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Iniciação a Santo Tomás de Aquino: Sua Pessoa e Obra

Jean-Pierre Torrell, OP

Prefácio

p.xiv Tratando-se de tal personalidade – muito mais, sem dúvida, do que para muitas outras
–, a vida não poderia ser compreendida sem a obra. Para expressá-lo numa imagem, não se concebe
Santo Tomás sem a Suma Teológica!
p.xv Esta nova abordagem da biografia de Tomás não nos fará aprenas descobrir algo sobre
sua movimentara existência; permitir-nos-á tambem reinserir suas obras no contexto;
p.xvi O santo não só é inseparável do filósofo e do teólogo, mas que há ainda que ver nele
um “mestre espiritual”.

I – Uma juventude movimentada (1224/25 - 1245)

p.2 Família: de origem lombarda (desde 887); castelo de Roccasecca lhe pertence (desde séc
X); Tomás recebe seu patronímico do “condado de Aquino” e não da cidade, que não foi seu lugar
de nascimento.

Oblato em Cassino. Estudos em Nápoles:


– Caçula, segundo o costume da época, destinado à Igreja;
– Landolfo (pai) ofereceu seu filho como oblato no mosteiro de Monte Cassino com a
provável intenção de que um dia se tornasse abade;
– Ingresso no mosteiro: 3 de maio de 1231 (Tomás tinha entre 5 e 6 anos);
– iniciação à vida religiosa benitina, cujos traços podem ser encontrados em suas obras;
– 1239: seus pais o enviaram a Nápoles, para ali desenvolver estudos mais aprofundados;
– Tomás devia começas pelo estudo das artes e da filosofia, passagem obrigarósia antes de
abordar a teologia;
– Pôde, portanto, Tomás familiarizar-se desde cedo com a filosofia natural de Aristóteles e sua
etafísica numa época em que seu estudo ainda era oficialmente probido em Paris;
– Afirmou-se com frequência que os escritos de Pedro da Irlanda (responsável pelo ensino das
naturalia) dão mostras de uma grande admiração por Averróis, e que Tomás teria adquirido
desse mestre seu gosto pelo comentário literal de Aristóteles.
– Devemos concluir, em todo caso, que nada se sabe de exato sobre esses anos de estudo em
Nápoles.

A tomada de hábito e suas consequências:


– O ingresso de Tomás nos pregadores comprometia definitivamente os planos de seus pais no
que dizia respeito a seu futuro abadiado em Monte Cassino; [seus pais não se renderiam a
isso; os frades de Nápoles ajudaram Tomás a fugir; depois ele foi capturado]
– Em Roccassecca, toda a família se empenhou em fazê-lo mudar de ideia;
– Vendo que sua resoluçãonão podia ser vencida, sua família o reconduziu ao convento de
Nápoles; a despeito dessas peripécias, o vínculo de Tomás com seu meio familiar
permaneceu forte e profundo.
– Tomás foi um feudal bastante ligado a seu meio e a seu tempo, e sua linguagem lembra isso
sem cessar e de maneira às vezes inesperada (metáforas da cavalaria e do ofício das armas);

Primeiro esboço de um retrato:


– tinha ele cerca de 20 anos por ocasião de sua detenção em Rocassecca
– (1) Tomás possui uma concepção claramente dualista sobre as relações entre a Igreja e a
sociedade, e jamais duvidará disso. [relação entre o espiritual e o temporal]
– (2) também ilumina a fisionomia espiritual de Tomás: sua escolha da ordem dominicana;
– (a) Tomás percebeu desde cedo que sua inclinação para o estudo seria mais bem satisfeita na
nova ordem; (b) seu desejo de uma vida pobre; “rejeição de Monte Cassino é a réplica exata
do gesto de Francisco de Assis”; [depois Tomás defenderia o ideal da mendicância]
– (3) A tranquilidade e a moderação que se costuma associar a seu temperamento são tra~ps
mais ou menos lendários; sua obstinação em resistir à pressão familiar mostra isso: “mais
vale obedecer ao Pai dos espíritos (Hb 12.9), para quem vivemos, do que aos geradores de
nossa carne.”

II – Discípulo de Alberto Magno (1245-1252)

– 1245: devolvido à ordem dominicana; sua família o libertou;

Em Paris (1245-1248):
– [argumentos que defendem sua estadia em Paris para estudo];
– Ao que tudo indica, ele deixou Cassino com uma boa formação básica, mas os quatro ou
cinco anos em Nápoles (1239-1244) talvez não tenham bastado para que terminasse ociclo
das artes (eram seis ou sete anos); ele concluiu sua formação filosófica em Paris; deve-se
acrescentar que, simultaneamente, ele começou a teologia. A estada de estudos em Paris foi
uma época de formação mista; começou teologia enquanto terminava filosofia;

Em Colônia (1248-1252):
– constitui etapa decisiva na vida de Tomás; é a época de seu ordenamento sacerdotal, mas
nada de preciso sabemos a respeito.
– Santo Alberto exerceu sobre ele condiderável influência;
– como era visto: “boi mudo da Sicília”, pelo caráter taciturno; Alberto: “Nós o chamamos de
boi mudo, mas ele fará ressoar por meio de sua doutrina um mugido tal que repercutirá no
mundo inteiro”.

Bíblia e espiritualidade: o Super Isaiam:


– Tomás contava já com sete ou oito anos de formação;
– é aceito que seus primeiros comentários da Esritura são a sua primeira obra teológica;
– afirma-se já o gosto de Tomás por uma exegese que dê preferência ao sentido literal;
– [comentário de Is 48.17; segundo artigo do Credo]
– Para Tomás, ouvir atentamente a Palavra de Deus é um meio privilegiado de adquirir o amor
de Deus (ex: discípulos de Emaus)
– Tomás procede por associação de palavras; só se nota isso no latim; encontra-se em cada
citação a palavra característica que provocou a iluminação;
– A prioridade dos Salmos é ostensiva; razão: eram um eco da prece de Tomás; o material que
lhe vem naturalmente ao espírito é aquele sobre o qual mais longamente meditou;
– Obs.: NT é pouco citado por Tomás; na época, eles davam preferência aos livros sapienciais,
por se prestarem facilmente à “moralização”, parte integrante da exegese da época.
– A espiritualidade tomista apresenta incontestável tonalidade bíblica;

III – Primeiros anos de ensino em Paris (1252-1256)

– Alberto indica o jovem teólogo (27 anos) para ensinar em Paris; mas para assumir
canonicamente esse cargo deveria ter 29; Alberto insistiu; 1252: Tomás ensina as Sentenças;
– Obs.: é um equívoco a ideia neste período da oposição do agostinianismo (“de Boaventura e
os franciscanos”) ao aristotelismo (“de Tomás e os dominicanos”)

O bacharel sentenciário:
– Tomás e sua tarefa: comentar as Sentenças de Pedro Lombardo; depois de seu tempo como
bacharel bíblico, tratava-se de sua segunda etapa em direção ao grau de mestre em teologia;
– Obs: As Sentenças fariam parte do programa costumeiro, obrigatório durante três séculos;
– [Sentenças] Pedro Lombardo quis inaugurar novo estilo de ensino; reunir num só volume as
diversas opiniões (setentiae) dos Padres da Igreja sobre temas da teologia;
– Tomás não foi o primeiro nem o último a ir “além de Lombardo”, mas foi o mais resoluto;
– Obs.: mais de 2 mil citações de Aristóteles (“Ética a Nicômano” - 800; “Metafísica” - 300;
“Física” e “Deanima” - 250); → Agostinho, autor mais prestigiado depois de Aristóteles,
não totaliza mais de mil citações (Pseudo-Dionísio - 500; Gregório Magno – 280; João
Damasceno – 240);
– [Divisão Sentenças] histórica e lógica: 4 livros → (1) Deus Trindade; (2) Deus como criador
e sua obra; (3) A encarnação do Verbo e a redenção; (4) A doutrina dos sacramentos;
– Obs: apanhado de questões justapostas, não tanto uma obra ordenada em torno de uma deia
central; Tomás propõe organizar a matéria da teolodia com Deus como centro e todas as
coisas em volta, segundo a relação que mantém com ele, quer venham dele como de sua
origem primeira, quer a ele voltem como para seu fim último.
– Essa apresentação – que já antecipa o plano da Suma – não deriva de mera opção
pedagógica; exprim uma profunda intuição espiritual; → Tomás vê em Deus o “tema”
principal de seu discurso; se ele só concede ao Verbo encarnado um lugar secundário –
crítica que lhe é às vezes dirigida – é por conferir primazia à Trindade.

Alia lectura fratis Thome:

Dois opúsculos:
– De ente et essentia; De principiis naturae
– a presença, desde o início desses dois pensadores de língua árabe [Avicena e Averróis] –
assim como a de Maimônides, que logo encontraremos – chama nossa atenção para o que
Tomás recebeu do mundo árabe e judeu (a começar por Aristóteles); é importante ter
consciência do que devem a seus predecessores.
– Obs: Tomás os compôes a pedido de seus irmãos, e para prestar-lhes serviço; A despeito de
um pesado trabalho como professor e autor, Tomás jamais se furtou a esses deveres de
caridada intelectual, e esse é um dos elementos de sua santidade.

