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Especial

Brincadeiras na
Educação Infantil
Entenda a importância do brincar
para o desenvolvimento das
crianças e confira estratégias
para favorecer essas experiências
Índice
1. Educação Infantil de qualidade
depende de formação continuada
em brincadeiras  .................................... 4
2. Brincar de fazer arte: como ampliar
o lúdico e a criação  ........................... 26
3. Faz de conta: conhecimento que se
constrói brincando  ............................. 42
4. Brincar de construir:
aprendizado em várias fases
do desenvolvimento  .......................... 59
3
1. Educação Infantil de
qualidade depende de
formação continuada
em brincadeiras
Entenda o papel do professor,
o que não pode faltar na pauta
Imagem: Gettyimages

formativa sobre o tema e a


importância de envolver as famílias
em tempos de isolamento social
Victor Santos | 05 de Maio de 2021 4
Quem não é da área pensa que
as crianças pequenas, longe das
exigências do ensino fundamental,
tiveram menos prejuízos com
o fechamento das escolas em
consequência da pandemia.
Só que os primeiros anos de
vida são determinantes para o
desenvolvimento, acendendo um
alerta: isoladas dentro de casa, as
crianças deixaram de interagir e de
conviver em ambientes preparados
para favorecer a aprendizagem.
Na rotina da Educação Infantil,
cada vez mais se valoriza o papel
ativo de bebês e de crianças
pequenas, que conhecem o mundo e
aprendem por meio de explorações
e interações – algo que encontra
espaço nas brincadeiras. Seja em
época de distanciamento social
ou de atividades presenciais, a 5
formação continuada e as reflexões
sobre o tema não podem parar.

Desde as Diretrizes Curriculares


Nacionais para a Educação Infantil
(DCNEI), de 2009, as interações e a
brincadeira são eixos estruturantes
do currículo. Na BNCC dessa etapa,
o brincar é um dos direitos de
aprendizagem, por isso, já faz tempo
que ele se tornou fundamental
nas práticas pedagógicas. Diante
desse cenário a distância, a
intencionalidade e a qualidade das
propostas na Educação Infantil são
desafiadas. “Muitas das questões
pedagógicas ligadas ao brincar
estavam estritamente vinculadas
ao ambiente presencial”, destaca
Alessandra Giriboni de Oliveira,
coordenadora pedagógica na
EMEB Bernardo Pedroso, em São 6
Bernardo do Campo (SP). “Quando
planejávamos brincadeiras ligadas
à imaginação, por exemplo, era
pensando no trabalho coletivo, pois
muitos autores ressaltam a potência
que elas têm para estimular a
conexão entre as crianças”, explica.

Não poder contar com a socialização,


tão característica dessa faixa etária,
dificulta ainda mais o planejamento
de professores e formadores. Se já
era crucial formar equipes escolares
aptas a trabalhar com brincadeiras
no espaço escolar, como consolidar
um trabalho com brincadeiras
remotas, e de quebra, construir
uma parceria com as famílias nesse
processo? Afinal, se na Educação
Infantil, um adulto acompanha o
processo de aprendizagem por
meio de brincadeiras, dentro de 7
casa os familiares, quando muito,
seguem as sugestões enviadas pela
escola. Além disso, as condições
de acesso às tecnologias nem
sempre são favoráveis, inserindo
mais um nó nesse cenário. Para
entender melhor os desafios da
formação para o brincar na Educação
Infantil, NOVA ESCOLA conversou
com três educadoras de escolas
públicas – uma formadora, uma
coordenadora e uma professora –
com ampla atuação nessa área.

A importância do brincar
na Educação Infantil

“O brincar é essencial para o


desenvolvimento físico e mental
de toda criança”, explica Guacyara
Labonia Guerreiro, coordenadora
8
pedagógica da OSCIP (Organização
da Sociedade Civil de Interesse
Público) Mais Diferenças – Educação
e Cultura Inclusivas, formadora na
área de brincadeiras inclusivas. “As
brincadeiras são uma das formas
de se apropriar do mundo que
a cerca.” Segundo a formadora,
essa apropriação ocorre por
muitas formas, como por meio da
fantasia, da imaginação, do criar…
a criança vai rompendo os limites
existentes e experimentando.

A coordenadora Alessandra atenta


para um ponto significativo: “Bebês
e crianças bem pequenas têm
um brincar diferente das crianças
pequenas, a partir de 4 anos. Com
os bebês, o trabalho é mais voltado
à exploração de objetos e ao brincar
interativo com o adulto que está 9
cuidando”. Conforme a criança vai se
desenvolvendo, entra no campo da
brincadeira simbólica – que explora
a imaginação e precisa de regras
estabelecidas para que aconteça.
“Aí, já entrou em um mundo mais
representativo: se conhece o que
o médico faz, pode querer ser um
médico na brincadeira”, explica.
O psicólogo Lev Vygotsky (1896-
1934) já dizia que, brincando, ‘a
criança se torna aquilo que ela
ainda não é’ e isso fica evidente
nos jogos de faz de conta.

Quando um educador forra chão


e paredes de uma sala com
papel kraft, disponibiliza pedaços
de carvão e deixa as crianças
experimentarem livremente,
vai perceber interações com os
materiais e movimentos diversos, 10
expressões, criação, parcerias,
alegria e sujeira. São muitas as
possibilidades de brincar e descobrir,
por isso a oferta de tempo, materiais
e espaço na escola pressupõe
variedade e versatilidade. Guacyara
aponta ganhos de desenvolvimento:
linguagens, expressão, criatividade,
coordenação motora, pensamento
espacial… A lista de habilidades
é tão longa quanto a de possíveis
atividades para se propor em sala.
Há inúmeros jeitos de brincar:
brincar de fazer arte, brincar
de faz de conta e brincar de
construção são apenas alguns
tópicos que detalharemos nas
próximas reportagens de maio no
site de NOVA ESCOLA, ao longo
dessa Trilha de Brincadeiras.

