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Capítulo 2

A Psicologia em
Instituições Educacionais
conquista de autonom ia pela Psicologia no Brasil teve na Edu­
A cação um dos mais importantes substratos para sua realiza­
ção. As transform ações históricas da sociedade brasileira im puse­
ram um a m aior preocupação com as questões educacionais e, con-
seqüentemente, com a problem ática pedagógica. Nesse âmbito, a
Psicologia tom ou-se necessária como ciência básica e instrumental
para a Pedagogia, o que acarretou seu desenvolvimento, quer no pla­
no teórico, quer no plano prático. Esse desenvolvimento foi de tal
maneira relevante que, da Educação, ampliou-se para outras áreas,
como a organização do trabalho e o atendimento clínico nos Serviços
de Orientação Infantil.
Desde o final do século passado a preocupação com o siste­
m a educacional do país ocupou vários setores da sociedade. Tal pre­
ocupação não foi hom ogênea e seus motivos guardavam diferenças
fundam entais, articulando-se a interesses diversos e diferentes
concepções sobre a sociedade brasileira e seus rumos.
Nos anos iniciais da república permaneceu grande a influên­
cia das idéias positivistas e liberais sobre o pensam ento brasileiro
em geral e sobre o pensamento educacional em especial. Essas idéias
fizeram -se presentes no plano educacional, sucessivam ente no
cientificismo e no humanismo, tendo penetrado largamente nos fun­
damentos e na organização escolar.
Os defensores do positivismo tinham como objetivo difundir
suas idéias por m eio da educação escolarizada, que deveria organi-
zar-se segundo seus princípios. Assim, foi realizada, em 1890, a
Reform a Benjamim Constant, que levou o nome do titular do então
M inistério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos. Essa re­
form a propunha a liberdade, a laicidade e a gratuidade do ensino

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A Psicologia no Brasil

prim ário, em consonância com a orientação constitucional. Sua tô­


nica foi a substituição da tendência hum anista clássica pela ten­
dência cientificista, que introduziu disciplinas de natureza cientí­
fica na seqüência determ inada pela orientação positivista. M erece
destaque nessa reforma a substituição da disciplina Filosofia pelas
disciplinas Psicologia e Lógica.
A essa reform a seguiram-se outras que se caracterizaram pela
oscilação entre a tendência hum anista clássica e a tendência cien­
tificista, fundamentadas em idéias européias e norte-americanas, fre­
quentemente divorciadas das necessidades concretas da realidade
brasileira, caracterizando-se como meros transplantes culturais18.
Os grandes problemas educacionais, no entanto, permaneceram:
o índice de analfabetismo não sofreu alterações percentuais e aumen­
tou em número absoluto; dois terços da população brasileira em idade
escolar permaneciam fora da escola primária; a ampliação do ensino
secundário deu-se basicamente na rede particular, mantendo seu cará­
ter propedêutico e sua vocação aristocrática, da mesma maneira que o
ensino superior, cujo crescimento ocorreu também apenas na rede pri­
vada, sendo que em 1900 havia apenas 0,05% de matrículas nesse grau
de ensino, em relação à população do país (Ribeiro, 1979).
Todavia, as primeiras décadas do século XX foram marcadas
por um maior desenvolvimento urbano-industrial, que se constituiu
na base para o incremento da industrialização massiva que viria a
seguir e que teve, mais tarde, a finalidade de substituir importações.
Tais condições exigiam indivíduos capacitados nas técnicas escolares
mínimas: ler, escrever e contar.
Nesse contexto, emergiu uma veemente defesa da instrução,
que reivindicava a ampliação do número de escolas elementares e o
combate ao analfabetismo; posteriorm ente surgiram os primeiros
“profissionais da educação”, ligados principalm ente ao ideário
escolanovista. Ocorreu, nesse período, uma ampla e rica profusão

18 Sobre esse assunto, ver: RIBEIRO, M. L. S. História da Educação Brasileira. São Paulo,
Cortez e Moraes, 1979.

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Leitura histórica sobre sua constituição

de idéias, que objetivavam a solução dos problemas educacionais bra­


sileiros e até, por essa via, a solução de todos os problemas nacionais.
Foi nessa época que as teorias pedagógicas, preocupadas com o p ro -'
cesso ensino-aprendizagem, sobretudo o escolanovismo, tiveram
um a penetração sistem ática no Brasil e, junto com elas, as teorias *
e técnicas da Psicologia, produzidas nos centros europeus e norte-
americanos de pesquisa e aplicação.
É possível destacar, nesse período, dois grandes movimentos
educacionais: o movimento pela difusão da educação e a influência
escolanovista no pensam ento pedagógico.
O movim ento em defesa da difusão da educação teve em
M anoel Bonfim seu provável precursor, de um lado pelo fato de
suas idéias terem sido anteriores ao momento em que esse m ovi­
m ento eclodiu com força e, por outro lado, por terem sido elas
incorporadas pelos seus mais eminentes representantes.
Bom fim 19, num esforço de análise sobre a sociedade brasileira,
adotou uma perspectiva em que procurava demonstrar que os proble­
mas enfrentados pelo país deveriam ser buscados em suas raízes his­
tóricas, particularmente na sua formação colonial, baseada na explo­
ração imposta rudemente pela metrópole. Em sua análise, considera
que uma das mais nefastas conseqüências da exploração sobre a colô­
nia incidiu sobre a cultura e aponta nessa direção a possibilidade de
superação dos problemas nacionais; para o autor, um dos principais
determinantes do atraso do país era a ignorância historicamente im­
posta pelas classes dominantes ao povo brasileiro, estando na difusão
da educação a solução para os problemas, não apenas como remédio
para o atraso econômico mas, principalmente, como meio de con­
quista da liberdade pelo povo brasileiro, caminhando de fato para a
democratização da sociedade. Em outras palavras, a educação deve­
ria ser antes um instrumento contra a opressão e não simplesmente
meio para superar o atraso econômico em relação aos outros países, o
que seria defendido alguns anos depois por outros intelectuais.

