mil escudos ta Barreto, 84 anos, escreveu a nistração pública, acompanha o Por-
Salazar a pedir quatro lugares tugal contemporâneo desde o século
(para ela, filha, neta “e talvez XIX (e antes, naturalmente, também
[para] a minha dama de compa- as haveria…). Basta ler-se Camilo e
nhia que está sempre comigo”) Eça de Queirós. E a definição de Eça
numa janela do Terreiro do numa famosa carta para o Conde de
Paço para ver chegar a Rai- Arnoso em que lhe mete uma cunha:
nha. O mesmo pediu (4 lugares ‘A cunha é a forma popular de corri-
“SALAZAR no Terreiro do Paço) uma se- gir a estupidez da lei.’ Esse tipo de fa-
ERA O CEN- nhora que assinou apenas Filó. voritismo político existiu na Monar-
TRO DE UMA Mais: Filó sugeria que quia Constitucional [1820-1910], na I
REDE DE CU- “se puder ir à Ajuda República [1910-1926], na II Repúbli-
NHAS, FAVO- [o local do ban- ca [Estado Novo] e existe – e muito –
RES E TRANS- quete oficial], na III República [atual regime]. Geral-
FERÊNCIAS encantadíssima…” mente é exercida a favor dos ‘amigos
DA PROVÍN- políticos’, por vezes com implicações
CIA PARA criminais, como temos visto nos nu-
A CAPITAL” merosos casos de corrupção divulga-

dos pela imprensa”, diz à SÁBADO.
E deixa uma pergunta: “Havia
também casos destes – criminais,
de favoritismo – no Estado Novo?
Talvez. Mas se havia, no pós-25 de
Abril (com alguma sede de investi-
gação sobre o tema) não apareceu
nada de significativo. O Nuremberga
[tribunais militares criados pelos
Aliados para julgar crimes de guerra
dos nazis] do anterior regime ficou-
-se por uns ramos de flores do Dr.
Ramiro Valadão [diretor da RTP,
1969-74] para uma senhora, pagos
pela RTP…”
No que diz respeito a pedidos de
nomeações para cargos, Nogueira
Pinto não acredita “que houvesse
grande recetividade [de Salazar], a
não ser em casos de manifesta in-
justiça ou atropelo da lei. De resto,
mandava sempre averiguar as situa-
ções aos serviços competentes.”
É verdade que as cartas mostram
que muitas vezes o ditador pedia
explicações a outros ministérios,
mas também mostram o contrário:
dezenas de casos onde não havia
qualquer injustiça ou atropelo da
MARILINE ALVES
lei e as situações eram decididas
por Salazar diretamente.
Salazar fazia-o e o País sabia-o.
Veja-se o caso de uma senhora cha-
mada Maria Sousa Araújo, viúva de
um médico e mãe de cinco filhos,
que escreveu a Salazar a 18 de mar-
ço de 1964 para pedir um aumento
no seu subsídio de viuvez para con-
seguir manter as crianças a estudar.
Terminava com uma frase elucidati-
va: “Queira Vossa Excelência per-
doar-me este meu atrevimento, mas
como sei que todos que recorrem
a V. Exª, ao seu bom coração, são
bem atendidos, atrevo-me a escre-
ver.” Ao longo deste artigo vamos
ver mais frases como esta.
Alguns casos mostram que Salazar
ajudava com dinheiro. Em 1956, Ma-
ria Alice de Almeida, órfã de 19 anos,
interna nas Escravas da Santíssima
Eucaristia e da Mãe de Deus, pedia ao
governante para ser seu padrinho na
tomada de hábito. Resposta do secre-
tário: Salazar não podia abrir prece-
dentes, mas enviava “uma pequena
quantia para ajuda do enxoval”. Em
1968, outra carta, de Maria Irene Cos-
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[UMA CASA
EM ALVALA-
DE] “VENHO
MANIFESTAR
O MEU
PROFUNDO
RECONHECI-
MENTO
E SINCERA
GRATIDÃO”
ta, agradecia os 5.000$00 (€1.544)
que Salazar deu para a Casa de Santa
Maria do Resgate. Em 1957, um padre
de Freixedas (Guarda) agradecia os
2.000$00 (€799) enviados por Sala-
Lúcia zar para “o pobre Albano Lopes”,
A alegada vi- doente e pai de cinco filhos.
dente de Fátima Era compaixão ou caridade? Fer-
coassinava as nando Rosas não tem dúvidas: “Era
cartas escritas caridade, claro. Em vez de haver um
pelas Carmelitas sistema de segurança social organi-
Descalças de zado pelo Estado, havia a caridade
Santa Teresa dos ricos, que era exaltada como
(Coimbra) uma virtude cristã e um modo de
resolver o problema social, ou seja,
convidar as pessoas a conformarem-
-se com a sua situação. Era a perpe-
tuação da estrutura social.”
Diva
do teatro
As mães e os seus filhos
A carta que a mãe de António Barre-
to escreveu a Salazar tinha um deta-
Amélia Rey Cola- lhe importante: era a mulher a inter-
ço e o marido ceder pelo marido. Não foi, de lon-
(Robles Montei- ge, um caso isolado. As mulheres
ro) escreveram usavam quase sempre o argumento
muito a Salazar dos filhos (alimentação, bem-estar
entre 1931 e 1964 e educação) e lembravam que tudo
a expressar “ad- estava dependente do salário do
miração e grati- homem. Exemplos não faltam.
dão”. O tema A 26 de outubro de 1963, Maria
recorrente era a Ângela Cachado: “Sou casada com
iminente falên- um médico e tenho cinco filhos. (…)
cia da sua com- Há um ano que o meu marido luta
panhia teatral para conseguir uma colocação. (…)
Concorreu a médico das Caixas,
mas como tem apenas 12 valores
[média final de curso] está posto de
lado. (…) De joelhos vos peço que
nos ajude e fazei-lo pelos meus fi-
lhinhos.” Menos de um mês depois,
alguém anotou no cabeçalho que
j “o candidato foi nomeado e está já
A rebeldia de
António Barreto a prestar serviço, desde ontem, no
quando era jo- posto médico do Cacém”.
vem foi assunto A 18 de dezembro de 1957, Irene
na carta que a
mãe escreveu Campos Costa: “Meu marido, aju-
a Salazar dante do procurador da Repúbli- Q
37
 Destaque
BETTMANN/GETTYIMAGES
Q ca, está sendo vítima dum mal-
-entendido. Honesto e reto, confia
demasiado e não gosta de pedir
nada, porque parte do princípio que
se fará justiça. Eu sou mais descren-
te e sei que é necessário recorrer a
alguém. E como não conheço nin-
guém e vossa excelência se digna
ajudar quem precisa, eis-me a expor
o meu caso.” Irene, que dizia que
estava a escrever a Salazar sem o
marido saber, jogava a cartada ma-
ternal (“tenho três filhos, vivemos
somente do ordenado”) e pedia que
o marido fosse colocado noutro lu-
gar fora da magistratura porque es-
tava envolvido numa embrulhada
num “processo por crime de falsifi-
cação contra um advogado”, de que
era, dizia, inocente.
Outro caso. A 15 de março de 1962,
a mulher do coronel do Estado-
-Maior Manuel Campos Costa escre-
via que o marido, de 51 anos, por
força da lei e por ter 33 anos de car-
reira passou à reserva, o que trouxe
“uma quebra nos seus vencimentos
e na sua sensibilidade pessoal e pro-
fissional”. Vinha pedir um cargo
para o marido que seja “compensa-
dor da nossa situação pessoal, eco-
nómica e financeira”.
A 31 de janeiro de 1967, Maria Reis
38
g
ugue, id tempus
dolor. Etiam orci
magna, euismod
eget tempus sed,
congue id mau-
ris. Nunc gravida
sem
g Brandão (“mãe de três filhos que são um primo meu que é amigo do Pro-
As cartas iam a minha vida”) pedia a Salazar que o vedor lhe escreveu, mas nada disse
para o gabinete,
para a sua casa marido, Joaquim de Pinho Brandão, ainda. (…) Dr. Oliveira Salazar, tudo
particular, em fosse nomeado juiz do Tribunal de está nas mãos de vossa excelência.”
Lisboa, ou para o Contas. A carta vinha escrita à mão
forte de São João
do Estoril num papel timbrado do escritório do Uma surpresa
marido. A 17 de maio de 1934, Maria E depois o caso de Maria Eugénia de
Costa Braga escreveu da cama do Sá Bandeira. Numa carta não datada,
hospital, onde ia ser operada. Cha- relatou a Salazar as dificuldades em
mava Salazar de “meu velho amigo”, “sustentar e educar, mesmo modesta-
criava algum dramatismo com o des- mente, 15 filhos”. O marido, formado
Espião fecho da operação, dizia temer “pelo em Direito, estava há três anos na
Em 1946, Sala- futuro do meu filho” e por isso pedia Casa Pia, onde auferia 6.000 escudos
zar recebeu car- uma colocação para o marido. [€2.253, em 1960]. “Será possível, se-
tas do italiano Ou ainda Margarida Aragão, que a nhor Presidente do Conselho, que
Umberto Cam- 10 de janeiro de 1955 vinha pedir numa hora grave como a que atra-
pini, que se sou- “novamente” que o marido fosse no- vessamos não haja lugar no vasto
be depois ter meado adjunto do provedor da Casa Plano de Fomento, nem na orgânica
sido espião em Pia. “Já fizemos vários pedidos nesse do Estado, para um homem de Bem
Moçambique sentido, mas infelizmente até hoje – de um só rosto, de uma só fé? Não
tudo está em silêncio. Ainda há dias será atendido o pedido de uma mãe,
que apenas pede justiça para a conti-
nuidade do seu papel de educadora
“DISSERAM- de 15 almas e 15 corações para quem
-ME QUE ES- o nome de Vossa Excelência é o sím-
TÃO VAGOS bolo da Justiça, da Inteligência e do
DOIS LUGA- Poder? (…) Moral, material e tempo-
RES NO CON- ralmente estamos exaustos. Quer
SELHO DE Vossa Excelência dar-nos a mão e…
ADMINISTRA- levantar-nos? (…) Faço anos no dia 3
ÇÃO DA CAI- de agosto. Não quererá Vossa Exce-
XA GERAL DE lência, como nos contos de fadas, es-
DEPÓSITOS...” tender a sua varinha mágica e dar-me
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como presente de anos a nomeação h

O politólogo Jai-
do meu marido para outro lugar?”
me Nogueira Pin- O caso do acidente
Um dos 15 filhos de Maria Eugénia, to diz que Salazar Alemã matou criança num
Francisco Sá da Bandeira, soube pela não tinha grande
recetividade para acidente. Pediu ajuda a Salazar
SÁBADO da existência destas cartas,
aceder a cunhas.
que calcula serem do final dos anos “Não creio” Mathilde Bornhöft (viúva
50. “O tom condiz com o espírito da alemã a viver em Portugal ha-

época – todos vivíamos na ‘situação’
e não havia grande oposição ao regi-
me nem a Salazar –, mas sobretudo
com o jeito que a minha mãe tinha
para dramatizar quando queria pedir
um favor. O meu pai teria tido uma
fúria se tivesse tido conhecimento
destas cartas – ele era o oposto de
tudo isso, era de uma honestidade
inquestionável, apreciava uma vida
mais discreta e nunca fez a vida dele
no Estado, apesar de ter tido uma
passagem por um ou dois organismos
públicos (a Casa Pia e creio que uma
Secretaria de Estado), mas eram ativi-
dades complementares. A subsistên-
cia da família veio sempre da ativida-
de dele como industrial de moagem -
tinha uma fábrica no Crato”, diz à SÁ-
BADO. Todos os 15 filhos se casaram
e hoje há “175 descendentes diretos
dos meus pais”. Uma das netas é a
atriz Sofia Sá da Bandeira.
Francisco retrata a mãe como uma
personagem maior do que a vida.
“Era uma dona de casa sui generis.
Era culta (para mulher na altura),
falava línguas, era devota, adorava
jantares e convívios sociais, mas in-
teressava-se por literatura e teatro.
Tornou-se tradutora, correspondeu-
-se com escritores franceses, gostava
de viajar e de conhecer pessoas no-
vas. Era uma força da natureza. O
Salazar nem deve ter respondido a
essa carta e o meu pai nunca teve
qualquer cargo público posterior a
esse tempo. Ele passava muito tem-
po no Crato e a razão por que a mi-
nha mãe queria ‘meter cunhas’ para
um cargo público era simplesmente
porque queria viver em Lisboa e
usufruir da vida social da cidade. O
Salazar, com os serviços de informa-
ções que tinha, devia saber perfeita-
mente que ele tinha rendimentos de
outros lados.”
Em 1956, Maria Tavares de Almei-
ALEXANDRE AZEVEDO
PEDRO CATARINO
(que estava a concurso) para o seu
noivo, António Bastos Moreira da
Cruz. Acrescenta que enquanto ele
“MÁRIO DE tirava o curso de Direito, “era redator
FIGUEIREDO do jornal desportivo A Bola. (…) Em
ERA DA consciência, julgo que ele reúne os
BEIRA ALTA requisitos exigidos para o lugar”.
E DURANTE Nuno Moreira da Cruz, o filho, e
ANOS A CP hoje professor na Católica Lisbon
ESTAVA School of Business and Economics,
CHEIA DE também foi apanhado de surpresa
GENTE DA com estas cartas. “São uma bonita
BEIRA ALTA” memória da minha mãe”, diz à SÁ-
BADO. Quanto ao pai, “não estou
certo que tenha obtido o lugar na
FPF, mas creio que sim (tenho vaga
memória de ele me referir isso); de
resto não enveredou pela carreira de
jornalista desportivo, mas esteve li-
gado aos media vários anos: recor-
i do-me que foi administrador do
O historiador
Fernando Rosas Record algures na década de 70 e
vê no Estado do antigo Diário Popular”.
Novo uma pirâ- Além de mulheres a pedir para os
mide de cunhas,
de que Salazar maridos (havia também muitas viú-
era o topo vas a solicitar ajudas ou empregos
via 30 anos) teve um desastre
com vítimas em 1951, foi presa
e teve de pagar caução de 20
contos. Em 1953 o juiz absol-
veu-a de culpa, foi “mandada
em paz”, mas não conseguia
reaver a caução, que terá sido
roubada num desfalque que
houve no tribunal do Torel.
Dizia que precisava do dinheiro
para manter a sua empresa
familiar. O caso resolveu-se
em menos de uma semana.
para os filhos), os pedidos a Salazar
abrangiam todos os assuntos.
Veja-se Augusto da Costa, secre-
tário de Salazar no Ministério das
Finanças, a queixar-se em 1936
que o diretor do Diário da Manhã
queria “eliminar do jornal a secção
Vida Cooperativa”, que ele assina-
va e pela qual recebia 500 escudos
(€480, usando os coeficientes de
desvalorização da moeda). Só tinha
uma hipótese de manter a avença:
“Passar a fazer serviço todas as
noites na redação.” Mas, trabalhan-
do de dia no Ministério e de noite
no jornal, e ainda com dois filhos
pequenos, “que tempo me ficaria
livre para continuar a ler e a escre-
ver?” Não sabemos o que aconte-
ceu, mas a SÁBADO consultou o
Diário da Manhã desse ano 1936 e
a rubrica “Vida Cooperativa” não
foi terminada.
Condes e bancos
Embora as cartas tivessem quase
sempre parágrafos iniciais a pedir
desculpa pelo incómodo e por estar
a roubar tempo, depressa se ia ao
assunto. Eis o padre Aníbal da Silva
Bastos, de Tondela (que tratava Sa-
lazar por tu), a interceder pelo filho

da escreveu também a Salazar. Na de um amigo em 1956: “Se não pu-

última das três cartas pedia ao dita- deres colocá-lo no Banco Ultrama-
dor “o lugar de secretário-geral da rino, vê se o colocas em qualquer
Federação Portuguesa de Futebol” outro banco ou em qualquer em- Q

39
 Destaque
D.R.
Q prego onde ele ganhe a vida.” Ou
em 1958 o conde de Castro (João
António Gomes de Castro) a pedir
um cargo “na administração do fu-
turo Banco do Fomento”.
Por falar em condes, eis o conde de
Aurora em 1955 a pedir a Salazar
para ser nomeado “para a próxima
vaga no Supremo Tribunal Adminis-
trativo”. Outro conde, o de Penha
Garcia, pediu para o filho o cargo de
diretor adjunto do Instituto Portu-
guês das Conservas de Peixe. Mais
tarde, a mulher (a condessa) pediu
para o outro filho o cargo de delega-
do do Governo na Sociedade Hi-
droelétrica do Revue (Moçambique).
Em 1948, foi a condessa do Restelo a
pedir que o neto (“filho único da mi-
nha filha mais velha que morreu em
1918 na epidemia pneumónica”)
possa ocupar uma vaga que existia
no Museu de Arte Popular.
40
a personalidades de reconhecido
mérito científico, literário ou artísti-
co). “Na inauguração das represas
do Vale do Sorraia, que se realizou
a semana passada, foram agracia-
dos com comendas modestos ope-
rários que ali trabalharam durante
esses seis anos. Um barqueiro na
represa do Douro foi também con-
templado com uma comenda. E eu,
que tenho 20 anos de África, onde
me inutilizei, e o resto da minha
vida escrevendo contos e novelas
para os jornais, nem sempre remu-
nerados, e livros, não terei uma re-
compensa da Pátria?”
Os bancos – a CGD, o BNU, o Ban-
co da Agricultura, ou o do Fomento
– eram frutos muito desejados. Por
exemplo, em 1938, Salazar recebeu
g uma carta de António Correia de
O conde de Ma-
hem enviava esta
Ofertas a Salazar Aguiar, cujo mandato de deputado
foto da família O que as pessoas estava a terminar ao mesmo tempo
a Salazar e pedia enviavam ao ditador que abriam duas vagas de adminis-
uma comenda: tradores do BNU e uma vaga de co-
a Ordem de San-
tiago de Espada Fruta e bebidas missário do Governo junto do Banco
Em 1946, Luís Coutinho de Angola. “Convinha-me muito um
enviou azeite da sua colheita. Em desses lugares”, escreveu, sem qual-
1961, João Cerqueira deu um co- quer rodeio. Em 1940, Correia de
nhaque de 1811, e Maximino Bor- Aguiar enviou uma carta a Salazar
ges enviou (de Angola) um ouri- a agradecer o cargo no BNU.
ço e castanhas. Em 1967, o presi-
dente da Câmara de Amarante Divórcios e casamentos
Cães (José Abreu) deu garrafas de Os pedidos a Salazar eram transver-
Em 1958, uma vinho de produção própria sais a toda a sociedade. Houve
turista america- quem lhe mandasse apenas o currí-
na jurava ter Cravos culo, como se fosse um diretor de
visto em Portu- Em 1959, Maria Noronha Recursos Humanos. Veja-se o caso
gal um “merca- Cayolla enviou 27 cravos a Sala- do comandante Marques de Carva-
do de cães”. zar, tantos quantos os anos que lho, 64 anos, secretário do Rei D.
Salazar respon- tinha de governante. Gualberto Manuel de Bragança, que pediu para
deu-lhe: eram Borges Cabral também já lhe ficar num dos “numerosos lugares
peles de raposa tinha enviado cravos (e de comissários do Governo” (os Co-
ananases dos Açores). missários, ou Altos-Comissários,
eram como diretores gerais numa
Objetos determinada área: Mocidade Portu-
Ao longo das décadas, guesa, Exposição Universal, Desem-
Salazar recebeu livros, quinqui- prego, Angola, etc.).
lharia religiosa, medicamentos, Em 1954, um desembargador da
PADRE sonetos, quadros e fotografias Relação do Porto (António Maria
BASTOS: Gonçalves Ferreira) pediu a Salazar o
“VÊ SE O cargo que estava vago de juiz adjun-
COLOCAS EM to do Supremo Tribunal Militar. Ou a
QUALQUER Finalmente, em 1954, o conde de carta de José Pinto de Almeida a pe-
BANCO OU Mahem (Francisco Xavier de Noro- dir para ser colocado como juiz no
EMPREGO nha da Costa Paulino) rogou a Supremo Tribunal Administrativo.
ONDE [O Salazar que lhe fosse concedida a Ou ainda Francisco Rosa Caeiro, em
AMIGO] GA- Comenda de Cavaleiro da Ordem 1939, a começar assim uma carta:
NHE A VIDA” de Santiago de Espada (destinada “Disseram-me que se encontram

vagos dois lugares no Conselho de
Administração da Caixa Geral de
Depósitos, tendo o segundo vagado
ainda há poucos dias…”
Veja-se o caso de José António
Sousa Barriga, cujo ordenado como
secretário geral da Presidência do
Conselho em 1962 – 6.500$00
(€2.441) –, não chegava para a edu-
cação de sete filhos e para “man-
ter um determinado nível social
que prestigiasse as referidas
funções”. Pedia “algum traba-
lho extra” (rogar um segundo
emprego era muitas vezes
um subterfúgio para o que
realmente se queria: um au-
mento ou outro cargo mais
bem remunerado).
Sousa Barriga pediu a
Henrique Veiga de Macedo,
presidente da União Nacio-
nal, e este remeteu o assun-
to a Salazar. Não sabemos o
desfecho do caso, mas em
1968 Sousa Barriga ainda es-
tava no cargo (poderá ter
conseguido apenas um au-
mento). Seria depois secretá-
LILIANA PEREIRA
rio-geral da Assembleia Na-
cional e mais tarde da Assem-
bleia da República. É onde
trabalha hoje o seu filho, Jorge Bar-
riga, como técnico especialista –
não quis falar à SÁBADO sobre este
assunto.
Salazar servia para tudo. Em 1965,
Ernâni da Costa Branco pedia “a in-
tervenção de V. Exª para que junto
do Secretariado Nacional de Infor-
mação me fosse concedido um sub-
sídio a fim de poder manter e desen-
volver o meu negócio – uma adega
típica e restaurante, em Cascais.
Dignou-se V. Exª ordenar que fos-
se feito um inquérito do que se
pretendia e, assim, os respeti-
vos serviços o fizeram”. Mas
passaram-se três meses e
nada. Ernâni da Costa Bran-
co pedia então “interferên-
cia de V. Exª” para que o
caso se resolva.
Alguns pediam para que fa-
miliares fossem libertados das
cadeias, muitos solicitavam
transferência de postos nas Co-
lónias para a Metrópole e vice-
-versa, ou queixavam-se de
mau funcionamento de serviços
e do comportamento de colegas
ou personalidades, outros ti-
nham conhecimentos interna-
cionais para o Estado obter
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D.R.
g empréstimos no exterior. Havia
Maria Eugénia bastantes pedidos de aumentos,
Sá da Bandeira
tinha 15 filhos como Joaquim Manuel da Costa Jú-
e pediu ajuda nior, que, sendo coronel, ganhava
a Salazar (talvez “praticamente tanto como um ma-
tenha sido só
dramatização...) jor”. Por vezes, tinha-se a sensação
que alguns não conheciam bem as
regras. Logo em 1938 um jornalista,
Félix Correia, contava a Salazar o
que se sussurrava nos quartéis:
“Certos oficiais queixam-se que um
“CONVINHA- general, por exemplo, ganhe menos
-ME MUITO que certos rapazes, acabados de
UM DESSES formar-se, que são nomeados para
LUGARES...”, organismos oficiais e corporativos.”
ESCREVEU Dezenas de pessoas pediam autó-
UM DEPUTA- grafos ou desejavam conhecer Sala-
DO A SALA- zar (algumas conseguiam-no). Mui-
ZAR SOBRE tos invocam relações familiares, so-
VAGAS EM ciais e profissionais com Salazar –
BANCOS pessoas de Santa Comba Dão, ami-
gos dos pais de Salazar (ou filhos
dos amigos dos pais de Salazar), an-
tigos colegas do seminário de Viseu,
ex-colegas, alunos e vizinhos dos
tempos de Coimbra, amizades ini-
j ciais em Lisboa, etc.
A atriz Sofia Sá
da Bandeira é um Por exemplo, em 1967, Maria Júlia
dos 175 descen- Lobão Tello, “em nome da amizade
dentes de Maria que ligou nossas avós e mães”, veio
Eugénia. A sua
avó era uma for- pedir para Salazar interceder para a
ça da natureza colocar como rececionista no Pos- Q
41