11
Qual o papel e a atuação
do professor no incentivo
ao brincar?

Eliane Regina da Rosa Bergui,


professora no CEI Miosótis em
Joinville (SC), entende, e muito,
de brincadeiras. O projeto Jurassic
Art, desenvolvido por ela e pela
equipe da escola, proporcionou aos
pequenos uma exploração lúdica
com direito a procurar dinossauros e
escavar fósseis, tornando-se finalista
do Prêmio Educador Nota 10 de 2019.
“O professor tem papel fundamental
na hora de incentivar a brincadeira”,
explica a educadora, “principalmente
porque a criança quer mostrar
o que está fazendo. Cabe ao
professor incentivar a criatividade,
a imaginação, e mesmo observar
12
a demonstração de sentimentos
que surge naquele momento”.

A formadora Guacyara também


destaca esse papel-chave. “São
necessárias mediações que vão
fazer a criança pensar e ajudá-la
no processo de desenvolvimento.
E a verdadeira mediação é prestar
atenção no que a criança diz
e ajudá-la a encontrar sentido
justamente no que estiver dizendo –
não há certo e nem errado”, observa
ela. Para que um professor seja
capaz de realizar essas mediações
qualificadas, é necessário que
a escola invista em formações.
“Acredito que, principalmente
depois da BNCC, a maioria das
escolas de educação infantil já
tenha um PPP (Projeto Político-
Pedagógico) com aporte teórico forte 13
em relação ao brincar, então cabe
aos coordenadores investirem e
incentivarem formações nessa área”,
salienta a coordenadora Alessandra.

Ambas concordam que a base de


toda e qualquer formação qualificada
em brincadeiras é a observação.
“O professor precisa pensar na
observação em sala de aula. O que
está acontecendo com a criança?
Brincando com muitos ou poucos?
O que ela gosta de brincar?”, diz
Guacyara. Alessandra acrescenta
que, após essa análise inicial das
brincadeiras e dos interesses do
alunos, “é preciso aprofundar
essas observações e trazer um
referencial teórico para ampliar os
conhecimentos dos professores,
que pode ser discutido em HTPC”.
14
Brincadeiras em tempos
de distanciamento social

Se a questão das brincadeiras na


Educação Infantil envolve tantas
variáveis por si só, as restrições
causadas pela pandemia tornam
as coisas ainda mais complexas.
Como garantir um mínimo de
aprendizagem por meio de
brincadeiras em casa? “Realmente,
os professores precisaram se
reinventar, e descobriu-se que
a comunicação que mais se
chega às famílias é o WhatsApp”,
detalha Guacyara. “Tornou-se
importante pensar em estratégias
como reuniões frequentes com os
familiares, e até mesmo a divisão
em grupos menores de pais para
facilitar o atendimento,” nota ela. A
15
coordenadora Alessandra comenta
que, em sua escola, a questão da
observação das crianças brincando
segue essencial. “Temos trabalhado
com as fotos e os vídeos enviados
pelas famílias. Analisando o material,
identificamos o que as crianças
estavam tentando descobrir naquele
momento. A partir disso nascem
as nossas propostas”, explica.

E quais são os melhores materiais


e elementos para se pensar em
brincadeiras nessa hora? “A equipe
da escola em que trabalho sempre
procurou discutir: ‘será que eles vão
ter esse objeto ou produto em casa?
Que tal trocar esse objeto por outro?’”,
relembra Eliane, que tentou sugerir
elementos da natureza em todas as
suas propostas. Deu certo. “Usamos
muitas pedrinhas, folhas, tintas 16
naturais, areia e sucata. E as crianças
foram brincando, criando desenhos e
formas tridimensionais. Claro que nem
todos retornaram, e que no presencial
dá para explorar bem mais materiais.”
O principal, segundo Guacyara, é
recorrer a itens que todos tenham
em casa ou ainda coisas que não se
compra, como pensar atividades que
explorem a posição do vento na janela,
por exemplo. Entram em cena recursos
acessíveis como cabanas com panos
e lençóis, bolas de meia e painéis
com pedaços de caixa de papelão.

É válido privilegiar brincadeiras


que a criança possa fazer e que
gerem um registro para o educador
(foto, áudio ou vídeo), mas, acima
de tudo, é preciso construir uma
interação bem-sucedida com as
famílias. “É realmente necessário 17
um trabalho de conscientização: os
pais precisam saber o que é uma
brincadeira e que se aprende com
isso, e que vale a pena disponibilizar
panelas e escumadeiras para a
criança brincar”, resume Guacyara.
Ela diz que é fundamental reforçar
a importância de o responsável abrir
o celular e mostrar a professora
para a criança, e enviar, sempre
que possível, um retorno relatando
se a atividade funcionou. Embora
difícil, o período teve seu lado
positivo: a aproximação das famílias
com a escola e, principalmente,
o tempo dedicado aos pequenos.
“Foi bem emocionante receber os
vídeos e fotos encaminhados pelos
pais, com as crianças realizando
essas brincadeiras com a família,
algo que nem sempre faziam”,
conta a professora catarinense. 18
Pauta de formação
em Brincadeiras
Confira as questões que não podem
faltar no planejamento do coordenador
pedagógico

Adulto brincante: Para conseguir


proporcionar ambientes favoráveis
e empolgar as crianças, é preciso
que professoras e professores
passem pela experiência de
brincar (é a chamada homologia
de processos). Por isso, construa
uma formação baseada no fazer e
promova experiências brincantes.

Ampliação de repertório:
Planeje uma formação com base
artística, utilizando diferentes
linguagens, como cinema,
poesia e teatro, para ampliar as
referências dos educadores. 19
Tempo e espaço na Educação
Infantil: Perguntas norteadoras
ajudam os participantes a refletir,
tais como ‘O que é essa organização
do espaço escolar?’ ou ‘Qual a
diferença entre o nosso tempo
e o tempo das crianças?’

