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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ

CLAYTON GÓES

O MATERIALISMO NA ONTOLOGIA DO SER SOCIAL

CASCAVEL
2013
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ

CLAYTON GÓES

O MATERIALISMO NA ONTOLOGIA DO SER SOCIAL

Trabalho apresentado à disciplina de


Sociologia, como requisito parcial de
avaliação semestral, no Curso de
Pedagogia, noturno, pela Universidade
Estadual do Oeste do Paraná.

Professor (a) Orientador (a):


LAYSMARA CARNEIRO EDOARDO

CASCAVEL
2013
PRÓLOGO

“Não é a consciência que determina a vida, é a vida que determina a consciência”.


(MARX, A ideologia alemã, 2009).

O opúsculo presente objetiva realizar uma breve leitura tangente ao método de


conhecimento elaborado por Karl Marx e seu coautor Friedrich Engels. Sabe-se que,
desses pensadores, o primeiro desenvolveu uma teoria 1 , o capital, cuja investigação
dera luz a uma ontologia do ser social, isto é, um estudo general dessa forma de ser – do
Homem – independente das suas manifestações empíricas. Visto que a perspectiva
marxiana abrange amplo número de determinações categoriais relativas ao ser social,
faremos, portanto, um recorte metodológico que restringe a uma abordagem mais
delimitada de seu método: o materialismo histórico-dialético.
É sabido que os antigos filósofos gregos se debruçaram sobre o problema do ser
na intenção de descobrir o que é o ser em geral e o ser social. Mas, as representações
ideais por eles efetivadas, apesar de eruditas, não foram satisfatórias, vis to que, no
limite, desaguaram em justificativas da ordem social a que pertenciam. Destarte, O
Platão encerra sua obra de filosofia pedagógica – Politéia – se convertendo em
legislador, ao passo que o genial Aristóteles conclui a sua Ética com o mesmo apelo, isto
é: a necessidade de um homem capaz de executar a Lei. Não obstante, o “rio” filosófico
dos chamados fisiólogos corria para o mesmo “mar” jurídico-político à razão de que suas
interpretações da natureza nada mais eram que a transposição das relaçõ es sociais,
exteriorizadas e objetivadas, na natureza sensível. Nesse sentido, o Anaximandro de
Mileto transfere para o reino da natureza a representação da Lei, da vida social da polis,
o que lhe permitiu explicar a conexão entre a geração e a corrupção do s corpos físicos:
surge aí a ideia de cosmos na medida em que esse termo expressa, originalmente, a reta
ordem do Estado e de toda a comunidade política grega (JAEGER, 2010, p. 143).

1-Parafraseando J. P. Netto (s/d, p. 7), é preciso esclarecer o significado que teoria tem para M arx. Uma
teoria não s e reduz ao exame das formas aparentes de um objeto, com o pesquisador descrevendo -o,
detalhando e construindo modelos explicativos para dar conta de seu movimento visível e exibindo meras
conexões entre caus a e efeito – empi rismo/positivismo. Para Marx, a teori a é uma modalidade peculiar de
conhecimento (outras modalidades são, por exemplo, o conhecimento prático -imedi ato ou senso-comum,
a arte, o pensamento mágico-religioso etc.). Mas, a teori a se distingue de todas essas modalidades, pois
tem sua es pecificidade: aprender o real tal como ele é em si mesmo, isto é, para além de suas aparênci as,
portanto na sua existência efetiva e indiferentemente aos desejos e aspirações do pes quisador e
independente das manifestações empíricas do próprio objeto – daí onto logia. Enfim, teoria para M arx é a
reprodução ideal do movimento real do objeto, conquanto realizada pelo sujeito que pesquisa. Assim a
teoria será mais correta, mais próxima da verdade, quanto mais fiel o sujeito for ao objeto i nquiri do.

