Você está na página 1de 79

PISCOPEDAGOGIA: UMA MATRIZ DE

PENSAMENTO DIAGNÓSTICO NO ÂMBITO


CLÍNICO
Simone Carlberg

Informamos que é de inteira responsabilidade da autora a emissão de conceitos.

Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a
prévia autorização da Editora InterSaberes.

A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei


nº 9.610/1998 e punido pelo art. 184 do Código Penal.
Em um de seus poemas, A casa das palavras, Eduardo Galeano (2010, p. 19)
nos diz:
“Na casa das palavras, havia uma mesa das cores. Em grandes travessas, as
cores eram oferecidas e cada poeta se servia da cor que estava precisando:
amarelo-limão ou amarelo sol, azul do mar ou de fumaça, vermelho-lacre,
vermelho-sangue, vermelho vinho[...]”

Espero que a leitura e o estudo deste livro possibilitem que você, leitor, sirva-se
com as cores, com as ideias de que estiver precisando, saboreando descobertas,
digerindo-as, integrando-as, transformando-as...
Simone Carlberg
Agradecimentos
Agradecimento lembra “agrado”. Dessa forma, com este livro, quero agradecer
e agradar a todos os professores, os colegas, os alunos e os clientes que
colaboraram, e ainda colaboram, com enlaçadas na malha de conhecimentos
que venho tecendo.
Agradeço, especialmente:
Ao Alfeu Wilbar Marques Garcia, pedagogo, que um dia foi meu professor na
universidade e que há mais de duas décadas é companheiro, incentivador e
parceiro do cotidiano.
Ao Luigi Carlberg Garcia, meu filho, que me ensina a ser mãe.
À Relindes Fucks de Oliveira, fonoaudióloga e psicopedagoga, integrante do
grupo de precursores da psicopedagogia no Brasil, por ter me apresentado a
essa área de pesquisa.
Ao Jorge Visca, psicopedagogo, que me alimentou com tantos conhecimentos.
À Arlete, à Laura, à Luiza, à Vera e à Virgínia, companheiras da cotidiana tarefa
psicopedagógica, que me acolhem e me ensinam a convivência grupal.
Prefácio
Este livro tem por objetivo oferecer uma leitura de reencontro com a teoria convertida em práxis
psicopedagógica, socialização de experiências, saberes e histórias. É um convite à reflexão, com
o intuito de reafirmar a importância do compromisso com a formação do psicopedagogo. O leitor
não tem como não se sentir provocado à descoberta, a olhar-se e a incluir-se como pesquisador
que busca trilhar caminhos tão instigantes quanto os da psicopedagogia.
A sistematização do conhecimento dialogado com autores possibilita ao estudante seguir por um
rico percurso de estudos e se contrapõe à ideia de um caminho feito de facilidades e de ruptura
com a formação, principalmente após a conclusão do curso de graduação. O aprendiz acaba por
entender que a formação é um fio sem ponta e que cada passo o leva a novas descobertas. E isso
é bom!
A psicopedagogia passa por um momento muito importante: a busca pela regulamentação da
profissão. A formação acadêmica do psicopedagogo legitima a identidade desse profissional e,
portanto, não pode estar alienada de seus significados na construção do conhecimento sobre a
aprendizagem. O diálogo crítico à luz da teoria inspira o aprendiz em cada um de nós.
A Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp) também é um espaço de formação, de
articulação com as experiências; espaço para reelaborar, desconstruir e reconstruir a todo
momento, num contínuo aprender. Mas compreender a ABPp como espaço que contribui com
essas possibilidades remete-nos, novamente, à identidade que construímos como
psicopedagogos. Aos estudantes, esta obra vai ajudá-los a perceber a complexidade que envolve
a psicopedagogia.
Boa leitura.

Rose Mary da Fonseca Santos


Presidente da ABPp – Seção Paraná Sul
Gestão 2011/2013
Apresentação
Este livro foi planejado... e passou a ser desejado. Planejado porque atende a um convite, por parte
da Editora InterSaberes, para a organização de um material que pudesse auxiliar os estudantes do
curso de Especialização em Psicopedagogia na disciplina de Psicopedagogia Clínica: Elementos
da Avaliação Psicopedagógica, cujo objetivo geral é capacitar os estudantes de Psicopedagogia
para a realização do diagnóstico psicopedagógico clínico, com base em conhecimentos teóricos e
práticos e da utilização de análise, próprios da psicopedagogia clínica. Assim, após o conhecimento
dessa ementa da disciplina, chegou também o momento em que teve início o desejo em aceitar a
tarefa.
Introdução
PRIMEIRO PONTO
O intuito desta publicação é oferecer elementos organizadores para a construção de uma matriz de
pensamento diagnóstico psicopedagógico no âmbito da ação clínica.
Para promover essa construção, escolhemos a Teoria da Epistemologia Convergente, que,
devemos ressaltar, não é o único caminho a ser escolhido por um psicopedagogo. No entanto,
começar por essa teoria possibilita gerar um grau de desorganização necessário ao processo de
aprender, para que, no decorrer da aprendizagem, seja possível chegar a um grau suficientemente
bom de organização, o qual permitirá ao estudante dedicado a compreensão do que é realizar um
processo de avaliação psicopedagógica.
A Teoria da Epistemologia Convergente foi organizada pelo Professor Jorge Pedro Luis Visca,
conhecido como Jorge Visca, nascido em 14 de maio de 1935 na cidade de Baradero, província de
Buenos Aires, Argentina.
Visca fez o magistério no ensino secundário e formou-se em Ciências da Educação na
Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Buenos Aires. Na extensão universitária, teve
contato com populações marginais e sensibilizou-se ainda mais diante das dificuldades de
aprendizagem. Trabalhou no Centro de Saúde Mental de La Matanza.
José Bleger influenciou Visca em relação à psicanálise e também foi influenciado pelas ideias
de Enrique José Pichon-Rivière, as quais o levaram a estudar na Primeira Escola Privada de
Psicologia Social, formando-se em Psicologia Social.
Depois de ter coordenado grupos de estudos, em 1977, Visca organizou o Centro de Estudos
Psicopedagógicos de Buenos Aires e, a partir de 1978, começou a ministrar supervisões e cursos
e fundou outros centros de estudos no Brasil, localizados no Rio de Janeiro, em Curitiba, em São
Paulo, em Salvador, entre outras cidades.
Em 22 de julho de 2000, encerrou sua caminhada material; no entanto, suas ideias e seu jeito
operativo foram multiplicados e muitos de seus alunos ainda têm como inspiração os registros que
ele produziu.
Em 1985, Visca publicou a primeira edição em espanhol do livro Clinica psicopedagógica:
epistemologia convergente, que teve sua primeira versão em língua portuguesa em 1987, sob o
mesmo título. Visca publicou também, em agosto de 1994, uma nova edição dessa obra, revisada
e reorganizada, que foi traduzida para o português, em 2010, por Laura Monte Serrat Barbosa. A
pedido da família de Visca, a tradutora acrescentou à versão original um capítulo intitulado
“Epistemologia Convergente”, com três subtítulos: “Uma conversa”; “O entrelaçamento entre teoria
e prática” e “Novas propostas”.
Há outras publicações de Visca que serão referenciadas no decorrer deste livro. Se você quiser
saber mais sobre o organizador da Teoria da Epistemologia Convergente, sugerimos que você
visite o site do Centro de Estudos Psicopedagógicos Jorge Visca, disponível em:
<http://www.cepjorgevisca.com.ar>.

SEGUNDO PONTO
Começar a construção da matriz de pensamento diagnóstico por meio da Teoria da Epistemologia
Convergente implica fazer um mergulho no universo de três aportes teóricos que, ao convergirem,
possibilitam uma integração de saberes organizados por três áreas do conhecimento: a
epistemologia genética de Genebra, que tem como seu principal representante Jean Piaget; a
psicanálise, representada por Sigmund Freud, Wilfred Bion, José Bleger, entre outros estudiosos;
e a psicologia social, de Enrique José Pichon-Rivière.
A proposta de Visca foi a maneira encontrada por ele para compreender o processo de
aprendizagem por meio da integração. A convergência de que trata o autor é bastante complexa e
exige que o estudante de Psicopedagogia, assim como os profissionais que elegem essa teoria como
pano de fundo de suas práxis, mantenha-se em permanente estado de curiosidade e de busca por
aprofundamento.
Todas as três correntes teóricas são amplas, profundas e contam com muitos registros escritos
deixados por seus autores ou por aqueles que os estudam, apresentando resultados de pesquisas,
críticas e ampliações das teorias. Basta acessarmos a internet, por exemplo, e procurarmos um
desses nomes para termos a dimensão desse acervo de escritos.
No decorrer do livro, você encontrará indicações de obras que foram elegidas como importantes
fontes de consulta. Cabe destacar que se tratam de fontes de consulta permanentes. Em grande
parte, esses livros não foram feitos para leituras rápidas e superficiais, mas, sim, para servirem como
referências para a reflexão e a integração de conhecimentos a cada processo diagnóstico realizado.
É a realidade diária que leva à formulação de indagações, e as respostas raramente são tão objetivas
quanto o mundo atual requisita.
Esse mundo parece desejar uma rapidez nos processos de aprendizagem que tem impedido
estudantes e profissionais de realizarem leituras mais profundas, o que é facilmente constatado
quando se exercem a docência e a supervisão de estudantes de Psicopedagogia. Há uma fantasia
de que, terminado um módulo de um curso, já se sabe o suficiente e os livros para consulta são
facilmente descartados. Quanto engano! O permanente acesso às principais obras da área é que
possibilitará o enraizamento de uma concepção que levará a uma coerência na prática cotidiana.
Quando se fala em concepção, a indagação é necessária. O que é concepção? Do latim
conceptione, significa “compreensão das coisas”; “percepção”. Concepção de mundo tem relação
com a imagem subjetiva que um indivíduo ou grupo faz a respeito deste, de acordo com
determinado ponto de vista.
Quando se elege uma teoria como pano de fundo de uma práxis profissional, há que se ter a
clareza de que essa escolha possui relação com o conjunto de valores que, na interação com o
mundo, foram construídos por cada um de nós e que continuará em permanente processo de
construção. Assim, o psicopedagogo tem uma concepção de mundo e, consequentemente, uma
concepção de aprendizagem.
É muito importante que o estudante de Psicopedagogia compreenda que, para estudar o ser
cognoscente, é necessário que ele pense sobre sua concepção de mundo, uma vez que é por meio
do conjunto de valores com os quais cada pessoa trilha seu caminho que é possível fazer escolhas.
No caso do psicopedagogo, esse profissional deve fazer a si mesmo as seguintes perguntas:

Por que escolhi a psicopedagogia?


Tendo feito essa escolha, qual teoria será o pano de fundo de minha ação?
Que recursos utilizarei no processo diagnóstico e no processo corretor?

Essas e outras indagações são imprescindíveis, pois é com base nas respostas dadas a elas
que o psicopedagogo elegerá quais serão seus instrumentos de pesquisa, quais serão os temas
pesquisados e aprofundados, como conduzirá a relação com seus clientes e como fará a orientação
para uma escola ou família.
Na concepção de mundo construída pelo psicopedagogo, há um plano filosófico que, muito
embora nem sempre esteja claro ou consciente, manifesta-se em ações e escolhas, que
influenciarão o plano teórico e, consequentemente, o plano prático.
É possível constatar facilmente que o momento histórico
atual promove uma necessidade de consumir ideias e produtos, e a tendência, principalmente
quando se inicia uma carreira profissional, é a de querer adquirir rapidamente conhecimentos por
meio de cursos e da aquisição de materiais psicopedagógicos, desde testes até jogos e brinquedos,
de modo a preencher o espaço externo com objetos e com recursos que atestem a área de
conhecimento estudada e que a ela correspondam. No entanto, o recurso interno, que, sem dúvida,
é o mais importante, muitas vezes permanece vazio ou confuso ou, ainda, não suficientemente
compreendido.
Os objetos ou os recursos externos ao psicopedagogo são objetos intermediários que,
concretamente, representam o saber, o não saber e o saber que está por vir. O recurso interno é
aquele que está com o psicopedagogo, dentro dele. É o conjunto de seus saberes que se expressa
na sua conduta, na sua atitude diante de um aprendiz.

TERCEIRO PONTO
Como terceiro ponto dessa introdução, contemplaremos a necessidade de preencher espaços
externos com base em algumas reflexões. Vamos a elas!
A convivência com artistas plásticos e com a arte em geral possibilita-nos a ampliação do
universo simbólico, subjetivo. A psicopedagogia trabalha com o exercício da leitura do simbólico,
habilidade extremamente importante para essa área. Por isso, vou relatar aqui, como colaboração
(justamente para um exercício de leitura e reflexão acerca da dimensão simbólica), uma troca de
ideias vivenciada com uma grande amiga, a artista plástica Dani Henning1, que, em um momento
de sua caminhada, atuou como psicopedagoga e com a qual trabalhei.
Certo dia, em seu ateliê, falávamos sobre a leveza, a delicadeza do traço em suas produções, e
o conteúdo dessa nossa conversa criou raízes, permaneceu latente em minhas reflexões, até que,
no momento da organização deste livro, floresceu. Escrevi a ela para que tentássemos lembrar o
que exatamente queríamos dizer. Lembramos que nossa conversa teve início devido a uma queixa
acerca das exigências do mundo atual e de quanto tem sido difícil compor o currículo. O mundo
parece não se satisfazer nunca, queixávamo-nos.
Chegamos à ambição de cada área e Dani se referiu à leveza do traço, à ideia de que, talvez,
chegar à linha seja a grande ambição do artista plástico. Com base nisso, comecei a pensar na
linha, no traço!

1
Para obter informações sobre Dani Henning, acesse: <http://<www.
danihenning.art.br>.
Na sala de espera da Síntese2 (Centro de Estudos, Aperfeiçoamento e Desenvolvimento da
Aprendizagem), há uma gravura (reprodução) de uma obra de Picasso. Olhei para aquela tela e vi a
linha, o traço! Trata-se da obra Bull, uma sequência de onze litografias que vão desde o estilo mais
acadêmico de desenho até o mais abstrato. Pablo Picasso, em 1945, com base em uma única peça,
transformou visualmente a imagem de um touro. Cada uma das imagens representa uma das fases
do processo de investigação, até chegar ao encontro do “espírito absoluto” do animal.
Infelizmente, não é possível reproduzir aqui todas as onze litografias 3. Podemos, no entanto,
fazer o exercício de observação com base em duas delas:

Observe que muitos traços foram eliminados, como se o “excesso” fosse retirado e “sobrasse” a
essência de simplicidade. Mas é uma simplicidade complexa! Até se chegar a ela, o caminho a ser
percorrido é longo, trabalhoso!
A analogia que quero fazer remete ao excesso de materiais, cursos, objetos que temos de
acumular em nossos inícios. Porém, o que necessitamos mesmo é de algo muito “simples” – a
linha, o traço –, mas só constatamos isso depois de um intenso trabalho, que é talvez o mais
complexo – assim, o recurso interno, aquele que vai sendo construído dentro de nós, às vezes sem
que tenhamos consciência, não é reconhecido por nós, não é “autorizado” a revelar-se.
Na nossa troca de e-mails, que intitulamos de Ti-ti-ti, Dani escreveu:
Acho que toda a conversa e o paralelo que você quer fazer está na busca da essência, do que
nos identifica e nos unifica. Que é a minha grande busca, aí o traço, é como se ele sintetizasse
a trajetória, mostrasse a atitude livre e madura de um processo intenso de aprendizagem.

Possivelmente Picasso, até chegar ao Touro, trabalhou intensamente no acadêmico, produziu


demais a vida toda em vários suportes para daí chegar à pureza do traço. Mesmo sendo
considerado um gênio, “nada veio do nada”. Não sei como você vai amarrar bem isso porque o
crescimento está ligado à sede de consumo de teoria e prática, e dos recursos externos. Acho
que o mais importante disso é a busca pelo estilo de trabalho, pela marca que cada aluno vai
ter, independente do recurso externo (que compõe a trajetória), do traço que cada um vai
deixar...(Henning, 2011)

Assim parece ser o caminho da construção do conhecimento. Após muitos ensaios e várias
tentativas complexas, chegamos à compreensão de que a atitude diante de uma pessoa que
aprende faz a diferença fundamental. Não que com isso se eliminem os objetos intermediários, mas
se necessita de poucos quando se tem muito internamente.

2
Acesse: <http://<www.sinteseaprendizagens.com.br>.

3
Se você quiser visualizar todas as litografias mencionadas para realizar uma análise mais completa delas, acesse:
<http://jamygalleries.blogspot.com/2009/04/picasso-progression-of-bull.html>.
1-Quadro Auxiliar
Neste capítulo, apresentaremos os passos para uma avaliação psicopedagógica conforme a Teoria
da Epistemologia Convergente, sintetizados por meio do Quadro Auxiliar. Também examinaremos
em detalhes a Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem (Eoca), instrumento concebido por
Jorge Visca e utilizado no processo de avaliação psicopedagógica no âmbito clínico.
Os conteúdos tratados neste capítulo contribuirão para a composição do plano teórico da matriz
de pensamento diagnóstico proposta nesta obra e os exemplos apresentados auxiliarão na
transposição da teoria para a prática.

1.1
Quadro Auxiliar propriamente dito
Para organizar este livro, foi necessário selecionar o que dizer, ou o que é necessário dizer, aos
estudantes de Psicopedagogia, que não seja nem o excesso e nem somente a linha, o traço.
Começaremos, portanto, pela totalidade de um processo, que é a apresentação de um
instrumento organizado pela autora desta obra entre 1992 e 1994, com a supervisão do Professor
Jorge Visca, em um dos períodos em que exerceu o papel de assessora desse professor em grupos
de formação em Psicopedagogia, promovidos pelo Centro de Estudos Psicopedagógicos de
Curitiba. Esse instrumento sintetiza o caminho de uma avaliação psicopedagógica, tendo como
pano de fundo a Teoria da Epistemologia Convergente. Trata-se do Quadro Auxiliar ao processo
diagnóstico clínico.
A primeira versão do Quadro Auxiliar foi publicada em um artigo distribuído a colegas e alunos
a partir de 1994. Uma versão revisada do instrumento foi publicada em 2007 no livro
Psicopedagogia: saberes/olhares/fazeres (Zenícola; Barbosa; Carlberg, 2007), em um capítulo
intitulado “Contribuições: composições teórico/práticas”.
O processo de avaliação psicopedagógica tem início com uma primeira entrevista, na qual se
acolhem pais e/ou responsáveis ou, ainda, o próprio cliente, que relata os motivos que o
mobilizaram a procurar a colaboração de um especialista.
É nessa primeira entrevista que nos é apresentado o conjunto de sintomas ou a semiologia
que pode manifestar-se na aprendizagem assistemática (nas aprendizagens cotidianas fora da
escola ou de espaços com conteúdos não sistematizados) ou na aprendizagem sistemática
(aprendizagens em espaços – escola – com conteúdos sistematizados).
Na primeira entrevista, ouvem-se os motivos, apresentam-se as constantes do enquadramento
do processo avaliativo e efetiva-se o contrato, na maioria das vezes oral, com a anuência das
partes.
Enquadramento é o conjunto de aspectos que organizam uma realidade. É um marco de
referência, um caminho que é organizado, uma margem que contém e dá segurança. Uma escola,
por exemplo, tem o seu enquadramento expresso em seu regimento.
São constantes de um enquadramento de contrato de avaliação psicopedagógica:
• tempo (quantidade de minutos de cada sessão, geralmente 50 minutos);
• lugar (local onde acontecerá o atendimento);
• frequência (quantidade de sessões por semana);
• duração (período de tempo em que ocorrerá o processo);
• interrupções combinadas (feriados, férias e outras datas);
• honorários (sistema de remuneração).

As constantes de um enquadramento correspondem às características peculiares ao


atendimento, considerando-se que este pode ser público ou privado. No atendimento público, de
maneira geral, o contrato é apresentado na forma escrita e, no atendimento privado, normalmente
é um acordo verbal.

Quadro 1.1 – Quadro auxiliar


Primeiro Segundo
Instrumentos
Etapas do processo sistema de sistema de
de pesquisa
hipóteses hipóteses

Semiologi Dimensõ
a es
C
O
G
N
I
T
I
V
A
Aprendizage
m F
assistemátic U
a N
C
I
O
N
A
L

A
F
E
T
I
V
A
Aprendiz
agem
sistemáti S
ca O
C
I
A
L
Instrumentos
Linha de Informações Terceiro
de pesquisa
pesquisa – complementar sistema de
complementare
anamnese es hipóteses
s

Fonte: Carlberg, 2007, p. 111.

Nesse contrato estão definidos os horários dos atendimentos. O primeiro atendimento (realizado
após a primeira entrevista) será com a pessoa que manifesta os sintomas.
No livro Avaliar para nós é..., Barbosa (2011, p. 131-137) apresenta reflexões a respeito da
primeira entrevista em um capítulo intitulado “Primeira entrevista... é momento de quê?”.
Nesse momento, é preciso silenciar, ouvir, observar e buscar entender o que não está à
disposição de nossas vistas e nossos ouvidos; o que se encontra “entre vistas”. O entrevistador
transforma-se em um grande caldeirão de escuta, que recebe o motivo principal da presença
dos entrevistados, além de também acolher outros motivos que vêm trançados, de tal forma que
nem são percebidos como coisas diferentes. (Barbosa, 2011, p. 132)
A primeira entrevista é um momento especial, no qual quem procura o auxílio filia-se, isto é,
aproxima-se do processo avaliativo; no entanto, a maneira como esse encontro é encaminhado é
que determinará o sentimento de pertença, ou seja, de fazer parte desse processo. Além disso, o
acolhimento do psicopedagogo e a sua escuta suficientemente boa podem contribuir para a
continuidade ou não de tal processo.