19 BOMFIM, M. A. América Latina: males de origem. Rio de Janeiro, Topbooks, 1993.

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A Psicologia no Brasil

Paralelamente, deve-se acrescentar que, para alguns intelec­


tuais, o atraso do país devia-se à diversidade de raças, sobretudo à
presença da raça negra, considerada inferior, porque, segundo eles,
ela trazia em si os germes da apatia, da indolência e da preguiça,
além de sua propensão à degeneração psíquica e, assim sendo, cons­
tituía-se como entrave ao progresso. Diametralmente oposta era a
concepção de Bomfim, para quem essas idéias eram equivocadas e,
ao contrário de contribuírem para a solução dos problemas do país,
tendiam a perpetuá-los.
A defesa da educação foi compartilhada por muitos intelec­
tuais e políticos, sustentada entretanto por outras idéias e vincula­
das a interesses diferentes. Salientam-se nesse movimento figuras
como M iguel Couto e Mário Pinto Serva, que identificavam a igno­
rância como causa do atraso do Brasil e o analfabetism o como ver­
gonha nacional. Buscava-se a formação de um a nação forte, basea­
da num “povo forte mental e fisicam ente”, o que se aproxima dos
ideais eugênicos e do pensam ento psiquiátrico vigente em busca da
higienização da raça. Tais idéias articulavam -se à pregação nacio­
nalista, à defesa do fortalecim ento m ilitar e ao anticom unism o.
Havia também o interesse em tom ar o analfabeto eleitor, com fina­
lidade de reverter o quadro político a favor dos gmpos alijados do
poder e que almejavam tomá-lo das mãos da oligarquia cafeeira;
projeto este que só mais tarde e por outros meios viria a se realizar.
Antonio Carneiro Leão defendia a idéia de que não deveria
ser difundida qualquer instrução e sim a instrução profissional liga­
da ao comércio e à indústria, cujo desenvolvimento poderia elevar o
Brasil ao mesmo patamar das nações prósperas. A mera alfabetiza­
ção, segundo ele, poderia até ser perigosa, pois aqueles que até então
estavam conformados com suas condições de vida, alfabetizados,
poderíam almejar melhor situação e gerar problemas sociais.'
Sampaio Dória partilhava dessa idéia, defendendo a instrução
técnica do operariado juntamente com a organização científica do tra­
balho. Isso se relaciona à sua preocupação com a Psicologia, sobretu­
do na ênfase dada às relações entre processo produtivo e diferenças

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Leitura histórica sobre sua constituição

individuais, assim como a Higiene, que deveria preservar a saúde e o


vigor físico do operariado, que se vinculava ao ideal de melhoria da
raça, incluindo a preservação do caráter c da capacidade mental.
É explícita a articulação entre a delcsa da instrução e as forças
industriais emergentes, sobretudo no pensamento de Carneiro Leão e
Sampaio Dória, para quem a instrução deveria ser um meio para su­
prir a indústria com uma força de trabalho preparada e racionalizada,
com vistas à produtividade, sendo Taylor freqüentem ente citado.
O tripé Educação-Trabalho-Psicologia fazia-se necessário para o pro­
cesso de industrialização massiva que se planejava para a sociedade
brasileira, sob a égide da modernidade que se almejava para o país.
Nesse quadro, um outro movimento educacional, em verda­
de um movimento mais propriamente pedagógico, ganhou força e
estabeleceu-se como pensam ento hegemônico: o escolanovismo.
Essa concepção não se contrapunha à defesa da difusão da instru­
ção, mas vinha dar-lhe sustentação teórico-prática. O escolanovismo
fazia parte de um projeto de sociedade, baseado nas idéias de
modernidade, em que se fazia necessário um “hom em novo”, escul­
pido pela educação. Soma-se a isso o fato de que, no escolanovismo,
a Psicologia constituía-se como uma das mais importantes ciências
que fundam entavam sua pretensão de ser Pedagogia Científica.
Nesse panorama, mudanças substantivas ocorreram na orga­
nização escolar brasileira, principalmente por meio das reformas
estaduais do ensino realizadas na década de 20, em que foi o esco­
lanovismo o principal substrato pedagógico. Surgiram os primeiros
profissionais voltados especialm ente para a Educação, como Lou-
renço Filho, Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira e outros. Não
por acaso, Lourenço Filho pode também ser considerado um dos
primeiros psicólogos brasileiros e um dos mais importantes prota­
gonistas do processo que levou ao estabelecim ento definitivo da
Psicologia científica e da profissão de psicólogo no Brasil.
A Psicologia tornou-se, então, exigência vital para a E duca­
ção, principalm ente na vertente escolanovista, pois esta ciência
deveria ser capaz de fornecer m uitos dos subsídios teóricos e todo

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A Psicologia no Brasil

um arsenal técnico para instrumentalizar a ação educativa. É possível


afirmar que a Psicologia foi o pilar de sustentação científica para essa
concepção pedagógica, pois era ela que cuidava do indivíduo e das
diferenças individuais (representada pela Psicologia Diferencial e suas
técnicas, principalmente a psicometria), do processo de desenvolvi­
mento psíquico, da aprendizagem, da dinâmica das relações inter­
pessoais, da personalidade, das vocações, aptidões, motivações etc.
Nesse quadro da Educação brasileira, a Psicologia ganhou seu
mais importante alicerce para se estabelecer na condição de ciência,
explicitar-se como área específica de saber e de prática e, conse-
qüentemente, definir-se como campo profissional específico.
Procuraremos demonstrar tais fatos, expondo brevem ente a
produção psicológica no “Pedagogium ” , no Instituto de Psicologia
de Pernambuco, na Escola de Aperfeiçoamento Pedagógico de Belo
Horizonte, nas Escolas Normais e nos conteúdos de algumas obras
editadas no período.

2.1. Algumas instituições educacionais


“Pedagogium”

O “Pedagogium ” foi constituído inicialm ente como M useu


Pedagógico, cuja idéia inicial partiu de Rui Barbosa. Criado em 1890,
sua finalidade seria a de funcionar como “centro propulsor das refor­
m as e m elhoram entos de que carecesse a educação nacional”
(Penna, 1986, p. 7)20.
Em 1897, M edeiros e Albuquerque foi nom eado diretor da
Instrução Pública do D istrito Federal, prom ovendo um a m udança
na natureza do “Pedagogium ”, passando este a ser um “centro de
cultura superior aberto ao público” . Foi nessa condição que, em
1906, foi aí criado um Laboratório de Psicologia Experim ental,

20 PENNA, A. G. Apontamentos sobre as fontes e sobre algumas das figuras mais expres­
sivas da Psicologia na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, FGV, 1986.

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Leitura histórica sobre sua constituição

muito provavelm ente o prim eiro laboratório de psicologia no país.


