Você está na página 1de 14

TEORIA DA

EDUCAÇÃO

Marianna Corrêa
Perspectivas da
prática pedagógica:
experiências escolares
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Descrever as principais características da experiência de Reggio Emilia.


 Analisar as práticas pedagógicas na escola de Summerhill.
 Diferenciar as práticas docentes na concepção não diretiva de Sum-
merhill das práticas da Escola da Ponte.

Introdução
As práticas pedagógicas não diretivas colocam o aluno no centro do
processo de aprendizagem. Para que isso seja possível, a ação docente
parte do respeito à individualidade de cada estudante. A Escola da Ponte,
em Portugal, e as escolas Reggio Emilia e Summerhill, respectivamente na
Itália e na Inglaterra, desenvolvem práticas não diretivas bem-sucedidas.
Neste capítulo, você vai ler sobre experiências escolares centradas
no aluno. Você também vai conhecer melhor a concepção não diretiva,
que ganhou evidência a partir dos anos 1960, com o psicólogo Carl
Rogers. Por fim, vai verificar qual é o papel do professor na concepção
pedagógica não diretiva.

1 A experiência de Reggio Emilia


A integração entre a arquitetura e a educação sintetiza a experiência de Reggio
Emilia. Com origem na cidade de mesmo nome, ao norte da Itália, as escolas
baseadas nessa experiência educativa são resultado de um pacto pela educação
realizado entre famílias, educadores e educandos após a Segunda Guerra
Mundial. Tal pacto tinha como objetivo formar cidadãos críticos, autônomos
2 Perspectivas da prática pedagógica: experiências escolares

e reflexivos, que pudessem resistir ao fascismo (movimento político ditatorial


que, na Itália, esteve associado à figura de Benito Mussolini).
Idealizadas pelo educador italiano Loris Malaguzzi (1920–1994), as escolas
Reggio Emilia têm como fundamento teórico e metodológico a pedagogia da
escuta (ou “pedagogia dos sentidos”). Influenciada pelas teorias pedagógicas
progressistas que estavam em evidência na década de 1950, a pedagogia da
escuta é um arquétipo educacional que se volta ao desenvolvimento intelectual,
emocional e moral das crianças, colocando-as como protagonistas do processo
educativo. A partir dos achados de Piaget, Vygotsky, Dewey e Montessori,
Malaguzzi defende o respeito à criança e às suas inúmeras possibilidades de
ver o mundo.

As teorias pedagógicas progressistas partem da análise crítica das realidades sociais e


as consideram no processo educativo das crianças (LIBÂNEO, 1990). Para saber mais,
leia a obra Fundamentos da educação infantil: ensinando crianças em uma sociedade
diversificada, de Gonzalez-Mena (2015).

A pedagogia da escuta vê a criança como sujeito criativo e com inúmeros


potenciais. É o que você pode constatar neste trecho:

[...] as crianças nascem com muitos recursos e potenciais extraordinários, que


nunca deixam de nos impressionar. Elas têm capacidades autônomas para
construir seus próprios pensamentos, perguntas e tentativas de respostas.
Portanto, as escolas têm uma nova tarefa: em vez de “cuidar de crianças”,
elas têm de se abrir à observação, à pesquisa e à experimentação por parte de
professores que, juntamente com as próprias crianças, participam da construção
de uma nova cultura de educação (Comunicação pessoal apud GANDINI,
2019, documento on-line).

Ao compreender os potenciais das crianças, a pedagogia da escuta respeita


as diferentes formas de elas pensarem, se relacionarem e se expressarem,
valorizando as suas individualidades. Aos educadores, cabe viabilizar a ex-
perimentação por meio de entrevistas, pesquisas, observação e discussão,
priorizando a linguagem gráfica como ferramenta de aprendizagem. Martins
(2016) entende os educadores como mediadores e interlocutores. Eles são os
Perspectivas da prática pedagógica: experiências escolares 3

responsáveis por criar situações de aprendizagem em que as crianças se posi-


cionem ativamente, por meio de metodologias que estimulem a investigação,
as experiências e as descobertas (Figura 1).

Figura 1. Metodologia de Reggio Emilia.