Destaque
D.R.
Q to de Turismo do Caia (Elvas). Em
1944, José Mário Oliveira Batista ale-
gava ser antigo colega do seminário
de Viseu (ou seja, 40 anos antes)
para pedir proteção para o seu filho,
que estava na tropa. Em 1940, um
antigo colega, António Martins de
Almeida, advogado, pedia o lugar de
presidente da Bolsa de Mercadorias
do Porto. Para não falar das várias
cartas de padres amigos (como An-
tónio Barreiros, cónego da Sé de Vi-
seu, ou Camilo Francisco Barros, co-
locado na Secretaria dos Breves, em
Lisboa) a pedir empregos e ajudas
para conhecidos.
Uma casa a Salazar
Havia quem informasse Salazar so-
bre as vicissitudes do seu divórcio,
mas também quem o convidasse
para o seu casamento. Como este:
“Maria Maximina Cardeira e João
Ferro Martins têm a honra de convi-
dar Vossa Excelência a assistir ao ca-
samento de sua filha Natalina Mar-
tins Cardeira com Luís Gonçalves
Henriques, que se realiza no dia 8 de
julho, às 13 horas na Igreja dos Jeró-
nimos.” O 8 de julho estava riscado a
caneta e por cima foi escrito “2 de
42
g menos nas últimas décadas, em que
O arquivo contém
várias cartas es- A governanta
critas por Salazar,
além de notas e
Dezenas recorriam a
mensagens para Maria de Jesus Freire
serem enviadas
por telegrama A mulher que durante toda
a vida tomou conta dos assun-
tos domésticos do ditador rece-
beu também inúmera corres-
pondência (entre 1937 e 1968)
com pedidos (diretos ou dissi-
mulados) para interceder junto
de Salazar. Alguns pedidos in-
cluíam assuntos bizarros para
uma governanta (como pedi-
Desconto dos de transferência de mili-
Uma antiga vi- tares ou para ficarem coloca-
zinha de Santa dos em casa para oficiais).
Comba Dão es- Maioritariamente vindas de
tava a vender pessoas de origem modesta,
uma proprieda- algumas cartas incluíam foto-
de por 22 con- grafias dos filhos de quem pedia.
tos. Escreveu a
Salazar a dizer
que a ele lhe
fazia por 20 agosto”. Entre os anónimos, um fa-
moso: Fulgêncio Batista, o homem
que Fidel Castro depôs em Cuba em
1959 e que estava exilado em Portu-
gal, convidou Salazar a ir a Madrid
em 1964 assistir ao casamento do fi-
lho Jorge Batista Fernández.
Em 1964, um sírio (Zareh Chahi-
“NÃO MA nian) escreveu a Salazar a dizer que
QUISERAM se ia casar e que queria passar a lua-
DAR [CASA -de-mel em Portugal, mas que não
EM BELÉM] tinha dinheiro para esses luxos. Res-
PORQUE NÃO posta do secretário de Salazar: “Em-
TINHA POS- bora não seja efetivamente costume
SIBILIDADE atender a tais solicitações, o Senhor
DE FALAR Presidente, atendendo à razão espe-
AO SR. DR. cial invocada, encarrega-me de in-
SALAZAR” formar que terá muito prazer em
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proporcionar a V. Excia. e a sua noi-
va a estadia durante cinco dias numa
das Pousadas de Portugal.”
Pedidos também para colocar os
filhos em escolas. Em 1954, Ema Fer-
reira de Almeida pedia para a filha
entrar no Liceu D. Filipa de Lencas-
tre. Em 1932, o brigadeiro João de Al-
meida pedia a Salazar que resolvesse
um problema no Colégio Militar (não
deixaram matricular o filho por não
ter idade). Numa nota a Salazar, a
instituição parecia concordar com as
pretensões do militar e deixava até
um enquadramento curioso: “É bem
sabido que raro tem sido o ano, pelo
a lotação do Colégio não tem sido
excedida, em atenção à benesse
política ou à amizade pessoal.”
Poucos pedidos a Salazar foram
tão extraordinários como o da pro-
fessora Clotilde Abrantes Maciel
Chaves, que a 31 de dezembro de
1957 deixava o seguinte por escrito:
“Tendo sido beneficiada, no corren-
te mês, com uma casa no bairro de
Alvalade [Lisboa], pertencente à
Caixa Sindical de Previdência dos
Profissionais do Comércio, e saben-
do que o facto se deve à atenção e
interesse dispensados ao pedido que
tomei a liberdade de dirigir a Vossa
Excelência, em julho do corrente
ano, venho mui respeitosamente
manifestar a Vossa Excelência o
meu profundo reconhecimento e a
mais sincera gratidão.” A professora
Clotilde aproveita para reforçar ou-
tro pedido vindo da carta anterior:
“Uma casa de renda económica
num dos bairros, já por mim men-
cionados na carta anterior, casa
esta, que ficaria mais tarde para
minha querida filha.”
Igual sorte teve Mariana Victória de
Carvalho, que em 1945 escreveu a
Salazar pelo seu “coração bondoso”.
Porquê? “Esta minha impressão não
é só de hoje, já a tinha há uns poucos
de anos, ou seja, quando requeri uma
casa no Bairro de Belém [Lisboa] e
não ma quiseram dar, e eu dizia –
‘não a tenho porque não tenho possi-
bilidade de falar ao Sr. Dr. Oliveira
Salazar’.” Mariana vinha agradecer a
Salazar porque desta vez conseguiu
chegar até ele e obteve uma casa no
Bairro da Encarnação. W
 Escolhas
Como aproveitar a Black Friday na pandemia
Da “Black Friday” aos “Black Days” As lojas multiplicaram os esforços este ano e,
e às promoções que duram até à “Christmas em vez de prepararem campanhas especiais
Night”, aqui ficam algumas dicas para ajudar a para um dia específico (ou dias, porque a
navegar nestes tempos diferentes… Black Friday durava, pelo menos, até à segun-
Se 2020 fosse um ano normal, consumidores da feira seguinte, a Cyber Monday), a maioria
e comerciantes aguardavam ansiosamente das marcas está a estender essa celebração
pela chegada do dia 27 de novembro, data ao longo de todo o mês, procurando evitar fi-
em que este ano se assinala a Black Friday, las nas lojas, gerir o distanciamento e, obvia-
por forma a aproveitar todas as promoções e mente, chegar ao maior número de potenciais
fazer as compras de Natal. Mas 2020 não é consumidores. Muitas lojas alargaram inclusi-
um ano normal, como bem sabemos, e não vamente o período de trocas e devoluções,
podemos certamente ter pessoas a acorrer até aos dias 15 ou 31 de janeiro de 2021, para Fundação do Gil:
às lojas em grande número, como antes que possa fazer realmente sentido aproveitar
acontecia. este período para as compras de Natal. como uma gota
de água está
a mudar o mundo!
De mascote da Expo 98 a
fundação que ajuda
crianças com doenças
Conheça crónicas
em unibanco.pt e respetivas famílias.
todas Esta é uma história que vale a
as vantagens pena conhecer.
para o seu O Gil nasceu como uma gota
dia a dia. de água em 1998, para simboli-
Aproveite zar a vida nos oceanos e a de-
a oferta fesa do ambiente, mas no ano
de adesão. seguinte, e por iniciativa do
Parque Expo 98 e do Ministé-
TAEG 15,3%
rio do Trabalho, a mascote tor-
nou-se no símbolo de uma fun-
dação que tem procurado con-
Como sobreviver a mais um período tribuir para o bem-estar, a valo-
rização pessoal e a plena inte-
de teletrabalho gração social de crianças e jo-
O que aprendemos com a primeira vens que se encontram em ris-
vaga de trabalho em casa, e de que co social e clínico. Um objetivo
forma isso nos pode ajudar a lidar com esta ao qual a UNICRE se associou
segunda fase. Sobretudo com o tempo lançando o Cartão Alegria, um
a arrefecer lá fora. cartão-presente com um valor
O governo decretou, e o trabalho a partir de predeterminado (15, 25, 50, 100
casa voltou a ser obrigatório. Pelo menos em ou 150 euros), e um preço de
121 concelhos do país mas, como são também dois euros que reverte em prol
os mais populosos, a medida aplica-se à maioria da instituição.
dos trabalhadores. Depois de uma primeira
“vaga” em home office e de um regresso ao
Leia a totalidade
escritório, que terá acontecido antes ou depois destes e outros artigos
das férias de verão, consoante as empresas, no blog do UNIBANCO
eis-nos de novo forçados a fazer o trabalho
da empresa a partir de nossas casas. sendo ursos, temos também uma tendência
Houve, na realidade, quem tivesse apreciado natural para hibernar – ou, na versão moderna,
bastante a primeira experiência, outros nem sentar no sofá em frente à TV, enroscados a
por isso, mas em qualquer dos casos será uma manta. Talvez por isso seja tão importante
importante perceber que desta vez existe uma perceber o que aprendemos com o primeiro
diferença fundamental: estamos a entrar no estágio em casa, e de que forma isso nos pode
inverno, os dias estão mais frios e, mesmo não servir para enfrentar esta segunda volta.
*TAEG 15,3% Exemplo para um limite de crédito de 1.500€, prazo 12 meses TAN 14,00%. Válido para adesões desde 1 de abril de 2020. Para mais informações contacte a Unicre - Instituição Financeira de Crédito S.A.
 Destaque
FASCISTAS. OS DOIS ECONOMISTAS CORRESPONDERAM-SE DURANTE 30 ANOS
PACHECO DE AMORIM,
O “VELHO AMIGO
E ADMIRADOR”
DE SALAZAR
C
oimbra, 23 de dezembro de
1942. Com o filho mais ve-
lho, Diogo Manuel, de 25
anos, licenciado em Enge-
nharia Civil há mais de dois anos e
no desemprego, Blandina Pacheco
de Amorim procurou ajuda junto de
um poderoso velho amigo da famí-
lia: António de Oliveira Salazar, che-
fe do governo ditatorial do Estado
Novo. “Posso garantir a vossa exce-
lência que é um bom rapaz, muito
trabalhador e cumpridor das suas
obrigações”, salientou, numa carta
onde disponibilizou o filho para
uma “vaga nos caminhos de ferro da
Figueira”, distrito de Coimbra, onde
viviam. “Não tenho preferência, se-
nhor presidente, para este lugar em
especial. Por esse, ou por qualquer
outro que vossa excelência melhor
entenda, lhe ficaria muitíssimo gra-
ta. A minha preferência seria vê-lo
em Coimbra ou proximidades.”
Antes de se despedir “grata e reco-
nhecida” a Salazar, Blandina usou a
condição de mãe – “não há obstá-
culos para um coração de mãe
quando se trata de um filho” –, e
apelou à velha amizade que os unia.
“Se me dirijo hoje a vossa excelên-
cia é por ter a certeza de encontrar
no senhor doutor o amigo que sem-
pre foi para nós, lembrando-me das
boas relações que tínhamos em
Coimbra e a amizade que tivemos
sempre de vossa excelência.”
Essa amizade está retratada em
dezenas de cartas enviadas entre
44
h de Amorim, o ideólogo de André
Diogo Pacheco
de Amorim foi
colega de facul-
dade de Salazar
Favores, cunhas, conselhos e
desabafos. A correspondência
trocada ao longo de três décadas
mostra intimidade entre Salazar
e o avô do vice-presidente do
Chega, Diogo Pacheco de
Amorim. Por Alexandre R. Malhado
1929 e 1965 por Diogo Pacheco de
Amorim, avô homónimo do vice-
-presidente do Chega, consultadas
pela SÁBADO no Arquivo Oliveira
Salazar, onde se inclui esta missiva.
Ao saber do pedido feito “ao seu ve-
lho amigo”, como sempre o tratava,
o patriarca da família terá ficado
“furioso” por a esposa ter enviado, à
sua revelia, aquela carta ao líder do
Estado Novo. “Ficou sem lhe falar
dois ou três meses. O meu avô metia
cunhas para toda a gente menos
para a família – e a minha avó sabia
disso”, garante à SÁBADO o neto di-
rigente do Chega, que viria a nascer
seis anos depois daquele arrufo.
Filho de Diogo Manuel Pacheco
Ventura vem de uma antiga e pode-
rosa família beirã, especialmente
influente durante a Segunda Repú-
blica, com o avô Diogo Pacheco de
Amorim à cabeça. O patriarca Pa-
checo de Amorim fazia parte do cír-
culo íntimo de amigos de Salazar e
de Manuel Cerejeira nos tempos de
faculdade em Coimbra, onde se vi-
ria a licenciar em Matemática com
20 valores em 1913 e a ser nomea-
do, seis anos mais tarde, professor
catedrático. Estreitaram amizade
em 1912, quando fundaram o Cen-
tro Académico de Democracia Cris-
tã (CADC), presidido por Pacheco
de Amorim e com Salazar em pri-
meiro secretário, onde começou a
dar nas vistas pelos seus artigos de
opinião nas páginas do Imparcial.
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Três anos depois, ergueram o parti- j em que me convida para votar na

do Centro Católico Português (CPP), Diogo Pacheco lista da União Nacional. De facto,
de Amorim não
onde faziam oposição católica du- esconde a admi- não estou na União Nacional, mas
rante a Primeira República, tendo ração pelo avô, também não estou contra. Estou
Pacheco de Amorim sido eleito de- cujas cartas com onde sempre estive no Centro Cató-
o ditador
putado em 1918 e 1919, pelo círculo conserva lico.” Apesar da recusa, deixou a
da Covilhã. Salazar tornou-se depu- porta aberta para o futuro. “Uma
tado em 1921 por Guimarães. vez enterrado [o CCP], readquirirei
a minha liberdade política comple-
“Nada contra” Salazar NAS CARTAS ta”, escreveu.
A meses de criar a União Nacional, TROCADAS Acabou por ser deputado à As-
futuro partido único da ditadura, COM sembleia Nacional durante a I Le-
Salazar começa a arregimentar pes- OLIVEIRA gislatura (1935-1938), a IV Legisla-
soas de confiança – uma delas foi o SALAZAR, tura (1945-1949) e a V Legislatura
amigo Diogo Pacheco de Amorim, PACHECO (1949-1953). “Quando entendia que
que lhe respondeu a 19 de novem- DE AMORIM as coisas estavam a correr mal,
bro de 1929: “Meu caro Salazar, DAVA-LHE aceitava juntar-se à legislatura.
SÉRGIO LEMOS

muito obrigado pela sua prezadíssi- DICAS DE Quando sentia que estava tudo
ma carta e pelos termos amáveis ECONOMIA bem, declinava”, explica à SÁBADO
o neto, acrescentando que dentro
da Assembleia ele liderava a ala ca-
h tólica – “e muitas vezes com inter-
Salazar convidou venções críticas”, especialmente na
o amigo Pacheco
de Amorim para economia.
fazer parte da No que toca à falta de liberdade,
União Nacional repressão e tortura das autoridades,
perseguição e censura à oposição, o
avô Pacheco de Amorim justificava
o autoritarismo de Salazar como
“um mal necessário ao comunismo
crescente”, explica o dirigente do
Chega. “Apesar de ele ser considera-
do um anglófilo, liberal na economia
e conservador nos costumes, o meu
avô entendia que na Primeira Repú-
blica portuguesa havia uma ameaça
comunista iminente devido à apro-
ximação do Partido Democrático do
Afonso Costa àquela ideologia. Por
isso, concordava que era necessário
um regime autoritário”, diz. De
acordo com historiadores, como
Walter Laqueur, o medo do comu-
nismo foi um dos responsáveis pela
fundação do fascismo.
Ao longo das três décadas de cor-
respondência, os assuntos oscila-
vam entre política, família, queixas
sobre as despesas que tinha com os
estudos de dois dos seus quatro
filhos e pedidos para desbloquear
fundos para obras no Refúgio da
Rainha Santa Isabel. Além disso,
como bom conselheiro de Salazar,
dava dicas de economia. Era, aliás,
comum ver, no meio de expressões
de amizade, contas complexas nas
cartas que Diogo Pacheco de
Amorim endereçava ao amigo. Q
D.R.

45

Destaque
Q É o caso da missiva escrita a 31 de
julho de 1929, mês em que Oliveira
Salazar partiu a perna direita. “Pe-
los jornais e por informações parti-
culares, tenho sabido das suas me-
lhoras, que muito sinceramente es-
timo”, escreveu, dirigindo-se a Sa-
lazar, então internado no Hospital
da Ordem Terceira.
Pacheco de Amorim criticou ainda
decisões do Governo na ausência
de Salazar, já sem a pasta das Fi-
nanças, classificando-as de “um
cheque em branco”. “Recomeçam,
como era de esperar, os tempos de
Sinel de Cordes [ministro das Fi-
nanças que antecedeu a Salazar]”,
atira. E despede-se: “Desculpe-me
o desabafo e creia-me. Do seu ami-
go e admirador de sempre.”
Os conselhos sobre Hitler
Com o início da Segunda Guerra
Mundial, António Oliveira Salazar
construiu uma rede de informado-
res, embaixadores e conselheiros
para o ajudar a compreender as
implicações para Portugal de uma
vitória alemã, cujo regime de Adolf
46
Hitler lhe era “difícil de decifrar”, tal
como descreve o investigador Filipe
Ribeiro de Meneses na biografia do
líder do Estado Novo. Um dos
velhos amigos a quem o ditador
recorreu foi, precisamente, Diogo
Pacheco de Amorim.
“Era um conselheiro. O embaixa-
dor português em Berlim recolhia
informações para Salazar, que as
passava ao meu avô para avaliar,
porque ele era o melhor economis-
ta”, afirma o dirigente do Chega.
Numa carta enviada dia 7 de outu-
bro de 1941, ano em que o Ministé-
rio dos Negócios Estrangeiros fazia
avaliações mensais sobre a econo-
mia da Europa ocupada por Hitler,
Pacheco de Amorim mostrou as
suas conclusões sobre uma estraté-
gia económica alemã.
“Meu caro doutor Salazar. O dr.
Paul Einzig publicou em março pas-
sado um livro: ‘Hitler’s New Order
in Europe’, que foi reimpresso logo
em abril e que li em férias. É o de-
senvolvimento do discurso dr. Funk
[ministro da Economia nazi]”, co-
meça. “Segundo o dr. Einzig, a Ale-
18 NOVEMBRO 2020
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manha serviu-se de contratos [com
Governo outros países] para obter emprésti-
Diogo Pacheco mos em géneros sem limite, nem
de Amorim diz data de pagamento. Com a valori-
que o nome do zação do marco, facilitou-se as
avô esteve em vendas e dificultou as compras com
cima da mesa países ludibriados”, lê-se.
para ministro Volvidos mais de 70 anos, um
das Finanças, novo Pacheco de Amorim prepara-
antes de Salazar -se para se sentar na Assembleia
da República, desta vez para subs-
tituir André Ventura durante a
campanha presidencial. Aos 71
anos, o ideólogo do Chega está a
escrever um livro sobre o avô, cu-
jas ideias e vida admira. Na econo-
mia liberal, o próprio admite ser
um “caldeirão de influências políti-
cas” do antepassado, com quem vi-
COM O INÍCIO veu durante os seus tempos de uni-
DA II GUER- versitário em Coimbra, e dos tios.
RA, SALAZAR Sobretudo do seu tio Fernando, di-
RECORREU rigente do MDLP de Spínola, com
A UMA REDE quem se refugiou em Madrid após
DE CONSE- o 25 de Abril, grupo suspeito de fa-
LHEIROS. UM zer explodir uma bomba que viti-
DELES FOI mou o padre Max, de 33 anos, e
PACHECO a estudante Maria de Lurdes, de 19,
DE AMORIM a 2 de abril de 1976. W
 Opinião 18 NOVEMBRO 2020
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INSTANTÂNEOS
(OU QUASE)
c c c
Racistas, nós? Perigoso Emprego
Agora o André Ventura Vamos lá silenciar o É enfermeiro? É
vai processar António Chega (já não basta farmacêutico? A Meo
Costa porque este tolerar os seus tem uma oferta para
disse que o Chega é perigosos eleitores?!), si. Turnos de 4 horas,
xenófobo, racista e de preconiza o jornalista em casa ou em
extrema-direita. Se a Baldaia, antigo call-centers, a
ideia é marcar uma assessor de políticos, acompanhar
posição, toca a avançar ex-diretor do DN e da assintomáticos com
contra milhares de TSF e agora Covid-19. Pagam 7
pessoas que acham comentador-mor em euros/hora. Quase
isso mesmo do Chega jornais, rádios e tanto como a senhora
e já o disseram. televisões. Lindo. que limpa escadas.

c c c
Suecos Vacina, vaci... Perspetivas
Na Suécia só são Já repararam que Sabe quantos votaram
aconselhadas quando se diz que vem por correio nos EUA?
máscaras nos aí a vacina contra a Mais de 50 milhões.
hospitais. E lá estão Covid-19 surge logo este E se estes votos que
com mais de 40 ou aquele especialista a escolheram sobretudo
mortes e 6 mil novas dizer que tem este ou Biden fossem bater à
infeções por dia. aquele problema? E que porta de Trump? Há
Dizem que a máscara já há gente a dizer que muito se sabe que este
dá uma falsa sensação não a toma? Que venha, tipo de voto propícia
de segurança. estou pronto. mil e um esquemas.

c c c
Desgoverno A notícia Já fomos
As figuras ridículas que Foi anunciado que A França não é uma
um homem inteligente o DN vai voltar às equipa qualquer. Às
como Santos Silva faz edições diárias em vezes parece, mas não é.
já não são de agora. papel e logo houve Portugal tem equipa,
Quando se entusiasma júbilo entre jornalistas tem mesmo. Mas o
ninguém lhe consegue e outros. Bom, bom nosso medo deita tudo
parar a ironia era que regressasse a perder nestes
canastrona. É o que dá ao jornalismo, de onde momentos. Só jogamos
ser tantas vezes e há se ausentou há anos. quando Fernando
tanto tempo ministro. Santos deixa jogar.

