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"HISTÓRIA GERAL DA NATUREZA E TEORIA DO CÉU"

ou

ENSAIO SOBRE A CONSTITUIÇÃO

A ORIGEM MECÂNICA DO UNIVERSO

NA SUA TOTALIDADE

TRATADA DE ACORDO

COM OS PRINCÍPIOS DE NEWTON

(1755)

Emmanuel KANT

© Paris, Librairie Philosophique J.Vrin,1984.

[ Estas passagens foram por mim traduzidas a partir da obra acima referida,
que é tradução directa do texto alemão estabelecido pela "Academia das
Ciências de Berlim", publicado em 1910 na edição das "Obras Completas" de
Kant. A tradutora francesa da edição alemã é Anne-Marie Roviello]

SELECÇÃO DE PASSAGENS PARA AS AULAS DE COSMOLOGIA

PREFÁCIO

1] - "(...) A matéria que se determina segundo as suas leis mais gerais produz
por um processo natural ou,se assim se quiser nomear,através de uma
mecânica cega,consequências convenientes que parecem ser o projecto duma
sabedoria suprema.Ar,água,calor,engendram,se os considerarmos
abandonados a elas próprios,os ventos e as nuvens,a chuva,os rios que
irregam as terras,e todas as consequências úteis sem as quais a natureza
deveria permanecer triste,deserta e estéril.Todavia,não são produzidas estas
consequências por uma pura contingência ou por um acaso que poderia
também ter-se mostrado desfavorável,mas vê-se que foram constrangidos
pelas suas leis a não agir de nenhuma outra maneira que não essa.Que pensar
desta concordância? Como seria possível que coisas de natureza diferente
devessem tender a produzir em ligação umas com as outras concordâncias e
belezas tão perfeitas; e isso mesmo em função de coisas que,numa certa
medida,se situam para além do que diz respeito à matéria inerte,a saber ao
serviço dos homens e dos animais,se elas não conhecessem uma origem
comum,isto é um entendimento infinito no qual a constituição essencial de
todas as coisas foi projectada?Se as suas naturezas fossem necessárias por
elas mesmas e de forma independente,que acaso espantoso ou melhor ainda
que impossibilidade não constituiria o facto de elas se articularem entre si com
as suas tendências naturais tão precisamente como se uma escolha inteligente
e reflectida tivesse podido pô-las de acordo.(...)" [p.68/69].

2] - "(...) um tal desenvolvimento da natureza não é para esta qualquer coisa de


impensável,mas pertence necessariamente à sua tendência essencial,e isto é o
testemunho mais esplêndido da sua dependência face a esse Ser originário
que tem nele a própria fonte dos seres e das suas primeiras leis de acção.Esta
perspectiva redobra a minha confiança no projecto que formei.A minha
segurança aumenta em cada passo que dou em frente,e a minha
pusilanimidade cessa completamente.(...)". [p.69].

3] - "(...) Mas,dir-se-á,a defesa do teu sistema é também a das opiniões de


Epicuro que tem com ele a maior semelhança.Não recusarei toda a
concordância com este.Muitos tornaram-se ateus devido à aparência de tais
razões que,examinadas mais precisamente,teriam podido convencê-los com a
maior das forças sobre a certeza do Ser supremo.(...)". [p.69/70].

4] - "(...) Não contestarei pois que a teoria de Lucrécio ou dos seus


predecessores,Epicuro,Leucipo,e Demócrito tenha muitas semelhanças com a
minha.Aceito o primeiro estado da natureza,como estes filósofos,na dispersão
geral da substância originária de todos os corpos celestes,ou dos átomos,como
eles se designam na obra deles.Epicuro supunha um peso que forçava as
partículas elementares a cair,e isso não parece ser muito diferente da atracção
newtoniana que eu aceito;ele atribuia-lhes também um certo desvio por relação
ao movimento rectilíneo da queda,ainda que tivesse sobre a causa desse
desvio e sobre as suas consequências ideias absurdas.(...)". [p.70].

