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pedagogica-educacao-infantil-de-qualidade-depende-de-formacao-continuada

Publicado em NOVA ESCOLA 05 de Maio | 2021

Trilha Brincadeiras

Coordenação pedagógica:
Educação Infantil de qualidade
depende de formação continuada
em brincadeiras
Entenda o papel do professor, o que não pode faltar na pauta formativa
sobre o tema e a importância de envolver as famílias em tempos de
isolamento social
Victor Santos

Crédito: Getty Images

Quem não é da área pensa que as crianças pequenas, longe das exigências do ensino fundamental,
tiveram menos prejuízos com o fechamento das escolas em consequência da pandemia. Só que os
primeiros anos de vida são determinantes para o desenvolvimento, acendendo um alerta: isoladas
dentro de casa, as crianças deixaram de interagir e de conviver em ambientes preparados para
favorecer a aprendizagem. Na rotina da Educação Infantil, cada vez mais se valoriza o papel ativo de
bebês e de crianças pequenas, que conhecem o mundo e aprendem por meio de explorações e
interações – algo que encontra espaço nas brincadeiras. Seja em época de distanciamento social ou
de atividades presenciais, a formação continuada e as reflexões sobre o tema não podem parar.

Desde as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI), de 2009, as interações e a
brincadeira são eixos estruturantes do currículo. Na BNCC dessa etapa, o brincar é um dos direitos de
aprendizagem, por isso, já faz tempo que ele se tornou fundamental nas práticas pedagógicas. Diante
desse cenário a distância, a intencionalidade e a qualidade das propostas na Educação Infantil são
desafiadas. “Muitas das questões pedagógicas ligadas ao brincar estavam estritamente vinculadas ao
ambiente presencial”, destaca Alessandra Giriboni de Oliveira, coordenadora pedagógica na EMEB
Bernardo Pedroso, em São Bernardo do Campo (SP). “Quando planejávamos brincadeiras ligadas à
imaginação, por exemplo, era pensando no trabalho coletivo, pois muitos autores ressaltam a
potência que elas têm para estimular a conexão entre as crianças”, explica.

Não poder contar com a socialização, tão característica dessa faixa etária, dificulta ainda mais o
planejamento de professores e formadores. Se já era crucial formar equipes escolares aptas a
trabalhar com brincadeiras no espaço escolar, como consolidar um trabalho com brincadeiras
remotas, e de quebra, construir uma parceria com as famílias nesse processo? Afinal, se na Educação
Infantil, um adulto acompanha o processo de aprendizagem por meio de brincadeiras, dentro de casa
os familiares, quando muito, seguem as sugestões enviadas pela escola. Além disso, as condições de
acesso às tecnologias nem sempre são favoráveis, inserindo mais um nó nesse cenário. Para entender
melhor os desafios da formação para o brincar na Educação Infantil, NOVA ESCOLA conversou com
três educadoras de escolas públicas – uma formadora, uma coordenadora e uma professora – com
ampla atuação nessa área.

BNCC de Educação Infantil: os pequenos no centro


Confira conteúdos com reflexões que vão auxiliar você a entender a BNCC e traduzir as orientações
desse documento para o dia a dia das creches e pré-escolas

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A importância do brincar na Educação Infantil

“O brincar é essencial para o desenvolvimento físico e mental de toda criança”, explica Guacyara
Labonia Guerreiro, coordenadora pedagógica da OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse
Público) Mais Diferenças – Educação e Cultura Inclusivas, formadora na área de brincadeiras
inclusivas. “As brincadeiras são uma das formas de se apropriar do mundo que a cerca.” Segundo a
formadora, essa apropriação ocorre por muitas formas, como por meio da fantasia, da imaginação,
do criar… a criança vai rompendo os limites existentes e experimentando.

A coordenadora Alessandra atenta para um ponto significativo: “Bebês e crianças bem pequenas têm
um brincar diferente das crianças pequenas, a partir de 4 anos. Com os bebês, o trabalho é mais
voltado à exploração de objetos e ao brincar interativo com o adulto que está cuidando”. Conforme a
criança vai se desenvolvendo, entra no campo da brincadeira simbólica – que explora a imaginação e
precisa de regras estabelecidas para que aconteça. “Aí, já entrou em um mundo mais representativo:
se conhece o que o médico faz, pode querer ser um médico na brincadeira”, explica. O psicólogo Lev
Vygotsky (1896-1934) já dizia que, brincando, ‘a criança se torna aquilo que ela ainda não é’ e isso fica
evidente nos jogos de faz de conta.

