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MASSIMI, M. e GUEDES, M.C. (orgs) - História da Psicologia no Brasil: novos estudos - São Paulo: EDUC e
Cortez, 2004
Capítulo VI
A PSICOLOGIA NO BRASIL NO SÉCULO XX:
DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E PROFISSIONAL
Mitsuko Aparecida Makíno Antunes

Este texto não tem a pretensão de esgotar o assunto enunciado em seu título, nem é estritamente uma
formalização de dados de pesquisa (embora estes sejam sua base). Foi ele elaborado com base em pesquisas
em História da Psicologia no Brasil, particularmente referentes ao período que vai da virada do século a 1962 e
de algumas reflexões sobre o período posterior a esta data. Sua finalidade é expor um panorama do século XX,
enfocando realizações que marcaram o processo que culminou com a regulamentação da profissão de psicólogo
e em seu desenvolvimento como ciência e como profissão, posteriormente. 0 período é bastante extenso, pois à
medida que o tempo avançava, ampliava-se sobremaneira o espectro das realizações na área, abrangendo
ensino, pesquisa, práticas de intervenção, diversidade de abordagens teóricas, publicação de livros e periódicos,
criação de instituições, fundação de entidades profissionais e promoção de eventos científicos. Há que se
registrar a carência de pesquisas que aprofundem a análise histórica da Psicologia neste século, quer no que diz
respeito à variedade de suas manifestações, quer no que se refere às produções das diferentes regiões do país,
pois a maioria das pesquisas ainda enfoca Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Bahia.

Percebe-se, na virada do século, o incremento da preocupação com os fenômenos psicológicos no interior de


outras áreas de conhecimento, particularmente na Medicina e na Educação. Nesse contexto, circunscreve-se aos
poucos aquilo que poderia ser denominado propriamente de Psicologia, processo esse que caracteriza seu
reconhecimento como área específica de saber em nosso meio. Esse movimento precisa ser visto à luz de pelo
menos dois conjuntos de fatores: o desenvolvimento da Psicologia na Europa, e mais tarde nos Estados Unidos, e
as múltiplas demandas impostas pelas condições sociais brasileiras. Esse período pode ser considerado como
aquele em que se processa a conquista da autonomia da Psicologia como área de conhecimento no Brasil.

Ao longo dos anos 20, e sobretudo a partir da década de 1930, verifica-se uma intensa produção na área, que se
amplia e se diversifica em diferentes abordagens e campos de atuação, assim como são múltiplas as articulações
que se estabelecem no interior da própria área e desta com outras. Pode-se considerar que, nesse momento, a
Psicologia consolida-se no país, produzindo as bases para seu reconhecimento como profissão e o
estabelecimento do currículo mínimo para seus cursos de formação. Esse período pode ser considerado como
aquele em que se dá a consolidação da Psicologia como ciência e como profissão no Brasil.

Após a aprovação da Lei n. 4.119/62, tendo sido a Psicologia reconhecida como profissão, são criados seus
primeiros cursos regulares. Nesse momento, é potencializada a expansão que já vinha anteriormente ocorrendo,
sobretudo pelo aumento de cursos ocasionado pela Reforma Universitária de 1968. Nesse período,
concretizou-se a profissionalização da Psicologia.

No final dos anos 70, no contexto da luta pela democratização do país, emergem críticas às várias formas de
manifestação da psicologia, enfocando as teorias e as abordagens mais em voga, suas práticas e sua
organização acadêmica e profissional. Nesse período, são fartos os debates em várias instâncias da Psicologia, o
que concorre para a busca de novas perspectivas teóricas e metodológicas e sua expansão para vários campos
da vida social, acarretando a superação da velha tríade escola-trabalho-clínica. Talvez isso caracterize um novo
momento histórico; defini-lo com precisão é difícil, porém vislumbra-se com certa nitidez a expansão da Psicologia
como ciência e como profissão, assim como o reconhecimento de sua originalidade e excelência em várias
instâncias.