O
Diretor-adjunto
António José Vilela

47
 Portugal
PERFIL. O EMBAIXADOR QUE CARIMBOU A CARANGUEJOLA AÇORIANA
NÃO FOI MARCELO, FOI
A história afinal é outra: o representante da República informou o Presidente, mas não mais do que
C
orriam rumores nos corre-
dores do Solar da Madre
de Deus, residência oficial
do Representante da Re-
pública nos Açores, de que o líder
do Chega nacional, André Ventura,
queria participar na audição do
partido durante as negociações de
indigitação do Governo Regional.
Quando os ouviu, Pedro Catarino,
representante da República, resol-
veu o problema de forma rápida e
discreta: foi falar com o presidente
do Chega Açores, Carlos Furtado, e
“avisou-o que só receberia mem-
bros da estrutura regional por res-
peito à autonomia”, disse fonte li-
gada ao processo à SÁBADO. As-
sim foi: um por um, na primeira se-
mana pós-eleições regionais, diri-
gentes locais dos partidos com as-
sento na Assembleia Legislativa
dos Açores conversaram com Cata-
rino. Foi a primeira vez que um re-
presentante da República assumiu
um lugar central num processo de
formação do Governo Regional.
Com o PS a perder a maioria, po-
dia-se formar uma solução gover-
nativa inédita: uma maioria à direita
na Assembleia Legislativa caso os
partidos se unissem. Havia muito
ceticismo sobre se seria possível ar-
ranjar consensos entre quatro forças
políticas distintas, com um partido
de extrema-direita à mistura. Com
telefonemas diários a Belém, Catari-
no articulava-se com o Presidente
da República, Marcelo Rebelo de
Sousa, que o aconselhava a, se ne-
cessário, uma segunda audição aos
48
h partidos, apurou a SÁBADO. Contu- Mãos na massa
Pedro Catarino do, arranjar consensos é algo a que Foi o próprio a receber os parti-
nasceu em Lisboa dos, enquanto representante da
em Dezembro de o representante da República se ha-
República nos Açores. E foi ele a
1941. Foi nomeado bituou ao longo da carreira diplo- ter os encontros com os parti-
para o cargo nos mática, que seguiu durante 47 anos
Açores em 2011, dos e a receber os documentos
por Cavaco Silva antes de fazer parte da presidência. que oficializavam a coligação
“Em mais de 40 anos de amizade e PSD-CDS-PPM e o apoio parla-
trabalho, nunca o vi exaltado. É uma mentar da IL e do Chega
pessoa cordata por natureza, que
tenta sempre chegar a consensos”, T
explicou à SÁBADO António Martins Marcelo: só conselhos
da Cruz, antigo ministro dos Negó- Pedro Catarino garante que ape-
cios Estrangeiros do Executivo de sar de se ir aconselhando com
Marcelo Rebelo de Sousa, a dire-
Durão Barroso. ção das negociações e as deci-
sões foram sempre suas. Tudo
1964
Início
Em sintonia com Marcelo
Pedro Catarino guiou as negocia-
ções da única maneira que sabe:
se passou ao nível local e recu-
sou à partida ter como interlocu-
tores diretos líderes nacionais.
Foi tudo made in Açores
da carreira como um diplomata. De acordo
diplomática. com fonte social-democrata, o re-
Em 1967, era presentante da República, de 78 T
nomeado para a anos, fazia sempre “uma pergunta Diplomata e discreto
embaixada em geral e quatro concretas” aos parti- A experiência de embaixador
Pretória dos. Catarino confirma a metodolo- terá ajudado na condução dos
trabalhos, mas esta foi a primeira
gia à SÁBADO: “Primeiro pergunta- vez que desempenhou um pa-
va qual era a própria leitura das pel eminentemente político.
eleições açorianas, queria com- Ficou na sombra, mas a calma
preender o que sentiam e pensa- absoluta e a clareza terão ajuda-
vam, para poder ter uma imagem do do a fazer fluir as negociações
estado de espírito deles. Depois
BLOQUEOU prosseguia com perguntas concre-
À PARTIDA A tas. Interessava-me ter um quadro
PARTICIPA- claro e objetivo para poder basear a
ÇÃO DIRETA minha decisão final.” No fim, aca-
DE LÍDERES bou por ser o pivô da solução: não
NACIONAIS se formou governo regional
NAS NEGO- com quem teve mais vo-
CIAÇÕES. E tos, o PS, que perdeu a
ISSO DEIXOU maioria nas eleições, mas
DE FORA sim com uma coligação à direita,
VENTURA composta por PSD, CDS e PPM, e

MESMO O PEDRO
isso: “A responsabilidade é minha.” Por Alexandre R. Malhado
T interessava ver era se alguma dessas
O PS adiou reuniões
O filho de Carlos César, Francisco
César, deputado regional, foi dos
mais críticos, na imprensa aço-
riana, acusando o representante
da República de ter já tudo acer-
tado com Bolieiro antes de falar
com o PS. Pedro Catarino clarifi-
ca, pela primeira vez, à SÁBADO:
afinal foi Vasco Cordeiro a pedir
para adiar o encontro com ele
18 NOVEMBRO 2020
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com apoio parlamentar do Chega e
Iniciativa Liberal, unidos em três
acordos escritos diferentes.
“Foram os partidos que fizeram a
construção de consensos, o que me
condições afrontava a Constituição.
A única coisa que salientei foi o meu
desejo de haver um compromisso
escrito”, frisa. E esclarece que esta
solução governativa foi, acima de
tudo, responsabilidade sua, e não do
Presidente da República: “A respon-
sabilidade é minha, é o que a Cons-
tituição e o que os estatutos dizem.
Sou eu que nomeio, ouço os parti-
dos e sou eu que os indigito. Apenas
fiz questão de ligar com regularida-
de ao Sr. Presidente porque eu te-
nho o dever de o manter informa-
do”, explica, delimitando a posição
relativa de cada um.
Diplomacia com pratos
portugueses
Quando Martins da Cruz indicou Pe-
dro Catarino para embaixador em
Washington, um dos postos interna-
cionais mais importantes da diplo-
macia portuguesa, não foi surpresa
para o primeiro-ministro de então,
Durão Barroso, nem para o Presi-
dente da República Jorge Sampaio.
“Considero Pedro Catarino um dos
melhores diplomatas que Portugal já
teve”, afirma o antigo ministro. Se
nos Açores articulou quatro forças
políticas diferentes à direita, antes já
tinha gerido conflitos mais graves.
Especializado em diplomacia
multilateral, passou quatros anos
e meio nas Nações Unidas como Q
49
 Portugal
h UNIDAS EM
O socialista Vasco
Cordeiro perdeu
a maioria, mas
queria continuar
a liderar o Gover-
no Regional
Q representante permanente em
Nova Iorque, foi embaixador portu-
guês em Washington, onde apa-
nhou crises agudas como a guerra
do Iraque, e esteve ao longo de 12
anos na NATO, onde, entre outros,
exerceu o cargo de presidente do
Comité das Operações do Conselho
e Exercícios, com responsabilidade
pela área de gestão de crises. “Fa-
zíamos exercícios de crise todos os
anos, em situações imaginadas,
como questões nucleares. Eram si-
tuações delicadas: os nossos testes
não podiam ser muito distantes da
realidade, mas não demasiado pró-
ximos, porque os Governo não
queriam mostrar como reagiriam
numa situação real”, explicou Cata-
rino, dando como exemplo a Ale-
manha de Leste. “Eles nunca que-
riam abrir o jogo.”
O ponto alto da carreira foi, de
acordo com o próprio, ter contribuí-
do para a eleição de Portugal para
obter um lugar no Conselho de Se-
gurança nas Nações Unidas em
1996. “Eu era embaixador em Nova
Iorque e, com a nossa campanha,
conseguimos bater a Austrália. Esti-
vemos quatro anos a preparar essas
eleições e foi um esforço tremendo.
Nunca me esqueço da brilhante
ideia de fazermos, um mês antes
das eleições, um mês gastronómico
no restaurante da ONU. Levámos os
chefes do Hotel da Lapa, Albatroz e
Buçaco e foi um sucesso. Toda a
gente queria ir”, lembra.
Entre a China e os Estados Unidos
O interesse pela diplomacia nasceu
de querer fugir do “ambiente aca-
50
PEDRO no Ministério dos Negócios Estran-
CATARINO geiros em 1964, então liderado
AJUDOU pelo ministro do Estado Novo, Al-
PORTUGAL A berto Franco Nogueira – e desde
ENTRAR NO então poucas vezes veio para Por-
CONSELHO tugal, exercendo funções de em-
DE baixador em Pretória, Nova Iorque,
SEGURANÇA Hong Kong, Pequim e Washington.
DAS NAÇÕES É por isso que, além de ser fluente
em francês e inglês, também dá
1996 uns toques de chinês, alemão e
EDUARDO COSTA /LUSA
espanhol.
Saber falar várias línguas e ser afá-
vel, em conjunto com a mulher, é
um dos seus trunfos. “O papel da
minha mulher foi muito importante
O caso com o PS 2012
Estreia
no meu trabalho de diplomata”,
conta. Está casado há 51 anos com
a sul-africana Cheryl Catarino, com
Reação às suspeitas do diretor
Catarino já quem tem dois filhos. “Deixou-me
de campanha de Cordeiro
estava no cargo muito à vontade com todas as famí-
Francisco César, apontado quando Carlos lias das Nações Unidas, sejam ingle-
como próximo líder do PS-Aço- César decidiu ses e americanos (devido à cultura
res, sugeriu que a reunião com não se recandi- anglo-saxónica) ou africanos, que
Vasco Cordeiro foi “um ato inú- datar ao Gover- tratavam a minha mulher por ‘my
til” porque “meia hora a três no Regional sister’ (minha irmã).”
quartos de hora” depois Catarino
anunciou que indigitaria Bolieiro. As faturas devolvidas
Não foi a primeira vez que esteve li-
“Aquilo que ele disse não faz gado a uma negociação nos Açores:
i
justiça ao respeito que merece- Pedro Catarino à
nos anos 90, foi chefe da delegação
ram todos os meus interlocuto- saída do Solar da portuguesa para a negociação do
res”, diz Catarino à SÁBADO. Madre de Deus, Acordo das Lajes e de um novo
na ilha Terceira, Acordo de Cooperação e Defesa en-
depois de uma
Pedro Catarino explica que reunião com José tre Portugal e os Estados Unidos. E
foi Cordeiro a pedir para adiar a Manuel Bolieiro também não é a primeira vez que
reunião por “razões pessoais”.
Ficou para as 17h e o anúncio já
estava articulado com a RTP
para as 18h.
“Um diplomata tem como
objetivo diluir as tensões, não
vai levar a peito todas as pala-
vras de um político”, conclui.
nhado” de Alcobaça, onde cresceu
e viveu no seio de uma família de
“média burguesia” até aos 16 anos,
e “ver o mundo”. “Queria alargar os
meus horizontes, noutras culturas e
outros países. Com o meu interesse
pelo desenvolvimento político e
ANTÓNIO ARAÚJO/LUSA
current affairs, achei que a diplo-
macia ia dar-me oportunidade
para isso”, explica.
Começou a carreira diplomática
 18 NOVEMBRO 2020
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PUB
ANTÓNIO ARAÚJO/LUSA
g está num lugar controverso: num
José Manuel Bo- dos momentos mais mediáticos da
lieiro apresentou
a Pedro Catarino sua carreira, foi presidente da polé-
um acordo mica Comissão Permanente de
escrito com Contrapartidas (CPC) em 2007, es-
CDS e PPM
trutura estatal criada no âmbito dos
Ministérios da Defesa e da Econo-
mia, para acompanhar os contratos
que prometiam injetar centenas
de milhões em Portugal em troca
de venda de armamento para as C

Forças Armadas. M
Um dos momentos mais caricatos
da carreira foi quando cessou o con- Y

trato com a sociedade de advogados CM

Sérvulo Correia & Associados por

MY
“quebra de confiança” devido a…
duas faturas de honorários contesta- CY

das. A convite do escritório, Catarino CMY

foi almoçar com três advogados no

Presidente dia 4 de outubro de 2007. Mas dois K

Marcelo assu- meses depois do almoço, a Sérvulo

miu que o acor- enviou as faturas do trimestre para Juntámos uma saborosa
do de governa- a entidade que pagava os gastos da
ção nos Açores CPC, a direção-geral do Armamento combinação à nossa gama de Kefir.
cumpre a Cons- e Equipamentos da Defesa (DGAED).
tituição, mas Era uma fatura de “duas horas” ve-
Assim, nasce o novo Kefir Vigor
que ter um “par- zes “três juristas”, com um valor de Frutos Vermelhos, um leite fermentado com
tido antissistémi- “1.080 euros + IVA”. Catarino não
co”, disse, “não é assinou e enviou uma carta ao então 12 culturas vivas de kefir, probiótico*
uma solução DGAED, almirante Viegas Filipe a
ideal” dizer que aquilo era “um abuso e
e com baixo teor de gordura,
deontologicamente reprovável”. que vem dar mais sabor aos seus dias.
“Como um verdadeiro diplomata,
ele sabe que não tem de estar de Cultivar o bem-estar*, sabe bem.
acordo com as decisões dos gover-
nos, apenas tem de as que cumprir.
E leva essa ética de rigor para to-
SOBRE A SO- dos os aspetos da sua vida”, elogia
LUÇÃO CON- Martins da Cruz. Talvez seja por
CRETA, NÃO isso que, à semelhança de Marcelo,
SE PRONUN- também não acha que a solução
CIA, MAS DIZ encontrada nos Açores seja a ideal.
ESTAR “EM “Estou em total sintonia de opi-
SINTONIA nião e pensamentos com o Presi-
COM O PRE- dente da República. É o que posso
SIDENTE DA dizer”, explicou Pedro Catarino * As culturas vivas em leite fermentado ajudam à manutenção da saúde
REPÚBLICA” à SÁBADO. W e do bem-estar, melhorando a digestão da lactose
em indivíduos com dificuldade de digestão da lactose.

51
 Portugal
JUSTIÇA. OS NEGÓCIOS DO HIDROGÉNIO VERDE
CONVERSAS DE GALAMBA
E SIZA ESCUTADAS PELO
MINISTÉRIO PÚBLICO
As gravações dos telefonemas entre o secretário de Estado da Energia e o ministro
da Economia estão no processo. A fase da pré-seleção dos candidatos foi o momento
escolhido pelos investigadores. Por António José Vilela e Carlos Rodrigues Lima
i o processo-crime 581, que
Ministro
Siza Vieira anunciou que
escreveu à PGR. A SÁBADO
perguntou-lhe se já tinha
resposta, mas o governante
disse-nos que não tinha mais
nada a acrescentar
52
N
está a investigar indícios de
tráfico de influência e de
corrupção, entre outros
crimes económico-financeiros nos
negócios associados ao megaprojeto
governamental do hidrogénio verde,
o Departamento Central de Investi-
gação e Ação Penal (DCIAP) escutou
as conversas telefónicas entre João
Galamba, secretário de Estado Ad-
junto e da Energia, e o ministro de
Estado, da Economia e da Transição
Digital, Pedro Siza Vieira.
As gravações dos inúmeros contac-
tos telefónicos entre os dois gover-
nantes constam no inquérito. A 1 de
novembro passado, a SÁBADO en-
viou por email um conjunto de ques-
tões à procuradora-geral da Repú-
blica, Lucília Gago, nomeadamente
sobre o tipo de crimes que estariam
a ser investigados, se os dois gover-
nantes acima citados estariam entre
os suspeitos e se algum deles já teria
sido alvo de medidas intrusivas de
investigação como interceções tele-
fónicas ou a quebra do sigilo bancá-
rio e fiscal. Não obtivemos resposta
até ao fecho da primeira investiga-
ção que publicámos. Mais tarde, a
PGR limitou-se a confirmar a exis-
tência do processo (com o número
que a SÁBADO avançara) e a referir
que não tinha arguidos constituídos.
Na semana passada, após a SÁBADO
divulgar que os dois membros do
governo teriam estado sob escuta,
fonte oficial do DCIAP desmentiu ao
jornal Expresso que Siza Vieira tives-
se sido alvo de interceções. Mas não
se pronunciou sobre as escutas a
João Galamba que foram realmente
solicitadas pelo MP e autorizadas por
juízes de instrução. “Na sequência de
uma notícia surgida na imprensa de
hoje e relacionada com um inquérito
a correr termos no DCIAP, ao abrigo
do disposto no artº 86º, nº 13, al. b)
do Código de Processo Penal, escla-
rece-se que o Ministro de Estado, da
Economia e da Transição Digital não
foi alvo de interceções telefónicas.”
Ou seja, as conversas do ministro
1.000
milhões
que estão no processo foram grava-
das a partir da escuta montada aos
telefones do secretário de Estado.
de euros é Tratou-se de uma escuta indireta.
quanto o Gover- A operação do Ministério Público
no prevê de de vigilância de membros do Gover-
apoios diretos no e de altos quadros de empresas
aos negócios do como a EDP, Galp, Ren, Martifer e
hidrogénio ver- Resilient Group verificou-se durante
de a implemen- a fase de pré-escolha dos candidatos
tar até 2030 aos negócios do hidrogénio, o mega-
projeto do Governo que visa a intro-
dução de uma indústria de energia
não poluente que será subsidiada
com centenas de milhões de dinhei-
PGR NÃO ros públicos, sobretudo de fundos
RESPONDEU comunitários.
ÀS PERGUN- O processo de candidaturas termi-
TAS DA SÁBA- nou a 17 de julho deste ano, tendo o
DO SOBRE SE Governo anunciado um total de 74
O MINISTRO manifestações de interesse de em-
DA ECONO- presas portuguesas e europeias. Mas
MIA ESTEVE o comité de admissão dos projetos
SOB ESCUTA de hidrogénio (que integra represen-

tantes de vários ministérios) esco-
lheu apenas 37 ideias para serem
avaliadas na fase seguinte, o que es-
tará nesta altura a verificar-se. Os
projetos poderão chegar a um total
de 9 mil milhões de euros e o Estado
conta gastar com eles até 1.000 mi-
lhões de euros em apoios ao investi-
mento e à produção, a começar já no
próximo ano e até 2030 (os apoios
podem estender-se a 2050).
Convidado e desconvidado
Um dos projetos pré-escolhido é o
H2Sines, do consórcio integrado pela
EDP/Galp/REN/Martifer e Vestas,
precisamente um dos principais al-
vos dos investigadores. À SÁBADO,
fonte oficial da EDP já disse que a
empresa respondeu “ao desafio lan-
çado pelo Governo no final de 2019”.
Segundo informação divulgada pelo
secretário de Estado do Ambiente
João Galamba na sequência da in-
vestigação da SÁBADO, represen-
tantes da EDP, Galp e REN estiveram
na Secretaria de Estado a 20 de de-
zembro de 2019, onde terão aborda-
do, conjuntamente e pela primeira
vez, os projetos do hidrogénio com
os ministros Siza Vieira e Matos Fer-
nandes (Ambiente e Transição Ener-
gética) e o próprio João Galamba.
Este encontro ocorreu 10 dias depois
de Siza e Galamba (e três assessores)
terem já recebido o holandês Marc
Rechter e representantes do Resilient
Group. O empresário foi de resto o
primeiro a contactar em julho de
2019 o Governo com a proposta de
um projeto – o Green Flamingo –
para Sines e com ligações à Holanda,
que poderia incluir a EDP, Galp e ou-
tras empresas. À SÁBADO, Rechter
garante por escrito que foi o Gover-
no português que terá tratado dos
contactos com a EDP/Galp e REN até
9 de janeiro de 2020, quando todos
foram chamados para uma reunião
conjunta na Secretaria de Estado do
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Ambiente. “Tentativas de contactos i
O processo efetuados nunca tiveram dessas em- Secretário de Estado
é dirigido pelo presas qualquer manifestação de A SÁBADO pediu a João Ga-
procurador interesse em integrar o projeto”, lamba um comentário às escu-
tas do MP e solicitou acesso às
João Paulo garante Marc Rechter. atas das reuniões do projeto
Centeno, o ma- Nessa reunião, que começou às hidrogénio. Respondeu-nos
gistrado que 9h30, Galamba e dois assessores do que já esclareceu “todos
também pôs Governo (um deles de Siza Vieira) os factos”.
sob escuta, juntaram 14 representantes da EDP,
noutro proces- Galp, REN, Vestas e do Resilient
so, o presidente Group. Mas logo ali EDP e Galp colo-
do Conselho de caram a questão da governance do
Fiscalização futuro consórcio, ou seja, quem
das secretas, mandaria e que participação concre-
Abílio Morgado. ta teria cada empresa.
O caso acabou Até 15 de maio passado, o pré-con-
arquivado 12 sórcio reuniu mais três vezes com o
dias depois de secretário de Estado João Galamba.
a SÁBADO Mas as empresas não se entenderam
o divulgar e o Resilient Group acabou por avan-
çar com um projeto autónomo para
Sines que não teve parecer positivo
do júri integrado por representantes
de vários ministérios do Governo – o
consórcio EDP, Galp, REN, Martifer e
Vestas teve parecer favorável . A de-
cisão final do júri foi tomada, segun-
do um esclarecimento de João Ga-
lamba, num domingo, a 26 de julho.
MP COLO- Rechter refere à SÁBADO que foi in-
COU SECRE- formado por escrito no dia seguinte.
TÁRIO DE Para o holandês foi uma surpresa.
ESTADO SOB “Na realidade, no dia 24 de julho re-
ESCUTA TE- cebemos um convite para participa-
LEFÓNICA E ção no infoday [um encontro online
A OPERAÇÃO com os outros candidatos pré-esco-
FOI AUTORI- lhidos]. Dia 25 recebemos uma notifi-
ZADA POR cação de suspensão, e dia 27 um pa-
JUÍZES recer desfavorável”, diz Rechter. W
53
 Portugal

101
Cristina Rodrigues
A deputada não inscrita
(ex-PAN) quer ter
pelo menos 10% de
alimentos biológicos

157 Chega
nas refeições
escolares

André Ventura foi o

deputado único mais proli-
xo, propondo subsídios (de
alojamento para docentes
e de risco para as forças
de segurança)
114 IL
A IL propõe privati-
zar a CGD, a RTP e
a Transtejo e fazer
um censo às
fundações

ORÇAMENTO. O ANO QUE BATEU TODOS OS RECORDES

O TSUNÂMI
DAS 1.551 160 PSD
O PSD quer reduzir
em 50% as portagens

PROPOSTAS
das autoestradas do
interior e do Algarve

E os deputados têm menos de duas semanas para as analisar e

votar. Promete confusão e, claro, votar sem saber bem em quê.
Por Margarida Davim dos serviços públicos, nomeada-
mente do SNS e uma “justa tributa-
ção fiscal que permita desagravar
rendimentos mais baixos e médios
e tributar os rendimentos mais ele-

H
á anos que os Orçamen-
tos do Estado não param
de aumentar. E não é em
receita nem em despesa:
é em propostas de alteração. Este
ano, os partidos apresentaram 1.551
propostas para alterar o documento
desenhado por João Leão. Mais 200
que as que tinham sido apresentadas
para o Orçamento de 2020. Se
olharmos mais para trás, vemos que
em 2016 foram apenas 212 e, de lá
para cá, a cada ano aumentam as
ideias. Em 2017 foram 433, em 2018
surgiram 643 e em 2019 eram 908.
Este ano, o PCP surge como desta-
cado campeão nesta frente. “O nú-
mero de problemas que atingem o
País é tão grande que se torna difícil
deixar questões para trás”, considera
EM 2016 à SÁBADO João Oliveira. O líder da
ERAM bancada comunista diz que foi o
APENAS 212 grupo parlamentar a “fazer o essen-
PROPOSTAS cial do trabalho” de preparação, mas
DE ALTERA- “muitas das propostas resultam do
ÇÃO. O trabalho mais geral do partido ao
CRESCIMEN- longo do tempo e de contactos mais
TO TEM SIDO específicos com várias entidades”.
EXPONEN- Medidas para proteger salários e
CIAL emprego, o reforço da capacidade
vados” fazem parte das 351 propos-
tas de alteração submetidas pelo
PCP. Algumas vêm com números
claros, como a que prevê um refor-
ço de 1.636 milhões de euros na
saúde. Outras procuram ir buscar
receita “com critérios de justiça”,
frisa João Oliveira, que dá como
exemplo o englobamento obrigató-
rio de todos os rendimentos acima
dos 100 mil euros e a criação de
uma taxa extraordinária sobre o
setor dos seguros, que viu o lucro
crescer com a redução de sinistros
causada pelo confinamento.

