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Por que o conhecimento sociológico só passou a se constituir como um conheci-
mento científico no século XIX? O que ocorreu nesse século? Para explicar esse aconte-
cimento, é necessário nos voltarmos para a história da Europa Ocidental no século XIV.
Até meados do século XIV, a Europa Ocidental era organizada social e economica-
mente com base no modo de produção feudal. Nesse modo de produção, a economia
era baseada na produção agrícola e na criação de animais, tendo o campo como o local
de moradia da maioria da população. Existiam também pequenas cidades, ou aldeias
feudais, e as grandes cidades comerciais.
A sociedade era organizada socialmente entre os que detinham o poder político e
econômico: os reis, a nobreza, o clero e os senhores feudais, que detinham a posse das
terras; os trabalhadores urbanos – artesãos organizados em corporações de ofícios; e
os camponeses, que representavam a maioria da população e viviam nos campos ad-
ministrados pelos senhores feudais (em regime de servidão).
Após mais de dez séculos de existência, a sociedade feudal começou a sofrer trans-
formações. Essas transformações foram resultantes de um conjunto de fatos históricos
que, de forma lenta e gradual, geraram mudanças em todas as esferas da vida
social, da organização econômica, política e social ao entendimento e
explicações do mundo, à mudança de crenças e valores. As transfor-
mações foram mais significativas e rápidas entre os séculos XIV e
XVII, chegando ao ápice no século XVIII.
José Alberto Bermúdez | Banco ITE

Esquema de
organização feudal

20 Explicações sociológicas
clássicas
Podemos classificar os fatos históricos em três grupos:

▶▶ 1º) transformações econômicas, sociais e políticas;

▶▶ 2º) transformações culturais: Renascimento e Iluminismo; e

▶▶ 3º) transformações religiosas.

1.1 | Transformações econômicas,


sociais e políticas

As transformações econômicas que afetaram a Europa Ocidental foram impulsiona-


das, inicialmente, pelo desenvolvimento das cidades comerciais, sobretudo as italianas,
como Veneza e Florença, e pelo comércio com o oriente, demandando mais produtos
agrícolas, a partir do século XI.
A expansão do comércio marítimo e a revitalização de atividades manufatureiras
fizeram surgir novas oportunidades de emprego nas cidades, ampliando também as
atividades agrícolas e de criação de animais para atender a esse mercado e às exporta-
ções. As grandes navegações e as conquistas coloniais alargaram as relações de países
europeus com outros países e continentes. Esse movimento levou a profundas trans-
formações na economia feudal.
Ocorreu um redimensionamento da
economia, e a população, que até o século
XI vivia, em sua maioria, nos campos ou
em pequenas aldeias feudais, começa a
migrar para as cidades. A transformação de
grandes áreas de uso comum e de bosques
em áreas agricultáveis, ou em áreas para
criação de animais levou ao fechamento
das propriedades, definindo a propriedade pri-
vada e gerando a expulsão de parte considerável da

Ilustração: Marcelo Velasco


população camponesa para as cidades.
As cidades também atraíam a população do campo,
inicialmente, em busca de trabalho nas manufaturas e, mais
tarde, com a introdução de máquinas, nas indústrias.
O movimento de ampliação das cidades, que na Itália começou no
século XI, ocorreu de modo mais intenso na Inglaterra entre os séculos XV e
XVII. Em apenas 80 anos (1780-1860), a Inglaterra conseguiu mudar radicalmen-
te sua organização espacial. Pequenas cidades passaram a grandes cidades industriais,
caracterizando-se como produtoras e exportadoras de produtos manufaturados. O
mesmo ocorrerá na França.
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Ilustração: Marcelo Velasco

