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Quem entra pela primeira vez nos espaços da Escola de Educação Infantil Ateliê
Carambola, na Vila Mariana, em São Paulo, se depara com paredes cobertas de
invenções, discursos, experiências estéticas, pequenas grandes ideias,
desenhos e fotos de um cotidiano permeado por possibilidades infinitas. Tudo
isso em uma casa espaçosa, com quintal largo, terra, areia, árvores e uma
caramboleira que dá nome ao espaço. “Os espaços não são sofisticados, as
relações é que são”, diz a diretora, Josiane Pareja Del Corso.
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No lugar das atividades “prontas”, em que quem propõe é o professor, ali, são
as crianças as disparadoras primeiras das ações pedagógicas. Nos grandes
painéis que permeiam todos os ambientes da escola e contam como são os
projetos desenvolvidos, aparecem as primeiras pistas de que ali a criança é
protagonista. Tem explorações com água, experimentações com argila,
pesquisas sensoriais sobre luz, sombra e muitas outras materialidades. A
premissa parece ser uma só: se habita o mundo, habita também a curiosidade o
interesse das crianças, e, portanto, cabe transformar em matéria-prima para a
escola. Foi este o cenário de um encontro potente que aconteceu neste sábado,
2 de setembro, “A documentação malaguzziana – Uma forma de conceber a
escola da infância“. Oferecida pelo Ateliê Centro de Pesquisa e Documentação
Pedagógica da Carambola, esta foi a primeira parte de uma formação
continuada de quatro encontros, que discutem como a linha pedagógica
idealizada por Loris Malaguzzi (1920 – 1994) pode ser aplicada no dia a dia.
Acompanhamos este encontro entre educadores e interessados em infância do
Brasil inteiro e contamos, nesta matéria, sobre a Pedagogia da Escuta, uma
das práticas que fundamenta o jeito malaguzziano / reggiano de fazer educação
infantil. O que é? Como colocar em prática? Por que este pode ser um caminho
possível para conceber uma escola verdadeiramente transformadora, empática
e acolhedora, que seja capaz de formar sujeitos habilitados emocionalmente?
No Ateliê Carambola, as crianças são estimuladas em um cotidiano permeado
de explorações sensoriais, e o dia a dia é documentado pelas educadoras.
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QUEM É “A CRIANÇA”?
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A concepção de infância que norteia a Pedagogia malaguzziana é co-
construcionista, interacionista, ecológica e genética. O que isso significa? Que a
criança é um ser social que nasce de uma determinada forma e se transforma a
partir da relação com o outro. Por isso, o ambiente escolar precisa ser pensado
para fazer emergir todos esses potenciais.
“As crianças devem sentir que toda a escola, incluindo o espaço, os
materiais e os projetos valorizam e mantêm sua interação e comunicação.
Educar significa incrementar o número de oportunidades possíveis”,
explica Josiane. E quando ela diz “oportunidades”, remete às experiências que
se oferecem à criança, desde os cheiros que vêm da cozinha até as folhas que
caem da árvore no quintal.
Para alcançar esse patamar de integração, é preciso que todos os agentes da
escola estejam aptos a sustentar esse ponto de vista, desde o porteiro até o
diretor, passando por faxineiros, cozinheiros e secretários. Algo que cabe a cada
escola avaliar e pensar na melhor maneira de colocar em prática, afinal, não é
um processo fácil, requer dedicação e muito trabalho.
Assim, um resumo possível é dizer que a criança, vista sob a perspectiva
malaguzziana, é multifacetada, não tem um rosto só nem uma só personalidade.
É curiosa, inquieta, exploradora, fluida, volátil, está sempre em movimento: é
uma criança indeterminada justamente porque a cada instante é uma, e porque
em uma mesma sala de aula existem muitas, e cabe ao professor acolher todas
essas individualidades.
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PEDAGOGIA DA ESCUTA: DE ONDE VEM?
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O QUE É? PRINCIPAIS PRÁTICAS E DEFESAS DA PEDAGOGIA
DA ESCUTA
“De qualquer lugar que você venha, você não será um estranho”. Os dizeres
de Primo Levi estão impressas em um bilhete na entrada de uma das escolas de
Reggio Emilia, e funcionam como um lembrete de acolher e respeitar as múltiplas
identidades que ali habitam. Assim também acontece nas escolas concebidas
sob essa perspectiva reggiana, e o conceito se estende não só à criança, mas
também às suas famílias. São escolas que apoiam a diversidade e, portanto, não
propagam um jeito só de ser criança.
Josiane explica, por exemplo, que na Carambola não são comemoradas datas
como Dia das Mães ou Dia dos Pais. “Se a criança é indeterminada, sua
família também é. Entendemos a escola como um lugar do coletivo, e não
do individual”, defende a Diretora.
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A BRINCADEIRA COMO LINGUAGEM DA CRIANÇA
“O cotidiano aqui é o grande cenário, e por isso ele tem que ser permeado
de um brincar genuíno, e não do brincar didático”, explica Josiane, fazendo
lembrar o que dizia o poeta Mario Quintana: “As crianças não brincam de brincar.
Brincam de verdade”.
São essas experiências e de relação lúdica com mundo que dão origem às
chamadas “mini histórias”, que, dentro da abordagem malaguzziana, são
estratégias de recolocação da criança diante de um cenário de valorização das
poéticas do dia a dia.
A educadora menciona a “falsa autonomia” que dita o planejamento de muitas
atividades nas escolas tradicionais, inclusive do brincar, que muitas vezes fica
sujeito a tempos e espaços pré-determinados.