A arte é um componente de destaque na experiência de Reggio Emilia.


A linguagem gráfica é encarada como um dos principais meios de oportu-
nizar a experimentação, estimulando as descobertas sensoriais e levando as
crianças a construir o seu conhecimento. A arte também é valorizada por
viabilizar que as crianças se expressem por meio de diferentes linguagens:
pictóricas, gráficas, de manipulação e corporais.
Para tanto, as escolas que seguem a pedagogia da escuta contam com uma
espécie de laboratório laboral, que na experiência de Reggio Emilia recebe
o nome de “ateliê”. Assim, além dos educadores, as escolas contam com um
atelierista, profissional que tem o papel de instigar a competência estética
das crianças. Veja:
4 Perspectivas da prática pedagógica: experiências escolares

A opção de Loris Malaguzzi, no final da década de 1960, por introduzir um ateliê


em cada pré-escola e, posteriormente, em todas as creches, coordenado por uma
pessoa com formação em artes, foi e continua a ser mais revolucionária do que
parece, visto que trouxe uma nova maneira de enxergar escolas e processos de
aprendizagem, em comparação com os hábitos da tradição pedagógica exigi-
dos das escolas e da própria pedagogia (VECCHI, 2019, documento on-line).

Com a incorporação do ateliê na concepção da escola e de seu projeto peda-


gógico, foi possível observar as diferentes formas de expressão que as crianças
utilizam. A partir disso, Malaguzzi concebeu o que ele denominou “as cem lin-
guagens”. Tais linguagens de expressão mobilizam sete ações principais, que são
sintetizadas por Filippini e Vecchi (1987 apud GANDINI, 2019) da seguinte forma:

1. reconhecer que a espécie humana pode se expressar por meio de uma


pluralidade de linguagens, além da falada;
2. compreender que todas as linguagens têm o direito de se realizar ple-
namente e que, no processo, tornam-se parte de outras linguagens, que
também as enriquecem;
3. entender que todas as linguagens expressivas, cognitivas e comunica-
tivas que se formam por reciprocidade nascem e se desenvolvem por
meio da experiência;
4. reconhecer que uma criança é construtora e coautora dessas linguagens
e participa de suas variações históricas e culturais;
5. entender que todas as linguagens que já coexistem na mente e na atividade
da criança têm a capacidade de ser generativas em relação a outras lingua-
gens, outras ações e outros potenciais, que, por sua vez, são generativos;
6. apoiar as crianças, reconhecendo que todas essas linguagens precisam
ser consideradas igualmente dignas e valiosas;
7. questionar que tipo de apoio e entendimento essas proposições podem
receber na abordagem cultural e educacional em relação à aprendizagem
das crianças.

No livro O papel do ateliê na educação infantil: a inspiração de Reggio Emilia, de


Gandini et al. (2019), você encontra uma conversa entre educadores, artistas,
crianças, famílias e suas comunidades sobre a inclusão do ateliê na concepção
pedagógica das escolas.
Perspectivas da prática pedagógica: experiências escolares 5

Além da valorização da arte, a experiência de Reggio Emilia tem outras


características principais. A seguir, veja quais são elas.

 Desenvolvimento integral: as crianças são compreendidas em sua


integralidade, de forma que a visão adulta de mundo não é imposta a
elas. Os educadores instigam as crianças a realizar diferentes tarefas e
projetos (que são escolhidos coletivamente) e as incentivam a atuar de
forma participativa nas pesquisas e debates.
 Importância dos pais: os pais participam ativamente da experiência
de Reggio Emilia, seja nas reuniões pedagógicas — nas quais são
apresentados os relatos do desenvolvimento das crianças —, seja na
apresentação e no desenvolvimento dos projetos. Sua tarefa é também
de escuta e reconhecimento das potencialidades das crianças.
 Espaços adaptados: são pensados de forma a proporcionar o compar-
tilhamento e a convivência. As salas são amplas e interligadas entre
si, além de possuírem áreas externas verdes. O mobiliário é projetado
na altura das crianças para desenvolver a sua autonomia. Os espaços
são conectados entre si por paredes de vidro, e não de alvenaria. Os
materiais são dispostos de forma acessível para instigar a curiosidade
e a criatividade, bem como para garantir a liberdade de manifestação.
 Documentação educativa: os docentes documentam todo o processo de
aprendizagem das crianças por meio de registros fotográficos, filmagens,
áudios e anotações. Esses documentos, além de embasar as reuniões
com os pais, servem para a discussão permanente a respeito da prática
pedagógica, tanto para a reflexão sobre a ação docente quanto para o
planejamento de novas atividades.