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A questão que envolve os limites cognoscíveis de apreensão da realidade jamais
se trata da mera incapacidade cognoscente dos homens. Trata-se, todavia de limitações
impostas pela própria realidade, ou melhor, limites dados pelo processo social em que se
vive. Destarte, é a realidade social, ou seja, as condições materiais de produção da vida
dos homens que tanto os impedem de produzir um dado conhecimento quanto os
impelem a produzir outros quaisquer. Basta lembrar que uma denominada teoria da
evolução das espécies, por exemplo, foi pensada por homens cujo modo de vida era
plenamente urbano, ao passo que jamais foi produzida por povos tribais cujos
conviveram, e ainda convivem, há séculos mantendo uma vida harmônica com animais e
plantas. Nesse plano, o Marx bem expressou que o Darwin projetou entre os animais e as
plantas a sua própria sociedade inglesa: com sua divisão do trabalho, sua competição,
sua abertura de novos mercados, suas invenções e a luta pela existência decorrente
d’uma abstração malthusiana profundamente gnosiológica (BOTTOMORE, 2001, p. 97).
Consoante ao raciocínio supracitado é possível estabelecer que as projeções
humanas, portanto ideais, suas teorizações e criações espirituais, são sempre o produto
inevitável de suas próprias relações sociais. Não se quer com isto dizer que as relações
humanas, isto é, o conjunto e a estrutura d’uma sociedade qualquer, se processam
mecanicamente e faz dela própria derivar o espírito. O essencial é demonstrar algo que,
nos dias atuais, é ainda incompreensível: a mera asserção de que toda realização
humana é ontologicamente dada, quer dizer: são as relações sociais que potencializam a
espiritualidade humana. Desta forma, nossas idealidades não são autocriadas visto que
possuem uma base e fundamento material. A despeito de os homens serem capazes de
transcender essas mesmas relações isso só explica que tais não são mecânicas e que,
nesse sentido, o Homem – unicamente ele – detém em-si a categoria da liberdade.
Se os homens são os produtores de suas representações, todavia no limite que
denominamos histórico-ontológico, faz-se preciso demonstrar com efetividade na
própria sociabilidade como se dá essa apreensão teórica, isto é: a reprodução ideal do
movimento real pelo pensamento. O methodós (caminho – grego) creditado como o mais
adequado até o presente é o materialismo histórico-dialético. Nossa meta, portanto, é
realizar, nos limites e nas possibilidades, uma breve exposição deste por uma dupla via:
demonstrar como o método desvela as relações sociais e, simultaneamente, como estas
relações mesmas o trouxeram a luz da realidade, porquanto o método jamais será a pura
criação de uma mentalidade à razão de o espírito ser socialmente determinado.

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IDEALISMO, MATERIALISMO HISTÓRICO, DIALÉTICA E ONTOLOGIA

“O ponto de vista do velho materialismo é a sociedade ‘burguesa’; o ponto de vista


do novo é a sociedade humana, ou a humanidade socializada”.
(MARX, Teses ad Feuerbach, 2009).

É fundamental esclarecer alguns pontos relativos ao novo materialismo concreto


tangente a suprassunção (aufhebung), quer dizer, a superação das velhas concepções
materialistas e idealistas epistemologicamente vulgarizadas.
Iniciaremos nossa interpretação desfazendo um equívoco academicamente
reproduzido sobre a acepção de idealismo e de materialismo. No cotidiano, confunde-se
comumente o materialista com as personalidades lançadas ao consumo exacerbado,
levadas ao hedonismo extremado, e o idealista com o homem de supostas virtudes,
rotuladamente ascéticas e filantrópicas. Isto porque a vulgaridade teórica burguesa
entende por materialismo o comer e o beber sem medida, a cobiça, o prazer da carne, a
vida faustosa, a ânsia de dinheiro, a avareza, a sede de lucro etc.; numa palavra, todos
esses vícios infames que o filisteu guarda para si mesmo. E, por idealismo, a fé na
virtude, no amor ao próximo e, em geral, num “mundo melhor”, (ENGELS, s/d, p. 186).
Contudo, esses conceitos por nos analisados não significam outra coisa senão
que: para o materialismo, ou seja, o que ele propõe teoricamente, a única realidade é a
natureza. É o inverso do idealismo de Hegel para o qual o pensamento e seu produto, a
ideia, é o elemento primário e a natureza, o derivado, o que só pode existir graças à
condescendência da Ideia. Para o materialismo, nada existe fora da natureza e dos
homens; e os entes superiores, criados por nossa imaginação religiosa, nada mais são
que outros tantos reflexos fantásticos de nossa própria essência (ENGELS, s/d, p. 177).
Nesse horizonte, aqueles ideais metafísicos, as ideias transcendentais, suprassensíveis,
com certa aparência de realidade autônoma, são em-si a essência do homem mais
subjetiva, mais própria, separada e abstraída, a sua mais elevada essência em si mesmo.
São, porém, objetivações exteriorizadas sob sua forma alienada: portanto, personificada
como um ser vivamente autônomo – como Deus; mas, essa essência ideal, a consciência
supraterrena, essa “essência divina” nada mais é do que a essência humana, ou melhor, a
essência do homem abstraída das limitações do homem individual, real, corporal,
objetivada, contemplada e adorada como uma outra essência própria, diversa da dele
(FEUERBACH, 2009, p. 40, 45, 46, 59).