Planejado por A lfred Binet e M anoel Bomfim, em Paris, o labora­
tório foi organizado e dirigido por este último, que aí perm aneceu
por doze anos.
Os mais importantes dados a respeito da produção do Labora­
tório provêm das obras de Bomfim21, que não os apresenta sistemati­
camente, mas são antes elementos que o autor insere em suas discus­
sões sobre a Psicologia. Nessas obras fica demonstrada a singularidade
desse autor, incluída a crítica que faz às pesquisas realizadas em
laboratórios, sobretudo quando se estuda o pensamento. Sobre isso,
afirma Bomfim: “Durante 12 anos, tive a minha disposição um labo­
ratório de psychologia; nas pastas, ainda estão acumuladas anota­
ções, traçados, fileiras de cifras (...) e nunca tive coragem para
organisar uma parte qualquer desses dados, e de os publicar, porque
nunca obtive uma elucidação satisfactória" (1923, p. 27).
E ncontra-se nessa citação a discussão sobre as possibili­
dades de um laboratório ser capaz de dar conta do estudo dos
fenôm enos psicológicos. O longo texto do autor, a seguir, dem ons­
tra suas inquietações:

“A d y n a m ic a d o p e n s a m e n to h u m a n o n ã o p o d e r ía c o n te r -s e n a es-
tre ite za d o la b o r a to r io ; d e fo rm a -se , a n n u la -se . M e s m o a s s im p le s
a s s o c ia ç õ e s d e id é ia s: m e lh o r a s c o n h e c e m o s n a a n a ly s e d e u m a
o b ra qua lq u er, n a tu r a lm e n te p e n s a d a e e sc rip ta , d o q u e n o s m ilh a ­
res d e p e s q u iz a s q u e, p a r a e s se fim , se fiz e r a m . T o m e m d o a lb a tro z,
o u m e sm o d o tic o -tic o , a te m -n 'o, j á e n c e r r a d o n u m a g a io la , e, a g o ­
ra, te n te m e s tu d a r -lh e a d y n a m ic a d o v ô o ! (...) P o is, f o i m il v e ze s
m a is in se n sa ta a p r e te n s ã o d e c o n h e c e r o c o n ju n c to d o e sp irito ,
p e lo q u e se o b te m n a s s im p le s p e s q u iz a s a lá p is e a p p a re lh o s. (...)
o m a is c o m p le x o a q u e se p o d e d e d ic a r a m e n te h u m a n a , te m d e s e r
a p u r a d o à lu z d e to d o s o s m e th o d o s , c o m a c o n tr ib u iç ã o d e to d o s

21 Dentre as várias obras de BOMFIM, vale a pena ver: Bomfim, M. Pensar e Dizer: estudo
do symbolo no pensamento e na linguagem. Rio de Janeiro, Casa Electros, 1923.

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A Psicologia no Brasil__________________________________________________________________

o s r e c u r s o s ; m a s e v id e n te m e n te , d o s m e th o d o s p o s s ív e is e
a p p lic a v e is , o m a is in s u f fic ie n te s e r á s e m p r e e s te : to m a r u m
in d iv íd u o , c o n s id e r a l- o is o la d a m e n te , im p o r - lh e a s c o n d iç õ e s
r e s tr ic ta s e a r tific ia e s d o la b o r a to r io , p a r a in fe r ir d a s u a c o n s ­
c iê n c ia d e tu r p a d a o re g im e n n o r m a l n o c o m m u m d a s c o n s c iê n c ia s
(...) o e s p ir ito h u m a n o , c o m p le x o , e s s e n c ia lm e n te a c tiv o e in s tá v e l
c o m o é, te m d e s e r e s tu d a d o e c o m p r e h e n d id o n a s fo r m a s n o r m a e s
e c o m p le ta s d a s u a r e a liz a ç ã o n a tu r a l. E lle e x iste , e p r o d u z , e s e
m a n ife s ta , c o m o a c tiv id a d e c o n ju n c ta e c o lle c tiv a ; a s s im te m d e
s e r c o m p r e h e n d id o e e s tu d a d o . A in tr o s p e c ç ã o , s o m e n te , p u r a o b ­
s e r v a ç ã o in d iv id u a l, q u e se ja , o u n ã o , tr a b a lh o d e la b o r a to r io ,
n u n c a p o d e r ia d a r a b a s e c o m p le ta d a s le is d o e s p i r i t o ” (1923,
pp. 26 e 27).
Essa concepção de Bomfim diferenciava-se radicalm ente da
concepção de pesquisa de outros brasileiros, que defendiam o labo­
ratório como expressão m áxima de produção de conhecimento psi­
cológico. Em M anoel Bomfim, menos que o êxtase provocado pela
possibilidade de controle e rigor científico que o laboratório repre­
sentava, pareciam mais importantes os limites impostos por este
tipo de pesquisa. Buscava ele compreender determinados fenôm e­
nos em outras bases, considerando a importância da natureza social
do psiquismo em sua complexidade e concreticidade. Posteriormente,
vários estudiosos da Psicologia empreenderam críticas semelhantes
às de Bomfim, assim como elaboraram concepções de Psicologia e
de fenômeno psíquico muito próximas daquelas que esse autor bra­
sileiro formulou pioneiramente.
O laboratório do “Pedagogium ”, em bora não tenha registros
sistem áticos de sua produção, pode ser considerado um celeiro
riquíssim o de reflexões sobre a Psicologia, por m eio das obras
publicadas por seu genial diretor.
O “Pedagogium ” funcionou até 1919, quando foi extinto
por decreto m unicipal. Segundo Penna, essa instituição perpe­
tuou-se com a criação em 1938, do Instituto N acional de E stu­
dos Pedagógicos — INEP.

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Leitura histórica sobre sua constituição

Instituto de Psicologia de Pernambuco

Essa instituição foi criada em 1925, por Ulysses Pernambucano,


como diretor da Escola Normal Oficial de Pernambuco. Foi trans­
ferido, em 1929, para o Setor de Educação, anexo à Secretaria de
Justiça e Instrução de Pernambuco, passando a chamar-se Instituto
de Seleção e Orientação Profissional - ISOP. Em 1931, era Pernam­
bucano o diretor do Hospital de Alienados de Recife, quando o ISOP
foi anexado ao Serviço de Higiene Mental do referido hospital.
Muitos estudos foram aí realizados, devendo ser ressaltadas as
produções referentes a: testes psicológicos de nível mental, aptidão e
outros, assim como sua padronização para a realidade brasileira; voca­
bulário das crianças das escolas primárias de Recife; elaboração de
testes pedagógicos; revisão da escola Binet-Simon para aplicação em
Recife; técnicas projetivas; padronização do teste coletivo de inteligên­
cia de Ballard, para utilização na Escola Normal com finalidade de
seleção de alunos, além de muitas pesquisas experimentais e de inicia­
ção à pesquisa com o objetivo de formar pesquisadores em Psicologia.
Sob a orientação de Pernambucano, muitos pesquisadores se for­
maram, sendo que muitos deles tornaram-se eminentes em seus cam­
pos de atuação, como Nelson Pires, Anita Paes Barreto, Silvio Rabello
e vários outros.

