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O
Por que o conhecimento sociológico só passou a se constituir como um conheci-
mento científico no século XIX? O que ocorreu nesse século? Para explicar esse aconte-
cimento, é necessário nos voltarmos para a história da Europa Ocidental no século XIV.
Até meados do século XIV, a Europa Ocidental era organizada social e economica-
mente com base no modo de produção feudal. Nesse modo de produção, a economia
era baseada na produção agrícola e na criação de animais, tendo o campo como o local
de moradia da maioria da população. Existiam também pequenas cidades, ou aldeias
feudais, e as grandes cidades comerciais.
A sociedade era organizada socialmente entre os que detinham o poder político e
econômico: os reis, a nobreza, o clero e os senhores feudais, que detinham a posse das
terras; os trabalhadores urbanos – artesãos organizados em corporações de ofícios; e
os camponeses, que representavam a maioria da população e viviam nos campos ad-
ministrados pelos senhores feudais (em regime de servidão).
Após mais de dez séculos de existência, a sociedade feudal começou a sofrer trans-
formações. Essas transformações foram resultantes de um conjunto de fatos históricos
que, de forma lenta e gradual, geraram mudanças em todas as esferas da vida
social, da organização econômica, política e social ao entendimento e
explicações do mundo, à mudança de crenças e valores. As transfor-
mações foram mais significativas e rápidas entre os séculos XIV e
XVII, chegando ao ápice no século XVIII.
José Alberto Bermúdez | Banco ITE
Esquema de
organização feudal
20 Explicações sociológicas
clássicas
Podemos classificar os fatos históricos em três grupos:
22 Explicações sociológicas
clássicas
As cidades se transformaram num verdadeiro caos, sem condições para suportar
o aumento populacional. Em seus espaços se concentravam problemas sociais, como
desemprego, falta de moradia ou moradias insalubres, prostituição, criminalidade e
mortalidade infantil.
A falta de higiene e saneamento gerou doenças que se espalharam na forma de
epidemias, dizimando uma parte significativa da população urbana: febre tifóide, peste
negra, varíola e outras doenças.
Os problemas sociais e as condições de trabalho e salário contribuíram para a
organização da classe trabalhadora em associações livres e sindicatos e à exigência
de direitos sociais com os governantes e com os proprietários dos instrumentos de
trabalho.
Os comerciantes e industriais, burgueses, que enriqueceram com essas transforma-
ções, passaram a lutar pelos direitos políticos, que estavam em poder da aristocracia e
do clero. Os burgueses se aliaram aos iluministas, pensadores que criticavam o antigo
regime feudal e lutavam para que a instalação de uma nova sociedade, mais igualitária Declaração dos Direitos
e fraterna. Humanos e do Cidadão: o
A união de pensadores iluministas e de burgueses na França, no século XVIII, re- patriotismo revolucionário
sultou na Revolução Francesa, um movimento revolucionário, que tinha como lema toma emprestado a iconografia
“Liberdade, igualdade e fraternidade”. familiar dos Dez Mandamentos.
Os burgueses, orientados pelo pensamento revolucionário dos iluministas, se alia- In: http://12-efe.blogspot.
ram aos trabalhadores urbanos e camponeses, ambos insatisfeitos com a exploração com/2006_11_01_archive.html
da aristocracia, para derrubar o antigo regime político da
sociedade feudal.
Mas os resultados dessa Revolução não levaram à igual-
dade entre nobres, burgueses, trabalhadores urbanos e
camponeses. O novo estado político não garantiu os direi-
tos dos pobres e camponeses, que tiveram que continuar
lutando por direitos sociais e políticos.
Foi criada, nessa época, a “Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão”, que se baseava nos preceitos ilumi-
nistas de que “Todos os homens nascem livres e devem ter
o direito de viver livres e iguais perante a lei”. Porém, essa
declaração acabou por representar os direitos da classe
burguesa e da aristocracia, que não perdeu seu poder.
Esses acontecimentos e as transformações econômicas
e sociais despertaram a necessidade de debates e estudos
sobre a sociedade. Participavam dos debates pensadores
de diversas correntes: conservadoras, liberais e socialistas.
Os debates e estudos tinham como objetivo estabelecer
orientação de ações para os problemas sociais que, pela
primeira vez na História, haviam tomado grandes propor-
ções, pela concentração significativa de grande parcela da
população nas cidades.
Explicações sociológicas
clássicas
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1.2 | O movimento cultural renascentista
e o Iluminismo
24 Explicações sociológicas
clássicas
Banco ITE
São muitos os representantes deste movimento. Nas artes e na arquitetura desta-
cam-se Leonardo da Vinci (1452-1519), Rafael de Sanzio (1483-1520) e Michelangelo.
