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EDUCAÇÃO
REVISTA CIENTÍFICA DO INSTITUTO IDEIA – ISSN 2525-5975 / RJ / Nº 01: Abril – Setembro 2016 ARTIGO
RESUMO: O propósito deste artigo é refletir sobre a educação brasileira durante a vigência da ditadura
militar (1964-1985). Sua metodologia é a pesquisa bibliográfica. Neste, adotou-se o pressuposto
segundo o qual as reformas educacionais implementadas após 1964 ficaram marcadas pelo modelo
de modernização autoritária do capitalismo brasileiro vigente a partir de 1964. Os resultados apontam
que a propaganda cujo lema era o “Brasil, Grande Potência”, suscitado pela eficiência técnica adotada
na forma de administrar o Estado, teve os seus corolários ideológicos no âmbito da própria política
educacional levada à prática após a reforma universitária de 1968 e a reforma da educação de 1º e 2º
graus de 1971. Dessa forma, conclui-se que o Sistema Nacional de Educação, o qual surgiu com as
reformas da ditadura militar, foi marcado pela ideologia tecnocrática, que pregava uma concepção
pedagógica autoritária e produtivista na relação entre educação e mundo do trabalho.
RESUMEN: El propósito de este artículo es reflexionar sobre la educación brasileña durante el período
de la dictadura militar (1964-1985). Su metodología es la investigación bibliográfica. Tomó la hipótesis
según la cual las reformas educativas implementadas después de 1964 fueron marcadas por el modelo
de modernización autoritaria del capitalismo brasileño adoptado desde 1964. Los resultados indicaron
que la propaganda cuyo lema era "Brasil, Gran Potencia", provocada por la técnica de eficiencia
adoptada como la forma de administrar el estado tenía sus corolarios dentro de la política educativa
ideológica que se llevó a la práctica después de la reforma universitaria de 1968 y la reforma de la
educación de primeros y segundo grados de 1971. Por lo tanto, se concluye que el Sistema Educativo
Nacional, que se presentó con las reformas de la dictadura militar estuvo marcado por la ideología
tecnocrática, que predicaba un diseño pedagógico autoritario y productivista en la relación entre la
educación y el mundo del trabajo.
Esse pensamento visa ser o porta-voz dos interesses e da estratégia do Estado, daquilo que este
1
O uso de Atos Institucionais, AI-1 1, AI-2 2, AI- mal remunerados e sem motivação para
3, AI-4 e AI-5 3 , como estratégia de trabalhar, elevadas taxas de analfabetismo.
implantação e implementação das ações do
Não bastasse isso, a gestão do Aparelho
Estado de Exceção para extinguir
Estatal foi realizada de maneira semelhante a
quaisquer opositores ao regime.
uma linha de produção de mercadorias,
Piletti (1987) assevera que a partir de assumindo uma forma tecnocrata ou
1964, a educação brasileira, da mesma propositivo-racional. Isso favoreceu o
maneira que os outros âmbitos da vida surgimento das reformas educacionais que, a
nacional, passou a ser vítima do posteriori, a partir de 1975, com a crise
autoritarismo que foi instalado no país. política, econômica e de legitimidade do
Muitas reformas foram executadas em todos Regime Militar, ensejou uma forma
os níveis de ensino, impostas pelo governo de consensual regulada na busca de uma melhor
cima para baixo, sem a participação dos redistribuição da renda e incentivo de maior
maiores interessados, alunos, professores e participação popular (PAULINO, 2006).
outros setores da sociedade. Os resultados Assim, a escola vai reproduzir o que
podem ser vistos na quase totalidade das interessa ao Estado reproduzir. Guimarães
escolas:elevados índices de repetência e (2004) chama a atenção para o que ele
evasão escolar, deficiência de recursos apelida de “armadilha paradigmática”, a qual
materiais e humanos nas escolas, professores se refere à reprodução dos
paradigmas 4 constituintes da sociedade
1 Contudo, a promulgação do Ato Institucional nº1 (AI-1), em 9 de abril de 1964, dava início à era
dos Atos Institucionais, que só terminaria em 1978, demonstrando como o legalismo golpista era artificial.
O AI-1, elaborado por Francisco Campos (o redator da Constituição fascista do Estado Novo em 1937),
deveria vigorar até 31 de janeiro de 1966. Estabelecia uma série de medidas da sociedade e dos poderes
públicos por parte do Executivo (ou seja, o governo federal), tais como: o poder de cassar direitos políticos
dos cidadãos, decretar estado de sítio [...] (NAPOLITANO, 1998, p.16).