A aula inaugural:
– o cargo de bacharel era transitório;
– ainda que outros candidatos pudessem ter sido escolhidos, o reitor preferiu Tomás, embora
não possuísse a idade requerida (tinha 31 ou 32, quando deveria ter 35);
– reação de Tomás: preferia rejeitar, mas obedeceu; Pôs-se então a orar (com muitas lágrimas);
em sonho um frade lhe apareceu, Tomás não tinha ideia do tema a tratar; o frade propôs:
“De teus cimos tu dás de beber às montanhas, a terra se nutre com o fruto de tuas obras” (Sl
103.13, na Vulgata) → Tomás então preparou sua aula inaugural.

IV – Magister in Sacra Pagina (1256-1259)

– Quando Tomás proferiu sua aula inaugural, ainda não havia terminado de refigir seu
comentário às Sentenças, mas a partir de setembro ele devia exercer as três funções do
mestre em teologia: legere, disputare, praedicare.
– Depois Tomás diria as qualidades dos doutores na Escritura: elevados (alti) para pregar
eficazmente, esclarecidos (illuminati) para ensinar; e fortificados (muniti) para refutar erros;

Legere: comentar a Bíblia:


– legere significa ler a Escritura e comentá-la verso a verso;
– por muito tempo ignorado em benefício das Sentenças ou da Suma, esse ensinamento
bíblico era contudo a tarefa usual de Tomás, e foi desse modo que ele comentou pouco mais
da metade do NT e vários do AT;
– Se agora retornamos ao trabalho de Tomás como magister in sacra pagina, poderemos estar
certos de que, qualquer que seja o livro comentado na época, a opção já assumida no Super
Isaiam privilegiando o sentido literal deve ter continuado a se fortalecer; Essa prioridade do
sentido literal significa em primeiro lugar, que ele é o único adaptado às necessidades da
argumentação teológica, mas também que toda a interpretação espiritual deve ser
confirmada por uma interpretação literal da Escritura, de modo a evitar todo risco de erro.
– Obs: a exegese tomasiana por certo não pode ser compara aos métodos histórico-críticos de
hoje, mas inspira continuamente novos estudos.

Disputare: o De veritate:
– a segunda função do mestre era a “disputa”; ensinar com uma pedagogia ativa, na qual se
procedia por meio de objeções e respostas sobre um tema dado.
– Obs: não conhecemos a data exata de sugimento da disputatio (decorrer do séc XII), mas ela
adquiriu autonomia no início do séc XIII, e é efetivamente possível situá-la na evolução das
formas de ensino.
– (1) Lectio → comentário de um texto; (2) Quaestio → elaboração mais extensa de um tema
preciso, se presta ao tratamento dos problemas que mestres e estudantes podiam propor;
– “(a quaestio) é uma forma regulare de ensino, aprendizagem e pesquisa, presidida pelo
mestre, caracterizada por um método dialético que consiste em introduzir e examinar
argumentos de razão e de autoridade que se opõem em torno de um problema teórico ou
prático e são fornecidos pelos participantes, na qual o mestre deve alcançar uma solução
doutrinal mediante um ato de determinação que o confirma em sua função magistral”.
– Comparada à lectio, um elemento desapareceu: o texto; mas outro surgiu: a discussão. (!!)
– 02 formas: Disputatio privata (na escola, entre alunos e mestre); Disputatio publica ou
ordinaria (alunos de outras escolas podiam assistir);
– Jornada de ensino em Saint-Jacques: Tomás dava sua aula pela manhã; depois vinha a do
bacharel; à tarde, ambos se encontravam com seus alunos para “disputar” sobre um tema
escolhido; Não sendo sucificientes as três horas destinadas a essa pedagogia ativa para
esgotar o assunto, procedia-se artigo por artigo; O resultado (objeções, respostas e
determinações magistrais) era mais tarde reuninos numa redação final; A elaboração do De
Veritate estendeu-se desse modo aos três anos escolares 1256-1259, na ordem de cerca de 80
artigos por ano, o que corresponde bem proximadamente ao número de dias de ensino.
– Obs: deve-se acrescentar que é importante estar atento ao fato de a questão disputada ser
também um gênero literário. Formados na dialética de pro e do contra; o mais belo
espécime é a Suma teológica, inteiramente composta segundo esse esquema; (isso significa
que certas quaestione disputatae podem não ter sido de fato disputadas, nem em público
nem privadamente);
– Obs: no De veritate vemos em ação o gênio do jovem mestre, que se afirma cada vez mais, e
principalmente para compreender a evolução de sua teologia: em relação às Sentenças ele já
mudara em alguns pontos seu parecer, e tornaria a fazê-lo em obras posteriores. (ex: como
ele se refere à graça na Suma supõe um percurso que, das Sentenças, passou pelo De
veritate).
– (!!) Tomás nada tem de sistemático rígido; é antes um gênio em movimento, em ato de
perpétua descoberta.

Praedicare: Teologia e pastoral:


– A terceira e última obrigação do mestre;
– As pessoas da Idade Média não viam oposição alguma entre o ensino científico da teologia e
seu prolongamento pastoral; pelo contrário, o primeiro era visto como a preparação normal
do segundo. → Pedro, o Cantor, chegava a acrescentar: “É depois da lectio da Escritura e
depois do exame dos pontos duvidosos, graças a disputatio, e não antes, que se deve pregar.”
– Tomás deve ter pregado na universidade pelo menos algumas vezes por ano;
– Em geral ignorada, essa parte da produção literária de Tomás todavia é de grande valor para
quem quer conhecê-lo melhor; Tomás se distingue pela sua simplicidade e sobriedade,
ausência de sutiliezas escolásticas e palavras técnicas; Essa postura de sobriedade não
somente exclui o vocabulário erudito; recusa igualmente os vôos oratórios.
– (!) Assim, em sua resposta a Geraldo, leitor conventual de Besançon que o interrogava sobre
a forma da estrela surgida aos magos (uma cruz, um homem ou um crucifixo?), afirma nada
haver na Escritura ou na Tradição que apoie tal coisa, e acrescenta muito secamente: “Não
convém ao pregador da verdade perder-se em fábulas inverificáveis”.
– Para Tomás havia um vínculo afetivo entre teologia e predicação;

V – O defensor da vida religiosa mendicante

A história de uma querela


– clima universitário em constante deterioração desde a chegada dos frades mendicantes a
Paris. Os dominicanos haviam conquistado a sua primeira cátedra de teologia;
– Os mestres seculares jamais perdoaram aos dominicanos a sabotagem de uma greve que
consideravam legítima, e sempre viam com maus olhos a presença de religiosos;
– [houve toda uma treta gigante de anos, 1255-1257] → a violência da querela; os frades eram
atacados nas ruas, e Sain-Jacques teve de ser guardado pelos arqueiros do rei. Tomás
proferiu sua aula inaugural sob essa proteção;

O contra impugnantes
– o conflito ultrapassara o âmbito universitário; questão mais central: a legitimidade do
ministério de religiosos que pretendiam se dedicar ao estudo e ao ensino, vivendonão de seu
trabalho mas de mendicidade;
– queriam enviar todos os religiosos de volta aos mosteiros, de onde jamais deveriam ter
saído, para que ali trabalhem com as próprias mãos;
– Tomás não esperará muito para intervir no debate;
– Guilherme de Santo Amor, líder opositor, publica De periculis em mar-abr de 1256; Tomás
refuta o de periculis; assume imediatamente uma posição → Contra impugnantes;
– (1) Tomás começa por definir o que é uma religio (ordem religiosa); (2) pois nossos
adversários são contra religiosos. Estabelece o caráter lícito do ensino para os religiosos; (3)
e seu direito de pertencer ao corpo docente; (4) Trata-se de defender seu direito de pregar e
de confessar mesmo que não detenham cargo pastoral; (5) sem que disso os impeça a
obrigação de trabalhar manualmente; (6) Eis porque Tomás reivindica para eles o direito à
pobrez mais absoluta (7) e, em particular, a possibilidade de viver de esmolas, para que não
ficassem imobilizados em assuntos de adm financeira ou de outro tipo.
– Tomás situa a vida teologal em toda sua extensão: a fé, em 1º lugar, primeiro laço que liga o
homem a Deus, mas tmb a esperança e a caridade. Caridade se torna matéria do serviço
prestado a Deus. Tem-se o que o NT chama de sacrifício espiritual: oferenda de si (Rm 12.1)
pelos votos de castidade e obediência; a oferenda de seus bens pelo da pobreza.