Importância do processo: Não é


a finalização ou o resultado da
brincadeira que importa, mas
sim como a criança se preparou
e se organizou e como viveu
a experiência de brincar.

Brincar é para todos: Incentive o


planejamento dos professores com
base na diversificação das propostas,
pensando nas várias formas que a
brincadeira pode ter, invertendo a
lógica da adaptação da atividade
para as crianças com deficiência. 20
Oferta de materiais: Oriente os
educadores para reunir uma vasta
gama de materiais – mesmo que
simples, do cotidiano ou da natureza
– para o trabalho com brincadeiras.

Plano formativo: O papel do


coordenador é instigar os professores
a pesquisarem e observarem suas
crianças, compreenderem a sua
investigação e pensarem em um
plano formativo sobre o brincar
que faça sentido para eles.

Contexto escolar: As formações


precisam levar em conta a realidade
da escola e não apenas apresentar
um referencial teórico, para que
promovam alterações de práticas.

Revisão de planejamento: O
coordenador deve apoiar os 21
professores a sempre rever o
planejamento e não se frustrar
se objetivo da brincadeira não for
atingido; qualquer atividade pode ser
feita novamente e, a cada repetição,
novas experiências surgirão.

Materiais de
apoio à prática

1. Material de apoio Aprender


Juntos, elaborado pelo AvisaLá,
em parceira com o Itaú Social,
composto por “cards” com propostas
lúdicas, vídeos curtos, sugestões e
dicas de brincadeiras que podem
ser enviados para as famílias,
e “cards” para os educadores,
com informações técnicas.

22
2. Caderno Brincar – Volume 2,
editado por Nova Escola, retrata o
projeto de formação sobre práticas
de brincadeiras inclusivas realizado
pela Mais Diferenças junto a
professores e gestores de Escolas
Municipais de Educação Infantil
(EMEIs) em São Paulo, uma iniciativa
da Fundação Grupo Volkswagen.

3. O manual de orientação pedagógica


Brinquedos e Brincadeiras de Creche
foi elaborado pelo MEC, com apoio do
Unicef, e contou com a participação
da professora doutora Tizuko
Morchida Kishimoto, da Faculdade
de Educação da Universidade de
São Paulo (FE-USP), pesquisadora
que é referência no assunto.

23
4. Questões para pensar o brincar
nas creches e escolas de Educação
Infantil no Podcast em movimento
- O brincar: "ponte de esperança"
e de vida – com comentário da
professora Maria Walburga dos
Santos (Universidade Federal
de São Carlos – UFSCAR).

24
Imagem: André Asahida

25
2. Brincar de fazer
arte: como ampliar
o lúdico e a criação
Professoras experientes falam sobre
a intersecção entre as brincadeiras
Imagem: Gettyimages

e a expressão artística das


crianças pequenas, dão sugestões
de materiais e atividades
Camila Cecílio | 12 de Maio de 2021
26
Arnaldo Antunes, músico e
compositor brasileiro, cantou:
“Saiba, todo mundo teve infância/
Maomé já foi criança, Arquimedes,
Buda, Galileu e também você e eu”.
Ao olhar para a letra da canção
Saiba, fica fácil imaginar que as
personalidades citadas brincaram
quando pequenas, não é mesmo?
Afinal, não importa o tempo, o espaço
e as circunstâncias, essa é a ação
principal das crianças. Mas brincar
também se aprende e as experiências
artísticas se ampliam conforme
as oportunidades que os adultos
oferecem. São elas que enriquecem
o cotidiano da Educação Infantil.

“A brincadeira está muito entrelaçada


com os processos artísticos da
criança. Por isso, nessa etapa, não 27
separamos aquilo que é expressivo
e vem da arte do ato de brincar,
porque a expressão da criança
surge da ludicidade”, afirma Lucília
Helena Franzine, diretora da Escola
Grão de Chão, de São Paulo (SP),
e coordenadora de Arte para
de 1 a 6 anos. Ela conta que na
escola, que segue a metodologia
construtivista, baseada nas ideias
de estudiosos como Jean Piaget
(1896-1980) e Lev Vygotsky (1896-
1934), os pequenos estão o tempo
todo vivendo experiências artísticas.
“A criança está brincando e
construindo significados através do
pensamento simbólico-imaginativo,
e se introduz de forma lúdica nos
processos artísticos quando desenha,
canta, conta uma história...”

28
“Tudo isso contribui para acionar
aprendizagens por meio das múltiplas
linguagens, ampliar vocabulário
e repertório e expandir questões
corporais”, acrescenta a professora de
Educação Infantil Lidiane Loiola, hoje
coordenadora da EMEI Julio Alves
Pereira, em Jaraguá, zona oeste de
São Paulo. Com formação em Artes
Visuais, a educadora foi uma das
vencedoras do Prêmio Educador Nota
10 em 2013, com o projeto Paisagem
sonora e exploração musical, em
que levou sua turma de 5 e 6 anos a
explorar sons de forma lúdica, tomar
consciência da paisagem ao redor e
ampliar seu repertório cultural. Para
Lidiane, há infinitas possibilidades
de se fazer isso. “Quando se
trabalha com uma ciranda, por
exemplo, é um repertório; uma
dança circular é outro, e ele se 29
expande ao acrescentarmos obras
de arte com imagens de cirandas
ou canções diferentes”, explica.
Outra vivência marcante foi o dia em
que ela levou a turma para uma visita
ao Museu Lasar Segall, em São Paulo,
dedicado à vida e a obra do pintor
lituano (1891-1957) radicado no Brasil.
“Na época, estávamos trabalhando
com cadernos de desenho, como
o Lasar Segall tinha. Então, a
atividade foi sobre fazer desenhos
do cotidiano”, lembra. A professora
deu um caderno para cada um e eles
podiam desenhar livremente. Ainda
no museu, os pequenos aprenderam
sobre a história do artista admirando
uma apresentação de fantoches.