54

Quer suspender o
corte de água, luz,
gás e comunicações
351
PCP
Um recorde absoluto, as medidas
concentram-se no reforço
dos serviços públicos
Os Verdes defen-
dem uma avaliação
estratégica sobre
a exploração
263 PAN
André Silva já anunciou o apoio
do Governo a 30 das ideias
do PAN. Entre elas, 10 milhões
de euros para apoios em
matérias relativas aos animais
Num ano em que se bateu o recor-
de de propostas, o CDS faz questão
de frisar que não entra nesse cam-
peonato. “Quantidade e qualidade
são coisas diferentes. Temos crivo”,
nota à SÁBADO Cecília Meireles, que
diz ter em conta que “de cada vez
que aparece uma proposta tem de
haver recursos para a pagar”.
BE em modo minimal
Quem definitivamente saiu da corri-
da para ver que partido mais propõe
é o BE. Depois de ter votado contra
o Orçamento na generalidade, con-
18 NOVEMBRO 2020
100
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PS
no primeiro
semestre dia 26. “Não é só produzir propos-
de 2021 60
Joacine
tas. É analisar e votar”, nota Rodrigo
Saraiva, da Iniciativa Liberal (IL),
Katar onde uma equipa de quatro pessoas
Moreira do gabinete do deputado João Co-
123PEV
Uma das propostas
é um subsídio exce-
cional para “pessoas
trim Figueiredo desenvolveu 114
propostas de alteração, com a ajuda
de “um grupo de voluntários de
em contexto de áreas temáticas” que estão fora do
prostituição” Parlamento.
Paulo Trigo Pereira, que já esteve
na bancada do PS mas também
de lítio como deputado não inscrito, diz que
110
CDS
“é muito difícil fazer um trabalho de
qualidade só com um deputado” e
frisa que muitas das propostas apre-
Quer um vale far- sentadas são “fortemente inspiradas
mácia para apoiar por outras”. Mas, para o economista,
idosos e a redução que já esteve na direção da Comis-
das taxas são de Orçamento e Finanças, uma
de IRS das fases mais desafiantes é mesmo
a que se segue. “O número de pro-
postas é tão grande que os próprios
serviços têm dificuldade em fazer
guiões organizados”, conta, lem-
brando que muitas vezes era preciso
“parar a votação” tal era a confusão
que se instalava em torno dos guiões.
“Os deputados não sabiam o que
estavam a votar”, relata, lamentando
12 o “tempo muito curto” que há para
Bloco analisar e votar propostas.
Tão poucas
propostas é, afinal, Avaliar o custo de cada proposta
uma estratégia: Este ano, pela primeira vez, a Lei de
forçar o PS a dar Enquadramento Orçamental prevê
explicações sobre que os partidos recorram à UTAO,
medidas das a Unidade Técnica de Apoio Orça-
negociações com mental, para pedir avaliações de im-
o Governo pacto orçamental das propostas. Há,
contudo, opiniões divergentes sobre
o mecanismo que foi criado por pro-
posta do PSD. “Tinha de ser com
tempo”, diz Cecília Meireles, já que
centrou-se em 12 propostas. A estra- não é a dias da votação que a UTAO
tégia tenta forçar os socialistas a ex- poderá fazer uma análise “séria”.
plicar “porque é que não aceitam” Já o PS vai usar esse mecanismo
medidas que já partem das nego- para fazer o teste do algodão a três
ciações com o Governo e que o BE ideias do PSD. João Paulo Correia,
considera “essenciais”. da direção da bancada, explica
Agora, admite João Oliveira, que quer ver avaliadas as pro-
vem aí o “trabalho hercúleo” de postas sobre o pagamento por
analisar 1.551 propostas. E é preci- conta e duas sobre pagamento
so fazer “apreciações de conjunto de portagens para comprovar que
para que não haja desequilíbrios têm “grande impacto orçamental”
nem incoerência” nas votações. e contrariam a ideia de que Rui Rio
As votações vão estender-se por não apresentaria “propostas de
quatro dias (de 20 a 25 de novem- aumento de despesa ou redução
bro), até à votação final global no de receita”. W
55
 Portugal
MAR VERDE. O PLANO FOI POSTO EM PRÁTICA HÁ 50 ANOS
A OPERAÇÃO SECRETA
Numa madrugada de domingo, Alpoim Calvão e Spínola tentaram um golpe de Estado (que falhou)
V
inte e dois de novembro de
1970. O bar Yacht Club de
Conacri está quase cheio.
Na tranquila madrugada de
domingo, à 1h30 da manhã, alguns
pares dançam num dos melhores lo-
cais de lazer da capital da República
da Guiné, situado à beira-mar.
Alguns clientes veem passar milita-
res armados mas não dão importân-
cia ao facto. Os militares fazem parte
do quotidiano da cidade, capital do
país governado com mão de ferro,
desde a sua independência, em 1958,
por Sekou Touré, um antigo sindica-
lista com formação marxista.
O que os frequentadores daquele
bar não podiam saber é que se esta-
va a iniciar uma operação militar
que visava, entre outros objetivos,
provocar um golpe de Estado.
Os militares tinham acabado de
desembarcar em botes de borracha
e avançavam em direção a dezena
e meia de objetivos. Integravam uma
força composta por cerca de 200
guineenses opositores do regime de
Conacri e militares do exército por-
tuguês – 150 da companhia de
comandos africanos e 80 da compa-
nhia de fuzileiros africanos.
A 300 quilómetros de distância, em
Bissau, o comodoro Luciano Bastos,
comandante da Defesa Marítima da
Guiné, recebe à 1h45 a mensagem de
Alpoim Calvão, o capitão-tenente
fuzileiro que chefiava a operação:
“Iniciei o ataque.” A Mar Verde ini-
ciava a sua marcha irreversível.
A ideia da operação
A Guiné portuguesa vivia no ano
1970 uma fase crucial da guerra que
tivera início em 1963. António de
Spínola tomara posse como gover-
nador e comandante-chefe das For-
ças Armadas em maio de 1968 e lan-
56
çara um vasto programa de reformas
económicas e sociais sob o lema
“Por uma Guiné melhor”, ao mesmo
tempo que reorganizava a implanta-
ção das tropas no terreno e assumia
António Luís a iniciativa militar. A luta de guerrilha
Marinho do PAIGC já causara elevadas baixas
Jornalista ao exército português, num território
cercado por dois países que apoia-
vam o movimento independentista,
sendo a Guiné-Conacri o refúgio
preferencial dos dirigentes rebeldes.
Em finais de agosto de 1969, Al-
poim Calvão, que regressara à Guiné
em fevereiro, viajou para Lisboa e
encontrou-se com Spínola, de férias
no Luso. Propôs-lhe uma operação
de alto risco: a invasão da Guiné-Co-
nacri para depor Touré e, desta for-
h ma, eliminar uma base segura de
As fardas eram apoio ao PAIGC. A operação teria
semelhantes às
do exército da ainda como objetivos a destruição
Guiné-Conacri, das vedetas-torpedeiro Komar que o
mas foram fabri- PAIGC recebera da URSS, mais bem
cadas em Lisboa
equipadas e duas vezes mais velozes
que os navios portugueses.
LUÍS COSTA CORREIA
Ao mesmo tempo, seriam liberta-
das duas dezenas de prisioneiros de
guerra portugueses encarcerados em
Conacri. Spínola reagiu com entu-
siasmo à proposta de Calvão e auto-
riza os preparativos para a operação. Conacri e não existiam elementos de
informação atualizados. Calvão utili-
Os preparativos zou os elementos que conseguiu
Calvão não perdeu tempo. No mês para conhecer a cidade e a localiza-
SPÍNOLA É seguinte viajou para a África do Sul ção dos alvos, o que incluiu uma lista
CONVENCI- e conseguiu que as autoridades sul- telefónica, folhetos turísticos com a
DO POR -africanas lhe oferecessem 30 mi- planta da cidade, fotografias e o re-
CALVÃO NO nas-lapa. Duas semanas depois, em curso à memória de um ex-desertor
LUSO. meados de setembro, uma lancha que conhecia a prisão onde os mili-
CAETANO, EM portuguesa disfarçada viajou até ao tares portugueses se encontravam.
SÃO BENTO, largo de Conacri, para observar os Em janeiro de 1970, a base opera-
PEDE QUE SE possíveis pontos de desembarque. cional para treinos da Mar Verde foi
DISFARCE A questão que dificultava a prepa- estabelecida na ilha de Soga, no ar-
A PARTICIPA- ração da operação era a das infor- quipélago das Bijagós, a cerca de
ÇÃO mações. A PIDE não tinha nenhum 220 quilómetros de Conacri.
NACIONAL agente ou informador credível em Calvão decidiu marcar a operação

QUE NUNCA EXISTIU
em Conacri. Mas salvaram-se os militares portugueses ali detidos. O País nunca assumiu.
para a madrugada de 21 para 22 de
novembro, de sábado para domingo,
com maré cheia. Seguiu-se o recru-
tamento de oposicionistas ao regime
de Sekou Touré. Alpoim Calvão, com
o inspetor da PIDE, Matos Rodrigues,
viajou diversas vezes a Genebra e a
Paris para contactos com dirigentes
da Front de Libération de la Guinée,
que formariam o novo governo da-
quele país. A contrapartida seria um
acordo com o governo português: os
novos dirigentes comprometiam-se
a “lutar contra todos os movimentos
subversivos em território nacional”,
o que incluía o PAIGC.
Foram recrutados em diversos paí-
ses africanos cerca de 200 homens
que seguiram para treino militar em
Soga. A eles se juntaria, mais tarde,
uma companhia de comandos afri-
canos e um destacamento de fuzilei-
“PERDEMOS ros africanos do exército português.
IRREMEDIA-
VELMENTE A autorização de Caetano
A GUINÉ SE As fardas, que deveriam ser seme-
NÃO NEU- lhantes às do exército da Guiné-Co-
TRALIZAR- nacri, foram fabricadas em Lisboa,
MOS O INIMI- nas Oficinas Gerais de Fardamento.
GO”, O PAIGC, As armas, de fabrico soviético – me-
ESCREVEU tralhadoras Kalashnikov, morteiros e
SPÍNOLA lança-granadas – foram compradas
18 NOVEMBRO 2020
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através da empresa “Norte Importa-
dora” por 3.500 contos.
À medida que a data da operação se
aproximava, tornava-se necessária,
com urgência, autorização superior.
Spínola, depois da recusa dos mi-
nistros do Ultramar e da Defesa, não
desistiu e incumbiu Calvão de entre-
gar pessoalmente uma carta ao che-
fe do Governo, Marcello Caetano. A
16 de novembro, Calvão foi recebido
em S. Bento por Marcello Caetano
que lê a carta onde o governador da
Guiné afirma: “Pela minha parte, as-
sumo a plena responsabilidade local
do seu lançamento, correndo os ris-
cos necessários, pois continuo firme-
mente convencido de que, apesar
dos indiscutíveis sucessos já alcan-
çados no âmbito de uma contrarre-
volução social, perdemos irremedia-
velmente a Guiné se não neutralizar-
mos o inimigo no exterior.”
Marcello Caetano, contra a opinião
dos seus ministros, aprovou a opera-
ção, exigindo apenas que não se dei-
xassem quaisquer vestígios que pu-
dessem implicar Portugal.
Objetivo: Conacri
Calvão regressou a Bissau no dia 18
e, no dia seguinte, seguiu para Soga.
Apesar de um obstáculo colocado
pela voz discordante de um oficial
dos comandos, o major Leal de Al-
meida, solucionado por Spínola, a
operação manteve o calendário.
Na véspera da partida, Spínola des-
locou-se a Soga e fez um emotivo e
empolgante discurso às tropas.
Cerca das 20h de 20 de novem-
bro, partia de Soga uma força naval
composta por seis lanchas da Mari-
nha Portuguesa, transportando mi-
litares que sabiam que, caso algo
corresse mal e fossem capturados,
seriam considerados mercená- Q
57

Portugal
1 grupo de Soga
Q rios, uma vez que a operação não
seria nunca reconhecida pelas au-
toridades portuguesas.
A cidade a ferro e fogo
Cerca das 21h30 de 21 de novembro,
os navios avistam Conacri e posicio-
nam-se nos pontos definidos para
permitir o desembarque dos botes
em direção aos objetivos. A primeira
vaga, 14 fuzileiros especiais, coman-
dados pelo tenente Rebordão de Bri-
to, parte à 1h30 da madrugada em
direção ao dique La Prudence e ata-
ca com êxito os oitos navios ali atra-
cados – sete vedetas rápidas e uma
lancha de desembarque (quatro do
PAIGC, as restantes da Marinha da
República da Guiné).
Em 45 minutos, depois de alguns
combates que provocam cerca de
20 baixas às forças guineenses, os
navios são destruídos.
Outra equipa já cortara a luz em
parte da cidade, depois de ocupada
a central elétrica. A cidade tem um
despertar de grande sobressalto,
bem evidenciado pelo episódio que
envolveu o próprio Touré, o alvo
mais importante da operação. Se-
gundo o testemunho de um dos seus
ministros mais fiéis, Alpha Diallo
“Portos”, o comandante da polícia e
o chefe do Estado-Maior dirigiram-
-se ao palácio para tentar retirar o
Presidente em segurança. Quando
ali chegaram, acreditando que se
tratava de um golpe de Estado e que
aqueles militares o vinham prender,
Touré terá gritado: “Matem-me, mas
não me entreguem ao povo.”
Sekou Touré, salvo por aqueles mi-
litares, não foi encontrado pela força
atacante, assim como Amílcar Ca-
bral, uma vez que o líder do PAIGC
58
2 mordial, a prisão de Sekou Touré e
nem sequer se encontrava na cidade.
Outro alvo, os aviões MIG, não foi
atingido, uma vez que não se encon-
travam no aeroporto para onde uma
força de comandos se dirigiu e onde
se verifica uma deserção de uma
parte da força, sob o comando do te-
nente Januário Lopes, que se entre-
garia às autoridades guineenses e
denunciaria a origem da operação.
Os quartéis de Conacri foram lite-
ralmente arrasados, com centenas
de mortos do lado guineense e um
morto do lado português, o alferes
Abílio Ferreira.
Calvão decide retirar
No saldo da operação, a libertação
de duas dezenas de militares portu-
gueses é o ponto mais positivo.
Dois grupos de fuzileiros africanos,
comandados pelo tenente Cunha e
Silva, atacam a prisão “La Montaig-
ne” e libertam os portugueses, de-
pois de rápido combate que se salda
pela eliminação de todos os guardas.
Entre os presos libertados está o te-
nente aviador António Lobato, que
somava sete anos e meio de cárcere,
depois de o seu avião se ter despe-
nhado na Guiné, em maio de 1963.
A cidade parece estar nas mãos da
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1
O primeiro-tenen-
te Costa Correia Momento de viragem
transportou na A morte de militares portugue-
Montante os gol-
pistas que toma- ses deu a volta a Spínola
riam o poder –
mas falharam No início de 1970, o governa-
dor-geral das Forças Armadas na
2 Guiné tinha esperança no resul-
Seis lanchas, co- tado de uma negociação ultras-
mandadas por ofi-
ciais da Marinha secreta com guerrilheiros do
Portuguesa, PAIGC.
transportaram o
até Conacri O encontro foi marcado para
o “chão manjaco”, no interior da
Guiné, a 20 de abril.
Mas acabou com o massacre
de quatro oficiais portugue-
ses. Restava a via militar para re-
solver o conflito, concluiu Spínola.
força atacante, mas o objetivo pri-
a concretização do golpe de Estado,
não fora atingido. Ao mesmo tempo,
NO SALDO o facto de não se terem encontrado
DA OPERA- os aviões MIG fazia temer um ataque
ÇÃO, A aéreo iminente.
LIBERTAÇÃO Uma das rádios de Conacri não ti-
DOS 20 nha sido silenciada e uma mensa-
MILITARES gem gravada pelo Presidente Touré
PORTUGUE- denunciava o ataque e fazia também
SES FOI O a sua prova de vida.
PONTO MAIS A recolha das equipas começa cer-
POSITIVO ca das 5h da manhã e termina quatro
horas depois, já com dia claro, sem
incidentes.
Em Bissau, as notícias foram rece-
bidas com desânimo e mesmo algu-
ma fúria de António de Spínola.
Em Conacri, Sekou Touré fez uma
razia no governo e nas Forças Arma-
das. Dezasseis dos 24 ministros fo-
ram presos, assim como 96 dos 120
oficiais superiores do Exército. Uma
boa parte seria condenada à morte.
Spínola A operação causou um grande ala-
precisa de mili- rido internacional, com a condena-
tares com expe- ção de Portugal por parte de uma
riência de com- missão da ONU que visitou a Guiné-
bate. Alpoim -Conacri, ao mesmo tempo que o
Calvão regressa governo português lançava uma
à Guiné, em fe- grande campanha de contrainfor-
vereiro de 1969, mação, negando qualquer responsa-
para chefiar um bilidade pelo ataque.
Comando Portugal não reconheceu, até hoje,
Operacional esta operação militar. W
 Crónica
VÁ LÁ
À SUA VIDA
Só de fato de treino se consegue suportar
o teletrabalho, a descoordenação do
Governo no combate à Covid-19, o
anúncio do estado de emergência pela
calada da noite, as entrevistas do
Presidente da República e o negócio
entre o PSD e o Chega
C qualidade assinalável. O fato de trei-
O triunfo
do fato
de treino
NÃO DEVE HAVER NA LITERA-
TURA MUITAS REFERÊNCIAS ao
fato de treino. Talvez só Pedro Cha-
gas Freitas tenha idealizado um capí-
tulo inteiro de sexo em que um dos
participantes tivesse vestido um fato
de treino, peça de roupa prática e fá-
cil de manusear para estas ocasiões,
ainda que não prime muito (talvez
nada mesmo) pela sensualidade. Um
dia, e a avaliar pelos títulos disponí-
veis no mercado, talvez alguém es-
creva a obra “O fato de treino de
Auschwitz”, cujo sucesso, obviamen-
te, está garantido. Não deixa de ser
inacreditável como é que escritores e
outros nem por isso, comentado-
res, analistas e simples pessoas
que se limitam a reproduzir
conversas de café nunca deram
importância ao fato de treino e
como esta peça de vestuário tem
sido importantíssima na His-
tória da Humanidade e,
mais recentemente, du-
rante a pandemia e o
teletrabalho.
A única referência ao
fato de treino encontra-
da na boa escrita pertence
a António Lobo Antunes, na
C crónica “Os meus domingos”
Subdiretor (Livro de Crónicas, 2ª edição).
Carlos “Aos domingos a seguir ao al-
Rodrigues moço visto o fato de treino roxo
Lima e verde e os sapatos de ténis
azuis, a Fernanda veste o fato de trei-
no roxo e verde e os sapatos de salto
alto do casamento, subo o fecho
éclair até ao pescoço e ponho o fio de
ouro com a medalha por fora, a Fer-
nanda sobre o fecho éclair até ao
pescoço e põe os dois fios de ouro
com a medalha e o colar da madri-
nha por fora (...).” Até podem existir
outras referências, mas seja por igno-
rância (difícil de admitir nos dias que
correm), seja por falta de atenção na
pesquisa, não se descortinaram ou-
tras incidências da presença desta
peça de vestuário em escritos com
no está presente em acórdãos dos tri-
bunais, como num processo de con-
trafação do Tribunal da Relação de
Guimarães (27/08.4EALSB) ou num
homicídio (510/12.7JAPRT, Tribunal
da Relação do Porto), mas o que se
procura aqui é a presença desta peça
em escritos de qualidade.
O fato de treino tem sido o compa-
nheiro ideal no teletrabalho: flexível,
adapta-se às necessidades do mo-
mento, sejam elas indoor ou outdoor,
não necessita de grandes reflexões
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matinais quanto à melhor combina-
ção (isto se excluirmos de imediato a
meia branca de qualquer análise), é
quente e confortável. O que espanta é
como ainda ninguém pensou na en-
trada em força do fato de treino nas
nossas vidas. O procurador Jorge
Bravo, numa edição especial da Re-
vista do Ministério Público, por
exemplo, considerou que o “estado
de coisas originado pelo cenário da
conjuntura de emergência sanitária
poderia constituir uma oportunidade
de reponderação e reconfiguração de
muitos dos paradigmas vigentes, so-
bretudo axiológicos, tecnológicos e
económico-sociais”. Mas, nem uma
palavra para o fato de treino, que nos
próximos anos se deveria impor
como peça de vestuário por excelên-
cia do quotidiano dos cidadãos, so-
bretudo como peça de resistência à
ditadura do consumismo e de com-
bate a todo o tipo de vírus, sejam eles
biológicos ou políticos.
Como suportar uma entrevista de
Marcelo Rebelo de Sousa sem ser de
fato de treino? Sobretudo quando tudo
está a correr mal e o Presidente, na-
quela candura que já começa a provo-
car fortes enjoos, diz que a culpa não é
do Governo, porque esta segunda
vaga era imprevisível, quando toda a
gente falava nela há uns bons meses?
E como aguentar o anúncio do
novo estado de emergência feito por
António Costa pela calada
da noite? Só de fato de
treino. Sá Carneiro
dizia que primeiro
o País, depois o
partido. Com o PS,
o partido vem sem-
pre à frente, até por-
que, ao fim de uns
anos de governação
socialista, partido e
País confundem-se.
Meus caros, o fato de
treino é a melhor indumentária
até para desfrutar o acordo entre
PSD e o Chega, que até levou o lí-
der deste segundo partido a
declarar nada ter contra o ca-
samento entre homossexuais
e a dar umas palmadas em
Salazar. Como isto tem sido
tudo tão mau, vista um fato de
treino. W
59
 Mundo
TERRORISMO. A LUSODESCENDENTE FUGIU COM 13 MULHERES E CRIANÇAS
JIHADISTAS ALUGARAM
Ângela Barreto escapou do campo de Al Hol, na Síria, com dinheiro enviado pela mãe através
Q
uando, no fim de maio
deste ano, a lusodescen-
dente Ângela Barreto fugiu
com o filho do campo de
detenção de Al Hol, na Síria, não o
fez sozinha. Com ela estavam mais
13 mulheres holandesas e as respeti-
vas crianças. Todas escaparam gra-
ças ao dinheiro reunido pelas suas
famílias, na Holanda, e enviado para
a Síria através de redes informais
por Samir Azzouz, um dos mais co-
nhecidos terroristas holandeses. Foi
com esse dinheiro que as jihadistas
conseguiram pagar a traficantes que
as retiraram do campo controlado
pelas forças curdas e as levaram em
segurança até à região de Idlib, no
Norte da Síria, perto da fronteira
com a Turquia.
De acordo com o jornal holandês
De Telegraaf, foi nessa região que,
depois de terem estado mais de um
h ano presas, o grupo de mulheres
Jihadista alugou uma grande casa com pisci-
No verão de 2014 na, onde ficaram todas juntas e na
Ângela Barreto qual tiraram fotografias vistas pelos
viajou para a Síria
para casar com repórteres daquele que é o maior
Fábio Poças. Com jornal da Holanda. Essa informação
a morte deste coincide com os dados recolhidos
casou-se com pela SÁBADO que manteve o con-
Nero Saraiva tacto com Ângela Barreto antes e
60
depois da sua fuga de Al Hol. Se até
maio a jihadista partilhava na Inter-
net imagens do interior da sua tenda
no campo de detenção, a partir de
junho a SÁBADO viu inúmeras fotos
do filho de Ângela a jogar futebol
num pavilhão, a comer gelado numa
Tenda feira e também de calções e boia à
Em Al Hol, beira de uma piscina. Por se tratar de
Ângela vivia no um menor, a SÁBADO opta por não
interior desta divulgar essas imagens.
tenda com o As autoridades portuguesas – que
filho de 3 anos abriram um processo para investigar
as mulheres dos jihadistas lusos –
têm acompanhado a sua movimen-
tação dentro do possível. “Vamos
tendo informações esporádicas de
que ela está na região”, diz à SÁBA-
DO uma fonte que acompanha de
perto o fenómeno terrorista.
Segundo as informações recolhi-
das pela SÁBADO, as mulheres já
A SÁBADO não estarão juntas na mesma mo-
VIU INÚME- radia, embora continuem perto
RAS FOTOS umas das outras. A preocupação
DO FILHO DE das autoridades é agora saber quais
ÂNGELA são as suas intenções: regressar à
NUMA CASA, Europa ou continuar na região. No
DE CALÇÕES caso de Ângela Barreto, caso o faça
E BOIA À será detida uma vez que há um
BEIRA DE mandado de captura emitido pelas
UMA PISCINA autoridades holandesas por suspei-