O De perfectione e o Contra retrahentes


– Após a condenação de Guilherme e a retratação de seus associados, o debate acalmou-se um
pouco durante alguns anos, e Tomás terminou seu primeiro período de ensino em Paris numa
atmosfera mais tranquila;
– Guilherme de Santo Amor exilado, dois novos líderes: Geraldo de Abbeville, depois,
Nicolau de Lisieux; Geraldo foi ativo na universidade junto a Tomás; um dos fundadores da
biblioteca de Sorbonne; adversário encarniçado dos mendicantes, até depois de morto,
especificou que, se deixava seus livros a estudantes pobres, era sob a condição de que não
fossem religiosos. (perfeição em nada diminuída pela posse a adm de bens temporais);
– [Geraldo e Tomás entram em embates]; – Tomás anunciara: “para extirpar radicalmente
esse erro, é preciso encontrar sua raiz ou origem”; propõe uma nova consideração, o
primado absoluto da caridade; dps desenvolvido na Suma (Iia Iiae q.189 a.1);
– Entre os pontos fortes dessa defesa, não deve surpreender vermos em primeiro plano a
importância que Tomás concede à pobreza voluntária e mendicante;
– (!!!) Mas não é na pobreza propriamente dita que Tomás situa a perfeição; a esse respeito,
explica-se claramente no De perfectione: “Se examinarmos atentamente as palavras do
Senhor, veremos que não foi no abandono das riquezas que ele situou a perfeição; ele o
mostra apenas enquanto via que a ela conduz, como o prova sua maneira de se expressar
quando diz: 'Se querer ser perfeito, vai, vende o que possuis, dá-lo aos pobres e segue-me'
(Mt 19.21). O que significa que a perfeição consiste em seguir a Cristo (in sequela Christi
consistat perfectio) e que a renúncia às riquezas permite seguir essa via.”
– (!!) Tomás preza esse tema do Cristo modelo. Depois de Cristo, a principal referência é a da
Igreja primitiva: é na igreja primitiva que encontramos o mais perfeito dos estados de
religião, e nesse modelo todas as ordens religiosas se inspiraram.
– (!!) Apoiando-se simultaneamente em Atos 4.32 e Mateus 10, Tomás pensa que a verdadeira
vita apostolica é a que conjuga o ensino de ambos os textos. “o que é dito nos Atos: tudo era
comum entre eles... a vida apostólica foi tal que, depois de ter tudo abandonado,
percorreram o mundo para evangelizar e pregar, como vemos em Mateus 10... Portanto,
podemos bem instituit uma ordem religiosa para essas duas tarefas.” (Contra impugnantes,
4, II, 880-9)

O polemista
– Em seus escritos polêmicos em favor da vida religiosa, Tomás toma partido e entrega-se
pessoalmente; foi atingigo no que lhe é mais caro: a vocação pela qual lutou em sua
juventude (!!); esses livros nos fazem apreender o caráter apaixonado de seu temperamento
e alguns traços a seu retrato espiritual.
– Por vezes se deixa levar até o ponto de julgar seus adversários: “mentem descaradamente”...
o trecho final de Contra retrahentes: “Se alguém quiser contradizer essa obra, que não vá
tagarelar diante de garotos, mas que escreva um livro e o publique”;
– Tomás é capaz de manifestar sua surpresa, impaciência e mesmo indignação quando os
argumentos de seus adversários são por demais inconsistentes ou sem verificação. Isso vale
não apenas para o jovem Tomás, o do Contra impugnantes, mas também para o adulto; um
tipo de homem bem diferente do plácido e majestoso obeso popularizado pela iconografia
corrente;
– “os que defendem essa posição devem confessar que não compreendem nada de nada e que
nem sequer são digno de discutir com aqueles a quem atacam.”
– “Se alguém, gabando-se de uma falsa ciência, pretendesse argumentar contra o que acabo de
escrever, que não vá tagarelar pelos cantos ou diante de crianças incapazes de julgar em
assunto tão difícil, mas que escreva contra esse livro – se ousar. Terá de lidar não só comigo,
que sou o menor deles, mas com uma multidão de outros amantes da verdade, que saberão
resistir a seu erro e vir em auxílio de sua ignorância”
– Mesmo que tivéssemos que admitir que essa polêmica não nos mostra o melhor Tomás,
deve-se reconhecer que o homem que fala desse modo nada tem de um intelectual temeroso;
ele tem consciência de seu valor e não teme enfrentar seu adversário.
– (!!) Tais constatações já bastariam para destruir a lenda de autor anônimo que não fala de si
mesmo e jamais se abre. Tomás não escreveu suas Confissões, é verdade, mas suas obras
falam mais dele do que se pensa. (!!)
– [sobre a letra lendariamente difícil de Tomás] → expressões no estudo de Pe. Gils: Tomás é
“tenso e apressado”, ele “gostaria de ir mais rápido”; “essa paciência”, da qual necessitaria
para escrever corretamente, “Tomás não a possui”. Apressado, fatigado, distraído, ele deixou
em seu texto lapsos, cacografias e gralhas. (sua letra personalizada revela com força
irrecusável o temperamento de seu autor); (!!) Tomás é um homem apressado.

VI – Volta à Itália: a Suma contra os gentios

Favorecer os estudos
– Junho de 1259: Tomás foi a Valenciennes; comissão; capítulo geral dos dominicanos;
– A comissão redigiu uma série de recomendações; todas destacam a prioridade do estudo em
relação a outras tarefas;

Incertezas dos anos 1259-1261


– Depois do capítulo provavelmente retornou a Paris; sua regência chegava ao fim;
– A cátedra passaria em seguida ao discípulo e amigo de Tomás Annibal de Annibaldis a ele
Tomás dedicará anos depois os três últimos livros do Catena aurea;
– Não conhecemos a dara que Tomás parte para a Itália; hipótese: Tomás iria a Nápoles, seu
convento de origem. Teria vivido ali do final de 1260 até set-1261, data em que foi
designado para Orvieto.

A data da Suma contra os gentios


– Pe Gils: uma obra que Santo Tomás acalentou: ele a releu, modificou e corrigiu várias vezes.
Todos os caps conservados em autógrafo passaram pelo menos por uma revisão, a maior
parte por duas ou três, ou mesmo quatro, se considerarmos a última releitura.
– Pe Gauthier: é quase certo que Santo Tomás redigira em Paris, antes do verão de 1259, o
original dos 53 primeiros caps do livro I. Na Itália, a partir de 1260, revisou e escreveu
inteiramente o resto da Suma contra os gentios; antes de 1265-67 estava concluído.

O propósito da Suma contra os gentios


– a tradição resubia assim: Tomás teria composto esse livro por soliciração de Raimundo de
Peñafort, que, com a intenção de converter o Islã, ainda muito próximo na Espanha, teria
pedido a seu jovem confrade que equipasse os missionários com armas intelectuais
necessárias;
– O Contra gentiles supera em muito qualquer propósito missionário direto ou mesmo
apologético; trata-se sim de uma obra teológica, por sua intenção de sabedoria, assim como
por seu método;
– outos proporam identificas os destinatários como filósofos aristotélicos: Tomás queria
mostrar-lhes as verdades de Aristóteles sob o aspecto de uma realidade viva e purificada no
interior da teologia cristã; (1964, Pegis)
– e outros, como pensadores cristãos: Sto Tomás escreve manifestamente para os pensadores
cristãos (teólogos ou filósofos) apegados à sua fé... para o uso de pessoas destinadas a
tomarcontato com meios intelectuais infieis, principalmente em países mulçumanos (1966,
F. Van Steenberghen)
– uma solução intermediária: uma obra pensada para não-cristãos, para infieis, mas dirigida a
cristãos chamados a estabelecer contato com infieis, a antecipar suas objeções, a apresentar-
lhes a doutrina cristã de uma maneira que mostra que ela escapa a suas dificuldades e
coincide em grande parte com suas próprias convicções; (1983, A. Patfoort)
– Gauthier: a SCG possui uma ambição atemporal; sua intenção não é a de um apostolado
imediato e limitado, mas uma intenção de sabedoria de alcance apostólico universal; → esta
é bem próxima da maneira habitual de Tomás;