1.2
Entrevista Operativa Centrada
na Aprendizagem (Eoca)
Para este segundo momento, ou o primeiro com o cliente propriamente dito, Visca (2010) criou a
Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem (Eoca).
A aplicação da Eoca é um momento muito especial e possibilita o primeiro contato com a pessoa
que apresenta um conjunto de sintomas que a mobilizaram – ou ao seus responsáveis – a procurar
ajuda de um especialista.
A Eoca é um instrumento que pode ser utilizado em qualquer faixa etária – crianças pequenas,
adultos universitários e até mesmo a chamada terceira idade.
A tendência é pensar a avaliação psicopedagógica apenas para crianças em idade escolar, mas
é importante compreender que para a ação psicopedagógica não há limite de idade, assim como
não há limite para aprender.
Para a organização da Eoca, consideram-se, inicialmente, como parâmetro de escolha dos
materiais que irão compô-la, a idade cronológica da pessoa e a sua condição escolar atual.
Em linhas gerais, organiza-se uma mesa com duas cadeiras e colocam-se sobre esta alguns
objetos que poderão ser utilizados pelo cliente após a consigna4 de abertura (forma utilizada pela
autora desta obra): “Gostaria que você me mostrasse o que sabe fazer, o que lhe ensinaram, o que
aprendeu. Para isso, você poderá utilizar os materiais que estão sobre a mesa”.
No texto original de Visca (1994, p. 86), encontramos: “Me gustaría que me muestres lo que
sabes hacer, lo que te han enseñado y lo que hás aprendido”. Após alguns instantes, acrescenta-
se: “Este material es para que lo uses si lo necesitás para enseñarme lo que te comente que queria
saber de ti”.
Visca (2010, p. 98) apresenta a seguinte tradução da consigna: “Gostaria que me mostrasse o
que sabe fazer, o que têm lhe ensinado e o que tem aprendido”. Após alguns instantes, diz: “Este
material é para você usar, se precisar, para mostrar-me o que eu gostaria de saber de você, como
comentei”.
Visca (2010, p. 98) ressalta, ainda, que pode haver diferenças, tanto em relação à consigna
quanto em relação aos materiais, em virtude da idade do entrevistado.

4
No decorrer de toda a obra, é recorrente o uso do termo consigna (do espanhol), que não possui tradução na língua
portuguesa e está relacionado ao sentido de “ordem”, “instrução”. Como é muito utilizado em psicopedagogia,
optamos por empregá-lo na forma como aparece na língua espanhola. Para saber mais sobre a utilização desse
conceito em psicopedagogia e educação, sugerimos a leitura do Capítulo 3, intitulado “Consigna”, que integra o livro
O processo educativo: articulações possíveis frente à diversidade (relato de uma práxis), coordenado por Simone
Carlberg.
Quanto aos materiais, lembra-se do que comentamos anteriormente sobre a necessidade de
consumir objetos? Fazíamos referência também à organização dos materiais para a Eoca.
Costumamos brincar que não é para oferecermos uma papelaria, mas uma quantidade
suficientemente boa de materiais que sejam mobilizadores.
Visca (2010, p. 98) sugere os seguintes materiais para crianças em idade escolar:
folhas lisas, tamanho carta;
folhas com linhas e quadriculadas;
lápis novo, sem ponta;
apontador;
caneta;
borracha;
folhas de papel colorido para dobradura;
régua;
lápis de cor;
livro ou revista.

Como podemos constatar, trata-se de um conjunto de materiais que lembram os utilizados em


uma escola, por exemplo. Embora, em muitos casos, esses materiais sejam o suficiente, é possível
adaptá-los conforme a situação que nos é apresentada. Vejamos alguns exemplos:

• Para adolescentes com idade entre 13 e 15 anos, podemos incluir um compasso, um


transferidor e uma revista, que pode ser sobre esportes (surfe, futebol, vôlei etc.).
• Para crianças de 6 a 9 anos, podemos acrescentar um jogo, como o UNO, um jogo de baralho
que permite a observação de vários aspectos cognitivos, funcionais, afetivos e sociais.
• Para crianças de 4 a 6 anos, podemos privilegiar objetos relativos a essa faixa etária, como
giz de cera mais grosso. Podemos também retirar a régua e escolher um livro de literatura
infantil com imagens coloridas e com letra em caixa-alta ou, ainda, apresentar uma caixa ou
um pacote com letras em madeira ou em plástico.
• Para crianças menores de 4 anos, podemos optar pela exposição de materiais próprios ao
estado de pensamento esperado de crianças dessa faixa etária e oferecer, por exemplo, uma
bola de plástico, um carrinho, uma boneca, um livro de pano etc.
• Para os adultos, podemos oferecer, além de instrumentos necessários, mais de um suporte
de escrita, como uma revista para adultos, um livro de poemas, um livro da história da cidade
onde estão, entre outras possibilidades.

Enfim, o importante é ter em mente que o que interessa nesse momento não é a quantidade de
materiais nem a variedade, mas a escolha dos objetos que servirão como mediadores ou, ainda,
como disparadores de uma apresentação. Embora se diga que a psicopedagogia trabalha com
dificuldades de aprendizagem, não procuramos nessa entrevista as “dificuldades”. Nosso olhar
deve estar direcionado à pessoa que está diante de nós. Assim, nesse momento, o que nos importa
é conhecer e observar esse indivíduo, de modo que possamos compor um sistema de hipóteses
que nos leve a compreender o seu jeito de aprender.
Em uma Eoca, interessam-nos três elementos: a temática, a dinâmica e o produto.
A temática é tudo aquilo que a pessoa fala com o interlocutor e consigo mesmo, o que é muito
comum, uma vez que escutar a própria voz pode ser um recurso organizador da própria ação.
A dinâmica se refere ao conjunto de movimentos corporais realizados pela pessoa durante a
entrevista, desde a maneira como faz a preensão de um instrumento – tesoura, lápis, caneta, cartas
de baralho –, até o modo de se sentar, o piscar incessante, isto é, os movimentos que ela realiza ou
até mesmo a ausência de movimentos.
O produto se refere à produção da pessoa: um desenho, um texto, uma colagem, entre outras
possibilidades.
Esse conjunto de observações é que expressa a “resposta” dada à consigna de abertura, ou
tarefa de abertura, solicitada pelo entrevistador.
O entrevistado pode reagir de distintas maneiras diante da consigna:
• pôr-se a falar;
• pôr-se a desenhar, escrever, fazer contas etc.;
• pedir que lhe digam o que é para fazer;
• ficar paralisado.
Durante a Eoca, a atitude do entrevistador não deve ser a de dirigir a entrevista, determinando o
que o entrevistado deve fazer; pelo contrário, o psicopedagogo deve acolher os movimentos
apresentados e identificados pela dinâmica e pela temática do cliente, embora possa realizar algumas
intervenções. Entre estas, Visca (2010, p. 99) sugere o modelo de alternativa múltipla, que se
resume à apresentação de possibilidades, como a expressa em: “Você pode desenhar, pintar,
recortar ou fazer qualquer outra coisa que lhe ocorra”.
Ao realizar as intervenções, o psicopedagogo deve ter por objetivo observar de que maneira
ocorre a modificação da conduta; de que maneira o cliente reage diante de uma situação que o
desorganiza e como ele se reorganiza; a qualidade de suas justificativas; o que ele aceita ou recusa
no vínculo que estabelece com o psicopedagogo, com os materiais oferecidos ou com as
intervenções realizadas.

Registro de uma Eoca


No decorrer da entrevista, cabe ao psicopedagogo, além de observar e intervir (quando
necessário), registrar por escrito os fatos observados. Há várias possibilidades de realização desse
registro, porém, para ilustrar, apresentamos o exemplo a seguir.

Nome: Yuca5.
Idade: 7 anos e 6 meses.
Grau de escolaridade: 1º ano do ensino fundamental – escola particular.
Queixa ou motivo da procura: O casal (padrinhos) que cuida de Yuca deseja realizar uma
avaliação psicopedagógica para conhecer a condição geral de aprendizagem da menina. Yuca
mora na casa dos padrinhos, mas convive com o pai biológico, os irmãos e a avó paterna, além de
manter a convivência com o lar dirigido por religiosas que cuidaram dela desde muito pequena.

5
Yuca é um nome fictício, porém o caso é autêntico. Os dados de identificação foram modificados com o intuito de
preservar a identidade real do cliente. Aproveito para agradecera à Yuca por nos servir de exemplo e nos ajudar a
compreender e a auxiliar tantas outras e outros Yucas.
Materiais encontrados por Yuca sobre a mesa (ver Figura 1.1):

• duas folhas de papel sulfite branco;


• um lápis preto;
• apontador;
• borracha;
• tesoura sem ponta;
• papel colorido para dobradura;
• giz de cera retrátil (12 cores);
• um livro;
• uma régua;
• um tubo de cola líquida;
• letras em EVA.

Figura 1.1 – Exemplo de materiais utilizados numa Eoca

Quadro 1.2 – Registro de Eoca da Yuca


REGISTRO DE TEMÁTICA E
HIPÓTESES
DINÂMICA

Consigna de abertura: //Yuca,


eu gostaria que você me
mostrasse o que você sabe
fazer, o que lhe ensinaram e o
que você aprendeu com estes
materiais que estão sobre a
mesa.//

“Eu sei equilibrar livro na Que significativo!


cabeça!”
Fala enquanto deixa a régua Talvez o material determine a
em pé. ação?
“Tô fazendo um negócio.” Destra

Dobra o papel em 4 partes,


marca com a dobra, corta.

“Cadê a mãe da Yuca grande?” Busca vínculos anteriores?


Demorei em entender que se
tratava da filha de uma pessoa
que se encontrava na sala de
espera e que tem o mesmo
nome de Yuca.

6
O que está entre aspas foi dito por Yuca; o que está entre barras foi dito pela psicopedagoga.
REGISTRO DE TEMÁTICA E
HIPÓTESES
DINÂMICA

“Ih, não tem durex, eu preciso Colar-se? Aproximar-se?


para fazer o livro.” O sentido da tarefa muda
Ofereço-lhe o durex. conforme o material?
Dobra, dobra, cola durex e faz
um avião.

//Você não ia fazer um livro?//


“Eu tô fazendo, é o desenho!” Faz ligações entre o que se diz,
//Ah! O avião é o desenho do o que pretendia fazer e o que
livro?// está fazendo, mesmo que
intuitivamente?

“Eu tenho outra Simone, ela Tenta fazer relações do novo


mora junto com a minha irmã.” com o já conhecido?

“Eu sei fazer um livro, vai ficar


bem bonito!”
Enquanto fala, enrola um
pedaço de papel, faz dele um
tubo, um rolo.

“Lá na escola tem esse livro!” Embora centrada na tarefa, faz


(pega o livro A história do gato uma leitura global?
e me mostra) Boa capacidade de
observação?

Pede ajuda para abrir a cola. Pede ajuda.


“Não tá saindo!”
Mostro-lhe em meu dedo um
pingo de cola que sai.
Ela repete o que vê, coloca um Necessidade de modelo?
pingo de cola no dedo, passa Estado de pensamento pré-
no papel e coloca o material ao operatório intuitivo global ou
lado. articulado?

“Vou desenhar!”
“Eu não sei fazer mão, só sei
fazer uma asa” (ri muito)
“Pode ser um anjo!” Analisa seu produto, identifica
o que ainda não consegue?

“O anjo tava na praia, tinha


dois sol até! Um ele fez e o
outro já estava” (mostra-me o
do lado esq.) Dois “sóis” representam as
“Esse ele fez” e o do lado duas famílias? Vínculo positivo
direito “Já estava.” (+) com pai biológico e com as
figuras masculinas?
REGISTRO DE TEMÁTICA E
HIPÓTESES
DINÂMICA

Cola o desenho no livro, pega Colar, colar, colar?


durex e volta a desenhar o Necessidade de raiz? De
mesmo tema: “dois sol e um definição? De espaço?
anjo sapeca!” (ri novamente). Busca integrar partes que se
encontram soltas em seus
vínculos?

//Esse livro é só feito com lápis


ou será colorido?//
Aceita a intervenção porque
“Eu vou pintar!” quer corresponder à
expectativa?

Pega o lápis, não sabe abri-lo, Aceita a novidade com


mostro-lhe, pinta o desenho. facilidade?
“Tava muito quente, ele Ligada na realidade?
queimou o rosto.” (pinta com Noção causa/consequência?
lápis cor-de-rosa) (causalidade?)

“Eu vou fazer um coração Ecro* religioso? A experiência


diferente, ficou tudo verde, de abandono que não se
porque ele mentiu, eu quero efetivou?
uma casa que não tem mãe, Estado de heteronomia moral?
ele mentiu, porque ele tem
mãe, né? Pronto! Terminei o
livro!”

//E o seu livro só tem desenho?


Não tem palavras?//
“Não, não sei escrever!”
//Nem o seu nome? O nome da
autora?//
Escreve Yuca. Escreve seu nome com
facilidade.

“Vou fazer um coração”, dobra


o papel, recorta e abre, quando
abre constata que não deu
certo.
“Ih! Parece um coelho! E esse
um castelo.”
Desenha, cola com durex e diz: Assimilação deformante?
“Olha, o castelinho do O resultado da sua ação
coelhinho!” determina o significado?
Vocabulário amplo, pronúncia
boa, porém com sinais de
trabalho fonoarticulatório.

Modelo de alternativas
múltiplas*
REGISTRO DE TEMÁTICA E
HIPÓTESES
DINÂMICA

Recorta um papel e diz: “O que


parece?”
//O muro de uma cidade, o
morro, as casas.//
“É isso mesmo que parece!” Permanece no já conhecido –
recorte com uma intenção que
se modifica a partir do produto
encontrado.

“Sabe que estou fazendo Fez outra relação


balé?” aparentemente sem ligação?
Percebe o sentido de suas
associações?

Pega outro papel, diz que fará Que interessante. Precisa de


um coração. uma simetria que ainda não
De novo, não consegue e diz: consegue realizar.
“É um coração/coelhinho.” Busca pontos comuns nas
Coloca olhos, nariz... partes.

//O que você sabe fazer com o


que tem nesta caixa?//
Abre a caixa e diz: “Letras!”
Retira algumas e começa a
enfileirá-las:
MPMOV
Pede para que eu leia. Leio e Conhece as letras do alfabeto,
ela ri muito. ainda não faz a relação entre
MOJSE som e letra em alguns casos.
Repete a conduta anterior.
Pergunto-lhe: //M com O faz o
quê?//
“MO”
Termino a leitura, novamente ri
muito.

D XX R M (com o D e o R Nível silábico/alfabético? Ou


invertidos) apenas automatização?
//Separe nessas caixas o que Essas inversões são próprias
serve e o que não serve para do estado atual ou há algo
ler// perceptivo?
+ 5 (invertido) entre outros e lê:
XeG

V e o 3 – diz que ambos são


números. Ri muito.
O riso intenso é uma conduta
defensiva?
Não diferencia letras de
números? Ou é algo
“Vou escrever o meu nome.” perceptivo?
“O Y, o U, o C, o A.”
YUCA
REGISTRO DE TEMÁTICA E
HIPÓTESES
DINÂMICA

Logo abaixo coloca:


Y B G (B e G invertidos)
N O 7 M (N invertido e o 7 Tentativas aleatórias, mas com
deitado) controle de quantidade.
JQDIMIASI
“É assim que é o meu nome
inteiro!”

Pega o livro. A tarefa anterior potencializa


“Eu sei ler! O gato começa com suas possibilidades. Arrisca-se.
a letra G.”
Na capa interna do livro há
imagens com rótulos. Faz a
leitura das imagens:
A palavra é a etiqueta do
desenho.

“Era um dia o gato estava Texto objetivo tem relação com


muito subindo na cadeira, foi as imagens, mas o texto
retinho pegar a comida do gato, subjetivo tem relação com a
o ratinho, ele que pegou mais história dela?
comida do gato, ele ficou muito
guloso, e ficou doente porque
tá sem comida.
Tá uma carta! Obrigado por
sua comida! A menina pegou
ele...”

//O que serve para ler aqui?//


Indico as palavras em uma das
páginas.
Aponta para as letras.
//Por quê?//
“Porque tá no meio da página.”
//Onde está escrito GATO?// Hipótese ligada à localização
Rapidamente aponta da palavra na folha e não à
corretamente. palavra e às letras
//Onde começa? Onde propriamente ditas?
termina?//
//Com que letra começa//
“Com G.”
//Com que letra termina?//
“Com O.”
“Olha! GA TO termina com i!” – Com mediação faz avanços?
fala dando ênfase aos sons. Levanta hipóteses?

Continua “contando” a história.


Não para de falar.
Ligou o “fofone” e/ou não
“temedo”. Quando fala rapidamente
comete aglomerações?
Indico o final da sessão, acata
com tranquilidade. Atende aos limites verbais?
É muito comum que iniciantes nessa prática encontrem dificuldades em fazer as três coisas
concomitantemente – observar, intervir e registrar. Nesses casos, sugerimos que, por maior que
seja a dificuldade, o entrevistador faça as anotações possíveis, para que depois do término da
sessão possa retomar e registrar os acontecimentos na ordem em que aconteceram. É importante,
também, registrar as hipóteses, ou seja, o que o psicopedagogo pensa e se pergunta no decorrer
da entrevista.
Não se trata de um pensar qualquer. É um pensar que deve estar focado nos parâmetros
oferecidos pelas teorias que explicam o desenvolvimento humano, que, no caso da Teoria da
Epistemologia Convergente, são os aportes teóricos da escola de Genebra, da psicanálise e da
psicologia social.
Desse modo, o Quadro Auxiliar pode, ser utilizado como um mapeamento das hipóteses
levantadas na Eoca, agora classificadas; as hipóteses cognitivas devem ser colocadas na
dimensão cognitiva e assim por diante.
Somente após esse estudo é que se passa para a escolha dos instrumentos de pesquisa que
podem vir a responder às hipóteses levantadas. É nessa fase que reside o grande diferencial dessa
forma de pesquisa psicopedagógica – parte-se da realidade atual do sujeito para se chegar às
possíveis causas do conjunto de sintomas apresentados no início do processo.
No decorrer da Eoca, pode-se intervir, como abordado anteriormente, por meio do modelo de
alternativa múltipla, intervenção utilizada quando o profissional tem à sua frente uma pessoa que
paralisa diante da consigna de abertura, por exemplo.
Essa é uma forma de intervenção, porém a atitude do psicopedagogo deve ser uma atitude de
acolhimento sem sedução (elogios desnecessários), sem infantilização (uso de palavras no
diminutivo), sem tentativa de aplacar possíveis medos ou receios, sem penalização, enfim, o
psicopedagogo deve construir uma atitude clínica, com uma distância suficientemente boa, que não
o “misture” ao cliente e tampouco o afaste em demasia.
Conforme Visca (2010, p. 99), “Interessa, pois, observar seus conhecimentos, atitudes,
destrezas, mecanismos de defesa, ansiedades, áreas de expressão da conduta, níveis de
operatividade, mobilidade horizontal e vertical etc.”.
A condução da entrevista é sustentada por princípios relativos ao método clínico, utilizado pela
escola de Genebra – que é uma forma de condução também na aplicação das provas de
diagnóstico operatório e das técnicas projetivas psicopedagógicas – e também por princípios
oriundos da psicanálise. Sua duração é de 50 minutos. No entanto, em alguns casos com crianças
muito pequenas, às vezes é necessário diminuir um pouco esse tempo.
Importante e necessário ao psicopedagogo é o exercício constante do olhar: olhar o outro,
observar o outro sem, todavia, fazer juízo de valor – o que é bom, o que é mau; o que é certo, o que
é errado; o que é bonito, o que é feio etc.; olhar o outro com a curiosidade de pesquisador, de quem
tem a capacidade de encantar-se, de surpreender-se. É preciso ter o cuidado de não ficar
procurando o que há de errado com o indivíduo. O profissional deve apenas olhá-lo de forma
humana.
O constante exercício de aplicação da Eoca, conforme foi concebida por Visca (1987), possibilita
melhorarmos a nós mesmos, pois a diversidade humana pode ensinar a força da esperança e a
humildade no reconhecimento das diferenças, entre muitas outras aprendizagens possíveis.
Adjetivos são fáceis de serem “colados”, e uma pessoa que procura avaliação psicopedagógica
não busca adjetivos, mas sim ajuda, compreensão, acolhimento. Mas se lembre: para a
psicopedagogia, a ajuda, a compreensão e o acolhimento serão sempre operativos. Não se trata
de fazer pelo outro ou para o outro; trata-se de possibilitar o acesso à vara de pescar e até mesmo
ao lago. Contudo, o peixe deverá ser pescado pelo pescador.
Para o aprofundamento em relação à fundamentação teórica e à aplicação de uma Eoca, você
pode consultar um artigo de autoria de Visca intitulado “Precondiciones energetico-estructurales
del aprendizaje”, publicado em 1993 em espanhol. O nome do livro é Psicopedagogia: teoria,
clinica, investigacion, com edição do próprio autor.
Na Figura 1.2, podemos observar o produto da Eoca de Yuca.

Figura 1.2 – Produto resultante da Eoca realizada com Yuca – 1

Figura 1.3 – Produto resultante da Eoca realizada com Yuca – 2

Figura 1.4 – Produto resultante da Eoca realizada com Yuca – 3

Sobre o produto deixado por Yuca, quais hipóteses podem ser levantadas?
Para finalizar as considerações relativas à aplicação da Eoca, é importante acrescentar algumas
informações acerca da forma de registro da entrevista. Observe que, no registro utilizado como
exemplo, as hipóteses são colocadas na mesma direção (horizontal) da observação registrada.
Essa organização permite ao psicopedagogo fazer o acompanhamento da evolução das próprias
hipóteses, como se fosse um pequeno filme que pode ser pesquisado em suas partes sem que
haja perdas na compreensão da totalidade. Essa formatação propicia também uma organização
textual que auxilia a leitura desse tipo de texto, de modo que não sejam dificultadas sua visualização
e sua consequente análise.
Essa é uma das maneiras de se executar um registro, o que não impede que cada
psicopedagogo possa organizar o seu jeito, mas sempre tendo em mente que um registro não serve
somente para um momento, mas também para muitas situações que o levem a compreender o
sujeito pesquisado, desde os momentos de classificação de hipóteses e de seleção de instrumentos
de pesquisa, até os momentos de supervisão ou de apresentação do estudo em situações
científicas.

1.3
Primeiro sistema de hipóteses
Feita a Eoca, é hora de classificar as hipóteses e selecionar os instrumentos de pesquisa.
Para ilustrar nosso estudo, a seguir é apresentado o Quadro Auxiliar que corresponde à Eoca
realizada com Yuca, com o primeiro sistema de hipóteses classificado e organizado. Procure
observá-lo e analisá-lo.

Quadro 1.3 – Quadro Auxiliar: primeiro sistema de hipóteses


Etapas do
Processo Primeiro sistema de hipóteses
Dimensões
Pré-operatório global indo para o
COGNITIVA articulado?
Intuitiva?
Necessidade de modelo?
Material determina a ação?
Faz ligações entre o discurso e a ação?
Boa capacidade de observação?
Atenção descentrada?
Necessidade de modelo? Aprendizagem
por imitação?
Analisa o próprio produto?
Escreve o próprio nome?
Conhece o alfabeto, mas não faz relação
FUNCIONAL entre som e letra?
Algumas inversões – algo perceptivo?
Tentativas aleatórias de escrita e leitura
com controle de quantidade?
Pré-silábica?
A palavra é a etiqueta do desenho?
Assimilação deformante?
Vocabulário amplo?
Pronúncia sem falhas com sinais de
trabalho fonoarticulatório?