A Psicologia é reconhecida como área específica de conhecimento

Preocupações com o fenômeno psicológico eram já recorrentes desde os tempos da Colônia 1 Como já foi dito,
não se poderia, entretanto, afirmar que se tratava propriamente de Psicologia; só aos poucos ela conquistaria a
condição de área específica de conhecimento e, pouco mais tarde, por decorrência, a de campo de intervenção
prática. Concorrem para a concretização desse processo fatores de ordem interna, como o incremento das
preocupações com o fenômeno psicológico em outras áreas de saber e o reconhecimento da Psicologia como
ciência autônoma na Europa e nos Estados Unidos, assim como fatores de ordem externa, como as

1
Para mais informações sobre as idéias psicológicas no período colonial e no século XIX, ver, nesta obra, capítulos de autoria
de Marina Massimi e Nádia Rocha.
2

transformações da sociedade brasileira e seus velhos e novos problemas, que demandavam, por sua vez, novos
conhecimentos e possibilidades de intervenção.2

A farta produção de idéias, particularmente no interior da Medicina e da Educação, gerou condições e demandas
para a busca dos conhecimentos que vinham sendo produzidos no exterior. Nessa época, já era fato a condição
da Psicologia como ciência autônoma; França, Alemanha e Estados Unidos, só para citar alguns países, já se
constituíam como produtores profícuos de pesquisas em Psicologia, assim como várias perspectivas teóricas
desenvolvimento e ampliavam-se, mesmo para alguns campos de aplicação. Nesse panorama, de rico
desenvolvimento da área, essas idéias começaram a penetrar no Brasil, principalmente trazidas por brasileiros
que iam estudar e se aperfeiçoar no exterior, ou por estrangeiros que para cá vieram, convidados para ministrar
cursos, dar conferências ou para prestar assessoria, muitos dos quais aqui se radicaram.

Concomitantemente, no bojo das correntes positivistas e liberais que participaram da implantação e


permaneceram no modelo republicano brasileiro, emerge a defesa da modernização do país. Assiste-se, nesse
momento, ao incremento do processo de urbanização, à migração e ao estabelecimento dos pólos econômico e
político para o Sudeste do país, à expansão do ideário liberal e à geração de pré-condições para o
desenvolvimento do processo de industrialização. Fazendo frente ao domínio de um modelo agrário (sustentado
principalmente na produção e na exportação do café), a reivindicação pela adoção de medidas que pudessem
elevar o país à condição de modernidade passou a constituir o núcleo das idéias de vários grupos de intelectuais,
que arregimentavam cada vez mais seguidores. Tais idéias caracterizaram a virada do século e se tornaram mais
fortes à medida que os anos avançavam. Ainda que incorporando diferentes matizes, era certa, porem, a defesa
da construção de uma nova nação pela construção de um homem novo, para o que deveria concorrer a ação da
Educação, esta também alicerçada numa perspectiva à altura dos novos tempos. Assim, o escolanovismo, uma
das expressões das concepções humanistas modernas em Educação, que se pretendia pedagogia científica e
buscava na ciência psicológica uma de suas mais importantes bases de sustentação, proporcionou um terreno
fértil para o desenvolvimento da Psicologia. Pode-se afirmar que essa teia de demandas e de possibilidades
gerou as condições para que a ciência psicológica produzida na Europa e nos Estados Unidos aqui penetrasse,
concretizando seu processo de reconhecimento como área autônoma de saber.

Apresentar-se-á, a seguir, uma breve descrição da produção psicológica na Educação e na Medicina, com a
finalidade de demonstrar as realizações que contribuíram para o processo de auto-nomização da Psicologia no
Brasil.

A Psicologia na Educação

Um marco importante no processo histórico ora em estudo foi o estabelecimento da Psicologia como disciplina
autônoma. Mais precisamente, em 1890, a Reforma Benjamim Constant, de cunho positivista, transformou a
disciplina Filosofia em Psicologia e Lógica; mais tarde, isso se desdobraria na introdução das disciplinas
Psicologia e Pedagogia nas Escolas Normais.