5] - "(...) Este desvio adapta-se numa certa medida com a modificação da


queda rectilínea que nós deduzimos da força de repulsão das partículas;enfim
os turbilhões que resultavam do movimento perturbado dos átomos eram uma
peça principal na teoria de Leucipo e de Demócrito,e encontrá-los-emos
igualmente na nossa.Tanto parentesco com uma concepção que era a
verdadeira teoria da negação de deus na Antiguidade não conduz todavia a
minha a partilhar dos seus erros.(...) Uma diferença essencial todavia mantem-
se,apesar da parecença indicada,entre a antiga cosmogonia e a presente,de tal
forma que podem tirar-se desta última consequências completamente
opostas.(...)" [p.70].6] - "(...) Os teóricos,acima mencionados,da produção
mecânica do universo deduziam toda a ordem que nele apercebemos do acaso
aproximativo que fazia articular os átomos de forma tão feliz que eles
formavam um todo bem ordenado.Epicuro era suficientemente impertinente
para pretender que os átomos se desviavam do seu movimento rectilíneo sem
qualquer causa para poderem reencontrar-se.Todos em conjunto levaram tão
longe tal absurdo que atribuiram a origem de todas as criaturas vivas
igualmente a esta convergência cega,e deduziram realmente a razão da
desrazão.Na minha concepção,pelo contrário,eu encontro a matéria ligada a
certas leis necessárias.Vejo em toda a sua decomposição e dispersão
desenvolver-se naturalmente a partir destas leis um todo,belo e ordenado.Este
não se produz por acaso e de maneira contingente,mas assinala-se que as
suas propriedades naturais o engendram por necessidade.Não se será por isto
motivado a perguntar:por que motivo a matéria deveria ter precisamente tais
leis visando ordem e medida? Seria então possível que tantas coisas,cada uma
tendo a sua natureza independente das outras,devessem determinar-se por
elas próprias umas às outras de tal forma que um todo bem organizado daí
surgisse? E se elas o fazem,não reside aí uma prova inegável da comunidade
da sua primeira origem que deve ser um entendimento supremo absolutamente
autosuficiente,no qual as naturezas das coisas foram projectadas seguindo
intenções pré-estabelecidas? (...)". [p.71].

7] - "(...) A matéria que é a substância originária de todas as coisas está pois


ligada a certas leis,e,abandonada livremente a essas leis deve
necessariamente produzir belas combinações.Ela não tem a liberdade de se
desviar desse plano da perfeição.Uma vez que se encontra submetida a uma
intenção supremamente sábia, deve necessariamente ter sido fixada em tais
relações harmoniosas por uma causa primeira reinando sobre ela,e existe um
Deus precisamente por esta razão que a natureza,mesmo no caos,não pode
proceder doutra forma que não seja por um processo regular e ordenado. (...)"
[p.71].