Busca de equilíbrio?
Busca de vínculos anteriores?
Vínculo positivo com figuras masculinas?
Vínculo dissociado?
Vínculo simbiótico representado pela
AFETIVA
necessidade de colagem?
Aceita a novidade com facilidade?
Permanece no já conhecido?
Deseja corresponder à expectativa?
O êxito a potencializa para seguir adiante?

Necessidade de definição de seu espaço?


SOCIAL Ecro religioso?
Com mediação, avança na aprendizagem?

Em relação ao Quadro Auxiliar, é importante explicar que se trata apenas de um instrumento


auxiliar ao processo diagnóstico, sendo utilizado para organizar a pasta de cada cliente para
consultas no momento da realização do diagnóstico ou, ainda, em momentos de necessidades
futuras. É utilizado também como instrumento didático em aulas sobre o tema.
Você já deve ter observado que no Quadro Auxiliar há uma imagem ao fundo, uma marca d’água,
em forma de espiral. Ela representa a necessidade de manter permanentemente a lembrança de
que o ser humano é uma totalidade, sendo meramente didáticas as divisões por pontilhados que
separam as dimensões. Afinal, não avaliamos pedaços isolados, e sim uma pessoa em sua
totalidade. O Quadro Auxiliar pretende ser a representação gráfica da teoria que o embasa. Assim,
pontilhados, espiral ao fundo e barras divisórias foram pensados como representantes da própria
teoria.
Síntese
Neste capítulo, apresentamos alguns dos aspectos que compõem o Quadro Auxiliar, bem como os
conceitos de enquadramento e suas constantes, de Eoca e de sua consigna, além de sugestões de
materiais e forma de registro e composição de um primeiro sistema de hipóteses.

Atividades de autoavaliação
1. Quais as teorias contempladas pela Teoria da Epistemologia Convergente?
a) A teoria de Jean Piaget, a da psicologia cognitiva e a da psicologia social.
b) As teorias da psicologia cognitiva, da psicanálise e da psicologia social.
c) As teorias da epistemologia genética, da psicanálise e da psicologia sistêmica.
d) As teorias da epistemologia genética, da psicanálise e da psicologia social.

2. A Eoca é um instrumento concebido por Jorge Visca e essa sigla significa:


a) Entrevista Operatória Centrada na Aprendizagem.
b) Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem.
c) Enquete Operatória Centrada no Aprender.
d) Entrevista Operativa Centrada no Aprender.

3. O Quadro Auxiliar é um instrumento concebido por Carlberg, que ajuda no processo de avaliação
psicopedagógica no âmbito clínico. Quais momentos desse processo são contemplados no
Quadro Auxiliar?
a) Semiologia, dimensões; primeiro sistema de hipóteses; instrumentos de pesquisa; segundo
sistema de hipóteses; instrumentos de pesquisa complementares; linha de pesquisa para a
anamnese; informações complementares; terceiro sistema de hipóteses.
b) Semiologia; dimensões; Eoca; devolutiva.
c) Primeiro sistema de hipóteses; instrumentos de pesquisa; segundo sistema de hipóteses;
instrumentos de pesquisa complementares; linha de pesquisa para a anamnese; informações
complementares; terceiro sistema de hipóteses.
d) Primeiro sistema de hipóteses; instrumentos de pesquisa; segundo sistema de hipóteses;
linha de pesquisa para a anamnese; terceiro sistema de hipóteses.

4. Se você tivesse de selecionar materiais para realizar uma Eoca de um garoto de 9 anos,
matriculado no 3º ano de ensino fundamental, cuja queixa principal está relacionada à lentidão
no processo de aquisição de conhecimentos, quais materiais você escolheria?
a) Duas folhas de papel sulfite; uma folha de papel com linhas e uma folha de papel
quadriculada; um lápis preto novo, sem ponta; um apontador; uma caneta; uma tesoura; cinco
folhas de papel colorido para dobradura; um tubo de cola líquida; uma régua; uma caixa de
lápis de cor com 12 cores; uma revista Recreio; um gibi da Turma da Mônica.
b) Duas folhas de papel sulfite; um lápis preto; um apontador; uma caneta; uma tesoura; cinco
folhas de papel colorido para dobradura; uma régua; uma caixa de lápis de cor com 42 cores;
uma revista qualquer.
c) Qualquer material serve para realizar a Eoca.
d) Duas folhas de papel sulfite; uma folha de papel com linhas e uma folha de papel
quadriculada; um lápis preto novo, sem ponta; um apontador; uma caneta; uma tesoura; cinco
folhas de papel colorido para dobradura; uma régua; uma caixa de lápis de cor com 12 cores;
um livro qualquer; grampeador; furador; cola colorida; cola com glitter; purpurina; lantejoulas;
sucatas; papel de seda; papel laminado; papel celofane; compasso; transferidor; estilete;
entre outras coisas encontradas em papelarias.

5. O Quadro Auxiliar foi composto de maneira a representar graficamente a teoria que sintetiza. Há
uma espiral ao fundo do quadro, uma marca d’água. O que significa essa espiral?
a) Um efeito meramente decorativo.
b) A representação do movimento de integração e interação das partes com o todo e do todo
com as partes.
c) Apenas um recurso didático.
d) A evolução da avaliação.

Atividades de aprendizagem
Questões para reflexão
1. Observe a sua conduta diante de uma criança. O que predomina em sua atitude? Uma atitude
de sedução (com o uso de adjetivos em excesso), de infantilização (com o uso de diminutivos e
musicalidade de voz infantil) ou de combinação das duas atitudes; uma diretiva (você determina
o que deve ser feito, conduz a ação) ou uma operativa (você observa, escuta, pergunta,
acolhe...)?

2. Assista ao filme Nanny McPhee: A babá encantada, direção de Kirk Jones, e reflita sobre a
atitude da babá em relação ao grupo de crianças: O que esse filme tem a ver com
psicopedagogia?
Nanny MCPHEE: A babá encantada. Direção: Kirk Jones. Reino Unido: Universal Pictures, 2005. 97
min.

Atividades aplicadas: prática


1. Para realizar esta atividade, você vai precisar do Registro da Eoca de nº 1, que se encontra no
Apêndice 1 desta obra.
Com esse registro em mãos, você deverá focar seu estudo na aplicação dessa Eoca, ou seja,
na condução que o psicopedagogo deu à sessão de avaliação psicopedagógica. Preencha a
coluna “Condutas do entrevistador”, nomeando os passos e as intervenções realizadas pelo
psicopedagogo.

2. Escolha um museu ou um ponto histórico de sua cidade e visite-o. Exercite seu olhar. Olhe tudo,
não apenas passe pelas obras expostas ou pelo local visitado. Deixe que estes passem por
dentro de você! Olhe, admire, levante hipóteses. Busque informações a respeito da história do
local que você escolheu.
Você poderá realizar esta atividade individualmente ou na companhia de outros colegas.
2-Dimensões pesquisadas na avaliação
psicopedagógica no âmbito clínico
Este capítulo oferece elementos para a compreensão das dimensões a serem pesquisadas e
indicadas no Quadro Auxiliar – cognitiva, funcional, afetiva e social. Apresentaremos também
sugestões de instrumentos de pesquisa utilizados em um processo de avaliação diagnóstica
psicopedagógica no âmbito clínico. Assim como no Capítulo 1, o objetivo deste capítulo é contribuir
para a continuidade da composição do seu plano teórico.

2.1
Dimensão cognitiva (ou a condição
para conhecer, para aprender)
Visca foi um professor gentil e detalhista quando se tratava do conhecimento que socializava.
Contava-nos sobre as teorias e a sua própria teoria como quem contava uma história. Relatava
devagar, com uma melodia característica de quem, tendo como língua materna o espanhol, falava
em português, ou “portunhol”, como dizia. Desculpava-se por isso e continuava a história. Não
respondia a tudo o que perguntavam a ele. Deixava espaço para a busca, para a criação, para a
autoria.
Certo dia, caminhando em direção ao carro que iríamos usar, Visca encontrou um pedaço de
corrente de metal na calçada. Conversávamos enquanto eu dirigia e ele movimentava a corrente,
como que num brincar. Quando chegamos ao destino, disse-me: “Toma, isso é para você usar no
diagnóstico operatório”. Com surpresa, sorri e aceitei a corrente como quem aceita um objeto
qualquer.
Algum tempo passou, mas sempre me lembro dessa cena quando me deparo com meus alunos
e alunas do módulo que ministro sobre as provas de diagnóstico operatório. Eles ficam excitados,
ansiosos por saberem, já no primeiro dia de aula, onde podem adquirir a caixa com os materiais
para o diagnóstico.
Alguns ouvem quando lhes conto a história da correntinha; outros, afobadamente, como é
comum quando começamos a descobrir coisas que nos agradam e/ou assustam, já querem os
endereços, os números de telefones, o e-mail etc.
Integro o primeiro grupo que fez a formação em Psicopedagogia Clínica em Curitiba, na metade
da década de 1980. Naquela época, tínhamos pouquíssimo material sistematizado para a
psicopedagogia e para pesquisa. Ainda usávamos máquina de escrever! Comunicávamo-nos com
o professor, entre um módulo e outro, na Argentina, por cartas enviadas pelo correio ou, raramente,
por telefone, pois as ligações tinham um custo muito elevado.
Pois bem, essa aparente falta nos impulsionou para a criação que, por sua vez, implica
criatividade. Essa criatividade nos possibilitava desenvolver alternativas. Contudo, para que
pudéssemos desenvolvê-las, precisávamos estudar para compreender o que criávamos. E foi
assim que uma corrente de metal pôde ser compreendida como alternativa e ser utilizada em uma
prova de diagnóstico operatório. Ela substitui, por exemplo, o barbante na prova de conservação
de comprimento.
Dessa forma, a frase “Toma, isso é para você usar no diagnóstico operatório” ensinou-me muito
mais do que se Visca tivesse me presenteado com uma caixa pronta de materiais para diagnóstico.
Algumas pessoas podem argumentar: “Não tenho tempo! Vou à loja e compro!”. Pode ser, afinal,
não sou contra os que fabricam as caixas; alguns desses profissionais são psicopedagogos
estudiosos e dedicados. Entretanto, ao comprarem o material já pronto, talvez os estudantes
“percam” o tempo de construir, de consultar os livros, de compartilhar descobertas, de criar
alternativas. Como resultado, temos diagnósticos operatórios sofríveis, com interpretações
errôneas que chegam a ser, até mesmo, um desrespeito com a escola de Genebra.
Outra experiência que ilustra essa ideia é a relatada no livro de
Visca e Schumacher (2011). Ao realizar um diagnóstico psico-
pedagógico para um grupo de 50 crianças repetentes de primeira série que habitavam uma
província, com o objetivo de confirmar a necessidade da criação de uma escola especial,
Schumacher conta:
Necessitaba saber si disponían de representaciones mentales que admitían câmbios, es decir se
podían seguir llamando perro a cualquier perro... o si el nombre perro estava ligado a um solo
ejemplar... debería observar si desponían de nociones de conservacion. Surge uma nueva
pregunta: ¿Con qué materiales podría travajar? La respuesta está em el entorno; los materiales
fueron los frutos, la flores, los animales del lugar y los objetos conocidos por ellos. El ir a la vera
del rio, se transformo en um paseo habitual, mientras fijaban com una lanza (cazaban) el pescado,
les perguntaba sobre las nociones de longitud y distancia. (Visca; Schumacher, 2011, p. 343)7

Somente quem domina a teoria que está por detrás dos instrumentos de pesquisa poderá
compreender que qualquer material pode ser utilizado, que o importante são os conceitos que
construímos. Bem, se esse pequeno relato de Schumacher motivou sua curiosidade em saber qual
o resultado do diagnóstico, procure ler o livro indicado a seguir:
VISCA, J.; SCHUMACHER, S. Diagnóstico operatorio en la practica psicopedagogica: niños,
adolescentes y adultos. Buenos Aires: Visca & Visca, 2011.
Após essa breve introdução sobre a dimensão cognitiva e os instrumentos de pesquisa
relacionados, passaremos a nos ocupar em pensar sobre como se definem a dimensão cognitiva
e as provas de diagnóstico operatório.

2.2
Provas de diagnóstico operatório

7
“Necessitava saber se dispunham de representações mentais que admitiam mudanças, quer dizer, se podiam
continuar chamando cachorro a qualquer cachorro... ou se o nome cachorro estava ligado a um só exemplar...
deveria observar se dispunham de noções de conservação. Surge uma nova pergunta: Com que materiais eu
poderia trabalhar? A resposta está no entorno; os materiais foram os frutos, as flores, os animais do lugar e os
objetos conhecidos por eles. Ir à beira do rio se transformou em um passeio habitual; enquanto fixavam com uma
lança o peixe, eu lhes perguntava sobre as noções de longitude e distância.” [Tradução e grifo nosso].
As provas de diagnóstico operatório são instrumentos de pesquisa que nos auxiliam na
investigação sobre a qualidade do pensamento de uma pessoa, ou seja, a condição que
apresenta para aprender.
Cognição é um vocábulo com origem no latim – cognitio –, que significa conhecimento. Assim,
ao lermos dimensão cognitiva, nos reportaremos a um adjetivo relativo à aquisição de
conhecimentos, ou a condição que uma pessoa apresenta para aprender, para conhecer: a
dimensão cognitiva.
As provas de diagnóstico operatório aproxima-nos da forma como o indivíduo organiza seus
processos de aprendizagem (estrutura), como faz a adaptação de novas aprendizagens e como
reorganiza a própria inteligência.
Segundo a Teoria da Epistemologia Convergente, somente depois da Eoca, que possibilita a
construção do primeiro sistema de hipóteses, é que são selecionadas as provas consideradas
necessárias para o caso em estudo.
Podemos pesquisar os seguintes domínios com as seguintes provas de diagnóstico operatório:

1. Classificação – Mudança de critério (dicotomia); intersecção de classes; quantificação da


inclusão de classes; combinação de fichas; classificação universal.
2. Seriação – Seriação de palitos.
3. Conservação – Conservação de pequenos conjuntos discretos de elementos; da quantidade
de líquido; da quantidade de matéria; de peso; de volume; de comprimento; de espaços
unidimensional, bidimensional e tridimensional; de superfície, entre outras.

Não há a intenção de descrever as provas de diagnóstico operatório neste capítulo e isso se


justifica pela quantidade de livros já existentes a respeito desse assunto, sendo redundante detalhá-
las aqui. No entanto, é necessário que se façam considerações acerca da história e da utilização
desse instrumento de pesquisa, ou seja, do conjunto de provas de diagnóstico operatório que nos
permite ter acesso à qualidade do pensamento de uma pessoa, podendo ser ela criança,
adolescente ou adulto.
Mas, primeiramente, para aplacar a curiosidade que esse tema desperta – talvez muito mais pela
quantidade de objetos utilizados do que propriamente pela riqueza de elementos que com eles se
pode identificar e conjecturar – apresentamos na sequência uma relação de livros que trazem a
descrição das provas. Aproveitamos também para comentar cada um deles e para contar um pouco
sobre os homens e as mulheres que contribuíram com a pesquisa científica, tendo como principal
interesse o sujeito epistêmico.
Sujeito epistêmico, ou sujeito cognoscente, ou, ainda, do conhecimento, diz respeito às
estruturas mentais comuns a todos os seres humanos. Essas estruturas possibilitam aprender
fazendo relações entre diferentes informações (classificação, comparação, dedução, seriação etc.)
e são construídas desde o início da vida por meio da ação dos indivíduos sobre o meio, num
processo de interação com o objeto de conhecimento e com o grupo social. Essa interação propicia
a construção de níveis de saber cada vez mais complexos e elaborados, sendo que são essas
estruturas mentais que possibilitam que você leia este livro, articule esses conceitos com os já
existentes na sua malha de conhecimentos, classifique suas roupas, faça a lista de supermercado,
planeje seu futuro, imagine sua casa nova, idealize seu consultório psicopedagógico etc. Isso
acontece com todos os seres humanos! Era esse o principal interesse dos pesquisadores: o sujeito
epistêmico.
Por outro lado, para a psicopedagogia, a Teoria da Epistemologia Genética é norteadora,
oferecendo parâmetros de compreensão dos processos de aprendizagem; porém, o nosso
interesse neste livro é pelo sujeito psicológico, ou sujeito individual, uma vez que no âmbito clínico
a psicopedagogia ocupa-se e preocupa-se com o processo de compreensão do jeito de aprender
de cada indivíduo e, para isso, faz uso de vários instrumentos de pesquisa, entre eles as provas de
diagnóstico operatório que tiveram origem nos estudos sobre o sujeito epistêmico.
Vale ressaltar que a psicopedagogia no âmbito clínico também faz intervenções grupais, e não
somente individuais. No entanto, a avaliação psicopedagógica tem sido realizada,
predominantemente, no plano individual, sendo somente no momento do processo corretor, ou
processo de intervenção, que a pessoa deve ser encaminhada para um atendimento grupal,
quando necessário. Isso está sendo pontuado para que não haja a compreensão de que a
psicopedagogia no âmbito clínico trata unicamente de ocupar-se de atendimentos individuais.
Vejamos, a seguir, alguns importantes livros que tratam sobre o tema.
1. VISCA, J. O diagnóstico operatório na prática psicopedagógica. Tradução de Simone Carlberg.
São José dos Campos: Pulso, 2008.
Esse livro é a versão traduzida para o português da obra, publicada em 1995, cujo título em
espanhol é El diagnostico operatorio em la practica psicopedagogica.
Visca traz a descrição detalhada de 14 provas, com objetivo, lista de materiais, procedimentos,
administração e avaliação de cada uma delas. Mas o que mais interessa aos estudantes de
Psicopedagogia é que, além dessa descrição detalhada, Visca incluiu exemplos de protocolos
(registros de aplicação) das provas. E vai além, pois conta o desenvolvimento histórico do método
clínico e apresenta, com rigor próprio do autor, as características gerais da aplicação desse método.
Essa obra é complementada por outra, que foi inicialmente idea-
lizada e organizada por Visca, porém corrigida e finalizada por Silvia Cora Schumacher e Susana
Hilda Rozenmacher, psicopedagogas argentinas, em decorrência do falecimento do autor em 2000.
A publicação, somente em espanhol, dessa segunda obra data de outubro de 2002. Seu título é El
diagnostico operatorio de adolescentes y adultos em la practica psicopedagogica. Da mesma forma
que o livro anterior, esse traz a descrição de 9 provas, também com protocolos ilustrativos.

2. MAC DONELL, J. J. C. Provas de diagnóstico operatório. Buenos Aires: Centro de Material


Educativo, 1979.
Esse manual foi apresentado por Visca ao primeiro grupo de formação em Psicopedagogia em
Curitiba. Na época, tratava-se de uma apostila datilografada em espanhol e fotocopiada.
Mac Donell foi aluno de Visca na Argentina e, para seu estudo, organizou o documento, que
Carlberg traduziu, digitou e formatou, para estudo particular. Em 1994, a tradução (autorizada pelo
autor) foi organizada para que o manual pudesse ser utilizado em cursos de formação em
Psicopedagogia, o que ocorre até os dias de hoje.
O manual apresenta 15 provas clássicas da escola de Genebra, bem como o objetivo da
utilização dos instrumentos selecionados, sua administração, sua avaliação e suas considerações
práticas. Inclui uma tabela para a avaliação, que contém uma síntese diagnóstica e um glossário.
Em 2004, foram realizadas revisões de ortografia e de formatação do material, além de serem
inclusos dois exemplos de protocolos pela tradutora, com o objetivo de demonstrar que não há
apenas uma maneira de registrar a aplicação das provas de diagnóstico operatório e também como
uma ação para apoiar o movimento contra a utilização de protocolos previamente organizados e
aplicados igualmente para todos.

3. VISCA, J.; SCHUMACHER, S. Diagnostico operatorio en la practica psicopedagogica: niños,


adolescentes y adultos. Buenos Aires: Visca & Visca, 2011.
Essa obra chegou às minhas mãos no momento em que eu escrevia este livro, juntamente com
o convite para traduzi-la, e decidi incluí-la como indicação de consulta, uma vez que, em breve, o
livro estará disponível em língua portuguesa.
A primeira parte da obra reproduz na sua totalidade o livro de Visca intitulado O diagnóstico
operatório na prática psicopedagógica, já traduzido e publicado no Brasil. A segunda parte é uma
reelaboração do livro El diagnostico operatorio em la practica psicopedagogica de adolescentes y
adultos, acrescido de uma prova de classificação universal, bem como de reflexões teóricas a
respeito da aplicação de provas de diagnóstico operatório realizadas por Silvia Schumacher.

4. PIAGET, J. A construção do real na criança. 3. ed. Rio de Janeiro: Ática, 2008.


. A formação do símbolo na criança: imitação, jogo e sonho, imagem e representação. 2. ed. Rio
de Janeiro: Zahar, 1975.
. O nascimento da inteligência na criança. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.
. Seis estudos de psicologia. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990.
INHELDER, B.; PIAGET, J. A psicologia da criança. 18. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
. Da lógica da criança à lógica do adolescente: ensaio sobre a construção das estruturas
operatórias formais. São Paulo: Pioneira, 1976.
. O desenvolvimento das quantidades físicas na criança. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.
Como quarto item dessa listagem, mas que talvez devesse ser o primeiro, apresentamos uma
lista de livros de Jean Piaget. É inevitável lembrarmos que Piaget escreveu 70 livros, dos quais
citamos alguns que são considerados como base de sua teoria. Vale observar que os livros A
psicologia da criança e Seis estudos de psicologia oferecem panoramas de toda a teoria, o que
pode ajudar aqueles que iniciam os estudos em psicopedagogia.
Encontraremos nesses livros a descrição do processo inicial de utilização de objetos como
mediadores da pesquisa e da compreensão do raciocínio lógico-matemático da população
pesquisada. A noção de conservação de massa, por exemplo, é apresentada em detalhes, com
uma rica explicação de como se dá seu processo de construção por uma criança, em um livro de
Piaget e Inhelder intitulado O desenvolvimento das quantidades físicas na criança.
Tratam-se de livros densos que, como diz Yves de La Taille8, “não se entregam facilmente”, mas
que não podem faltar a uma biblioteca de um psicopedagogo, como fonte de permanente consulta
e estudo para aprofundamento.
Para ilustrar, apresento uma curiosidade: num grupo de 38 alunos de um curso de especialização
em Psicopedagogia, ao colocá-los em contato com um conjunto de livros (aproximadamente 40)
8
Assista ao documentário intitulado Jean Piaget, da Coleção Grandes Educadores, produzido pela ATTA – Mídia e
Educação, e apresentado por Yves de La Taille.
produzidos por Jean Piaget e seus colaboradores, desde os mais básicos até os mais atuais sobre
o construtivismo pós-piagetiano, surpreendi-me com a constatação de que nenhum dos alunos
havia lido ou conhecia um livro sequer daqueles que lhes foram apresentados. É surpreendente
em se tratando de um grupo de profissionais, em grande parte, com formação em Pedagogia; outro
percentual em Psicologia e outro, ainda, em áreas afins. Os livros foram apresentados
concretamente e os alunos puderam manuseá-los, como se faz, por exemplo, quando se visita uma
livraria ou uma biblioteca. Essa é uma prática importante, uma vez que listas contendo as
referências bibliográficas, ou a bibliografia de determinado assunto, quase sempre acabam
guardadas em uma gaveta qualquer até virar lixo para reciclagem.
Então, aqui fica o registro de uma indagação preocupante: É possível utilizar-se das provas de
diagnóstico operatório sem nunca ter lido um livro sequer sobre o tema? Será que um simples
manual, ou livro, contendo os passos de aplicação de provas de diagnóstico operatório dá conta de
tamanha profundidade?
Alguns de meus alunos exclamam: “Muito prazer, esse Piaget eu não conhecia!”.

