Você está na página 1de 6

Endereço da página:

https://novaescola.org.br/conteudo/21294/educacao-infantil-como-
organizar-o-espaco-escolar-com-intencionalidade-pedagogica
Publicado em NOVA ESCOLA 12 de Julho | 2022

Educação Infantil

Educação Infantil: como


organizar o espaço escolar
com intencionalidade
pedagógica
Conheça sugestões e dicas de especialistas para que a sala
de referência da criançada seja um lugar de experiências
que contribui para o desenvolvimento e a aprendizagem de
todos
Camila Cecílio

Na EMEI Cleide Rosa Auricchio, em São Caetano do Sul (SP), a professora Camila
Ramos Hungaro organiza diariamente os materiais que serão utilizados nas
atividades do dia com base nas experiências que deseja proporcionar para as
crianças. Foto: Lara Pinho
Antes da pandemia de Covid-19 impor barreiras ao convívio social, geralmente
bastava mostrar uma colher de pau para surpreender os pequenos da turma
de Camila Ramos Hungaro, educadora da EMEI Cleide Rosa Auricchio, em São
Caetano do Sul, região metropolitana de São Paulo.
Na volta às atividades presenciais, Camila observou que objetos como esse,
parte do dia a dia da cozinha de muitos brasileiros, já não representavam uma
grande novidade para a maioria das crianças. Isso porque elas tiveram contato
com materiais domésticos cotidianos no período de isolamento. “Conversamos
muito com as famílias sobre a importância de a criança ter conhecimento do
mundo que a cerca e do valor da vida cotidiana”, diz. No retorno à escola, ela e
suas colegas educadoras da Cleide Rosa notam que essas falas resultaram
mesmo em coisas boas. Responsáveis e familiares envolveram os pequenos na
rotina doméstica e hoje eles têm um conhecimento maior de alguns dos
materiais que são usados na escola também. “Detalhes como esse fazem a
diferença na hora de pensar na organização da sala de referência e dos
materiais disponíveis”, diz Camila.
Para além da colher de pau e de outros objetos de casa e que fazem parte da
cultura brasileira, a sala em que a turma passa boa parte do tempo precisa ter
muitos outros elementos para as crianças. Como organizar, então, esse espaço
com intencionalidade pedagógica? Como fazer com que todos os materiais
estejam dispostos de modo a favorecer o desenvolvimento e a aprendizagem
da meninada?
Antes de responder a essa questão, Gisela Wajskop, pesquisadora e doutora em
Educação e diretora da Escola do Bairro, em São Paulo, explica que é preciso
partir de uma pergunta mais importante: o que o espaço escolar significa?
“Antes de organizar o ambiente, é preciso refletir qual é o projeto pedagógico
da escola e o que se pretende que as crianças aprendam ali.” Segundo ela,
ainda é preciso pensar qual a relação do projeto pedagógico com o meio
ambiente, a arquitetura, os objetos de consumo, os objetos exploratórios, as
propriedades dos objetos, os materiais e as representações culturais.
A intencionalidade pedagógica entra em cena quando se pensa na escolha dos
materiais e dos lugares onde eles serão colocados, seja na própria sala de
referência, nos corredores ou em algum espaço externo da escola. “Tudo que
diz respeito ao espaço e aos materiais tem de ter um propósito. Por exemplo,
provocar, incitar a observação, a experimentação e o brincar, desafiar a
criançada ou convidar a conhecer algo”, explica Karina Rizek, consultora
associada da Avante Educação e Mobilização Social e diretora pedagógica da
Escola Global Me, na capital paulista.
Outro aspecto importante para ser levado em conta é a faixa etária do grupo e
o que se quer desenvolver. Crianças menores, por exemplo, têm a necessidade
de se movimentar mais – estão aprendendo a engatinhar, andar, correr e pular.
Se o espaço estiver cheio de coisas, todos esses movimentos ficam muito
limitados. Seguindo a mesma lógica, considerando que literatura é fundamental
mesmo que os pequenos não sejam leitores autônomos, o contato com os
livros deve ser espontâneo e cotidiano. Ou seja, é preciso ter na sala livros para
que todos possam pegar, manusear, interagir e compartilhar os exemplares
com os colegas.
Evidentemente, a organização do espaço precisa considerar aspectos essenciais
como segurança, acolhimento e autonomia infantil. “Não faz sentido, por
exemplo, deixar tesouras ao alcance dos pequenos de um e dois anos. Já para
os de cinco, as tesouras sem ponta podem ser algo com o que eles já sabem
lidar do começo ao fim – pegar, usar adequadamente e guardar”, observa
Karina. A autonomia, vale reforçar, é uma questão importantíssima quando se
pensa na organização do espaço: o rolo de papel para cada um limpar seu
nariz, o bebedouro ou filtro para pegar água, a pia onde lavam as mãos e o
frasco de álcool gel também têm de ficar ao alcance da turma. Caso contrário, a
mensagem que passamos para os pequenos é que eles são dependentes dos
adultos para coisas básicas.
Karina ainda sustenta que a sala de referência tem de garantir dois princípios
fundamentais: socialização e privacidade. Na prática, isso quer dizer que os
espaços precisam permitir interações em pequenos ou grandes grupos, em
duplas ou trios, e ao mesmo tempo possibilitar às crianças estarem sozinhas,
com privacidade, na hora do sono, por exemplo. “Ao prever essas situações,