Vale dizer que, nos primeiros anos da República, foram realizadas várias reformas educacionais, oscilando entre
as tendências positivistas e liberais; entretanto, o quadro da Educação brasileira pouco se alterou, permanecendo
ainda os graves problemas educacionais herdados da Colônia e do Império, sobretudo pela ausência de um
projeto nacional de Educação, o que só viria a ter início após os anos 30. À parte isso, ocorreu, ao longo desses
anos, uma efervescência de idéias educacionais, expressão dos ideários nacionalistas e modernizadores.

A necessidade de expandir a escolarização trouxe grandes debates e muitas propostas, cuja tônica residia na
defesa da elevação do Brasil à condição de potência mundial. Muitas dessas propostas traziam em seu bojo
algumas preocupações com o fenômeno psicológico, porém ainda distantes daquilo que poderia ser considerado
propriamente como Psicologia, pois abordavam questões relacionadas à higiene, enfocando os vícios e a
decadência moral como produtos da ignorância. Tais preocupações eram basicamente de natureza
disciplinadora. Em geral de cunho patriótico, essas idéias não penetravam na questão propriamente educacional
e, sobretudo, pedagógica, pois permaneciam no âmbito do discurso político genérico; disso decorre em parte a
ausência de elementos próprios da ciência psicológica.3

2
Para obtenção de mais informações, ver pesquisa sobre esse período em ANTUNES (1991). Versões mais resumidas
podem ser encontradas em ANTUNES (1999a e 1999b).
3
Esse assunto foi tratado mais especificamente em ANTUNES, M. A. M., Psicologia e Educação no Brasil: idéias que
antecederam a sistematização do escolanovismo no Brasil, no prelo.
3

Além disso, emerge mais sistematicamente, por volta da década de 1920, a defesa da organização de um sistema
nacional de Educação, sobretudo com a implantação de uma reforma eminentemente pedagógica. Nesse
contexto, surgiram os primeiros profissionais da Educação (vindos da Medicina, do Direito e de outras áreas);
foram criadas entidades representativas de educadores, como a Associação Brasileira de Educação - ABE; foram
empreendidas reformas estaduais de ensino baseadas em projetos especialmente pedagógicos, além de outras
iniciativas. É importante sublinhar que tais empreendimentos estavam intimamente relacionados com a introdução
das novas idéias educacionais e pedagógicas representadas pela Escola Nova. Procurar-se-á demonstrar, a
seguir, algumas manifestações que ilustram esse processo.

0 Pedagogium, idealizado originalmente por Ruy Barbosa, foi criado em 1890 com a finalidade de se constituir
como centro de produção de saber e fomento para novas realizações educacionais. Em 1906, foi aí criado o
primeiro laboratório de Psicologia no Brasil, planejado por Binet em Paris, com a colaboração de Manoel Bomfim,
que dirigiu esse centro por cerca de quinze anos. Não há registros sobre a produção desse laboratório, embora
em suas obras de Psicologia e Pedagogia seu diretor fizesse referência às pesquisas lá realizadas.
Curiosamente, nessas obras, o autor apresenta uma bem argumentada crítica às pesquisas realizadas em
laboratório; para ele, as condições restritas e artificiais deste não permitiam a apreensão da complexidade e das
múltiplas determinações do fenômeno psicológico, especialmente do pensamento, visto por ele como função
psíquica superior. Bonfim considerava o psiquismo como um fenômeno de caráter histórico-social, devendo ser
estudado segundo o método interpretativo, o qual deveria recorrer ao estudo de suas múltiplas manifestações,
dando especial atenção à imensa obra humana forjada ao longo da história. É importante lembrar que Bonfim não
foi um partidário do escolanovismo, embora sua produção nesse âmbito fosse eminentemente voltada para a
psicologia da educação, podendo ele ser considerado, por sua obra em geral, como um intelectual que não se
alinhava ao que era hegemônico na época.