A Suma contra os gentios: método e plano


– Tomás da a entender claramente que está a propor uma obra pessoal;
– Tomás: “O sábio... deve empregar seu esforço na dupla verdade das realidades divinas, ao
mesmo tempo que na refutação dos erros contrários. Para uma dessas tarefas, a busca da
razão deve bastar; a outra supera todo o empreendimento da razão. Quando à dupla verdade
a que me refiro, deve ser bsucada não do lado de Deus, que é a verdade una e simples, mas
do lado de nosso conhecimento, que, diante das coisas de Deus, assume diversas
modalidades.”
– “Buscando na misericórdia de Deus a ousadia de assumir o ofício do sábio – que todavia
excede nossas forças –, propusemo-nos como objetivo expor, em nossa medida, a verdade
professada pela fé católica e rejeitar os erros contrários. Para retomar as palavras de Santo
Hilário: o ofício principal de minha vida, ao qual me sinto em consciência obrigado diante
de Deus, é que todas as minhas palavras e todos os meus sentimentos falem dele.”
– René-Antoine Gauthier, sobre isso: o que é próprio dessas páginas, o que faz com que
Tomás não tenha podido escrevê-la nem no início das Sentenças, nem no início da Suma
teológica, não é seu conteúdo, que seria apropriado lá como cá, mas seu tom pessoal, a
emoção contida e o fervor com que Santo Tomás confessa que fez de seu ofício de teólogo a
sua vida: o programa torna-se confidência, e isso é a Suma contra os gentios, nem um curso,
nem uma obra didática, mas um ensaio de reflexão pessoal.
– (!) Uso da razão em teologia: razões demonstrativas, capazes de convencer o adversário;
porém, não devemos ter por objetivo convencer o adversário por argumentação, mas
resolver os argumentos que ele apresenta contra a verdade, já que a razão natural não pode ir
contra a verdade de fé... O que supera a razão humana, só o cremos pela revelação de Deus.
– Convite à modestia: Tomás certamente conhece a força da razão, mas também seus limites;
– Que a razão não posa demonstrar a fé não significa que ela seja impotente diante das
objeções de adversários. Pelo contrário, Tomás dá provas de robusta confiança nas
capacidades da razão que crê.
– Dois tipos de disputas teológicas: (1) um que rejeira erros, (2) outro que torna inteligível a
verdade. Se nos contentamos com o primeiro, o ouvinte saberá sem dúvida o que é
verdadeiro e o que é falso, mas não terá ideia alguma do que significa a verdade que lhe é
proposta, e então sairá com a cabeça vazia. A cabeça bem formada é antes preferível à
cabeça demasiado cheia.
– Plano Tomás: “Propondo-nos pois seguir pela via da razão o que a razão humana pode
descobrir de Deus, teremos de estudar, em 1º lugar, o que é próprio de Deus em si mesmo.
Em 2º lugar, estudaremos a proveniência das criaturas a partir de Deus. Em 3º lugar,
veremos a subordinação das criaturas a Deus como a seu fim.”

O conteúdo da Suma contra os gentios


– Quatro livros; estruturas perfeitamente claras; organização das diversas seções;
– Livro I – a questão da existência de Deus (é preciso estabelecê-la [pressuposto]);
– Obs.: quando se trata da essência, essa via se mostra inadequada: “não podemos apreendê-la
conhecendo o que ela é.”
– via negativa: para Tomás, é saber algo de Deus saber o que ele não é, pois o distinguimos,
desse modo, do que não é ele. Obs: Os especilistas em história do pensamento medieval não
têm dificuldade alguma em aqui reconhecer o que Tomás de Aquino deve a Maimônides
(pensador judeu) e a seu Guia dos perdidos. → [porém Tomás se diferencia de Maimônides
não ficando apenas no que não é;] o teólogo pode realmente falar de Deus – sem o que só
lhe restaria calar-se. Esse discursi só é possível com base naquele que o próprio Deus nos
dirigiu pela revelação;
– perfeições de Deus: bondade, unidade, infinidade, inteligência, vontade;
– Ele conclui esse primeiro Livro especificando de que maneira podemos falar do livre-
arbítrio, das paixões e das virtudes em Deus, ele é o Ser Vivo por excelência e a rralização
da felicidade perfeita, a bem-aventurança;
– Livro II – estuda a “saída” ou a processão das criaturas a partir de Deus; produção, distinção
e natureza dos seres; – o conhecimento das criaturas para um melhor conhecimento de Deus.
– Se a primeira produção das coisas deve ser atribuída a Deus, a distinção entre elas não pode
ser fruto do acaso, nem da matéria-prima, nem de causas segundas, boas ou más, só pode ser
o efeito da sabedoria ordenadora de Deus;
– Livro III – o mais volumoso (163 caps); “Como no primeiro Livro tratamos da perfeição da
natureza divina, e no segundo da perfeição de sua potência, pela qual ele é causa e senhor de
todos os seres, resta-nos nester terceiro Livro estudar a perfeição de sua autoridade ou sua
dignidade enquanto é fim e reitor de todos os seres”.
– O tema geral é o da providência de Deus; a parte sobre providência é bem mais
desenvolvida na SCG enquanto o agir virtuoso do homem em busca de seu verdadeiro fim é
mais extensamente tratada na Suma teológica;
– Livro IV – tratado da Trindade (na Suma está na prima pars); conforme lembramos, ele
preferira remeter para o final de sua exposição “as verdades inacessíveis à razão”.

VII – A estada em Orvieto (1261-1265)

– Segundo Tocco, Tomás, preferindo absorver-se na contemplação, não gostava de viajar;


além de sua corpulência, o tempo despendindo em deslocamentos devia parecer-lhe perdido
para outras tividades de escrita e ensino;

Leitor conventual em Orvieto


– desde 14/set/1261, foi nomeado leitor (abade) em Orvieto; Cehgando lá, Tomás, cuja tarefa
primordial era formar seus irmão com vistas à prática pastoral, não podia ignorar os manuais
de moral (ex: Summa de casibus, de Raimundo de Peñafort);

O comentário do Livro de Jó
– paralelamente a este ensino, Tomás devia comentar para seus irmão um livro da Escritura;
– Obs.: proviência foi o tema central do Livro III do SCG, escrito aprox na msm época; foi
tmb o tema de Expositio super Iob; seria coerente que Tomás escolhesse Jó;
– é um dos mais belos comentários que Tomás nos legou; caráter escolástico e teológico; não
exigiremos exegese moderna e nem aplicação espiritual imediata;
– ex: São Gregório – exortação à paciência nas provações, fim moralizante; Tomás – Jó é tema
de discussão sobre o problema metafísico da providência;
– Além de uma antropologia filosófica e teológica, esse livro se apresenta como profunda
meditação sobre a condição humana;
Um teólogo bastante solicitado
– Se emptione et venditione, 1262 (a compra e a venda a prazo), sobre usura;
– Contra errores Graecorum, 1263-64 (exame irênico dos padres gregos);
– De rationibus fidei, 1265 (resposta sobre quem ridicularizava dogmas cristãos);
– Expositio super primam et secundam Decretalem, (comentário doutrinal)
– De articulis fidei et ecclesiae sacramentis (resumo doutrinal dos art de fé e sacramentos)

De divinis nominibus
– comentário de Tomás desta obra, de Pseudo-Dionísio; a origem apostólica do qual soubera
se revestir o genial falsário teve sem dúvida grande peso na autoridade que exerceu na Idade
Média;

O Ofício de Corpus Christi


– Orvieto, período fecundo; ainda: a composição do Ofício do Santo Sacramento;
– [extensa argumentação sobre ser ou não de Tomás;]
– esse parece efetivamente ter sido para Tomás um momento decisivo de sua evolução
espiritual; não afirma: receber o corpo ou o sangue, mas receber Cristo.

A Catena aurea
– comentário dos quatro evangelhos por meio de uma série d citações dos Padres da Igreja;
– orgnizada numa expositio continua, verso por verso;
– importância: pela quantidade e qualidade do material reunido; Tomás demonstra um
conhecimento de patrística grega excepcional para a época;
– dizem: Catena foi um turning point no desenvolvimento do pensamento de Tomás e da
teologia católica;
– as fontes são um traço principal do caráter intelectual de Tomás; Tocco: Tomás ia de
mosteiro a outro, onde lia as obras dos diferentes Padres e retinha de memória grande parte
dos comentários que mais tarde transcrevia;

– Para Tomás, a estadia em Orvieto foi ainda um período rico em contatos humanos;
– se foi amante da solidão e do estudo, também teve amigos, proximidade com a corte papal;
– não poderemos deixar de ficar impressionados pela rapidez com que trabalhou;

VIII – Os anos de Roma – O início da Suma (1265-1268)

O studium de Roma
– 8/set/1265: estabeleceu-se em Roma;
– havia pouco empenho com que os frades se dedicavam aos estudos; é verossímil que tenha
intervindo a fundação de uma casa de estudos em Roma;
– não um studium generale (grande centro de estudos) nem studium provinciale, mas um
studium personale – Tomás podia aplicar livremente um programa de estudos de sua
escolha; → a inovação de Tomás não pode ser apreendida sem lembrar de Orvieto e sua
formação de irmãos na teologia moral e pastoral da confissão, além da pregação;
– Ele tentou retomar para seus estudantes o comentário das Sentenças; isso não lhe pareceu
suficiente, e ele então partiu para a redação da Suma teológica.