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Não é menos importante ressaltar que o materialismo possui também outra
versão abstratamente limitada: o materialismo mecanicista, embutido em concepções
positivistas das ciências naturais do século XVIII. Este materialismo empirista não muito
difere do idealismo transcendental, subjetivo, kantiano e da Ideia absoluta, a
autoconsciência, de Hegel, pois hiperdimensiona num complexo de concatenações
lógicas, uma das matrizes, apenas, em detrimento da outra: “o idealismo afirma a
prioridade [absoluta] da ideia sobre a matéria e o materialismo”, este mecanicista, “ao
inverso, a prioridade [absoluta] da matéria sobre a ideia” (LESSA, 2008, p. 45). Ao passo
que a matriz idealista hiperdimensiona o sujeito (tendendo para uma gnosiologia) a
materialista mecanicista faz do objeto o substrato da realidade – o que, deveras, é
fundamental –, mas em desdenho da idealidade do mundo (desembocando numa
ontologia da natureza, da matéria, enquanto única realidade possivelmente sensível).
A superação de tais matrizes, que se cogitadas separadamente destinarão
sempre a bancarrota, fora apresentada por Marx, em apêndice de A ideologia alemã, nas
suas famosas Teses ad Feuerbach. Destarte, Marx afirmou que o defeito principal de todo
materialismo existente até agora – o materialismo contemplativo Greco-medieval e o
materialismo mecanicista dos modernos –, é que o objeto efetivo [Gegenstand], a
realidade, a coisa-em-si mesma, só é apreendido sob a forma do objeto [Objekt],
(empiricamente), ou da contemplação [das ideell], (idealmente); não, porém, como
atividade humana sensível, não como prática subjetivada [gegenständliche Tätigkeit]. Em
suma, essas categorias materialistas abstratas não captam o real como objetivação humano -
sensível: como práxis. Não faz, portanto, uma teoria em sentido concreto, isto é: enquanto
reprodução ideal do movimento real pelo sujeito cognoscente: como concreto-pensado.
Destarte, o idealismo trinfou na sua forma abstrata – apenas teórica, pois não conhece
(vernunft) a atividade objetiva como tal – em detrimento do materialismo, cujo fora
relegado ao pragmatismo (manifestação judaica, suja: mercenária) (MARX, 2009, p. 119).
Para o materialismo-dialético ou histórico-ontológico temos uma relação
sujeito-objeto que supera, sem precedentes, as vulgarizações anteriormente destacadas.
Heráclito de Éfeso, para o qual tudo é movimento, com o seu tudo flui, afirmara que nunca
nos banhamos duas vezes no mesmo rio (LESSA, 2002, p. 7); todavia, captou a dialética
apenas formalmente, pois o filósofo se achava premido pelo silogismo do mundo antigo,
cuja estrutura produtiva, material, não permitira compreender a corrupção, ou melhor, o
processo de transformação como imanência do real: daí a inevitável contemplação.

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O que distingue de antemão a ontologia marxiana das visões anteriores e
demais concepções de mundo é a categoria práxis que se revela primariamente na
relação prática-teoria-prática mediada pela categoria trabalho, atividade esta que
movimenta a vida humana e, mais serenamente, o curso da natureza em sentido espiral.
Movimento este divergente dos “ciclos eternos”, d'onde tudo se movimenta, mas nada
surge de qualitativamente novo; em que apenas persiste a “progressão” quantitativa dos
mesmos processos: um abstrato eterno retorno do mesmo (NIETZSCHE, p. 451, 453,
454). Tivemos, assim, de aguardar até o século XIX para que a Revolução industrial
potencializasse uma nova visão do devir da realidade, visão agora consolidada por Marx.
Obviamente, o eterno retorno supracitado teve em Hegel uma tautologia à
medida que é o movimento do pôr-se-a-si-mesmo, pois o em-si deve exteriorizar-se e vir-
a-ser para-si mesmo, o que não significa outra coisa que: deve pôr a consciência-de-si
como um só consigo. Ontologicamente, essa concepção de “ciclo interminável”, não vai
além de uma expressão mistificada decorrente e, ao mesmo tempo justificante, da
divisão social do trabalho cuja aparência revelou-se, às genialidades monumentais, como
automovimento ou vir-a-ser-de-si-mesmo (HEGEL, 1992, p. 30, 31, 35).
Porém, à clarividência, tal concepção abstrata e aparentemente cíclica, “eterna e
ineliminável”, nada mais é que a expressão fatídica d’uma cisão do homem consigo
mesmo, que, fastidiosamente, em tempos remotos, teve a sua necessidade circunscrita
de ser. Deveras, essa cisão, essa bipartição do “coração e cérebro” humanos, é a
manifestação empírica que confirma, dialeticamente, uma fragmentação real: a divisão
da produção social humana em classes sociais: decisivamente, a processualidade privada
de seu próprio fundamento ontológico: o trabalho humano socialmente universal.

“Tempo virá em que uma pesquisa diligente e contínua esclarecerá aspectos que
agora permanecem escondidos. O espaço de tempo de uma vida, mesmo se
inteiramente devotada ao estudo do céu, não seria suficiente para investigar um
objetivo tão vasto... este conhecimento será conseguido somente através de
gerações sucessivas. Tempo virá em que os nossos descendentes ficarão
admirados de que não soubéssemos particularidades tão óbvias a eles... Muitas
descobertas estão reservadas para os que virão, quando a lembrança de nós
estará apagada. O nosso universo será um assunto sem importância, a menos
que haja alguma coisa nele a ser investigada a cada geração...
A natureza não revela seus mistérios de uma só vez”.
(SÊNECA, Problemas Naturais, VII, século I, apud SAGAN, Cosmos, 1980).

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MATERIALISMO-DIALÉTICO OU HISTÓRICO-ONTOLÓGICO: MODO-DE-PRODUÇÃO,
RELAÇÕES DE PRODUÇÃO, TRABALHO, DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO,
PROPRIEDADE PRIVADA, CLASSES SOCIAIS, HISTÓRIA E IDEOLOGIA

“A vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios que induzem a teoria ao


misticismo encontram sua solução racional na prática humana e na compreensão
dessa prática”.
(MARX, Teses ad Feuerbach, 2009).