vale usar tecidos e móveis para criar ambientes diferentes na mesma sala. Isso
promove também acolhimento”, explica.
O conceito estético na Educação Infantil
Dimensão estética: já ouviu falar? Esse é um dos fatores mais importantes para
levar em conta ao organizar a sala de referência da turma. “Ao cuidar do visual
da sala, garantindo de quebra um espaço bem organizado, ajudo as crianças a
organizarem seus próprios pensamentos e aprendizagens”, diz Camila,
educadora da rede municipal de São Caetano do Sul.
O espaço também ensina, estimula, intriga e, principalmente, encanta. Caixas
organizadoras bem conservadas, dispostas de maneira alinhada e harmônica, e
brinquedos guardados por tipo, separadamente, são características de um local
onde existe a preocupação com o belo para além do “bonito ou feio”. “Se eu
propor uma brincadeira simbólica de cozinha, uma coisa é colocar uma caixa no
centro da sala com várias panelinhas para a turma brincar. Outra coisa
completamente diferente é organizar a sala como se fosse uma cozinha, uma
casa, separando os utensílios de forma organizada, como fazemos em casa ao
pôr a mesa, por exemplo”, conta Camila.
O ideal é romper com a ideia do universo infantilizado, de que as crianças
precisam estar em contato com tudo sempre muito colorido, com personagens
de desenho animado e imagens do mundo midiático. “A escola não pode
organizar os espaços como se fossem buffets de festas infantis”, fala Karina. O
ambiente educacional é um espaço de ampliação dos repertórios, inclusive o
estético. É interessante, então, apresentar para os pequenos o que sabemos
que eles não acessam fora do ambiente da escola, como obras de arte,
concepções e expressões artísticas”, pontua. Isso envolve, inclusive, explorar
cores para além do trio vermelho-amarelo-azul, tão comum no universo
infantilizado. Tons terrosos, pastel e texturas podem proporcionar diferentes
experiências.
Ainda faz parte dos cuidados com a dimensão estética, de acordo com Karina,
valorizar a garatuja, o rabisco, a exploração da massa de cor, o início da
figuração, a mistura de letras com números e figuras que as crianças registram
em produções. “Se exaltamos o protagonismo infantil, precisamos dar lugar
para suas produções”, diz.
No entanto, é importante que muito se reflita sobre a estética ser uma questão
delicada por ter uma determinação de classe, além do fato de que o que é
bonito para um setor pode não ser bonito para outro. “Existe o risco de se
impor a estética branca, europeia, do pequeno burguês, como se isso fosse
sinônimo de belo”, fala Gisela. A discussão sobre a dimensão estética, então,
pode começar tratando do que é essencial estar no espaço, sobre não
acumular lixo nem materiais, por exemplo.
Quando pensamos em um espaço que promova sensações, um ambiente
limpo, aberto, no qual os pequenos tenham acesso, por exemplo, a caixas com
sementes escolhidas intencionalmente, pedaços de tecidos e vidrinhos com
aromas, onde as paredes sejam brancas e convidem a fixar os desenhos e
pinturas da turma, que tenha uma lousa pintada em uma parede inteira que
convide as crianças a pintar, desenhar etc., estamos pensando na dimensão
estética. “O importante é que o sentido estético seja discutido pelos educadores
e que eles consigam enxergar beleza naquilo que estão organizando”, diz
Gisela.
O que é um espaço atrativo?
Cotidianamente, Camila busca romper com os estereótipos da Educação
Infantil. Isso significa que, para além da questão estética, ela está atenta ao que
as crianças expressam no dia a dia, ao que têm acesso em casa. Se o grupo não
gosta muito de brincar de carrinho, por exemplo, a ideia é tentar deixar a
brincadeira mais atrativa. “Penso no que posso oferecer junto com os carrinhos
para que os pequenos passem a gostar também desse brinquedo. Ou o
contrário: se eles gostam muito de carrinho, penso o que posso dar que não
tenham contato e se interessem pelo elemento novo.” Daí surgem decisões
como oferecer carrinhos e blocos de madeira, criar alguma brincadeira com
eles e organizá-los de forma convidativa.
Para além de apostar na diversidade criativa, outro trunfo nas salas de creche e
de pré-escola são os cantos fixos, de faz de conta, leitura, blocos de construção,
atividades plásticas etc. Eles atendem ao princípio de acolhimento – a criança
sabe o que vai encontrar ali. É importante manter uma regularidade de onde as
coisas são guardadas e disponíveis. Isso colabora para que todos desenvolvam
a autonomia e a identidade de grupo. Se o educador muda as coisas de lugar a
todo momento, a criançada acaba tendo de sempre perguntar onde está cada
coisa.
O que toda sala de referência de Educação Infantil
precisa ter
A sala ideal de turmas da Educação Infantil deve ter boa ventilação e iluminação
naturais e móveis abertos e de múltiplo uso, para que possam ser empilhados,
encostados na parede ou reorganizados de maneira que não passem a
mensagem de que a única coisa que se faz em uma sala é ficar sentado
olhando para uma lousa.
Não podem ficar de fora também itens como espelhos, livros, cantinhos de
leitura e de faz de conta, blocos, mesas, almofadas e objetos de materiais
diversos.
Conheça, no infográfico a seguir, os detalhes básicos para organizar a sala de
referência da sua turma:
baixe versão digital