Outras contribuições
No livro Piaget e a escola de Genebra, organizado por Luci Ranks Leite em 1987, há um capítulo
muito interessante intitulado “As provas operatórias no exame das funções cognitivas”, escrito em
conjunto por Catherine Domahidy-Dami e Luci Leite.
Os estudantes que tiverem acesso a esse artigo poderão compreender que as provas de
diagnóstico operatório não nasceram como provas, mas como instrumentos de pesquisa
construídos por um grupo de pesquisadores.
Entre 1940 e 1955, Barbël Inhelder utilizou pela primeira vez esses instrumentos com uma
intenção psicológica. Somente na década de 1950 é que uma equipe coordenada por Vinh-Bang
Hue iniciou um programa com o objetivo de padronizar as técnicas utilizadas nas pesquisas e
transformá-las em provas operatórias.
A partir de 1955, formou-se uma equipe interdisciplinar com lógicos, matemáticos, físicos, biólogos
e psicólogos que auxiliaram na formulação e na adequação de perguntas sobre os domínios a
serem pesquisados. No site da Fundação Jean Piaget
(http://www.fondationjeanpiaget.ch/fjp/site/bienvenue/index.php), criada por esse grande
pesquisador em 1976, você poderá encontrar fotografias de Piaget, bem como informações
históricas interessantíssimas, como a vida de Inhelder, que, em 1938, ao retornar à sua cidade
natal, organizou o primeiro consultório psicopedagógico do Cantão (distrito). Nesse endereço
eletrônico, você também poderá vê-la jovem e, posteriormente, já como uma senhora, de cabelos
brancos.
O Professor Vinh-Bang Hue nasceu no Vietnã em 15 de novembro de 1922 e faleceu em
Genebra, Suíça, em 7 de novembro de 2008, aos 86 anos. Contam que Bang, como era chamado,
adorava colocar questões teóricas no contexto da realidade prática e quotidiana. Chegou ao
Instituto Jean-Jacques Rousseau, em Genebra, no ano de 1948 para estudar Psicologia
Educacional. Terminou o doutorado em 1955. Envolveu-se com o Centro Internacional de
Epistemologia Genética como colaborador permanente desde a fundação dessa instituição. Para
visualizar a imagem desse pesquisador, acesse o site da Fundação Jean Piaget e procure, entre
as fotos, a de Vinh-Bang Hue.
Barbël Inhelder foi professora de Psicologia do Desenvolvimento e começou sua colaboração
com Jean Piaget enquanto era estudante universitária. Ela é autora de 50 artigos e escreveu mais
de 9 livros em parceria com Piaget. Foi presidente da Associação de Psicologia Científica de Língua
Francesa e presidente da Sociedade Suíça de Psicologia.
Inhelder nasceu em Saint Gall, na região de língua alemã da Suíça, em 1913, e faleceu em 1997,
17 anos depois de Jean Piaget. Foi para Genebra em 1932, inscreveu-se no Instituto Jean-Jacques
Rousseau de Genebra e participou como aluna dos cursos de Claparedè, Bovet e Piaget. Além de
ser colaboradora de Piaget, foi também de Claparède. A partir de 1933, desenvolveu com Piaget um
conjunto de experiências sobre o desenvolvimento intelectual das crianças, elaborando algumas
noções importantes, como as de invariante e reversibilidade. Em 1943, entregou sua tese de
doutorado baseada em estudos sobre os processos de raciocínio de crianças “mentalmente
retardadas”, que deu origem ao livro The Diagnosis of Reasoning in the Mentally Retarded, publicado
em inglês em 1968.
Outra pesquisadora importante nesse processo foi Elsa Schmid-Kitsikis, que, segundo o relato
de Visca, esteve em Buenos Aires ministrando palestras, seminários e supervisões. Elsa foi
professora da Universidade de Genebra, psicanalista e membro da Sociedade Psicanalítica de
Paris.
Ter acesso à história desse processo de construção nos leva a pensar como se pretende que
em módulos de curta duração seja possível capacitar profissionais para a utilização dessas provas.
A pressa na formação tem deformado os profissionais. Portanto, muito mais que uma lista de
materiais ou exemplos de protocolos, é preciso apresentar aos estudantes e aos leitores os
“bastidores”, ou seja, o espaço, o tempo, as pessoas, as tentativas que ficam impregnadas nas
páginas de um livro que temos e não nos é possível ver nem, muitas vezes, imaginar. Quando
assistimos a uma peça de teatro, por exemplo, não vemos, mas também está lá, toda a história
daquele momento a que assistimos e dos ensaios, tanto quanto “estão” no palco aqueles que
permanecem na coxia, ou seja, os profissionais que realizam o trabalho de infraestrutura do palco.

2.3
Dimensão funcional
A dimensão funcional se refere ao funcionamento de uma pessoa para aprender. A palavra
funcional diz respeito, também, a algo que altera o funcionamento, mas não a estrutura. Com base
em uma pesquisa dessa dimensão, podemos chegar a um obstáculo funcional, por exemplo.
Quantas pessoas que você conhece usam óculos? Algo ocorre no funcionamento do órgão
responsável pela visão, mas isso não interfere na estrutura cognitiva, concorda?
A pesquisa da dimensão funcional contribui para a composição de uma hipótese auxiliar que
ajuda na compreensão da relação entre cognição e afeição – a cognição como a estrutura e a
afeição como a “argamassa” que sustenta essa estrutura, em um movimento de interdependência.
Um obstáculo funcional pode estar situado em dois níveis:
1. Nível biológico/orgânico (neurológico, metabólico, fisiológico, genético etc.) – Nesse
nível, cabe ao psicopedagogo levantar hipóteses acerca dos sintomas para posterior
encaminhamento ao profissional necessário ou, ainda, como ocorre muitas vezes, o
psicopedagogo recebe desses profissionais o encaminhamento para proceder à avaliação
e/ou ao atendimento psicopedagógico.
2. Nível estrutural – Refere-se ao funcionamento da estrutura cognitiva e à representação
desta.

É possível investigar obstáculos funcionais por meio de testes padronizados, do exame do


funcionamento familiar e também da aplicação de provas de diagnóstico operatório.

Diferenças funcionais
Para a escola de Genebra, as pesquisas das diferenças funcionais aprofunda a compreensão das
particularidades, das peculiaridades e do modo de funcionamento do pensamento em certas
patologias.
Barbël Inhelder pôde constatar as particularidades do funcionamento do pensamento de crianças
que, na época, eram chamadas de débeis mentais, por meio da padronização e da aplicação das
provas de diagnóstico operatório. Inhelder e sua equipe se basearam no resultado das pesquisas
acerca do sujeito epistêmico (o que há de comum a todos os sujeitos de um mesmo nível de
desenvolvimento) para chegar ao sujeito psicológico e, para isso, investigaram os processos de
descobertas das crianças em seus mínimos detalhes. Esses resultados nos levam a ampliar a
compreensão do como ocorre a aprendizagem e, consequentemente, auxiliar aqueles que
apresentam algum grau de dificuldade para aprender.
As diferenças funcionais também podem ser pesquisadas por meio das provas de diagnóstico
operatório.
Converse com os integrantes de um grupo e pergunte-lhes como é que cada um faz um laço em
uma fita ou em um cadarço. Além de fazer essa pergunta a várias pessoas, observe as crianças
enquanto amarram os cadarços de seus tênis, por exemplo. Pergunte, também, qual o caminho que
fazem para acessar a internet, ou como utilizam um programa específico, como o PowerPoint®, ou
como seguram um lápis ou uma caneta, ou, ainda, como utilizam um abridor de latas.
Você constatará que a grande maioria faz caminhos semelhantes e utiliza os instrumentos
conforme o padrão cultural em que vivem. No entanto, você perceberá que haverá grupos de
pessoas que têm um funcionamento muito particular, que usam os mesmos instrumentos de
maneira, às vezes, inusitada.
O importante de tudo isso é que, apesar de utilizarem caminhos diferentes, todos chegam a um
resultado semelhante. Um exemplo clássico é a predominância da lateralidade, que, num passado
não muito distante, causou tantos sofrimentos àqueles que tinham a dominância esquerda. Nos
contextos histórico, político, religioso e social da época, escrever com a mão esquerda era proibido.
Nas provas de diagnóstico operatório no domínio da conservação, por exemplo, podemos
encontrar, na análise cuidadosa e qualitativa das respostas formuladas pelo entrevistado diante
dos argumentos e contra-argumentos do entrevistador, algumas diferenças funcionais, como
respostas que contemplam argumentos por identidade, por compensação e/ou por reversibilidade.
Mas o que significa cada um desses conceitos? Tratam-se da qualidade de uma resposta ou
argumento utilizado pelo entrevistado.

• Argumento de identidade – Indica que a quantidade é a mesma porque não se incluiu nem
retirou nada: “A quantidade é a mesma porque não colocamos nem retiramos massa”, por
exemplo.
• Argumento de reversibilidade – Indica que o entrevistado considera que, se o objeto
modificado (massa, líquido etc.) voltar ao estado anterior, é possível comprovar que tem a
mesma quantidade. “Há a mesma quantidade porque, se voltarmos a juntar os pedaços,
teremos duas bolas de massa com o mesmo tanto”. É o mesmo procedimento que usamos
para conferir se uma operação matemática está correta – se a operação é uma adição,
usamos a subtração para conferir, não é mesmo? É o pensamento inverso.
• Argumento de compensação – Indica que o entrevistado identifica que não existe diferença
porque há uma equivalência: “Esse copo é mais fino, e é também mais alto, e este é mais
baixo, mas é mais largo”.

Após a aplicação do diagnóstico operatório e com os resultados das provas do domínio de


conservação, podemos estudar a qualidade do conjunto das respostas obtidas e, então, encontrar
a qualidade de pensamento que predomina naquele momento, chegando a uma particularidade do
funcionamento do pensamento da pessoa avaliada.
Podemos identificar também o que predomina no jeito de aprender – se o aprendiz
predominantemente assimila o mundo, acomoda o mundo ou, ainda, assimila-o de maneira a
deformá-lo. Todos esses conceitos encontram-se nas obras da escola de Genebra. Vejamos, a
seguir, como estes são definidos.

• Assimilação, segundo Piaget (1980, p. 12),


É muito simples. Um organismo absorve substâncias para alimentar-se. Transforma estas
substâncias e integra-as, transmitindo a elas sua própria estrutura. Um coelho que come couve
não se torna couve. Transforma a couve em coelho. Do mesmo modo, o conhecimento não é
nunca simples cópia, mas a integração a uma estrutura. Isto é assimilação.

Piaget utiliza o conceito de assimilação da biologia, sua área de formação inicial. Assim, é
possível dizer que assimilar é interpretar, é tornar suas as informações que você “retira” de
determinado objeto do conhecimento. Isso implica pensar que, ao “retirarmos” informações de um
determinado objeto do conhecimento, deixamos outras de lado, assim como o coelho que, ao comer
a couve, “retira” dela os nutrientes de que necessita e exclui os que não aproveitará naquele
momento.

• Quanto à acomodação, assim se refere Piaget (1980, p. 12):


Em toda situação nova, os esquemas de assimilação devem ser modificados em vista da
situação exterior. Para o bebê que aprendeu a pegar tudo o que vê, tudo o que vê torna-se “um
objeto para pegar”, em lugar de “um objeto simplesmente para olhar” Mas se o objeto for grande,
os movimentos a fazer são necessariamente diferentes dos usados para pegar um objeto
pequeno. É a acomodação.
Cada um de nós tem uma estrutura mental, ou seja, uma organização mental que nos permite
conhecer o mundo. Esta modifica-se em função do novo conhecimento, para dar conta das
singularidades do objeto. A isso se denomina, na teoria de Piaget, acomodação.
Por outro lado, temos de compreender que há uma interdependência entre assimilação e
acomodação, sendo esse um processo dinâmico que resulta numa necessidade de equilibração
(também um conceito da escola de Genebra).
Na assimilação deformante, se assimilar o mundo é um modo de interpretação, sem dúvida é
possível realizar essa interpretação de maneira “deformada”, buscando ver no objeto algo que o
deforma para dar conta do esquema já existente na estrutura interna. Assim, podemos analisar,
também por meio das provas de diagnóstico operatório, mas não somente, se no jeito de aprender
da pessoa há o predomínio da assimilação ou da acomodação ou, ainda, se há sinais de uma
assimilação deformante.
No predomínio da assimilação, o meio está subordinado à estrutura interna. No predomínio da
acomodação, o esquema geral é modificado para uma situação particular.
Ressaltamos que essas características de pensar o mundo não trazem em si diagnósticos
patológicos; elas apenas nos auxiliam na compreensão da maneira como funciona o pensamento
de uma pessoa, do jeito de aprender de determinado indivíduo que está em processo de avaliação
psicopedagógica.
Podemos observar e analisar, ainda, os resultados das provas de diagnóstico operatório,
qualitativamente falando, em relação a resultados em uma prova (intraprova); em um conjunto de
provas de um mesmo domínio (intradomínio), ou seja, domínio da classificação, por exemplo; em
várias provas de diferentes domínios (interdomínios), isto é, entre os domínios da conservação, da
classificação e da seriação, por exemplo; entre outras possibilidades.
Essas são algumas das muitas diferenças funcionais existentes; porém, o mais importante, além
do estudo dessas diferenças, é o uso que o psicopedagogo pode fazer dessas informações. É
possível usá-las para orientar a família, a escola, bem como para eleger intervenções no decorrer
do processo corretor. Por exemplo: um jovem que responde às provas de conservação indicando
um estado inicial de pensamento operatório formal, com o predomínio de argumentos de
identidade, deve ser provocado a ampliar suas possibilidades de pensar o mundo. Cabe ao
psicopedagogo (no caso de um atendimento psicopedagógico) eleger diferentes fontes sobre um
mesmo tema, oferecer opiniões contrárias, promover, portanto, o desequilíbrio “ótimo” do ponto de
vista cognitivo, permitindo que esse jovem tenha acesso a um padrão diferente de pensar e amplie
o seu.
Ao fazermos relação, por exemplo, com outros dois conceitos da teoria de Piaget e seus
colaboradores, podemos dizer que cabe ao psicopedagogo promover o exercício da abstração
reflexiva. Vejamos como se definem esses conceitos.

• Abstração empírica (com base na experiência e na observação) – Cada objeto de


conhecimento contém informações, portanto, um aprendiz retira (abstrai) daquele objeto
informações. Por exemplo: o peso de uma cadeira, a cor de um sapato etc.
• Abstração reflexiva – É justamente o exercício de pensar sobre a maneira de se relacionar
com as informações abstraídas do objeto, de pensar a própria ação sobre o objeto e, portanto,
sobre o mundo e as ações.
Instrumentos de pesquisa para a dimensão funcional
Para a pesquisa da dimensão funcional, podem ser utilizados testes padronizados variados,
sondagens relativas à construção da leitura e da escrita e qualquer instrumento que responda às
hipóteses funcionais, ou seja, às hipóteses auxiliares para a compreensão das demais dimensões,
está lembrado? Ou seja, é feita a verificação de como está a escrita, a leitura, a motricidade, entre
outros aspectos.
Porém, como qualquer outra dimensão, a funcional também requer uma escolha teórica, um
aprofundamento em relação ao instrumento utilizado e, assim como aconteceu com a dimensão
cognitiva, também não serão aqui descritas informações que podem ser facilmente encontradas
em outras produções.
É preciso cautela na escolha e na utilização de instrumentos de pesquisa. Neste livro,
recomendamos que se dê prioridade a uma escolha coerente com os princípios teóricos que
norteiam a tarefa psicopedagógica. Para isso, destacaremos alguns dos instrumentos que têm sido
construídos dentro da pesquisa na área da psicopedagogia, identificando os textos da literatura da
área em que aparecem descritos.
Não é possível deixar de ressaltar que existem inúmeros instrumentos, por exemplo, dentro da
psicologia que também podem ser utilizados para a pesquisa da dimensão funcional e das demais
dimensões. Entretanto, é necessário respeitar o código de ética da área e, portanto, instrumentos
psicológicos devem ficar a cargo de psicólogos. Se você fez a graduação em Psicologia e está se
especializando em Psicopedagogia, então você tem a autorização legal para fazer uso do Wechesler
Intelligence Scale for Children IV (Wisc IV), por exemplo. É importante lembrarmos que a legislação
brasileira proíbe outros profissionais, que não os psicólogos, de administrar tais testes.
Outra escolha que fizemos foi a de não incluir neste livro a descrição de aplicação de
instrumentos de pesquisa, porque há manuais, artigos de revistas especializadas e livros
publicados com considerações sobre cada instrumento, sendo necessário consultar essas fontes
originais. Do contrário, estaríamos colaborando para o barateamento da ação psicopedagógica, o
que tem, e muito, atrapalhado a compreensão social do que é a psicopedagogia, entre outras
consequências.
Você, leitor, encontrará, com toda a certeza, indicações de onde localizar tais informações,
podendo, dessa forma, exercitar a pesquisa e a curiosidade e compreender, por si só, que a
aprendizagem é um processo.
Seguem, então, algumas sugestões:

1. Eoca Psicomotora
WINKELER, M. S. B.; OLIVEIRA, M. Â. C. O papel do corpo na
psicopedagogia. In: CONGRESSO LATINO AMERICANO DE PSICOPEDAGOGIA, 2., 2003, São Paulo.
Anais... São Paulo: Mackenzie, 2003. p. 1.
Esse artigo apresenta um instrumento que resulta da integração dos aportes teóricos da Teoria
da Epistemologia Convergente, da psicomotricidade e da psicomotricidade relacional. Ambas as
autoras têm formação em Psicopedagogia.
A Eoca Psicomotora é conduzida da mesma maneira que a Eoca proposta por Jorge Visca,
porém, com uma consigna de abertura e materiais relativos aos aspectos psicomotores. A consigna
é a seguinte: “Eu gostaria que você me mostrasse como é que podemos brincar com estes
materiais”.
Muito embora as autoras, nesse artigo, não apresentem uma sugestão clara quanto aos
materiais utilizados, após o estudo do documento em questão, entendemos que esses materiais
podem ser: arco, bolas grande, média e pequena (por exemplo, bolas de gude), corda, tecido (um
lençol de solteiro, por exemplo), bilboquê, pião, raquetes, caixa de papelão, entre outras
possibilidades que “disparem” na pessoa que se encontra em situação de avaliação o desejo ou a
necessidade de movimentar-se e de interagir com os materiais propriamente ditos e/ou com o
entrevistador.
Do ponto de vista funcional, esse instrumento possibilita o levantamento de hipóteses relativas
ao movimento corporal, à participação na resolução de problemas práticos, ao planejamento de
ações, às ações propriamente ditas, entre outros aspectos.
A Eoca Psicomotora também possibilita a verificação de hipóteses que auxiliam na compreensão
da articulação entre cognição e emoção, além de oferecer a possibilidade da confirmação de
hipóteses acerca de questões da dimensão social, uma vez que o brincar implica não somente
brincar sozinho, mas também com o outro. Isso interessa ao pesquisador que valoriza, por exemplo,
o processo de construção da moralidade infantil, descrita belamente por Jean Piaget em seu livro
O julgamento moral na criança, publicado em francês em 1932 e traduzido para o português em
1977. Há uma segunda edição dessa obra, datada de 1994, com prefácio de Yves de La Taille,
estudioso do tema na Universidade de São Paulo (USP) e especialista em psicologia moral. Esse
especialista brindou os educadores com o livro A ética para meus pais, publicado em 2011.

2. Questionário metacognitivo
PORTILHO, E. Como se aprende? Estratégias, estilo e metacognição. Rio de Janeiro: Wak, 2009.
Essa obra apresenta outros instrumentos que podem ser utilizados para a verificação do primeiro
sistema de hipóteses na dimensão funcional – os questionários metacognitivos –, que foram
selecionados por corresponderem às concepções filosófica e teórica propostas pelo que chamamos
de pano de fundo da ação avaliativa psicopedagógica proposta neste livro: a Teoria da
Epistemologia Convergente.
Nessa obra, Portilho descreve as teorias da aprendizagem, conceitua e explica as modalidades
de aprendizagem, esclarece o significado de metacognição, discorre a respeito de estratégias e
propõe instrumentos de pesquisa. Sobre metacognição, Portilho (2009, grifo nosso) diz:
A metacognição é relativa ao conhecimento que uma pessoa tem do próprio funcionamento
cognitivo (condição de apreender a realidade) e da sua capacidade de planejar as tarefas a
serem realizadas, controlar o seu fazer e avaliar os resultados. É a consciência de como
aprender. É a capacidade de autorregulação.