8] - "(...) Tentei afastar as dificuldades que pareciam ameaçar as minhas


proposições por parte da religião.Há algumas,não menores,que dizem respeito
ao próprio assunto.(...) o entendimento do homem que face aos objectos mais
comuns é tão limitado,será capaz de explorar as propriedades escondidas num
tão grande projecto? Uma tal empreendimento significa dizer:Dêem-me
somente matéria,eu irei partir daí construir-vos um mundo.A fraqueza das tuas
vistas,que se arruina nas mais pequenas coisas encontradas quotidianamente
(...),não deverá ensinar-te que é vão procurar descobrir o incomensurável e o
que se passava na natureza antes mesmo que existisse um mundo.Eu reduzo
a nada esta dificuldade demonstrando claramente que,por entre todas as
pesquisas que podem ser empreendidas na ciência da natureza,é
precisamente nesta última que se pode mais facilmente e mais certamente
atingir a origem.Da mesma forma que dentre todas as tarefas da ciência da
natureza,nenhuma foi resolvida com maior exactidão e certeza que a da
verdadeira constituição do universo no seu conjunto,das leis do movimento e
do mecanismo interno das revoluções de todos os planetas,na medida em que
a filosofia newtoniana pode proporcionar perspectivas tais que se não
encontram em qualquer outra parte da filosofia;do mesmo modo afirmo que por
entre todas as coisas da natureza das quais se procura a causa primeira,a
origem do sistema do mundo e dos corpos celestes,assim como as causas dos
seus movimentos,são aquilo que se pode esperar entrever em primeiro
lugar,com profundidade e com certeza.(...)" [p.72/73].
9] - "(...) A posição das órbitas umas por relação às outras,a concordância na
direcção,a excentricidade,tudo isto pode ser reduzido às causas mecânicas
mais simples,ou pode esperar-se com confiança descobri-las,porque ela pode
repousar sobre os fundamentos mais fáceis e mais claros.Mas poder-se-á
envaidecer na obtenção de tais vantagens nas plantas mais pequenas ou num
insecto? Estar-se-á em estado de dizer: Dêem-me matéria,eu mostrar-vos-ei
como uma lagarta pode ser engendrada ? Não se estará aqui bloqueado desde
o primeiro passo,pela ignorância da verdadeira constituição do objecto e da
articulação da diversidade nele presente? Não se deverá pois espantar se ouso
avançar que a formação de todos os corpos celestes,a causa dos seus
movimentos,numa palavra,a origem de toda a constituição presente do
universo,poderem ser entrevistos muito antes que se possa explicar claramente
e completamente,a partir de causas mecânicas,a produção duma única erva ou
duma única lagarta.(...)" [p.73/74].

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PRIMEIRA PARTE

1] - "(...) Seis planetas,dos quais três têm satélites,Mercúrio,Vénus,a Terra com


a sua lua,Marte,Júpiter com quatro satélites e Saturno com cinco,que
descrevem órbitas em volta do Sol como centro,constituem com os
cometas,que fazem o mesmo de todos os lados e em muito longas órbitas,um
sistema que se designa o sistema solar ou ainda o universo planetário.Uma vez
que é circular e se fecha sobre ele próprio,o movimento de todos os corpos
supõe duas forças que são igualmente necessárias em qualquer espécie de
concepção,a saber:uma força de impulsão pela qual prosseguiriam em linha
recta em cada ponto do seu percurso curvilíneo e de distanciariam para o
infinito,se uma outra força,qualquer que possa ser,os não obrigasse
constantemente a abandonar essa linha recta e a circular numa via curva tendo
o Sol como centro.Esta segunda força,como a própria geometria estabelece de
forma indubitável,tende de todos os lados para o Sol e é chamada força de
queda,força centrípeta ou ainda gravidade. [p.86]

2] - "(...) Se as órbitas dos corpos celestes fossem círculos perfeitos,a mais


simples análise da composição dos movimentos curvilíneos mostraria que seria
necessário para isso uma tendência contínua para o centro;mas ainda que
esses movimentos sejam,para todos os planetas assim como para todos os
cometas,elipses cujo foco comum se encontra no Sol,a geometria superior
demonstra paralelamente com uma certeza infalível,com a ajuda da analogia
de Kepler (segundo a qual o radius vector,ou a linha traçada desde o planeta
até ao Sol divide sempre na trajectória elíptica espaços que são proporcionais
aos tempos) que uma força deveria sem cessar empurrar o planeta em toda a
sua órbita para o centro do Sol.(...)". [p.86]

3] - "(...) Por outro lado,é absolutamente verosímil que,quando uma acção se


produz somente em presença dum certo corpo,e se a direcção desta acção se
relaciona muito exactamente com esse corpo,é preciso crer que este corpo
é,de alguma forma,a causa desta acção;é por isso,que se julgou
suficientemente fundamentada a atribuição da queda universal dos planetas
para o Sol a uma força de atracção deste,e a conferir esse poder de atracção
de uma maneira geral a todos os corpos celestes.(...)" [p.87]