Para delimitar nossa abordagem sem perder coerência, analisaremos dois textos
elaborados por Marx em coautoria com Engels: A ideologia alemã (parte dedicada à
Feuerbach) e as teses críticas desse mesmo texto, conhecidas como ad Feuerbach. É nessa
obra de juventude que os pensadores alemães expõem, numa linguagem acessível, o seu
método de conhecimento: o materialismo dialético ou histórico-ontológico. Contudo,
outras referências são imprescindíveis para complementar nosso raciocínio.
György Lukács, ao resgatar o método marxiano, assevera que se quisermos
interpretar ontologicamente as formas específicas do ser social, isto é, racionalizar o seu
ser em suas determinações categóricas reais, tal como é em si mesmo, é preciso começar
com a análise do trabalho. Logo porque Marx advertiu que para entender o ser-em-si dos
homens é imprescindível partir do que eles fazem, praticam, e não apenas do que dizem,
pensam e idealizam sobre si mesmos. Destarte, diz Marx, somos forçados a começar
constatando que o primeiro pressuposto de toda existência humana , e, portanto, de sua
história, é que os homens devem estar em condições de viver para fazer história , ciência,
arte, política, religião etc.; e, para viver, é necessário, antes de tudo, comer, beber,
habitar, vestir-se – basilarmente isto (LUKÁCS, 2010, p. 360; MARX, 2009, p. 13).
A asserção supracitada implica diretamente a impostação onto-
gnosiologicamente correta de que as condições materiais estabelecem, isto é, põe o chão
fundamental para a apreensão cognoscível da atividade humana. Se para existir os
homens são compelidos a produzir de antemão a sua própria existência , isto só o fazem
d’uma maneira previamente determinada. Comer, beber, habitar, vestir -se etc., exige – é
supérfluo dizer – uma transformação do ambiente natural, o único capaz de
proporcionar os meios necessários ao suprimento das necessidades básicas. Nesse
sentido, consideramos o trabalho como a atividade primária, fundante, do ser social, ou
seja, a atividade sem a qual nenhum homem, social ou individualmente, pode abdicar, ao
menos, se quiser continuar existindo.

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É preciso, porém, delimitar o conceito de trabalho. Para Marx, o trabalho é uma
atividade especificamente humana à razão simples de exigir um projeto –
tautologicamente falando – idealmente planejado para posterior execução. Assim, o
trabalho é, e continuará sendo, a objetivação de uma prévia-ideação: é, portanto, uma
síntese entre causalidade e teleologia, um processo atualizado na práxis, ou relação
teoria-prática; enfim, que se revela no ato de pôr fins sobre as causalidades naturais
(LUKÁCS, s/d, p. 33). É indiferente aqui se um sem-número de intelectuais renomados
conceba abstratamente o trabalho, reduzindo-o a mera atividade pensante como os
fazeres da educação, da arte, da ética, da estética, da política etc. – mas, sobre essa
questão não nos cabe aqui entrar em detalhes e relegamo -la para outra oportunidade. O
essencial é parafrasear Marx, e seu famoso capítulo V de O Capital, e corroborar que a
despeito de a mais hábil das abelhas fazer corar de vergonha um arquiteto rudimentar,
este último, porém, é superior a primeira à trivialidade de que, antes de produzir sua
mureta em ato, ele a projeta previamente em potência, e, portanto, idealmente.
Longemente da instintividade animal, ele realiza na matéria natural o seu objetivo
subordinando-a a sua vontade. Trata-se, ademais, de um processo em que participam
homem e natureza – atividade orientada a um fim –, da qual o homem se apropria
conscientemente e a transforma em valores-de-uso, em objetos úteis, necessidade, por
isso mesmo, “natural” e condição universal da existência humana, independente (daí
ontologia) de qualquer formação social determinada (MARX, 1996, p. 297, 298, 303).
Dada essa veracidade, é preciso ir além. Embora o trabalho, como acima
descrevemos, seja a atividade humana por excelência, única “natureza humana” possível,
ele ocorre sempre em condições preestabelecidas. Portanto, os homens criam a sua
própria existência, mas não necessariamente em condições por eles escolhidas. Uma
formação social qualquer se acha sempre em um determinado “estágio” de
desenvolvimento das suas forças produtivas materiais – forças e meios de trabalho – que
correspondem a um modo de produção e as decorrentes relações de intercambio dessas
formas. O modo de produção, isto é, o conjunto total dessas relações, é a base econômica
real, sobre cuja forma de organização se realiza o trabalho, e sobre a qual se exteriorizam
determinadas formas de consciência (MARX, 2009, p. 24). Devemos desde já, adiantar
um passo nessa interpretação: não são a consciência e as potencialidades intelectuais
(educação, ética, política) que faz a vida; inversamente, é o modo de produzir a vida que
constrói –reitera-se, não mecanicamente – a consciência: o espírito (MARX, 2009, p. 32).