Os instrumentos metacognitivos descritos pelo autor são:

a) Instrumento metacognitivo para crianças do ensino fundamental com dificuldades de


aprendizagem em matemática.
b) Instrumento metacognitivo para adultos, que objetiva identificar as metas e os
procedimentos que alunos universitários, professores ou profissionais utilizam quando
aprendem ou trabalham intelectualmente.
c) Avaliação das estratégias metacognitivas no processo de alfabetização, que se propõe a
investigar quais são as estratégias metacognitivas utilizadas pela criança. Esse instrumento
teve sua origem em uma ampla pesquisa, citada no Item 6 desta listagem de instrumentos
de pesquisa para a dimensão funcional.
d) Questionário Honey-Alonso de Estilos de Aprendiza-
gem – Adultos – que se constitui em um instrumento elaborado inicialmente por Peter
Honey, na Inglaterra, em 1994, e posteriormente adaptado por Catalina Alonso, na
Espanha, em 2003, e adaptado e traduzido por Portilho, no Brasil.

3. Inventário Portilho/Beltrami
BELTRAMI, K.; PORTILHO, E. M. L. Inventário Portilho/Beltrami de estilos de aprendizagem para
crianças da educação infantil. Disponível em:
<http://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2008/anais/pdf/711_921.pdf>. Acesso em: 28
nov. 2011.
Esse instrumento9 foi normatizado e publicado. É um instrumento pedagógico que, segundo as
autoras, contribui para a identificação do estilo predominante de aprendizagem de crianças entre 5
e 8 anos. Porém, pode auxiliar também no processo de avaliação psicopedagógica quando se
levantam hipóteses acerca desse domínio e contribuir na reflexão sobre o processo de intervenção
psicopedagógica para a escolha, por exemplo, do tipo de recurso externo 10 a ser utilizado em cada
caso.

4. Consciência fonológica – instrumento de avaliação sequencial (Confias)


MOOJEN, S. (Coord.). Confias: consciência fonológica – instrumento de avaliação sequencial. São
Paulo: Casa do Psicólogo, 2007.
Esse instrumento possibilita a investigação das capacidades fonológicas e leva em consideração
a relação com as hipóteses de escrita elaboradas por Ferreiro e Teberosky (1985). Por sua
fundamentação teórica, esse livro foi escolhido para compor esta listagem de sugestões, uma vez
que responde a alguns dos princípios teóricos propostos pela Teoria da Epistemologia
Convergente, notadamente a escola de Genebra.
Trata-se de um material construído e elaborado por uma equipe de profissionais coordenada
pela psicopedagoga Sônia Moojen. A reflexão que deu origem à construção do Confias teve início
em 1998, em um grupo de supervisão psicopedagógica que se constituía de psicopedagogos,
fonoaudiólogos e psicólogos.
Essa característica, por si só, já revela a interdisciplinaridade inerente à psicopedagogia.
Trabalha-se sempre em parceria, valoriza-se o saber de outras áreas do conhecimento e existe o
reconhecimento de que a aprendizagem é processual e interacional.

9
Para saber mais sobre o Inventário Portilho/Beltrami, acesse: <http://www.you
tube.com/watch?v=8818ku7Xkml>.

10
Visca (1994) criou a Caixa de Trabalho como recurso externo voltado ao processo corretor (assim chamado por
Visca – 1994 – o momento pós-avaliação psicopedagógica, nos casos em que há a necessidade de atendimento
psicopedagógico), mas há outras possibilidades. Você pode aprofundar seus conhecimentos sobre esse tema com
a leitura do livro Intervenção psicopedagógica no espaço da clínica, organizado por Laura Monte Serrat Barbosa e
publicado pela Editora Ibpex em 2010. Nesse livro, há um capítulo intitulado “Caixa de trabalho”, escrito por Simone
Carlberg.
De 1998 até 2007 (ano da publicação da obra), passaram-se nove anos de estudos e trabalho.
Justamente pelo respeito que se tem por esse processo é que se justifica ainda mais a nossa
escolha em não “resumir” indicações instrumentais, mas sim contextualizá-las, indicando a fonte
original na qual devem basear-se os estudantes que pretendem se formar como psicopedagogos
comprometidos com o objeto de estudos da área: o ser cognoscente11.
Tendo acesso à fonte original, podemos ler e estudar sobre o que é consciência fonológica e sua
relação entre o processo de aquisição da leitura e da escrita.
Esse instrumento é indicado para a avaliação de crianças não alfabetizadas e em processo de
alfabetização, assim como nos casos de suspeita de dificuldades e/ou transtornos de
aprendizagem. Portanto, quando temos hipóteses relativas a essas questões levantadas com base
na Eoca, podemos selecionar esse instrumento de pesquisa na dimensão funcional.
Por outro lado, nos casos de dificuldade de acesso a esse material, podemos utilizar outras
possibilidades de pesquisa do processo de aquisição da leitura e da escrita. Contudo, isso implica
um conhecimento substantivo a respeito dos estudos sobre essa aquisição realizados por Emília
Ferreiro, Ana Teberosky e colaboradores.

5. Instrumentos de pesquisa sobre o processo de aquisição da leitura e da escrita


BARBOSA, L. M. S. Psicopedagogia: um diálogo entre a psicopedagogia e a educação. 2. ed.
Curitiba: Bolsa Nacional do Livro, 2010.
Na segunda edição revisada desse livro, da psicopedagoga Laura Monte Serrat Barbosa, há um
capítulo intitulado “Leitura complementar – contribuições em psicopedagogia para o estudo da
linguagem escrita”, que pode sustentar o estudo inicial do tema com foco na aquisição do processo
da leitura e da escrita sob o olhar psicopedagógico. Nele, Barbosa retoma a história da evolução
da escrita na humanidade, bem como os resultados da pesquisa coordenada por Emília Ferreiro, e
as contribuições de Vygotsky e Luria sobre o desenvolvimento da escrita. A autora também
apresenta sugestões de instrumentos a serem utilizados no processo investigativo.
É importante frisarmos que, do mesmo modo que as provas de diagnóstico operatório nasceram
como resultantes de instrumentos de pesquisa do sujeito epistêmico – e depois passaram a ser
formatadas e utilizadas em pesquisas sobre o sujeito psicológico (individual) –, os instrumentos
organizados por Ferreiro, Teberosky e colaboradores também passaram por processo semelhante.
Ao estudarmos o livro A psicogênese da língua escrita (Ferreiro; Teberosky, 1985), encontramos
a descrição detalhada dos instrumentos de pesquisa hoje conhecidos como sondagem de leitura e
escrita na psicopedagogia. O psicopedagogo que já construiu a sua matriz de pensamento
diagnóstico facilmente identifica elementos desse domínio na própria Eoca.
O livro de Barbosa é acompanhado de um DVD com comentários da autora a respeito dos temas
tratados por ela nos artigos que compõem a obra.

6. Instrumento A: histórias infantis; instrumento B: gravuras e manchetes


PORTILHO, E. M. L. Alfabetização: aprendizagem e conhecimento na formação docente. Curitiba:
Champagnat, 2011.

11
Maria Cecília Almeida e Silva, psicopedagoga, apresenta a expressão ser cognoscente como objeto de estudos da
psicopedagogia em seu livro Psicopedagogia: em busca de uma fundamentação teórica, publicado em 1998. Vale
a pena pensar sobre as questões propostas pela autora nessa obra.
O Grupo Aprendizagem/Ensino (GAE) iniciou sua atividade de pesquisa científica em 2004. O
primeiro tema eleito foi O aprendente do seu aprender e do aprender do outro12. O grupo começou
com seis integrantes: Arlete Zagonel Serafini, Isabel Parolin, Laura Monte Serrat Barbosa, Simone
Carlberg, Sonia Küster e Evelise Labatut Portilho, que coordenou o projeto. Todas as integrantes
têm em comum a opção pelo trabalho no campo da psicopedagogia, nos âmbitos clínico,
institucional e/ou docência e, a partir de 2004, na pesquisa sistematizada.
Em 2006, para ajustes relativos ao programa de mestrado, a pesquisa passou a ter como tema
Aprendizagem e conhecimento na formação docente.
O livro traz resultados e reflexões obtidos com uma pesquisa realizada em 25 escolas da Rede
Municipal de Curitiba, com 403 crianças, 82 professoras alfabetizadoras e 77 ambientes educativos,
resultando na formulação de instrumentos de pesquisa. Como a população pesquisada também
incluiu crianças da série inicial do ensino fundamental, obteu-se – sem uma intenção inicial, mas
como consequên-
cia dos estudos – um riquíssimo material que serve de auxílio no processo de pesquisa a respeito da
construção da leitura e da escrita, muito utilizado, especialmente, pela equipe da Síntese – Centro
de Estudos, Aperfeiçoamento e Desenvolvimento da Aprendizagem.
O Capítulo 1 – “As construções” –, de autoria de Portilho, Serafini, Parolin, Barbosa e Carlberg,
apresenta a descrição dos instrumentos, dos materiais e dos protocolos utilizados, bem como a
história relativa à construção de cada instrumento.

Outras considerações pertinentes


à dimensão funcional
Cabe, neste capítulo, esclarecer que a Teoria da Epistemologia Convergente não prevê a utilização
de instrumentos denominados provas pedagógicas, dimensão que não é abordada por Visca em
sua teoria. Entretanto, em determinado momento histórico, pedagogos e psicólogos (não somente,
mas predominantemente) precisaram recorrer aos seus saberes anteriores para compor a matriz
de pensamento diagnóstico e, não contando (ou não conhecendo) com outros instrumentos que
possibilitassem o acesso às informações que desejavam, recorreram às provas pedagógicas.
Provas pedagógicas são instrumentos de avaliação no âmbito escolar e, nessa condição,
parece fora de contexto utilizá-las em uma avaliação psicopedagógica por vários motivos, entre os
quais destacamos dois:

1. Uma prova pedagógica é organizada com o intuito de medir a quantidade de conteúdos


aprendidos por um grupo de alunos em determinado momento do processo de aprendizagem
sistemática.
2. Quem organiza a prova é um professor, ou um conjunto de professores, e essa prova
corresponde à concepção da escola em que esse professor, ou esse conjunto de professores,
atua, seja pública, seja privada.

12
Para conhecer mais sobre o grupo GAE, acesse: <http://www.metacognicao.
com.br>.
Dessa forma, pode-se perguntar: Por que a necessidade de “entrar” no fazer escolar para avaliar
uma pessoa do ponto de vista psicopedagógico? Ou ainda: Será que não estamos revelando com
isso um estado de confusão, fazendo uso de instrumentos que não pertencem ao fazer
psicopedagógico? O que fazer com o resultado encontrado?
Nas inúmeras supervisões realizadas para equipes que efetuam a prática diagnóstica
psicopedagógica, quando estas são indagadas sobre o tema, elas explicam que escolhem uma
dentre as provas de determinada escola a que têm acesso e que corresponde à série em que o
cliente avaliado está matriculado, solicitando-lhe que responda às questões dessa avaliação.
Mas que prova é essa? Qual é o parâmetro utilizado para identificar o grau de afastamento ou
não do padrão esperado?
Talvez faça algum sentido se forem utilizadas provas formuladas pelo Ministério da Educação.
Com isso, o parâmetro é o próprio sistema educacional brasileiro. Será correto?
Com a insistência do uso desse material, talvez muitos psicopedagogos estejam confundindo
sua ação profissional com a de um professor particular. Será que isso é o que realmente acontece?
E como será o processo corretor ou o processo de intervenção psicopedagógica? Será sustentado
por um trabalho sobre o material escolar do cliente? Se for assim, qual a diferença entre a
psicopedagogia e a aula particular?
Em virtude de tudo isso, devemos evidenciar que a Teoria da Epistemologia Convergente não
contempla e não avalia a dimensão pedagógica. Também cabe lembrar que a psicopedagogia, no
âmbito institucional, pode, sim, avaliar uma escola, por exemplo, como uma instituição em
funcionamento; entretanto, esse é assunto para outro livro. Esta obra trata especificamente da
atuação psicopedagógica no âmbito clínico e, mais pontualmente, do processo de avaliação
diagnóstica.
Para um psicopedagogo, não é prioridade saber se o cliente domina ou não conteúdos escolares,
pois a investigação é relativa à estrutura, ao funcionamento para aprender tais conteúdos.
Entretanto, se ainda assim o estudante de Psicopedagogia ou o psicopedagogo entende como
necessária a utilização desse instrumento, talvez possa incluí-lo na dimensão funcional e com ele
investigar respostas para as seguintes perguntas:

• Qual a conduta (expressa na temática e na dinâmica) do cliente diante de uma situação de


avaliação semelhante à situação vivida na escola?
• Os resultados obtidos (produto) condizem com a sua condição cognitiva atual? (Essa é uma
pergunta bem interessante, pois com um instrumento da dimensão funcional é possível
compreender essa dimensão como hipótese auxiliar na articulação das dimensões cognitiva
e afetiva.)
• Na produção escrita, aparecem falhas gráficas, ortográficas, semânticas, espaciais, entre
outras? Se aparecem, qual a frequência e a intensidade dessas falhas?
• Qual a qualidade do grau de compreensão de um enunciado escrito? Este coincide com o
grau de compreensão de uma instrução acadêmica oral?

Outros instrumentos também utilizados são os desafios lógicos, ou desafios matemáticos,


encontrados até mesmo em publicações de jogos, como sudoku, ou em revistas destinadas à
população infantojuvenil, como a revista Recreio, ou, ainda, em livros didáticos de Matemática.
O interessante é que o psicopedagogo possa selecionar alguns instrumentos e classificá-los por
séries, faixa etária ou, ainda, condição cognitiva. Com esse banco de dados organizado, ele pode
fazer uso repetidas vezes do mesmo instrumento para construir critérios comparativos, assim como
se faz em pesquisa científica. Quando mudamos muito os instrumentos que utilizamos, perdemos a
possibilidade de analisar, avaliar e comparar e ficamos sem parâmetros, correndo o risco de analisar
as respostas encontradas numa condição de senso comum.
O importante é escolher e saber utilizar instrumentos que nos auxiliem na compreensão do jeito
de aprender do aprendiz que procura nosso auxílio.
Quanto aos sintomas relativos à visão, à audição e à dicção, por exemplo, é aconselhável
encaminhar o indivíduo para fazer exames complementares com os profissionais responsáveis por
essas áreas –
oftalmologistas, otorrinolaringologistas e fonoaudiólogos. Assim, em caso de uma ação integrada,
é possível identificarmos com maior clareza a semiologia (nível semiológico – conjunto de
sintomas), a patogenia (nível patogênico – obstáculos) e a etiologia (nível etiológico – possíveis
causas), de modo que seja possível priorizar o tipo de tratamento ou processo corretor ou, ainda,
o processo de intervenção mais adequado ao caso estudado.

2.4
Dimensão afetiva
Para a pesquisa dessa dimensão, Jorge Visca propõe as técnicas projetivas psicopedagógicas no
livro indicado a seguir:
Visca, J. Técnicas projetivas psicopedagógicas e pautas gráficas para sua interpretação. Tradução
de Jacqueline Andréa Glaser. Buenos Aires: Visca & Visca, 2008.
Essas técnicas foram reunidas por Visca no livro Técnicas proyectivas psicopedagogicas,
publicado na Argentina em janeiro de 1994.
Em setembro de 1998, Visca publicou Pautas gráficas para la interpretacion de las técnicas
proyectivas psicopedagogicas, ambos com edição do próprio autor. Em 2008, os dois livros foram
reunidos em um só para a edição brasileira, a qual foi traduzida por Jacqueline Andréa Glaser
(pedagoga e psicopedagoga). Essa é a referência principal para o estudo de instrumentos para a
dimensão afetiva, segundo a Teoria da Epistemologia Convergente.
Quando Jorge Visca começou a ministrar cursos no Brasil (década de 1980), ele se deparou
com a legislação brasileira em relação à utilização de instrumentos de testagem de uso exclusivo
de psicólogos. Como o curso de Clínica Psicopedagógica, ministrado por Visca nos Centros de
Estudos Psicopedagógicos fundados no Brasil, era de formação livre para graduados em
Pedagogia, Psicologia, Fonoaudiologia e áreas afins, havia obstáculos legais que impediam a
utilização de alguns instrumentos por estudantes não graduados em Psicologia. A maneira
encontrada pelos alunos para superar essa limitação foi estabelecer parcerias entre duplas de
pedagogo e psicólogo, fonoaudiólogo e psicólogo, e assim por diante, formando equipes de
avaliadores. Embora essa prática tenha sido muito bem aproveitada na época, aproximando
profissionais de diferentes áreas, não se mostrava muito eficiente no cotidiano dos atendimentos
por questões até mesmo geográficas.
Ao ler toda a realidade brasileira, Visca mobilizou-se e, possivelmente, sentiu-se provocado a
transpor o obstáculo sem desrespeitar a nossa legislação. Passou a estudar a temática, o que o
levou a organizar uma obra interessantíssima e uma ferramenta diagnóstica eficaz e criativa, que
promove muitas reflexões e discussões.
Segundo Visca (2008), as técnicas projetivas psicopedagógicas têm como objetivo investigar a
rede de vínculos que um sujeito pode estabelecer em três grandes domínios: o escolar, o familiar
e o consigo mesmo. Em todos estes, o que interessa ao psicopedagogo é o vínculo com as
situações de aprendizagem.
No Quadro 2.1, apresentamos as dez técnicas projetivas psicopedagógicas descritas por Visca.

Quadro 2.1 – Técnicas projetivas psicopedagógicas descritas por Visca


DOMÍNI
TÉCNICA O QUE INVESTIGA IDADE
O

Escola O vínculo de 6/7


Par educativo
r aprendizagem. anos

Escola Eu com meus O vínculo com os colegas 7/8


r colegas de sala de aula. anos

A representação do campo
A planta da
Escola geográfico da sala e as 8/9
sala
r localizações, real e anos
de aula
desejada, da mesma.

A representação do campo
Familia A planta da geográfico do lugar em que 8/9
r minha casa mora e a localização real anos
dentro do mesmo.

As quatro
Familia Os vínculos ao longo de 6/7
partes
r um dia. anos
de um dia

O vínculo de
Familia Família aprendizagem com o grupo 6/7
r educativa familiar e cada um dos anos
integrantes do mesmo.

A delimitação da
Consig
O desenho em continuidade da identidade
o 4 anos
episódios psíquica em função da
mesmo
quantidade de afetos.

A representação que se
Consig tem de si e do contexto
O dia do meu
o físico e sociodinâmico em -
aniversário
mesmo um momento de transição
de uma idade a outra.

Consig As atividades escolhidas


Nas minhas 6/7
o durante o período de férias
férias anos
mesmo escolares.
DOMÍNI
TÉCNICA O QUE INVESTIGA IDADE
O

Consig
Fazendo o que O tipo de atividade de que 6/7
o
mais gosto mais gosta. anos
mesmo

Fonte: Visca, 2008, p. 22.

Optamos por reproduzir esse quadro para que você tenha a oportunidade de visualizar quantas
possibilidades existem e também para que possamos enfatizar que não se aplicam todas as
técnicas em um único estudo de caso. Visca, aliás, escreveu um capítulo intitulado “Advertência”,
em que lembra, entre outras coisas:
que o total de técnicas aqui expostas não significa a necessidade de utilização de todas, mas
que o adequado é usar só aquelas consideradas necessárias em função das interrogações que
o psicopedagogo tenha formulado, o que pode significar: a) que seja aplicada só uma prova, b)
que sejam utilizadas algumas provas de algum domínio, c) que sejam aplicadas todas as provas
de um único domínio ou d) que sejam aplicadas todas as provas, o que não é comum e tem mais
um sentido de investigação do que de diagnóstico. (Visca, 2008, p. 33)

No livro indicado, Visca conta um pouco da história da construção de cada uma das técnicas, a
autoria de cada uma delas, o objetivo, os materiais, os procedimentos, os fundamentos, os
indicadores mais significativos e um exemplo de cada técnica ilustrado com um desenho e sua
análise.
Em relação ao item “Idade” que aparece no Quadro 2.1, cabe assinalar que se trata de uma
referência de idade inicial para a aplicação da técnica. Leia-se: “a partir de tal idade já é possível
aplicar a técnica e obter resultados significativos”.
Outra contribuição para a pesquisa dessa dimensão pode ser encontrada nos estudos da
psicopedagoga Ana Maria Zenícola, autora do artigo “O efeito da força da imagem visual sobre a
construção simbólica da criança e do adolescente nos tempos atuais”, incluído no livro
Psicopedagogia: saberes/olhares/fazeres.
ZENÍCOLA, A. M. O efeito da força da imagem visual sobre a construção simbólica da criança e do
adolescente nos tempos atuais. In: ZENÍCOLA, A. M.; BARBOSA, L. M. S.; CARLBERG, S.
Psicopedagogia: saberes/olhares/fazeres. São José dos Campos: Pulso, 2007.
p. 283-301.
Nesse artigo, Zenícola faz um estudo sobre a construção do simbólico e chega à televisão como
fonte de aprendizagens na atualidade. A autora apresenta suas reflexões críticas a respeito dessa
temática e as ilustra com desenhos que foram realizados por seus clientes em atendimento
psicopedagógico no âmbito clínico.
Zenícola solicita que a criança ou o adolescente desenhe o seu personagem favorito da televisão
e, depois, analisa as relações existentes entre o personagem desenhado e a condição de
aprendizagem simbólica da pessoa que fez o desenho.
Com base nesse estudo, a equipe da Síntese integra essa ideia aos princípios apresentados
pelas técnicas projetivas psicopedagógicas organizadas por Visca, o que resulta na seguinte
consigna e nos seguintes procedimentos:

• Material: Lápis preto, folha sulfite branca, borracha e apontador.


• Consigna: Desenhe o seu personagem predileto.

Depois de realizado o desenho, promove-se um diálogo sobre o personagem: de onde o conhece;


por que o prefere; quais as características que o personagem apresenta que chamam a atenção; o
que o personagem faz ou tem que ele/ela também gostaria de ter ou fazer ou se já tem; se ele/ela
faz algo semelhante. Esses comentários são registrados, conduzindo-se o momento com uma atitude
clínica.
Para a análise, conforme proposto por Visca (2008), utilizam-se indicadores como posição na
folha, tamanho do desenho, perspectiva, âmbito, detalhes, relato e pesquisam-se as características
do personagem desenhado, entre outras possibilidades.
Destacamos que, diferentemente de Zenícola, não limitamos a escolha do personagem predileto
à televisão. Isso possibilita que o cliente faça sua opção entre outras influências que recebe em sua
realidade. Em um dos casos estudados, o adolescente elegeu o seu tio como o seu personagem
favorito – um baterista de uma banda de rock.
A pesquisa das características do personagem desenhado tem também propiciado à equipe da
Síntese o acesso às mais diversas temáticas ofertadas para as crianças e para os jovens por meio
da televisão, do cinema, do teatro, da literatura, do esporte, da internet etc. Assim, como
consequência, podemos nos manter informados e acompanhamos o processo de transformação
pelo qual passam as gerações, além das diferentes influências que atuam sobre elas.