A esse trabalho devem ser somadas as realizações de Ulysses


Pernambucano no campo da educação para crianças com deficiência
mental, cujo pioneirismo é inconteslc, sendo reconhecido pela pró­
pria Helena Antipoff, a quem muitos atribuíam as ações pioneiras
nessa área. Criou ele a “Escola para Anormais”, anexa ao Curso de
Aplicação da Escola Normal, na qual surgiram as primeiras pesqui­
sas com testes de aptidão, pedagógicos e mentais, implantação de
processos pedagógicos com base na Psicologia e formação de profes­
sores e pesquisadores. Além dessa escola, U lysses Pernam bucano
criou várias outras instituições de ensino para crianças com defi­
ciência mental. Uma das finalidades do Instituto era subsidiar o tra­
balho nessas escolas e formar pessoal especializado para elas.

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A Psicologia no Brasil

O Instituto contribuiu tam bém para o serviço psiquiátrico de


Recife, em especial no que se refere ao emprego de técnicas psico­
lógicas em questões de psicopatologia clínica que, segundo Anita
Paes Barreto, acabou por tornar-se tal prática um a das marcas da
“Escola Psiquiátrica do Recife” .
Do ponto de vista teórico da Psicologia, Ulysses Pernam ­
bucano foi assim retratado por José Lucena22:

“a p s ic o lo g ia q u e a d o ta v a , b u s c a v a p r e d o m in a n te m e n te m o d e lo s
o b je tiv o s . E m b o ra h o u v e s s e m a n ife s ta d o s im p a tia p e la
r e fle x o lo g ia e s tr ita d e P a v lo v e B e c h te r e w , n ã o s e f i l i o u a q u a l­
q u e r b e h a v io r is m o , p r e fe r in d o a n te s a p s ic o lo g ia d o c o m p o r ta ­
m e n to , c o m o a e n te n d ia H . P ie r ó n , e s o b r e tu d o a o r ie n ta ç ã o d ita
fu n c io n a lis ta q u e r e p r e s e n ta v a m e n tã o (...) C la p a r è d e , J a m e s ,
D ew ey , etc. e a p r o d u ç ã o d o s e x p e r im e n ta d o r e s r ig o r o s o s q u e p u ­
n h a m em m a r c h a o m o v im e n to d o s te s te s m e n ta is : B in e t, T erm a n ,
Y erkes, B u r t e o u tr o s ” (1978, p. 156).

Em bora fique patente a forte presença da psicom etria na pro­


dução do Instituto, é de se notar tam bém que sua finalidade vincu­
lava-se à educação de “deficientes m entais”, ao subsídio à ação
psiquiátrica, às questões escolares e à formação de professores, o
que contrastava com o que ocorria em outros laboratórios de insti­
tuições psiquiátricas.
A tudo isso deve-se acrescentar que Ulysses Pernambucano
sofreu muitas perseguições políticas, tendo sido preso várias vezes,
sob a acusação de subversão, por sua luta por melhorias nas condi­
ções de assistência ao doente mental. Em 1935, com Gilberto Freyre,
Olivio M ontenegro e Sílvio Rabelo, assinou um manifesto que soli­
citava um inquérito social sobre as condições de vida dos trabalha­
dores brasileiros, sobretudo aqueles do campo.

22 Sobre Ulysses Pernambucano, ver: AA.VV. Ciclo de Estudos Ulysses Pernambucano.


Recife, Academia Pernambucana de Medicina, 1978.

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Leitura histórica sobre sua consiit

Escola de Aperfeiçoamento Pedagógico


de Belo Horizonte23

Em bora já no limite do período em estudo, a apresentação da


produção dessa instituição é importante por dem onstrar a conquista
da autonom ia da Psicologia no Brasil. Fundada no final da década
de 20, tornou-se ela referência para a caracterização dos rumos que
a Psicologia tomou posteriormente.
A Escola de A perfeiçoam ento foi um a realização pertinente
à Reform a do Ensino de M inas Gerais, em preendida por Francis­
co Campos. N essa reforma, a Psicologia assum iu papel de desta­
que, em que a Escola de Aperfeiçoam ento deveria tom ar-se o prin­
cipal núcleo difusor das bases pedagógicas que deveríam ser
im plem entadas no estado.
Antes de sua criação, já a preocupação com a Psicologia e
suas técnicas faziam-se presentes nos meios educacionais de Belo
Horizonte. Cursos m inistrados por C. A. Baker, lago Pimentel,
Alberto Alvares e Alexandre Drum mond abordavam assuntos como
Psicologia Educacional e testes, temas estes tam bém presentes em
artigos da “Revista do Ensino”.
A Escola de A perfeiçoam ento prom oveu vários cursos, para
os quais foram cham ados com o docentes personalidades em i­
nentes da Psicologia na época, com o Th. Simon (colaborador de
Binet), Léon W alther e Helena A ntipoff (assistente de Claparède).
H elena A ntipoff perm aneceu no Brasil e aqui realizou extensa
obra em Educação e Psicologia, abrangendo pesquisa, ensino e
prática educacional.
Sob a responsabilidade de Antipoff, foi criado um Laborató­
rio de Psicologia para subsidiar os rumos educacionais de Minas
Gerais, fundamentalmente pela formação docente.

23 Sobre a Escola de Aperfeiçoamento e a produção de Helena Antipoff, ver: CAMPOS, R.


H. de F. Psicologia e Ideologia: um estudo da formação da Psicologia Educacional em
Minas Gerais. Belo Horizonte, UFMG, dissertação de mestrado, 1980.