2 Escola Summerhill: educação progressista


e democrática
Se você pedir para um amigo fechar os olhos e lhe descrever um modelo de
escola, o relato provavelmente vai incluir alguns destes elementos: um pátio
redondo que pode ser tranquilamente observado do prédio administrativo;
longos corredores; estudantes em fila para serem conduzidos pelo professor
às salas de aula, onde encontram-se carteiras enfileiradas; currículo com
matérias predefinidas; avaliação para mensurar o desempenho e recompen-
sar os melhores; e o discurso recorrente dos professores sobre a preparação
para o mercado de trabalho. Não à toa, esse relato emerge de uma percepção
6 Perspectivas da prática pedagógica: experiências escolares

foucaultiana das instituições educacionais. Em tal percepção, estão em jogo:


a visão tradicionalista de que as instituições de ensino servem para tornar
os corpos dóceis; o entendimento de que saber é poder (e portanto deve ser
mensurado); a coerção como instrumento de ensino; e o mercado ditando o
que é importante saber.
Esse “ideal de escola” passa a anos-luz de Summerhill, colégio interno
localizado na cidade de Suffolk, interior da Inglaterra. Fundada em 1921 pelo
educador escocês Alexander Sutherland Neill (1883–1973), a Summerhill é
conhecida mundialmente como a escola em que os alunos podem (quase) tudo.
Isso ocorre porque a concepção pedagógica adotada na escola é centrada na
liberdade do estudante.
Embora isso não seja reconhecido por Neill, a concepção pedagógica
adotada por ele em Summerhill em muito se aproxima das práticas pro-
pagadas pela teoria humanista da educação, voltada para a concepção
pedagógica não diretiva, que tem como seu maior expoente Carl Rogers
(1902–1987). Para Rogers, a aprendizagem deveria ter o estudante como
foco e estar estruturada

[...] na confiança das potencialidades humanas, na relevância do apren-


dizado para o aprendiz, na possibilidade de participação e colaboração
entre aprendiz e professor, na autoavaliação e na autocrítica e, por fim,
na possibilidade de aprender com a própria aprendizagem (HOMEM;
HOMEM, 2017, p. 81).

A Summerhill atua com base em noções muito semelhantes às defendidas


pela concepção pedagógica não diretiva. Lá, os estudantes (de 5 a 18 anos)
fazem as suas próprias escolhas e definem as regras de funcionamento e con-
vivência nos espaços escolares. Isso ocorre por meio de assembleias em que os
votos de estudantes, professores, equipe pedagógica e equipe administrativa
têm igual valor. Essa liberdade é entendida como fundamental para o processo
de autonomia e emancipação dos alunos. Marchelli, Dias e Schmidt (2008)
destacam que a liberdade estimula o indivíduo a conhecer sem coação, pois
o conhecimento liberta.
Perspectivas da prática pedagógica: experiências escolares 7

Alguns autores congregam na expressão “escola aberta” as instituições que concebem


o ensino para além da sala de aula, do conhecimento disciplinar e das séries ou ciclos.
Nesse tipo de escola, os alunos seguem o princípio da liberdade de aprender e os
professores atuam promovendo atividades e interações construtivas. Ficou interessado?
Quer saber mais? Faça uma busca na internet pelo artigo “Autonomia e Mudança na
Escola: novos rumos dos processos de ensino–aprendizagem no Brasil”, de Marchelli,
Dias e Schmidt (2008).

As práticas pedagógicas da Summerhill concebem as crianças como curio-


sas por natureza. Assim, cabe aos professores e à instituição oferecer a elas
os estímulos e recursos necessários para que tenham prazer em aprender. A
seguir, veja alguns dos fundamentos que embasam as práticas nessa escola.

