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Pedagogia | Módulo 5 | Volume 6 - Políticas Públicas da Educação

1ª edição | Julho de 2012 | 476 exemplares


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Obra desenvolvida para os cursos de Educação a
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Projeto Gráfico e Diagramação


Jamile Azevedo de Mattos Chagouri Ocké
João Luiz Cardeal Craveiro

Capa
Sheylla Tomás Silva

Impressão e acabamento
JM Gráfica e Editora

Ficha Catalográfica

V657 Vieira, Emília Peixoto.


Políticas públicas da educação / Emília Peixoto Vieira. –
Ilhéus, BA: Editus, 2012.
123p. : il. (Pedagogia – módulo 5 – volume 6 – EAD)

ISBN: 978-85-7455-285-9

1. Educação e estado – Brasil. 2. Educação – Aspectos


políticos. 3. Ensino – Legislação – Brasil. I. Título. II. Série.

CDD 379.81

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A AUTORA

Profª Drª Emilia Peixoto Vieira

Graduada em Pedagogia pela UFES, Mestre em Educação


pela USP e Doutora em Educação pela Unicamp. Professora
da Educação Básica desde 1994, em diferentes segmentos do
Ensino. Docente do Ensino Superior a partir de 1999 e, desde
2006, professora do Departamento de Ciências da Educação
da UESC. Integrante da Área de Política e Gestão Educacional
e, atualmente, Coordenadora. Membro do Comitê de Ética da
UESC. Diretora do Departamento de Ciências da Educação da
UESC desde março de 2012. Desenvolve pesquisa nas áreas de
Política e Gestão Educacional e Condição do Trabalho Docente.
emilcarl@terra.com.br

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Estado, sociedade e educação

1Unidade
SEÇÃO 1
CONCEPÇÕES TEÓRICAS DO ESTADO

1 INTRODUÇÃO

Nesta primeira seção, você aprenderá sobre os


conceitos e concepções de Estado, assim como sua natureza,
forma ou regime. Também compreenderá a organização do
Estado capitalista e como este relaciona-se com a sociedade.
Além disso, compreenderá o papel da educação na sociedade.

1.1 Concepções Teóricas do Estado

Comecemos, então, com uma ideia panorâmica. O


debate que ora propomos versará um pouco sobre a Teoria
Liberal do Estado, pois é a partir da crítica a tal pensamento
dominante que foi possível construir as proposições da
tradição histórico-dialética.
Assim, quando analisamos as formulações dos
clássicos, como Thomas Hobbes e Milton Friedman,
vemos que, de uma maneira geral, eles esclareceram que o
Estado surgiu de uma necessidade natural do ser humano
viver em sociedade. Dessa maneira, a sociedade seria a Figura 1.1.1 - Leviatã. Obra
do filósofo Thomas Hobbes
superação de um estágio anterior na evolução humana, ou (05/04/1588 – 04/12/1679), pu-
blicado em 1651. Discute o poder

seja, um período idealizado como Estado de Natureza. No do absolutismo político cristão e


a relação do homem com seu so-
berano. Fonte: http://pt.wikipedia.
Estado de Natureza, as diferenças naturais entre indivíduos org/wiki/Ficheiro:Leviathan_gr.jpg

levariam necessariamente à barbárie. Dessa forma, exige-


se em favor de alguma forma de convívio social a alienação

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Políticas Públicas da Educação