Durante a pandemia, no entanto, um


dos maiores desafios da Educação
Infantil é manter a rotina brincante. 30
Para Lidiane, o maior deles é a falta
de interação entre as crianças.
Mesmo a escola atendendo de forma
escalonada, em que uma parte
da turma tem aulas presenciais
e a outra, remotas, cada criança
tem seu kit de brinquedos e as
brincadeiras em grupo mal ocorrem.

Tão importante quanto o brincar,


seja na escola ou em casa, é o olhar
do professor para as brincadeiras
e expressões artísticas. “A postura
de olhar para a criança brincando,
dentro da sua expressividade, é
importantíssima porque é quando
ela traz suas emoções mais
íntimas”, avalia Lucília. Atento a
isso, o educador pode entender
melhor a criança, acolhê-la e ajudá-
la a criar outras possibilidades
expressivas e lúdicas. 31
Como todo mundo já brincou na
vida, a experiência lúdica está
mais presente na trajetória dos
professores. O mesmo não vale
para a experiência artística. Uma
forma de aguçar esse olhar é por
meio de formação continuada. “O
interesse dos professores pela
arte é o que movimenta esses
fazeres artísticos”, sustenta. Para
ela, quem não tem contato com
as inúmeras possibilidades de arte
dificilmente conseguirá levar a
prática para o ambiente escolar.

A educadora Lidiane acrescenta


que o professor da Educação
Infantil ainda tende a considerar
apenas as artes visuais na prática
pedagógica quando, na verdade, a
exploração pode – e deve – ir além.
“Na música, por exemplo, muitas 32
vezes o professor coloca apenas
faixas do cotidiano infantil, como
Galinha Pintadinha e outras do
gênero, mas é possível trabalhar
também trilhas contemporâneas,
clássicas e eruditas”, sugere.

Tanto a arte quanto a brincadeira


têm muito para ser explorado,
conforme frisa Lucília. “Além do
campo sensorial e intuitivo que é
estimulado no processo artístico e
no brincar, em algum momento vale
acrescentar algo para complementar
esse fazer lúdico, e é aí que entram
a intencionalidade e o planejamento
do professor”, destaca a especialista.

Há 14 anos, Elaine de Medeiros


Pinto é professora da Educação
Infantil no CMEI Hermann Gmeiner,
na zona oeste de Manaus (AM), 33
uma das 21 escolas brasileiras que
fazem parte do programa Escola
Transformadora. A educadora de
56 anos cresceu na roça e usava a
imaginação para transformar uma
espiga de milho em boneca, uma
das experiências determinantes
para o trabalho que desenvolve
hoje com sua turma de 3 a 5 anos.

Elaine adora dançar e cantar, o


que vivencia também no ambiente
escolar. “Acredito que as crianças
sejam a própria arte, o próprio
movimento. Então, quando elas se
jogam, eu me jogo também. Em
sala, me sinto criança também”,
brinca. Mas não só de dança e
canto se baseiam as brincadeiras
propostas pela professora. Por
conta da pandemia, a escola segue
com o ensino remoto e, para 34
aliviar a saudade dos alunos da
escola, Elaine e outros educadores
propuseram aos pequenos a criação
de jamaxis, espécie de bolsa usada
por povos indígenas, seringueiros
e ribeirinhos, com materiais para
brincadeiras e atividades.

“O objetivo é levar a escola para


dentro da casa deles por meio do
que colocamos dentro da jamaxi,
como sementes, vagens, gravetos,
folhas, tudo colhido no quintal do
CMEI”, explica Elaine. Com esse kit,
renovado semanalmente, os alunos
têm a possibilidade de criar todo
o tipo de arte: desenhos, pinturas,
gravuras, tintas de pigmentação
natural e também inventam
histórias, batucam e dançam com
os itens enviados. Gabriela Riker
Sousa, coordenadora do CMEI, diz 35
que as jamaxis refletem como o
brincar aguça o desenvolvimento
criativo dos pequenos e o contato
com a arte. “Eles conhecem mais
sobre o grafismo e a cultura
indígena, mas não só. As criações
feitas com as jamaxis envolvem
reaproveitamento de materiais
como garrafas pet e embalagens
longa vida, além da exploração dos
elementos da natureza”, conta.

36
Para sensibilização
artística
Confira sugestões de atividades
que podem ser realizadas tanto no
espaço da escola quanto em casa

1. Criação de tinta com


pigmentos naturais
Utilizando café, açafrão, urucum,
beterraba, cenoura, espinafre
etc., proponha investigar
alimentos in natura ou sementes
que, trituradas e misturadas
com água (e quem quiser com
cola também), possibilitem a
descoberta de novas cores e
texturas para as pinturas.

2. 
Arte com elementos da natureza
Com elementos naturais
coletados nos espaços da
37
escola ou da casa (folhas,
galhos, flores e sementes),
as crianças podem brincar
de desenhar, organizando
espacialmente os elementos
naturais no chão. No fim
da atividade, peça para
que recolham e guardem
os materiais para serem
usados em outro dia. A
coleção pode crescer e, a
cada dia, ficar mais rica.

3. Brincadeiras sensoriais
A ideia é pegar saquinhos
transparentes (resistentes)
e colocar dentro um pouco
de arroz, água e anilina.
Sugira que, como o saquinho
fechado, a criança passe a
mão para misturar bem a
anilina com o arroz. Esse 38
procedimento de tatear é
muito prazeroso. Depois,
com o arroz tingido e seco é
possível fazer lindas colagens.

4. 
Brincadeira de luz e sombra
Proponha que a criança
direcione uma fonte de luz
(lanterna ou abajur) para a
parede e brinque de fazer
sombra com as mãos ou o
corpo. Ao cobrir a lanterna com
papel celofane colorido, a luz
ganha cor e outra pesquisa
se inicia. Criativamente,
outros materiais podem ser
acrescentados na brincadeira,
como um lençol pendurado para
criar um teatro de sombras.