Na literatura, Dante Alighieri (1265-1321), com sua obra “A Divina Comédia”, Nicolau
Maquiavel (1469-1527), com “O Príncipe”, Miguel de Cervantes (1547-1616), com “Dom
Quixote de La Mancha”, William Shakespeare, com “Hamlet”, Etienne de La Boetie,
com “Discurso da Servidão Voluntária”, Thomas Morus, com “Utopia”, entre outros
autores.
Sobressaem, na ciência, o polonês Nicolau Copérnico (1473-1543), cuja teoria des-
locava a Terra do centro do universo. Teoria completada no século XVII pelo italiano Leonardo da Vinci
Galileu Galilei (1564-1642) que, perseguido pela Inquisição, teve de retratar-se para
não ser queimado na fogueira. Juntam-se a esses nomes, Johannes Kepler (1571-1630),
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astrônomo, Nostradamus (1503-1630), médico e astrônomo, e muitos outros.
Qual foi a importância do movimento renascentista? Esse movimento trouxe novas
formas de arte, de literatura e de ciência, mudando o centro do entendimento do mun-
do, que, no período medieval, era dominado pelas explicações teológicas. O homem e
o universo passam a ser o centro das inquietudes. Os homens passaram a ter confiança
na ciência e na capacidade da razão para investigar todos os fenômenos naturais.
A natureza física deixou de ser um mistério explicado pela religião para ser compre-
endida à luz da razão, deixando de ser uma vontade divina. O racionalismo toma conta
de todas as áreas do conhecimento, contribuindo para o estabelecimento das ciências Michelangelo
particulares, Física, Química, Biologia, Economia e todas as outras ciências.
As descobertas científicas começaram a revelar que o universo funciona como uma
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grande máquina, cuja estrutura mecânica, codificada em linguagem matemática, obe-
dece a leis racionais e pode ser compreendida pela razão. A noção de que o universo
obedece a leis naturais e imutáveis teve implicações significativas na história da Europa
(BORGES, 2006).
René Descartes forneceu as bases teóricas do uso da razão para explicar os fenô-
menos da natureza, com a criação do método científico. Método que, partindo de
uma dúvida metódica, da observação e da experiência, produziria conhecimentos que
teriam uma utilidade prática, gerando outras técnicas de produção.
O movimento renascentista contribuiu para outro movimento que se desenvolveu Nicolau Maquiavel
no século XVII, o movimento iluminista, surgido na França, que ampliou a defesa do
domínio da razão sobre a visão teológica, que predominava na Europa, no período
medieval. Banco ITE
Galileu Galilei
modificaram as leis e passaram a ter liberdade comercial para ampliar seus negócios,
uma vez que, com o fim do absolutismo, foram tirados os privilégios do clero e da
nobreza, foram modificados os controles da economia mercantilista e expandiram os
negócios comerciais e industriais.
A burguesia, ao tomar o poder em 1789, insurgiu-se contra os fundamentos da so-
ciedade feudal, e instituiu um Estado que assegurava sua autonomia diante da Igreja e
que incentivava e protegia a empresa capitalista.
O choque da Revolução foi tão intenso que, após setenta anos, o pensador francês
René Descartes Alexis de Tocqueville (apud MARTINS, 1986, p. 26) fazia esta declaração:
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clássicas
Grande Enciclopédia Larousse Cultural, v.15, 1998, p.3639.
A revolução segue seu curso: à medida que vai aparecendo a cabeça do
monstro, descobre-se que, após ter destruído as instituições políticas,
ela suprime as instituições civis e muda, em seguida, as leis, os usos,
os costumes e até a língua; após ter arruinado a estrutura do governo,
mexe nos fundamentos da sociedade e parece querer agredir até Deus...
Podemos citar alguns dos principais filósofos do Iluminismo: John Locke (1632-1704);
Voltaire (1694-1778), que defendia a liberdade de pensamento; Jean-Jacques Rousseau John Locke
(1712-1778), que defendia a ideia de igualdade para todos; Denis Diderot (1713-1784) e
Jean Le Rond d'Alembert (1717-1783), que, juntos, organizaram uma enciclopédia que reu-
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nia conhecimentos e pensamentos filosóficos da época e a difundiram por toda a Europa.
Também em relação à economia surgiram ideias novas. Na França, Quesnay, um
economista fisiocrata, afirmava que a riqueza de uma nação provém da agricultura e,
portanto, da natureza. A economia seria regulada por leis naturais, sendo desnecessária
a intervenção do Estado.
O princípio “laissez faire, laissez passer” – deixar fazer, deixar passar –, era defendi-
do pelos fisiocratas, que pregavam o ideal de liberdade. Os fisiocratas influenciaram a
formação de uma corrente de pensamento chamada liberalismo econômico, da qual
faziam parte os ingleses Adam Smith, Thomas Malthus e David Ricardo. Voltaire
Frontispício da
Encyclopédie (1772),
desenhado por Charles-
Nicolas Cochin e gravado
por Bonaventure-
Louis Prévost. Jean-Jacques Rousseau
Esta obra está carregada
de simbolismo: a figura
http://www.lib.unc.edu/coursepages/hist/F09_hist178_001.html
do centro representa a
verdade – rodeada por
luz intensa (o símbolo
central do iluminismo).