AM CASA COM PISCINA
de um conhecido terrorista holandês, que há 16 anos foi expulso de Portugal. Por Nuno Tiago Pinto
tas de adesão e recrutamento para
uma organização terrorista.
A rede Hofstad
A revelação de que Ângela Barreto
escapou com dinheiro enviado da
Europa foi feita pelo próprio Samir
Azzouz numa entrevista emitida re-
centemente, mas gravada antes da
sua detenção, em junho, por sus-
peitas de financiamento ao terroris-
mo. Segundo afirmou, ao longo de
meses recolheu milhares de euros
junto das famílias das mulheres de-
tidas em campos curdos e enviou-o
para a Síria para pagar a sua fuga.
Entre aqueles que lhe deram di-
nheiro – 10 a 12 mil euros cada –
está a mãe de Ângela Barreto. Ao
que a SÁBADO apurou, a portugue-
sa residente na Holanda há mais de
duas décadas chegou a ser detida
para interrogatório na sequência da
prisão de Samir Azzouz e libertada
logo depois. Também ela incorre
em crime por ter enviado dinheiro
para a filha, que faz parte da lista
holandesa de terroristas.
Já na audiência preliminar que
decretou a manutenção de Samir
Azzouz em prisão preventiva até
ao fim do ano o procurador do MP
18 NOVEMBRO 2020
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afirmou que Samir Azzouz faz par-
te de “uma rede internacional de
contrabandistas e as suas ações
mantêm essas mulheres fora do al-
cance dos governos e permite-lhes
voltar ao seu país de origem sem
serem detetadas ou mover-se li-
Terrorista vremente na Síria e voltarem a
Samir Azzouz juntar-se ao Estado Islâmico”.
fez parte do Azzouz, através da sua advogada,
grupo Hofstad declarou que não financiou qual-
e em 2004 foi quer organização terrorista e consi-
expulso de derou o envio do dinheiro como
Portugal. Está “auxílio humanitário” uma vez que
preso por en- as mulheres e as crianças vivem
viar dinheiro em condições miseráveis.
para a Síria Samir Azzouz tem uma ligação an-
tiga a Portugal. No verão de 2004 foi
um dos quatro holandeses perten-
centes ao chamado grupo Hofstad
que foram detidos pela Judiciária e
expulsos de Portugal por suspeitas
A MÃE DE de estarem a preparar um atentado
ÂNGELA terrorista durante o campeonato eu-
BARRETO ropeu de futebol. Meses depois, um
CHEGOU A dos membros do grupo assassinou o
SER DETIDA realizador Theo van Gogh. Em 2006
PARA INTER- Samir Azzouz foi condenado a nove
ROGATÓRIO anos de prisão por preparar um
PELAS AUTO- atentado terrorista. Foi libertado
RIDADES HO- condicionalmente em 2013. Agora
LANDESAS está novamente na cadeia. W
61
 Opinião

RELATÓRIO O inflamados à “resistência” e per-

MINORITÁRIO 3 de novembro guntas embaraçosas à administra-

ção Biden.

É ficção quase completa. de 2024 Desmontou a abundância de

lobbies na equipa que agora termina
Mas pode bem acontecer o o mandato. Lista os seguintes, com

S
“
que está descrito, nos EUA ó aceito se puder cumprimentar
e no mundo, daqui a quatro o meu velho amigo Donald
anos, quando acabar o Trump, durante a receção.
mandato Biden-Harris Aliás, sabem se foi convidado?”
O correspondente da Magamedia
jura que Kim Jong-Un disse mesmo
isto, no fim da sua entrevista.
Foi uma resposta do líder da Repú-
blica Juche da Coreia (novo nome do
regime de Pyongyang) à pergunta so-
bre se aceitaria encontrar-se com o
Presidente Joe Biden no Congresso
da Paz, em Las Vegas.
A cidade já está refeita do golpe ci-
bernético que fez perder fortunas a
todos os casinos.
A Magamedia, claro, é a nova co-
queluche da informação nos EUA:
24 horas de notícias por uma men-
salidade simbólica. Fundada por
Jared Kushner, tem sido a bandeira
das denúncias, inquéritos, apelos
alegados agentes nos vários setores
do governo: Visa, KeyBank, Citi-
group, Goldman Sachs, LinkedIn,
Amazon, Lyft, Airbnb, Google, Twit-
ter, Bill and Melinda Gates Founda-
tion, Goldman Sachs, BP America,
Inc. e Lockheed Martin.
Continua também a Maga, no habi-
tual tom vociferante, servido por
apresentadoras atraentes (que levou
à ruína da Fox News), a tocar na tecla
da reforma dos cadernos eleitorais,
“para evitar o escândalo de 2020,
em que continuavam nas listas 2 mi-
lhões de mortos, 3 milhões de pes-
soas registadas em dois estados em
simultâneo, e 24 milhões com dados
errados”.
Hoje é dia de voto presidencial,
para o senado e para postos de go-
vernador, e ainda para muitos parla-
mentos estaduais. Q

O j
A maquineta
Os compromissos PS/BE/PCP (a “ge-
ringonça”) são mais legítimos do que
o acordo açoriano PSD/Chega, a que
chamaremos “maquineta”?
Poupem-nos às grandes declarações
sobre quem é ou não “anti-humano”.
O Chega é um partido legalmente
registado, representado na Assem-
bleia Legislativa Regional, e o pacto
destina-se a assegurar “a governação
estável do arquipélago”.
Independentemente de saber se
há, paralelamente, um “pacto na-
cional” entre os mesmos partidos
(Rio já garantiu que não), lembre-
mos que as “linhas vermelhas” na
UE também funcionam face à ex-
trema-esquerda. Só o PSOE as ul-
trapassou. E só o Syriza governou
nessa área.
JOÃO CORTESÃO

O
Politólogo Outra coisa são os partidos extra-
Nuno Rogeiro parlamentares. Que não vêm para o
nrogeiro@gmail.com caso. W

62

JIM LO SCALZO/EPA
Q Os democratas estão ainda mal
refeitos da perda da maioria nas
duas Câmaras, em 2022, e do pro-
cesso de impeachment em que se
arrastou a administração.
Segundo o atual chefe da minoria
nos Representantes, Adam Schiff,
“tratou-se de um vergonhoso jul-
gamento político, sem bases nem
provas”.
Mas há outras crises a debelar.
Há uma semana, a equipa “exter-
na” de Biden reuniu-se de urgência.
Analisou-se o golpe de estado militar
no Afeganistão, a tomada do poder
pelos talibã, e a revelação de progra-
mas nucleares no Egito e Turquia,
como reação à escalada no Irão.
O h
O regresso
do fantasma
Julgamento de Tancos: grupo de ato-
res reduzido, conhecimento do assal-
to (e verdadeiro fim) ainda mais limi-
tado. Mas os tentáculos do crime alar-
garam-se, com mais pessoas no cora-
ção do segredo, em graus diferentes
de acesso e culpa.
Um outro elemento grave prende-se
com a violação da obrigatória liderança
do processo pelo MP e pela PJ, e com a
ocultação de elementos decisivos aos
mesmos, por diversas entidades.
Ficam duas perguntas, ainda sem
resposta.
Como é que os assaltantes puderam
estar três horas num local de presu-
mível alta segurança, sem ser pertur-
bados por patrulhamento?
PAULO CUNHA/LUSA
Qual a autoridade mais cimeira que
sabia do reaparecimento fraudulento
do material, e da “amnistia” aos de-
linquentes? W
Estiveram presentes Susan Rice,
Thomas Donilon, Michelle Fleurnoy,
Alejandro Mayorkas, Tony Blinken e
Lisa Monaco. Uma grande discussão
preencheu todo o dia. Com duas ex-
ceções, atribuíram-se as culpas ao
relaxamento de atenção na área,
depois de confirmada, por Biden-
-Harris, a retirada das tropas ameri-
canas, ainda na última semana do
consulado Trump.
Meses antes, a equipa Biden con-
frontou-se com o endurecimento
das posições chinesas face às licen-
ças canceladas das suas empresas,
que Pequim atribui “à pressão dis-
creta mas evidente de Washington
sobre a União Europeia”.
A última notícia era a de retaliação
“total”, pelo embargo a todos os pro-
dutos americanos no mercado chi-
nês, incluindo Hong Kong e Macau, e
a ameaça de um bloqueio aeronaval
sobre Taiwan.
O triunfo de Biden parecia ter sido
ontem.
Tivera a maior votação da história
da Federação, mas Trump era o se-
j Searching for Ludwig. Luminoso.
18 NOVEMBRO 2020
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gundo, antes de qualquer democrata.
Claro que, ao contrário do que dis-
se na sua entrevista ao Le Figaro,
Trump, outra vez candidato, não ob-
tivera “a maior percentagem de voto
popular da história do partido Repu-
blicano”: com 47,3% dos votos, era
largamente ultrapassado por Nixon,
que teve 60% em 1972.
Quando o jornalista francês lhe
lançou esse número, Trump comen-
tou: “Está bem, mas veja como é que
acabou o Nixon.”
P.S. – Imprevisibilidade da infeção.
Impossibilidade de uma vacina uni-
versal antes do fim de janeiro. Res-
posta do SNS. Hipótese de segundos
contágios. Evolução europeia (com
aeroportos e fronteiras abertas).
Grau de aceitação na generalidade
do povo português. Face a estas in-
cógnitas, o atual estado de emergên-
cia – apesar das possibilidades que
encerra – tem de ser flexível e de
geometria variável. Deve adaptar-se
à realidade, e não tentar que esta se
adapte a ele. W
O
A toque
de clássicos
Francesco Corti e o seu cravo inter-
pretam Bach em Little Books: soberbo.
Quanto às ligações entre um grande
escritor e os compositores do séc.
XIX, Alexandre Dumas et la Musique.
Já o barroco italiano é explorado
pelo magnífico contratenor Philippe
Jaroussky (na foto), em La Vanitá Del
Mondo, ao passo que Brunello/Kremer
revisitam Beethoven e... Leo Ferré, em
O piano genial de Daniil Trifonov
ecoa fundo sobre Scriabin, Stravinsky
e Prokofiev, em Silver Age, e Cro-
ci/Moscardi combinam cravo e viola
de mão (séc. XV) em Milano Spagno-
la, música da ocupação castelhana
do Norte de Itália.
E há, vibrante, Il Trespole Tutore,
ópera de Stradella (1679), pelo En-
semble Mare Nostrum. W
63
 Dinheiro

Entrevista
TIM HARFORD
Ficou conhecido com o livro Economista Disfarçado, agora ajuda-nos a ler
as estatísticas. Diz que hoje somos facilmente enganados porque queremos
ganhar discussões. E que a estante Billy é das melhores invenções.
Por Vanda Marques

“São as coisas
baratas que
mudam o mundo”

O
programa era sobre as
desigualdades económi-
cas no Reino Unido e Tim
Harford, economista, co-
lunista do Financial Times e profes-
sor em Oxford, um dos convidados.
Quando se reuniu com a produção,
dois dias antes de gravar, aconteceu
o impensável. “Estava a descrever os
números que mostravam que a desi-
gualdade tinha decrescido. Eles in-
terromperam-me e disseram: ‘Não,
o programa é sobre como a desi-
gualdade tem aumentado.’ Tinha-
-lhes enviado os dados, mas não os
viram.” Tim recusou ir ao programa.
Para evitar a desinformação e este
tipo de discussão, escreveu o livro O
que os números escondem - 10 re-
gras para aprender a decifrar infor-
mação e compreender melhor o
mundo. Autor de nove livros, já ex-
plorou a criatividade, os problemas
económicos e as invenções mais ex-
traordinárias. Desta vez, quer aju-
dar-nos a pensar melhor.
Qual é o erro mais comum ao
analisarmos estatísticas?
O mais comum é que pensamos
com o nosso coração e não com
a cabeça. Muitas vezes, as pessoas
olham para um número e não repa-
h ram como é que se sentem com o
Tem 47 anos que aquilo quer dizer. No fundo,
e lançou o seu
livro de maior estão à procura de um número que
sucesso há 15. valide o que pensam, o que os seus
Economista Dis- amigos ou partido defendem. É a
farçado vendeu
quase 2 milhões ideia: estou a ganhar ou a perder.
Não olham para factos sobre o mun-
do, mas para o seu status. Somos se-
res sociais, e somos influenciados
pelas nossas emoções e preconcei-
II Guerra tos. Há um estudo que descrevo no
“Meegeren [um livro com apoiantes de Trump a
falsificador] quem são apresentadas alegações
morreu como falsas. A suposta notícia é que ti-
herói, contudo nham sido apanhados imigrantes
na biblioteca de mexicanos, na fronteira, e todos
Hitler havia um tinham coletes com explosivos.
livro seu com É absurdo, mas eles diziam que
uma dedicató- partilhariam a notícia. Só quando
ria ao Fuhrer lhes perguntavam: “Acham que é
verdade?” Aí, paravam e diziam:
“Ok, não faz sentido.”
Vários estudos indicavam que
F íamos ter uma pandemia.
“[Olham para Foi a surpresa mais prevista
os números] de sempre?
e a ideia é: Há três coisas diferentes sobre
estou a este tema. Primeiro: era previsí-
ganhar ou a vel que houvesse uma pandemia
perder. Não mas, apesar disso, não sabíamos
olham para como e quando viria. Aqui no Reino
factos sobre Unido estávamos preparados para
o mundo” uma gripe forte, mas a covid é mui-

64

to diferente. Segundo: como não
estávamos preparados, mesmo
depois de se tornar claro que era
um problema, não se agiu. Tercei-
ro: há um ponto em que a curva
epidémica é previsível, os núme-
ros começam a dobrar a cada qua-
tro dias. Os governos lutaram para
perceber o que isso significava.
Em setembro, voltou a acontecer e
parecia-nos óbvio que tinham de
agir de imediato, mas todos fica-
ram: “Agora, é diferente.” As pes-
soas viram o que queriam ver.
Pensaram com o coração.
Uma das preocupações da pande-
mia é o impacto na economia. O
que irá acontecer?
Não é o confinamento que provoca
o problema. Mesmo que não haja
confinamento, as pessoas têm medo
e evitam ir aos locais. A economia
da Suécia, que não teve confina-
mento, foi tão atingida como a da
Dinamarca. Não parece fazer gran-
de diferença. Nos Estados Unidos,
há estudos sobre áreas metropolita-
nas, que estão em dois estados dife-
rentes, para se perceber a diferença
entre quem esteve com e sem confi-
namento. A verdade é que, mesmo
sem confinamento, muitas pessoas
têm medo, não compram, não vão
a locais públicos.
Estudou muito a criatividade e se
há altura em que ela é necessária
é agora. Como é que os negócios
locais se podem adaptar?
Fiz muito trabalho sobre como as
mudanças drásticas alteram os
comportamentos das pessoas e
como elas encontram soluções. O
meu exemplo preferido é o concer-
to do Keith Jarrett, o Köln Concert,
em 1975. Ele é um grande músico
de jazz e, quando foi fazer o ensaio
para esse concerto, descobriu que o
piano era o errado, estava desafina-
do, partido e era muito pequeno.
Mas não havia tempo para o trocar.
Ele concordou em tocar no piano
intocável e criou o que, para muitas
ROBERTO RICCIUTI/GETTY IMAGES
pessoas, é o seu melhor concerto.
Outro exemplo simples: os econo-
mistas descobriram que uma greve
de dois dias no metro inglês fez com
que as pessoas encontrassem me-
lhores caminhos para chegar ao tra-
balho. Quando acabou a greve, não
18 NOVEMBRO 18 NOVEMBRO 2020
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regressaram ao metro. A pandemia
Livro é, para a maioria das pessoas, um
desastre. Não vamos fazer de conta
O Que os
que é uma bênção. Mas vamos en-
Números
contrar negócios que irão descobrir
Escondem
formas diferentes de fazer as coisas.
Autor É interessante ver isso a funcionar.
Tim Harford Tenho exemplos à minha volta. A
Editora loja de queijo, aqui perto da minha
Objectiva casa, em Oxford, quando surgiu a
pandemia, começou a vender ve-
getais, carne - tornaram-se numa
mercearia de alta qualidade. Aliás,
nunca tiveram tanto negócio. Outro
exemplo: tenho um amigo cantor
de ópera que, nesta situação, co-
meçou a filmar concertos, coloca-
-os online e vende bilhetes. Tor-
nou-se produtor e diz que agora
consegue levar a ópera às escolas.
Quando tudo voltar ao normal, vai
continuar com o online.
Escreve livros sobre vários temas,
um deles foi sobre as invenções
que mudaram o mundo. E diz que
a estante Billy, do Ikea, é uma de-
las. Porquê?
Se não é barato, as pessoas não têm
acesso. Tendemos a ficar muito
entusiasmados com as invenções
complexas mas, no final de contas,
são as coisas baratas que mudam
o mundo. Sou um economista, por
F isso, interesso-me pela estante
“Não é o Billy, pelo tijolo ou pelos contento-
confinamento res de navios. Vemos a importância
que provoca das coisas baratas com a vacina
o problema contra a Covid-19. Sim, tivemos
[económico]. uma descoberta fantástica. Mas e
Muitas agora? Agora, precisamos de vidros
pessoas têm baratos para colocar a vacina, de
medo e não um sistema simples e organizado
compram” em muitas folhas de Excel. Se não
tivermos estas coisas simples a fun-
cionar, não vamos a lado nenhum.
E sem os contentores dos navios,
não chegam às pessoas.
Qual é a sua invenção preferida?
F O papel, porque está em todo o
“ Vemos a lado, é muito importante, mas as
importância pessoas não o valorizam. Pensa-se
das coisas na impressão do Gutenberg, essen-
baratas com cial para criar livros, mas sem uma
a vacina da superfície barata não chegava a
covid. ninguém. O papel é um material
Precisamos velho, os chineses inventaram-no
de vidros há 2 mil anos, e ainda funciona. É
baratos para tão barato que até nos limpamos
a colocar” com ele. W
65
 Sociedade

SAÚDE. PROFISSÕES QUE EXIGEM TESTAGEM PERIÓDICA

QUANDO OS
TESTES SE
TORNAM ROTINA
Não estão doentes, nem tiveram contacto com ninguém positivo.
Mesmo assim têm de fazer a zaragatoa para a Covid-19 todas as
semanas. Há quem já acumule mais de uma dezena e a contagem
não vai parar por aqui. Por Lucília Galha
66
 18 NOVEMBRO 2020
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S
e uma zaragatoa incomoda
muita gente, imagine 10. Ou
20. Ou uma todas as semanas.
Se é verdade que atualmente,
e com os novos critérios de cura, já
não é preciso um teste negativo para
regressar à vida normal – o que evita
situações como a do humorista Fer-

MARILINE ALVES
nando Rocha, que precisou de pelo
menos sete até dar negativo –, há
quem tenha de os fazer regularmen-
te, por razões que não têm nada a ver
O mais seguro da AR
JOÃO MIGUEL RODRIGUES

com a saúde. Deputados, atores, jo- 1

gadores e treinadores de futebol e o
próprio Presidente da República já
somam mais que uma dezena de tes-
tes desde o início da pandemia.
2 brincadeira, mas tem uma explica-
GREGORIO CUNHA
Carlos Pereira, CARLOS PEREIRA DEPUTADO
do PS Madeira,
faz o teste todas DO PS MADEIRA
as semanas, an- h Costuma dizer-se na Assembleia
tes de ir passar o da República que os deputados das
fim de semana a
casa no Funchal ilhas são “os mais seguros”. É uma
2 ção: são os únicos testados com fre-
Lito Vidigal, trei-
nador do Maríti- quência à Covid-19. “A probabilidade
mo, não gosta de estarmos infetados é muito me-
de perder tempo, nor”, diz Carlos Pereira à SÁBADO.
mas considera
que o teste é ne- O deputado do PS Madeira faz o teste
cessário. Fá-lo to- todas as semanas, desde meados de
das as semanas maio – quando o parlamento reto-
3 mou a atividade regular. Já soma um
Alexandra Bel- número considerável – até ao fecho
chior, enfermeira desta edição eram 29. Por norma, o
do Centro Clínico
da Fundação teste é feito à quinta-feira de manhã,
Champalimaud, para poder regressar a casa com o
sente-se ansiosa resultado no fim do dia seguinte. É
quando espera
pelo resultado sempre no mesmo sítio e os custos
são suportados pelo seu seguro.
Apesar de ser desagradável – ainda
continua a lacrimejar e a sentir co-
michão no nariz –, tornou-se uma
Testes rotina quase familiar: é sempre a
Há dois tipos mesma pessoa a fazê-lo, a enfermei-
de testes: de ra Manuela. “Já somos amigos”, diz o
diagnóstico, político. Além disso, também encon-
para saber se tra ali alguns colegas, como Lara
a pessoa está Martinho, João Castro e Isabel Rodri-
infetada; e sero- gues. “Este laboratório tem protocolo
lógicos (se tem com o Governo dos Açores e, às
anticorpos) vezes, fazemo-lo juntos.”
Prefere ser testado ainda no conti-
nente para salvaguardar a família
(tem duas filhas, de 12 e 15 anos),
QUANDO mas preocupa-se com a eventuali-
RECEBE O dade de ficar contaminado e ter de
RESULTADO, fazer quarentena sozinho em Lisboa.
ENVIA UMA Nos últimos tempos, tem-se sentido
MENSAGEM mais ansioso com o resultado. Man-
WHATSAPP tém um chat de WhatsApp com a fa-
À FAMÍLIA: mília e, assim que recebe o relatório,