da soberania individual. Tal alienação seria a condição


que igualaria as oportunidades individuais de direito à
propriedade e à liberdade. O conjunto de diversas vontades
individuais resultaria na constituição de um contrato social,
cuja estabilidade requereria a presença de um ente externo,
superior, que se autonomizaria acima da sociedade, como
garantidor do pacto formalizado. Esse ser supremo seria o
Estado.
Tal concepção de Estado como algo externo, com
autonomia absoluta e que atua acima da sociedade, tem
vigorado durante muito tempo no discurso dominante. Em
contraposição a essa ideia, têm sido grandes os esforços
dos marxistas para destruir/denunciar esse pensamento de
Estado e expressar que o Estado seria uma relação social,
uma luta de classes; mas, também, uma relação de poder (de
uma classe sobre outra). Para os marxistas, a constituição
do Estado liberal capitalista vem resultar da divisão social
do trabalho e da sociedade em classes. Assim, sua presença
estaria condicionada pela existência de classes sociais, cuja
origem e formas de manifestação estiveram determinadas
historicamente (no tempo e no espaço). No entanto, de
acordo com a Teoria Marxista do Estado, esboçada nos
estudos de Mandel (1977),

O Estado é um órgão especial que surge


em certo momento da evolução histórica
da humanidade e que está condenado
a desaparecer no decurso da mesma
evolução. Nasceu da divisão da sociedade
em classes e desaparecerá no momento
em que desaparecer esta divisão. Nasceu
como instrumento nas mãos da classe
dominante, com o fim de manter o
domínio desta classe sobre a sociedade.
E desaparecerá quando o domínio desta
classe desaparecer (1977, p. 14-15).

O autor ainda explicita que existiram sociedades sem

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Estado, sociedade e educação

a noção de Estado. Portanto o Estado, em sua organização

1
atual, constitui uma instituição social particular na qual uma

Unidade
série de funções, que antes eram exercidas pelo conjunto
da sociedade, torna-se privilégio exclusivo de instituições
particulares (MANDEL, 1977). Essa construção teórica
de Marx tem enfrentado muitas divergências que se
acumulam durante vários anos, principalmente, quando
existem diferentes perspectivas de transformação do Estado
capitalista, de superação de qualquer forma de Estado. Figura 1.1.2 - Milton Friedman
– (31/07/1912, Nova York, EUA -
No entanto, nos últimos tempos, o debate está 16/11/2006, São Francisco, EUA).
Nascido no bairro do Brooklyn,
centrado no papel e na função do Estado capitalista; ou seja, em Nova York, filho de imigrantes
ucranianos. Formado em Econo-
de um lado, na sua capacidade de exercer autonomia absoluta mia, foi um dos mais influentes
teóricos do liberalismo econômi-
diante da sociedade e, portanto, a serviço de uma determinada co. Defendia que a liberdade eco-
nômica é uma condição essencial
classe; de outro, a existência de um Estado de autonomia para a liberdade das sociedades e
dos indivíduos. Ganhou o Prêmio
relativa, cuja função se manifestaria de diversas dimensões: Nobel de Economia de 1976. Fon-
te: “Wikemedia Commons”.
uma dimensão com a função reguladora das relações sociais
a serviço da manutenção das relações capitalistas e, portanto,
da exploração do trabalho para o capital. Ou seja, um Estado
que também atua como protagonista e se impõe como
regulador da vida econômica, política e social, formando
uma unidade contraditória, mas hegemônica com o capital.
Numa outra dimensão está o Estado como representação
dentro da sociedade democrática, dividindo, assim, com os
demais atores, sociedade civil e mercado, a dinâmica das
relações sociais.
De tudo isso, de acordo com Vieira (2011), a
presença do Estado, na organização e na mediação entre
capital e sociedade, revela que a base de sustentação de
acumulação do capital se dá através da intervenção estatal.
É esse Estado que engendra o espaço político e mantém-
se como tradicional controle dos centros de decisão. Ele se
destaca como instrumento, por excelência, da dominação
burguesa e, em determinadas circunstâncias, converte as
decisões particularistas em algo relevante para toda a nação.
Numa visão dialética da história, observamos

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Políticas Públicas da Educação

que, embora a organização capitalista se apresente como


prescindindo do Estado e de sua regulação, no campo da
luta política e econômica, não é o que se verifica (VIEIRA,
2011). A ideologia dominante parece desconsiderar toda
ação do Estado, contudo exige dele uma mediação entre
mercado e sociedade para consolidar suas ideias e seu poder.
Para esse primeiro momento, encerramos esta aula,
pois acreditamos que nosso objetivo de compreender o
conceito e concepções de Estado capitalista e sua relação
com a sociedade foi esclarecido.