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A Psicologia no Brasil

Esse laboratório produziu um extenso rol de pesquisas, abor­


dando uma ampla variedade de assuntos: inteligência; relações en­
tre produção escolar e meio social da criança; relações entre inteli­
gência e vocabulário; seleção e orientação profissional; hom oge­
neização de classes escolares; personalidade e tipos de crianças;
m em ória, aprendizagem e testem unho; m otricidade e fadiga; ju l­
gam ento m oral e social, além de revisão e adaptação de testes de
inteligência e aptidão e preparação de testes originais para m edida
psicológica e verificação do rendim ento escolar.
A perspicácia da análise de Antipoff sobre os resultados que ob­
tinha nas pesquisas lançou novas luzes sobre a realidade social brasilei­
ra e sua relação com os fenômenos de natureza psicológica, como por
exemplo, a relação entre condições de vida e desenvolvimento psicoló­
gico. Vale dizer que suas concepções guardam evidente atualidade.
É interessante notar, pela descrição de Regina Helena de Freitas
Campos (1980), que as pesquisas realizadas por Antipoff foram fun­
damentalmente pesquisas de campo, cujos dados foram coletados em
situação ordinária de sala de aula; além disso, grande importância era
dada à consideração do meio social do qual provinham as crianças.
Para caracterizar seu trabalho, Campos bem o qualifica quando deno­
mina um item de sua dissertação assim: “O Laboratório de Psicologia
vai conhecer as crianças de Belo Horizonte”.
Anexa à Escola de Aperfeiçoamento foi criada uma classe es­
pecial para “deficientes mentais”, germe de várias escolas desse tipo
e da Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais. Helena Antipoff prestou
a esse campo de atuação uma das maiores contribuições realizadas
no Brasil, não apenas participando da criação de várias instituições,
mas também lutando pela melhoria do atendimento a essa população.
Propôs ela a denominação “indivíduo excepcional” em lugar de “de­
ficiente mental”, por considerar esta última expressão inadequada.
Partindo dos resultados das pesquisas que realizou, Helena
Antipoff propôs o conceito de “inteligência civilizada”, pois considera­
va a inteligência como algo mais complexo do que aquilo que aparecia
nas definições correntes; a inteligência seria multideterminada e, junto

74
Leitura histórica sobre sua constituição

com disposições intelectuais inatas e maturidade biológica, também os


fatores sociais e culturais presentes no ambiente em que a criança se
desenvolve e a ação pedagógica seriam fatores determinantes.
Assim como o Instituto de Psicologia de Recife, o Laborató­
rio da Escola de Aperfeiçoamento trabalhou com testes mentais,
pedagógicos e de aptidão, além de outra semelhança: a preocupa­
ção educacional com o sujeito com deficiência mental. jA psicometria'
foi aí estudada em contraste com o que ocorria no resto do país. Em
Belo Horizonte, foi utilizada como um instrumento para coleta de
dados nas pesquisas, sendo seus resultados relacionados com ou­
tros provenientes das condições de vida dos sujeitos, o que perm i­
tiu um a visão mais totalizadora das funções psicológicas estuda­
das. É possível até dizer que A ntipoff avançou a partir do ponto em
que Pernambucano parou, dando continuidade a suas preocupações.
Na década de 40, a Escola de Aperfeiçoamento de Belo Hori­
zonte fundiu-se com a Escola Normal, gerando o Instituto de Educa­
ção, ao qual foi incorporado também o Laboratório de Psicologia.

Escolas Normais

A produção das Escolas Normais consistiu, provavelmente, numa


das mais importantes contribuições para o estabelecimento da Psicolo­
gia científica no Brasil, quer no âmbito teórico, quer no âmbito da apli­
cação prática de seus conhecimentos. Sua importância reside também
no fato de muitos dos primeiros profissionais da Psicologia terem
iniciado sua formação nessas escolas e terem sido elas incentivadoras
da publicação das primeiras obras específicas de Psicologia no país.
Para Annita Cabral24:
“F o i n e s ta s q u e se fo r m a r a m o s p r im e ir o s n ú c le o s d e e s tu d io s o s
d a s te o r ia s g e r a is e a p lic a d a s , q u e o s p r im e ir o s ‘la b o r a t ó r io s ’d e

24 CABRAL, A. de C. M. A Psicologia no Brasil, in: Psicologia, n° 3, Boletim, CXIX, pp.


9/51. USP, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, São Paulo, 1950.

75
A Psicologia no Brasil

p s ic o lo g ia s e fu n d a r a m e q u e p r o fe s s o r e s n a c io n a is re c e b e r a m d e
Th. S im o n , Ed. C la p a rè d e , H é lè n e A n tip o ff, H . P ié ro n , F a u c o n n e t,
L. W alther, K õ h le r e o u tro s e s tra n g e iro s, c u r to s m a s e s tim u la n te s
c u r so s d e c o n fe r ê n c ia s . A fo r m a ç ã o d o s m a is d e s ta c a d o s p s ic ó lo ­
g o s e d u c a c io n a is b r a s ile ir o s d a a tu a lid a d e [1950] te m s u a s ra íz e s
n a q u e la s e s c o la s n o r m a is ” (1950, p. 31).

As primeiras Escolas Normais surgiram no Brasil na primeira


metade do século XIX, sendo que somente no século XX a discipli­
na Psicologia apareceu de m aneira mais sistemática em seus currí­
culos, com o desdobramento da disciplina Pedagogia em Pedagogia
e Psicologia. Esse desdobramento não foi, porém, generalizado, nem
definitivam ente incorporado; sendo certo, no entanto, que a Escola
Norm al de São Paulo o adotou em 1912, e que o m esmo ocorreu no
Rio de Janeiro, mas de forma descontínua.

Em 1928, por decreto, a disciplina Psicologia foi inserida no


currículo das Escolas Normais, juntam ente com Pedagogia, H istó­
ria da Educação, Didática, Sociologia, Higiene e Puericultura. Po­
demos com isso afirmar, sem sombra de dúvidas, que o ensino sis­
temático da Psicologia ocorreu originalmente nas Escolas Normais.

Essas escolas contribuíram também com a produção de conhe­


cimento, por meio de pesquisas e estudos realizados em seus labora­
tórios, e com as experiências postas em prática nas salas de aula. A
isso somam-se as obras psicológicas publicadas para uso da discipli­
na, no início em geral compêndios e traduções de clássicos estrangei­
ros e, mais tarde, obras sobre assuntos específicos da Psicologia.

Das Escolas Normais brasileiras merecem destaque as de Belo


Horizonte, Recife, Salvador, Rio de Janeiro, Fortaleza e São Paulo,
pela significativa acolhida às questões psicológicas.

As Escolas Norm ais de Belo H orizonte e Recife tiveram


grande relevância pela articulação, respectivamente, com a Escola
de A perfeiçoam ento Pedagógico e com o Instituto de Psicologia
já vistos anteriorm ente.