5. Para produzir sons


Tubos de papelão, latinhas, 39
potes com sementes,
tampas de panela e outros
são instrumentos e objetos
que podem produzir sons.
Aqui, a sugestão é fazer uma
cesta e deixar que a criança
explore cada um deles.

40
Imagem:André Asahida

41
3. Faz de conta:
conhecimento que
se constrói brincando
Com imaginação e ação, as crianças
Imagem: Gettyimages

se expressam em relação ao mundo


que as cerca – e o professor tem
papel central nessa atividade
Victor Santos | 19 de Maio de 2021
42
Passar a tarde brincando de escolinha
ou de casinha, ou até propor ao
amigo: ‘finge que você é um cachorro
e eu sou um gato’. Em tempos
presenciais, o Instituto Pró-Saber
SP, organização da sociedade civil
que funciona na comunidade de
Paraisópolis, na capital paulista, tinha
crianças brincando por toda parte. “A
gente percebe que são oportunidades
que elas têm para experimentar e
ser um pouquinho de cada coisa. No
fundo, toda brincadeira envolve um
faz de conta, uma imaginação, uma
criação por trás”, diz a coordenadora
pedagógica Fernanda Renner. O local
tem como eixo estruturante o direito
à leitura e ao brincar para contribuir
com o fim das desigualdades sociais.

Quando observamos esse cenário


cotidiano em casa e nas escolas, 43
identificamos uma certa ‘onipresença’
do faz de conta – mas isso não quer
dizer que lidar com a temática é
simples. Pelo contrário: se por um
lado esses jogos simbólicos envolvem
muita espontaneidade por parte dos
pequenos, por outro, o professor tem
um papel-chave na consolidação
dessas brincadeiras. Para saber mais,
NOVA ESCOLA ouviu três educadoras
em busca de entender a função do
faz de conta na Educação Infantil, e
as melhores estratégias para conduzir
um trabalho pedagógico de qualidade,
mesmo em tempos de pandemia.

Antes de focar no faz de conta, é


válido traçar um rápido panorama
sobre o papel das brincadeiras
na formação dos pequenos. “As
brincadeiras, no geral, possibilitam
que as crianças construam os seus 44
conhecimentos e suas hipóteses,
elaborem perguntas e estabeleçam
significados para o que ocorre na
escola e fora dela”, sintetiza Elaine
Lindolfo, formadora de professores
na Elos Educacional e professora
da EMEB Hygino Baptista de
Lima, em São Bernardo do Campo
(SP), com 32 anos de atuação na
educação pública do município. O
faz de conta permite experimentar
o mundo cotidiano por meio das
brincadeiras. Durante a ação, as
crianças mostram o que conhecem,
o que não conhecem, suas dúvidas
e ideias. O faz de conta envolve
todo um jogo dramático. “Nele, as
crianças experimentam diferentes
papéis ao longo da brincadeira, e
com isso, elaboram o pensamento e
utilizam-se de linguagens, para enfim
demonstrar as coisas que vivenciam, 45
acreditam, e o que gostariam
de aprender”, detalha Elaine.
Gisela Wajskop, doutora em
Educação, especialista nas relações
entre o brincar e a Educação
Infantil e idealizadora da Escola
do Bairro, explica que por mais
que as crianças se inspirem nos
seus entornos, não se trata de
uma imitação literal da realidade.
“Elas não brincam porque veem,
elas brincam porque imaginam”,
destaca a educadora, “como diria Lev
Vygotsky (1896-1934): ‘a brincadeira
é uma imagem em ação’. E como as
aprendizagens acontecem na prática?
A coordenadora Fernanda gosta
de exemplificar com o brincar de
casinha, tão usual entre os pequenos.
“Nessa brincadeira é interessante
observar que as crianças buscam
reconstruir o cotidiano que vivem 46
em casa, como quando ‘interpretam’
a mãe que está longe, e que as
deixa na escola para ir trabalhar”,
comenta a profissional do Pró-
Saber SP, “então elas pensam ‘agora
eu sou a mãe, não sou a filha que
tem saudade’. Assim, ao longo da
experimentação, entendem essa
falta, essa saudade que sentem
da mãe, e até compreendem
os tempos da rotina dela”.

E por falar em saudade, é


fundamental ter em mente o papel
do faz de conta nas questões
sentimentais da criança. “Ela revela
o que pensa, seus sentimentos
e emoções quando brinca dessa
forma. É um jeito de se expressar”,
aponta Fernanda, “e mais do que
nunca, é nesse momento que
consegue extravasar. Dar espaço 47
e tempo para isso é um jeito de
cuidar da sua saúde emocional”.

O professor-mediador do
faz de conta

A observação atenta, o olhar


intencional e a escuta respeitosa
norteiam a prática docente na
Educação Infantil. Por isso, cabe ao
professor atuar como mediador das
ações e das brincadeiras. “Desse
modo o educador possibilita a criação
de experiências e de convivências,
que permitem que as crianças
avancem nos seus processos de
aprendizagem e de construção de
conhecimento”, ressalta a professora
e formadora Elaine. Esse trabalho
envolve inúmeras etapas, sendo uma
das mais importantes a organização
espacial, conforme explica a 48
especialista Gisela. “É papel do
professor dar oportunidade para a
exploração de objetos, por exemplo.
É preciso criar um espaço no qual
esse brincar seja possível, com várias
estações e ambientes que possam
ser explorados e modificados”.

A professora Elaine detalha possíveis


caminhos nessa hora. “Dá para
organizar uma variedade de opções,
e nem precisam ser brinquedos.
Kits de cabeleireiro, com pentes,
escovas, bobes, presilhas, espelhos,
gel, ajudam as crianças a lidar
com os diferentes tipos de cabelo
e belezas específicas”, explica.
Outra alternativa, que sempre
funcionou para Elaine, e que ganha
novos contornos na pandemia, é
o kit médico, com a reprodução
de seringas, ampolas, caixas de 49
remédio, avental, luvas, máscaras,
jalecos e mesmo cadeirinhas
compondo uma sala de recepção,
com as crianças e bebês (bonecas)
de colo simulando a espera pelo
atendimento. As fantasias também
alimentam o faz de conta – e não
apenas as tradicionais e estruturadas,
como as de reis e princesas. “Lá no
Pró-Saber SP, oferecemos tecidos,
panos para fazer amarração, e
acessórios não tão estruturados
para que a criança possa criar”,
comenta a coordenadora Fernanda.