para conhecer

Foi um intelectual e revolucionário ale-


mão, fundador da doutrina comunista
moderna. Atuou como economista,
historiador, teórico político e jornalista.
A teoria marxista é, substancialmente,
uma crítica radical às sociedades ca-
pitalistas e ao Estado, como podemos
ver em uma mensagem enviada ao
Comitê Central à Liga dos Comunistas:
“Os nossos interesses e as nossas ta-
refas consistem em tornar a revolução
permanente até que seja eliminada a
Figura 1.1.3 - Karl Heinrich Marx
(05/05/1818 – 14/03/1883). dominação das classes mais ou menos
Fonte: “Wikemedia Commons”. possuidoras, até que o proletariado
conquiste o poder do Estado, até que a associação dos proletários se
desenvolva, não só num país, mas em todos os países predominan-
tes do mundo, em proporções tais que cesse a competição entre os
operários desses países, e até que pelo menos as forças produtivas
decisivas estejam concentradas nas mãos do proletariado. Para nós,
não se trata de reformar a propriedade privada, mas de aboli-la;
não se trata de atenuar os antagonismos de classe, mas de abolir
as classes; não se trata de melhorar a sociedade existente, mas
estabelecer uma nova” (K. Marx e F. Engels, Mensagem do Comitê
Central à Liga dos Comunistas).

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Estado, sociedade e educação

1
SEÇÃO 2

Unidade
RELAÇÃO ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO

1 INTRODUÇÃO

Na primeira seção, você aprendeu sobre os conceitos


e concepções de Estado, sua natureza, forma ou regime,
e sua relação com a sociedade. Nesta aula, vamos avançar
um pouco mais, compreendendo como o Estado estabelece
interface com a Sociedade, apropriando-se da educação.

1.1 Relação Estado, Sociedade e Educação e os


Princípios e Teóricos Clássicos Liberais

Você viu, na primeira seção, que o Estado, na sociedade


capitalista, exerce uma função de mediar as relações entre
a sociedade e o mercado, para consolidar suas ideias e seu
poder. E, para que se mantenham seus pensamentos, utiliza-
se da ideologia dominante de uma determinada classe, para
manter sob seu poder as demais classes.
Neste texto, utilizaremos como referência constante
o clássico artigo de Cunha (1980), o qual examinou o papel
atribuído à educação para a construção de uma sociedade
aberta, explicitando a presença do discurso liberal entre
os teóricos liberais clássicos, na pedagogia da escola nova
e no plano do Estado para a educação. O autor partiu
da análise da revolução burguesa do século XVIII e da

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Políticas Públicas da Educação

ideologia dominante liberal corporificada, mais precisamente,


na França. O liberalismo, como foi conhecido, estabeleceu-se
como um sistema de ideias elaboradas por pensadores ingleses
e franceses no contexto das lutas de classe da burguesia contra
a aristocracia. Foi um sistema de crenças e convicções, ou seja,
uma ideologia. Os principais valores da doutrina liberal eram:
individualismo, liberdade, propriedade, igualdade e democracia.

Figura: 1.2.1 - Pirâmide social Clero


na época da Revolução Francesa. (125 Mil)

Essa pirâmide representa os três
Estados na França antes da Revo-
Nobreza
lução Francesa. O 1º e 2º Esta-
(135 Mil)
do monopolizavam os privilégios 2º
e estavam isentos de impostos
enquanto que a burguesia, os ar- BURGUESIA
tesãos, camponeses e operários (250 MIL)
pagavam altas taxas de impostos. ARTESÃOS
Imagem: “Wikemedia Commons”. (250 MIL)
Fonte: http://historiacaldasjunior71.
Camponeses e Operários
wikispaces.com/file/view/untitled-2.
(24 milhões)
jpg/240819029/untitled-2.jpg