Quando um educador forra chão e paredes de uma sala com papel kraft, disponibiliza pedaços de
carvão e deixa as crianças experimentarem livremente, vai perceber interações com os materiais e
movimentos diversos, expressões, criação, parcerias, alegria e sujeira. São muitas as possibilidades de
brincar e descobrir, por isso a oferta de tempo, materiais e espaço na escola pressupõe variedade e
versatilidade. Guacyara aponta ganhos de desenvolvimento: linguagens, expressão, criatividade,
coordenação motora, pensamento espacial… A lista de habilidades é tão longa quanto a de possíveis
atividades para se propor em sala. Há inúmeros jeitos de brincar: brincar de fazer arte, brincar de faz
de conta e brincar de construção são apenas alguns tópicos que detalharemos nas próximas
reportagens de maio no site de NOVA ESCOLA, ao longo dessa Trilha de Brincadeiras.

Como as brincadeiras e a BNCC se relacionam?


O trabalho com brincadeiras se consolidou especialmente pelo fato da BNCC da Educação Infantil
ter classificado o brincar como um dos seis direitos de aprendizagem das crianças. “Foi muito
importante ter um documento frisando essa questão”, destaca a coordenadora pedagógica
Alessandra. “Qualificar os passos do brincar, ter consciência do que a criança está investigando no
momento e entender qual atividade-guia está impulsionando aprendizagem e desenvolvimento
nos permitem ampliar essas brincadeiras”.

O curso gratuito de NOVA ESCOLA Os campos de experiências na BNCC da Educação Infantil, se


debruça sobre a Base e trabalha a questão dos direitos de aprendizagem, entre outros tópicos.

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Qual o papel e a atuação do professor no incentivo ao brincar?

Eliane Regina da Rosa Bergui, professora no CEI Miosótis em Joinville (SC), entende, e muito, de
brincadeiras. O projeto Jurassic Art, desenvolvido por ela e pela equipe da escola, proporcionou aos
pequenos uma exploração lúdica com direito a procurar dinossauros e escavar fósseis, tornando-se
finalista do Prêmio Educador Nota 10 de 2019. “O professor tem papel fundamental na hora de
incentivar a brincadeira”, explica a educadora, “principalmente porque a criança quer mostrar o que
está fazendo. Cabe ao professor incentivar a criatividade, a imaginação, e mesmo observar a
demonstração de sentimentos que surge naquele momento”.

A formadora Guacyara também destaca esse papel-chave. “São necessárias mediações que vão fazer
a criança pensar e ajudá-la no processo de desenvolvimento. E a verdadeira mediação é prestar
atenção no que a criança diz e ajudá-la a encontrar sentido justamente no que estiver dizendo – não
há certo e nem errado”, observa ela. Para que um professor seja capaz de realizar essas mediações
qualificadas, é necessário que a escola invista em formações. “Acredito que, principalmente depois da
BNCC, a maioria das escolas de educação infantil já tenha um PPP (Projeto Político-Pedagógico) com
aporte teórico forte em relação ao brincar, então cabe aos coordenadores investirem e incentivarem
formações nessa área”, salienta a coordenadora Alessandra.

Ambas concordam que a base de toda e qualquer formação qualificada em brincadeiras é a


observação. “O professor precisa pensar na observação em sala de aula. O que está acontecendo com
a criança? Brincando com muitos ou poucos? O que ela gosta de brincar?”, diz Guacyara. Alessandra
acrescenta que, após essa análise inicial das brincadeiras e dos interesses do alunos, “é preciso
aprofundar essas observações e trazer um referencial teórico para ampliar os conhecimentos dos
professores, que pode ser discutido em HTPC”.

Pauta de formação em Brincadeiras

Abaixo, veja as questões que não podem faltar no planejamento do coordenador pedagógico

Adulto brincante: Para conseguir proporcionar ambientes favoráveis e empolgar as crianças, é


preciso que professoras e professores passem pela experiência de brincar (é a chamada
homologia de processos). Por isso, construa uma formação baseada no fazer e promova
experiências brincantes.

Ampliação de repertório: Planeje uma formação com base artística, utilizando diferentes
linguagens, como cinema, poesia e teatro, para ampliar as referências dos educadores.

Tempo e espaço na Educação Infantil: Perguntas norteadoras ajudam os participantes a refletir,


tais como ‘O que é essa organização do espaço escolar?’ ou ‘Qual a diferença entre o nosso
tempo e o tempo das crianças?’

Importância do processo: Não é a finalização ou o resultado da brincadeira que importa, mas


sim como a criança se preparou e se organizou e como viveu a experiência de brincar.

Brincar é para todos: Incentive o planejamento dos professores com base na diversificação das
propostas, pensando nas várias formas que a brincadeira pode ter, invertendo a lógica da
adaptação da atividade para as crianças com deficiência.
Oferta de materiais: Oriente os educadores para reunir uma vasta gama de materiais – mesmo
que simples, do cotidiano ou da natureza – para o trabalho com brincadeiras.