A Suma teológica
– “nossa intenção é, portanto, expor o que concerne à religião cristã segundo o modo que
convém à formação dos iniciantes.”
– Tomás de fato “ensinou” em Roam a Prima pars da Suma e uma parte da Prima secundae
– até set de 1268: redigiu totalidade de Prima pars;1270-71, secundae; 1271-72, tertia;
– A Suma teológica é ainda hoje a obra de Tomás mais utilizada e indubitavelmente a mais
conhecida;

O conteúdo da Suma
– “trataremos primeiramente de Deus (Prima pars), em seguida domovimento da criatura
racional em direção a Deus (Secunda pars), e enfim de Cristo, que segundo sua humanidade,
é para nós a via que conduz a Deus (Tertia pars)”. (ST Ia 1.2 Prol.)
– Prima pars:
– (1) o que se relaciona à essência divina – 2-26;
– (2) o que pertence à distinção entre pessoas – 27-43; / fim da Prima é a maneira pela
qual as criaturas procedem de Deus – 44-119 (criação geral 44-46, distinção das
criaturas 47-102, como Deus governa na sua criação 103-119);
– Secunda pars:
– prólogo Deus um fim em si mesmo 1-5;
– Prima secundae: os atos humanos 6-89; a lei 90-108; e a graça 109-114;
– Secunda secundade: virtudes teologais 1-46; virtudes cardeais 47-170; vida
contemplativa 171-189;
– Tertia pars:
– (1) Jesus Cristo salvador 1-59 → (a) mistério da encarnação 1-26; (b) o que o Verbo fez e
sofreu por nós na carne 27-59;
– (2) sacramentos: em geral 60-65; batismo, eucaristia, penitência, 60-90 – pate inacabada;
– a terceira seção deveria consistir em um exame detalhado do fim ao qual somos chamados, a
vida imortal em que ingressamos ao ressuscitar por Cristo;

O plano da Suma teológica


– o que está em jogo não apenas o lugar de Cristo no plano da Suma, mas tmb a capacidade de
Tomás explicar a história da salvação;
– (1) Chenu (1939): propoe uma leitura à luz do esquema neoplatônico do exitus e reditus;
emanação a partir de Deus (prima) e retorno a Deus como a seu fim último (secunda); a
tertia parece só o cupar o papel de uma peça acrescentada posteriormente;
– (2) Patfoort: propõe abandonar esse esquema por ter exitus e reditus espalhado em tudo;
– (3) Leroy: não renuncia o esquema exitus-reditus, mas se aplica só à parte “econômica” → a
“teologia” seria a 1ª parte da Prima pars (2-43), a economia, o restante; Deve-se acrescenrar
com Leroy: antes de ser neoplatônicco (esse esquema) é simpelsmente cristão.

O lugar do mistério da encarnação


– Tomás se encontra impregnado dessa visão circular do mundo: “o movimento circular é o
mais perfeito de todos, pois nele se produz um retorno ao princípio” (SCG II 46, nº1230)
– triplo plano filosófico: cosmológico—metafísico—filosofia do conhecimento; → Tomás
compreende dessa maneira a asserção de Aristóteles sobre o fato de que “todos os homens,
por natureza, desejam conhecer” (Metafísica);
– Encarnação: é a ilustração mais notável; os rios que voltam à sua fonte (Ec 1.7); “o limite
onde se encontram a natureza corporal e a espiritual... Eis por que, quando a natureza
humana reuniu-se a Deus pelo mistério da encarnação, todos os rios dos bens naturais
voltaram a suas fontes” (Sent III, Prolog.)

Teologia, vida e prece


– é preciso enfatizar que essa maneira de considerar Deus princípio e fim do empreendimento
teológico suscita repercurssões evidentes; tudo se vê considerado do ponto de vista de Deus
(Ia q.1 a.4); isso se verifica como saber especulativo e como saber prático;
– especulativo: Tomás acentua ao afirmar ser Deus o “tema” dessa ciência; o conhecimento de
Deus como fim único da teologia;
– referir-se a Deus omo tema é afirmar igualmente que ele não se reduz a um objeto. Tema,
Deus é uma pessoa que conhecemos e amamor (porque ele se deu a conhecer e amar),
invocamos e encontramos na prece.
– Quando Tomás assevera que a teologia é principalmente especulativa, ele quer dizer que é
antes de tudo contemplativa; (palavras sinônimas pra ele);
– Considerada saber prático (convencionou chamar teologia moral), a teologia não perde sua
perspectiva contemplativa; é ainda comandada pelo exame de Deus; referir a Deus como
principio e fim não é só teórico, concerne a toda a vida cristã. Não devemos nos encanar,
Tomás encontra-se aqui mais próximo de Agostinho; ele sabe que o desejo natural de ver a
Deus não pode ser vão, pois foi o próprio Deus quem o pôs no coração o homem. (!!)
– É impossivel fazer teologia independentemente da fé; só a fé permite acolher Deus que se dá
e se revela;
– assim como o intelecto especulativo torna-se prático por extensão, a fé não poderia sê-lo se
não agisse por caridade;

– Obs: imaginar que esse projeti inovador (a Suma) tenha sido aceito com entusiasmo, mesmo
pelos confrades dominicanos de nosso autor, seria um erro. Ainda por muito tempo as
Sentenças seriam preferidas à Suma. O historiador deve constatar que a obra-prima de
Tomás não atingiu diretamente um grande público..

IX – Os demais escritos do período romano

– a redação da Suma não era sua única ocupação;

O De potentia “cum annexis”


– [vários opúsculos de disputas];
– Se por certo não é o único pensador cristão a ter desenvolvido uma visão criacionista do
universo seguindo o livro do Gn, Tomás talvez seja aquele que o fez com maior rigor;
– se fosse preciso designar Tomás por um nome de religião, poderíamos chamá-lo de “Tomás
a Creatore”, e desse modo teríamos expresso uma das intuições mais profundas de sua visão
do mundo;

O compendium theologiae
– 1265-1267
– Classificado de maneira imprópria entre os “opúsculos”, essa obra é pouco conhecida;
– Nela descobrimos um Tomás incomum (há quem fale de estilo mais boaventurino); o
Compendium se preocupa com a simplicidade e a brevidade; curtos capítulos; série de
“abreviadores” da doutrina cristã, que não deixaram de orientar os séculos;
– referência ao Enchiridion de Agostinho; trilogia das virtudes teologais: credo [apostólico], o
pater [pai nosso] e os Decem precepta [decálogo] → teologia pastoral de Tomás;
– Tomás: “Deves em 1º lugar ter fé para conhecer a verdade, em 2º lugar a esperança para
situar teu desejo no verdadeiro fim e, por último, a caridade, pela qual teu amor será
totalmente retificado”;

Parecer de especialista sobre questões contemporâneas


– Responsio de 108 articulus;
– Tomás dá seu parecer acerca de pontos da outrina de seu confrade Pedro de Tarentaise;
– Tomás não demonstra carinho pelo denunciante: “Ele não compreendeu a passagem,
compreendeu-a de modo atravessado; muitos de seus ataques são injustos: sua objeção não
se sustenta, a premissa maior alegada é falsa, a outra dá mostrar de profunda ignorância...
tendenciosa” → É sem dúvida o mesmo homem que havíamos encontrado alguns anos antes
na querela entre mendicantes e seculares. (!)
– De forma absolutonis, 1269: exame de panfleto anônimo sobre penitência;
– Responsio de 43 articulus, 1271: pontos doutrinais, problemas cosmológicos;
– “Muitos desses artigos dizem respeito antes à filosofia que à fé”... que o inferno esteja no
centro da terra ou em outro lugar, isso não concerne à fé e, de resto, é supérfluo preocupar-se
com esse gênero de questão.

O de regno ad regem Cypri


– pretendeu compor uma obra que trata da realeza, na qual expõe “a origem da realeza e o que
se relaciona aos deveres do rei, segundo a autoridade da Escritura divina, extraindo
cuidadosamente o ensinamento dos filósofos e o exemplo dos princípes mais louvados”.
– Tomás recomenda uma monarquia absoluta; [obra inacabada]
– Obs.: Chenu: O De Regno é um tratado pedagógico e moral para uso de um princípe, não
uma obra orgânica de teoria política.

O Setentia libri De anima


– ocupação de comentador de Aristóteles; 1268-69
– encontramos aí a curiosidade e disponibilidade intelectuais das quais ele já deu mostras em
relação à herança grega do cristianismo.
– Tomás não tinha que ensiná-lo, com tantas outras tarefas, por que iniciou essa nova obra?
– Gauthier: Tomás redigia a Prima Pars e a De anima quase ao mesmo tempo;
– Esse trabalho nasceu da prática de seu ofício de teólogo; escritos para afinar o instrumento
da reflexão teológica, os comentários de Aristóteles são parte itnegrant da obra do teólogo, e
isso é especialmente verdadeiro para o comenrário ao De anima;

Guilherme de Moerbeke
– esse nome é habitualmente associado peos historiadores ao de Tomás de Aquino, para evitar
maiores explicações; → Guilherme é um personagem célebre, tradutor, verteu do grego para
o latim obras filosóficas e científicas do séc IV a.C ao sévulo VI d.C. → uma ampliação
espetacular do séc XIII no conhecimento dos tesouros da civilização grega deve-se à sua
competência e trabalho infatigável;
– Teoria derrubada já: Teria sido o próprio Tomás que teria impulsionado Moerbeke em seu
empreendimento de tradução, a fim de dispor das peças necessárias para sua grande obra.
– Talvez tiveram contato, mas Tomás teve acesso à sua tradução, um exemplar imperfeito de
De anima;

– Assim termina a descrição desses três anos passados em Roma;


– (!!) cuidou do ensino dos irmãos que lhe foram confiados; assumiu a tarefa de pedagogo; É
finalmente à sua preocupação de educador que devemoa Suma teológica;
– ele honestamente se esforçou em satisfazer os que o solicitavam; lançou-se na tarefa de
comentador de Aristóteles; pregou;
– talvez compreendamos o estado de esgotamento em que se encontrou menos de dez anos
mais tarde. (!)