O princípio do individualismo concebe o indivíduo


enquanto sujeito que deve ser respeitado por possuir aptidões e
talentos próprios, atualizados ou em potencial. Os defensores
desse pensamento acreditam que os diferentes indivíduos
possuem atributos diversos e é de acordo com eles que
atingem uma posição social vantajosa ou não. Cabe ao Estado
a autoridade de administrar e de permitir que cada indivíduo
desenvolva suas potencialidades. Com esse argumento,
transfere ao indivíduo a responsabilidade pelo seu sucesso ou
fracasso social e exime a organização social. Em outros termos,
a doutrina liberal admite a sociedade de classe e, além disso,
fornece argumentos que legitimam e sancionam essa sociedade
(CUNHA, 1980).
A liberdade é outro princípio defendido pelos liberais,
mas pleiteia-se, antes de tudo, a liberdade individual, dela
decorrendo todas as outras: liberdade econômica, intelectual,
religiosa e política. É condição necessária para a defesa da ação
e das potencialidades individuais, enquanto não-liberdade é um

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Estado, sociedade e educação

desrespeito à personalidade de cada um. De acordo com

1
Cunha, “quanto menos poder o Estado possui, menos

Unidade
será sua esfera de ação e maior será a liberdade que o
indivíduo poderá desfrutar” (1980, p. 30).
A propriedade é um princípio justificado pelo
liberalismo como fruto do trabalho e do talento de
cada um, e são reconhecidos como meios legítimos
de ascensão social e de aquisição de riquezas. Para os
liberais, qualquer indivíduo pobre, mas que trabalhe e
tenha talento, pode adquirir propriedade e riquezas;
assim, qualquer privilégio decorrente do nascimento não
é tolerado.
A igualdade defendida pelos liberais não significa
igualdade de condições materiais. Nos argumentos,
os homens não são tidos como iguais em talentos e
capacidades; dessa maneira, também não podem ser
iguais em riquezas. A igualdade social é nociva, pois
provoca uma padronização, uma uniformização entre os
indivíduos, o que seria um desrespeito à individualidade
de cada um. A verdadeira posição liberal exige a
“igualdade perante a lei”, igualdade de direitos entre os
homens, igualdade civil (CUNHA, 1980).
A democracia consiste no igual direito de todos
de participarem do governo através de representantes
de sua própria escolha. A democracia consiste e exige o
individualismo, a propriedade, a liberdade e a igualdade.
Figura 1.2.2 - Imagem da Revolução
A não realização de um desses princípios implica na Francesa. Em 1789 teve início, na
França, uma revolução política, sím-
impossibilidade de todos os outros. No entanto, a sua bolo da destruição do poder absolu-
tista dos reis e do início do poder da
realização resultaria numa sociedade aberta, onde todos burguesia no mundo ocidental. A Re-
volução Francesa tornou-se tão signifi-
os homens teriam iguais oportunidades de ocupação das cativa, que os historiadores a colocam
como marco divisor da história, na
posições nela existentes (CUNHA, 1980). passagem da Idade Moderna para a
Idade Contemporânea.
Como se pode perceber, a ideologia liberal Fonte: “Wikemedia Commons”.

apregoa e transfere para o indivíduo a responsabilidade


de sua ascensão social e oculta as contradições da
sociedade marcadamente excludente. Para perpetuar

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Políticas Públicas da Educação