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Num sentido primeiro, nosso limite cognoscente somente pôde apontar uma
forma primitiva comunal de trabalho. Nômades ou sedentários, nesse modo primário, toda
a produção econômica, as posses materiais e intelectuais, é também comum a todos os
membros dessa associação. É, assim, suficiente o exemplo concreto do Povo Tupinambá,
tribo nativa brasileira, cujo modo de sociabilidade por eles constituído permite ilustrar o
entendimento de que numa sociedade sem classes os fins da educação coincide com os
interesses comuns do grupo e se realizam igualitariamente em todos os seus membros.
Não há, por isso, instituições específicas organizadas tendo em vista a atingir os fins da
educação. Por isso a educação é comum e espontânea (SAVIANI, 2008, p. 38).
Ao modo de produção supra, denominamos comunismo primitivo: expressão
referente ao “direito” coletivo aos recursos básicos, à ausência de direitos hereditários ou
de domínio autoritário e às relações igualitárias que antecedem a exploração econômica e
à sociedade de classes na história humana (BOTTOMORE, 2001, p. 73). A despeito de não
se poder negar seu caráter histórico, temos de salientar que dito movimento se processa
com tal placidez que é preciso o desenrolar de dezenas de milhares de séculos para se notar
alguma alteridade nas suas instituições e na forma de trabalho, cuja se baseia na caça, na
pesca e na extração de frutos e vegetais. A motivação desse fenômeno – e este é o passo
decisivo para o entendimento da progressão que se seguirá – é que o trabalho ainda não
se acha socialmente dividido, mantendo, portanto, apenas uma divisão, digamos,
“natural”: por sexo, por idade etc., no interior das famílias tribais (MARX, 2009, p. 27).
Com a divisão social do trabalho aí mencionada, com sua ampliação, e com o
desenvolvimento das forças produtivas que, para Marx, entram em choque com as
relações de propriedade até então vigentes, altera-se o modo de produção. As formações
sociais asiáticas do Oriente antigo podem ser consideradas como a primeira forma
progressiva das forças produtivas. Com uma produção excedente – derivante da evolução
da produtividade, apesar d’uma suposta dádiva do Nilo – essas relações de posses, tornadas
privatizadas, complexificam-se; isso potencializa a existência de estranhamentos
conflitantes entre os produtores. Daí a necessidade de um Estado em fase primitiva, cuja
jurisdição tange apenas a organização política de armazenamento e distribuição dos
produtos do trabalho associado. Entretanto uma divisão social do trabalho
qualitativamente está emergindo: a sociedade se divide entre aqueles que irão produzir e
os que apenas vão administrar essa produção e distribuição, tendo como base
superestrutural o duplo aparato do Estado: o ideológico (direito) e o repressivo (polícia).

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Com o Estado absorvendo essa atividade essencial, outras demandas de caráter
político – guerras dinásticas – não abalam a estrutura do sistema. Mas, se a produção não
se dá em larga escala ela destina-se a bancarrota (refletindo empiricamente a doutrina
malthusiana da população: progressão geométrica/ aritmética), por fenômenos banais:
meros sete anos de pragas divinas – determinadas por Javé! –, ou melhor, infortúnios ideal
e confusamente concebidos como emanação celestial, oriundas do “mundo
suprassensível”. Mas, enfim, a divisão do trabalho está mais desenvolvida. Encontramos
agora novas relações e necessidades; oposição entre cidade e campo, entre interesses
oligárquicos e democráticos, contradição entre a indústria primitiva, a atividade agrícola e,
não obstante, também, a marítima e comercial: cada uma reclamando prerrogativas para
si mesmas. Está, finalmente, dada a possibilidade de uns se transformarem em cidadãos
livres e outros em escravos, forjando a primeira configuração refinada de classes sociais
na história, cujo fazer histórico é não mais que o reflexo da luta engendrada entre tais
complexos: o substrato ontológico denominado luta de classes 2 (MARX, 2009, p. 27).
A explicação da decadência do mundo antigo, do modo de produção escravista, é
muito rarefeita devido as grandes perdas dos registros e de dados empíricos – por exemplo,
destruição da biblioteca de Alexandria, que não revela um ato fortuito, mas um produto
derivado dessa mesma luta política. Sabe-se que a produção no mundo escravo era
bastante escassa. Não é casualidade alguma que a prática do roubo, do saquear, do tomar,
tem sido tão importante paras os Estados clássicos desse modo de produção: Grécia e
Roma. Mas, o tomar é condicionado pelo objeto tomado, portanto, encerrado numa forma
dada de produzir a vida; nessas relações de produção que, na base desse modo de trabalho,
dessa produção, já o são de per si usurpadoras e expropriantes (MARX, 2009, p. 104).
Da destruição do mundo antigo, devido a conflitos cada vez mais amplos, não
apenas dinásticos, mas entre escravos, reis, exércitos, cidadãos livres, lideranças
religiosas etc., etc., só restaram as grandes planícies e muitas cidades abandonadas. No
embate “entre pagãos e monoteístas”, os que triunfaram se tornaram senhores
arrendatários de terras – é um caso de determinação econômica. Assim, explicamos o
surgimento dos feudos, das unidades agrícolas, e a vitória do Clero como a nova classe
dominante. Desses, uns trabalharão a terra arrendada por um vassalo, o qual terá posse
sobre ela na medida em que atribui favores e proteção militar aos novos reis da Terra.