X – Nova estada em Paris: Confrontos doutrinais


– até então, seu ataque a erros eram conflito de ideias com filósofos do passado (ex: SCG e De
anima); não tinha adversários contemporâneos que ameaçavam a fé cristã; isso mudará!

Data e local de partida de Tomás para Paris


– 1268-1272: período de ensino parisiense;

Os motivos do retorno de Tomás à Paris


– Verbeke: lutar simultaneamente em 3 frentes: combater os espíritos conservadores da
daculdade de teologia, que só viam em Aristóteles um perigo para a fé cristã; opor-se ao
monopsiquismo averroísta; fazerr a apologia das ordens mendicantes contra os seculres que
queriam excluí-los do ensino universitário;

O De aeternitate mundi
– para a maior pare de teólogos da época (ex: Boaventura e Peckham), isso era impensável, e
que seria fácil provas haver o mundo começado por meio de razões muito eficazes. Para
Tomás, só a fé pode sustentar que o mundo começou; essa é a tese;
– a obra foi uma réplica dirigida a João Peckham, que defendia a tese oposta à de Tomás; em
consideração ao candidato a maestria em sua aula inaugural, Tomás manteve o silêncio; mas,
ao sair da cerimônia, seus alunos indignados o pressionaram a intervir; no dia seguinte,
Tomás intervém calma mas firmemente, mostrando a fragilidade da oposição de seu
oponente; logo em seguida, escreveu De aeternitate mundi.; O debate com Peckham teria
sido o impulso que levou Tomás a exprimir com toda a clareza a certeza a que chegara com
sua frequentação de Aristóteles.

A unicidade da forma substancial


– mais grave oposição entre Tomás e Peckham;
– o debate se deslocava do domínio da teologia da criação para o da antropologia;
– nos quodlibets: uma questão à primeira vista anódina [insignificante]: As formas
precedentes são destruídas pela chegada da alma intelectiva? / Cristo permaneceu homem
durante os três dias em que passou na tumba? / (ou mesmo francamente bizarras:) O olho de
Cristo após sua morte era olho <realmente> ou de maneira equívoca? / O corpo de Cristo
permaneceu numericamente o mesmo na cruz e no túmulo?
– R: segundo Tomás – em conformidade à doutrina hilemorfista recebida de Aristóteles –, a
alma intelectiva é a única forma substancial do composto humano;
– [muito interessante os argumentos! Rever depois! – p.222.]

O De unitate intellectus
– na frente oposta à dos conservadores, Tomás devia igualmente combater o que se
convencionara chamar “averroísmo”;
– 4 frentes dessa tendência heterodoxa: (1) eternidade do mundo; (2) negação da providência
universal de Deus; (3) unicidade da alma intelectiva para todos os homens – ou
monopsiquismo; (4) determinismo.
– “averroísmo latino”: caracterizada posteriormente como uma espécie de aristotelismo
radical ou heterodoxo; (mas é bem mais complexo); → admite-se hoje que Averróis não era
averróista;

– essas discussões são importantes para apreender a personalidade de Tomás e sua humildade
diante de Peckham;
– Porém, deve-se também ressaltar que nessas controvérsias, Tomás volta a mostrar-se como
de fato é: um lutador que não hesita em se bater quando necessário, e pronto a responder
qualquer desafio; leal e rigoroso, mas tmb impaciente na polêmica ante adversários;
– Não é simplesmente a atitude do pensador e professor, mas tmb a do pregador, preocupado
com a fé do povo fiel.

XI – Segundo período de ensino em Paris (1268-1272)

– Tomás não se dedicou todo seu tempo à polêmica; Longe disso! Sua principal ocupação
continuava a ser o ensino da Sacra Pagina;

A Lectura super Ioannem


– 1269-1271;
– Tomás abordou os livros do NT segundo sua ordem canônica; podemos classificar esse
sobre João ao lado do de Jó ou de Romanos como os mais acabados e profundos que nos
legou; uns dizem: a obra teológica por excelência de Santo Tomás;4

As questões disputadas: de malo e outras


– série de questões; a primeira deu nome ao conjunto (malo), mas é a única a falar do
problema do mal em generalidade; 1272;
– Tomás em sua maturidade reduziu sensivelmente as frequências de suas disputas ordinárias;

As disputas quodlibetais
– disputas ordinárias, característica da universidade medieval; duas vezes no ano (quaresma e
o advento – páscoa e natal) em duas sessões; podiam levantar todo tipo de questões;
– há cerca de 260 temas tratados; alguns deles são bem claros quanto à consciência que Tomás
tinha de si próprio como mestre em teologia;
– “em caso de necessidade iminente, bispos e doutores deveriam deixar de lado seu ofício
específico para se dedicar à salvação das almas em particular.”

De mixtione elementorum; De motu cordis


– não esperaríamos encontrar hoje em dia esses textos de um mestre em teologia, e sim nos de
um cientista;
– De mixtione: abordam-se os 4 elementos (água, ar, terra e fogo), suas qualidades (frio e
calor, seco e úmido) e o papel que a medicina antiga lhes conferia na teiroa dos humores e
temperamentos.
– De motu cordis: o movimento do coração no animal e no homem é um movimento natural;

De operationibus occultis naturae


– têm a ver com a magia; Tomas em sua formação aristotélica aborda de maneira mais
racional; denuncia as pretensões da astrologia

De iudiciis astrorum
– mostra como a superstição era difundida; é útil considerar as fases da lua na agricultura,
medicina, navegação; porém não pra presságios, sonhos, augúrios, geomancia;

De sortibus
– cônegos com dificuldade de eleger seu bispo, teriam decidido tirar a sorte; Tomás foi
consultado; explora as razões que podemos ter para recorrer à sorte;

De secreto
– seis casos concernentes aos limites do poder de um superio religioso;
A “Carta à condessa de Flandres”
– 1271; oito questões sobre tributar judeus, puni-los com multa por incorrer em falta e viver
de usura; aceitar doação de judeu, etc; Tomás não parece empolgado em responder; escreve
com brevidade; sua escrita reside menos no tratamento aos judeus do que no principio geral
que funda a legitimidade do imposto recebido – utilidade pública;

O De substantiis separatis
– quer tratar dos santos anjos; “uma vez que mostramos o que Platão e Aristóteles pensaram
acerca das substâncias espirituais, precisamosmostrar o ensinamento da religião cristã a seu
respeito”; → Obs.: a importância desse tratado: escritometafísico; síntese platônica mais
bem elaborada em Tomás;

O Super de Causis
– intenção de Tomás: comparar três textos: liber, elementatio e corpus dionisiano;

– quanto aos escritos: chama-nos atenção seu número, mais ainda sua diversidade; esperamos
em medida ver em Tomás o homem de um só livro, a Bíblia; mas há variedade de produção
e presença em questões contemporâneas;

XII – O Comentador de Aristóteles

A Expositio libri peryermenias


– não se resume a um tratado de lógica; Tomás se apoia em duas fontes principais: Boécio e
Amônio; segue sem jamais os nomeas a não ser quando deles se afasta (típico);

A Expositio libri posteriorum


– caráter técnico, difusão bastante ampla;

A Setentia libri ethicorum


– se trata de uma sentencia, uma explicação sumária e de caráter mais doutrinal, e não uma
expositio, comentário aprofundado com discussões textuais;
– Obs.: ao comentar Aristóteles, Tomás não o deixa a seu próprio encargo; Afirmou-se com
frequênci que Tomás seria o mais fiel e penetrante dos comentadores de Aristóteles; isso
significa esquecer que há entre a moral de ambos toda a diferença trazida pelo Evangelho;
Enquanto Aristóteles se move na ordem de uma ética fundamentalmente pagã, Tomás situa-
se de todo numa perspectiva cristã, e acomoda-se para fazer o Filósofo expressar a
finalidade contemplativa na qual ele mesmo vê a felicidade da bem-aventurança.
– Gauthier: Se, pois, quisesse ter feito um trabalho de historiadoe ou de crítico, o historiador e
o crítico teriam o direito de julgar sua obra, e de considerá-la fracassada. Mas ele pretendeu
efetuar tão somente um trabalho de sábio (!)

A Tabula libri ethicorum


– trata-se de uma tábua de matérias, do que hoje chamamos de índice dos temas principais da
Ética a Nicômano e do coment efetuado por Alberto Magno;
– Obs.: a obra não só revela a seriedade com que Tomás se preparou para escrever a Secunda
pars; além disso, lança preciosa luz sobre seus métodos de trabalho. O estudo das fichas da
Tabula confirma que os secretários de Tomás não eram meros copistas escrevendo sob
ditado, ou meros executantes; ele lhes concedia certa liberdade, reservando-se a revisão de
suas intervenções por ocasião da redação definitiva;
Comentários sobre a Física e a Metafísica
– razões: interesse intrínseco à obra de Aristóteles; para compreendê-las, basta lembras que a
obra se inicia por um livro inteiramente consagrado a descobrir os princípios do devir e do
ser naturais e conclui-se pela demonstração da existência de um primeiro motor.