“MAIS UM envia-lhes logo uma mensagem. Até

OK, VOU hoje, tem sido sempre igual: “Mais
PARA CASA” um ok, já posso voltar para casa.” Q

67
 Sociedade
Q Não há beijo sem teste
RENATO GODINHO ATOR
h A pandemia obrigou-os a serem
ainda mais criativos. Sobretudo nas
cenas íntimas. Aconteceu recente-
mente na nova novela que está a
gravar, com o nome provisório Bate
Coração. Renato Godinho faz par ro-
mântico com Luciana Abreu. Havia
uma cena com um beijo, mas adap-
taram-na. “Eu amuava com ela e vi-
rava-lhe as costas. Ela aproximou-se
e deu-me um abraço com a cabeça
virada para o lado. Foi um contacto
próximo, mas não de risco”, diz. Se o
beijo fosse inevitável, então os atores
teriam de ser testados na véspera.
Desde que as gravações retoma-
ram, após o fim do confinamento,
que os atores são testados uma vez
por mês. Se houver uma cena íntima
fazem um teste extra e têm de ficar
recolhidos até à gravação da cena.
“É uma imposição moral”, explica.
Aconteceu-lhe nas gravações da
novela anterior, ainda em exibição,
Terra Brava, com a atriz Dânia Neto.
“Foi no fim da novela, era impossível
terminar sem beijos”, diz.
Os testes à Covid-19 são feitos re-
gra geral nas instalações da produto-
ra SP Televisão, em regime drive
thru. “Entramos numa tenda, há um
JOÃO MIGUEL RODRIGUES
68
h
Andreia Castro
é médica mas
nunca foi testada
pela sua
profissão, só
em contexto de
viagens pessoais
NA SP TELE-
VISÃO, OS
ATORES FA-
JOÃO MIGUEL RODRIGUES
ZEM OS TES-
TES UMA VEZ
POR MÊS EM
REGIME
DRIVE THRU,
E NAS INSTA- primeiro contacto com o técnico nosso tempo é contado ao segundo”,
LAÇÕES DA pelo telefone, não abrimos a janela justifica. São calendarizados con-
PRODUTORA do carro, avançamos para a mesa soante os treinos: se a equipa treinar
seguinte e só aí baixamos o vidro, de manhã, o teste é feito à tarde.
tiramos a máscara e fazem a zara- A zaragatoa passa pelas duas nari-
gatoa numa das narinas”, descreve. nas e pela boca, “é sempre comple-
Tanto os atores como a produtora to”, diz o técnico. Continua a fazer-
recebem o resultado, via SMS. Nem -lhe impressão, mas assume a inevi-
i sempre é muito fluido, porque fa- tabilidade. “Temos de pensar nos
Sempre que faz
uma cena íntima, zem todos no mesmo dia, e às ve- outros, porque nesta pandemia o
Renato Godinho zes é preciso aproveitar o intervalo veículo somos nós”, diz. Mas não fica
tem de fazer um das gravações. Renato Godinho já ansioso. “Todos nós estamos em ris-
teste extra. Está
a gravar a nova soma nove testes mas, se fosse co, cruzamo-nos com muita gente.
novela da SIC necessário, faria muitos mais. É a Mas, no que depende de mim, tenho
exceção à regra: “Não me causa sido cuidadoso e responsável.”
impressão nenhuma.”
O campeão
Pacote completo dos contactos
dois dias antes do jogo MARCELO REBELO DE SOUSA
LITO VIDIGAL TREINADOR PRESIDENTE DA REPÚBLICA
DO MARÍTIMO h Se ficasse infetado e tivesse de
h Já se cansou de contar os testes fazer uma lista das pessoas com
que fez até hoje. José Carlos Fernan- quem esteve nos últimos 15 dias,
des Vidigal, conhecido no meio por esse número chegaria facilmente
Lito, assumiu os comandos do clube às centenas. É por isso, assume, que
madeirense no fim de julho e, desde tem uma política de testagem tão
então, foram 12. Ao todo talvez ultra- restrita. Descreve um dia comum:
passem os 20, admite. “No dia de Finados por exemplo,
Tanto a equipa técnica como os recebi o primeiro-ministro, depois
jogadores do clube são testados no nove partidos, cada um com dois
FUSCE FER- mínimo uma vez por semana, às elementos de delegação, a seguir fui
MENTUM vezes duas. Normalmente, dois dias a uma missa celebrada pelos Fina-
COMMODO antes do jogo. É a equipa do labora- dos e ainda estive a dar uma entre-
LIBERO VEL tório que se desloca ao centro de vista na RTP com uma série de pes-
LOBORTIS. treinos ou ao hotel onde estão insta- soas à volta”, detalha.
MORBI GRA- lados. Para o treinador luso-angola- O Presidente da República é testa-
VIDA POSUE- no, de 51 anos, é demorado – embo- do duas vezes por semana, normal-
RE MALE- ra existam dois técnicos para 35 pes- mente à segunda ou terça-feira e de-
SUADA. soas e o processo demore ao todo pois à quinta ou sexta-feira. Há se-
MORBI FAU apenas uma hora e meia. “É que o manas em que ainda faz um terceiro

RICARDO MEIRELES
teste. “Basta que tenha estado no
mesmo sítio que alguém que teve
contacto com um infetado”, explica.
Desde março, entre testes normais e
serológicos estima que já terá feito
ao todo entre 26 e 27. Sabe um pri-
meiro resultado logo ao fim de meia
hora e, passadas seis a sete horas,
tem uma confirmação. As primeiras
zaragatoas eram feitas no nariz e na
garganta, mas agora é só no nariz (às
duas narinas). Podia ser um proble-
ma. Razão: “Eu sou muito alérgico,
tenho rinossinusite, e temi que me fi-
zesse impressão. Mas não, até agora
não tenho tido problema nenhum”,
conta à SÁBADO.
Não é pela profissão,
é pelas viagens
ANDREIA CASTRO MÉDICA
h Apesar de ser médica, nunca foi
testada por causa da sua profissão.
“Só faço muitos testes porque sou
Preço uma grande viajante”, diz. Até hoje já
Com requisição foram 11, oito dos quais nas viagens
médica, os tes- para Beirute – por causa da explosão
tes são gratui- que aconteceu no porto da capital li-
tos. Já pelo pri- banesa e que devastou a cidade, em
vado custam agosto. Foi lá três vezes e chegou a
entre 40 e 100 fazer dois testes à Covid-19 no mes-
euros, consoan- mo dia. “Na véspera de partir para
te o laboratório Portugal, fiz o teste num daqueles
rastreios de rua. Com toda aquela
confusão, perderam o meu resultado
e tive de ir ao hospital repetir”, conta.
Em compensação, na terceira e últi-
ma viagem para o Líbano só foi tes-
tada à partida – tratava-se de uma
missão humanitária para entregar
três mil quilos de medicamentos e
material hospitalar no valor de 250
mil euros – e não saiu do aeroporto.
Já tinha feito o teste a alguns doen-
tes antes de passar pela experiência.
Antecipou que fosse mais doloroso
por causa das queixas que ouvia.
Assume que só não viaja mais vezes
por causa do custo associado aos
testes – é sempre ela que os paga. A
única vez que isso não aconteceu foi
também aquela em que ficou ansio-
sa com o resultado. Antes da última
viagem para Beirute, começou a ter
febre e dores musculares. “A minha
preocupação era não poder levar o
material para o destino, e não haver
ninguém que me pudesse substituir.
Estragaria dois meses de trabalho”,
g conta. Mas o resultado foi negativo.
O PT Nilton Bala
faz o teste de
15 em 15 dias por Uma zaragatoa
iniciativa própria. de 15 em 15 dias
Os alunos NILTON BALA PERSONAL TRAINER
acham que ele
é exagerado h Mesmo sem a pandemia, a regra
já era não tocar muito nos alunos.
Agora ainda mais. Quando é neces-
sário, dá-lhes indicações verbais.
Tem uma vantagem: “Os meus alu-
nos estão bem treinados, a maioria
deles já está comigo há algum tempo
MARCELO e é raro ter de fazer uma correção
REBELO DE do exercício”, explica.
SOUSA FAZ O Nilton Bala, que é conhecido como
TESTE DUAS o PT dos famosos – dá treinos per-
VEZES POR sonalizados a pessoas como Sara
SEMANA. Sampaio –, prefere pecar pelo
NÃO LHE FAZ excesso. Desde que retomou as aulas
IMPRESSÃO, presenciais que faz testes à Covid-19
APESAR DA de 15 em 15 dias. A testagem periódi-
SUA RINOSSI- ca não é uma regra interna da aca-
NUSITE demia onde dá aulas, em Matosi-
18 NOVEMBRO 2020
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nhos, é mesmo iniciativa própria.
“Dá-me uma certa tranquilidade sa-
ber que estou saudável”, diz. Tam-
bém não o faz para tranquilizar os
alunos. “Eles até acham que eu sou
exagerado”, diz, bem-disposto.
Ao todo já foi testado 10 vezes, a
primeira ainda no Rio de Janeiro, a
2 de março, mesmo sem sintomas.
Quando decidiu vir para Portugal,
no dia 18 desse mês, fez o teste no-
vamente. Como está sozinho em
Portugal, fica sempre ansioso antes
de receber o resultado. Não é só o
medo de não poder dar aulas, ou de
infetar os alunos, também é por ele.
“Eu não posso ficar doente aqui”, diz.
Naquele momento,
é só Alexandra
ALEXANDRA BELCHIOR
ENFERMEIRA
h Quando chega a quinta-feira, a
ansiedade aumenta. Mais agora que
os números estão a crescer e as ca-
mas a ficar ocupadas. É nesse dia
que todas as semanas, invariavel-
mente, desde outubro, a enfermeira
coordenadora do Centro Clínico da
Fundação Champalimaud faz o teste
à Covid-19. Antes, e desde março,
também já fazia, mas de 15 em 15
dias. “Eu sou só a Alexandra quando
estou à espera do resultado”, diz.
Ao contrário do que acontece na
maioria das instituições de saúde, a
Fundação Champalimaud testa to-
dos os profissionais em contacto
com os doentes. Foi montada uma
estrutura no Centro de Exposições.
“São os nossos enfermeiros que fa-
zem as zaragatoas e os nossos técni-
cos que as analisam”, diz. Os resulta-
dos são conhecidos no próprio dia –
demora no máximo 4h. A zaragatoa
é feita nas duas narinas. Faz-lhe im-
pressão e já sabe que a seguir há
sempre uma sessão de espirros.
Se na primeira vaga, o ritual era
encarado como rotina, agora tor-
nou-se mais angustiante. “Costuma-
mos brincar e dizer que algum dia
nos vai sair o brinde”, conta, num
tom agridoce. Já soma 15 testes, 11
zaragatoas e 4 serológicos – inicial-
mente, alternava-se entre um e ou-
tro –, e tem estado sempre negativa.
“É a primeira coisa na vida que fica-
mos contentes por ter uma nega.” W
69
 Sociedade
GRÁVIDAS. A NOVA TENDÊNCIA
HÁ MAIS
BEBÉS
A NASCER
EM CASA
Os partos domiciliários
aumentaram durante a pandemia.
Mas já antes do surto, em Portugal
muitas mulheres optavam por ter
os filhos sem ser no hospital.
Por André Rito
ISTOCKPHOTO
F
altava uma semana para o
fim do tempo de gestação
quando Joana Machado, 35
anos, enfermeira, comprou
uma banheira específica para o par-
to. Instalou-a na sala e, na véspera
do nascimento, durante um passeio
ao fim da tarde acompanhada pelo
marido e pelo primeiro filho, sentiu
que o corpo estava preparado para
dar à luz. Era este o primeiro plano
do casal, embora tivessem traçado
outras alternativas caso fosse neces-
sário. “Tínhamos um plano b, c e d.
Sabia a que hospital me devia dirigir
e o que fazer se as coisas não corres-
sem bem”, conta à SÁBADO.
Não foi necessário pôr em prática
nenhuma das alternativas. Às 14h30
chegou a equipa que Joana tinha
contratado – uma médica e uma en-
fermeira parteira –, e o Tomás nas-
ceu poucas horas depois, ainda não
eram 21h, a 3 de maio. Foi um dos
70
g bebés nascidos durante o período da
Na procura de pandemia, que afastou dos hospitais
um parto mais
humanizado, mui- não apenas doentes com medo de
tas grávidas re- contrair o vírus, mas muitas grávidas
correm às doulas, que temiam um parto “desumaniza-
as assistentes
de parto que do” pelo afastamento social.
vão a casa “Mais do que ter um parto em casa,
não queria ter no hospital. Não me
identifico com as práticas aplicadas,
que não dão espaço à mulher e ao
casal”, diz a enfermeira, que abre
uma exceção quando se trata de uma
gravidez de risco. “Havendo risco
compreende-se que haja práticas e
protocolos que devem ser seguidos.
Mas nos outros casos, não faz sentido
O SURTO DA não deixar as coisas fluírem de forma
COVID-19 natural, sem grandes intervenções.
TROUXE Desta vez queria ter o meu filho num
ANSIEDADE ambiente onde me sentia mais segu-
A METADE ra e respeitada [o primeiro filho nas-
DAS GRÁVI- cera num hospital].”
DAS PORTU- Segundo um inquérito do Centro
GUESAS de Estudos do Bebé e da Criança do
Hospital Dona Estefânia, em Lisboa,
o surto da Covid-19 trouxe ansiedade
a metade das grávidas portuguesas,
com cancelamentos de consultas, di-
ficuldade em agendar atos médicos,
e receios quanto à possibilidade de
terem, ou não, um acompanhante na
sala de partos, assim como quanto à
própria relação entre a mãe e o bebé
logo após o nascimento, receando
serem afastadas dos filhos.
Joana sentiu-o na pele quando ti-
nha de sair de casa – temia colocar a
saúde em risco. Na parte final da gra-
videz não foi “bem acompanhada”.
“Tinha medo de me deslocar”, conta
à SÁBADO, lembrando que a decisão
de fazer o parto em casa já fazia par-
te dos seus planos antes da chegada
do vírus à Europa. No primeiro filho,
o pai tinha-a acompanhado no hos-
pital desde o primeiro ao último dia
e a experiência “foi muito positiva”.
Nunca falou abertamente com a obs-

tetra sobre o parto domiciliário, mas
preparou-se ao nível emocional para
o nascimento em casa – na sala. À
hora do nascimento, entrou na pisci-
na com o marido e o filho nasceu.
“Um momento de serenidade e
amor. No dia seguinte levantei-me
e fiz o pequeno-almoço.”
Sabiam como fugir ao trânsito
Durante a pandemia, Cristina Pincho
acompanhou três nascimentos como
doula – a designação dada às assis-
tentes de parto –, em casa das partu-
rientes. Num deles, o pai era contra,
mas acabou por ceder à vontade da
progenitora. “Ela tinha um grande
desejo de ser mãe em casa. Quando
entrámos em estado de emergência e
as regras começaram a mudar, cada
vez que iam ao hospital os planos
saíam todos trocados. Acabou por ser
em casa e foi muito bom porque a
mãe saiu daquela bolha de stress do
confinamento, sem máscaras, sem
todas as condicionantes de ir atual-
mente a uma unidade de saúde”,
conta a parteira à SÁBADO.
“É preciso um grande trabalho
mental, ajudar a grávida a descobrir
os recursos que tem dentro de si, a
sua fisiologia, ajudar a entender o
processo e todas as transformações
vividas ao longo da gestação.” Além
disso, reforça Cristina Pincho, é im-
portante pôr em prática os movimen-
NINGUÉM ESTAVA
À ESPERA, E AGORA?
Agora, muitas dúvidas se l evantam mas estaremos
à sua disposição, 24h por dia, para o apoiar.
Sempre do seu lado
Atenção aos sinais
Nem todas as histórias
têm finais felizes
A OMS emitiu recentemente
algumas recomendações para o
parto hospitalar, considerando
também os partos domiciliares.
“A gravidez não é uma doença
e o nascimento é um fenómeno
normal, que se pode esperar
que a mulher complete sem
intervenção”, refere o docu-
mento. Nem todos os partos em
casa correm bem e há histórias
com finais pouco felizes. “É preci-
so estar atenta aos sinais, sobre-
tudo depois das 38 semanas”,
avisa Cristina Pincho.
tos do corpo, ensinar os músculos
a relaxar, para que no momento do
parto a mulher saiba interpretar e
reagir aos sinais físicos e psicológicos,
tal como acontece nos partos hospi-
talares. Com uma diferença conside-
rável, acentuada especialmente por
quem defende o parto em casa: o
cocktail de hormonas hospitalar é
substituído pela ideia da capacidade
inata que a mulher tem para trazer
um ser humano ao mundo.
Ao longo destes meses, os dois tele-
Conte connosco, disponíveis 24h por dia.
800 204 222 ou www.servilusa.pt
18 NOVEMBRO 2020
www.sabado.pt
www.sabado.pt
“ACABOU fones de Cristina Pincho nunca esti-
POR SER EM veram desligados. Regiane Lage,
CASA E FOI mãe de um bebé nascido em casa no
MUITO BOM passado mês de maio, foi mantendo
PORQUE A uma postura serena, sempre na ex-
MÃE SAIU pectativa de ter um parto em casa.
DAQUELA Decidiu acompanhar vários grupos
BOLHA DE de mães que haviam tido filhos em
STRESS DO casa. “O parto foi feito com duas par-
CONFINA- teiras numa piscina dentro do quarto,
MENTO” além de uma enfermeira, o marido e
uma doula. O plano b também estava
delineado: ir com a obstetra para um
hospital, caso fosse necessário. Ti-
nham estudado os trajetos para fugir
ao trânsito e chegar rapidamente ao
hospital. Um “pesadelo” a evitar na
cabeça de Regiane Lage, que come-
çou a sentir contrações apenas a
algumas horas de completar as 40
semanas de gestação.
Nem todos os partos caseiros são
bem-sucedidos. Há algumas se-
manas, por exemplo, uma médica
do INEM revelou ter deixado no
Vigilância hospital um recém-nascido, em
Mais de 80% estado grave na sequência de um
das grávidas ad- parto domiciliário mal executado.
mitiram que a Ao dar entrada sedado, teve de ser
pandemia teve ventilado e foram-lhe feitas mano-
um efeito nega- bras de reanimação. O bebé, ao
tivo na vigilância que tudo indica terá ficado surdo.
da gravidez, se- Teve um parto difícil: após três
gundo um estu- tentativas de utilização de vento-
do do Hospital sas, foi necessário recorrer a uma
Dona Estefânia cesariana. W
PUB
* Não incluí despesas de igreja, serviço religioso, taxas de cemitério e documentação.
a partir de
995€ 71
 Sociedade
LIVRO. MULHERES INVISÍVEIS MOSTRA UM MUNDO DESIGUAL
SIM, O SEU
TELEMÓVEL
DISCRIMINA-A
Não é o único: os carros são testados com modelos homens,
a temperatura é regulada a pensar neles e até os sintomas de
um ataque cardíaco são sobretudo masculinos. Por Vanda Marques
P
odíamos chamar-lhes
1.331 provas de como as
mulheres são discrimina-
das. Mas vamos apenas
dizer-lhe que são mais de mil re-
ferências bibliográficas, do livro
Mulheres Invisíveis – Como os
Dados Configuram o Mundo Feito
para os Homens, que sustentam os
estudos referidos na obra. “Não
podia ter um único detalhe erra-
do”, explicou a autora, Caroline
Criado Perez, numa entrevista.
Escrevê-lo foi um trabalho “infer-
nal”, que lhe valeu um prémio, que
só foi atribuído cinco vezes a mu-
lheres – o Royal Society Insight
Investment Science Book Prize.
Com 36 anos, a autora britânica
já conseguiu colocar Jane Austen
numa nota de 10 libras e uma es-
tátua de uma sufragista, Millicent
Fawcett, em frente ao parlamento
britânico.
No livro da ativista encontramos
as denúncias mais conhecidas –
e não menos importantes – de
como são as mulheres que mais
horas de trabalho não remunerado
fazem e as maiores vítimas de vio-
lência. Há mais, muito mais. Por
exemplo: os coletes à prova de ba-
las são inadequados para mulhe-
72
masculinas têm cubículos e tam-
bém urinóis, o número de pes-
soas que podem fazer as suas
necessidades ao mesmo tempo é
muito mais alto por metro qua-
drado de área na casa de banho
dos homens do que na das mu-
lheres”, escreve Caroline Criado
Perez. Por isso, não é de estra-
nhar que haja mais filas no lado
feminino do que no masculino.
MAIS ACIDENTES GRAVES
h Em média, as mulheres são
mais baixas que os homens. O
que, em termos de condução, faz
res, o que faz com que fiquem com que se sentem mais à frente.
Cinema mais desprotegidas que os ho- Resultado? “As mulheres são
Entre 1990 e mens. Caroline explica que muito condutoras ‘posicionalmente
2005, nos deste défice informacional “não é deslocadas’. E o nosso caprichoso
filmes para mal intencionado”, apenas força desvio da norma significa que
crianças do hábito de tudo ser focado no corremos um risco maior de le-
apenas 28% homem. Damos-lhe cinco exem- sões internas em colisões fron-
dos papéis plos do livro que acaba de chegar tais.” É desta forma que Caroline
com falas a Portugal, com a chancela da Criado Perez nos apresenta este
pertenciam a Relógio d’Água, e que promete problema. O estudo Gendered In-
personagens fazê-lo olhar para o seu carro de novations, do Gabinete de Publi-
femininas outra forma. cações da União Europeia, apre-
senta os números desta realida-
de: existe uma maior probabili-
dade (47%) de as mulheres terem
ferimentos graves que o homem.
Pior: há também uma maior pro-
babilidade (17%) de a mulher
morrer numa colisão. Caroline
vai mais longe e junta outro
exemplo dos perigos da condu-
ção para as mulheres: como têm
menos músculos no pescoço e na
OS ESCRITÓ- parte superior do tórax, são mais
RIOS SÃO TEMOS MAIS FILAS NO WC suscetíveis aos efeitos-chicote
FRIOS PARA h As mulheres demoram mais quando há um acidente em que
AS MULHE- tempo na casa de banho – em lhes batem na traseira do carro.
RES E ESTÃO média, 2 a 3 vezes mais tempo. É Como chegámos a estas diferen-
“EM MÉDIA 5 verdade. E precisam de ir lá mais ças de tratamento? A jornalista
GRAUS ABAI- vezes por dia. O que também é explica: “O design dos carros re-
XO DA TEM- verdade é que os homens têm fletiu testes de colisão feitos com
PERATURA mais casas de banho disponíveis. recurso a manequins baseados
IDEAL” “Se as instalações sanitárias no homem médio.”