76
Leitura histórica sobre sua constituição

A Escola Normal de Salvador teve em Isaias Alves um dos


mais expressivos representantes da Psicologia na época; foi ele um
dos pioneiros na difusão, aplicação, revisão e adaptação de testes
pedagógicos e psicológicos no Brasil, sendo um dos principais
difusores da nova técnica, quer pela publicação de livros ou realiza­
ção de cursos sobre esse tema.
Da mesm a maneira, a Escola Normal do Rio de Janeiro teve
sua produção psicológica intim am ente ligada a seu professor de
Pedagogia e Psicologia, Manoel Bomfim, cujas idéias e, conseqüen-
temente, os conteúdos abordados em seus cursos, encontram -se
registrados em seus livros: “Lições de Pedagogia” e “Noções de
Psychologia”, especialm ente elaborados para uso de seus alunos
normalistas, além de outras obras por ele publicadas, dentre as quais
a já mencionada “Pensar e Dizer: estudo do symbolo no pensamento
e na linguagem ” . Vale ressaltar que muitos elementos apresentados
pelo autor nessas obras guardam surpreendente atualidade.
A Escola Normal de Fortaleza trouxe uma contribuição especial
à Psicologia por sua participação no contexto da Reforma do Ensino do
Ceará, empreendida por Lourenço Filho, entre os anos de 1922 e 1923,
quando essa escola assumiu importante tarefa e nela foi criado um la­
boratório de Psicologia. A Escola Normal deveria cuidar da formação
dos professores, que seriam os principais protagonistas das transforma­
ções que Lourenço Filho idealizara para o cotidiano das salas de aula.
A Psicologia exerceu função central nessa reforma que pode ser consi­
derada como a primeira realização de vulto do escolanovismo no país;
nesse sentido, podemos afirmar que, em busca de implementar a Es­
cola Nova, baseada numa Pedagogia científica, a Psicologia assumiu
papel fundamental, pois seu domínio deveria ser o principal instru­
mental do professor em sala de aula. Lourenço Filho procurou dar
continuidade no Ceará ao seu trabalho na Escola Normal de Piracicaba,
em que era catedrático de Psicologia, tendo aí pesquisado atenção,
maturidade para a leitura e a escrita e emprego de testes. Retornando
a São Paulo, continuou sua atuação na Escola Normal dessa cidade,
vindo a assumir aí a cátedra de Psicologia e a direção de seu laboratório
que, por sua importância, serão, a seguir, especialmente tratados.

77
A Psicologia no Brasil

A Escola Normal de São Paulo

As principais contribuições dessa escola sustentam -se no


ensino - pela cátedra de Pedagogia e Psicologia e pelos cursos m i­
nistrados por especialistas estrangeiros - e na produção de seu la­
boratório. Segundo Pessotti, em 1932 a responsabilidade sobre o
laboratório e a cátedra passa a Noemi Silveira Rudolfer, assistente
de Lourenço Filho; dois anos depois, o laboratório foi incorporado à
cátedra de Psicologia da então criada Universidade de São Paulo; em
1936, Rudolfer foi nomeada catedrática de Psicologia Educacional
da referida universidade.

No que diz respeito ao ensino de Psicologia, a Escola Normal


foi responsável pela divulgação das teorias psicológicas em voga na
Europa e nos Estados Unidos e, por decorrência, das técnicas delas
derivadas, em especial, a psicometria.

Em 1914, a cátedra de Pedagogia e Psicologia foi assumida


por Sam paio D ória que, para subsidiar suas aulas, publicou um
volumoso compêndio de Psicologia, baseado nas idéias de Spencer,
Bain e Stuart M ill e divulgando os pensam entos de W illiam James,
Binet e Van Biervliet.

Em 1925, Lourenço Filho sucedeu Sampaio Dória na cáte­


dra, realizando um relevante trabalho na escola: revitalizou o Labo­
ratório de Psicologia, que estava praticam ente abandonado, contan­
do com a colaboração de vários professores, dentre eles Noemi
Silveira Rudolfer, que viria mais tarde sucedê-lo nessa cátedra.

O laboratório foi criado na gestão de Oscar Thompson na


direção da Escola Normal, em 1914, tendo recebido ao longo do
tempo várias denominações: “Gabinete de Psychologia e Anthro-
pologia Pedagógica”, “Laboratorio de Pedagogia Experim ental” e
“Laboratorio de Psychologia Experim ental” . Para organizar e diri­
gir o laboratório, foi contratado o psicólogo italiano Ugo Pizzoli,
catedrático da Universidade de M ódena e diretor da Escola Normal
da m esm a cidade.

78
Leitura histórica sobre sua constituição

Além da organização e da direção do laboratório, Pizzoli realizou


outros trabalhos na escola, dos quais destacam-se: curso teórico e
prático de Psicologia, orientação de pesquisas e elaboração da “cartei­
ra biographica escolar” para ser adotada pelas escolas do Estado de
São Paulo. Em 1914, o laboratório edita o livro “O Laboratório de Pe­
dagogia Experimental” 25 , o qual expõe detalhadamente as atividades
realizadas, tendo como elemento introdutório uma palestra proferida
por Thompson, denominada “O futuro da pedagogia é scientifico”, tendo
aí a Psicologia posição privilegiada como ciência que deveria dar base
à Pedagogia; nesse contexto, a palestra é finalizada com a justificati­
va da criação da cadeira de Psicologia Experimental Aplicada à Edu­
cação e do Laboratório de Pedagogia Experimental. Diz Thompson:

“E n te n d e u , p o r isso, o G o v e r n o a c tu a l a c o n v e n iê n c ia d e s e a m p li­
a re m o s e s tu d o s th e o r ic o s e p r á tic o s d a p e d a g o g ia , p a r a o q u e a
c a d e ir a d e p s y c h o lo g ia e x p e r im e n ta l a p p lic a d a à e d u c a ç ã o . I n i­
cio u a in d a , a n n e x o à E sc o la , a o r g a n is a ç ã o d e u m g a b in e te d e
a n th r o p o lo g ia e p s y c h o lo g ia p e d a g ó g i c a ” (1914, p. 17).