2- Porque emtoda cidade se encontram estas duas tendências diversas e isso resulta do fato de que o povo
não quer ser mandado nem oprimido pelos poderosos e es tes des ejam governar e oprimir o povo
(MAQUIAVEL, s/d, p. 65).

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Suserania e vassalagem constituem assim as relações de produção do modo de
produção feudal, ao passo que as forças produtivas são levadas a cabo pelo trabalho rural,
servil, realizado pelos camponeses ligados a terra. Não é mister salientar que o servo,
embora privado de direitos civis e políticos, não se identifica com o escravo: os
camponeses detinham seus próprios meios de produção (ferramentas, carretinhas); os
escravos eram eles mesmos propriedades, “meios de produção” de um Senho r. A estrutura
hierárquica da propriedade fundiária, os vassalos armados a ela ligados, e a ideologia
teológica fatalista, quer dizer, apocalíptica, deram à nobreza o poder sobre os servos
(MARX, 2009, p. 28).
Houve, também, nessa nova base e infraestrutura, uma estagnação social da
produção. Só se produz o necessário para sobreviver. As novas ideias, produzidas neste
conjunto total de relações sociais, não exigem, à moda de Platão, um rei filósofo capaz de
retificar o espírito conforme a “reta ordem natural do cosmos” (PLATÃO, 2001, p. 170);
outrossim, não se espera jamais alguma “dádiva do Nilo” – inclusive, porque a passagem
do comunismo primitivo à produção asiática tratou-se, decisivamente, daquilo que o
Professor Gordon Childe chamou de revolução neolítica (JOHNSON, 2010, p. 14, 406;
LUKÁCS, s/d, p. 20, 21). Mas, enfim, a nova moda ideal, engendrada pelas veneráveis
instituições feudais, exigiu uma ascese monástica extremada, porquanto será mais fácil
um camelo passar pelo fundo de uma agulha que um rico entrar no reino dos céus
(MATEUS, 19: 21-24, 2008, p. 1.308). A demanda produtiva é escassa e a geração de
excedente é novamente estancada; a agricultura decrescera e o comércio basilarmente
desapareceu; cidades inteiras foram quase totalmente abandonadas, a divisão social do
trabalho também se atenuou (MARX, 2009, p. 28, 29). Disso extraímos que não há – como
quer a vulgar gnosiologia burguesa – uma evolução linear na passagem de um modo de
produção à outro; destarte, também a própria história que reflete essas transformações, a
expressão dialética do real, não pode se dar unilinearmente (BOTTOMORE, 2001, p. 346).
A decadência do sistema feudal e a passagem para o mundo atual, o modo
capitalista de produção, representa um quadro de relações e fatores dema siadamente
complexos. Dialeticamente, a escassez jogou novamente o seu papel revolucionário. A
ínfima vida urbana que conservou-se teve fundamental importância. As crises
econômicas do feudalismo, as pestes, as secas, os dilúvios etc., compeliram os senhores da
terra a expulsarem parte de seus servos para além dos latifúndios; muitos deles, até
mesmo, fugiam em razão da pressão social que o clero exercera sobre eles.

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Não houvera refúgio para os servos desterrados dos feudos senão nas cidades
herdadas pela história, d’onde se desenvolviam as primeiras corporações de ofício e se
praticava um suave comércio – a empresa capitalista em germe: os burgos. Os exilados se
enquadravam em atividades compatíveis com suas potencialidades, conforme o
desdobramento de sua força de trabalho. Surge o assalariamento diário e a necessidade
desses diaristas nas cidades criou a plebe (MARX, 2009, p. 77). A divisão social do trabalho
reaparece de modo mais complexo, as cidades florescem, surge uma classe de
comerciantes; com o renascimento do comércio um capital primitivo se engendra: casas e
ferramentas de ofício, artesãos, compradores, nascem as novas manufaturas, o tecelão etc.
Com a produção primitivamente manufatureira as diversas nações entram e concorrência
(MARX, 2009, p. 79, 80, 81, 82, 83, 84, 85).
Finalmente, o comércio a e manufatura criaram a grande burguesia, ao passo que
as pequenas corporações foram dominadas pelo s pequenos burgueses. Essa grande
burguesia, agora razoavelmente enriquecida, disputa o poder político com a nobreza: são
as forças produtivas mais avançadas se chocando com as incompatíveis relações de
propriedade do ancien régime. Mas, a natureza do sistema feudal é hostil à burguesia
emergente: o homem endinheirado não herdará o reino dos céus, conforme a ideologia
cristã. É nesse contexto, é precisamente aí, que surgirá um Lutero, e em pouco tempo um
Calvino. As novas relações sociais, de concorrência, potencializam uma nova ideologia: a
salvação espiritual não é escolha do homem: Deus já determinara. Ademais, a fé só se
efetiva com boas obras; a natureza é o chão que Deus propiciou aos homens e estes são
os herdeiros da criação: sofrer na abstinência não é nenhuma virtude; é precis o manter o
asceticismo, mas, de outra parte, é necessário conhecer a natureza, transformá-la em bens
próprios, uteis a vida humana, pois a natureza – “semelhante ao Nilo ” – é uma dádiva
divina. Conhecendo a natureza, conhece-se também a Deus: está dada à possibilidade da
ciência experimental, da acumulação através do trabalho assalariado, portanto da extração
de mais-valia, a possibilidade da poupança, enfim: advém a vida moderna e o novo ideal: a
liberdade e o progresso. Todo o processo descrito tem seu fundamento na contradição
entre as forças produtivas e as relações de produção (MARX, 2009, p. 89, 90). E isto, a
despeito de uma conjeturada condensação emanada d’uma “luta de ideais”, “luta política”,
ou d’uma pretensa “luta ideológica” entre éticas transcendentais. Congruente à imputação
gnosiologicamente abstrata, erigida de mentalidades burguesas colossais, seria, pois, a
ética protestante o fundamento espiritual, “real”, do capitalismo (WEBER, 2008, p. 155).

