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Publicado em NOVA ESCOLA 26 de Maio | 2023

Brincar

Jogos e brincadeiras na
Educação Infantil para
professores explorarem
Entenda o papel da intencionalidade pedagógica e amplie
seu repertório de experiências com o brincar
Jonas Carvalho

A criança aprende, se desenvolve e se descobre durante as brincadeiras. Foto:


Getty Images
Brincadeira é coisa séria no que diz respeito ao desenvolvimento das crianças. A
afirmação é de Djenane Oliveira, diretora da EM Manoel De Paiva Padre, em
Guarulhos (SP), e integrante do Time de Autores da NOVA ESCOLA. Com a
experiência de quem atuou na Educação Infantil por 15 anos, ela sabe muito
bem da importância dos jogos e das brincadeiras para a aprendizagem dos
pequenos. “[A brincadeira] é o que a criança faz com extrema dedicação e é a
forma pela qual ela vai construir seu conhecimento de mundo e de si mesma”,
explica a especialista.
Por isso, nada mais equivocado do que a visão adultocêntrica de que essas
atividades não possuem função. “A brincadeira não é uma simples atividade:
ela é algo estruturante na vida da criança, quase natural, que faz parte de seu
desenvolvimento”, afirma Karina Rizek, consultora associada da Avante –
Educação e Mobilização Social e coordenadora pedagógica de uma escola
privada em São Paulo (SP).
Brincar, diz ela, é um sinal de saúde e um meio de os pequenos se
expressarem, já que é por meio dessa ação que comunicam o que se passa com
eles. “[A brincadeira] é totalmente necessária para a criança exercer seus
direitos”, complementa.
Karina lembra que os seis direitos de aprendizagem propostos pela Base
Nacional Comum Curricular (BNCC) para a Educação Infantil estão relacionados
às brincadeiras, sendo que um deles é justamente o brincar. O documento
expressa o direito da criança de “brincar cotidianamente de diversas formas,
em diferentes espaços e tempos, com diferentes parceiros (crianças e adultos),
ampliando e diversificando seu acesso a produções culturais, seus
conhecimentos, sua imaginação, sua criatividade, suas experiências emocionais,
corporais, sensoriais, expressivas, cognitivas, sociais e relacionais” (BNCC, p. 38).
Essa intencionalidade pedagógica, no entanto, não deve ser confundida com
direcionamento. Marcos Machado, arte-educador, professor na CMEI Carlos
Marinho Falcão, em Feira de Santana (BA), e integrante do Time de Formadores
da NOVA ESCOLA, rejeita a ideia de professores pensarem as brincadeiras como
atividades dirigidas por meio das quais as crianças serão ensinadas a brincar.
Para ele, essa ideia vai contra a liberdade e o respeito à aprendizagem e à
individualidade da criança.
“Entendo a brincadeira como parte da nossa cultura e como momento de troca
de aprendizagens. Por isso, a criança aprende, se desenvolve e se descobre
nesse processo. Entendo a atuação do professor muito mais voltada para
brincar junto e observar [as crianças] de maneira atenta”, defende.
Segundo ele, a intencionalidade envolve levar uma brincadeira para as crianças
com um propósito de aprendizagem que o professor enxerga, sem
direcionamentos sobre como os pequenos devem brincar.
Intencionalidade pedagógica nos jogos e
brincadeiras
“[Nenhum professor] vai dizer que brincar não é importante, mas há uma
diferença entre entender isso e levar para a prática”, afirma Karina Rizek. “O
papel do professor é observar as crianças e documentar para colher insumos e
indicadores que ajudem na organização de boas propostas pedagógicas,
espaços e materiais.”
A especialista retoma que a BNCC considera a interação e a brincadeira eixos
estruturantes do currículo na Educação Infantil. “Ou seja, estão intimamente
ligados à forma como a criança aprende. Logo, o professor deve criar condições
para que a criança interaja e brinque”, explica a especialista do Avante.
Leia também: Renata Meirelles: “Brincar é a própria vida se expressando”
Essa perspectiva derruba noções como “hora de brincar” e “hora de aprender”,
acrescenta. “A criança vai aprender conceitos matemáticos de forma muito mais
significativa quando, por exemplo, brinca com bolas de diferentes tamanhos e
pesos. Ou, com o próprio corpo, vai aprender sobre equilíbrio, peso, o que é em
cima, embaixo, ao lado, atrás e outras noções matemáticas importantes nessa
etapa.”
Segundo Djenane, a brincadeira intencional deve dar espaço para as crianças
criarem e explorarem, com os educadores atuando como incentivadores e
observadores das construções que os pequenos realizam. “A intencionalidade
não é para que eu [professor] direcione a brincadeira e a leve aonde eu quero,
mas para que eu possa observar, intencionalmente, os estágios de
desenvolvimento que a criança atinge a partir daquela atividade e, então, possa
planejar outras possibilidades de crescimento”, afirma a autora.
Alguns questionamentos podem nortear a prática pedagógica relacionada às
brincadeiras na Educação Infantil, segundo a educadora:
Como as crianças se relacionam com os aspectos do mundo à sua volta?
Como cada criança se apropria de conhecimentos?
Em qual estágio de percepção de si mesma a criança está?
Para Marcos, notar as maneiras como as crianças brincam no começo, no meio
e ao final do ano também são importantes observações que os professores de
Educação Infantil devem fazer, bem como perceber como os pequenos brincam
entre si e também com os adultos.
Exemplos de jogos e brincadeiras para usar na
Educação Infantil