Duas outras figuras
à direita, a razão e a
filosofia, estão a retirar o
manto sobre a verdade.
Adam Smith
Explicações sociológicas
clássicas
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1.3 | Reforma protestante e
contrarreforma católica
católicos. Ela foi deflagrada porque o imperador Ferdinando II, rei da Boêmia, tentou
impor o absolutismo católico romano em seus domínios, e os nobres protestantes
da Boêmia e da Áustria se rebelaram. A guerra terminou com o Tratado de Paz de
Westfália, em 1648.
Além das razões religiosas, vários outros motivos contribuíram com a reforma,
como disputas sucessórias e territoriais e questões comerciais. Os principais adversários
foram, do lado católico, Ferdinando II e, do lado protestante, Frederico V.
Preocupados com os avanços do protestantismo e com a perda de fiéis, bispos e
João Calvino papas se reuniram na cidade italiana de Trento, no Concílio de Trento, com o objetivo
de traçar um plano de reação, denominado de contrarreforma católica, em 1560.
Como resultado prático desse Concílio, e visando expandir seus domínios, a Igreja
determinou a catequização dos habitantes de terras descobertas, a ser realizada pelos
jesuítas. Também retomou o Tribunal do Santo Ofício – Inquisição, para punir e con-
denar os acusados de heresias e evitar a propagação de ideias contrárias, o que veio a
se caracterizar como uma das fases mais cruéis do poder da Igreja Católica. Esse mo-
vimento resultou na perda progressiva do poder político da Igreja Católica, até a sua
separação da política, com o estabelecimento dos Estados modernos.
Na França, a reforma ocorreu com João Calvino, e teve sua cena mais cruel na cha-
mada Noite de São Bartolomeu (1573), quando o rei mandou assassinar milhares de
protestantes.
28 Explicações sociológicas
clássicas
1.4 | A construção de
uma nova ciência
Explicações sociológicas
clássicas
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Foi nessa efervescência que a Sociologia foi construída. Ela não é obra de um único
pensador, é resultante de inúmeros estudos que ocorreram desde a antiguidade clássica
e que foram sistematizados, atualizados e utilizados para compreender os problemas
sociais que se agravaram no século XIX, bem como para apresentar propostas de ação
aos problemas sociais. Não vamos, aqui, estudar todos esses autores, mas vamos
introduzi-los no estudo de autores considerados clássicos, entre eles Émile Durkheim,
Max Weber e Karl Marx, e um autor contemporâneo, Pierre Bourdieu.
Vocês devem estar se perguntando: por que estudar esses autores, se existem
muitos sociólogos contemporâneos? Porque os autores clássicos são sempre visita-
dos? Porque as questões que eles se propuseram a estudar ainda são questões que se
encontram em pauta na sociedade contemporânea, e contribuem para a elaboração
de novas teorias.
Sugestões de Leitura
BORGES, Ana Maria Barreto. Filosofia: noções de Filosofia. Cuiabá: EdUFMT, 2006.
HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986.
MARTINS, Carlos B. O que é Sociologia. São Paulo: Brasiliense, 1986. (Coleção Primeiros Passos)
Neste capítulo vocês perceberam que o mundo europeu passou por muitas transformações so-
ciais entre os séculos XIV e XVIII, e essas transformações tiveram um longo alcance. Produzam
um texto mostrando como era o mundo medieval e como esse mundo ficou após essas trans-
formações. E mostrem, ainda, de que modo essas transformações chegaram até os mundos
recém-descobertos pela Europa, a exemplo do Brasil, na América do Sul, e como essas transfor-
mações, mesmo com resistências culturais das sociedades orientais, como o Japão, acabaram
transformando essas sociedades.
Sugestões de atividades
Existem alguns filmes que mostram passagens desses momentos históricos. Vocês podem as-
sistir a um deles e fazer uma reflexão, utilizando a leitura deste primeiro capítulo.
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clássicas
Sugestões de filmes
Ao escolher um dos filmes acima, assista outro, “Tudo ou nada”, para contrapor o início da Revolu-
ção Industrial aos processos atuais, em que mudanças no mundo industrial ocorreram levando ao
desemprego e a uma reorganização econômica das sociedades.
Atividade complementar
Antes de ingressarem no próximo roteiro desta aventura sociológica, produzam um texto res-
pondendo a essas questões: O que é a sociedade? Por que os homens precisam viver em socie-
dade? Como você acha que os homens se organizaram para viver em sociedade? Se a sociedade
na qual vocês vivem tem problemas, quais seriam as respostas para resolvê-los? Esse texto,
você guardará até o estudo final deste fascículo.
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