O “Gabinete” era constituído de duas salas, sendo uma destina­


da aos exames “somato-anthropologicos” e aos de natureza “esthe--
siometrica e esthesioscopica” e a outra sala ao exame psicológico das
funções mentais elevadas. Na primeira sala realizavam-se exames
antropométricos e sensoriais; na segunda sala estudavam-se atenção,
tempo de reação, imaginação, associações, perspicácia intelectual,
movimento, memória, raciocínio etc. Esses estudos objetivavam sub­
sidiar a ação educacional, preocupados muito mais com a classifica­
ção das crianças do que com a busca de meios mais efetivos para a
melhoria do processo de ensino e aprendizagem, conforme se apre­
ende pela descrição dos aparelhos e dos estudos realizados.
Articulado aos fins do laboratório, Pizzoli ministrou o curso de­
nominado “Curso de Cultura Pedagógica”, destinado a professores de

25 Escola Normal de São Paulo. O Laboratório de Pedagogia Experimental. São Paulo,


Typ. Siqueira, 1914.

79
A Psicologia no Brasil

Pedagogia, inspetores escolares e diretores de Grupos Escolares. Vin­


culado ao curso, os alunos realizaram pesquisas no laboratório, sob a
forma de teses, dentre as quais “Contribuição para os methodos de es­
tudo do raciocinio nas creanças”, de Ruy de Paula Souza; “Notas sobre
o graphismo infantil”, de Adalgiso Pereira; “Experiências sobre a me­
mória cinética nas creanças”, de Carlos A. Gomes Cardim; “Subsídios
para o estudo da memória”, de Roldão Lopes de Barros; “O raciocinio
nas creanças”, de Clemente Quaglio; “Contribuição experimental e clas­
sificação dos typos intellectuaes”, de Saverio Cristofaro, e “Notas so­
bre a associação de idéias”, de Joaquim A. de Sant’Anna. O programa
do curso abordou os exames: anamnéstico, físico, antropológico, fisio­
lógico e psicológico; neste último, foram trabalhados os conteúdos
referentes a: sensibilidade interna e externa, audição, tato e senso mus­
cular, gosto e olfato, atenção, memória, associação e volição.
Pela exposição sobre o Laboratório da Escola Normal de São
Paulo, especialmente pelos conteúdos tratados no curso ministrado por
Pizzoli, pelos equipamentos e pesquisas realizadas, dá para apreender a
orientação que teve sua produção, vinculada essencialmente à medida
das funções psicológicas, sendo destas o fenômeno perceptivo o mais
estudado. Essa concepção de Psicologia e de pesquisa psicológica, cor­
rente na época, trouxe para o ensino paulista o conhecimento científico
que a Pedagogia reclamava como base de sustentação e que lhe permi­
tisse proclamar-se “Pedagogia Científica”.
Esses fatos inserem-se claram ente no contexto educacional
da época, em que a defesa da ampliação da escolarização começava
a ceder lugar à defesa da melhoria qualitativa do ensino, definida
logo em seguida pela incorporação das idéias escolanovistas. Nessa
perspectiva, essa m elhoria relacionava-se com a modernização das
técnicas e dos métodos empregados na escola, em que a Psicologia
poderia vir a contribuir para o estatuto científico que a Pedagogia
almejava, ao mesmo tempo em que a colocava em evidência.
A produção da Escola Normal de São Paulo foi, em todos os
aspectos, fundamental para a autonomização da Psicologia no Brasil,
na medida em que, por meio dela, vê-se com clareza a penetração das

80
Leitura histórica sobre sua constituição

teorias e práticas da Psicologia então vigentes nos centros avançados


de produção do saber, percebe-se a busca de definição do papel pro­
fissional dos especialistas em Psicologia e a marca da presença paulista
nos esforços para dar lugar a esta ciência; tudo isso ocorrendo a par
com o desenvolvimento urbano-industrial que, por sua vez, viria a
necessitar de seus conhecimentos. São Paulo tomar-se-ia um dos mais
importantes centros para o desenvolvimento da Psicologia.
Percebe-se, pelo exposto, que a Psicologia encontrou nas Es­
colas Normais o mais fértil terreno para seu desenvolvimento, não
somente por serem estas campos potenciais de aplicação de conheci­
mentos e técnicas derivadas da ciência psicológica, mas também por
permitirem a produção de pesquisas. É possível dizer que essas esco­
las foram uma das principais portas para a penetração da Psicologia
científica no país e para a definição do perfil dos profissionais que se
tomariam especialistas em Psicologia, além de, no caso da Escola
Normal de São Paulo, ter sido ela uma das mais importantes bases
para que a Psicologia se tornasse mais tarde disciplina universitária.

2.2. A Psicologia nas obras pedagógicas


e psicológicas
As obras que tratam da Psicologia estão relacionadas ao
ensino normal, sendo seus autores muitas vezes professores que as
escreveram para uso dos norm alistas. Essas obras são fontes im ­
portantes para a com preensão da Psicologia no Brasil, pois cons-
tituem-se em documentos preciosos sobre as idéias psicológicas que
eram aqui difundidas.
Do conjunto de obras editadas no período, distinguem-se: tra­
duções de obras estrangeiras e obras de autores brasileiros, quer de
caráter pedagógico que abordam a Psicologia, quer de caráter espe­
cificamente psicológico.
No que diz respeito às traduções, encontram-se obras clássicas
do pensamento escolanovista, em que a Psicologia é considerada como
um dos mais im portantes sustentáculos do processo pedagógico e,

81
A Psicologia no Brasil

a estas relacionadas, encontram-se também obras eminentemente psi­


cológicas. Destacam-se nesse grupo obras de Claparède, Binet-Simon,
Piéron e Léon Walther, sendo estas pertencentes à “Biblioteca de
Educação”, criada em 1927, pela Cia. Melhoramentos, e dirigida por
Lourenço Filho, que também foi tradutor de muitas delas.
Outro grupo, constituído de obras pedagógicas de caráter ge-
ral, de autores brasileiros, tem como principal característica expor
questões gerais sobre a Educação, sendo, portanto, expressão de de­
terminadas concepções sobre o processo educativo. Sua tônica é a
proposição de mudanças no processo pedagógico, em busca de sua
modernização. São obras geralmente de tendência escolanovista ou
que, expondo certos princípios, antecipam ou preparam o terreno para
sua inserção futura no contexto educacional brasileiro; essa caracte­
rística já define, de certa maneira, a importância dada à Psicologia
como ciência de base para a ação pedagógica que se pretendia difun­
dir. Deve-se salientar, todavia, que, dentre essas obras, as de Manoel
Bomfim não podem ser consideradas como expressão do pensamento
escolanovista, embora seja patente a importância dada à Psicologia como
fundamento do processo pedagógico, o que as toma especialmente
importantes como objeto de análise.
O outro grupo compõe-se de obras que podem ser considera­
das como explicitamente psicológicas, não apenas por seus títulos,
mas principalmente pelos conteúdos tratados. Foram muitas as obras
produzidas, dentre elas: “Compêndio de Paidologia” e “Educação
da Infancia A norm al de Intelligencia no B rasil” , de C lem ente
Quaglio, editadas em 1911 e 1913 respectivamente; “Noções de
Psychologia”, de M anoel Bomfim, 1916 e, do mesmo autor, “Pen­
sar e Dizer”, de 1923; “Tests”, de M edeiros e Albuquerque, de 1924;
Psychologia”, de Sampaio Dória, 1926; “Joazeiro de Padre Cícero”,
de Lourenço Filho, 1926; “Teste Individual de Intelligencia”, de
autoria de Isaias Alves, de 1927; “Psychologia e Psychotechnica”,
Piéron, 1927; “O método dos testes”, de M anoel Bomfim, 1928;
“Tratado de Psychologia”, de W aclaw Radecki, 1928; “Psicoterapia
e suas modalidades”, M aurício Campos de M edeiros, 1929; “Tese
sobre Supranormais”, também de Maurício Campos de Medeiros, 1930;