2.5
Dimensão social
Para essa dimensão, sugerimos a entrevista, a observação e/ou a análise do material escolar.
No Capítulo 8 do livro Avaliar para nós é..., Serafini e Carlberg contribuem com o artigo intitulado
“Escutar e olhar: a entrevista e a observação no âmbito escolar” (Serafini; Carlberg, 2011, p. 139-
-151). Nesse artigo, as autoras registram suas reflexões sobre o que é observar, o que observar e
como observar. Observar implica olhar, mas olha-se o quê?
Toda a fundamentação teórica que a Teoria da Epistemologia Convergente propõe para essa
dimensão é relativa, predominantemente, aos aportes teóricos da escola de psicologia social de
Enrique Pichon-Rivière. As autoras, bem como todas as demais integrantes da equipe da Síntese,
realizaram a sua formação em Teoria e Técnica de Grupo Operativo, o que lhes dá sustentação
para aprofundar a temática da observação.
Na técnica de grupo operativo, a capacidade ou a habilidade de observar recebe muita ênfase,
e o exercício constante dessa prática leva ao aprimoramento do olhar. A proposta não é olhar para
espionar; é olhar para acolher, para compreender, na tentativa de eliminar qualquer tendência de
busca pelo negativo, pelo errado, do ponto de vista de quem observa.
A observação na escola só pode ocorrer quando:
• a pesquisa no âmbito escolar puder oferecer respostas às hipóteses levantadas na Eoca (e
isso nem sempre ocorre);
• é autorizada pelos pais e/ou responsáveis;
• é previamente agendada e contratada com a escola em questão.

Madalena Freire, em seu livro Educador, educa a dor, de 2008, também contribui para a reflexão
sobre o olhar e nos ensina:
Esse aprendizado de olhar estudioso, curioso, questionador, pesquisador envolve ações
exercitadas do pensar: o classificar, o selecionar, o ordenar, o comparar, o resumir, para, assim,
poder interpretar os significados lidos. Assim, o olhar e a escuta envolvem uma AÇÃO altamente
movimentada, reflexiva, estudiosa. (Freire, 2008, p. 130, grifo do original)

No entanto, apesar de existir a possibilidade de observarmos um estudante em situação


autêntica de aprendizagem, são poucas as escolas que permitem essa observação. O mais comum
é ocorrer a entrevista com o coordenador pedagógico, o orientador educacional, a psicóloga
escolar, a professora e/ou professores.
Nessa entrevista, pensando-se novamente que o pano de fundo é a Teoria da Epistemologia
Convergente, a consigna utilizada é: “Estou realizando a avaliação psicopedagógica de Julieta e
gostaria que você (ou vocês) me contasse(m) tudo aquilo que considera(m) importante que eu saiba
sobre a aprendizagem de Julieta”.
Por que essa condução? Porque o momento é de pesquisa, de reunião de informações acerca
do caso estudado, e os comentários ou conclusões devem ficar destinados ao momento em que a
devolutiva for realizada na escola e para a escola. Mais adiante falaremos sobre a devolutiva.

Análise do material escolar


A análise do material escolar é outro instrumento que pode contribuir para a composição do
segundo sistema de hipóteses. Trata-se de uma ação aparentemente simples, que começa com
um pedido à pessoa que está em processo de avaliação, ou aos seus responsáveis, para que
traga à sessão os materiais da escola que serão apresentados.
O psicopedagogo deve solicitar que a própria pessoa os apresente e, à medida que isso
acontece, ele pode observar qual é o primeiro material apresentado, qual é o último e quais são os
comentários realizados que evidenciam os vínculos estabelecidos com os materiais propriamente
ditos, mas também com a disciplina estudada, com o resultado obtido em uma produção
acadêmica, com o professor que ministra o estudo e com os colegas. Além disso, o profissional
pode analisar a organização possibilitada pela escola, bem como o resultado dessa organização
pelo próprio estudante.
Dessa maneira, é possível conhecer a concepção da escola, seus graus de exigência e de
pertinência, sempre tendo como parâmetros a pessoa avaliada em seu contexto socioeconômico e
o conjunto de valores e referenciais com os quais opera diante da realidade.
Outro recurso é a leitura do portfólio do aluno, prática cada vez mais comum entre as escolas,
que possibilita ao estudante ser apresentado e se apresentar com base numa coletânea de
produções escritas, desenhadas, fotografadas, entre outras alternativas.
De qualquer modo, independentemente de para onde direcionarmos o olhar, este sempre deve
ser cuidadoso, respeitoso, e buscar respostas às indagações elaboradas no primeiro sistema de
hipóteses que teve origem na Eoca e que se liga à pergunta: Como será que ele/ela aprende?
Tendo acesso aos materiais escolares, é possível, ainda, confirmar ou não hipóteses da
dimensão funcional relativas à produção escrita. Por exemplo: nos casos em que a queixa, ou
motivo da procura, está relacionada a questões de leitura e escrita, é importante ter em mente que
a análise da produção escrita pode ser realizada também por meio do material escolar e não ficar
restrita somente aos cadernos.
Então, devemos ficar atentos aos seguintes aspectos:

• se a escrita é espontânea; se parte de um enunciado ou consigna; se é um ditado, uma cópia,


um bilhete ou uma lista;
• se os sintomas listados como motivos da procura estão presentes no contexto analisado e, se
estiverem, qual a
frequência e a intensidade com que aparecem.

Assim, voltamos a enfatizar: o que está em processo de avaliação não é a escola, mas sim o
aluno que estuda naquela escola.

Síntese
Este capítulo ofereceu elementos para a compreensão das dimensões a serem pesquisadas e
indicadas no Quadro Auxiliar – cognitiva, funcional, afetiva e social. Foram apresentadas também
sugestões de instrumentos de pesquisa utilizados em um processo de avaliação diagnóstica
psicopedagógica no âmbito clínico em cada uma das dimensões.

Atividades de autoavaliação
1. Qual era o principal interesse dos pesquisadores da escola de Genebra quando começaram a
utilizar o método clínico como instrumento de suas pesquisas?
a) Pesquisar sobre o sujeito epistêmico.
b) Pesquisar sobre o sujeito psicológico.
c) Produzir testes para medir a quantidade de inteligência.
d) Criar instrumentos para utilização pela psicopedagogia.

2. Muitos foram os pesquisadores que contribuíram com o legado da escola de Genebra. Indique
os três nomes que estão diretamente relacionados com o uso que se faz, na psicopedagogia,
das provas de diagnóstico operatório nos dias de hoje:
a) Vinh-Bang; Barbël Inhelder; Elsa Schmid-Kitsikis.
b) Jean-Jacques Rousseau; Jorge Visca; Vinh-Bang.
c) Jorge Visca, Mac Donell; Barbël Inhelder.
d) Bärbel Inhelder; Elsa Schmid-Kitsikis; Silvia Schumacher.

3. A pesquisa sobre as diferenças funcionais para a escola de Genebra possibilita:


a) compreender as diferenças entre as pessoas.
b) medir o tanto de inteligência que cada um apresenta.
c) o aprofundamento e a compreensão das particularidades, das peculiaridade e do modo de
funcionamento do pensamento em certas patologias.
d) criar testes padronizados.

4. As técnicas projetivas psicopedagógicas foram organizadas por Jorge Visca e têm como
principal objetivo:
a) investigar como o afeto circula no processo de aprendizagem do sujeito pesquisado.
b) investigar a rede de vínculos que um sujeito pode estabelecer em três grandes domínios: o
escolar, o familiar e o do sujeito consigo mesmo.
c) investigar como está a sua condição de representação gráfica.
d) confirmar hipóteses levantadas.

5. Na dimensão social, podemos utilizar como instrumento de pesquisa a observação na escola ou


a observação em situação autêntica de aprendizagem. No entanto, esse instrumento só poderá
ser utilizado quando:
a) o psicopedagogo tiver disponibilidade de ir até a escola.
b) a escola entrar em contato e solicitar uma entrevista.
c) o cliente, seus pais e/ou os responsáveis solicitarem.
d) for um instrumento que auxiliará na pesquisa de hipóteses levantadas após a Eoca e também
quando for autorizada pelos pais e/ou responsáveis, além de previamente agendada e
contratada com a escola em questão.

Atividades de aprendizagem
Questões para reflexão
1. Após assistir ao filme El Circo de la Mariposa (2009), dirigido por Joshua Weigel e interpretado
por Nick Vujicic, responda: Por que escolhi fazer uma especialização em Psicopedagogia?
EL CIRCO de la Mariposa. Direção: Joshua Weigel. EUA: The Doorspost Film Project, 2009. 20
min. Disponível em: <http://www.youtube,cim/watch?v=wpey7ace294>. Acesso em: 29 mar. 2012.

2. Após responder a essa questão, faça uma reflexão, a qual poderá ser realizada em dupla;
portanto, escolha um colega de sua sala. Peguem um de seus cadernos e apresente um ao
outro, explicando o modo de sua organização. Formulem perguntas um para o outro, observem
os registros e anotem o que mais chama a atenção. Busquem entender por que cada um faz do
jeito que faz... Enfim, conduzam as descobertas como se vocês fossem psicopedagogos.
Reflitam, então, sobre como se sentiram, o que descobriram, o que poderiam fazer de um jeito
diferente, entre outros aspectos que desejarem contemplar.

Atividades aplicadas: prática


1. Para realizar essa atividade, você irá precisar:
• do registro da Eoca de nº 2 (Apêndice 2);
• do Quadro Auxiliar em branco, preferencialmente impresso.
Com esses recursos em mãos, sua tarefa será a de ler o registro da Eoca e levantar hipóteses.
Registre suas hipóteses na coluna destinada a esse fim. Em seguida, preencha, no Quadro
Auxiliar,
a coluna intitulada Primeiro sistema de hipóteses, classificando as hipóteses que você levantou.
Em seguida, eleja instrumentos de pesquisa que você considera que responderão às suas
hipóteses. Priorize os instrumentos indicados neste livro.

2. Reúna-se com dois ou três colegas do curso. Apresentem um ao outro o Quadro Auxiliar
preenchido na atividade anterior. Identifiquem as diferenças, discutam seus pontos de vista e
tentem chegar a um consenso, buscando responder à seguinte questão: Se esse cliente fosse
de vocês, quais instrumentos escolheriam para aplicar, tendo como base o que aprenderam
neste capítulo?
3-O segundo sistema de hipóteses, a
anamnese e o terceiro sistema de
hipóteses
Este capítulo contempla aspectos sobre o segundo sistema de hipótese, a linha de pesquisa para
a anamnese e a hipótese diagnóstica. Além desses assuntos, você também encontrará
considerações acerca da elaboração de um informativo psicopedagógico.

3.1
Segundo sistema de hipóteses
Vamos relembrar o processo de avaliação diagnóstica visto até este ponto: iniciamos pelo conjunto
de hipóteses elaboradas com base na Eoca, selecionamos os instrumentos de pesquisa que
consideramos que responderão às hipóteses levantadas, aplicamos todos os instrumentos e os
resultados vão compor o chamado segundo sistema de hipóteses.
O Quadro Auxiliar é utilizado para ilustrar o que vem sendo exposto. Assim, faremos uso do
registro da Eoca realizada com Yuca, apresentada anteriormente como fonte autêntica de
hipóteses. Observe, a seguir, o Quadro 3.1, que é um exemplo de Quadro Auxiliar preenchido com
as primeiras hipóteses classificadas e os instrumentos de pesquisa selecionados. Feito isso, a
próxima tarefa é preencher a coluna destinada ao segundo sistema de hipóteses com os resultados
dos instrumentos aplicados.
Observe que foram selecionados instrumentos entre os vários apresentados neste livro, que
correspondem ao conjunto de hipóteses pensadas. Para cada caso estudado, o conjunto de
instrumentos sofrerá variações.
Com esses dados organizados, já é possível partir para a anamnese. Porém, caso ainda haja
algumas dúvidas, o psicopedagogo pode selecionar instrumentos de pesquisa complementares
(outros instrumentos que ele considere necessários). Tal fato é raro de acontecer, mas há espaço
para essa necessidade no Quadro Auxiliar, em caso de ela ocorrer.

3.2
Linha de pesquisa para a anamnese
A Teoria da Epistemologia Convergente concebe a anamnese de uma maneira diferente da
tradicional. A primeira diferença é que essa proposta de avaliação psicopedagógica começa pela
Eoca; já na maneira tradicional de avaliação, começa-se pela anamnese.
Outra diferença é a forma de condução da entrevista, que oferecerá informações acerca da
história da pessoa avaliada. Parte-se de uma consigna aberta que solicita que os pais e/ou
responsáveis relatem para o psicopedagogo aquilo que consideram importante que ele saiba a
respeito da aprendizagem do avaliado.
Na forma tradicional, há um roteiro com perguntas organizadas, igual para todos que buscam a
avaliação. Na Teoria da Epistemologia Convergente, também há um roteiro, mas este é construído
no decorrer do processo de avaliação; é por isso que no Quadro Auxiliar há uma coluna intitulada
“Anamnese” ou “Linha de pesquisa da anamnese”. É nessa coluna que o psicopedagogo registra
os aspectos que necessita esclarecer com fatos da história de vida do sujeito, porém esses
aspectos não precisam ser direcionados na entrevista, pois, na maioria das vezes, com a consigna
de abertura, os pais e/ou responsáveis já contemplam em seu discurso muitos dos pontos
selecionados pelo psicopedagogo. No entanto, é possível também direcionar aqueles aspectos não
contemplados no relato, uma vez que a anamnese serve como um momento de confirmação do
segundo sistema de hipóteses, que leva à organização da hipótese diagnóstica.
Veja no Quadro 3.2 como poderia ser a linha de pesquisa para a anamnese com os
responsáveis por Yuca. Salientamos, entretanto, que os aspectos contemplados na coluna da linha
de pesquisa para a anamnese são apenas alguns exemplos para ilustrar as indagações que podem
ser feitas por um psicopedagogo desde o momento da Eoca. Para não perdê-la de vista, o
profissional pode registrá-las no Quadro Auxiliar, de modo que, no momento da realização da
anamnese, tenha-se o roteiro organizado, ou, como se prefere dizer, tenha-se a linha de pesquisa
pela qual norteará a entrevista.
Em um capítulo intitulado “Entrevista histórica: integração da horizontalidade e da verticalidade”,
no livro Avaliar para nós é..., já referenciado neste estudo, Serafini (2011, p. 165-171) tece ideias
a respeito da anamnese e nomeia esse momento de entrevista histórica, para, justamente,
diferenciar a prática tradicional do uso da anamnese (instrumento utilizado em várias
especialidades) da prática psicopedagógica. Embora a matriz de pensamento diagnóstico de
Serafini (2011) também esteja apoiada na Teoria da Epistemologia Convergente, seus estudos a
levou, juntamente com a equipe da qual é integrante, a renomear esse valioso momento.
Sobre esse aspecto, Serafini (2011, p. 168) contribui com a seguinte reflexão:
José Bleger (1991, p. 12) nos traz uma diferença que é fundamental entre a entrevista e a
anamnese. A anamnese trabalha com a hipótese de que o entrevistado conhece a sua vida, e,
assim, pode trazê-la e discorrer sobre ela. Já no que denominamos Entrevista Histórica, acredita-
se que cada um tem uma história da sua vida, isto é, tem sua vida do seu ponto de vista. O que
tentamos captar desta história é o que ele não sabe – tornar explícito o que está implícito. Vamos
procurando entender as afirmações, as contradições, as dissociações, as omissões, a forma
como é trazido o conteúdo e as atitudes perante esta história que caracteriza o processo de
comunicação e da aprendizagem. Acreditamos que a chave fundamental para realizar uma
entrevista que propicie uma investigação calcada nas hipóteses que vão sendo levantadas,
confirmadas ou abandonadas, baseia-se no conceito de atitude operativa que promove ao
entrevistador e ao entrevistado, uma atitude de agentes da história que se constrói durante a
entrevista.

Apesar de Visca (1994) denominar esse momento de anamnese, o conceito de entrevista


histórica, construído justamente como decorrência dos estudos sobre a teoria de Visca, auxilia o
estudante a compreender a diferença entre uma anamnese com roteiro prévio e igual para todos
de uma linha de pesquisa e uma anamnese particular e específica.
Outro ponto importante refere-se à condução da entrevista de anamnese (ou entrevista
histórica), que, como já foi assinalado, parte de uma consigna aberta. No entanto, falta assinalar
que a ordem com que os fatos são relatados, lembrados ou até mesmo omitidos, e a emoção com
que são apresentados também interessam ao psicopedagogo, que deve ter uma escuta
acolhedora, atenta e cuidadosa.
No caso de Yuca, as perguntas levantadas no exemplo são apenas ilustrativas, uma vez que,
na sequência da aplicação dos instrumentos de pesquisa, outras curiosidades podem mobilizar o
psicopedagogo.
Apresentamos um bom exercício para você e seu grupo: Com base nos registros de Yuca, quais
perguntas vocês formulariam? Ou melhor, quais outros aspectos vocês abordariam como
importantes para compor a linha de pesquisa para a entrevista de anamnese ou, como Serafini
(2011) denomina, para a entrevista histórica?

Quadro 3.1 – Quadro Auxiliar: instrumentos de pesquisa


Etapas do
Processo
Primeiro sistema de hipóteses
Dimensões

Pré-operatório global indo para o articulado?


COGNITIV
Intuitiva?
A
Necessidade de modelo?

Material determina a ação?


Faz ligações entre o discurso e a ação?
Boa capacidade de observação?
Atenção descentrada?
Necessidade de modelo? Aprendizagem por
imitação?
Analisa o próprio produto?
Escreve o próprio nome?
Conhece o alfabeto, mas não faz relação entre som
FUNCIONA
e letra?
L
Algumas inversões – algo perceptivo?
Tentativas aleatórias de escrita e leitura com
controle de quantidade?
Pré-silábica?
A palavra é a etiqueta do desenho?
Assimilação deformante?
Vocabulário amplo?
Pronúncia sem falhas com sinais de trabalho
fonoarticulatório?

Busca de equilíbrio?
Busca de vínculos anteriores?
Vínculo positivo com figuras masculinas?
Vínculo dissociado?
Vínculo simbiótico representado pela necessidade
AFETIVA
de colagem?
Aceita a novidade com facilidade?
Permanece no já conhecido?
Deseja corresponder à expectativa?
O êxito a potencializa para seguir adiante?
Necessidade de definição de seu espaço?
SOCIAL Ecro religioso?
Com mediação, avança na aprendizagem?

Segundo sistema de
Instrumentos de pesquisa
hipóteses

Classificação: classificação de objetos


Seriação: seriação de palitos
Conservação: de pequenos conjuntos
discretos de elementos.

Confias
GAE
Inventário Portilho/Beltrami

Par educativo
Família educativa
Dia do meu aniversário
Personagem predileto

Entrevista e observação escolar


Análise do material escolar

Quadro 3.2 – Quadro Auxiliar: linha de pesquisa da anamnese


Etapas do
Processo
Primeiro sistema de hipóteses
Dimensões
Pré-operatório global indo para o articulado?
COGNITIV
Intuitiva?
A
Necessidade de modelo?

Material determina a ação?


Faz ligações entre o discurso e a ação?
Boa capacidade de observação?
Atenção descentrada?
Necessidade de modelo? Aprendizagem por imitação?
Analisa o próprio produto?
Escreve o próprio nome?
Conhece o alfabeto, mas não faz relação entre som e
FUNCIONA letra?
L Algumas inversões – algo perceptivo?
Tentativas aleatórias de escrita e leitura com controle de
quantidade?
Pré-silábica?
A palavra é a etiqueta do desenho?
Assimilação deformante?
Vocabulário amplo?
Pronúncia sem falhas com sinais de trabalho
fonoarticulatório?

Busca de equilíbrio?
Busca de vínculos anteriores?
Vínculo positivo com figuras masculinas?
Vínculo dissociado?
Vínculo simbiótico representado pela necessidade de
AFETIVA
colagem?
Aceita a novidade com facilidade?
Permanece no já conhecido?
Deseja corresponder à expectativa?
O êxito a potencializa para seguir adiante?

Necessidade de definição de seu espaço?


SOCIAL Ecro religioso?
Com mediação, avança na aprendizagem?

Segundo
sistema Linha de pesquisa
Instrumentos de pesquisa de para a anamnese
hipótese
s

Classificação: classificação de
objetos
Seriação: seriação de palitos
Yuca brinca? Do quê?
Conservação: de pequenos
conjuntos
discretos de elementos.
Já fez avaliação e/ou
atendimento
fonoaudiológico?
Como foi o seu início de
Confias vida?
GAE Já fez algum exame com
Inventário Portilho/Beltrami neurologista?
Qual a posição do
pediatra
de Yuca em relação ao
desenvolvimento dela?

Onde está a mãe de


Par educativo Yuca?
Família educativa Quais as figuras
Dia do meu aniversário masculinas com quem
Personagem predileto convive?
Com quem Yuca brinca?

Qual o endereço
residencial de Yuca?
Além da escola, ela faz
alguma outra atividade?
Entrevista e observação escolar Qual a opinião da escola
Análise do material escolar diante do processo de
aprendizagem de
Yuca?
Com quem e do que
Yuca brinca?

3.3
Hipótese diagnóstica
A hipótese diagnóstica reflete o resultado de todo o estudo realizado. Segundo a Teoria da
Epistemologia Convergente, o resultado de uma avaliação psicopedagógica é uma hipótese
diagnóstica por se tratar de um jeito de olhar, determinado pelo Esquema Conceitual Referencial
Operativo (Ecro) do psicopedagogo que realizou a avaliação, podendo haver outras hipóteses não
contempladas pelo psicopedagogo, especificamente.
Esperamos que a hipótese diagnóstica contemple as explicações a-histórica (momento atual) e
histórica para o conjunto de sintomas apresentados, inicialmente, na primeira entrevista com os
pais e/ou
responsáveis ou até mesmo pelo próprio cliente. Uma hipótese diagnóstica tenta responder aos
três níveis de abordagem: o semiológico (conjunto de sintomas), o patogênico (possíveis
obstáculos) e o etiológico (causas ou conjunto de causas).
O nível semiológico é o conjunto de sintomas, isto é, aquilo que se “vê”, aquilo que, geralmente,
faz parte do discurso dos pais no momento da apresentação da queixa ou dos motivos da procura.
O nível patogênico se refere a quatro obstáculos possíveis descritos por Visca (1994):

1. obstáculo epistêmico (dimensão cognitiva);


2. obstáculo funcional (dimensão funcional);
3. obstáculo epistemofílico (dimensão afetiva);
4. obstáculo epistemológico (dimensão social).