Brincadeiras com objetos não estruturados são boas oportunidades de


promover estímulos às crianças. Foto: Getty Images
Brincadeiras funcionais, de faz de conta, cantigas, entre outras. São muitas as
maneiras de brincar e cada uma delas pode estimular diferentes funções
cerebrais, que vão desde as motoras até aquelas relacionadas a socialização,
empatia e resiliência. Por isso, ao compreender os diferentes grupos de
brincadeiras, o professor pode oferecer um número maior de possibilidades
para o desenvolvimento das crianças.
Djenane aconselha que as atividades sejam escolhidas considerando o objetivo
pedagógico, e não necessariamente a idade. “Caso contrário, [os professores]
podem achar que crianças maiores só podem realizar jogos ou brincadeiras
com funções para articulação de memória verbal, por exemplo”, diz.
Para ela, os professores devem entender os objetivos das atividades, as
possibilidades de desenvolvimento de cada uma delas e a importância de
ampliar o rol de brincadeiras.
Brincadeiras funcionais
As brincadeiras funcionais são o primeiro estágio do brincar. Elas envolvem o
próprio corpo da criança e a produção de sons e estão presentes na vida desde
o começo, especialmente até os 18 meses. “Os pequenos na creche, por
exemplo, brincam ao estender e encolher os braços, balançar as pernas, fazer
ruídos e mesmo com o choro, que é um tipo de brincadeira por ser um modo
que permite à criança ver como o outro irá reagir e como essas ações
interferem no mundo ao seu redor”, explica a diretora Djenane.
Esse tipo de brincar é espontâneo para as crianças, mas representa para os
professores possibilidades de observação. “É possível notar, por exemplo, se
elas usam o choro como brincadeira ou para chamar a atenção. Momentos
como o banho e a troca podem ser oportunidades para observar como os
pequenos reconhecem o próprio corpo. Os momentos de alimentação também
podem ser interessantes para perceber como a criança manuseia o prato ou se
relaciona com o outro”, complementa a autora da NOVA ESCOLA.
Leia também: Alimentação e higiene: rotinas que despertam aprendizagens
Faz de conta
Brincar de faz de conta envolve níveis mais complexos do desenvolvimento das
atividades cognitivas das crianças, afirma Djenane. “Essa brincadeira traz
possibilidades infinitas de ampliação de interpretação do mundo, pois, no faz
de conta, qualquer coisa é possível. A criança pode testar suas hipóteses e,
inclusive, experimentar aquilo que não é factível no mundo real.”
Essas atividades representam também “possibilidades para as crianças criarem
proposições, definirem papéis, situações e, também, construírem e trabalharem
percepções que têm da sociedade, por exemplo, percepções de gênero”,
complementa a educadora.
Karina também destaca como as brincadeiras de faz de conta estão ligadas a
funções simbólicas de representação de papéis. “São mil representações que as
crianças fazem do mundo à sua volta, como brincar de ser mamãe, de estar em
um escritório, de ser jardineiro, de ser astronauta etc.”
Por isso é importante que professores organizem os ambientes escolares com
materiais variados, para criar condições para essas brincadeiras acontecerem.
A especialista menciona que esse tipo de brincar costuma envolver elementos
da vivência cotidiana da criança e de seu entorno. “Por exemplo, crianças
urbanas brincam muito de carrinho, de estrada e de caminhão, mas crianças
ribeirinhas brincam muito de barco”, conta.
Brinquedos ou objetos estruturados
Brinquedos estruturados são aqueles que possuem função definida enquanto
objeto de brincar. Apesar de contribuírem para um ambiente escolar
convidativo ao brincar e serem interessantes para o desenvolvimento infantil,
Karina reforça que esses materiais não são essenciais para as brincadeiras. Isso