82
Leitura histórica sobre sua constituição

“Os testes e a reorganização escolar”, de Isaias Alves, 1930; há ainda


algumas obras publicadas logo após 1930: “O teste ABC”, de Lou-
renço Filho, 1933; “Psicologia”, de Plínio Olinto, 1934; “Psicologia
Social”, de Raul Briquet, 1935 e “Psicologia do Desenho Infantil”, de
Silvio Rabelo, 1935. A estas devem ser acrescentadas algumas obras
cujas datas não puderam ser identificadas, a saber: “O facto psychico”
e “O respeito à criança”, ambas de Bomfim. Essa imprecisão deve-se
ao lamentável fato dessas obras encontrarem-se perdidas.

v
2.3. A Guisa de Síntese
A Educação foi, sobretudo nas décadas iniciais do século XX,
fundamental para o desenvolvimento da Psicologia no Brasil. Foi ela
a principal base sobre a qual a Psicologia emergiu na condição de
ciência, tendo sido por seu intermédio que, em grande parte, os co­
nhecimentos produzidos na Europa e nos Estados Unidos chegaram
ao Brasil e, por suas características, foi no seu interior que mais clara­
mente a Psicologia revelou-se na sua autonomia teórica e prática.
Na M edicina e principalmente na Psiquiatria esse processo
não foi tão explícito como o foi na Educação. Isso pode ser explica­
do, provavelmente, pelas naturezas diversas desses campos.
A Educação, como conjunto de práticas sociais que visam à
formação dos homens e a Pedagogia, sistematização teórico-prática
que busca fundamentar, subsidiar e orientar as ações educativas,
não podem ser consideradas como ciências específicas. Buscam elas
as ciências afins que possam dar-lhes base de sustentação, como é o
caso da Psicologia, considerada “a priori” como ciência autônoma
que tem grande potencial de contribuição, o que lhe permite m os­
trar-se plenamente como área específica de saber.
Com a Psiquiatria, no entanto, o tipo de relação que se esta­
belece é de natureza diversa. São ambas, Psiquiatria e Psicologia,
não apenas campos de saber e de prática, mas tam bém seus objetos
de estudo e de intervenção não são, até hoje, claram ente definidos e
delimitados. Entretanto, pode-se perceber já nesse período a definição

83
A Psicologia no Brasil

de contornos mais nítidos entre o que viria a ser estabelecido como


áreas da Psiquiatria e da Psicologia.
Outro fato a ser salientado é que a Educação trouxe, por meio
das Escolas Normais, dos Institutos, de seus laboratórios e de seus
intelectuais, uma produção a par com o que se realizava nos gran­
des centros culturais do mundo. Houve, para isso, grandes investi­
mentos, como pode ser constatado em Minas Gerais, Rio de Janeiro
e São Paulo, em que laboratórios foram montados, cursos foram
organizados e em inentes psicólogos da época para cá vieram
ministrá-los e contribuir com a criação de condições para que aqui
também houvesse possibilidade de produção de pesquisa e, sobre­
tudo, ampliação do raio de ação da Psicologia.
Esses fatos guardam íntima relação com o escolanovismo que,
nesse momento, se estabelecia com força no país e viria a tornar-se
pensam ento hegemônico na Educação. As relações entre o escola­
novismo e a Psicologia, particularm ente no Brasil, são imensas; a
Psicologia deveria subsidiar as transform ações da escola: as rela­
ções entre professor e aluno, o processo de ensino-aprendizagem, a
modernização metodológica, a organização das classes, o conheci­
mento e o respeito ao desenvolvimento da criança, enfim, deveria a
Psicologia tomar-se o mais importante braço científico e técnico da
nova concepção de Educação.
Vistos sob o prism a de uma concepção mais ampla da socie­
dade, escolanovismo e Psicologia foram, em verdade, manifestações
de um projeto social para o Brasil, calcado no ideal da m oderniza­
ção e da elevação do país ao patam ar das nações ricas e poderosas.
Em outras palavras, escolanovism o e Psicologia eram , no seu pró­
prio âm bito, m anifestações de m odernidade e sinais de avanço
social e cultural, capazes de colaborar com a form ação de um
“hom em novo” para uma “nova sociedade”. A form ação desse “ho­
m em novo” estava, portanto, condicionada a um a “nova escola”,
baseada nos princípios de racionalização e organização científica,
a qual trazia, por seu turno, um novo conceito de disciplina, já não
mais baseada nos pressupostos coercitivos da M edicina e da H i­

84
Leitura histórica sobre sua constituição

giene, mas determ inada por fatores interiores ao indivíduo, caben­


do à Psicologia instrum entalizar a Educação para que esta pudes­
se desenvolver tal processo; essa disciplina baseava-se, por sua
vez, na concepção política de “colaboração de classe” , elim inando
as contradições e conflitos presentes na relação entre capital e
trabalho. Essa relação explicita-se plenam ente na aplicação da Psi­
cologia às questões relativas ao trabalho, que verem os a seguir e
quando então poderem os com pletar o quadro aqui iniciado.
Entretanto, é necessário reiterar que nem tudo o que a Psico­
logia produziu e tampouco todas as iniciativas foram homogenea-
mente articuladas ao processo acima citado; é possível afirmar que,
no interior desse quadro geral, havia iniciativas de natureza diversa,
como foram aquelas relativas ao Instituto de Psicologia de Recife e
as concepções de Educação e Psicologia representadas por Manoel
Bomfim e por Helena Antipoff.

85

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