Ilustração: Marcelo Velasco


A descoberta da máquina a vapor, introduzida na manufatura e nos transportes – na-
vios e trens –, deixou o mundo menor. As longas distâncias passaram a ser percorridas
em poucos dias ou horas. E o trabalho dos artesãos, que era realizado no ritmo da vida
diária, passou a ser disciplinado pelo movimento rápido das máquinas, subordinando,
pela primeira vez na história, os homens às máquinas.
A introdução das máquinas incrementou a divisão
técnica do trabalho, gerando maior produtividade.
Essas transformações, caracterizadas como Re-
volução Industrial, geraram outra organização social,
provocada pela transformação da atividade artesanal
em manufatureira e fabril, como também pela reorga-
Ilustração: Marcelo Velasco

nização das atividades agrícolas, criação de animais,


intensificação das atividades extrativistas e a migra-
ção do campo para a cidade.
Esse fenômeno também forjou a emergência de
duas novas classes sociais, a burguesia, detentora do
capital e dos meios de produção, e o proletariado,
uma grande massa de trabalhadores livres, despos-
suída dos meios de produção.
Essas transformações tiveram seu lado funesto, a população que se dirigiu para
as cidades – ex-camponeses –, passou a viver em condições sub-humanas. As cidades
não possuíam infraestrutura adequada para alojá-los. Também não havia trabalho
para todos, e aqueles que conseguiam trabalho eram submetidos a longas jornadas
de trabalho e a alto grau de insalubridade, incluindo a exploração do trabalho infantil
e das mulheres, que recebiam salários menores que o dos homens.

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As cidades se transformaram num verdadeiro caos, sem condições para suportar
o aumento populacional. Em seus espaços se concentravam problemas sociais, como
desemprego, falta de moradia ou moradias insalubres, prostituição, criminalidade e
mortalidade infantil.
A falta de higiene e saneamento gerou doenças que se espalharam na forma de
epidemias, dizimando uma parte significativa da população urbana: febre tifóide, peste
negra, varíola e outras doenças.
Os problemas sociais e as condições de trabalho e salário contribuíram para a
organização da classe trabalhadora em associações livres e sindicatos e à exigência
de direitos sociais com os governantes e com os proprietários dos instrumentos de
trabalho.
Os comerciantes e industriais, burgueses, que enriqueceram com essas transforma-
ções, passaram a lutar pelos direitos políticos, que estavam em poder da aristocracia e
do clero. Os burgueses se aliaram aos iluministas, pensadores que criticavam o antigo
regime feudal e lutavam para que a instalação de uma nova sociedade, mais igualitária Declaração dos Direitos
e fraterna. Humanos e do Cidadão: o
A união de pensadores iluministas e de burgueses na França, no século XVIII, re- patriotismo revolucionário
sultou na Revolução Francesa, um movimento revolucionário, que tinha como lema toma emprestado a iconografia
“Liberdade, igualdade e fraternidade”. familiar dos Dez Mandamentos.
Os burgueses, orientados pelo pensamento revolucionário dos iluministas, se alia- In: http://12-efe.blogspot.
ram aos trabalhadores urbanos e camponeses, ambos insatisfeitos com a exploração com/2006_11_01_archive.html
da aristocracia, para derrubar o antigo regime político da
sociedade feudal.
Mas os resultados dessa Revolução não levaram à igual-
dade entre nobres, burgueses, trabalhadores urbanos e
camponeses. O novo estado político não garantiu os direi-
tos dos pobres e camponeses, que tiveram que continuar
lutando por direitos sociais e políticos.
Foi criada, nessa época, a “Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão”, que se baseava nos preceitos ilumi-
nistas de que “Todos os homens nascem livres e devem ter
o direito de viver livres e iguais perante a lei”. Porém, essa
declaração acabou por representar os direitos da classe
burguesa e da aristocracia, que não perdeu seu poder.
Esses acontecimentos e as transformações econômicas
e sociais despertaram a necessidade de debates e estudos
sobre a sociedade. Participavam dos debates pensadores
de diversas correntes: conservadoras, liberais e socialistas.
Os debates e estudos tinham como objetivo estabelecer
orientação de ações para os problemas sociais que, pela
primeira vez na História, haviam tomado grandes propor-
ções, pela concentração significativa de grande parcela da
população nas cidades.
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1.2 | O movimento cultural renascentista
e o Iluminismo