tais ideias, a ideologia, como destacamos anteriormente,


tem papel fundamental na transmissão de valores e
pensamentos. No caso em estudo, estamos nos referindo
à ideologia advinda da Revolução Francesa (1789), cujas
novas ideologias, trazidas da revolução social, visavam
combater e dominar a velha ordem social estabelecida,
a da aristocracia, e ascender a ideologia da nova classe
social, a burguesa.
Para a ascensão do capitalismo, foram anunciadas
grandes lutas ideológicas, grandes combates ideológicos,
grandes revoluções ideológicas. No entanto, numa linha
crítica do marxismo, também foi necessário estabelecer
o poder da burguesia (tanto como campo político como
Figura 1.2.3 - Jean-Jacques Rousseau
econômico) e dos donos das indústrias, a exploração dos
(1712-1778). Suíço, em 1742, foi para
Paris e vinculou-se ao movimento ilu-
meios de produção por um pequeno grupo, a propriedade
minista. Publicou o Discurso sobre as
ciências e as artes (1750), rompendo
privada e a acumulação capitalista. Tal revolução social
com o otimismo do “Século das Lu-
zes”; o Discurso sobre a origem da
exigiu, também, que grupos de indivíduos respeitáveis
desigualdade (1755); o Contrato So-
cial (1762), em que mostrou que os
na sociedade emitam e reafirmem ideias que assegurem a
governos foram criados por vontade
dos cidadãos e, portanto, estes ti-
nova ordem estabelecida. Cunha (1980) destacou alguns
nham o direito de mudá-los. Preferia
um governo de assembléias popula-
teóricos clássicos do liberalismo e seus pensamentos,
res. (KONDER, Leandro. Histórias
das idéias socialistas no Brasil.
para que possamos perceber a influência de suas ideias na
São Paulo: Expressão Popular, 2003.
p. 11). “O que o homem perde pelo
sociedade moderna, do século XVIII.
contrato social é a sua liberdade na-
tural e um direito ilimitado a tudo o
Jonh Locke (1632 – 1704), inglês, foi um dos
que tenta e que pode atingir; o que ele
ganha é a liberdade civil e a proprieda-
maiores expoentes do liberalismo. Seu pensamento, de
de de tudo o que possui”. (ROUSSEAU,
Jean-Jacques. Contrato Social, 1762).
uma maneira geral, refletia na negação da doutrina das
Fonte: “Wikemedia Commons”.
ideias inatas, ou seja, antes de seu pensamento tornar-
se conhecido, pensava-se que a barreira suprema ao
progresso intelectual e moral estava no fato de que as
ideias são inatas.
Jean-Jacques Rousseau (1712 – 1778), em
sua obra “Contrato Social”, analisa o processo de
transformação da sociedade que deixa de ser regida
segundo o direito natural e passa a se organizar segundo
o direito positivo que é estabelecido formalmente por
convenção contratual e se traduz nas Constituições

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Estado, sociedade e educação

escritas. No campo da educação, não pensou em educação

1
para as massas, mas na educação de um indivíduo suficiente

Unidade
rico para custear um preceptor.
François Marie Arout Voltaire (1694 – 1778) foi um
defensor da discriminação social. Para ele, a plebe é a fonte
e o alimento de toda superstição e de todo fanatismo. Em
seus discursos, destacava o temor pela instrução das massas,
pois a via como perigosa à ordem social.
Denis Diderot (1713 – 1784) pertencia ao mesmo
grupo de Voltaire, contudo suas ideias divergiam do grupo.
Para Diderot, era preciso incentivar os artesãos e os operários
para a instrução escolar. Para ele, todos precisariam ler,
escrever e contar, desde os ministros de Estado até o último
dos camponeses. Em seus discursos e escritos, deixava
explícita sua antipatia ao luxo e a recusa em acreditar que a
pobreza e a felicidade sejam facilmente compatíveis.
Jean Antoine Nicolas de Caritat, Marquês de
Condorcet (1743 – 1794), foi discípulo de Rousseau. Foi um
dos primeiros liberais a discutir sobre um sistema público
e gratuito de educação, com a finalidade de estabelecer a
igualdade de oportunidades. Para Condorcet, o Estado deve
assegurar a cada cidadão o gozo dos seus direitos, intervindo
na supressão das desigualdades. Em seus discursos, apontava
três desigualdades sociais: a desigualdade de riqueza, de
profissão e a de instrução.
Apesar de discípulo de Rousseau, suas ideias
apresentavam diferenças. Para Condorcet, a ciência da
educação é um capítulo da política e deve ser assumida
pelo Estado, portanto deve ser retirada das mãos dos
particulares. Rousseau, por outro lado, pregava que a
educação é um domínio à parte da economia e da política.
Condorcet reforçava que o Estado tem de ter o controle
do ensino, como também a obrigação de instruir, não a de
educar, esta tarefa deixa a cargo das famílias e dos padres.
O Estado deve apenas ensinar as ciências positivas. Além