Ao final de um processo diagnóstico, é possível identificar os obstáculos e suas combinações


possíveis. O nível etiológico indica as causas prováveis que dão ou deram origem aos obstáculos
e, consequentemente, aos sintomas. A Figura 3.1 é muito utilizada para ilustrar esses níveis.

Figura 3.1 – Os três níveis de abordagem da hipótese diagnóstica

Imagine que o que se vê é somente o que está na ponta do triângulo (sintomas – nível
semiológico). A pesquisa psicopedagógica deve levar à compreensão do que está obstaculizando
(obstáculos –
nível patogênico), do que está na base (causas – nível etiológico) e do que dá “sustentação” para
que os sintomas se manifestem.

3.4
Devolutiva – informativo psicopedagógico
O informativo, ou informe psicopedagógico, nada mais é que a forma escrita da devolutiva.
No livro Psicopedagogia: saberes/olhares/fazeres (Zenícola; Barbosa; Carlberg, 2007), há um
capítulo intitulado “Contribuições – composições teórico/práticas”, de autoria de Carlberg, no qual
há um subitem interessante que nos ajuda no estudo desta seção: “Considerações sobre a
elaboração de informes psicopedagógicos”.
Como a própria palavra indica, informe é o momento de informar, de relatar, de contar aos
interessados os resultados obtidos no decorrer do processo. Essa informação pode ser oferecida
por escrito e/ou oralmente. Quando é possível realizar as duas formas, a integração das
informações será melhor e maior.
Inicialmente, a devolutiva é feita para os pais e/ou responsáveis, para o próprio cliente avaliado,
quando isso é possível, e para a escola, desde que isso seja autorizado pelos pais e/ou
responsáveis.
“Uma devolutiva não trata de dizer ao outro o que ele deve ou não fazer, mas, sim, oferecer
ideias, sugestões e um olhar que poderá contribuir, algumas vezes, não só com o aluno em
questão, mas também com outras situações semelhantes no momento atual ou no futuro” (Serafini;
Carlberg, 2011, p. 149). Essa citação ilustra a preocupação que se tem com o momento de
devolutiva para uma escola, por exemplo.
A organização de uma devolutiva (oral ou escrita), além dos aspectos já citados, é também o
momento de concluir se a pessoa avaliada necessita ou não de atendimento psicopedagógico, ou,
ainda, no caso de não necessitar desse atendimento, se pode necessitar de outro tipo de avaliação
que complemente a já realizada. Por vezes, pode ser necessário algum exame complementar,
como uma avaliação neuropediátrica, oftalmológica, fonoaudiológica, familiar ou outra possibilidade
qualquer.
Na devolutiva, também é momento de delimitar as constantes do enquadramento nos casos em
que há a necessidade de atendimento psicopedagógico. Se houver, será necessário apresentar o
objetivo do atendimento, a metodologia, a duração, a frequência, os honorários, entre outras
constantes.
Visca (1994) também sugere que nesse momento, além das indicações, seja contemplado o
prognóstico que diz respeito ao que pode vir a acontecer com a realização do atendimento, a não
realização ou, ainda, a realização possível das orientações sugeridas.
Com isso, encerra-se o processo de diagnóstico psicopedagógico e, nos casos de continuidade,
passa-se à próxima etapa: o processo corretor ou processo de intervenção psicopedagógica.
A devolutiva é realizada em uma entrevista com os pais e/ou responsáveis e pode-se iniciá-la
com a seguinte consigna de abertura: “É chegado o momento de conversarmos sobre os resultados
de todos os encontros realizados e, para iniciá-lo, eu gostaria de lhes fazer uma pergunta: O que
vocês acham que será dito sobre seu(sua) filho(filha)?”.
Essa maneira de iniciar a entrevista devolutiva tem sido muito interessante, uma vez que
promove nos entrevistados um movimento de reflexão, tirando-os da posição passiva. À medida
que apresentam suas ideias a respeito do que vão ouvir, ou do que desejam ouvir, ou, ainda, do
que fantasiam ouvir, o psicopedagogo os auxilia, com exemplos oriundos do próprio estudo de
caso, a compreender o jeito como a pessoa avaliada aprende.
Uma das características da entrevista devolutiva é justamente promover um movimento de
recambiar (dar uma volta inteira com o corpo), olhar para todos os ângulos possíveis, articular
sintomas, obstáculos e suas causas, e isso só será possível se o psicopedagogo possibilitar um
ambiente de reflexão e não simplesmente um momento de escuta de uma verdade apresentada.
Outra característica da entrevista devolutiva é a valorização das conquistas e das habilidades
evidenciadas no decorrer do processo. Se nosso objetivo é identificar o jeito de aprender do
avaliado, não só o que o afasta do parâmetro esperado deve ser apresentado.
A maneira como o psicopedagogo conta o que estudou também reflete o modo como é escutado.
Por outro lado, nem sempre o que se diz é ouvido com a intenção com que foi dito e, portanto, é
preciso contar com os ruídos que a comunicação guarda em sua subjetividade.
O momento da entrevista devolutiva deve ser compreendido pelo psicopedagogo como um
momento de intervenção, assim como todo o processo diagnóstico. É muito comum ouvirmos
depoimentos de pais e/ou responsáveis em que “só com a avaliação já foram constatadas
mudanças”. Isso ocorre, principalmente, nos casos em que há uma demanda genuína de ajuda.
Outra forma de conduzir uma entrevista devolutiva é iniciar com a leitura, em conjunto ou
compartilhada (responsáveis e psicopedagogo), do informativo psicopedagógico. Essa é uma
maneira que dá segurança aos psicopedagogos iniciantes e, à medida que as ideias são
apresentadas, são também esclarecidas e exemplificadas.
Outra situação comum é a necessidade de mais de um encontro para a entrevista devolutiva. Às
vezes, pela complexidade do caso, é necessário mais tempo para ouvir, falar, pensar e elaborar as
estratégias pertinentes ao caso estudado. Muitas vezes, um tempo entre uma sessão e outra
(espaço para integração e formulação de outros questionamentos) é muito eficaz; no entanto, a
decisão de se realizar mais de um encontro para a entrevista devolutiva só pode ser tomada no
decorrer da primeira. Não há como prever.
Geralmente, essas entrevistas são mais longas do que as sessões de aplicação de instrumentos
de pesquisa, por exemplo. Estas ocorrem com a duração média de 50 minutos e as entrevistas de
devolutiva podem ser previstas com a duração de 75 a 90 minutos. Tudo depende das constantes
do enquadramento propostas pelo próprio psicopedagogo e que refletem a organização da sua
agenda profissional.
O informativo, ou informe psicopedagógico escrito, que nada mais é do que a forma escrita da
devolutiva oral, como já mencionamos, pode ser entregue aos responsáveis e somente pode ser
entregue a outros profissionais, como os da escola, com a autorização dos pais e/ou responsáveis.
Essa é uma atitude que expressa um cuidado ético, em uma situação que podemos facilmente
compreender quando nos colocamos no lugar da mãe, do pai ou do próprio cliente.

Síntese
Este capítulo contemplou aspectos sobre o segundo sistema de hipótese, a linha de pesquisa para
a anamnese, ou entrevista histórica, e a hipótese diagnóstica. Além desses assuntos, também
apresentamos considerações acerca da elaboração de um informativo psicopedagógico.

Atividades de autoavaliação
1. Para a Teoria da Epistemologia Convergente, a anamnese tem as seguintes características:
a) Segue um roteiro predeterminado encontrado em livros da área.
b) É uma entrevista que ocorre após a aplicação dos instrumentos de pesquisa selecionados
pelo psicopedagogo, sendo que sua condução operativa não prevê um roteiro igual para
todos, mas uma linha de pesquisa construída pelo próprio psicopedagogo no decorrer da sua
ação avaliativa.
c) É uma entrevista conduzida pelo psicopedagogo, com base em perguntas feitas por ele e
respondidas pelos pais e/ou responsáveis.
d) É o momento da descrição pormenorizada da história da dificuldade de aprendizagem.

2. O nível semiológico refere-se:


a) ao estado cognitivo semiológico.
b) ao conjunto de sintomas.
c) àquilo que se vê.
d) à queixa dos pais.

3. O nível patogênico refere-se:


a) aos possíveis obstáculos que poderão ser encontrados no fim de um processo de avaliação
psicopedagógica.
b) a um conjunto de dificuldades de aprendizagem.
c) aos possíveis obstáculos que poderão ser encontrados no fim de um processo de avaliação
psicopedagógica. São eles: epistêmico, funcional, epistemofílico e epistemológico.
d) às dificuldades encontradas pelo cliente na escola.
4. O nível etiológico refere-se:
a) ao momento da origem.
b) às causas prováveis dos sintomas descritos.
c) a uma só causa dos sintomas observados e descritos.
d) às diversas causas.

5. Qual das afirmativas a seguir define melhor o que é um informativo psicopedagógico?


a) É a forma escrita da devolutiva oral.
b) É um documento oficial.
c) É o registro do processo de avaliação psicopedagógica.
d) É um documento entregue para a escola.

Atividades de aprendizagem
Questões para reflexão
1. Assista ao filme Minhas tardes com Margueritte, de 2010, sob a direção de Jean Becker.
Relacione a emocionante história com o objeto de estudos da psicopedagogia – o ser
cognoscente. Como esse filme pode ajudá-lo a compreender mais profundamente o que é
aprender?
MINHAS TARDES com Marguerite. Direção: Jean Becker. França: Imovision, 2010. 82 min.

2. Para realizar essa tarefa, você precisará de um recipiente de vidro transparente relativamente
grande, talvez algo em torno de 20 cm de altura e 20 cm de diâmetro, bem como de 3 ou 4 tubos
de anilina para doces com cores diferentes (por exemplo, verde, vermelho, azul e marrom ou,
ainda, as cores que você desejar ou conseguir). Você deverá também preencher o recipiente
com água (não precisa deixá-lo totalmente cheio). Depois do material providenciado e
organizado, comece a pingar gotas de anilina na água e observe o que acontece, mantendo
uma distância suficientemente boa. Bem, divirta-se!13

Atividades aplicadas: prática


1. Pesquise em dicionários o significado de informe, informativo e devolutiva. Construa o seu
conceito sobre informativo psicopedagógico.

2. Escreva o seu memorial, ou seja, escreva a respeito de si mesmo, suas aprendizagens, sua
história de aprendizagem, suas dificuldades no processo, quais as intervenções realizadas que
o fizeram superar as dificuldades ou, ainda, permanecer com elas.

13
Essa atividade é um dos resultados dos estudos da equipe da Síntese, de Curitiba, e foi utilizada em dois momentos
principais: como disparador de uma das Cirandas de Educadores (realizada em 3 de junho de 2010) e para o
lançamento oficial do livro Avaliar para nós é..., em 8 de agosto de 2010, de autoria da mesma equipe, cuja
referência completa se encontra ao final desta obra. Para saber mais sobre a Ciranda de Educadores, encontro
realizado desde 1999, acesse: <http://www.sinteseaprendizagens.com.br>.
Considerações
finais
Este é um momento de encerramento e de resgate do conceito de matriz, que contribuirá com
elementos para a reflexão acerca do plano filosófico necessário para a composição de uma matriz
de pensamento diagnóstico psicopedagógico, objetivo principal deste livro.
Embora muito se tenha dito sobre avaliação e instrumentos de avaliação psicopedagógica,
integro um grupo de resistência! Um grupo que resiste à ideia de patologização da infância e que
tem se mobilizado para proteger a infância e a juventude das excessivas quantidades de avaliações
diagnósticas e de rótulos.
E, por esses motivos, oferecemos mais duas sugestões. A primeira é assistir ao vídeo Etiquetas
psiquiátricas de transtornos inventados (Etiquetas..., 2012), encontrado para exibição no YouTube
(veja a referência completa nas referências finais). As imagens falarão muito mais do que palavras
que possam ser escritas.
A segunda é ler o capítulo “Avaliação psicopedagógica: panorâmica ou focada?”, que integra o
livro Avaliar para nós é... (Barbosa, 2011), já indicado anteriormente como complemento de outro
subtema desta obra.
É o momento também de relembrar que a escolha da Teoria da Epistemologia Convergente
como pano de fundo de toda esta obra se justifica por considerarmos que essa teoria auxilia a
construção da matriz de pensamento diagnóstico psicopedagógico, uma vez que organiza e
classifica uma quantidade de informações que podem facilitar o processo de aprendizagem
daqueles que buscam um aprofundamento em psicopedagogia.
Matriz é um vocábulo que comporta muitos significados, alguns dos quais reproduzimos a seguir,
como se apresentam no Dicionário Houaiss (Houaiss, Villar, Franco, 2001, p. 1870, grifo do
original):
matriz s.f. 1 órgão das fêmeas dos mamíferos, na cavidade pélvica, onde o embrião e
posteriormente o feto se desenvolvem; [...] 8 AGR planta da qual se retiram mudas para
reprodução; [...] adj. 28 que está na base (de algo) ou que tem grande relevância; primordial,
básico, principal. ETIM lat. matrix,icis ‘fêmea que está criando os filhos, que amamenta; galinha
parideira; árvore que deita rebentos; mãe, tronco, origem; útero, ventre; [...].

Dessa maneira, esperamos que, ao chegar ao final deste livro, você possa ter alimentado seus
pensamentos para ampliá-los, modificá-los, transformá-los, multiplicá-los, reproduzi-los (no sentido
de “perpetuar”), enfim, que você possa fazer uso desses conhecimentos para fortalecer a sua base,
a sua árvore, os seus planos filosófico, teórico e prático em relação à psicopedagogia.
Por outro lado, também é preciso dizer que existem outras abordagens e a possibilidade da
integração dessa teoria com outras ou dessa metodologia avaliativa com outras já existentes. É
isso o que ocorreu em um município do Estado do Paraná – que tem em seu quadro
psicopedagogos concursados e contratados – no qual foi realizado um encontro de reflexão e
estudos, cujo resultado foi a construção de uma matriz de pensamento diagnóstico
psicopedagógico daquele município, considerando-se a história daquele grupo, as características
do trabalho ali desenvolvido, o tempo disponível que a equipe teria para fazer avaliação e a
demanda existente, sem perder a qualidade. O processo foi belíssimo, pois contou com a discussão
operativa de grande parte dos psicopedagogos integrantes desse projeto.
Outra experiência é a da equipe da Síntese, a qual também construiu uma matriz de pensamento
diagnóstico que reflete a integração da Teoria da Epistemologia Convergente com a Teoria
Sistêmica, o que inclui a família no processo avaliativo. Para isso, organizou um instrumento de
pesquisa para esse fim, denominado Entrevista Operativa Familiar (Eofa), que contou com a
supervisão do Professor Jorge Visca no processo de construção, e que foi apresentado à
comunidade científica, em 1991, nas 1ªs Jornadas de La Fundación para Asistencia, Docência e
Investigación Psicopedagogica e 3ª Jornada del Centro de Estúdios Psicopedagogicos –
Propuestas Psicopedagogicas para el 2000, ocorridas em Buenos Aires, Argentina.
A história da construção e da utilização dessa entrevista pode ser consultada no livro Avaliar
para nós é... (Barbosa, 2011), no Capítulo 9, de autoria da psicóloga e terapeuta familiar Vera Lucia
Germano Sicuro.
É preciso evidenciar que não há somente um jeito de fazer, mas há apenas um jeito de exercer
a psicopedagogia – estudando, experimentando, observando, conversando, participando de
encontros vinculados à área, articulando saberes, avaliando-se e, por que não dizer, filiando-se à
Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp), para, então, continuar a tecer as malhas de
conhecimentos individual e coletivo. Malha de conhecimentos que tem fios muito coloridos,
diversos, oriundos da filosofia, das teorias que explicam o ser cognoscente e da prática de tantos
estudiosos.
Para contribuir com esses fios, escolhemos encerrar esta obra com fragmentos de um conto
chinês, de forma que você, leitor e estudante de Psicopedagogia, alimente-se da objetividade e
subjetividade das palavras reproduzidas a seguir. Como sempre, “quem conta um conto aumenta
um ponto”, e que esse ponto amplie sua malha simbólica.

CONFÚCIO E O MENINO SEM NOME


Dong Sizhang[14]

Confúcio estava muito cansado de ler e decidiu descansar um pouco. Mas o que fazer?
Mesmo quando descansava, ele queria fazer alguma coisa. Resolveu então sair num carro de
búfalo para ir até o monte Jing.
Enquanto os búfalos negros avançavam pela estrada, ele admirava a primavera que havia
chegado. E, pouco depois, avistou a montanha, enfeitada com um colar de neblina. Confúcio
ficou muito contente. Ele tinha certeza de que do alto poderia avistar toda a planície, a se
perder de vista, com a crista das colinas perfiladas mais adiante, uma depois da outra, até o
horizonte.
Estava tão distraído que não percebeu um menino fazendo barro com um balde d’água para
erguer uma muralha de brinquedo no meio da estrada.

14
Dong Sizhang (1587-1628). Poeta e literato, dedicou a vida aos livros.
O menino que construía a miniatura da muralha virou a cabeça, avistou os búfalos puxando a
carroça e depois o condutor. Em seguida, pegou mais um pouco de barro e completou a obra,
sentando-se atrás dela, como se assim estivesse protegido. Confúcio ficou bravo:
— Ei, não vê que estou passando? Saia do caminho, quero chegar logo ao monte Jing.
O menino caiu na risada:
— É o carro de búfalo que tem de contornar a muralha. Onde já se viu uma muralha sair do
lugar para dar passagem ao carro!
— Quantos anos você tem?
— Sete – foi a resposta.
— Só sete? Apesar de ter só sete anos, você me deu há pouco uma boa resposta. Qual é o
seu nome?
— Não tenho nome algum.
— Sem nome, me diga uma coisa: você conhece montanha sem pedra? Pé sem dedo? Céu
sem passarinho? Água sem peixe? Porta que não fecha? Égua sem potrinho? E fogo sem
fumaça, conhece? Conhece homem sem mulher? Mulher sem marido? Macho sem fêmea?
Árvore sem galho? Cidade sem governo? Gente sem nome?
— Uma montanha de terra não tem pedras. Pé de mesa não tem dedo nem unha para cortar.
No céu da boca, pássaro não voa. A água do poço é sem peixe. Porta sem batente não
fecha, e um cavalo de madeira não dá cria. Além disso, fogo-fátuo não solta fumaça. Imortal
não tem mulher. Fada não tem marido. Solteiro vive sem mulher. Árvore seca não dá galho.
Uma cidade abandonada não tem prefeito. E um menino, como eu, não tem nome.
Confúcio engoliu em seco. O menino tinha resposta para tudo...
E Confúcio continuou a lhe fazer perguntas e o menino a respondê-las até que o menino falou:
— Respondi a todas as suas perguntas. Agora, peço que responda às minhas. Como os
marrecos e os patos conseguem nadar? Como os grous e os gansos selvagens conseguem
gritar? Como os pinheiros e os ciprestes conseguem ficar sempre verdes? Tanto no verão
quanto no inverno?
Confúcio respirou fundo. As perguntas eram fáceis. Muito fáceis.
— Porque eles têm as patas espalmadas.
O menino balançou a cabeça:
— Não é uma boa razão. Primeiro, pata não pode ser espalmada, porque palma existe é na
mão. E as tartarugas também nadam, mas não têm as patas “espalmadas”.
Pego de surpresa, Confúcio disse:
— Pois é... – mas se recuperou logo, passando para a pergunta seguinte: – Como têm um
pescoço comprido, os grous e os gansos selvagens podem gritar.
O menino sacudiu a cabeça:
— Também não é uma boa resposta. As rãs também gritam e elas não têm pescoço comprido.
De novo Confúcio ficou mudo. E depois conseguiu dizer:
— Pois é... – e fez uma observação –, como têm um cerne duro, os pinheiros e os ciprestes
ficam sempre verdes, tanto no verão quanto no inverno.
Mais uma vez o menino sacudiu a cabeça:
— O senhor nunca dá a razão nem a resposta certa: o bambu também fica sempre verde, no
inverno e no verão, e ele nem cerne tem, pois é oco por dentro.
E Confúcio, confuso, falou:
— Melhor não falar nem do céu, nem da terra. Vamos falar das coisas que estão diante dos
nossos olhos.
O menino riu novamente:
— Ah, certo – disse –, vamos falar das coisas que estão diante de nossos olhos: quantos cílios
o senhor têm nas pálpebras?
Confúcio pareceu cansado e suspirou:
— Desisto, não consigo ganhar, nem fazendo perguntas, nem respondendo àquelas que você
me faz. Acho agora que temos de temer uma criança. Você quer ser meu mestre?
O menino continuou a brincar em silêncio na estrada e não respondeu.
É um belo conto, não é? Ele foi escolhido para encerrar Fonte: Schmaltz; Capparelli, 2010, a obra
porque nele ganha ênfase o processo dialógico estabelecido p. 11-17.
entre os personagens, que ilustra
muito bem a atitude esperada de um psicopedagogo diante de seus clientes, ao levá-los a exercitar
a abstração reflexiva, a pensar sobre o mundo e sobre a sua ação no mundo, conceito apresentado
no Capítulo 2 deste livro. Ambos, psicopedagogo e cliente, portanto, aprendem.
Ao iniciarmos o livro, dissemos que o intuito da obra era oferecer elementos que possibilitassem
ao leitor, ao estudante de Psicopedagogia, a organização de uma matriz de pensamento
diagnóstico psicopedagógico no âmbito da ação clínica. Tal matriz, apoiada na Teoria da
Epistemologia Convergente, pode ser um dos caminhos, mas não o único e, assim como o menino
do conto, possivelmente você também tenha argumentos e contra-argumentos diante do exposto
neste livro. Portanto, continue o processo de formação profissional (que também é pessoal) e
aprofunde-se nos conceitos aqui abordados procurando as fontes originais.
Possivelmente, você sentirá falta de alguns conceitos e exemplos e de algumas informações.
Que bom que seja assim! A sensação de que algo está faltando nos mobiliza a ir em busca da
compreensão daquilo que sentimos falta e promove um movimento de criação, de diálogo, de visita
a bibliotecas, a sites. Ao procurarmos meios de nos aprofundar no assunto, achamos, muitas vezes,
o que pro-
curamos e nos encontramos com outras “faltas” que nem tínhamos ainda reconhecido como tais.
Neste ponto de nossas considerações, ainda é possível oferecer-lhe um esquema para sintetizar
os planos necessários para a composição de uma matriz de pensamento diagnóstico. Observe a
seguir o Quadro A:

Quadro A
PLANO
PLANO FILOSÓFICO PLANO DA PRÁTICA
CIENTÍFICO/TEÓRICO
Concepção de Descrição e Instrumentos de
homem e de explicação acerca pesquisa
mundo; portanto, do ser cognoscente psicopedagógica
concepção de – do ser que propriamente ditos,
aprendizagem. aprende. Acervo concernentes à
que nos auxilia a ação no âmbito
compor os clínico.
parâmetros de
“normalidade” e
seus desvios.