As transformações econômicas, políticas e sociais ocorreram concomitantes a um


movimento de renovação cultural importante, o Renascimento, que promoveu inú-
meras realizações no campo das artes, da literatura e das ciências, que superaram a
herança clássica greco-romana.
Foi caracterizado como Renascimento por retomar o pensamento filosófico que
promovia a valorização do homem (humanismo) e da natureza (da cultura grega), em
oposição ao pensamento teológico e dogmático que havia impregnado a cultura na
Idade Média.
Teve início na Itália, no século XIV, e foi lentamente se espalhando por toda a Europa
Ocidental, sendo resultante das transformações econômicas que vinham ocorrendo
desde o século XI. Esse movimento foi favorecido por outros, que permitiram ampla
difusão das artes, da literatura e das ciências renascentistas, como:

▶▶ a) o aperfeiçoamento da imprensa, com a difusão de obras da antiguidade


clássica greco-romana e de outras obras que eram de acesso exclusivo de religiosos;
Detalhe da obra Episódios da
Criação, de Michelangelo. ▶▶ b) as grandes navegações e as conquistas coloniais que alargaram as relações
Capela Sistina, Vaticano, Roma. de países europeus com outros continentes e propiciaram o contato com diferentes
In: CIVITA, Victor (Ed.). Góticos culturas;
e Renascentistas. São Paulo:
Abril Cultural, 1984. v. I. p. 150. ▶▶ c) o mecenato, formado por burgueses ricos, pela aristocracia e alto clero que
(Coleção Gênios da Pintura) financiavam as artes e o desenvolvimento das ciências e da técnica.

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São muitos os representantes deste movimento. Nas artes e na arquitetura desta-
cam-se Leonardo da Vinci (1452-1519), Rafael de Sanzio (1483-1520) e Michelangelo.
Na literatura, Dante Alighieri (1265-1321), com sua obra “A Divina Comédia”, Nicolau
Maquiavel (1469-1527), com “O Príncipe”, Miguel de Cervantes (1547-1616), com “Dom
Quixote de La Mancha”, William Shakespeare, com “Hamlet”, Etienne de La Boetie,
com “Discurso da Servidão Voluntária”, Thomas Morus, com “Utopia”, entre outros
autores.
Sobressaem, na ciência, o polonês Nicolau Copérnico (1473-1543), cuja teoria des-
locava a Terra do centro do universo. Teoria completada no século XVII pelo italiano Leonardo da Vinci
Galileu Galilei (1564-1642) que, perseguido pela Inquisição, teve de retratar-se para
não ser queimado na fogueira. Juntam-se a esses nomes, Johannes Kepler (1571-1630),

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astrônomo, Nostradamus (1503-1630), médico e astrônomo, e muitos outros.
Qual foi a importância do movimento renascentista? Esse movimento trouxe novas
formas de arte, de literatura e de ciência, mudando o centro do entendimento do mun-
do, que, no período medieval, era dominado pelas explicações teológicas. O homem e
o universo passam a ser o centro das inquietudes. Os homens passaram a ter confiança
na ciência e na capacidade da razão para investigar todos os fenômenos naturais.
A natureza física deixou de ser um mistério explicado pela religião para ser compre-
endida à luz da razão, deixando de ser uma vontade divina. O racionalismo toma conta
de todas as áreas do conhecimento, contribuindo para o estabelecimento das ciências Michelangelo
particulares, Física, Química, Biologia, Economia e todas as outras ciências.
As descobertas científicas começaram a revelar que o universo funciona como uma