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Políticas Públicas da Educação

disso, discursava sobre a gratuidade e afirmava que esta


não constitui sozinha um meio eficaz para a igualdade: ela
só se completaria se houvesse um sistema de pensões e
distribuição de uniformes. Além de Condorcet, Lepelletier
e Horace Mann viam a educação como um direito a ser
garantido pelo Estado a todos, sem distinção de fortuna e
justamente para diminuí-la, em contrapartida aos teóricos
liberais elitistas ou classistas, como Locke, Rosseau, Voltaire
(CUNHA, 1980).
Essas ideias liberais, de acordo com Cunha (1980),
atravessaram o século XIX e influenciaram outros países,
com novos seguidores. É o caso de John Dewey (1859 –
1952), norte-americano, defensor da “pedagogia da escola
nova”. Suas reflexões partiram da crítica a Platão, pois para
este as pessoas se classificariam naturalmente em três castas e,
então, a função da educação seria unicamente a de descobrir
a qual delas pertence um dado indivíduo. Dewey contesta
Platão, mas admite a dificuldade de a sociedade produzir,
espontaneamente, a democracia, isto é, de promover a
ascensão social. No entanto, ele apontou a tendência, esta
sim espontânea, de a educação ser utilizada como um meio
de diferenciar os indivíduos, de reproduzir as “iniquidades”.
Nesse sentido, a educação vocacional pensada por Dewey
não seria uma mera preparação para os ofícios ou para a
progressão no sistema educacional, visando a uma ilustração
distintiva, mas sim uma educação geral que desse condição
ao indivíduo a passar de uma classe social para outra. As
ideias de Dewey para o sistema educacional foram muito
importantes, principalmente, para reafirmar a instrução não
para a prática de ofícios.
No Brasil, o pensamento de Dewey influenciou
Anísio Teixeira, que o “utilizou para propor o papel social da
escola: tornar-se aparelho de equalização de oportunidades
econômicas e sociais de cada indivíduo” (p. 45). Para
Anísio Teixeira, a escola seria a grande reguladora social,

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Estado, sociedade e educação

e tal regulação permitiria que um indivíduo nascido em

1
uma classe pudesse passar para outra. Para Cunha (1980),

Unidade
essa foi a expressão mais completa e radical da corrente
do pensamento liberal, que se orientou para a abertura
das oportunidades sociais, na linha de Rosseau, Diderot,
Condorcet e Lepelletier. Isto significa que, para os liberais,
a educação tem papel de instrumento de correção das
desigualdades produzidas pela ordem econômica.
Anísio Teixeira trabalhou incessantemente no
plano do Estado brasileiro para que as ideias liberais, mais
precisamente as de Dewey, fossem admitidas nas escolas
brasileiras. No entanto, segundo Cunha (1980), ele sofreu
sérias distorções no plano da execução, quando a política
educacional no Brasil, principalmente, a partir dos anos
50, utilizou a escola como instrumento de preparação
para ocupações, totalmente inverso às ideias liberais, ao
pensamento de Dewey e ao de Anísio Teixeira.
Cunha analisou vários textos oficiais que
supostamente se basearam nos princípios liberais da
sociedade aberta. Esses textos, de acordo com o autor,
apresentaram distância entre o discurso democrático e
a prática discriminatória, pois o discurso culpabilizava
os indivíduos pelas condições adversas em que viviam e
propunha o Estado como interessado na sociedade aberta,
portanto um caráter ambíguo nos textos oficiais. Diante
dessas contradições, Cunha (1980) afirmou que o papel
atribuído à educação no Brasil pelas ideias liberais, pela
escola nova e pelo plano de Estado mostrou ter uma função
ideológica de dissimular os mecanismos de discriminação da
própria educação e também da ordem econômica e política.
Para completar sua tese, Cunha demonstrou
a distância entre o discurso democrático e a prática
discriminatória com dados da realidade educacional 1.2.4 - O SENHOR GLUTÃO CAPI-
TALISMO VERSUS O ESTADO DE-
brasileira. Para ele, não existe igualdade de oportunidade MOCRÁTICO DE DIREITO. Imagem:
“Wikemedia Commons”.
e de qualidade da educação oferecida. A concretização da