2 O AI-2 estabeleceu a continuação das premissas da Doutrina de Segurança Nacional que propunha
a paz social como elemento condicionante do desenvolvimento. Além da manutenção das medidas do
primeiro ato, o AI-2 possibilitou ao Executivo a competência das questões orçamentárias e de
regulamentação das Forças Armadas: exclusividade para decretar ou prorrogar o “estado de sítio”, direito
de baixar atos complementares, decretos-leis e recesso do Congresso Nacional, Assembleia Legislativa e
Câmara dos Vereadores (DOCKHORN,2002, p.45).
3 O Ato Institucional n°5, de 13 de dezembro de 1968, tira do cidadão brasileiro todas as garantias
individuais, quer pública, quer privada, assim como concede ao Presidente da República plenos poderes
para atuar como executivo e legislativo. O Decreto-Lei 477 aplica-se exclusivamente ao corpo docente,
discente e administrativo das escolas e coíbe toda e qualquer manifestação de caráter político ou de
protesto no âmbito das Universidades (ROMANELLI, 1978, p. 226).
4 Apesar da polissemia encontrada na história da Ciência Social entre conceitos como paradigmas,
visões de mundo, ideologia (principalmente o último já discutido intensamente por Marx, Mannheim, entre
tantos outros), reconheço uma aproximação, com sutis diferenciações, entre estes. A identidade comum é
de serem produtos (e produtores) de uma construção histórica socialmente determinada (e determinante)
e que, pelas relações de poder constituintes (e constituídas) da (na) realidade social, refletem posições
sociais predominantes de certos grupos e classes sociais. Opto pelo conceito de paradigma, entendido como
em Morin (1997) “estruturas de pensamento que de modo inconsciente comandam nosso discurso”, por
acreditar que esse possa mais livremente, sem tantos preconceitos advindos das discussões sobre “luta de
classes” (que muitas vezes levou a uma leitura de exclusão de ação e reação de uma parte sobre a outra),
apontar para a perspectiva da crise ambiental como uma crise civilizatória, o que não significa negar as
discussões sobre “luta de classes” e nem deixar de perceber as ideologias que perpassam as “estruturas de
pensamento”, até mesmo porque associado às reflexões sobre paradigmas interajo com a discussão sobre
o embate hegemônico na construção da realidade socioambiental.Venho denominando de “movimento
coletivo conjunto”, o que pode ficar parecendo redundante o “coletivo conjunto”, mas tenho com isso a
intenção de reforçar a ideia de que não se constitui simplesmente de um movimento que agrupa forças
individualizadas de forma aditiva e sim, um movimento complexo de ação conjunta que produz sinergia,
conforme descrevo em Guimarães (2004).
de governo, pois houve prisão e demissão de O autor acima afirma ainda que, de todo
professores; invasão de universidades; modo, a ditadura necessitava de suporte
prisão, ferimento e morte de estudantes nos técnico e financeiro para levar a cabo seus
confrontos com a polícia; silenciamento de empreendimentos. Então foi buscar, nos
estudantes por causa da proibição de Estados Unidos, uma solução. Dessa forma,
funcionamento da União Nacional dos apoiou-se na United States Agency for
Estudantes– UNE;a promulgação do Decreto- International Development – USAID. Assim, os
Lei 477/69, o qualsilenciou alunos e acordos foram voltados exclusivamente para
professores; assim como a declaração do determinadas áreas do ensino, impondo à
então Ministro da Justiça: “estudantes tinham sociedade um pacote completo de um
que estudar” e “não podiam fazer quaisquer instrumento doutrinário ideológico.
manifestações”. Esta era a pedagogia de um
Ghiraldelli (2000) comenta que, entre
regime totalitário, como o que ocorreu na
junho de 1964 e janeiro de 1968, foram
Itália, com o Fascismo, na Alemanha, com o
firmados doze acordos entre o MEC e a
Nazismo, e em outros países latino-
USAID, 1 o que levou a política educacional do
americanos. Contudo, o governo deu impulso
país às determinações dos técnicos
ao Ensino Superior pela expansão do número
americanos. A ótica de tais acordos era a
de universidades, ao mesmo tempo em que
mesma vociferada em tom científico pelo
tentava acabar definitivamente com o
ministro do Planejamento do governo Castelo
analfabetismo por meio do Movimento
Branco, em 1968, no fórum do Instituto de
Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL,
Pesquisas e Estudos Sociais (IPES)2.