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grande máquina, cuja estrutura mecânica, codificada em linguagem matemática, obe-
dece a leis racionais e pode ser compreendida pela razão. A noção de que o universo
obedece a leis naturais e imutáveis teve implicações significativas na história da Europa
(BORGES, 2006).
René Descartes forneceu as bases teóricas do uso da razão para explicar os fenô-
menos da natureza, com a criação do método científico. Método que, partindo de
uma dúvida metódica, da observação e da experiência, produziria conhecimentos que
teriam uma utilidade prática, gerando outras técnicas de produção.
O movimento renascentista contribuiu para outro movimento que se desenvolveu Nicolau Maquiavel
no século XVII, o movimento iluminista, surgido na França, que ampliou a defesa do
domínio da razão sobre a visão teológica, que predominava na Europa, no período
medieval. Banco ITE

Para os filósofos iluministas, essa forma de pensamento tinha o propósito de ilu-


minar as trevas em que se encontrava a sociedade, após anos de domínio religioso.
Os pensadores que defendiam estes ideais acreditavam que o pensamento racional
deveria substituir as crenças religiosas e o misticismo que, segundo eles, bloqueavam
a evolução do homem.
O Iluminismo chegou ao auge no século XVIII, e esse século passou a ser conhecido
como o Século das Luzes. Seu movimento foi mais intenso na França, influenciando
não apenas as ciências, mas os movimentos políticos, como a Revolução Francesa e os Miguel de Cervantes
movimentos de independência das colônias americanas.
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http://colecionadordefrases.wordpress.com/category/
william-shakespeare/

Para os filósofos iluministas, o homem era considerado naturalmente bom, porém


era corrompido pela sociedade. Eles acreditavam que se todos fizessem parte de uma
sociedade justa, com igualdade de direitos, a felicidade comum seria alcançada. Por
essa razão, eram contra as imposições de caráter religioso, contra as práticas mercan-
tilistas, o absolutismo dos monarcas e os privilégios da nobreza e do clero, que haviam
dominado todo o período feudal.
Os burgueses, classe social que ascendeu economicamente no final do período
feudal, foram os principais interessados nas ideias iluministas. Apesar de terem enri-
William Shakespeare quecido e ascendido economicamente, não possuíam poder político.
Os intelectuais iluministas tiveram apoio da burguesia, que via nesse movimento
a possibilidade de acabar com o antigo regime. Eles foram os mentores da Revolução
http://www.frombork.art.pl/Ang10.htm

Francesa e, com seus ideais, convenceram a classe trabalhadora urbana e os campone-


ses a participarem do movimento revolucionário.

A Liberdade Guiando o Povo


Nicolau Copérnico (em francês: La Liberté guidant
le peuple). Ilustração de
Marcelo Velasco sobre uma
Grande Enciclopédia Larousse Cultural, v.11, 1998, p.2628.

pintura de Eugène Delacroix


em comemoração à Revolução
Francesa, julho de 1830.
Tela original:
Óleo sobre tela, 260 × 325 cm
Museu do Louvre

Galileu Galilei

Com a Revolução Francesa, os burgueses, além de ascenderem ao poder político,


Grande Enciclopédia Larousse Cultural, v.8, 1998, p.1837.

modificaram as leis e passaram a ter liberdade comercial para ampliar seus negócios,
uma vez que, com o fim do absolutismo, foram tirados os privilégios do clero e da
nobreza, foram modificados os controles da economia mercantilista e expandiram os
negócios comerciais e industriais.
A burguesia, ao tomar o poder em 1789, insurgiu-se contra os fundamentos da so-
ciedade feudal, e instituiu um Estado que assegurava sua autonomia diante da Igreja e
que incentivava e protegia a empresa capitalista.
O choque da Revolução foi tão intenso que, após setenta anos, o pensador francês
René Descartes Alexis de Tocqueville (apud MARTINS, 1986, p. 26) fazia esta declaração:

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Grande Enciclopédia Larousse Cultural, v.15, 1998, p.3639.
A revolução segue seu curso: à medida que vai aparecendo a cabeça do
monstro, descobre-se que, após ter destruído as instituições políticas,
ela suprime as instituições civis e muda, em seguida, as leis, os usos,
os costumes e até a língua; após ter arruinado a estrutura do governo,
mexe nos fundamentos da sociedade e parece querer agredir até Deus...