Outros laboratórios foram criados em Escolas Normais, principalmente vinculados às denominadas Reformas
Estaduais da Educação dos anos 20, realizadas por aqueles que personificaram os primeiros profissionais da
Educação no Brasil, dentre os quais alguns dos pioneiros da Psicologia, como Lourenço Filho e Isaías Alves.
Essas reformas seguiam fundamentalmente os princípios da Escola Nova, tendo a Psicologia como um dos
principais sustentáculos para a prática pedagógica, envolvendo estudos sobre desenvolvimento infantil,
processos de aprendizagem, relações entre professores e alunos, além de dar início ao emprego de técnicas
oriundas da Psicologia, como os testes pedagógicos e psicológicos, utilizados como instrumentos de
racionalização da prática educativa. Dentre outras, destacam-se as Escolas Normais de São Paulo, Fortaleza,
Salvador, Recife e Belo Horizonte.

As Escolas Normais foram também base para o ensino de Psicologia, e continuaram sendo após os anos 30, pois
foram elas os alicerces para as futuras seções de Pedagogia das Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras -
FFCL, nas quais a Psicologia se estabeleceu como matéria de ensino superior, concomitantemente ao que
ocorria nas seções de Filosofia. Como já foi dito, nessas escolas foi introduzida a disciplina Psicologia e
Pedagogia, um dos mais importantes meios pelos quais a ciência psicológica se difundiu e se desenvolveu,
incluindo as diferentes abordagens teóricas e técnicas da época, por meio da tradução de obras estrangeiras ou
da vinda de psicólogos como Piéron, Walther, Simon, Claparède e outros, fatores estes que permitiram o acesso
mais amplo àquilo que vinha sendo produzido em âmbito internacional. As cátedras de Psicologia e Pedagogia
nas Escolas Normais também fomentaram a produção de pesquisas e de obras escritas por seus catedráticos,
para uso dos alunos e suporte para suas aulas. Eis algumas obras que tratam da ciência psicológica, produzidas
por professores das Escolas Normais: Compendío de Paidologia (1911) e Educação da infância anormal de
intelligencia no Brasil (1913), de Clemente Quaglio; Lições de Pedagogia (1914), Noções de Psychologia (1916) e
Pensar e dizer: estudo do symbolo no pensamento e na linguagem (1923), de Manoel Bomfim; Psychologia
(1926), de Sampaio Dória; Teste individual de intelligencia (1927) e Os testes e a reorganização escolar (1930),
de Isaías Alves, entre outras.

Como diretor da Escola Normal Oficial de Pernambuco, Uysses Pernambucano criou, em 1925, o Instituto de
Psicologia de Pernambuco, o qual foi transferido para o Setor de Educação em 1929, passando a ser
denominado Instituto de Seleção e Orientação Profissional - Isop, mais tarde anexado ao serviço de Higiene
Mental do Hospital de Alienados do Recife, quando Pernambucano tornou-se seu diretor. É bem verdade que tais
fatos demonstram que essa instituição esteve mais ligada a seu criador do que propriamente à Escola Normal;
entretanto, nas suas diferentes etapas, foi constante a presença de professoras normalistas, assim como a
preocupação com a pesquisa em Psicologia e com o desenvolvimento de suas técnicas. Muitas realizações aí
ocorreram, como estudos sobre testes de nível mental, aptidão e outros, incluindo a padronização para a
realidade brasileira; pesquisas sobre o vocabulário das crianças das escolas primárias; elaboração de testes
pedagógicos; estudos sobre técnicas projetivas, assim como muitas atividades que tinham como finalidade a
formação de pesquisadores em Psicologia, destacando-se Anita Paes Barreto, Nelson Pires e Sílvio Rabelo.
4

Pernambucano também realizou atividades em Psicologia mais relacionadas à sua atuação médico-psiquiátrica,
as quais serão citadas mais adiante.