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O capitalismo emergiu nesse contexto demasiado complexo, que aqui reduzimos
ao limite mais preciso. O novo ideal de liberdade e progresso incitou as novas ciências e
sua empiricidade prática, a livre pesquisa, a descoberta de novos continentes e culturas
através da expansão marítima e comercial: isso tudo com objetividade determinada,
visando à ampliação e consolidação de novos mercados: essa é fase inicial do capitalismo
nominada mercantilismo (séc. XV ao XVIII). Seus avanços são, certamente, o renascimento
cultural, que resgatou a filosofia grega e a libertou dos grilhões metafísicos imputados pela
ontologia-teológica aristotélico-tomista, que compreende, também, a reforma; e,
indubitavelmente, o renascimento do comércio e das cidades por nós já destacados e que
outros, também corroboraram – por exemplo: (WEBER, 2008, p. 172).
Esse período inicial do capitalismo se elevará, ampliando cada vez mais as forças
produtivas burguesas, até meados do século XVIII. Nesse ínterim de aproximadamente
três séculos desencadeiam-se as mais diversas conflagrações que representam e
confirmam o desdobrar das forças produtivas capitalistas suprassumindo (aufhebung)
processualmente o modo feudal de produção e suas instituições, concomitantemente,
resguardadas por uma venerável antiguidade. A síntese dessa batalha fulgurante desvela-
se, peremptoriamente, num duplo revolucionamento econômico -político: a Revolução
Industrial de 1765 e a Gran Revolucion parisiense de 1789 (MARX, 2009, p. 88, 89). O
modo capitalista de produção, desdobrado em suas distintas fases – mercantil, colonial,
monopolista, imperial, financeiro etc. – e desenvolvendo suas instituições jurídico-
políticas – burocracia, democracia, direito, cidadania etc. – está aí firmemente consolidado.
Retomando e reatando as proposições iniciais de Marx, somos, terminantemente,
forçados a afirmar que o fato é trivialmente este: o de determinados indivíduos
produzindo sua própria subsistência em condições infraestruturalmente determinadas
travarem correlativamente relações político-ideológicas. A observação empírica deve,
portanto, captar em cada caso e em cada estrutura social particularmente determinada a
conexão correta entre a produção material e a sua constituição ideo-política. Entendemos,
pois, que o conjunto total das relações sociais – Estado, política, metafísica, Paidéia etc. –
decorre constantemente do processo de vida dos indivíduos: fundado em bases materiais,
o processo independe de suas vontades. Se os homens inverteram essa proposição,
explica-se à razão do próprio modo-de-produção desenrolar-se de “cabeça para baixo”
(MARX, 2009, p. 30, 31). Apresentar essas determinações é a objetivação e a meta final
desse percurso teórico. Faremos por elucidar e finalizar com as reflexões subsequentes.

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REFLEXÕES FINAIS: SUPERAÇÃO DIALÉTICA (AUFHEBUNG) DA PROPRIEDADE
PRIVADA E A POSSIBILIDADE (DYNAMIS) DO COMUNISMO