Podemos citar alguns dos principais filósofos do Iluminismo: John Locke (1632-1704);
Voltaire (1694-1778), que defendia a liberdade de pensamento; Jean-Jacques Rousseau John Locke
(1712-1778), que defendia a ideia de igualdade para todos; Denis Diderot (1713-1784) e
Jean Le Rond d'Alembert (1717-1783), que, juntos, organizaram uma enciclopédia que reu-

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nia conhecimentos e pensamentos filosóficos da época e a difundiram por toda a Europa.
Também em relação à economia surgiram ideias novas. Na França, Quesnay, um
economista fisiocrata, afirmava que a riqueza de uma nação provém da agricultura e,
portanto, da natureza. A economia seria regulada por leis naturais, sendo desnecessária
a intervenção do Estado.
O princípio “laissez faire, laissez passer” – deixar fazer, deixar passar –, era defendi-
do pelos fisiocratas, que pregavam o ideal de liberdade. Os fisiocratas influenciaram a
formação de uma corrente de pensamento chamada liberalismo econômico, da qual
faziam parte os ingleses Adam Smith, Thomas Malthus e David Ricardo. Voltaire

Grande Enciclopédia Larousse Cultural, v.21, 1998, p.5145.


http://artfl.uchicago.edu/encyclopedie/frontispice.jpg

Frontispício da
Encyclopédie (1772),
desenhado por Charles-
Nicolas Cochin e gravado
por Bonaventure-
Louis Prévost. Jean-Jacques Rousseau
Esta obra está carregada
de simbolismo: a figura

http://www.lib.unc.edu/coursepages/hist/F09_hist178_001.html
do centro representa a
verdade – rodeada por
luz intensa (o símbolo
central do iluminismo).
Duas outras figuras
à direita, a razão e a
filosofia, estão a retirar o
manto sobre a verdade.
Adam Smith

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1.3 | Reforma protestante e
contrarreforma católica

Nesse período de grandes transformações ocorreram dois grandes movimentos


religiosos: a reforma protestante e a contrarreforma católica. A reforma protestante
teve início em 1517, na Alemanha, e se arrastou pelos países nórdicos.
O que gerou a reforma protestante foram dois movimentos. Um interno, da própria
Igreja Católica, com o descontentamento de determinadas facções desde o final do
período medieval. Eram monges, bispos e abades que se preocupavam com os gastos
da Igreja com luxo e preocupações materiais, e queriam modificações na organização
Grande Enciclopédia Larousse Cultural, v.15, 1998, p.3689.

hierárquica e nos rituais. E o outro, no campo político: os reis estavam descontentes


com o papa, pois este interferia nos comandos das monarquias.
O movimento de reforma da Igreja foi liderado pelo monge alemão Martinho Lute-
ro, um dos primeiros a contestar fortemente os dogmas da Igreja Católica Romana. Ele
criticava a venda de indulgências plenárias, e propôs a fundação de uma nova religião,
a Luterana. Seu movimento se espalhou pela Europa e teve seguidores na França e na
Inglaterra, o que contribuiu para que o poder da Igreja, em meio aos monarcas, fosse
diminuído.
Martinho Lutero Em muitos países europeus, as minorias religiosas foram perseguidas, e muitas
guerras religiosas ocorreram, como a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), que teve
início na região da Boêmia, no Império Germânico, em 1618, envolvendo luteranos e
Grande Enciclopédia Larousse Cultural, v.5, 1998, p.1068.