 Desenvolvimento intelectual e emocional: os estudantes são prota-


gonistas o tempo todo, desde a definição das regras até a organização
dos eventos. Dessa forma, eles aprendem pela interação, pela expe-
rimentação e pela vivência. Nesse sentido, o foco dos professores é
flexibilizar a organização escolar e pedagógica e favorecer todas as
formas de trabalho dos alunos (individuais, em grupo, livres, etc.)
(MARCHELLI; DIAS; SCHMITT, 2008).
 Percursos formativos personalizados: a educação individualizada
oportuniza maior engajamento dos alunos nos estudos. Esse fato se
confirma, como analisam Homem e Homem (2017), na comparação
entre Summerhill e o sistema educacional tradicional, cujo programa
de estudos oferece um único caminho para o “sucesso”, desconside-
rando as diferenças individuais de cada aprendiz e obrigando que todos
obtenham um resultado específico. “Nesta situação, na obrigação de
‘aprender’ algo sobre o qual não se tem nenhum interesse, a aprendiza-
gem se transforma em castigo [...]” (HOMEM; HOMEM, 2017, p. 84).
A escola possui um currículo disciplinar estruturado, contudo nada é
obrigatório. Cabe, portanto, aos professores não mais ensinar lições
preestabelecidas, mas considerar o interesse do aluno.
8 Perspectivas da prática pedagógica: experiências escolares

 Estímulo às brincadeiras: as brincadeiras são estimuladas em Sum-


merhill por serem formas de desenvolvimento natural das crianças,
a partir de seus interesses e curiosidades. Por meio das brincadeiras,
também é possível desenvolver a criatividade e a confiança, que são
características fundamentais para o processo de aprender a aprender
(HOMEM; HOMEM, 2017).
 Liberdade: como você viu anteriormente, nas assembleias, os votos de
estudantes, professores, equipe pedagógica e administrativa têm igual
valor, demonstrando como as hierarquias não são consideradas para o
bom funcionamento da escola. Os estudantes têm total liberdade, desde
que a sua liberdade não invada o espaço do outro, tampouco infrinja
as regras: “[...] por exemplo, são os alunos que determinam qual, e em
que ritmo, se dará seu processo de aprendizagem, ou autoaprendiza-
gem, sem a imposição prévia de padrões de desempenho e avaliações.
Avaliações, estas, realizadas num processo autônomo, a autoavaliação
[...]” (HOMEM; HOMEM, 2017, p. 83).

Essa pedagogia libertária não ocorre apenas em Summerhill. Nos Estados


Unidos, por exemplo, destaca-se a Sudbury Valley School, que foi fundada
em 1986, em Framingham, Massachusetts. No contexto brasileiro, a Escola
da Ponte, fundada em Portugal pelo professor José Pacheco, foi a que ganhou
mais visibilidade.

3 A Escola da Ponte e a concepção pedagógica


não diretiva
Entre os modelos escolares que utilizam a concepção pedagógica não
diretiva, aquele que ganhou mais evidência no Brasil — talvez pela pro-
ximidade linguística, social e cultural — foi o da Escola da Ponte. Ela foi
fundada em Porto, Portugal, no ano de 2003, pelo conhecido pesquisador
e professor José Pacheco. Contudo, a inspiração para esse modelo escolar
remonta a 1941,

[...] quando Portugal sofreu uma grande catástrofe ambiental pela formação
de um ciclone que causou pesados danos às edificações escolares e derrubou
uma enorme quantidade de árvores. Como a cumprir a sentença de Come-
nius — “se não podemos levar a árvore para a escola, levemos a escola para
debaixo da árvore” —, a fim de não desperdiçar a madeira de boa qualidade
posta abaixo pelo ciclone (carvalhos, pinheiros etc.), o Ministério da Educação
Perspectivas da prática pedagógica: experiências escolares 9

português resolveu aproveitá-la. Frutos do acaso e da necessidade, foram


construídas assim as denominadas “escolas de área aberta” (MARCHELLI;
DIAS; SCHMIDT, 2008, p. 285).