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SEGUNDA PARTE

1] - "(...) O universo mergulha-nos num espanto sereno pela sua grandeza


incomensurável e pela variedade infinita e a beleza que nele brilham em todas
as partes.Se a representação de toda esta perfeição comove a imaginação,é
por outro lado uma outra espécie de deslumbramento que invade o
entendimento quando considera como tanto esplendor,tanta grandeza derivam
duma só regra universal numa ordem eterna e justa.O sistema planetário no
qual,centro de todas as órbitas eternas de todas as esferas habitadas do seu
sistema,foi formado,como vimos,a partir da matéria primeira originariamente
dispersa de toda a matéria do mundo.Todas as estrelas fixas que a vista
descobre na profundidade vazia do céu,e que parecem testemunhar uma
espécie de prodigalidade,são sóis e centros de sistemas semelhantes.A
analogia não permite pois duvidar que estes últimos foram formados e
engendrados,da mesma maneira que aquele no qual nos encontramos,com as
mais pequenas partes da matéria elementar que enchiam o espaço vazio,essa
extensão infinita da presença divina.(...)" [p.145]

2] - "(...) Se,no espaço incomensurável no qual todos os sóis da Via Láctea se


formaram,se suposer um ponto à volta do qual,por não sei que causa,começou
a primeira formação da natureza a partir do caos,aí mesmo se terá formado a
massa maior,um corpo duma atracção extraordinária,que por isso se tornou
capaz de constranger todos os sistemas em formação compreendidos na
enorme esfera que o rodeia a cairem para ele como para o seu centro,e a
formar à volta dele o mesmo sistema ao nível do Todo como aquele que foi
produziu em pequena escala em torno do Sol a mesma matéria primeira
elementar que formou os planetas.A observação torna esta conjectura
praticamente indubitável.(...)". [p. 146]

3] - "(...) Se as estrelas fixas constituem um sistema cuja extensão é


determinada pela esfera de atracção do corpo que se encontra no centro,não
terão surgido mais sistemas solares e por assim dizer mais Vias Lácteas,se
assim me posso exprimir,que,em posições diferentes por relação à
vista,apresentam formas elípticas com um brilho enfraquecido
proporcionalmente à sua distância infinita;são sistemas dum diâmetro por
assim dizer infinitas vezes infinitamente maior que o diâmetro do nosso sistema
solar,mas que,sem nenhuma dúvida surgiram da mesma maneira,organizaram-
se e dispuseram-se a partir das mesmas causas,e mantêm-se por um
mecanismo idêntico ao da constituição do sistema solar.(...)" [p.146]
4] - "(...) todo o fragmento de natureza que nós conhecemos,ainda que não
seja senão um átomo em comparação com aquilo que fica escondido para cima
e para baixo do nosso horizonte confirma esta fecundidade da natureza que é
sem limites,pois ela nada mais é que o exercício de toda o poder divino em si
mesmo.Inumeráveis animais e plantas são destruídos quotidianamente e são
vítimas da caducidade,mas a natureza não produz menos em compensação
noutros lugares,por um poder inesgotável de criação,e enche o vazio.Porções
consideráveis do solo terrestre que habitamos são de novo engolidas pelo
mar,que um período mais favorável dele tinha retirado,mas noutros lugares a
natureza compensa a falta e produz outras regiões que estavam escondidas na
profundeza da água para estender sobre elas novas riquezas da sua
fecundidade.Da mesma maneira se desvanecem mundos e ordens de mundos
e são engolidos pelo abismo das eternidades;por outro lado a criação está
sempre ocupada em construir noutras regiões do céu novas formações e a
compensar a perca com lucros.(...)". [p.155]