O ESCRITÓRIO É MUITO FRIO?
h Tem frio no escritório e o
colega do lado diz que está ca-
lor? A verdade é que homens e
mulheres têm diferentes tempe-
raturas corporais e, na altura de
decidir como calibrar o ar con-
dicionado, adivinhe qual é a re-
ferência? Caroline explica de
forma clara o motivo em Mulhe-
res Invisíveis. “A fórmula usada
para a determinar foi desenvol-
vida nos anos 60 com base na
taxa metabólica basal dos ho-
mens com 40 anos e 70 quilos
de peso. Um estudo recente
concluiu que ‘o metabolismo
das mulheres jovens enquanto
desenvolvem trabalho de escri-
tório é significativamente mais
baixo’ que os valores-padrão
dos homens que fazem o mesmo
tipo de trabalho.” Trocado por
miúdos: os escritórios estão de
facto mais frios para as mulhe-
Um projeto: Com o apoio:
res e até se sabe quanto: “Em
média, cinco graus abaixo da
temperatura ideal”.
O ATAQUE CARDÍACO DELAS
h Quais são os sintomas de um
ataque cardíaco? Dores de estô-
mago, falta de ar, náusea e fadi-
ga. Por vezes, nem sequer uma
leve pressão no peito. Não esta-
mos enganados. Como alerta a
jornalista no livro: “Só uma em
cada oito mulheres que têm um
ataque cardíaco refere o clássico
sintoma masculino da dor no
peito, pelo que, de facto, esta
descrição não é apenas vaga,
mas também imprecisa.” Então e
o que acontece às restantes sete?
Até na Medicina se encontra a
discriminação. Um estudo britâ-
nico indicou que as mulheres têm
50% mais probabilidades de te-
rem um diagnóstico errado a
seguir a um ataque cardíaco.
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Encomende
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18 NOVEMBRO 2020
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Portugal
Os homens
descansam, em
média, mais 90
minutos que as
mulheres. Nos
EUA, eles têm
mais uma hora
de lazer
TELEMÓVEIS A PENSAR NELES
h Com uma média de 14 cm, os
smartphones não foram feitos para
as mãos das mulheres. Há quem
argumente que é para usar as duas
mãos, mas Caroline Criado Perez
não ficou convencida e foi procu-
rar mais. Na verdade, depois de
falar com vários especialistas
em tecnologia, percebeu: os
smartphones topo de gama são
feitos a pensar nos homens. Quer
saber que outra tecnologia não
tem em conta as mulheres? Já ten-
tou falar com a Alexa ou com a Siri
NOS ACI- – apps de reconhecimento de voz
DENTES DE – e elas parecem não acertar na-
CARRO HÁ quilo que diz? Quando diz chá, a
UMA MAIOR app percebe tchau? Pois, na ver-
PROBABILI- dade um estudo da Universidade
DADE DE AS de Washington demonstrou que
MULHERES a versão do Google, por exemplo,
SOFREREM tinha uma “probabilidade 70%
FERIMENTOS maior de reconhecer vozes mas-
GRAVES culinas que femininas”. W
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Um restaurante de
€tÄÏt¦Ū뭉
…™­­™­“
‰

um projeto com forte
impacto social, onde o
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73
 Sociedade

NEGÓCIO. ACEITAM ENCOMENDAS DE ARTIGOS, COMPRAM, COBRAM UMA COMISSÃO E ENVIAM POR CORREIO

ELES VÃO ÀS LOJAS FAZE

Numa altura em que se foge das grandes superfícies, há quem ganhe dinheiro com isso. Vão

A
ugusta e Carlos Rodri-
gues, de 28 e 29 anos,
criaram uma página no
Facebook há três meses.
Hoje, têm 8.600 membros e todos
os dias recebem cerca de 200 pedi-
dos de adesão ao grupo. A explica-
ção é simples: devem ser dos pou-
cos que cobram apenas €1 de co-
missão por cada artigo que com-
pram e enviam para os clientes. O
Vou por ti à Primark Carlos & Au-
gusta é uma das muitas páginas no
Facebook criadas por pessoas que
vão às compras por si. Aceitam pe-
didos de clientes que não vivem
perto de uma loja Primark e, princi-
palmente, de quem recusa entrar
em grandes superfícies por causa
da pandemia. Até porque a Primark
é um dos poucos gigantes comer-
ciais que não vende online – e hou-
ve quem visse nisso uma oportuni-
dade de negócio. Estes “vendedo-
res” vão às lojas, compram o que
lhes é pedido e enviam pelo cor-
reio, cobrando uma comissão que
varia entre os €0,50 e os €2 por
artigo, consoante o seu preço.
Este verão, Augusta e Carlos muda-
ram-se de Samora Correia para Ta-
vira. Além da página no Facebook,
trabalham numa quinta de explora-
ção de citrinos. “Sempre fui muito
dada a negócios. Comecei a ver pu-
blicações de pessoas a perguntar
quem podia ir à Primark fazer com- lidade, Augusta confessa que “não dá O casal está longe de ser caso
pras, sobretudo agora com a pan- muito lucro, mas compensa”. O casal único. Quando falou com a SÁBA-
demia, e lembrei-me de criar este tem quatro filhos – o mais velho de DO, na quinta-feira, dia 12, às
grupo, até porque estamos perto da “TENHO 11 anos e a mais nova de dois meses 21h30, Carla Dionísio previa deitar-
Primark de Almancil”, conta Augus- CLIENTES – e “o que der mais algum dinheiro -se às 3 da manhã (antes da pande-
ta à SÁBADO. QUE ME PE- ajuda”. Quando vai à Primark, uma mia, raramente passava da meia-
As clientes enviam as fotos dos arti- DEM COISAS vez por semana, tem de levar um -noite). Tinha 134 pedidos de ami-
gos que pretendem, ela faz a conta DA PRIMARK dos filhos mais velhos e o marido zade pendentes na página do Face-
do valor total (já com a comissão e E MORAM NA para ajudar, e também a bebé: “A book, 15 encomendas já despacha-
portes de envio) e espera que lhe RUA DE BAI- Cloeh vai comigo porque demoro das através de uma transportadora
mandem o comprovativo de paga- XO”, DIZ cerca de quatro horas na loja e na e outras 10 entregues por ela pró-
mento. Depois, traz tudo da loja e faz CARLA hora de ela comer vou ao carro pria nos CTT. Não sabe quantos
a entrega via CTT. Quanto à rentabi- DIONÍSIO dar-lhe de mamar.” clientes ganhou com a Covid-19,

74

ER AS COMPRAS POR SI
para a Primark - que não vende online - e trazem tudo o que lhes pedem. Por Sónia Bento
j das, como as máquinas de costura da
Carlos e Augusta en-
traram neste negócio
depois de verem no
Facebook pessoas a
pedirem quem podia ir
à Primark por elas
RICARDO NASCIMENTO
mas sabe que nunca tinha feito
tantas compras para enviar. “Nin-
guém me disse explicitamente que
estava a encomendar para não ir
às lojas, mas tenho clientes que me
pedem coisas da Primark e moram
na rua de baixo – antes não pe-
diam. Também apareceram pes-
soas em Abrantes e Coimbra, onde
a loja existe”. Foi em agosto, em
plena pandemia, que fez uma das
compras de maior valor na loja –
800 euros. Dedica-se em exclusivo
à página Carla Dionísio (Sem Stress
Nós Tratamos) e é normal gastar
300 a 600 euros de cada vez que
vai à Primark - geralmente dia sim,
dia não. Os empregados já a conhe-
cem e tem pelo menos um privilé-
gio: “Entro com um carrinho meu,
com rodas, que já tem um saco
onde coloco as coisas. Assim tam-
bém evito tocar nos sacos deles”,
conta Carla, que tem truques para
contornar as enchentes – nunca faz
compras ao fim de semana e tenta
ir às lojas a meio da manhã, a não
ser quando há promoções específi-
cas, como os termómetros digitais
a 10 euros do Lidl ou os brinquedos
com 60% de desconto do Continen-
te – aí, a técnica é estar à porta an-
tes da abertura. “Durante o confina-
mento, senti-me muito mal e parei.
18 NOVEMBRO 2020
www.sabado.pt
www.sabado.pt
Fazia encomendas online e vendia
na minha página, mas não ia às lojas.
Agora estou a trabalhar mais do que
nunca. Desde outubro que envio coi-
sas para o Natal porque as clientes
sabem que vai haver atrasos nas en-
tregas. Às vezes, estou a embalar e
reparo que vou mandar três enco-
mendas para o mesmo cabeleireiro.
Para o Corvo, uma ilha pequeníssi-
ma, ainda anteontem seguiram umas
três ou quatro encomendas.”
Máquinas de costura no Lidl
Carla trabalha numa mesa de pin-
gue-pongue cheia de roupa, tal como
a divisão de 30 m2 que usa para guar-
dar e embalar encomendas. Por cada
peça enviada, cobra uma comissão
entre os €0,50 e os €2. Os valores
sobem em casos pontuais, geralmen-
te encomendas maiores e mais pesa-
Singer que na semana passada foi
buscar ao Lidl. “Tive de ir às 8h30.
Não havia na loja da Tapada, nem na
Rinchoa, só encontrei no Cacém. Ter-
mómetros para bebé a 10 euros con-
g segui trazer 15. Precisava de mais,
Quando começou mas esgotaram.” Para ajudar os
a ir à Primark
comprar o que clientes a poupar portes, arranca eti-
lhe pediam, Letí- quetas, escolhe sacos mais finos e até
cia Amorim gasta- tira papel às caixas. “Quando vou ao
va €500, hoje não
deixa lá menos Ikea buscar uma coisa para mim,
de €1.800 também vejo se há artigos úteis, tiro
umas fotos e coloco-as logo na pági-
na. E aviso que estou lá – se quiserem
alguma coisa, compro.”
Ritha Alves aderiu a diversos des-
“SOU COM- tes grupos de vendas online porque
PRADORA mora em Óbidos e diz que lhe com-
ONLINE JÁ pensa mais pagar as comissões do
ANTES DA que gastar gasolina e portagens
COVID. NÃO para se deslocar a um shopping de
TENHO Lisboa: “Já era cliente antes da Co-
PACIÊNCIA vid. Sou compradora online e já fiz
PARA FILAS”, todas as compras de Natal. Não te-
CONTA nho paciência para centros comer-
RITHA ALVES ciais e muito menos para filas”. Q
75

Sociedade
JOÃO MIGUEL RODRIGUES
Q Ritha compra muitas coisas para a
filha de 6 anos através da Primark à
Comissão, um dos grupos de vendas
com mais aderentes – 23 mil. Admi-
nistrada por Elsa Ventura Ribeiro,
a página tem uma lista, em letras
maiúsculas, de regras de funciona-
mento, tais como: “Só são aceites
pedidos com quero x, no tamanho y
e na cor w, nos comentários de cada
foto. Serão removidos os pedidos
tipo ‘tem?’, ‘está disponível?’, ‘ainda
há?’ e afins. Não aceito pedidos ‘veja
se há isto’, nem ‘veja o preço daqui-
lo’”. Elsa Ventura Ribeiro não tem a
menor paciência para quem não
cumpre as regras e não hesita em
bloquear pessoas, chegando mesmo
a utilizar um discurso agressivo. “Boa
tarde. Eu estou a trabalhar, não estou
aqui 24/24. Pedem anteontem e hoje
abro a mp e já cancelaram. Eh pá,
tipo... cancelem à vontade, mas é a
última vez”, escreveu há dias. “A Elsa
tem de ser bruta porque há muita
gente que vai para ali sem noção
nem respeito pelo trabalho dela”,
conta Ritha Alves. A SÁBADO tentou
entrar em contacto com a adminis-
tradora de Primark à Comissão, que
não terá visto as mensagens em
tempo útil.
Outra das vendedoras mais ativas
da Primark é Ana Marques, de 40
anos, de Braga. Licenciada em Direi-
to, trabalhou oito anos como advo-
gada, mas desde 2017 que se dedica
exclusivamente às vendas. Diz que
nos últimos meses “os pedidos au-
mentaram porque as pessoas não se
querem meter em grandes superfí-
cies”. Vai à Primark quase sempre
sozinha, duas vezes por semana, e
76
a sua comissão também varia entre
€1 e €2. Confessa que é um trabalho
muito cansativo, não só fisicamente:
“Há pessoas a enviar mensagens de
madrugada a perguntar tudo. Até nas
fotos que publico com os preços, elas
perguntam quanto custa.”
Maria Andrade criou a página Va-
mos à Primark há seis anos, tem 6,8
mil membros e também aceita enco-
mendas de artigos de outras lojas,
como H&M e Lefties. Aos 61 anos,
está desempregada e dedica-se às
vendas, mas explica que para ela não
é rentável porque não tem muito di-
nheiro para investir nas encomendas.
Cobra €1,5 de comissão pelo “cansa-
ço de ter de vir carregada, às vezes
de autocarro, e pelas filas medonhas”
que enfrenta. A última vez que foi
à Primark do Colombo, em Lisboa,
gastou €130. “Sabe lá o que me apa-
rece na página! Há gente abusadora
Negócio rentável
Chama-se drop-shipping
e rende milhares de euros
Mohammed Kamil Sattar,
um britânico de Telford, de 21
anos, trabalhou na loja Primark
durante oito meses e odiou.
Decidiu criar um site de ven-
das online de produtos, usando
o modelo de drop-shipping, que
funciona como intermediário no
processo de vendas. Segundo
garantiu ao Daily Mail, tem um
lucro mensal de €30 mil.
18 NOVEMBRO 2020
www.sabado.pt
www.sabado.pt
j que encomenda, desaparece e de-
Carla Dionísio, pois tenho de ficar com os artigos.
que vive em Sin-
tra, diz que nun- Agora faço apenas para as pessoas
ca trabalhou tan- que já conheço e que me tratam bem.
to como agora, Tenho clientes da Madeira e dos
com a pandemia
Açores porque lá não há Primark. E
outras lojas não vendem online para
as ilhas”, conta à SÁBADO.
A Covid tirou-a das lojas
“Adoras a roupa da Primark, mas não
tens tempo ou não gostas de confu-
sões, nós tratamos de tudo”, lê-se na
página Primark Escolhe, Nós Traze-
mos, que Letícia Amorim criou há
pouco mais de dois meses e já tem
2.700 adesões. Costuma ir à loja de
10
lojas
Braga, que fica a 80 quilómetros da
sua casa, em Vila Praia de Âncora. No
início, em cada ida gastava €500,
A rede britânica agora já não deixa lá menos que
Primark abriu a €1.800. “Tiro fotografias discreta-
primeira loja, em mente para pôr na página e trago
Dublin, Irlanda, muitos artigos que me pedem, sobre-
em 1969. Che- tudo roupa para criança”, conta. Tem
gou a Portugal clientes em todo o País, até no Porto
em 2009, onde porque, como diz, mesmo havendo lá
já tem 10 lojas uma Primark, “as pessoas agora fo-
gem de ajuntamentos”. Mas a maioria
dos compradores são da sua terra ou
das redondezas e vão diretamente a
sua casa levantar as encomendas.
No mês passado, Letícia foi infetada
com Covid-19, o que a obrigou a pa-
Pandemia rar duas semanas. Ainda não se sente
Carla Dionísio a 100 por cento e o marido tem ido
comprou uten- com ela ajudar. Entram na loja assim
sílios para abrir que abre, às 10 horas, saem às 13h
portas e eleva- para comer qualquer coisa, regres-
dores sem lhes sam e só saem de lá às 18h. Quando
tocar; também traz as coisas, envia mensagem aos
não usa os sa- clientes com o valor total e a partir
cos da Primark daí são 48 horas para efetuarem o
pagamento. A “vendedora” garante
que passa recibo de prestação de ser-
viços para justificar o lucro das co-
missões. “Até agora, tem corrido bem
e dá para fazer um bom dinheiro”,
ANA MAR- conta Letícia, de 38 anos, mãe de três
QUES É AD- filhos, que trabalhou como educadora
VOGADA, de infância até ficar desempregada. E
MAS DEDI- se a Primark começar a ter vendas
COU-SE ÀS online? “Paciência... Não me faltam
VENDAS, ideias nem vontade de trabalhar. Eu e
APESAR DE o meu marido temos um negócio de
SER UM TRA- verão – uma carrinha pão de forma
BALHO que vende crepes junto à praia.” W
“MUITO
CANSATIVO” Com Ana Taborda
 Sociedade

C
Lavanda M
Detetava batimentos car-
díacos, respiração e con-
trações musculares. Era
usado para inspecionar
carros e encontrar
pessoas escondidas
em apartamentos
€800

CRISE. PANDEMIA OBRIGOU À VENDA DO ESPÓLIO

O KGB VAI SER

LEILOADO
Chapéus de chuva, carteiras e batons - as armas dos
serviços secretos russos vão ser vendidas em janeiro.
Por José Pessoa Couceiro (editado por Ana Taborda)

O “beijo da morte”
Com apenas 4,5 milímetros
e a aparência de um batom,
injetava uma dose mortal
de cianeto na corrente san-
guínea dos inimigos. Era
usado por mulheres
€800
U
m batom por 800 euros
parece-lhe caro? Para as
espias do KGB, era tudo
menos um simples objeto
de maquilhagem. A 13 de janeiro de
2021, a leiloeira Julien’s vai vender
artefactos raros usados durante a
Guerra Fria. No centro do leilão está
o repositório do KGB Espionage Mu-
seum, que a pandemia obrigou a fe-
char. Julius Urbaitis, colecionador e
antigo dono, reuniu mais de 3.500
objetos dos serviços secretos russos –
além de armas, há documentos ofi-
ciais e até radares de aviões. O mu-
seu, que abriu há dois anos em Nova
Iorque, foi acusado de glorificar, ro-
mantizar e normalizar o KGB. W

C
Carta de Fidel Castro
Em duas páginas, es-
critas em 1958 e envia-
das para um colega C
soldado da revolução, Boletim Che Guevara
Fidel discute planos Em 1942, aos 14 anos, o
para infiltrar a cidade então estudante do Co-
de Havana, em Cuba légio Nacional de Mon-
€850 a €1300 serrate, na Argentina,
era um bom aluno, es-
pecialmente a Matemá-
tica e Geografia
€850 a €1300

78
 18 NOVEMBRO 2020
www.sabado.pt
www.sabado.pt

C
Caveira soviética
Eram usadas ao longo das
linhas de caminho de ferro
para indicar a passageiros
e tripulantes que estavam
a passar por um setor
radioativo ou contaminado
€80 a €130
C
Chapéu de chuva letal
Terá sido usado para assassi-
nar o escritor búlgaro Georgi
Markoy – estava numa para-
C gem de autocarro quando sen-
Códigos Fialka tiu uma dor aguda na perna
Pesava cerca de 450 qui- (veneno a ser injetado).
los e permitia criar mais Morreu três dias depois
de 590 triliões de combi- €1700 a €2600
nações diferentes. Os sol-
dados e oficiais que a usa-
vam não podiam sair do
país durante dois anos.
€6700 a €10 000

PUB

C
Mala-gravador The Fly
O emblema, em forma
de mosca, permite que
uma câmara oculta cap-
ture imagens. A mala é
forrada com material
que absorve o som
€2000 a €3000

79

Sociedade
BRINQUEDOS. A NOVA VIDA DA BONECA MAIS FAMOSA DO MUNDO
A PANDEMIA FOI BOA PARA ELA
As vendas da Barbie estão a subir 29% este ano, um recorde neste século.
Mas não foi só ela a crescer por causa do novo coronavírus, que confinou
as crianças e obrigou os pais a afastá-las dos ecrãs. Por Marco Alves
A
pesar de a pandemia estar a
ser catastrófica para a maio-
ria das empresas no mundo,
foi excelente para o negócio de algu-
mas. As empresas de brinquedos não
têm de que se queixar, e a Mattel é
uma delas. O único problema da
empresa que criou a Barbie em 1959
parece ter sido encontrar formas de
ter mais e mais bonecas disponíveis
no mercado: não só muitas das suas
fábricas na China fecharam no início
de 2020, como as vendas mundiais
dispararam. Só no terceiro trimestre
do ano, as vendas de bonecas au-
mentaram 22% face ao período ho-
mólogo, num total de 690 milhões
de dólares (€583 milhões). A princi-
pal responsável por esta subida no
terceiro trimestre foi um dos clássi-
cos da empresa fundada em 1945
na Califórnia, EUA: a Barbie.
Nas contas até setembro (nove
meses), a boneca subiu 29% e já fa-
turou 532 milhões de dólares (€450
milhões), contribuindo para uma su-
bida anual de 10% da Mattel. É o
melhor resultado neste século para
a boneca. Em 2019, a Barbie ainda
era a marca mais vendida da Mattel,
mas estava quase a ser ultrapassada
pela outra marca da empresa, a
Fisher-Price. Agora firmou clara-
mente a liderança.
A explicação parece ser simples,
segundo especialistas ouvidos pelo
Financial Times: a pandemia fechou
as crianças em casa e os pais tiveram
de encontrar formas de as entreter,
de preferência com algo que não te-
nha um ecrã. Resultado: subidas de
vendas de brinquedos. “A indústria
de brinquedos, no seu todo, cresceu
significativamente”, referiu Ynon
Kreiz, CEO da Mattel, no boletim de
apresentação de resultados. À subida
de 22% das bonecas soma-se a subi-
da de 14% (€299 milhões de euros)
80
Estão todos a subir
A Lego apresentou
resultados históricos
A empresa dinamarquesa da
Lego anunciou subidas de ven-
das de 14% no primeiro semestre
de 2020 em comparação com o
período homólogo de 2019. Os
visitantes do site duplicaram e
passaram a 100 milhões. As ver-
sões mais vendidas estão quase
todas associadas a outros clássi-
cos: Lego Star Wars, Lego Dis-
ney Princess e Lego Harry Potter.
18 NOVEMBRO 2020
www.sabado.pt
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A BARBIE É dos brinquedos mais associados a
UMA SOBRE- rapazes: bonecos de ação (incluindo
VIVENTE E uma das estrelas do ano, o Baby
TEVE DE SE Yoda, da saga Guerra das Estrelas),
DESMULTI- construções, jogos de cartas (o Uno,
PLICAR EM por exemplo) e carros. Nos carros, a
INÚMERAS velhinha marca Hot Wheels (criada
VERSÕES DE em 1968) subiu 14 %. Todos estes
SI PRÓPRIA aumentos vêm em linha com os já
registadas no segundo semestre do
ano. A ajudar a catapultar as vendas
i da Barbie esteve também o Barbie
Mais de 100 Princess Adventures, um musical de
Barbies são
vendidas no animação lançado em setembro na
mundo por Netflix (para ver sem precisar de sair
minuto de casa). Na semana de lançamento
foi o oitavo conteúdo mais visto na
plataforma.
A amiga latina e a amiga negra
A Barbie é uma sobrevivente e ape-
nas se mantém hoje porque teve de
se desmultiplicar em inúmeras ver-
sões de si própria. Ser branca, loira,
dona de casa, magra, de olhos azuis
e saltos altos era uma realidade acei-
tável nos anos 60. A Barbie já não é
só branca, já tem gordurinhas e inú-
meras profissões. Está tão diversifi-
cada que começa a ser acusada de,
por exemplo, apropriação cultural –
foi o que aconteceu em 2019, quan-
do lançou uma boneca de 75 dólares
(€73) alusiva ao Dia dos Mortos (fes-
tividade mexicana), que esgotou
também na segunda edição em
setembro de 2020.
Depois de ter sido lançada em
1959, a Barbie ganhou um namorado
(o Ken) em 1961. Em 1968, ganhou
uma amiga negra (a Christie) e em
1988 uma amiga latina (a Teresa). Já
se apresentou de fato de astronauta
e de cadeira de rodas, mas não foi
suficiente para travar um declínio
nas vendas, mais acentuado desde
2014. Até que surgiu um aliado im-
provável: um vírus. W
 Crónica www.sabado.pt
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SANTOS E...
A primeira novela de mistério de Agatha Christie foi publicada há 100 anos, a Outu-
bro de 1920. Porque é que Christie se mantém, um século depois, como a mais po-
O MORALISTA pular escritora de policiais da História? Não é apenas a eficácia de relógio suíço
(ou será belga?) nos mecanismos reveladores do culpado: concentração de
As cidades, como os gatos, revelam-se espaço e tempo, huis clos aos últimos capítulos e interrogatório colectivo
à noite, e é revelador que, ao pôr do sol, no clímax, com flashbacks que fariam P. D. James corar de inveja. O
as tenhamos entregado aos delinquentes segredo de Christie está na argúcia sintética da caracterização
e aos traficantes, mas também aos de personagens e numa escrita de simplicidade espanto-
pedintes e aos sem-abrigo. A cidade samente visual. A “grande literatura” continuará
nocturna e deserta está à nossa espera a desprezá-la. O século XXI continuará
a imitá-la.