levando-se em conta as diferenças sociais,
econômicas e culturais de cada região, Veiga (1989) afirma que se fazia
embora não tenha conseguido fazê-lo. E, para necessário formar rapidamente professores,
revogar com os excedentes, aqueles que para que os mesmos formassem mais
tiravam notas suficientes para serem trabalhadores, imprescindíveis à crescente
aprovados, porém não conseguiam vaga para industrialização brasileira. Dessa forma,
estudar nas universidades, criou-se o como recursos imediatos para prover essas
vestibular classificatório (MOREIRA, 2011). carências foram criados os Cursos de
Licenciaturas Curtas e a atualização de
1 A justificativa desses acordos consiste no fato de que a política externa do Brasil estava alinhada à
dos EUA. Assim, a Aliança para o Progresso, foi um programa dos Estados Unidos da América, efetuado
entre 1961 e 1970, com o objetivo de promover o desenvolvimento econômico mediante a colaboração
financeira e técnica em toda a América Latina, para inibir o surgimento de outro país com as características
de Cuba (alinhado ao Bloco Soviético) (SILVA, 2010).
2 O ministro Roberto Campos, em palestra sobre “Educação e Desenvolvimento Econômico”,
oriundos do Ensino Médio (2º grau) com mais científica, inspirada nos princípios de
um ano de especialização para desempenhar racionalidade, eficiência e produtividade.
a função de formadores de mão de obra nas Buscou-se a objetivação do trabalho
pedagógico da mesma maneira que ocorreu
denominadas escolas polivalentes.
na do trabalho fabril. Instalou-se na escola a
Segundo Ghiraldelli (2000), o relatório divisão do trabalho sob a justificativa de
elaborado pelo MEC-USAID e os da Comissão produtividade, propiciando a fragmentação
Meira Matos e do Grupo de Trabalho de do processo e com isso, acentuando-se as
Reforma Universitária – GTRU – ofereciam distâncias entre quem planeja e quem executa
(VEIGA, 1989, p.35).
abordagens diferentes no que se refere ao
ensino de 1º e 2º graus. O relatório MEC- Paro (1996) afirma que, no que se
USAID tinha a finalidade de integrar a refere à gestão escolar, nessa conjuntura, a
universidade na vida econômica nacional, a direção das escolas era cargo de confiança do
fim de capacitá-la a atender a demanda de governo, sendo que as escolas públicas
mão de obra, enquanto os relatórios Meira tinham seus provimentos concretizados por
Matos e GTRU defendiam a reformulação do nomeação do governador ou do prefeito, a
Ensino Médio por causa dos problemas que partir de indicações feitas por lideranças
existiam na universidade. político‐partidárias das respectivas regiões.
Cunha (1977) assevera que no país Tal prática clientelista se refletia em relações
inteiro, a educação começou a operar sob a de poder nas escolas, comprovadas nas ações
égide das reformas educacionais ocorridas a dos diretores, os quais atuavam como
partir da aprovação das Leis nº 5.540/68 de intermediários das relações entre as
reforma do Ensino Superior e a nº 5.692/71, instâncias superiores da administração do
de reforma do 1º e 2º graus, que mudaram a ensino e seus subordinados.
antiga Lei de Diretrizes e Bases nº 4.024/61.
Assim, foi no período mais cruel da
Veiga (2000) afiança que por causa da ditadura militar que foi instituída a Lei de
influência dos educadores americanos, foi Diretrizes e Bases da Educação Nacional em
implantada a disciplina “Currículos e 1971. Para Ghiraldelli (2000), esta é
Propagandas”, nos cursos de Pedagogia, o que responsável pela aplicação dos ideais do
gerou a superposição de conteúdos da nova Estado de maneira autoritária, o que resulta
disciplina com a Didática, através do Parecer em um novo bloco a dirigir a ideologia
nº 252/69 e da Resolução nº 2/69 do dominante.