5] - "(...) Não devemos espantar-nos em reconhecer na própria grandeza das


obras de Deus uma caducidade,Tudo o que é finito,que tem um começo e uma
origem transporta nele a marca sa sua natureza limitada;deve passar e ter um
fim.A duração dum universo tem em si,pela excelência da sua fundação,uma
estabilidade que,para a nossa compreensão,se aproxima duma duração
infinita.Talvez milhares,talvez milhões de séculos não o aniquilarão;mas porque
a vaidade que se liga às criaturas finitas trabalha constantemente na sua
destruição,a eternidade conterá em si todos os períodos possíveis para
transportar finalmente e apesar de tudo,por um declínio progressivo,o momento
da sua desaparição.(...)". [p.155/156]

6] - "(...) Não devemos todavia lamentar o desaparecimento dum universo


como uma verdadeira perca para a natureza.Ela faz prova da sua riqueza
numa espécie de prodigalidade que,através de inumeráveis produções novas
em toda a extensão da sua perfeição,se mantem intacta,enquanto que algumas
partes pagam tributo à sua caducidade.Que multidão incalculável de flores e de
insectos,destrói um só dia de frio;mas quão pouco estes nos fazem falta,ainda
que sejam obras de arte esplêndidas da natureza e provas do supremo poder
divino.Num outro local,esta perca é de novo compensada por uma
superabundância.O próprio homem que parece ser a obra prima da criação não
escapa a esta lei.(...)" [p.156]

7] - "(...) Os efeitos perniciosos do ar infectado,os tremores de terra,as


inundações exterminam da superfície da terra povos inteiros;mas não parece
que a natureza tenha sofrido por isso qualquer desvantagem.Da mesma
maneira mundos inteiros e sistemas saem de cena após ter desempenhado o
seu papel.A infinidade da criação é suficientemente grande para olhar um
mundo ou uma Via Láctea de mundos por relação a ela como se olha para um
insecto relativamente à terra.(...)" [p.156]

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TERCEIRA PARTE

1] - "(...) Ainda que possa parecer que nesta espécie de assunto a liberdade de
imaginar não tenha propriamente qualquer limitação,e que,no julgamento sobre
a constituição dos habitantes dos mundos longínquos,se possa soltar a rédea à
imaginação com um deixar-correr bem maior que um pintor na figuração dos
vegetais e dos animais de países desconhecidos,e que tais reflexões não
poderiam ser nem demonstradas como justas nem refutadas,deve-se todavia
concordar em que as distâncias dos corpos celestes ao Sol implicam certas
relações que têm uma influência essencial sobre as diferentes propriedades
das naturezas pensantes que neles se encontram;com efeito,a sua maneira de
agir e de sofrer está ligada à constituição da matéria à qual estão ligados,e
depende da medida das impressões que o mundo nelas desperta segundo as
propriedades de relação do seu lugar de habitação relativamente ao centro de
atracção e ao calor.(...)". [p.187/188]

2] - "(...) Sou de opinião que não é necessário afirmar que todos os planetas
devam ser habitados,ainda que seja um absurdo negar isso para todos eles ou
mesmo somente para a maior parte.Na riqueza da natureza,onde mundos e
sistemas não são senão grãos de poeira solar em consideração com o todo da
criação,poderia também aí existirem regiões incultas e desabitadas que não
seriam utilizadas da maneira mais apropriada para o fim da natureza,quer dizer
em consideração aos seres racionais.Seria como se criassem escrúpulos,em
função da Sabedoria de Deus,admitir que os desertos arenosos e desabitados
ocupem grandes extensões da Terra,e que existem no oceano ilhas
abandonadas sobre as quais nenhum homem se encontra.E todavia,um
planeta representa muito menos relativamente ao todo da criação que um
deserto ou uma ilha face à Terra. (...)" [p.188]

3] - "(...) Talvez que todos os corpos celestes não se tenham ainda formado
completamente;é preciso séculos e talvez milhares de anos antes que um
grande corpo celeste tenha atingido o estado sólido das suas matérias.Júpiter
parece estar ainda em plena luta.(...)" [p.188]