Obras inacabadas
– O De caelo et mundo – se serve do comentário de Simplício na versão de G de Moerbeke;
trata-se de cosmologia; Tomás reinterpreta Aristóteles no sentido da fé cristã;
– O De generatione et corruptione – mal fora começado; Tomás nem sequer terminou o 5º cap
de uma obra de dois livros;
– O Super Meteora – Tomás explica os meteoros até o antepenúltimo cap do livro II;

Tomás e Aristóteles
– intensidade e rapidez nos trabalho; quanto à qualidade, as opiniões se dividem; seus fieis
tiveram de admitir que seu mestre “prolongara” o Filósofo;
– reconhece-se que é inteligente, e sem dúvida profunda, muitas vezes literal, mas não deixou
de desvirtuar a doutrina de Aristóteles em pontos decisivos, como no coment sobre a Ética,
guiado pelo princípio explicitamente cristão da visão beatífica; Como jocosamente o dizia
um de seus mais profundos intérpretes contemp, Tomás “batizou Aristóteles”; Gauthier: ele
herdou um Aristóteles “já todo cristão”; Mesmo os que hoje querem defender uma
fidelidade substancial devem admitir que ela se operou por “aprofundamento e superação do
texto de Aristóteles”.
– Obs: Muitos equívocos serão evitados se nos ativermos ao verdadeiro propósito de Tomás;
ele pretende buscar a intentio auctoris (regra da expositio reverentialis, da hermeneutica
medieval, o que o autor quer dizer); Nesse ponto, Tomás sente-se autorizado a pôr-se em seu
lugar para prolongá-lo e fazê-lo dizer coisas em que ele nem sequer poderia ter pensado.
– (!) Ele empreendeu esses comentários numa perspectiva apostólica, a fim de melhor realizar
seu ofício de teólogo e sua obra de sabedoria, tal como a compreendia a dupla escola de São
Paulo e Aristóteles: proclamar a verdade e refutar o erro.
– (!!!!) Procurando exprimir o que eles “quiseram dizer”, Tomás mostrava o que eles na
verdade procuraram sem saber (!!!!). Tal como São Paulo em Atenas, diante de seus
interlocutores do Areópago. (!!!!)

Tomás e seus secretários


– um olhar retrospectivo sobre a produção do segundo período parisiense é de se admirar!
Essa lista provocaria não apenas espanto, mas também increduliade;
– A avaliação em cifras do trabalho efetuado durante o período que se estende de outubro de
1268 ao final de abril de 1272, cerca de 1253 dias possíveis de trabalho, permite obter um
total de 4061 páginas; uma média de 3,24 págs por dia; 2403 palavras;
– Esse resultado não pode ser explicado unicamente pelo trabalho de Tomás; ele empregava a
maior parte do tempo a escrever ou então a ditar; ele mais ditou; talvez ele tenha se dado
conta de que sua letra era demasiado difícil de ser decifrada para escribas médios; ele tinha o
hábito de ditar a várias pessoas simultaneamente; Tréguier: (Tomás) tendo se sentado para
repousar um pouco, dormira e continuara a ditar mesmo dormindo.
– Somos levados a pensar numa verdadeira organização e mesmo numa racionalização do
trabalho; somente as vigílias e mesmo o trabalho noturno de Tomás permitiam-lhe fazer
frente a tudo isso; houve excessos – dormir em qualquer lugar era a mais benigna; e dos
acidentes como se queimar com uma vela sem perceber quando ditava sobre a Trindade; →
esses relatos são muitas vezes desqualificados em nome do seu aspecto anedótico ou da
interpretação religiosa de que são acompanhados;
– ao final desse segundo período de ensino em Paris descobre-se um homem maduro, em
pleno domínio de seu saber, transbordante de atividade e projetos;
– Pe Ramirez, conhecedor da Secunda pars, ao buscar situar o lugar exato de Tomás nas duas
grandes escolas do séc XIII – uma “afetiva”, de tendência agostiniana, outra “especulativa”,
de orientação aristotélica –, foi levado a destacar a evolução de Tomás em sua maneira de se
referir à virtude teologal da fé e, por consequencia, dos dons de inteligencia e sabedoria que
a acompanhavam. A fé deve operar pela caridade;Ramirez via a influência crescente de Sto
Agostinho no pensamento de Tomáss, uma vez atingida a sua maturidade (!);
– Obs.: as duas primeiras partes da Suma separam-se por um intervalo de três anos; Tomás
teve tempo de mudar a si próprio durante esse período; esse tempo foi empregado em parte
pelo De anima e por um melhor conhecimento da Retórica e da Ética, utilizada tão
abundante na Secunda pars. Não há dúvida de que, apesar das modificações que infligiu à
moral e à psicologia de Aristóteles, Tomás também ficou marcado por elas.

XIII – Último período de ensino em Nápoles (1272-1273)

– deixou Paris na primavera de 1272, após quatro anos;


– teve uma greve na univ de Paris; Carlos de Anjou pressionou que fosse escolhida sua capital
pra se instalar um mestre reputado à frente do novo centro de teologia; Tomás receberá do
rei uma onça de ouro por mês como salário por seu ensino;
– Obs.: últimos meses da vida de Tomás (!)

Os cursos sobre as epístolas paulinas


– a doutrina do comentário sobre Romanos testemunharia uma evolução doutrinal mais
avançada que a do restante das epístolas; isso supõe intervalo temporal;
– (!!) Podemos invocar – com as reservas de costume – os relatos dos biógrafos: a tradição
conservou a lembrança de Tomás ensinando São Paulo em Nápoles. Ptolomeu relata uma
história em forma de sonho que teria tido um frade desse convento. Quando Tomás, sentado
em sua cátedra magistral, estava prestes a comentar as epístolas, eis que o Apóstolo em
pessoa entra na sala de aula; Tomás interrompe-se para lhe testemunhar sua reverência e,
pergunta-lhe se estava a explicar bem o seu texto; o apóstolo respondeu que Tomás ensinava
bem o que se podia comreender dessas epístolas durante esta vida; mas viria um tempo em
que ele as compreenderia em toda a sua verdade. Ao dizê-lo, segurou-o pelo hábito e levou-
o consigo. Três dias depois, recebia-se em Nápoles a notícia da morte de Tomás. (!!)
– Tomás sobre seu plano geral e método (prólogo): Tal ensino [cartas de Paulo] pode ser
considerada sob tripla modalidade: (1) à medida que se encontra na cabeça propriamente
dita, em Cristo, encontramos em Hb; (2) à medida que se está nos membros principais do
Corpo místico, aos prelados <as pastorais>; (3) à medida que está no próprio Corpo místico,
que é a Igreja, encontramos nas epístolas aos Gentios.
– (!) Tomás não parece perceber que as cartas de Paulo não passam de escritos ocasionais e
que por certo não há nada mais distante do pensamento do Apóstolo do que pretender
transmitir tão articulado ensino sobre a graça de Cristo. Mas também não é o caso de o
julgar ingênuo, o que ele de fato não era; → isso mostra a unidade do projeto tomista, e a
que ponto a perspectiva eclesial está presente em seu pensamento.

O curso sobre os Salmos


– O Prólogo é dos mais instrutivos para apreender o método e a intenção do autor, que está
prestes a comentar esse tesouro da prece eclesial. Ele quer destacar sua “causa”, que é
quádrupla: matéria, forma, fim, agente: “Sua matéria é universal; enquanto cada um dos
outros livros canônicos possui matéria especial, esse recobre a matéria de toda a teologia.”
– (!!!) “Tudo o que diz respeito ao fim da encarnação está expresso nesse livro de maneira tão
clara que nos acreditaríamos diante do Evangelho, não diante da Profecia... Essa plenitude é
a razão pela qual a Igreja volta constantemente ao Livro dos Salmos, pois ele contém toda a
Escritura”. (!!!)
– Tomás: o modo, ex: livros históricos – rememorativo, exortativo, prescritivo... Sl: exaltação
e prece; o hino é uma exaltação de Deus em forma de canto; o fim dessa Escritura é a prece,
elevação da alma em direção a Deus. São Gregório afirma que, se a salmodia é
acompanhada da intenção do coração, ela prepara na alma um caminho para Deus.
– Obs: escrita de caráter seco; o relator só notou as ideias essenciai, deixando escapar as
explicações mais circunstanciadas; não só meras notas de curso;

A vida de Jesus
– Obs.: ao deixar Paris, dentre as tarefaz mais importantes, urgia em primeiro lugar concluir a
Suma; estavam escritas apenas as primeiras questões da Tertia pars; isso corresponde à
teologia de Cristo, união hipostática e suas consequências. (q.27-59 da Tertia);
– revelam um embasamento bíblico e patrístico que espantaria os que só querem ver em
Tomás um aristotélico impenitente. Quatro seções:
– (1) Ingressus, 27-39 – entrada do Filho no mundo;
– (2) Progessus, 40-45 – desenrolar de sua vida no mundo, vida pública de Cristo;
– (3) Exitus, 46-52 – sua saída deste mundo, sua paixão e morte;
– (4) Exaltatio, 53-59 – sua exaltação,triunfo após esta vida;
– para Tomás a teologia bem-feita conclui-se numa pastoral (p.311)

XIV – Os últimos meses e a morte

Os que conheceram Tomás


– o período que se inaugura é, de toda a sua vida, aquele sobre o qual dispomos do maior
número de informações concretas;
– Guilherme de Tocco: viveu com Tomás neste ultimo período; seu biógrafo e fonte sem igual;

Reginaldo de Piperno
– assistente, secretário e até papel de “ama”: vigiavar regime alimentar; foram amigos; Tomás
lhe dedicou o Compendium theologiae; “filho muito querido”;
– devemos a ele vários relatos das obras de Tomás; Tomás não poderia ter feito tudo o que fez
– nem mesmo, talvez, ter sido tuo o que foi – sem esse colaborador e confidente de todas as
horas.