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Políticas Públicas da Educação

aptidão de cada indivíduo está ligada às condições materiais


saiba mais
de vida e o que prevalece é o currículo oculto, a ideologia da
Escola Nova – “escola
ativa” ou “escola pro-
carência, da competência, do mérito e do progresso.
gressiva” foi um movi- É importante destacar, antes de finalizar este texto,
mento próprio do século
XX, mas que se inspirou que o papel social da educação proposta pela ideologia liberal,
em pedagogos e filóso-
fos do século XVIII e XIX
analisada por Cunha, é que a escola não deve estar a serviço de
como Rousseau (1712- nenhuma classe, de nenhum grupo privilegiado de herança ou
1778).
Este movimento foi dinheiro, de nenhum credo religioso ou político. A educação
iniciado na Europa e
deve estar a serviço do indivíduo, do “homem total”, liberado e
nos Estados Unidos na
transição dos séculos pleno. Nesse sentido, a função da escola é a realização individual
XIX para o XX. Nos
Estados Unidos, foi para a construção do progresso geral. A escola liberal trata os
defendido por John
alunos igualmente, procurando habilitá-los a participar da vida
Dewey (1859-1952) e
William Kilpatrick (1871- social na medida e proporção de seus valores intrínsecos.
1965).

para conhecer

Anísio Spínola Teixeira – Baiano, nasceu


em Caetité, sertão da Bahia, em 12 de julho
de 1900. Difundiu o movimento da Escola
Nova e defendeu como nenhum outro a
Educação pública: gratuita, laica e obrigatória.
O educador começou a vida estudantil em
instituições jesuíticas, entre as quais, o
Instituto São Luiz Gonzaga, em Caetité, e o
Colégio Antônio Vieira, em Salvador, onde
concluiu o ensino secundário. Em 1922,
ingressou na Universidade de Direito do Rio
de Janeiro, seguindo os anseios do pai, que
Figura 1.2.5 - Anísio Spínola sonhava com a carreira política para o filho.
Teixeira. Fonte: http://anisio-
paracaetite.wikispaces.com/file/ Após concluir o curso, foi convidado para ser
view/capa_Anisio_para_Caetité. Inspetor Geral de Ensino da Bahia. Começara
jpg/240152589/capa_Anisio_
para_Caetité.jpg aí a sua marcante trajetória no âmbito
educacional. Em 1925, Anísio transformou a
concepção de ensino na Bahia, defendendo a ideia de que toda escola deveria
oferecer uma educação gratuita, integral e de qualidade com o objetivo de
desenvolver nos alunos características não só intelectuais, como também
cívicas e morais. Anísio Teixeira atuou como educador, filósofo da educação
e gestor de grandes reformas educacionais. Precursor na implantação de
escolas públicas para todos os níveis, Anísio propôs que o ensino público
fosse articulado em uma rede que se estendesse até a universidade. Uma de
suas iniciativas mais importantes como secretário de Educação e Saúde foi
a construção do Centro Popular de Educação Carneiro Ribeiro, popularmente
conhecido como Escola-Parque, localizada na Caixa D’água, em Salvador, e
fundada em 1950.
“Só existirá democracia no Brasil o dia em que se montar no país a máquina
que prepara as democracias. Essa máquina é a da escola pública”. Anísio
Teixeira.
http://www.bvanisioteixeira.ufba.br/

30 Pedagogia EAD

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