4] - "(...) Mas pode-se com uma satisfação ainda maior conjecturar que se não
está hoje ainda habitado,sê-lo-á contudo um dia,quando o período da sua
formação estiver acabado.Talvez a nossa Terra tenha existido mil anos ou mais
antes de se encontrar numa constituição tal que pudesse sustentar os
homens,os animais e os vegetais.(...)" [p.188]

5] - "(...) E,para tudo agrupar num único conceito geral,direi que a substância
de que são formados os habitantes de diferentes planetas,neles se incluindo os
animais e as plantas,deve ser de uma maneira geral,duma espécie tanto mais
leve e fina,e a elasticidade das fibras assim como a constituição avantajada da
sua estrutura deve ser tanto mais perfeita quanto esses planetas estiverem
afastados do Sol.(...)" [p.194]
6] - "(...) Se,de acordo com isto,as capacidades espirituais estão numa
necessária dependência face à substância da máquina que elas
habitam,poderemos então concluir com uma probabilidade mais que razoável
que:a excelência das naturezas pensantes,a prontidão nas suas
representações,a clareza e a vivacidade dos conceitos que recebem das
impressões exteriores,assim como a faculdade de as congregar,por fim
também a agilidade no exercício real,em resumo,toda a extensão da sua
perfeição,está submetida a uma certa regra segundo a qual estas criaturas se
tornam sempre mais excelentes e mais perfeitas de acordo com a relação de
distância do seu lugar de habitação face ao Sol.(...)" [p.194]

7] - "(...) Uma vez que esta relação tem um grau de credibilidade que não está
distante duma certeza estabelecida,encontramos um campo aberto para
agradáveis conjecturas decorrentes da comparação entre as propriedades
destes diferentes habitantes.A natureza humana que,na escala dos
seres,ocupa por assim dizer o escalão médio,vê-se colocada a meia distância
das duas fronteiras exteriores da perfeição,estando igualmente distanciada dos
seus dois limites.Se a representação das classes mais elevadas das criaturas
racionais que habitam Júpiter ou Saturno excita a sua inveja e humilha-a pela
representação da sua própria baixeza,a consideração dos graus inferiores
que,sobre os planetas Vénus e Mercúrio,estão sepultados bem abaixo da
perfeição da natureza humana.Que vista admirável! Dum lado vemos criaturas
pensantes junto das quais um Gronelandês ou um Hotentote seria um
Newton;e do outro lado,outros que olham para este último como um macaco.
(...)" [p.195]

8] - "(...) Que desenvolvimento no conhecimento não atingirá a inteligência


destes seres felizes das esferas celestes superiores!Que belos efeitos esta
iluminação da inteligência não terá na sua constituição moral! (...)" [p.195]

9] - "(...) Os telescópios ensinam-nos que a alternância do dia e da noite


produz-se em Júpiter em dez horas.Que poderia fazer o habitante da Terra
com uma tal divisão se fosse colocado sobre este planeta? As dez horas não
seriam sequer suficientes para o repouso que utiliza pelo sono esta máquina
grosseira para o seu restabelecimento.Que parte do tempo que sobra não seria
solicitado para a preparação na realização das actividades,para se vestir,para o
tempo utilizado na alimentação,e como é que uma criatura cujas actividades se
efectuam com uma tal lentidão não ficaria perturbada e incapaz de nada fazer
de válido logo que as suas ocupações de cinco horas fossem subitamente
interrompidas pela ocorrência duma obscuridade com igual duração? Por outro
lado,se Júpiter é habitado por criaturas mais perfeitas que,com uma formação
mais fina,congregam forças mais elásticas com uma maior agilidade no
exercício,pode-se crer que estas cinco horas são para estas criaturas a mesma
coisa e mais ainda que aquilo que representam as doze horas do dia para a
classe inferior dos homens.Nós sabemos que a necessidade de tempo é
qualquer coisa de relativo que não pode ser conhecida e compreendida a não
ser através da comparação entre a grandeza daquilo que deve ser executado e
a velocidade do exercício.É por isso que o mesmo tempo,que para uma
espécie de criaturas não é por assim dizer senão um instante,talvez para uma
outra seja um longo período no qual se desenvolve uma longa série de
modificações,devido a uma actividade rápida.Saturno tem,de acordo com o
cálculo provável da sua revolução,que nós já exposemos anteriormente,uma
divisão ainda bem mais curta do dia e da noite,e deixa também entrever na
natureza dos seus habitantes capacidades ainda mais excelentes.(...)"
[p.196/197]