O contexto decorrente do ensino


remoto desafiou as educadoras,
assim como todos os que trabalham
com Educação Infantil. Para não
deixar que o faz de conta se
perdesse, elas foram unânimes
em reforçar o quanto foi essencial 50
consolidar uma parceria com as
famílias em meio à pandemia.
“Tivemos que identificar as
possibilidades dos familiares
em suas casas, observar o que
havia disponível, e então oferecer
atividades que fizessem sentido”,
resume a professora Elaine. Para
isso, lançaram mão do WhatsApp
e de seus recursos, como listas
de transmissão, grupos e mesmo
conversas individuais. “Cada
educador enviava conteúdos
diariamente, como leituras e
vídeos com brincadeiras possíveis
para serem feitas com as pessoas
que moravam em casa”, recorda
Fernanda, do Pró-Saber SP, “mais
adiante, conseguimos estabelecer
chamadas ao vivo com algumas das
crianças; por elas, puxávamos muita
brincadeira cantada, parlendas, 51
versos, quadrilhas, músicas rimadas…
e essas são brincadeiras verbais que
envolvem bastante o faz de conta”.

Elaine acrescenta que, com sua


turma de São Bernardo do Campo
e as famílias, estimulou o faz de
conta com diferentes perspectivas,
entre elas, o olhar para elementos
da natureza, como pedrinhas, flores
e folhagens, e ainda um trabalho
com materiais não estruturados.
“Já tem um certo tempo que
pensamos que lidar com objetos
do cotidiano possibilita relações
muito mais interessantes com a
brincadeira, como por exemplo,
mexer com panelas, tampas e
colheres de verdade”, indica a
professora e formadora. Dá para
brincar de faz de conta ‘lavando
louça’ em casa, no ensino remoto 52
e com a própria louça – desde que
com objetos seguros. “Ao brincar
com elementos do seu dia a dia, as
crianças elaboram saídas sociais
para dilemas e problemas que a
humanidade vivencia. E isso é de uma
beleza inigualável”, conclui Elaine.

53
O brincar de faz
de conta e a BNCC
de Educação Infantil
A BNCC estabelece seis direitos de
aprendizagem para bebês e crianças
de 0 a 5 anos (Conviver, Brincar,
Participar, Explorar, Expressar e
Conhecer-se) – e eles podem ser
diretamente relacionados ao brincar
de faz de conta. A professora Elaine
Lindolfo detalha essa correlação:

Conviver: as brincadeiras de faz de


conta se dão por agrupamentos,
exercitando a convivência, as relações
e interações, que são habilidades
sociais importantes da vida em grupo
Brincar: a oportunidade de brincar
colabora no desenvolvimento da

54
própria personalidade e da habilidade
de comunicação e interação
Participar: aparece bastante no faz
de conta, já que a criança se envolve
com as brincadeiras e se torna
protagonista do processo em si

Explorar: enquanto se envolve


no jogo simbólico, a criança
constrói conceitos, pensa em
conhecimentos e tem atitudes
de pesquisador ou explorador

Expressar: habilidade fundamental,


ela é possibilitada pelo faz de
conta, seja pela expressão de
sentimentos ou pelo aprendizado
da linguagem do dia a dia, como
brincar de cliente em uma padaria

55
e perguntar: ‘quanto custa?’
Conhecer-se: um dos principais dos
principais direitos consolidados pelo
faz de conta – o de se (re)conhecer,
de valorizar e respeitar o outro e de
se desenvolver enquanto ser social.

O mundo da leitura
e o faz de conta

Os livros são importantes aliados


nesse processo de fortalecer e
mediar brincadeiras de faz de conta,
mesmo à distância. “Leitura literária
de alta qualidade é uma estratégia
fundamental para estimular o faz
de conta”, destaca a educadora
Gisela Wajskop, “especialmente
quando os textos servem de apoio
para explorar conflitos ou criar
cenários que permitam brincar.” 56
Entre as muitas obras possíveis
e presentes no dia a dia dos
professores de Educação Infantil,
a professora Elaine Lindolfo
selecionou quatro indicações:
Bruxa, Bruxa, Venha à Minha Festa
(Arden Druce, Editora Brinque-
Book), Amoras (Emicida, Editora
Companhia das Letrinhas), Sinto o
que Sinto e a Incrível História de
Asta e Jaser (Lázaro Ramos, Editora
Carochinha) e O Caso do Bolinho
(Tatiana Belinky, Editora Moderna).

57
Imagem: André Asahida

58
4. Brincar de
construir:
aprendizado em
várias fases do
desenvolvimento
Oferecer materiais diversos
Imagem: Gettyimages

estimula a criatividade e o raciocínio


lógico de crianças desde o berçário
Paula Salas | 26 de Maio de 2021

59
Para uma criança, um buraco no pátio
pode ser o início de uma brincadeira.
Na Escola Municipal de Educação
Infantil Globo do Sol, na zona leste
de São Paulo (SP), um vão na mureta
se tornou uma panela e, em torno
dele, criou-se uma cozinha. Caixas
viraram armários e mesa para sentar,
um graveto serve como colher, a
terra misturada com água já resulta
na massa de bolo, e folhas secas
e sementes são a decoração.

Para dar vida à sua visão, os


pequenos transformam os materiais
disponíveis e montam todo o
ambiente da brincadeira. "A criança
cria com materiais não estruturados.
Constrói objetos e uma história.
É um jogo simbólico que parte da
construção", explica Marta Parisi,
professora de crianças pequenas 60
na instituição. Para a educadora,
os materiais não estruturados e os
elementos da natureza são os mais
ricos para incentivar a criatividade
das crianças, pois oferecem mais
possibilidades para os pequenos.