Plano formativo: O papel do coordenador é instigar os professores a pesquisarem e observarem


suas crianças, compreenderem a sua investigação e pensarem em um plano formativo sobre o
brincar que faça sentido para eles.

Contexto escolar: As formações precisam levar em conta a realidade da escola e não apenas
apresentar um referencial teórico, para que promovam alterações de práticas.

Revisão de planejamento: O coordenador deve apoiar os professores a sempre rever o


planejamento e não se frustrar se objetivo da brincadeira não for atingido; qualquer atividade pode
ser feita novamente e, a cada repetição, novas experiências surgirão.

Brincadeiras em tempos de distanciamento social

Se a questão das brincadeiras na Educação Infantil envolve tantas variáveis por si só, as restrições
causadas pela pandemia tornam as coisas ainda mais complexas. Como garantir um mínimo de
aprendizagem por meio de brincadeiras em casa? “Realmente, os professores precisaram se
reinventar, e descobriu-se que a comunicação que mais se chega às famílias é o WhatsApp”, detalha
Guacyara. “Tornou-se importante pensar em estratégias como reuniões frequentes com os familiares,
e até mesmo a divisão em grupos menores de pais para facilitar o atendimento,” nota ela. A
coordenadora Alessandra comenta que, em sua escola, a questão da observação das crianças
brincando segue essencial. “Temos trabalhado com as fotos e os vídeos enviados pelas famílias.
Analisando o material, identificamos o que as crianças estavam tentando descobrir naquele
momento. A partir disso nascem as nossas propostas”, explica.

E quais são os melhores materiais e elementos para se pensar em brincadeiras nessa hora? “A equipe
da escola em que trabalho sempre procurou discutir: ‘será que eles vão ter esse objeto ou produto
em casa? Que tal trocar esse objeto por outro?’”, relembra Eliane, que tentou sugerir elementos da
natureza em todas as suas propostas. Deu certo. “Usamos muitas pedrinhas, folhas, tintas naturais,
areia e sucata. E as crianças foram brincando, criando desenhos e formas tridimensionais. Claro que
nem todos retornaram, e que no presencial dá para explorar bem mais materiais.” O principal,
segundo Guacyara, é recorrer a itens que todos tenham em casa ou ainda coisas que não se compra,
como pensar atividades que explorem a posição do vento na janela, por exemplo. Entram em cena
recursos acessíveis como cabanas com panos e lençóis, bolas de meia e painéis com pedaços de caixa
de papelão.

É válido privilegiar brincadeiras que a criança possa fazer e que gerem um registro para o educador
(foto, áudio ou vídeo), mas, acima de tudo, é preciso construir uma interação bem-sucedida com as
famílias. “É realmente necessário um trabalho de conscientização: os pais precisam saber o que é
uma brincadeira e que se aprende com isso, e que vale a pena disponibilizar panelas e escumadeiras
para a criança brincar”, resume Guacyara. Ela diz que é fundamental reforçar a importância de o
responsável abrir o celular e mostrar a professora para a criança, e enviar, sempre que possível, um
retorno relatando se a atividade funcionou. Embora difícil, o período teve seu lado positivo: a
aproximação das famílias com a escola e, principalmente, o tempo dedicado aos pequenos. “Foi bem
emocionante receber os vídeos e fotos encaminhados pelos pais, com as crianças realizando essas
brincadeiras com a família, algo que nem sempre faziam”, conta a professora catarinense.

Materiais que ajudam na prática de brincadeiras no dia a dia a distância e na escola, para
professores, gestores e pais:

1. Material de apoio Aprender Juntos, elaborado pelo AvisaLá, em parceira com o Itaú Social,
composto por “cards” com propostas lúdicas, vídeos curtos, sugestões e dicas de brincadeiras que
podem ser enviados para as famílias, e “cards” para os educadores, com informações técnicas.

2. Caderno Brincar – Volume 2, editado por Nova Escola, retrata o projeto de formação sobre
práticas de brincadeiras inclusivas realizado pela Mais Diferenças junto a professores e gestores
de Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEIs) em São Paulo, uma iniciativa da Fundação
Grupo Volkswagen.

3. O manual de orientação pedagógica Brinquedos e Brincadeiras de Creche foi elaborado pelo


MEC, com apoio do Unicef, e contou com a participação da professora doutora Tizuko Morchida
Kishimoto, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP), pesquisadora
que é referência no assunto.

4. Questões para pensar o brincar nas creches e escolas de Educação Infantil no Podcast em
movimento - O brincar: "ponte de esperança" e de vida – com comentário da professora Maria
Walburga dos Santos (Universidade Federal de São Carlos – UFSCAR).

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