10] - "(...) Enfim,a excelência das naturezas nestas regiões superiores do céu
parece estar ligada por uma conexão física a uma durabilidade que a
dignifica.A decadência e a morte não podem apoderar-se destas criaturas
excelentes da mesma forma que em nós,naturezas inferiores.Esta mesma
inércia da matéria e a aspereza da substância,que para os degraus inferiores é
o princípio específico da sua inferioridade,é igualmente a causa desta
tendência que eles têm para a degradação.Quando os humores que alimentam
e fazem crescer o animal ou o homem,ao incorporarem-se entre as suas
fibras,e juntando-se à sua massa,deixam de poder acrescentar os seus vasos e
canais na extensão do espaço,quando o crescimento está já terminado,esses
sucos nutrientes suplementares devem então,pela mesma força mecânica que
é aplicada para alimentar o animal,fechar e obstruir o vazio dos seus canais,e
levar à destruição,por uma solidificação sempre crescente,a estrutura da
máquina na sua totalidade.(...)" [p.198]

11] - "(...) Ainda que a caducidade corroa igualmente as naturezas mais


perfeitas,é preciso acreditar que a vantagem na fineza da substância,na
elasticidade dos vasos e na ligeireza e eficácia dos sucos de que são formados
estes seres mais perfeitos que habitam nos planetas mais afastados,retem por
muito mais tempo esta caducidade que é o efeito de inércia duma matéria
grosseira,proporcionando a estas criaturas uma duração cujo tamanho é
proporcional à sua perfeição,da mesma forma que a caducidade da vida dos
homens está em justa relação com a sua indignidade.(...)" [p.198]

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CONCLUSÃO

1] - "(...) Nós não sabemos ainda bem o que é que o homem hoje é
realmente,ainda que a consciência e os sentidos nos instruam sobre este
ponto;quanto mais poderemos adivinhar aquilo em que ele deve tornar-se um
dia! (...)" [p.202]

2] - "(...) A alma imortal deverá pois,em toda a infinidade da sua duração futura
que a própria tumba não interrompe mas nada mais faz que
transformar,permanecer para sempre ligada a este ponto do espaço cósmico,à
nossa Terra? Não deveria ela participar numa contemplação mais próxima das
outras maravilhas da criação? Quem sabe,não lhe estará reservada a
possibilidade de conhecer um dia de perto esses globos distantes do universo
e a excelência das suas disposições que já de longe tanto excitam a sua
curiosidade?(...)" [p.202]
3] - "(...) É permitido,é conveniente divertirmo-nos com tais representações;mas
ninguém fundamentará a esperança do futuro sobre imagens tão incertas da
imaginação.Após a vaidade ter reclamado a sua parte à natureza humana,o
espírito imortal elevar-se-á num élan rápido para além de tudo aquilo que é
finito,e prosseguirá a sua existência numa nova relação com a natureza toda
inteira,que decorre dum ligação mais próxima com o Ser supremo.(...)" [p.202]

4] - "(...) De facto,quando se enche o espírito com tais considerações e das


outras que as precederam,a visão dum céu estrelado numa noite serena
proporciona então uma espécie de prazer que somente podem experimentar as
almas nobres.No silêncio geral da natureza,e no repouso dos
sentidos.(...)"[p.202]

 © Levi António Malho - Menú Principal de "Citações"


 Actualizado em 26.12.2002

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