C res, por quarteirões iguais. Reparou ve quase tão bem como Ian McEwan.

O caminhante numa folha no asfalto, a prova possível

SAIU DE CASA pelas 8 horas de uma
noite nebulosa de Novembro, lançan-
do-se à rua como um coleccionador
de solidão. O mundo tinha sido obri-
gado a prescindir da cidade nocturna,
e circulava-se apenas por meios me-
cânicos e insondáveis. Proibiram-se
os passeios a pé, porque caminhar era
um gesto de liberdade. Quem anda
sem controlo pelas travessas e aveni-
das da metrópole pode ir a qualquer
sítio: o imprevisto mata a vigília. En-
quanto ia avançando por ruas deser-
tas, geometricamente limpas e des-
providas de vida, reparou na luz inten-
sa e rectangular que emoldurava os
rostos das famílias insones, saída dos
televisores reproduzindo sem pausas
os conselhos do Governo, através de
novo caixilho, o das janelas de aparta-
mentos semelhantes, prédios simila-
da Natureza na pedra. Uma folha tão
folha, pensou.
Este não é um auto-retrato, prosaico
e talvez redutor, durante a Lisboa de
Novembro. É um resumo pessoal de
um dos melhores contos de Ray
Bradbury, The Pedestrian, publicado
em 1951 como comentário alegórico à
Los Angeles dos fifties, já assoberbada
de modernidade e tecnologia, com fios
aranhudos de auto-estradas e carros a
sufocarem o desejo de caminhar sem
rumo – quem foi a LA sabe bem que é
impossível andar a pé pela metrópole.
Era o desenho de uma sociedade dis-
tópica, projectada para meados deste
século, e é difícil ser menos visionário
em quatro páginas (trata-se de um
conto curto mas que se agarra à pele
em duas ou três frases). The Pedestrian
é um dos destaques do livro mais re-
cente de Matthew Beaumont, um pro-
fessor universitário de inglês que escre-
Beaumont dedicou a vida aos corajo-
sos que ainda vagueiam sem rumo pe-
las grandes cidades – sobretudo Lon-
dres – e lançou The Walker: On Fin-
ding and Losing Yourself in the Modern
City (Verso Books) na semana passada.
As cidades, como os gatos, revelam-se
à noite, e é revelador que, ao pôr do sol,
as tenhamos entregado aos delinquen-
tes e aos traficantes, mas também aos
pedintes e aos sem-abrigo que fomos
abandonando na realidade diurna.
Não haveria melhor momento para
lhes atendermos, enquanto povoaría-
mos o silêncio das calçadas, dos largos
passeios, das ruas estreitas como lagar-
tos reluzentes, dos candeeiros públicos
feitos mochos, com a nossa reconstruí-
da alegria, caminhadas aos pares sem
tempo certo, e crianças. A cidade noc-
turna e deserta está à nossa espera. W
Texto escrito segundo
o anterior acordo ortográfico

Na anestesia ge-
ral dos números diários de infecta-
dos, internados e falecidos, como se a meteo-
rologia tivesse sido substituída pela necrologia, conti-
nuamos na escuridão quanto ao verdadeiro retrato da saúde
no País. Há médicos e estatísticos que apontam para cerca de 100
mil pessoas mortas em território nacional entre Janeiro e Outubro de
2020 por enfartes, cancros ou AVC, contra as 3.300 por Covid-19. Nenhuma
das causas de morte frequentes em Portugal são infecto-contagiosas, à excep-
ção da gripe. Mas contextualizar devidamente a incidência deste coronavírus no
quadro geral de óbitos (assinalando por exemplo que quase 97% dos casos recupe-
ram em casa) não é o mesmo que relativizar a pandemia.
C

...PECADORES
Jornalista
Pedro Marta
Santos

81
 Desporto

A
conteceu tudo muito rápi-
do com Teresa Bonvalot:
apenas 2 meses depois de
começar a surfar, com 9
anos, arrecadou a primeira medalha
(ficou em 2º lugar numa prova do
Desporto Escolar). Foi campeã na-
cional com 14 anos e venceu o euro-
peu de juniores com 16. Em 2020,
com as competições internacionais
canceladas, ganhar o campeonato
português foi uma espécie de “pré-
mio de consolação” para a surfista,
que fez 21 anos a 7 de outubro.

Que balanço faz deste ano?

Foi completamente atípico. Estava
na Austrália quando começou toda
esta situação da Covid, que levou
ao cancelamento das provas e nos
obrigou a voltar para casa e a ficar
em quarentena. Ninguém estava
à espera disto. Haver campeonato
nacional [terminou a 17 de outubro]
foi ótimo e superespecial para nós,
surfistas, que pudemos voltar à
competição. Tenho amigas lá fora
que nem uma prova fizeram.
Ganhou o campeonato pela tercei-
ra vez e tem 20 vitórias em etapas
nacionais, estando só a quatro do
recorde de Patrícia Lopes.
Não penso em recordes. O meu
objetivo quando vou para dentro
de água é dar o melhor e conseguir
a vitória. O resto vem atrás.
Com 13 anos ganhou duas etapas
do circuito nacional e com 14 e 15
foi campeã em Portugal. Nessas
alturas pensa-se: “Sou a melhor”?
Entrevista
Sou muito humilde, apesar de ser TERESA BONVALOT
extremamente competitiva e per-
feccionista. Posso ser campeã hoje, Campeã nacional pela terceira vez, a surfista de Cascais fala do seu gosto
mas a seguir quero ganhar outra pelo futebol, dos muitos troféus que guarda em casa e do sonho de ser
vez, por isso nunca tive essa ideia a primeira portuguesa a chegar ao circuito mundial.
de que sou muito boa. Por Carlos Torres (texto) e Alexandre Azevedo (foto)
E como foi ser campeã europeia

“Adoro ficar
de juniores, com 16 e 17 anos?
Ganhei em Sopelana (Espanha) e em
Espinho. Fiquei muito feliz, mas a se-
guir já queria mais. Não sou de olhar

num barco só a
para as conquistas do passado.
Foram as suas maiores vitórias?
Essas e também o Pantín Classic
Galicia, que foi a primeira vitória no

comer e a surfar”
International Open [fora da catego-
ria júnior]. Mas a maior vitória é
sempre aquela que está para vir.
Como começou a ligação ao surf?

82

O meu pai fez kitesurf e windsurf
durante muitos anos e por isso era
normal passarmos o dia na praia.
Eu adorava estar dentro de água
e com 7 anos comecei a fazer
bodyboard com os meus amigos.
Mas eu via os surfistas em pé na
prancha e parecia-me que aquilo
era mais giro. Com a ajuda de um
amigo do meu pai, aí com 9 anos,
experimentei e passei a amar o
surf. Passados dois meses, houve
uma prova de surf no Desporto
Escolar, fui lá experimentar e fiquei
em segundo lugar.
Foi o primeiro de muitos troféus.
Eu andava no atletismo e já tinha
algumas medalhas, por isso fiquei a
pensar que tinha de ganhar a etapa
seguinte, para também conseguir
uma taça, que era o troféu do ven-
cedor. E fiquei mesmo em 1º, mas
naquela prova só atribuíam meda-
lhas, foi uma desilusão. Ganhei
muitas medalhas e outros prémios,
como pratos, mas a primeira taça
foi já com 13 anos, no campeonato
europeu Pro Júnior. Ainda tenho
em casa esses troféus todos.
Antes do surf, praticou outros
desportos?
Sim. Com 9, 10 anos, além do atle-
tismo e do surf, também andava na
vela e no futebol. Adorava futebol
(e ainda adoro), jogava todos os dias
com a minha irmã, mais nova. Che-
gamos a ir para o Malveira da Serra,
perto de nossa casa [Cascais]. Era
uma equipa mista, as únicas rapari-
gas eram eu e a minha irmã. A ques-
tão é que, no primeiro jogo que fize-
mos, houve muita confusão com al-
guns pais, que passavam o tempo
todo a dizer asneiras, e o meu pai
decidiu que se quiséssemos conti-
nuar no futebol, só nos deixava ir
aos treinos. E então acabei por optar
pelo surf, porque estamos no meio
da natureza e temos uma grande
descontração dentro de água.
Tem sido fácil conciliar o surf
com a escola?
Acabei o 12º ano e entrei na facul-
dade, no curso de Gestão Turística,
na escola de Hotelaria do Estoril.
Mas decidi congelar a matrícula
porque agora estou focada a 100%
na carreira, para que o surf seja
a minha profissão. Já é, mas a
ideia é que continue a ser.
E o objetivo é chegar ao circuito
mundial?
Sim, espero ser a primeira portu-
guesa a consegui-lo. Já queria ter
entrado este ano, mas aconteceu a
pandemia, vamos ver se será em
2021, embora ainda haja muita in-
certeza em relação ao calendário
internacional.
O que é que tem faltado?
Penso que é sobretudo experiência.
Quando vou competir com as me-
lhores do mundo, na etapa portu-
guesa [recebeu um wild card pela
primeira vez em 2013, para entrar
na prova do Guincho] dá para ver
que elas têm muito mais experiên-
cia. Para crescer e melhorar é pre-
ciso passar por certas dificuldades,
até por algumas derrotas. É com
os erros que se aprende e que nos
tornamos mais completos. Tento
olhar sempre para os aspetos posi-
tivos e negativos das minhas pres-
tações para estar mais forte na
próxima prova.
Começou a viajar muito nova
para ir participar em provas na
Austrália, EUA, Hawai. Qual foi a
viagem mais marcante?
A primeira viagem que fiz comple-
tamente sozinha, com 14 anos. No
ano anterior tinha estado no Hawai
com o meu pai e dois surfistas, e
depois fui para lá para ficar em
casa de umas pessoas que tínha-
mos conhecido. Ainda apanhei uns
stresses no aeroporto, de repente
percebi que o portão de embarque
já não era aquele, os funcionários
mandavam-me para um lado e
para o outro para fazer o check-in
e eu, com zero experiência, estava
ali perdida. Mas depois lá me de-
senrasquei. E foi ótimo para me-
lhorar o meu inglês, porque é a
falar diariamente que se aprende.
Tem algum sítio preferido para
surfar?
Adoro surfar em Portugal. No es-
trangeiro, Lakey Peak, na Indoné-
sia, tem das melhores ondas. Gosto
imenso daquele espírito de estar
num barco só a viver para entrar
na água, voltar, comer, ir outra vez
para a água. Já fiz isso nas Maldi-
vas, era um grupo de 14 pessoas,
todos portugueses, e estivemos ali
18 NOVEMBRO 2020
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j uma semana a viver 100% para o
Teresa Bonvalot, surf. Agora quero ir fazer isso nas
de 21 anos, foto-
grafada pela SÁ- ilhas de Mentawai, na Indonésia:
BADO na praia ficar uma semana num barco, só
de Carcavelos a surfar, comer e dormir.
E as ondas gigantes da Nazaré.
Gostava de experimentar?
Já lá estive, mas com um mar mais
pequenino. Com o mar muito gran-
de não vou para lá. Aquilo é outro
desporto. É preciso ter muita cora-
gem para estar ali a apanhar aque-
las ondas gigantes, em que num
estalar de dedos levamos com uma
em cima. É estar ali com a morte
por perto, não é para mim.
Qual foi o maior susto no mar?
A pior coisa que me aconteceu foi
quando o chop (fio que prende a
prancha ao pé) se enrolou no meu
pescoço e estava a estrangular-me,
debaixo de água. Mas consegui ti-
rá-lo e foi só um susto.
Alguma vez esteve a surfar perto
de tubarões?
Ídolos
A australiana
Não, pelo menos que me aperce-
besse. Já fui várias vezes à Austrá-
lia, há lá imensos tubarões e tento
Stephanie Gilmo- não pensar nisso. Só o pensar já
re (sete vezes serve para me stressar.
campeã mun- Quantas pranchas tem?
dial) e a havaiana Muitas. Não sei ao certo. Até ainda
Carissa Moore tenho lá guardada a primeira pran-
(quatro) são as cha que comprei, em segunda mão.
surfistas com Normalmente levo seis pranchas
quem mais para as provas. Há certas especifi-
se identifica cidades, e têm de variar conforme
o sítio onde estamos, o tamanho e
a força das ondas. Se só fosse pre-
ciso uma prancha que encaixasse
em todos os tipos de mar, isso faci-
litava o nosso trabalho e o do sha-
per. O meu é australiano e sempre
que lá vou aproveito para experi-
mentar umas pranchas. É impor-
tante ter um shaper focado em nós
e em arranjar a prancha perfeita,
a prancha mágica.
Tem ideia de quanto dinheiro vai
F ser preciso para participar no
“O pior susto circuito mundial de surf?
foi quando o Não, mas não é uma coisa barata.
chop (fio) se Pelo menos 10 ou 15 mil euros?
enrolou no Viajando pelo mundo inteiro, é
meu pescoço muito mais do que isso. Muito mais.
e estava a Num ano podemos fazer 30
estrangular- viagens, que não são baratas. Mas
-me, debaixo acredito que vai ser possível, com
de água” o apoio dos meus patrocinadores. W
83
 Opinião
CORAÇÃO,
CABEÇA E
ESTÔMAGO
Depois de terminar
a carreira de nadador
profissional, Weissmuller
tornou-se modelo de uma
marca de roupa interior
(a BVD) e participou
em várias campanhas
publicitárias que o levaram
a percorrer os Estados
Unidos de ponta a ponta
O metros em menos de um minuto, e
Escritor e sociólogo
João Pedro George
84
O Depois de terminar a carreira de
Johnny
Weissmuller
AINDA A PROPÓSITO do Tarzan e
dos 80 anos do nascimento de Edgar
Rice Burroughs, o criador do “Rei da
Selva”: alguns leitores escreveram-
-me perguntando porque deixei de
fora, em crónicas anteriores, Johnny
Weissmuller, o protagonista de 12
dos 25 filmes da série Tarzan.
Os leitores têm razão. Entre os ac-
tores que perpetuaram a memória
de Tarzan, Johnny Weissmuller é o
mais relevante. E era tão popular que
os Beatles incluíram a sua imagem
na capa do álbum Sgt. Pepper’s Lo-
nely Hearts Club Band (soube-se
mais tarde, pelo autor do desenho,
Peter Blake, que Adolf Hitler era para
ter figurado no conjunto de persona-
lidades escolhidas e que a imagem
do führer da Alemanha Nazi ficou
escondida pela fotografia a preto e
branco de Weissmuller, mesmo atrás
de Ringo Starr).
O meu esquecimento é tanto mais
estranho quando é certo que o nome
de Weissmuller recupera ecos da
minha infância, deflagra em mim um
daqueles processos regressivos que
Marcel Proust descreve no primeiro
volume de Em Busca do Tempo Per-
dido: fecho os olhos e vejo-me em
criança, sentado na plateia do antigo
Cine-Teatro São José, em Cascais,
colado ao Jardim Visconde da Luz
(no edifício onde hoje funciona um
balcão da Caixa Geral de Depósitos),
a assistir, preso de emoção, ao salto
de Weissmuller da Ponte de Brook-
lyn para o East River, que corre entre
Manhattan e Queens.
Antes de se converter em Tarzan (e
num puro produto de Hollywood),
Weissmuller tinha sido campeão
olímpico de natação, conquistara cin-
co medalhas de ouro nos Jogos Olím-
picos de 1924 (Paris) e 1928 (Amester-
dão), um feito até então inédito na-
quele desporto e estabelecera deze-
nas de recordes mundiais, um deles
por ter sido o primeiro a nadar 100
outro por ter concluído a prova de
400 metros abaixo dos cinco minutos.
nadador profissional, Weissmuller
tornou-se modelo de uma marca de
roupa interior (a BVD) e participou
em várias campanhas publicitárias,
que o levaram a percorrer os Estados
Unidos de ponta a ponta. Numa des-
sas viagens, no hotel em que ficara
hospedado, Weissmuller fez amizade
com um rapaz e ensinou-o a nadar.
O rapaz fazia-se sempre acompa-
nhar por dois homens bem vestidos,
de corpanzil enorme e olhares esfín-
gicos. Depois de deixarem o hotel,
alguém deixou na recepção uma en-
comenda para Weissmuller, conten-
do um relógio de pulso (daqueles
que custam uma fortuna) e uma nota
que dizia: “Obrigado por tomar conta
do meu filho. Al Capone.”
Em 1931, na piscina de um clube de
Hollywood, Cyril Hume, argumen-
tista de cinema, vislumbrou o fu-
turo Tarzan no corpo harmo-
nioso de Weissmuller, sem
uma única protuberância an-
ti-estética nos bíceps ou no
abdómen. Weissmuller assi-
naria contrato com a MGM em
Outubro desse ano. Tarzan, the
Ape Man (1931) foi o seu primeiro
filme e aquele em que surge, também
pela primeira vez, o famoso grito
HOoooooOOOOooooo!!!
Contrariamente ao que costuma
acontecer, os filmes com Weiss-
muller são bem melhores do que os
livros de Rice Burroughs. E diferen-
ciam-se destes em vários aspectos:
em vez de culto, poliglota (falava in-
glês, francês, alemão, suaíli, árabe e
língua dos macacos), incongruente e
intelectualmente (como Jekyll e
Hyde), o Tarzan de Weissmuller
quase não abre a boca nos filmes, é

monossilábico, simples e primitivo.
Os únicos sons emitidos pela gar-
ganta de Weissmuller, além dos gri-
tos, são “Ungawa!” (palavra inexis-
tente, que pode significar tudo e o
seu contrário) e “Tarzan, Jane” (à se-
melhança de “Play it again, Sam”,
que Humphrey Bogart nunca pro-
nunciou em Casablanca, também
“Me Tarzan, you Jane” é uma inven-
ção popular).
O Tarzan dos livros de Burroughs
também não possui os dotes fabu-
losos para a natação de Weiss-
muller, nem tem a seu lado uma
amiga chimpanzé, a inesquecível
Chita (e autora de Me Cheeta: The
Autobiography, publicada em
2008 e “traduzida” por James Le-
ver). Depois, a Jane de Burroughs
era do Wisconsin e a dos filmes de
Weissmuller tem sotaque irlandês
(Maureen O’Sullivan).
Nos primeiros filmes em que
Weissmuller contracena com O’Sulli-
van, Tarzan e Jane aparecem quase
nus, apenas com folhas grandes de
árvores tapando as carnes que leva-
ram à expulsão do ser humano do
paraíso. Entre uma aventura e outra,
as cenas da vida doméstica na selva
— nadar nos lagos e riachos, voar de
liana em liana, ou simplesmente des-
cansar, deitados na sua casa da árvore
— abrem caminho para sugestões ou
lânguidas analogias sexuais.
Para não dar azo a contemplações
eróticas, a partir de A Fuga de Tar-
zan (1936), o terceiro filme protago-
nizado por Weissmuller, muita coisa
mudou: como dois burgueses a pas-
sar férias num resort tropical, Tarzan
e Jane vestem fatos de banho e, três
anos depois, em Tarzan Encontra
um Filho (1939), o casal depara-se na
selva com uma criança perdida, que
adoptam (uma Jane grávida inflama-
ria a líbido dos espectadores, que
poriam a imaginar Weissmuller e
O’Sullivan nas correrias da paixão) e
que baptizam com o nome Boy.
Curiosamente, os filmes de Weiss-
muller são mais complexos e inte-
ressantes do que os livros. Além de
hostilizar os negros, Weissmuller
não é menos antipático com os
brancos que visitam a selva, sempre
MISS INÊS suspeitos de malfeitorias. Tarzan
desconfia das suas intenções e dos
18 NOVEMBRO 2020
www.sabado.pt
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seus esquemas, encara-os como ca-
çadores, traficantes de escravos,
contrabandistas e, depois do início
da Segunda Guerra Mundial, são
quase sempre agentes nazis. Recu-
sa-se a ajudá-los a caçar animais
selvagens, quer para fins científicos,
quer para os exibirem na “civiliza-
ção”, por isso lhes destrói as câmaras
de filmar e as armas.
A oposição de Weissmuller em re-
lação a brancos e negros é consis-
tente com a sua defesa contra todas
as agressões externas que poderiam
pôr em perigo o equilíbrio do ecos-
sistema em que vive.
O Tarzan de Weissmuller é sobre-
tudo um amigo dos animais – sente
uma afinidade particular com os
elefantes, que com frequência aco-
dem em massa em seu auxílio, algo
que também não ocorre nos roman-
ces – e representa o ser humano em
harmonia com a natureza. A sua for-
ça e autoridade na selva decorrem
desse amor pelo ambiente natural
que o rodeia.
Quando deixou a selva dos estú-
dios de Hollywood (a selva africana
nunca foi rodada em exteriores) e re-
gressou à civilização urbana, Weiss-
muller passou da glória à miséria.
Cinco dos seus seis casamentos re-
dundaram em divórcio; os negócios
em que se meteu foram todos ruino-
sos, incluindo a empresa de piscinas
que fundou em Chicago; foi defrau-
dado por Bö Roos, o seu gestor fi-
nanceiro (o mesmo que roubou John
Wayne); delapidou a fortuna em ál-
cool; viu-se obrigado a trabalhar
como recepcionista num casino de
Las Vegas (o Caesar’s Palace); foi
perseguido pelas Finanças até ao fim
da vida. Morreu em 1984, vítima de
um edema pulmonar, em Acapulco,
no México.
Tudo isto recorda-me uma coisa
tão simples, ao mesmo tempo que
tão essencial: o Portugal da minha
infância tinha algo de Weissmuller.
E mais não explico. W
Texto escrito segundo
o anterior acordo ortográfico
85
 30 %
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