católicos. Ela foi deflagrada porque o imperador Ferdinando II, rei da Boêmia, tentou
impor o absolutismo católico romano em seus domínios, e os nobres protestantes
da Boêmia e da Áustria se rebelaram. A guerra terminou com o Tratado de Paz de
Westfália, em 1648.
Além das razões religiosas, vários outros motivos contribuíram com a reforma,
como disputas sucessórias e territoriais e questões comerciais. Os principais adversários
foram, do lado católico, Ferdinando II e, do lado protestante, Frederico V.
Preocupados com os avanços do protestantismo e com a perda de fiéis, bispos e
João Calvino papas se reuniram na cidade italiana de Trento, no Concílio de Trento, com o objetivo
de traçar um plano de reação, denominado de contrarreforma católica, em 1560.
Como resultado prático desse Concílio, e visando expandir seus domínios, a Igreja
determinou a catequização dos habitantes de terras descobertas, a ser realizada pelos
jesuítas. Também retomou o Tribunal do Santo Ofício – Inquisição, para punir e con-
denar os acusados de heresias e evitar a propagação de ideias contrárias, o que veio a
se caracterizar como uma das fases mais cruéis do poder da Igreja Católica. Esse mo-
vimento resultou na perda progressiva do poder político da Igreja Católica, até a sua
separação da política, com o estabelecimento dos Estados modernos.
Na França, a reforma ocorreu com João Calvino, e teve sua cena mais cruel na cha-
mada Noite de São Bartolomeu (1573), quando o rei mandou assassinar milhares de
protestantes.

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1.4 | A construção de
uma nova ciência

Na efervescência provocada pelas grandes transformações econômicas, culturais e


religiosas, no século XVIII, emergem os pensadores que fornecerão elementos para a
construção de uma ciência que irá estudar a sociedade.
Combinando o uso da razão e da observação, os iluministas analisaram quase todos
os aspectos da sociedade: população, comércio, religião, moral, família. O objetivo
desses estudos era demonstrar que as instituições não eram racionais e que atentavam
contra a natureza dos indivíduos, impedin-
do a liberdade do homem, portanto deve-
riam ser transformadas.
Para essa transformação, alguns pensa-
dores alegavam a necessidade de conhecer
melhor a sociedade, e, para isso, eram

Ilustração: Marcelo Velasco


necessários estudos com bases racionais,
e a emergência de uma ciência que expli-
casse a sociedade se tornou premente. Os
problemas sociais, que haviam se intensifi-
cado, mostravam que havia certa urgência
na apresentação de soluções, fossem essas
soluções conservadoras ou revolucionárias.
Para os primeiros sociólogos, sobretudo
Comte e Durkheim, a emergência de uma
ciência que estudasse a sociedade tinha
uma utilidade prática: entender como a so-
ciedade estava organizada, e quais seriam
seus caminhos futuros, para apresentar
soluções a seus problemas. Eram autores
conservadores, e a Sociologia tinha como
função apresentar propostas para o estabe-
lecimento da ordem social.
Para outros autores, como os socialistas, entre eles Marx, eram necessárias transfor-
mações radicais, por meio de um processo revolucionário. E, para Weber, a Sociologia
não deveria ter essa função prática. Como ciência deveria apenas compreender a socie-
dade. O uso prático de seus estudos deveria ser função da política.
A Sociologia surge, então, para dar respostas à nova sociedade, apontando soluções
para seus problemas sociais. Seu surgimento ocorre num momento histórico determi-
nado, coincidente à desagregação da sociedade feudal e à consolidação da sociedade
capitalista.

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Foi nessa efervescência que a Sociologia foi construída. Ela não é obra de um único
pensador, é resultante de inúmeros estudos que ocorreram desde a antiguidade clássica
e que foram sistematizados, atualizados e utilizados para compreender os problemas
sociais que se agravaram no século XIX, bem como para apresentar propostas de ação
aos problemas sociais. Não vamos, aqui, estudar todos esses autores, mas vamos
introduzi-los no estudo de autores considerados clássicos, entre eles Émile Durkheim,
Max Weber e Karl Marx, e um autor contemporâneo, Pierre Bourdieu.
Vocês devem estar se perguntando: por que estudar esses autores, se existem
muitos sociólogos contemporâneos? Porque os autores clássicos são sempre visita-
dos? Porque as questões que eles se propuseram a estudar ainda são questões que se
encontram em pauta na sociedade contemporânea, e contribuem para a elaboração
de novas teorias.