Entre idas e vindas, em 2003 foi oficialmente constituído o Projeto Pe-


dagógico da Escola da Ponte, denominado “Fazer a Ponte”. Sua proposta
educativa orienta-se à formação de pessoas e cidadãos cultos, autônomos,
solidários e democraticamente comprometidos com a construção da sociedade.
Essa intencionalidade educativa é assumida por todos: alunos, pais e demais
agentes educativos (PACHECO; PACHECO, 2013).
Na Escola da Ponte, os alunos não são divididos em classes, tampouco
em anos de escolaridade ou salas de aula. As crianças têm autonomia para
escolher o que e com quem querem estudar. Além disso, diversos mecanismos
de avaliação podem ser utilizados; as crianças participam da escolha de tais
mecanismos e definem quando estão preparadas para ela.
Segundo os próprios idealizadores da Escola da Ponte, as crianças que a
frequentam são inseguras, com características e virtudes específicas como
todos as outras (PACHECO; PACHECO, 2013). Contudo, na Escola da Ponte,
acredita-se que cada criança é um ser único, com capacidades e características
que devem ser respeitadas a fim de potencializar o indivíduo e o coletivo. Veja:

Cada um é incentivado a participar solidariamente em um projeto educativo


que se pretende comum. Isso só será obtido se os alunos tiverem voz ativa na
elaboração e decisão de toda a organização, na gestão e no funcionamento da
escola e, ainda, participarem na construção do seu processo de aprendizagem/
formação pessoal. [...] Assim, todos têm a oportunidade de propor, negociar,
decidir, refletir, planejar e organizar, na procura do equilíbrio entre o individual
e o coletivo. Os alunos da Ponte são vistos como pessoas que, envolvidas em
uma estrutura que potencializa a aprendizagem ativa, aprendem a ver os demais
como pessoas ao mesmo tempo que adquirem as competências essenciais
previstas no currículo nacional. O domínio cognitivo não é independente
do domínio dos afetos e da emoção (PACHECO; PACHECO, 2013, p. 14).

Na Escola da Ponte, duas dimensões do currículo coexistem e se articulam:


o currículo subjetivo e o currículo objetivo. Entende-se por currículo subjetivo
o percurso personalizado a ser percorrido pelo aluno, a partir de suas potencia-
lidades e curiosidades. Já o currículo objetivo é o referencial das aprendizagens,
embasado no currículo nacional português. Assim, “O currículo exterior ou
objetivo é um perfil, um horizonte de realização, uma meta; o currículo interior
ou subjetivo é um percurso único de desenvolvimento pessoal, um caminho,
um trajeto [...]” (MARCHELLI; DIAS; SCHMIDT, 2008, p. 288).
10 Perspectivas da prática pedagógica: experiências escolares

No Brasil, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é o equivalente ao currículo nacional


português. No livro A Escola da Ponte sob múltiplos olhares: palavras de educadores,
alunos e pais, Pacheco e Pacheco (2013), no Anexo III, trazem a equivalência de níveis
escolares entre os sistemas brasileiro e português.

O currículo objetivo organiza-se em cinco dimensões: linguística, lógico-


-matemática, naturalista, identitária e artística (PACHECO; PACHECO, 2013).
A organização dos estudos se dá por núcleos. No núcleo da iniciação, a criança
aprende a se relacionar, ser pontual, cumprir as tarefas, fazer o planejamento
de estudos, reconhecer suas falhas, pesquisar e resolver conflitos. Nesse
núcleo, as crianças tendem a ter um acompanhamento maior dos orientado-
res educativos. No núcleo de consolidação, os estudantes já possuem certo
grau de autonomia para desenvolver os estudos que, no currículo objetivo,
equivalem ao primeiro ciclo básico do currículo nacional. Por fim, no núcleo
do aprofundamento, os estudantes têm total autonomia de seu tempo e dos
estudos equivalentes ao segundo ciclo básico.
Considerando que não existem classes ou séries, Pacheco e Pacheco
(2013) alertam que, se o estudante for transferido para a Escola da Ponte,
vai integrar o núcleo de aprendizagem mais condizente com o seu perfil.
No movimento inverso, se um aluno é transferido da Escola da Ponte
para uma escola tradicional, os tutores elaboram um relatório descritivo a
respeito dele. Nesse relatório, mencionam quais conteúdos, competências
e atitudes esse aluno já desenvolveu, de modo que seja possível realizar
as equivalências.
Também é importante destacar as funções dos profissionais da educação
que atuam na Escola da Ponte. Os professores são entendidos como orienta-
dores educativos. Assim, eles devem abandonar as concepções tradicionais
de docência e de escola,