A criatividade e desejo de construir é


algo que surge de forma espontânea
nas crianças. "Crianças na primeira
infância têm um fascínio pela
capacidade de construir", afirma
Soraia Chung Saura, pesquisadora do
Território do Brincar. “É um desejo
que vem de dentro e incentivado pelo
ambiente. Ela vê peças soltas e faz
a construção. Ela tem referências
de vivências e de observação das
pessoas ao seu entorno, mas
a criação vem de dentro dela”,
afirma a especialista. Para ela, as
brincadeiras de construir estão 61
presentes de alguma forma em todas
as atividades. "Todas têm um pouco
de construção. São objetos dispersos
que ao serem reunidos adquirem uma
outra forma e significado", afirma a
especialista. Ela diz que mesmo com
um brinquedo estruturado é possível
fazer isso. Os pequenos podem
desmontá-los para criar outra coisa.

Brincar de construção permite que


as crianças se desenvolvam dentro
dos cinco campos de experiências
colocados pela Base Nacional
Comum Curricular. "Elas aprendem
todas as linguagens", afirma Marta.
A professora explica que aprendem,
por exemplo, noções matemáticas
quando tentam criar um prédio
com embalagens de tamanhos
variados. "Elas vão testando e
comparando o tamanho das caixas", 62
explica a educadora paulistana.
Também desenvolvem habilidades
comunicacionais e de cooperação,
pois para construir uma torre,
conversam e trocam estratégias
para definir a sequência das caixas
que deixarão a estrutura em pé.
Nesse processo, elas precisam
buscar soluções para os problemas,
estruturar hipóteses e argumentar.

Construir e montar também


possibilita o desenvolvimento
do raciocínio lógico ao fazer
investigações e solucionar problemas.
Para ilustrar, Denise de Oliveira,
professora na Escola Municipal de
Educação Infantil Érico Veríssimo,
em Porto Alegre (RS), lembra de
uma menina que começou a criar
caminhos usando tubos de papel
higiênico e toalha de diferentes 63
tamanhos. "Ela testava o que entrava
e o que não. Percebeu que não
entrava, mas que do outro lado
também era aberto e tentava de novo.
Não descansou até entender", conta
a professora. No caso dos bebês, o
manuseio desses materiais também
desenvolve habilidades motoras.
"Ele trabalha o movimento de pinça,
algo que vai usar para desenhar
e escrever", diz a educadora.

Como elas constroem?


Existem muitas possibilidades
de brincadeiras de construir,
algumas delas são:

• Construção de brinquedos
(pipas, bonecas ou um
carrinho de garrafa pet)
• Criação do espaço e elementos 64
para um faz de conta (por
exemplo, construir uma
cozinha ou uma casinha para
criar um jogo simbólico)
• Montagem de cabanas, túneis,
cavernas ou de uma rede
• Brincadeiras de empilhar
usando blocos, caixas, potes
e almofadas de espuma
• Construções dentro da caixa de
areia usando baldes e água
• Uso de cordas e elásticos
para criar circuitos
• Montar pistas e circuitos usando
tubos de papel toalha e higiênico
de diferentes tamanhos
• Criar instrumentos musicais usando
materiais não-estruturados

Qualquer uma das atividades listada


acima é possível com todas as
idades. A diferença é que crianças 65
maiores conseguem fazer objetos e
brincadeiras mais elaboradas. “No
início elas não têm tanta criatividade,
mas vão evoluindo. Crianças de
5 anos já constroem mais rápido
brinquedos mais estruturados e
detalhados. É impressionante”,
relata Marta. "Quando oferecemos
materiais para os bebês eles já
conseguem organizar sua brincadeira",
diz Denise. A professora conta que
brincam com blocos de madeira de
diferentes formatos e tamanhos e
se divertem na hora de empilhar.
"Colocam um em cima do outro
até a altura que podem", explica.

66
A sutil e crucial escolha
dos materiais
Dentro das experiências oferecidas
para as crianças é importante ter
diversidade de materiais. No entanto,
as professoras são unânimes:
os brinquedos estruturados não
engajam tanto as crianças. "Eles
já vêm prontos para brincar. Eu
gosto de trabalhar com caixas,
argolas, tampinhas, potes [isto
é, materiais não-estruturados],
pois elas podem experimentar, o
que dá para construir, o que cabe
e o que não", explica Denise.

Além dos momentos em que o


aluno explora o ambiente externo e
encontra elementos da natureza para
aquilo que precisa, também há um
67
trabalho importante do educador de
selecionar e colocar à disposição uma
variedade de materiais estruturados e
não-estruturados. Para planejar essa
escolha, o professor precisa definir a
intencionalidade pedagógica por trás
da atividade. "Eu tenho um objetivo
principal, ofereço os materiais e
deixo que eles explorem bastante.
Depois vou colocando desafios para
que eles avancem", compartilha
Marta. Para escolher seus objetivos,
é possível utilizar documentos
norteadores como a BNCC e o
currículo adotado pela rede.

Para incentivar a brincadeira de


construir, vale a pena disponibilizar
materiais e criar espaços
convidativos, mas sem que isso
se torne uma imposição. "É uma
forma de respeitar quem não 68
quer brincar. Se coloco o bebê
sentado numa cadeira e molho
a mão dele na tinta, não estou
dando uma escolha. Mas costumo
disponibilizar os materiais e vai
quem tem interesse", afirma Denise.

No caso da professora, sua turma


já sabe que quando ela coloca
o tapete laranja vai encontrar
diferentes materiais para brincar.
“Quando organizamos esse espaço,
ele tem que se sentir encantado
por participar”, afirma Denise.
Essa escolha – se quer participar
ou não ou quais objetos vai
pegar – também é uma forma de
desenvolver a autonomia. Não tem
como prever a forma de brincar
das crianças. Por isso, é necessário
ter abertura, observar atentamente
para perceber novas oportunidades 69
de aprendizagem e registrar para
analisar posteriormente a experiência.