Sugestões de Leitura

BORGES, Ana Maria Barreto. Filosofia: noções de Filosofia. Cuiabá: EdUFMT, 2006.
HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986.
MARTINS, Carlos B. O que é Sociologia. São Paulo: Brasiliense, 1986. (Coleção Primeiros Passos)

Para compreensão do capítulo

Neste capítulo vocês perceberam que o mundo europeu passou por muitas transformações so-
ciais entre os séculos XIV e XVIII, e essas transformações tiveram um longo alcance. Produzam
um texto mostrando como era o mundo medieval e como esse mundo ficou após essas trans-
formações. E mostrem, ainda, de que modo essas transformações chegaram até os mundos
recém-descobertos pela Europa, a exemplo do Brasil, na América do Sul, e como essas transfor-
mações, mesmo com resistências culturais das sociedades orientais, como o Japão, acabaram
transformando essas sociedades.

Sugestões de atividades

Existem alguns filmes que mostram passagens desses momentos históricos. Vocês podem as-
sistir a um deles e fazer uma reflexão, utilizando a leitura deste primeiro capítulo.

30 Explicações sociológicas
clássicas
Sugestões de filmes

Daens – um grito de justiça | 1992 | Direção de Stijin Conix


Sinopse: Na cidade de Aalst, norte da Bélgica, um grupo de trabalhadores vive em condições mi-
seráveis, vítimas da exploração da indústria de tecidos onde estão empregados. A situação come-
ça a mudar quando um padre revolucionário é transferido para a cidade e assume a igreja local.

Tempos Modernos | 1936 | Direção de Charles Chaplin


Sinopse: Neste filme, realizado durante a Grande Depressão, Charles Chaplin (realizador, ar-
gumentista, ator principal, compositor da trilha sonora) aborda questões fundamentais do seu
tempo, tais como a mecanização da sociedade e as questões sociais (como o desemprego e a
pobreza).

A Revolução Industrial | 1989 | Encyclopaedia Britannica Educacional Corporation


Sinopse: Documentário em 2 módulos. No primeiro, Revolução Industrial: seu início nos Estados
Unidos, mostra como se operou o explosivo crescimento industrial nos Estados Unidos. Ilustra
como a industrialização provocou o aparecimento de grandes centros urbanos. Revela, também,
como a Revolução Industrial afetou a vida das pessoas no país mais industrializado do mundo.
No segundo, A Revolução Industrial na Inglaterra, retrata as mudanças ocorridas na Inglaterra
durante o século XIX, quando o país transformou-se no maior exportador mundial de produtos
acabados. Relata como o Sistema Doméstico de Produção foi substituído pelo Sistema Industrial
e mostra os tipos de máquinas que promoveram a transformação da economia inglesa. Revela,
ainda, os problemas sociais e os benefícios materiais da Revolução Industrial.

Ao escolher um dos filmes acima, assista outro, “Tudo ou nada”, para contrapor o início da Revolu-
ção Industrial aos processos atuais, em que mudanças no mundo industrial ocorreram levando ao
desemprego e a uma reorganização econômica das sociedades.

Tudo ou Nada | 1997 | Direção de Peter Cattaneo


Sinopse: A história do filme se passa em uma pequena cidade industrial inglesa, que no passado
foi gloriosa, mas que entrou em decadência com o fechamento das fábricas. Tem como protago-
nistas um grupo de trabalhadores desempregados. A história gira em torno das relações entre
seis homens cujas vidas são entrelaçadas pela vontade comum de abandonar o desemprego, e
as estratégias deles para conseguir dinheiro.

Atividade complementar

Antes de ingressarem no próximo roteiro desta aventura sociológica, produzam um texto res-
pondendo a essas questões: O que é a sociedade? Por que os homens precisam viver em socie-
dade? Como você acha que os homens se organizaram para viver em sociedade? Se a sociedade
na qual vocês vivem tem problemas, quais seriam as respostas para resolvê-los? Esse texto,
você guardará até o estudo final deste fascículo.

Explicações sociológicas
clássicas
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