baixe versão para imprimir

9 ideias inspiradoras que fazem a diferença em uma


sala de referência da Educação Infantil
Quando falamos em organizar o espaço na Educação Infantil, os aspectos que
dizem respeito à autonomia, às interações e às brincadeiras têm de promover o
exercício e a garantia dos seis direitos de aprendizagem previstos na Base
Nacional Comum Curricular (BNCC). Em outras palavras, isso quer dizer que o
espaço tem de permitir que as crianças participem, explorem, brinquem,
convivam, se expressem e se conheçam.
Um dos cuidados mais delicados a ser considerado tem a ver com o valor
estético e ético dos materiais. Atualmente, muitas escolas já estão
abandonando o uso do EVA (polímero emborrachado, flexível, com
propriedades adesivas e componentes à prova d'água) e do plástico, pobres
esteticamente e famosos poluidores do meio ambiente. Por outro lado, estão
ganhando cada vez mais espaço elementos da natureza, como pedrinhas,
folhas, galhos, areia, terra de diferentes texturas e cores, madeira, tecidos e
alumínio.
Confira detalhes da sala da turma de Camila, educadora de São Caetano do Sul,
para se inspirar e organizar a sala de referência da sua turma:

Vídeo: https://www.youtube.com/embed/l6FA6-XSHSw

Consultora pedagógica: Nilcileni Brambilla, formadora de professores e autora


do Material Educacional da NOVA ESCOLA.
Esta reportagem faz parte do projeto Recomposição de Aprendizagem na
Educação Infantil. Confira os demais conteúdos realizados em parceria com o
Instituto Chamex.

Você também pode gostar