Brincando de construir
cabanas, cavernas
e túneis
A professora Marta dispõe de um
conjunto de tecidos de diferentes
texturas e cores. À primeira vista
pode parecer que o único caminho
são as cabanas, mas é um material
muito versátil. "Ele vira cabelo,
vestido e até rede para se balançar",
conta a educadora. Essas estruturas
podem ser preparadas pelas
professoras para alguma proposta
ou ser construídas pelas próprias
crianças – segundo Denise, a partir
de 1 ano as crianças já conseguem
montar. Quando necessário, pedem
ajuda do professor para algo que não 70
conseguem sozinhos. Mas elas vão
dando instruções sobre onde amarrar
e como fazer. "Eles vão sugerindo e
nem sempre dá certo. Às vezes não
fica esticado ou fica baixo o teto e
eles precisam entender por que não
funcionou, onde precisa amarrar para
ajustar", explica a educadora Marta.

Essas cabanas se tornam um espaço


para uma contação de histórias
ou brincar de casinha, de faz de
conta dentro dessa estrutura. Se
for possível, esse espaço pode
ficar montado por um tempo. “Tem
que fazer sempre. A repetição é
importante. Ela pode ficar lá, renovar
o interesse e render muitos dias”,
afirma Soraia. Na sala de Denise, ela
fica dias no canto para quando os
bebês tiverem interesse em brincar.
Na EMEI Globo do Sol parte das 71
crianças já retornou presencialmente.
"Não podemos usar tecidos,
porque teriam que ser lavados
constantemente. As salas têm jogos
de montar e outros brinquedos e
materiais que temos que borrifar
álcool toda vez que usam", conta
Marta. No caso de Denise, todos
os objetos da sala foram retirados
e os bebês recebem kits para uso
individual. Para quem está em casa,
as brincadeiras de construção
são uma boa opção. "Exploração
de materiais não-estruturados foi
o nosso carro-chefe durante as
atividades remotas”, afirma Marta.
Ela conta que eles compartilhavam
com as famílias fotos dos materiais
e do passo a passo, e a explicação
do objetivo da proposta.

Na pesquisa Brincar em Casa, 72


desenvolvida pelo Território do
Brincar em parceria com o Instituto
Alana, Soraia teve a oportunidade
de investigar as transformações
da forma de brincar em casa. Um
dos aspectos interessantes é que
cada cômodo tem tipos de brincar
- inclusive quando as famílias
vivem em um único espaço sem
delimitação física. "Em diferentes
ambientes, a construção acontece
do jeito que se pode e com o que
se tem. As crianças têm esse olhar
criativo para ressignificar os espaços
e os objetos", afirma Soraia.

73
A Teoria das
Peças Soltas
e o desenvolvimento
criativo

No início da década de 1970,


o arquiteto britânico Simon
Nicholson (1934-1990) desenvolveu
a Teoria das Peças Soltas. Ela
defende que os materiais que as
crianças podem mover, interagir,
transformar e construir oferecem
mais oportunidades para os
pequenos serem criativos. Dentro
dessa classificação entraram itens
que conhecemos como materiais
não estruturados: botões, pedras,
rolhas, tampinha de garrafa,
palitos de sorvete, elementos
da natureza, entre outros.
74
Para incentivar a curiosidade,
Simon defendia que espaços
educativos deveriam ser ricos em
peças soltas, pois elas convidam
a criança a experimentar, inventar,
manipular, construir e brincar.
Essas peças são utilizadas para
preparar um cantinho de atividade.
O professor (ou a família) reúne
esses materiais em grupos e os
disponibiliza para as crianças. O
papel delas é pensar em formas
de usar aqueles objetos. Neste
vídeo você poderá entender como
acontece a teoria na prática e como
ela pode estimular a criatividade.

75
5 planos de atividade
para usar com as
crianças

Em Nova Escola temos mais de 450


sugestões de atividades para toda
a Educação Infantil que podem ser
utilizadas na escola ou adaptadas
para o trabalho remoto. Para ajudar
você, selecionamos 5 propostas
de brincadeiras de construir:

Brincadeiras nas cabanas (bebês)


Com itens que as crianças usam
para dormir (travesseiros, almofadas,
pelúcias, etc) e tecidos, crie cabanas
para que os pequenos explorem.
Dentro de cada uma delas, serão
oferecidas atividades diferentes.

76
Livre escolha e construção
(crianças bem pequenas)
A proposta desta atividade é que
os pequenos utilizem materiais
de largo alcance para criar
brinquedos e cenários para suas
brincadeiras. Devem ser ofertadas
mais de uma possibilidade de
criação para que escolham aquela
que mais chama atenção.

Experimentos de equilíbrio
com materiais de largo alcance
(crianças pequenas)
Nesta atividade, as crianças
colocam a gravidade à prova. Elas
utilizam materiais não estruturados
para erguer construções, sejam
elas pirâmides ou altas torres.

77
Construção de circuito com as
famílias (crianças bem pequenas)
Convide as famílias a participarem
de uma construção de circuitos
com diversos obstáculos e
desafios utilizando materiais
simples. Por já envolver os pais e
responsáveis, essa proposta pode
facilmente ser adaptada para ser
realizada durante o isolamento.

Criando brincadeiras com materiais


de largo alcance (crianças pequenas)
Nesta atividade são ofertados
materiais diversificados que as
crianças não encontram normalmente
no pátio da escola como, por
exemplo, caixotes de madeira ou
plástico, tábuas, pneus, tijolos, canos
de PVC, caixas de papelão grandes,
tocos de madeira, bobinas grandes,
pedaços de conduítes, entre outros. 78
Imagem:André Asahida
Edição
Maggi Krause

Texto
Victor Santos, Camila
Cecílio e Paula Salas

Diagramação
Tiago Araujo

Ilustrações
André Asahida

N ov a e s c o l a • 2 0 2 1 80

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