ocorre principalmente porque as próprias crianças mostram que é possível
brincar com outros tipos de objetos.
Brincadeiras com objetos não estruturados
Brincadeiras com materiais não estruturados acontecem quase que
naturalmente e envolvem a capacidade da criança de dar sentido e significado a
objetos. “É a caixa de papelão que vira fogão, que vira barco ou nave espacial,
ou o galho de árvore que pode virar uma varinha mágica, uma espada ou um
cavalinho de pau”, explica Karina.
Assim, privilegiar esses materiais estimula o protagonismo das crianças. No
ambiente escolar, é possível fazer isso com acessórios diversos, tecidos e outros
materiais que estimulem a criatividade dos pequenos.
O professor Marcos Machado, por exemplo, levou uma grande caixa cheia de
tampinhas de garrafa de plástico para sua turma da pré-escola brincar. Em vez
de idealizar atividades – como agrupar as tampinhas por cores –, o educador,
primeiramente, apenas convidou as crianças a brincar livremente.
“Queria ver o que elas me traziam ao brincar com as tampinhas. Algumas as
jogaram para cima, outras recolheram as tampas do chão; ou seja, foram
inúmeras possibilidades. Eu, como professor, não preciso, necessariamente,
direcionar a brincadeira, pois a própria criança pode me ensinar [a brincar]”,
explica.
Isso não impede que outras sugestões possam ser feitas. “Em outro momento,
posso sugerir para elas pegarem só as tampinhas azuis [para trabalhar cores].
Nem preciso ensinar qual é a tampa dessa cor: uma criança pode pegar a azul
enquanto é observada por outra que está com uma tampa amarela. Essa
segunda criança pode se questionar: 'Será que essa tampinha que está comigo
é mesmo azul?'. Isso pode acontecer sem que eu precise dizer que a tampinha
amarela é a errada”, exemplifica Marcos.
Cantigas de roda e parlendas
As cantigas e parlendas são brincadeiras que podem abranger tanto o faz de
conta quanto atividades do campo da aquisição, que são aquelas que
trabalham atenção, percepção e construção de vocabulário. “A brincadeira da
dança das cadeiras, [aquela que] quando se canta uma música, as crianças
rodam e as cadeiras são retiradas até sobrar só uma, é um tipo de atividade
que trabalha aspectos de aquisição”, afirma Djenane.
Já as parlendas trabalham funções verbais, de articulação de memória e de
numeração, o que é importante, por exemplo, para as crianças maiores.
A tradição cultural também é transmitida por meio dessas brincadeiras, de
geração para geração. É o caso de cantigas como Ciranda cirandinha e Fui no
Itororó e outras que estão presentes em diversas culturas, como a indígena e a
afro-brasileira. “São várias as brincadeiras que misturam canções, danças e
usos do corpo”, complementa Karina.
Brincadeiras de fabricação
Essas atividades envolvem manusear, combinar e transformar elementos. “Com
as brincadeiras de fabricação, vamos trabalhar com as crianças funções do
desenvolvimento cerebral como movimentos para juntar, combinar, modificar e
transformar”, diz Djenane.
As possibilidades de experimentação podem ir desde criar coisas com blocos e
misturinhas até a manipulação de elementos da natureza, como areia, água e
terra.
Jogos com regras e brincadeiras sociais
Pega-pega, queimada/baleado e esconde-esconde são alguns exemplos de
jogos que trabalham funções de sociabilidade, por exemplo. Essas brincadeiras
são importantes, segundo Karina, porque mostram para a criança variados
conceitos, como “respeitar o outro, esperar a minha vez, entender regras de
convivência e dividir materiais”.
Dentro desse grupo, estão ainda jogos como o dominó e jogos de tabuleiro e de
trilha, que podem ser feitos pelas próprias crianças.

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