Os homens projetam o conjunto de suas relações sociais em todas as coisas que


perscrutam. A este fenômeno socialmente posto denominamos alienação
(entfremdümg). Nesse sentido, tanto um naturalista remoto como Anaximandro de
Mileto quanto um recente como Darwin de Shrewshury projetaram na natureza sensível
as suas idealizações minadas de objetivações sociais. Os matemáticos, físicos e
astrofísicos Descartes e Kepler imaginaram respectivamente um Deus matemático e
geômetra. O Platão personificou a jurisdição grega na figura do rei-filósofo. São inúmeras
as quimeras idealistas deste gênero.
Marx afirmou ser natural que os homens processem tais ilusões. Com a
contribuição do materialismo de Feuerbach, foi possível demonstrar que os homens
projetam em seus deuses – Deus pode ser tomado como Estado e vice-versa – a sua
própria essência. Marx, porém, logo percebeu que Feuerbach também caíra na
armadilha que o mesmo desarmara. A despeito de extirparem os deuses do terreno
histórico, os modernos terminaram por personificar abstratamente toda a humanidade
sob o rótulo de “o Homem”; o homem genérico, corpóreo, real; na realidade o homem
burguês – o alemão – converte-se em representação ideal, pois, solapando todas as
particularidades do homem universal: em suma, converteram o particular em universal.
E por meio dessa inversão transformaram toda a história num processo de
desenvolvimento da consciência (MARX, 2009, p. 110): logo da consciência limitada,
pois, engendrada em seu modo peculiar de sociabilidade. Destarte, todas as limitações
de superação que lhes vem aos olhos, captadas na imediatez empírica do social, são,
fenomênica e ontologicamente, os impasses de sua sociedade; mas, não de uma pretensa
“essência imutável”, tal como, enérgica e inesgotavelmente, tentou-se “demonstrar”.
Para uma visão horizontalmente ampliada, o ponto de vista do velho
materialismo é a sociedade “burguesa” – genericamente, a sociedade de classes; ao passo
que o ponto de vista do novo é a sociedade humana, ou a humanidade socializada
(MARX, 2009, p. 121). O homem abstratamente pensado pelo velho materialismo é o
proprietário privado, naturalmente conjeturado; o homem do novo materialismo é o
sujeito ontologicamente fundamentado pela práxis do trabalho, portanto, condicionado,
mas não mecanicamente determinado – vê-se em um sem-número de estruturas sociais.

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A alienação que a pouco mencionamos é a categoria socialmente necessária que
pressupõe toda a inversão por nós criticada. Os homens são o que eles fazem, e tal como
se fazem exteriorizam o seu processo de vida, assim os indivíduos são. Coincidem,
portanto com a sua produção, com o que produzem e com o como produzem. Aquilo que
os indivíduos são depende das condições materiais de produção (MARX, 2009, p. 25, 26).
A alienação (entfremdümg) é um fator concreto do processo de trabalho: ela separa o
produtor de sua produção fazendo com que tais não se percebem enquanto sujeitos,
criadores, construtores de si mesmos e, portanto, de sua própria história: daí a história
simulou um desenvolvimento autônomo d’um espírito misterioso, abstrato e isolado.
A história nada mais é que o devir dialético potencializado na contradição entre
forças produtivas e relações sociopolíticas de propriedade. É a propriedade privada,
concomitante à divisão social do trabalho que instaura esse movimento contraditório e
revolucionante. A despeito de todas as mazelas erigidas, sem essa contradição a
produção social humana, material e espiritual, ficaria estagnada no comunismo
primitivo. Uma breve leitura empírica desse modo ainda existente prova-o.
Dialética e história se confundem: ambas refletem um movimento de embates
contraditórios, cujo choque de forças antagonizadas deságua, “inevitavelmente”, numa
revolução. Parte se de uma tese, de uma afirmação positivada (por exemplo, relações de
produção feudais), desdobra-se em uma antítese (forças produtivas manufatureiras,
burguesas), nega-se, até elevar-se à síntese (a suprassunção da feudalidade pelo
capitalismo): a negação da negação. Não se deve, porém, perder de vista que a essência
desse processo é incompatível com o silogismo formal. A síntese – que se converte em
nova tese, qualitativamente distinta – conserva consigo mesma algumas determinações
da processualidade revolucionada e desenvolve outras superiores: é este o sentido da
palavra alemã aufhebung: conservar/negar/elevar: ou suprassumir espiralmente.
Ensejamos esperançosamente que a processualidade dialético-materialista, ou
histórico-ontológica, tal como foi apresentada nestas linhas, com base em Marx e Engels,
seja veraz e que as forças produtivas desenvolvidas no modo capitalista de produção
engendrem a contradição necessária em direção ao comunismo, ou a humanidade
socializada. Deveras, sem o desenvolvimento do atual modo de produção o comunismo
não se efetivará, pois ele não é para nós um estado de coisas que deva ser estabelecido,
um ideal pelo qual a realidade terá de se regular. Chamamos comunismo ao movimento
real que supera (aufheben) o atual estado de coisas. (MARX, 2009, p. 52).

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Nesse horizonte, as condições desse movimento resultam do pressuposto
atualmente existente. Com a apropriação das forças produtivas totais pelos
trabalhadores associados cessa a propriedade privada; encerra, portanto, a divisão social
do trabalho e todas as instituições, categorias, enfim, todos os processos erigidos dessa
cisão: monogamia, política, dinheiro etc. (LESSA, 2008, p. 126; MARX, 2009, p. 52, 109).
As possíveis condições de produção aí projetadas potencializarão aos homens o
desenvolvimento da livre consciência, não mais inexoravelmente condicionada pela
vida. A vida é que dará vazão à própria consciência para livremente interpretar.
Enquanto, porém, essa realidade não vem à luz fica a necessidade de transformá-la
(MARX, 2009, p. 122).

REFERÊNCIAS

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WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Tradução Pietro Nassetti. São
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