“A capacidade de transitar entre o real e o imaginário que a criança tem
define o brincar, e precisa ser respeitada e percebida pelo educador”,
defende ela. “O brinquedo genuíno é aquele que dá potência para o brincar
da criança, e não o que define como ela deve brincar”, esclarece.
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que a escola é muitas vezes o lugar da pergunta. Se na educação tradicional são
valorizadas as verdades e as certezas, a escola reggiana dá lugar à incerteza,
ao imprevisível e ao fazer junto. Diretor, coordenador, educador, atelierista,
criança: aqui, todos são sujeitos aprendizes.
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Escutar requer que mostremos a nós mesmos o valor do desconhecido, para
que vençamos o sentimento de precariedade que toma conta de nós sempre que
nossas certezas são colocadas em crise. A escuta demanda tempo: um tempo
cheio de silêncios e longas pausas. Ao invés de abandonar a criança em suas
próprias emoções, é papel do adulto ajudá-la em sua autorregulação, que passa
por ajudá-las a nomear o que sentem.
Linhas pedagógicas são, antes de mais nada, uma escolha, tanto para o espaço
educador quanto para a família que procura aquele ambiente. Conceber as
práticas de uma escola que esteja alinhada com a perspectiva malaguzziana
requer consciência de alguns pontos principais: a criança tem autonomia, o
educador é um observador participativo, e a escola é um território seguro,
que favorece as trocas e as oportunidades de aprendizado.
A chamada “documentação pedagógica”, por exemplo, é um dos principais
eixos das escolas reggianas, e demanda do educador um olhar atento para
aquilo que o próprio cotidiano traz de mais rico. Fotografar o brincar dos
pequenos a fim de documentar os seus processos de pesquisa e exploração das
coisas e do próprio corpo. Toda forma de registro é válida: vídeos, áudios,
anotações.
Compreender que a criança é um cérebro que se desenvolve, mas é também um
corpo que aprende.
Perceber quais são as relações estabelecidas entre as crianças em seu convívio,
e como trazê-las para o centro da atividade e documentação pedagógica.
Reparar na transição que as crianças facilmente articulam entre o real e o
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imaginário durante a brincadeira. Cuidar para que o espaço seja favoreça a
autonomia e facilidade de locomoção, para minimizar o quanto possível as
intervenções do professor, como “não suba aí”, “não mexa naquilo”.
Oferecer materiais que estimulem o pensar e permitam que a criança os
explorem à medida em que estão disponíveis e se mostram como caminhos
sedutores para o seu aprendizado. Oferecer atividades que estabeleçam
conexões, tanto da criança com o mundo quanto de uma criança com a outra.
Trabalhar questões como diversidade, respeito, alteridade, injustiça social,
questões de classe, raça e liberdade de são bem-vindos nesse quesito.
Antes de propor suas próprias perguntas como profissional da educação, escute
e acolha as perguntas das próprias crianças.
A educadora Josiane conta que, na Carambola, cuidar para que as relações
sejam sofisticadas e os espaços e acessórios o mais simples possível é uma das
formas de colocar em prática a escuta que se espera de uma escola que se
pretenda malaguzziana. Para isso, é preciso dedicação e sensibilidade integrais
do educador. Assim, o protagonismo é da criança, mas é também do professor.
“Escutar é abrir um espaço interno em que o outro pode entrar. Escuta é
sensibilidade àquilo que nos conecta ao outro”, diz.
Por fim, cabe dizer que todo processo de ressignificação das práticas cotidianas
requer, antes, que se olhe para si mesmo e repense quais são as estruturas que
precisam se transformar para que aquela nova forma de viver a educação se
naturalize no educador e na escola. Passamos por um processo de
dessensibilização e descrença no humano, e cabe à educação propor um
caminho de volta. Se Josiane está certa quando diz que a criança é a
humanidade em seu estado de inauguração, é preciso acreditar no potencial das
crianças, que só pode emergir de tempo, de espaço e de uma escuta atenta ao
que elas dizem, sentem e realizam.
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Como diria a filósofa Hanna Arendt – umas das fortes referências das escolas
reggianas -, “O fato de o homem ser capaz de agir significa que o inesperado
pode ser dele esperado, porque ele, o homem, é capaz de realizar o
infinitamente improvável”.
REFERÊNCIAS
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Projetos escolares creches. Disponível em: <http: //primeirainfancia.org.br/wp-
content/uploads/2012/01/EntrevistaElisabet.pdf>. Acesso em: 19 de abril de
2017.
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//www.youtube.com/watch?v=kMX7zcLpgdk>. Acesso em 18 de abril de 2017.
HAMZE, A.
A arte de registrar ideias. Disponível em: <http:
//educador.brasilescola.uol.com.br/trabalho-docente/arte-ideias.htm>. Acesso
em: 17 de abril de 2017.
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//educador.brasilescola.uol.com.br/trabalho-docente/as-diversas-linguagens-da-
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Na educação infantil é preciso escutar. 3’06’’. Disponível em: <https:
//www.youtube.com/watch?v=ps3h1S1TPuw>. Acesso em: 23 de maio de 2017.
SERQUEIRA, T.C S. SOUSA, E.M. Escuta Sensível: O que é? (Escuta sensível
em diferentes contextos laborais). In: ______. (Con.) textos em escuta sensível.
Brasília: Thesaurus, 2011. p. 15-3
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