Tomás e seus familiares


– o homem forte ligado a seu meio familiar, conforme o que já foi evidenciado no início

Esboço de um retrato
– saindo do terreno sólido de textos e datas; indicações sobre o homem e o santo que ele foi;
– Obs.: não é fácil por conta do gênero hagiográfico;
– Retrato Físico – ele era grande, gordo, bastante gordo, e com uma fronte calva; louro;
– rosto alegre, doce e afável; caráter comunicativo; inspirava alegria; jamais atingia alguém
com palavras injuriosas; humilde, sem utilizar palavras grandiloquentes e afetadas;
– vivia de maneira retirada; dedica o mínimo de tempo à refeição e ao sono; parece até que se
alimenta apenas uma vez por dia; no despertar está na igreja antes de todos, mas se retira
quando ouve os outros chegarem; se celebra a missa, em seguida volta a seu quarto para
trabalhar; mas não era anti-social; teve amizades profundas;
Um homem de alta contemplação
– com exceção de São Paulo, não há menção de especial reverência em relação a outros
santos; na maior parte das vezes, relacionamos sua prece com seu trabalho intelectual;
– a maneira de rezar prosternado diantedo altar ou com os braços erguidos em cruz evoca as
Nove maneiras de orar de São Domingos, o fundador dos Pregadores;
– (!!!) Em Nápoles, época em que Tomás escreve as questões sobre a paixão e ressurreição do
Senhor. Como de hábito, pela manhã bem cedo ele ora na capela de São Nicolau; Domingos
de Caserta, o sacristão que o observa, nota que ele está levitando e ouve uma voz que
provém do crucifixo: “Falaste bem de mim, Tomás, qual será tua recompensa? – Nada além
de Ti, Senhor”. (!!!)
– Tomás: “Quem quiser levar uma vida perfeita não tem outra coisa a fazer senão desprezar o
que Cristo desprezou na cruz, e desejar o que ele desejou.”
– A distração de Tomás fez-se lendária; perdido em seus pensamentos; ex: no parlatório, ao
qual fora conduzido para saudar visitantes ilustres, nem sequer se dá conta da presença
deles, sendo preciso puxar sua roupa com força para que volte a si. O mesmo ocorre durante
a prece: durante a missa do domingo da paixão de 1273, seu êxtase prolonga-se que é
preciso intervir para que possa terminar a celebração, enquanto à noite, nas Completas, seu
rosto está banhado de lágrimas durante o canto do Media vita → as lágrimas de Tomás
escorriam sobretudo no momento do versículo: não nos rejeite no momento da velhice.
– Reginaldo disse a Teodora, irmã de Tomás: “O mestre frequentemente se perde em espírito,
quando se absorve em contemplação. Mas nunca o vi como hoje, por tanto tempo fora de
si.” O expediente para fazê-lo voltar a si é sempre o mesmo, puxá-lo com força pela capa.

Última doença e morte


– (!!!!!) Em 29 de setembro de 1273, quando celebrava a missa na capela de São Nicolau,
Tomás sofreu impressionante transformação: “Após essa missa, nunca mais escreveu ou
ditou qualquer coisa, e até mesmo se livrou de seu material de escrever; encontrava-se na
terceira parte da Suma, no tratado da penitência.” A um Reinaldo estupefato, que não
compreender por que ele abandona sua obra, o Mestre responde simplesmente: “não posso
mais.” Voltando a questioná-lo um pouco depois, Reinaldo recebe a mesma resposta: “Não
posso mais. Tudo o que escrevi me parece palha perto do que vi.” (!!!!!)
– a partir dessa data – 6 de dezembro de 1273 – Tomás parece profundamente mudado; ficou
acamado, passou um tempo com sua irmã condessa Teodora; já no inicio de 1274 viaja para
o concílio que Gregório X convocou; absorto em seus pensamentos, não percebe uma
árvore tompada e bate a cabeça num galho; ainda em viagem chega ao castelo de Maenza
onde habita sua sobrinha Francesca, lá perde totalmente o apetite; depois de uns dias tentou
retomar a viagem para Roma; viajou montado, sinal de fraqueza e da gravidade de seu
estado, já que aos dominicanos era proibido viajar a cavalo.
– “Recebo-te preço da redençao de minh'alma, recebo-re viático de minha peregrinação, por
cujo amor estudei, realizi vigílias, sofri; preguei-te, ensinei; jamais disse algo contra ti, e se
o fiz foi por ignorância e não insisto em meu erro; se ensinei mal a respeito desse
sacramento ou de outros, submeto-o ao julgamento da santa Igreja romana, em obediência a
qual deixo agora esta vida.”
– (!!!) essa declarção lanla luz ao “tudo isso me parece palha”. “Palha” é o termo consagrado a
distinguir, conferindo os respectivos pesos, a essência da realidade do envoltório das
palavras; as palavras não são a realidade, mas a designam e conduzem a ela. (!!!)
– Como alcançara a realidade, Tomás tinha algum direito a se sentir distante das palavras, o
que não significa, de modo algum, que considerasse sua obra destituída de valor. Ele
simplesmente atingia o outro lado.
– Morreu na quarta feira, 7 de março, nas primeiras horas da manhã. Em Fossanova, sul de
Roma, a caminho do concílio de Lião.
– Obs: considera-se também a ansiedade, cansaço psiquíco em consequência da atividade
demasiado intensa, fadiga física e nervosa, associada às experiências místicas que marcaram
seu último ano, somam à sua partida.

XV – O difícil post mortem: culto, processo, disputas

O início do culto
– Em Fossanova; solenidade; sobrinha não entrou devido ao claustro, venerou o corpo à porta
da igreja; Reginaldo, o fiel companheiro, pronuniou o elogio;
– um milagre: antes de ser enterrado, João de Ferentino foi curado de uma afecção da vista; o
doente deitou sobre o corpo do defunto aplicando seus olhos aos do santo;
– sete meses após a morte, abriu-se o caixão (temiam que pegassem clandestinamente seus
restos) e o corpo estava em perfeito estado de conservação, suave odor;

Março de 1277 em Paris


– agitação doutrinal: conservadores neo-agostinianos vs. aristotélicos radicais da fac de artes;
– condenou-se teses heréticas; Tomás não era diretamente visado; mas foi implicado, ele era
lido na faculdade das artes;
– Depois, Egidio de Roma, aluno que partilhava das posições de Tomás, teve sua licentia
docendi recusada pelo bispo Tempier;
– tratava-se do processo diretamente voltado contra Tomás;

Dominicanos e franciscanos
– a hostilidade dos franciscanos em relação a Tomás não diminuia;

A defesa de Tomás pela ordem dominicana


– a posição da ordem é moderada: pode-se pensar diferente do irmão Tomás, mas não se pode
faltar-lhe ao respeito.

Discípulos e confrades
– Na pista imediata de Tomás, leitores fieis perceberam que o mestre nem sempre dissera o
mesmo, nem do mesmo modo, e preocuparam-se em harmonizar tal diversidade; literatura
dos “melhores ditos”; ajuda os dominicanos a melhor compreender e utilizar os escritos de
Sto Tomás.

XVI – Epílogo: A canonização em Avignon

Um processo bem conduzido


– Não deve causar surpresa ver nestas últimas páginas literatura polêmica e uma bula de
canonização; O processo foi desencadeado pelo papa João XXII;
– Tocco foi a Fossanova interrogar testemunhas dos últimos dias de Tomás; ele foi até
Avignon, recebido pelo papa em agoto de 1318, com uma lista de milagres e requerendo sua
canonização; foi um longo processo de investigação;

A canonização e seus desdobramentos


– proclama-a em 18 de julho de 1323 e exalta os 300 milagres do novo santo;

Doctor Ecclesiae
– A via estava livre para a carreira que conhecemos e para as hipérboles por tanto tempo
praticadas por seus discípulos. São Pio V, papa dominicano, em 15 de abril de 1567 o
proclamou doutor da Igreja. Obs: a liturgia hoje celebra mais de trinta doutores da igreja;

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