A organização desse quadro está inspirada em um quadro síntese, resultado das discussões
realizadas por um grupo de 18 psicopedagogas de Curitiba (do qual a autora desta obra é
integrante) que se reuniu com a tarefa de pensar acerca da epistemologia da psicopedagogia
para apresentar algumas reflexões sobre o tema no VI Congresso Brasileiro de Psicopedagogia,
realizado em julho de 2003.
A sistematização e a apresentação das ideias foram realizadas por Barbosa (2007), que ampliou
os estudos sobre o tema e registrou a totalidade dos resultados no artigo “A epistemologia da
psicopedagogia: reconhecendo seu fundamento, seu valor social e seu campo de ação.
Comemorando os 15 anos da ABPp – Paraná Sul, 2006”, publicado na Revista Psicopedagogia, da
Associação Brasileira de Psicopedagogia – ABPp.
A leitura desse artigo, assim como de outros publicados nas revistas da ABPp, muito contribuirão
para que você compreenda o que é a psicopedagogia e qual é o seu objeto de estudos.
Referências
BARBOSA, L. M. S. (Org.). Avaliar para nós é... Pinhais: Melo, 2011.
BARBOSA, L. M. S. A epistemologia da psicopedagogia: reconhecendo seu fundamento, seu valor
social e seu campo de ação. Comemorando os 15 anos da ABPp – Paraná Sul, 2006. Revista
Psicopedagogia, v. 24, n. 73, São Paulo, 2007. Disponível em:
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S010384862007000100011&script=sci_arttext>.
Acesso em: 29 fev. 2012.
_ . Primeira entrevista... é momento de quê? In: BARBOSA, L. M. S. (Org.). Avaliar para nós é...
Pinhais: Melo, 2011. p. 131-137.
Barbosa, L. M. S. Psicopedagogia: um diálogo entre a psicopedagogia e a educação. 2. ed. Curitiba:
Bolsa Nacional do Livro, 2006.
BELTRAMI, K.; PORTILHO, E. M. L. Inventário Portilho/Beltrami de estilos de aprendizagem para
crianças da educação infantil. Disponível em:
<http://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2008/anais/pdf/711_921.pdf>. Acesso em: 28
nov. 2011.
Carlberg, S. A epistemologia da psicopedagogia: contributo ao plano da prática. In: ABPp –
Associação Brasileira de Psicopedagogia. Seção Paraná Sul (Org.). Aprendizagem na
diversidade: a psicopedagogia agregando formadores. São José dos Campos: Pulso, 2008.
_ . Contribuições: composições teórico/práticas. In: ZENÍCOLA,
A. M.; BARBOSA, L. M. S.; CARLBERG, S. Psicopedagogia: saberes
/olhares/fazeres. São José dos Campos: Pulso, 2007.
p. 107-115.
_ . Quadro Auxiliar. Curitiba, 1994. Material não publicado.
CONGRESSO BRASILEIRO PIAGETIANO, 1., 1980, Rio de Janeiro. Uma conversa com Jean Piaget e
Bärbel Inhelder: o nascimento da inteligência. Centro Experimental e Educacional Jean
Piaget/E.P.U.,1980 Material distribuído gratuitamente no evento.
ETIQUETAS psiquiátricas de transtornos inventados. Spot del CCHRNT. Disponível em:
<http://www.youtube.com/watch?v=P_X500l2rhQ>. Acesso em: 29 mar. 2012.
FERREIRO, E.; TEBEROSKY, A. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.
FREIRE, M. Educador, educa a dor. São Paulo: Paz e Terra, 2008.
GALEANO, E. O livro dos abraços. 2. ed. Porto Alegre: L&PM, 2010.
Houaiss, A.; VILLAR, M. DE S.; FRANCO, F. M. de M. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2001.
Inhelder, B. The Diagnosis of Reasoning in the Mentally Retarded. New York: John Day, 1968.
LA TAILLE, Y. de. A ética para meus pais. Campinas: Papirus, 2011.
LEITE, L. R. As provas operatórias no exame das funções cognitivas. São Paulo: Cortez, 1987.
MAC DONELL, J. J. C. Provas de diagnóstico operatório. Buenos Aires: Centro de Material Educativo,
1979.
MOOJEN, S. (Coord.). Confias: consciência fonológica – instrumento de avaliação sequencial. São
Paulo: Casa do Psicólogo, 2007.
PORTILHO, E. M. L. (Org.) Alfabetização: aprendizagem e conhecimento na formação docente.
Curitiba: Champagnat, 2011.
_ . Como se aprende? Estratégias, estilo e metacognição. Rio de Janeiro: Wak, 2009.
SCHMALTZ, M.; CAPPARELLI, S. (Org.). Contos sobrenaturais chineses. Porto Alegre: L&PM, 2010.
Serafini, A. Z. Entrevista histórica: integração da horizontalidade e da verticalidade. In: BARBOSA, L.
M. S. (Org.). Avaliar para nós é... Pinhais: Melo, 2011. p. 165-171.
SERAFINI, A. Z.; CARLBERG, S. Escutar e olhar: a entrevista e a observação no âmbito escolar. In:
BARBOSA, L. M. S. (Org.). Avaliar para nós é... Pinhais: Melo, 2011. p. 139-151.
SILVA, M. C. A. e. Psicopedagogia: em busca de uma fundamentação teórica. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1998.
VISCA, J. Clínica psicopedagógica: epistemologia convergente. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987.
_ . Clínica psicopedagogica: epistemología convergente. 2. ed. Edi-
ção do autor. Buenos Aires: [s.n.], 1994.
VISCA, J. Clínica psicopedagógica: epistemologia convergente. São José dos Campos: Pulso
Editorial, 2010.
_ . El diagnostico operatorio de adolescentes y adultos en la practica psicopedagogica. Edição do
autor. Buenos Aires: [s.n.], 2002.
_. O diagnóstico operatório na prática psicopedagógica. São José dos Campos: Pulso, 2008.
_ . Técnicas projetivas psicopedagógicas e pautas gráficas para sua interpretação. Buenos Aires:
Visca & Visca, 2008.
VISCA, J.; SCHUMACHER, S. Diagnostico operatorio en la practica psicopedagogica: niños,
adolescentes y adultos. Buenos Aires: Visca & Visca, 2011.
WINKELER, M. S. B.; OLIVEIRA, M. Â. C. O papel do corpo na psicopedogia. Não publicado.
ZENÍCOLA, A. M. O efeito da força da imagem visual sobre a construção simbólica da criança e do
adolescente nos tempos atuais.
In: ZENÍCOLA, A. M.; BARBOSA, L. M. S.; CARLBERG, S.
Psicopedagogia: saberes/olhares/fazeres. São José dos Campos: Pulso, 2007. p. 283-301.
Bibliografia comentada
Carlberg, S. A epistemologia da psicopedagogia: contributo ao plano da prática. In: ABPp –
Associação Brasileira de Psicopedagogia. Seção Paraná Sul (Org.). Aprendizagem na
diversidade: a psicopedagogia agregando formadores. São José dos Campos: Pulso, 2008.
Essa é a síntese da apresentação da autora no I Psicopedagogia: agregando formadores, evento
promovido pela ABPp – Seção Paraná Sul. O artigo também contribui para a ampliação dos
conceitos trabalhados neste livro. Além desse, há outros artigos de outros psicopedagogos que
podem auxiliar o estudante de Psicopedagogia a compreender a linguagem psicopedagógica.

Carlberg, S. Contribuições: composições teóricas/práticas –


considerações sobre a elaboração de informes psicopedagógicos. In: ZENÍCOLA, A. M.; BARBOSA,
L. M. S.; CARLBERG, S. Psicopedagogia: saberes/olhares/fazeres. São José dos Campos: Pulso,
2007. p. 120-126.
Nesse artigo, você encontrará outros subsídios para a organização de informes
psicopedagógicos.

Barbosa, L. M. S. A epistemologia da psicopedagogia: reconhecendo seu fundamento, seu valor


social e seu campo de ação. Comemorando os 15 anos da ABPp – Paraná Sul, 2006. Revista
Psicopedagogia, v. 24, n. 73, São Paulo, 2007. Disponível em:
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S010384862007000100011&script=sci_arttext>. Acesso em:
29 fev. 2012.
Trata-se de um artigo publicado na revista da Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp),
originalmente apresentado no VI Congresso Brasileiro de Psicopedagogia, em 2003, como
resultado de uma ampla discussão realizada em um grupo de psicopedagogos de Curitiba-PR.
Essa discussão teve como tarefa debater a epistemologia da psicopedagogia e apresentar uma
síntese em um dos espaços científicos do referido congresso. A leitura desse artigo contribuirá para
a ampliação dos planos filosófico, científico e prático.

Moyses, M. A. A. A institucionalização invisível: crianças que não-aprendem-na-escola. Campinas:


Fapesp; Mercado de Letras, 2001.
Esse livro é um daqueles tesouros que, quando encontramos, queremos compartilhar. Maria
Aparecida é médica pediatra e, com grande sensibilidade, oferece a nós um dos frutos de sua tese
de livre-docência, analisando como crianças normais, até entrarem em nossas escolas
excludentes, tornam-se reféns de doenças inexistentes, passando a permanecer aprisionadas em
“instituições invisíveis”. Trata-se de leitura necessária para psicopedagogos que têm como tarefa
“libertar” aprendizes.

Silva, M. C. A. E. Psicopedagogia: em busca de uma fundamentação teórica. Rio de Janeiro: Nova


Fronteira, 1998.
Esse é um livro que contribui para a ampliação da compreensão da necessidade de um plano
teórico para a ação psicopedagógica de cada psicopedagogo. No entando, muito mais do que isso,
essa obra possibilita o diálogo necessário sobre o que é a psicopedagogia e o seu objeto de
estudos.

Visca, J. Clínica psicopedagógica: epistemologia convergente. São José dos Campos: Pulso
Editorial, 2010.
Essa é uma obra básica para a compreensão da Teoria da Epistemologia Convergente. Foi
traduzida e ampliada, e é um livro para consulta permanente.
Apêndice
OBSERVAÇÃO:
Você pode utilizar o Quadro Auxiliar15 que serve de mapa, matriz em tamanho duplo ofício nas
tarefas propostas na seção “Atividades de aprendizagem”.

APÊNDICE 1

Quadro A – Registro da Eoca de nº 1


CONDUTAS DO
REGISTRO DE TEMÁTICA E DINÂMICA
ENTREVISTADOR

//Yuca, eu gostaria que você me


mostrasse o que você sabe fazer, o que
lhe ensinaram e o que aprendeu com
estes materiais que estão sobre a
mesa.//

“Eu sei equilibrar livro na cabeça!”

Fala enquanto deixa a régua em pé.

“Tô fazendo um negócio.”

Dobra o papel em quatro partes, marca


com a dobra, corta.

“Cadê a mãe da Yuca grande?”

Demorei em entender que se tratava da


filha de uma pessoa que se encontrava
na sala de espera e que tem o mesmo
nome de Yuca.

“Ih, não tem durex, eu preciso para


fazer o livro.”

Ofereço-lhe o durex.

Dobra, dobra, cola durex e faz um avião.

//Você não ia fazer um livro?//

“Eu tô fazendo, é o desenho!”

//Ah! O avião é o desenho do livro?//

15
Para solicitar o Quadro Auxiliar no tamanho especificado, entre em contato com a autora no e-mail
sicarlberg@hotmail.com.
16
O que está entre aspas foi dito por Yuca; o que está entre barras foi dito pela psicopedagoga.
CONDUTAS DO
REGISTRO DE TEMÁTICA E DINÂMICA
ENTREVISTADOR

“Eu tenho outra Simone, ela mora junto


com a minha irmã.”

“Eu sei fazer um livro, vai ficar bem


bonito!”

Enquanto fala, enrola um pedaço de


papel, faz dele um tubo, um rolo.

“Lá na escola tem esse livro!”

(pega o livro – A história do gato e me


mostra)

Pede ajuda para abrir a cola.

“Não tá saindo!”

Mostro-lhe em meu dedo um pingo de


cola que sai.

Ela repete o que vê, coloca um pingo de


cola no dedo, passa no papel e coloca o
material ao lado.

“Vou desenhar!”

“Eu não sei fazer mão, só sei fazer uma


asa.” (ri muito)

“Pode ser um anjo!”

“O anjo tava na praia, tinha dois sol até!


Um ele fez e o outro já estava.” (mostra-
me o do lado esquerdo)

“Esse ele fez” e o do lado direito “Já


estava.”

Cola o desenho no livro, pega durex e


volta a desenhar o mesmo tema: “dois
sol e um anjo sapeca!” (ri novamente)

//Esse livro é só feito com lápis ou será


colorido?//

“Eu vou pintar!”

Pega o lápis, não sabe abri-lo, mostro-


lhe, pinta o desenho.

“Tava muito quente, ele queimou o


rosto.” (pinta com lápis cor-de-rosa)

“Eu vou fazer um coração diferente, ficou


tudo verde, porque ele mentiu, eu quero
CONDUTAS DO
REGISTRO DE TEMÁTICA E DINÂMICA
ENTREVISTADOR

uma casa que não tem mãe, ele mentiu,


porque ele tem mãe, né? Pronto!
Terminei o livro!”

//E o seu livro só tem desenho? Não


tem palavras?//

“Não, não sei escrever!”

//Nem o seu nome? O nome da


autora?//

Escreve Yuca.

“Vou fazer um coração”, dobra o papel,


recorta e abre. Quando abre, constata
que não deu certo.

“Ih! Parece um coelho! E esse um


castelo.”

Desenha, cola com durex e diz:

“Olha, o castelinho do coelhinho!”

//Você já me mostrou que sabe dobrar,


recortar, desenhar, que outras coisas
você sabe fazer que pode me mostrar?//

Recorta um papel e diz: “O que


parece?”

//O muro de uma cidade, o morro, as


casas.//

“É isso mesmo que parece!”

“Sabe que estou fazendo balé?”

Pega outro papel, diz que fará um


coração.

De novo, não consegue e diz:

“É um coração/coelhinho.”

Coloca olhos, nariz...

//O que você sabe fazer com o que tem


nesta caixa?//

Abre a caixa e diz: “Letras!”

Retira algumas e começa a enfileirá-las:

MPMOV

Pede para que eu leia. Leio e ela ri


muito.

MOJSE
CONDUTAS DO
REGISTRO DE TEMÁTICA E DINÂMICA
ENTREVISTADOR

Repete a conduta anterior. Pergunto-


lhe: //M com O faz o quê?//

“MO”

Termino a leitura, novamente ri muito.

D XX R M (com o D e o R invertidos)

//Separe nessas caixas o que serve e o


que não serve para ler.//

+ 5 (invertido) entre outros e lê:

XeG

V e o 3 – diz que ambos são números.


Ri muito.

“Vou escrever o meu nome.”

“O Y o U, o C, o A.”

YUCA

Logo abaixo coloca:

Y B G (B e G invertidos)

N O 7 M (N invertido e o 7 deitado)

JQDIMIASI

“É assim que é o meu nome inteiro!”

Pega o livro.

“Eu sei ler! O gato começa com a letra


‘g’.”

Na capa interna do livro, há imagens


com rótulos. Faz a leitura das imagens:

“Era um dia o gato estava muito subindo


na cadeira, foi retinho pegar a comida
do gato, o ratinho, ele que pegou mais
comida do gato, ele ficou muito guloso,
e ficou doente porque tá sem comida.

Ta uma carta! Obrigado por sua comida!


A menina pegou ele...”

//O que serve para ler aqui?//

Indico as palavras em uma das páginas.

Aponta para as letras.

//Por quê?//
CONDUTAS DO
REGISTRO DE TEMÁTICA E DINÂMICA
ENTREVISTADOR

“Porque tá no meio da página.”

//Onde está escrito GATO?//

Rapidamente, aponta corretamente.

//Onde começa? Onde termina?//

//Com que letra começa?//

“Com G”

//Com que letra termina?//

“Com O”

“olha! GA-TO termina com O!”, fala


dando ênfase aos sons.

Continua “contando” a história. Não


para de falar.

Ligou o “fofone” e/ou não “temedo”.

Indico o final da sessão, acata com


tranquilidade.

APÊNDICE 2
Registro da Eoca de nº 2 – para composição do primeiro sistema de hipóteses
Nome: Julieta.
Idade: 8 anos e 11 meses.
Grau de escolaridade: 3ª série do ensino fundamental.
Queixa, ou motivo da procura: Falta de organização na escola, dificuldade de retenção da
tabuada, crise familiar.
Materiais encontrados por Julieta sobre a mesa:
• 2 folhas de papel sulfite;
• 2 folhas de papel pautado;
• 3 folhas de papel colorido;
• 1 conjunto de canetas hidrocor com 12 cores;
• 1 lápis preto;
• 1 apontador;
• 1 borracha;
• 1 régua;
• 1 tesoura sem ponta;
• 1 tubo de cola líquida;
• 1 livro – O livro das casas – de Liana Leão, publicado pela Cortez, em 2004.

Quadro B – Registro da Eoca de nº 2


REGISTRO DE TEMÁTICA/DINÂMICA
HIPÓTESES
E CONDUTAS DO ENTREVISTADOR

//Olá, Julieta, por que você está


aqui?//

“Porque estou mal na escola.”

//No que exatamente?//

“Em Matemática.”

//Bem, eu gostaria que você me


mostrasse o que sabe fazer, o que
lhe ensinaram, o que aprendeu
com esses materiais que estão
sobre a mesa.//

Pega um papel, dobra-o, desenha


um coração.

Recorta, faz detalhes com


canetinha.

//Onde aprendeu?//

“Nas aulas de Artes.”

Agora, faz detalhes no coração


vazado, usa canetas brilhantes.
Faz o contorno de limites e os
preenche. Trabalha um bom tempo
no coração.

Cola o coração recortado, faz o


contorno
com caneta.

Termina e mostra-me, sorrindo.

//Ok, você já me mostrou que sabe


desenhar, recortar, pintar... que
outras coisas você pode me
mostrar?//

“Nada, praticamente nada!”

//Pode ser algo de escrever, ler ou


qualquer outra coisa que você
sabe fazer.//

Pega uma folha pautada e faz um


desenho a lápis.

Contorna com canetinha (4 cores).

Termina e mostra-me.
REGISTRO DE TEMÁTICA/DINÂMICA
HIPÓTESES
E CONDUTAS DO ENTREVISTADOR

//É uma boneca, uma menina?//

“É uma menina.”

//Que tal se você escrevesse uma


história sobre ela?//

“Hum, hum. Nesse papel?”

Inicia a escrita, para e olha as


janelas.

(Lá fora, um temporal está por vir.)

Fecho uma das janelas.

Julieta continua. Até agora só


escreveu três linhas. Apaga,
reescreve.
Puxa a folha para o seu colo,
parece reler. Volta a escrever,
apaga, reescreve, boceja, continua
a escrever.

Puxa o papel para o seu colo,


parece reler. Coloca-o sobre a
mesa. Reescreve.

Acrescenta algo no título, não


consigo ler, mas parece que é a
palavra mentirosa.

Continua a escrever, apaga,


boceja.

(O temporal inicia com fortes


trovoadas. O céu escureceu.)

Julieta continua, às vezes olha


para a janela, às vezes para mim e
continua a escrever, a apagar, a
escrever.

//Ah! Já estou ficando curiosa!//

Sorri.

“Eu já estou terminando.”

Termina e lê em voz alta.


REGISTRO DE TEMÁTICA/DINÂMICA
HIPÓTESES
E CONDUTAS DO ENTREVISTADOR

“A menina mentirosa

Era uma vez uma menina que


batia em todo mundo. E um dia
uma boneca que ela queria ficou
em liquidação, mas ela não tinha o
dinheiro e pediu emprestado para
seus colegas, mas eles não
emprestaram porque ela batia em
todos eles.

Mas ela queria dar um jeito e falou:

– Eu prometo que vou parar de


bater em vocês e cruzou os dedos.

No fim da tarde, eles deram o


dinheiro e foi comprar, mas
continuou batendo neles.”

//E quantos anos ela tem?//

“Tem 10 anos.”

Escreve essa informação ao lado


do desenho.

//Bem, Julieta, nosso tempo


terminou,
voltaremos a nos encontrar, está
bem?//

Acompanho-a até a sala de


espera. A mãe a aguardava e,
como chovia muito, decidiram
esperar o temporal passar para
poderem sair.

Julieta pega um gibi, senta-se no


sofá e fica lendo.

Figura A – Desenho e recorte feitos por Julieta na Eoca


Figura B – Texto e desenho feitos por Julieta na Eoca
Gabarito

CAPÍTULO 1
Atividades de autoavaliação
1. d
2. b
3. c
4. a
5. b

CAPÍTULO 2
Atividades de autoavaliação
1. a
2. a
3. c
4. b
5. d

CAPÍTULO 3
Atividades de autoavaliação
1. b
2. b
3. c
4. b
5. a
Nota sobre
a autora
Simone Carlberg é pedagoga formada pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e possui
especialização em Clínica Psicopedagógica –
Teoria da Epistemologia Convergente e Teoria e Técnica de Grupo Operativo – pelo Centro de
Estudos Psicopedagógicos de Curitiba. Foi assessora do Professor Jorge Visca em dois grupos de
formação (G2 e G5). Exerce a ação psicopedagógica no âmbito clínico e institucional. É professora
convidada em cursos de especialização em Psicopedagogia e Educação; professora em cursos de
formação livre e aperfeiçoamento; integrante do grupo de pesquisa Aprendizagem e Conhecimento
na Ação Educativa, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR); integrante da equipe
da Síntese – Centro de Estudos, Aperfeiçoamento e Desenvolvimento da Aprendizagem como
psicopedagoga; autora e coordenadora de livros e artigos nas áreas de psicopedagogia e
educação. É sócia titular da Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp), sob o
nº 71. Vive e trabalha em sua cidade natal – Curitiba-PR.
Para contato, envie e-mail para sicarlberg@hotmail.com.

Você também pode gostar