[...] ou seja, [as concepções] de um profissional enredado numa lógica instrutiva


centrada em práticas tradicionais de ensino, que dirige o acesso dos alunos
a um conhecimento codificado e predeterminado. O orientador educativo é,
essencialmente, um promotor de educação, na medida em que é chamado a
participar na concretização do Projeto Educativo da Escola, a coorientar o
percurso educativo de cada aluno e a apoiar os seus processos de aprendizagem
(PACHECO; PACHECO, 2013, p. 141).
Perspectivas da prática pedagógica: experiências escolares 11

Os estudantes podem solicitar auxílio a qualquer orientador educativo ao


longo do desenvolvimento dos seus projetos. Contudo, os alunos escolhem
um tutor, que supervisiona permanentemente as suas atividades e planeja em
conjunto os seus estudos (PACHECO; PACHECO, 2013).
Tanto em Summerhill quanto na Escola da Ponte, é possível constatar a
concepção pedagógica não diretiva orientando o trabalho dos docentes. Como
você viu anteriormente, essa concepção tem origem na teoria humanista da edu-
cação, de Carl Rogers, vinculada aos fundamentos da Escola Nova. O professor
e os conteúdos são retirados do centro do processo pedagógico, que passa a ser
ocupado pelo aluno. Ao professor, cabe estimular a curiosidade e a criatividade
dos alunos, atuando como um facilitador nos processos de ensino e aprendizagem.
Para tanto, os professores utilizam estratégias de ensino voltadas à descoberta,
à experimentação e à percepção, considerando o conhecimento como algo
inacabado, a ser explorado e reinventado a partir dos interesses dos alunos.

GANDINI, L. Do início do ateliê aos materiais como cem linguagens: pensamentos e


estratégias de Loris Malaguzzi. In: GANDINI, L. et al. (org.). O papel do ateliê na educação
infantil: a inspiração de Reggio Emilia. 2. ed. Porto Alegre: Penso, 2019.
GANDINI, L. et al. (org.). O papel do ateliê na educação infantil: a inspiração de Reggio
Emilia. 2. ed. Porto Alegre: Penso, 2019.
GONZALEZ-MENA, J. Fundamentos da educação infantil: ensinando crianças em uma
sociedade diversificada. 6. ed. Porto Alegre: AMGH, 2015.
HOMEM, C. F.; HOMEM, L. F. Educação para a liberdade: o exemplo de Summerhill e as
perspectivas da escola contemporânea. Revista Ciência e Conhecimento, Porto Alegre,
v. 11, n. 1, p. 78–91, 2017.
LIBÂNEO, J. C. Democratização da escola pública. São Paulo: Loyola, 1990.
MARCHELLI, P. S.; DIAS, C. L.; SCHMIDT, I. T. Autonomia e mudança na escola: novos
rumos dos processos de ensino-aprendizagem no Brasil. Revista Psicopedagogia, São
Paulo, v. 25, n. 78, p. 282–296, 2008.
MARTINS, T. C. Da educação infantil e a experiência de Reggio Emilia. Revista Sustinere,
Rio de Janeiro, v. 4, n. 1, p. 27–44, 2016.
PACHECO, J.; PACHECO, M. F. (org.). A Escola da Ponte sob múltiplos olhares: palavras de
educadores, alunos e pais. Porto Alegre: Penso, 2013.
VECCHI, V. Poéticas da aprendizagem. In: GANDINI, L. et al. (org.). O papel do ateliê na
educação infantil: a inspiração de Reggio Emilia. 2. ed. Porto Alegre: Penso, 2019.

Você também pode gostar