Conselho Federal de Educação. Assim, o
Aranha (1996) afirma que com a
período compreendido entre 1960 e 1968 foi
criação do Conselho Federal da Educação –
marcado
CFE e dos Conselhos Estaduais de Educação –
pela crise da Pedagogia Nova e articulação da CEE, ambos permitindo a representação das
tendência tecnicista, assumida pelo grupo escolas particulares, a repressão tornou-se
militar e tecnocrata. O pressuposto que
inevitável, assim como o jogo de influências
embasou esta pedagogia está na neutralidade
para obter recursos financeiros necessários
O autor supracitado afirma que no ano Durante os anos 1960 ocorreram inúmeras
seguinte, o partido de Tancredo – Sarney mudanças nos direitos sociais. Foi nesse
ganha as eleições com grande diferença período que os presidentes-militares,
contra Paulo Maluf, com uma promessa de juntamente com os Estados Unidos, fecharam
Nova República, encerrando o ciclo dos parceria entre MEC e USAID, totalizando doze
militares no poder, dando início a uma acordos, que influenciaram nas leis,
“transição democrática”. reestruturando o sistema educacional,
nascendo, assim, uma linha de gestão
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS autoritária e domesticadora, a educação
tecnicista, a qual adaptou o ensino ao sistema
Neste artigo, apresentou-se o contexto empresarial tecnocrata.
educacional no período da Ditadura Civil- Somente em 1978, ano em que o
Militar (1964-1985), analisando a trajetória Presidente Geisel iniciou a abertura política e
da educação. Sendo assim, buscou-se fazer revogou o Ato Institucional Nº5, a sociedade
uma rápida retrospectiva da história brasileira começou a vislumbrar uma liberdade
educacional juntamente à situação política e há muito desconhecida, aparecendo, portanto, a
social no aludido período. Na pesquisa possibilidade de mudanças no sistema
realizada, relataram-se vários episódios: a educacional.
edição dos Atos Institucionais AI-1, AI-2, AI-3,
Ao final desta pesquisa, enfatiza-se que a
AI-4 e AI-5, a aliança entre Brasil e Estados
educação, no âmbito nacional, é resultado de
Unidos, manifestada no acordo MEC-USAID, a
inúmeras ações que lhe são direcionadas.Ao ser
instituição da Lei de Diretrizes e Bases de
usada como ferramenta da ideologia estatal,
1971, a criação do Conselho de Educação e restaram à educação brasileira, como herança,
dos Conselhos Estaduais de Educação, a as diferentes deficiências relacionadas a seus
decadência do regime militar, a Campanha atos e erros do passado.
das “Diretas Já” e a promessa de uma Nova
ANEXO
República.
ANEXO A 1
Esse período ficou conhecido como um
período de exceção, e foi intensamente 1º - 26 de junho de 1964 – Acordo
caracterizado por várias restrições impostas à MEC/USAID para Aperfeiçoamento do Ensino
sociedade brasileira, como, por exemplo, a Primário. Visava ao contrato, por 2 anos, de 6
assessores americanos;
anulação dos direitos civis. A Ditadura Civil-
Militar impôs à sociedade brasileira, 2º - 31 de março de 1965 – Acordo MEC-
gradativamente, os Atos Institucionais, CONTAP-USAID para melhoria do Ensino
reprimindo, cada vez mais, movimentos e Médio. Envolvia assessoria técnica americana
manifestações sociais, atemorizando a para planejamento do ensino, e o treinamento
população através de prisões, sequestros, de técnicos brasileiros nos Estado Unidos;
torturas e assassinatos.
4. REFERÊNCIAS
BERTONCELO, Edson Ricardo Emiliano. “Eu quero votar para presidente”: uma análise sobre
a Campanha das Diretas. Lua Nova, São Paulo, 2009.
NAPOLITANO, Marcos. O regime militar brasileiro: 1964-1985. São Paulo: Atual, 1998.
OLIVEIRA, Adriano Moura de. A Grande Potência: o projeto Brasil Potência no interior do
pensamento geopolítico brasileiro. Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder,
Violência e Exclusão. ANPUH/SP-USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. CD-ROM.
PARO, Vitor Henrique. Eleições de diretores de escolas públicas: avanços e limites da prática.
Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 77, n. 186, mai/ago, 1996. p. 376‐395.
PAULINO, Ana Flávia Borges. A educação no Estado militar. Anais do VI Congresso Luso-
Brasileiro de História da Educação. Disponível em:
<http://www.faced.ufu.br/colubhe06/anais/arquivos/176AnaBorgesPaulino_e_WanderPereira
.pdf>. Acesso em: 17 set. 2012.
5. NOTA BIOGRÁFICA