Relacionada à Escola Normal e criada no bojo da Reforma Educacional de Minas Gerais em 1929, a Escola de
Aperfeiçoamento de Professores de Belo Horizonte constituiu-se numa das mais profícuas instituições produtoras
de conhecimento, ensino e experiências educacionais baseadas na Psicologia, tornando-se parâmetro para os
rumos que tomaram a Psicologia e a Educação no país, Mais tarde, essa instituição fundiu-se com a Escola
Normal, dando origem ao Instituto de Educação, que também anexou seu laboratório de Psicologia. Sob a direção
de Helena Antipoff4 e por força de sua liderança, aí muitas normalistas entraram em contato com a Psicologia e
foram introduzidas nos campos da pesquisa e da prática educacional nela baseada. É importante ressaltar que
Antipoff, além de ter se responsabilizado pela formação de educadores e futuros psicólogos, também fundou a
Sociedade Pestalozzi no Brasil; idealizou e concretizou a experiência educacional da Fazenda do Rosário,
ocupando-se da educação de superdotados e da educação rural; escreveu muitos artigos para importantes
periódicos brasileiros em Psicologia e Educação, tendo reconhecidamente prestado significativa contribuição
para a educação brasileira e para a consolidação da Psicologia no Brasil.

A Escola Normal de Salvador foi também um importante celeiro para a introdução e o desenvolvimento da
Psicologia no Brasil, e continuou sendo-o também após os anos 30, tendo em Isaías Alves seu mais importante
protagonista; foi ele um dos pioneiros na difusão, aplicação, revisão e adaptação de testes psicológicos no Brasil,
assim como um dos mais veementes defensores de sua utilização na organização escolar. Foi, por isso, figura
marcante nessa área, não apenas na Bahia, mas nacionalmente; além disso, foi um profícuo pesquisador do
desenvolvimento psicológico da criança.

A Escola Normal de Fortaleza foi um dos pilares da Reforma do Ensino do Ceará, empreendida por Lourenço
Filho. Teve essa escola a finalidade de formar os educadores que deveriam concretizar os novos rumos da
Educação cearense. Para subsidiar esse empreendimento, foi criado um laboratório de Psicologia para colaborar
com a formação dos educadores, o qual, de certa maneira, também permitiu a continuidade das pesquisas que
Lourenço Filho já vinha realizando na Escola Normal de Piracicaba, onde iniciou suas pesquisas sobre
maturidade para a leitura e a escrita.

A Escola Normal de São Paulo foi uma das mais importantes instituições responsáveis pelo desenvolvimento da
Psicologia no Brasil. Sua importância justilica-se por suas atividades de ensino dessa área, pela produção de seu
laboratório, pelos cursos ministrados por importantes psicólogos estrangeiros e por ter sido a base para a cátedra
de Psicologia Educacional da seção de Pedagogia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras - FFCL da
Universidade de São Paulo - USP. A cátedra de Psicologia da Escola Normal de São Paulo pertenceu,
sucessivamente, a Sampaio Dória, Lourenço Filho e Noemi Silveira. Seu laboratório, criado na gestão de Oscar
Thompson, em 1914, foi dirigido no início pelo italiano Ugo Pizzolli; aí foram produzidas inúmeras pesquisas,
abordando grafismo, atenção, tempo de reação, memória, associação de idéias, raciocínio infantil, tipos
intelectuais e outras. Mais tarde, esse laboratório foi incorporado à cátedra acima citada.

As Escolas Normais foram, pois, essenciais para o desenvolvimento da Psicologia e, certamente, protagonistas
de primeira grandeza no processo de autonomização da Psicologia no Brasil. Sua tarefa consistiu em divulgar e
difundir o conhecimento psicológico produzido na Europa e nos Estados Unidos por meio do ensino, da produção
de obras e da vinda de importantes psicólogos estrangeiros. Foram importantes pela produção de pesquisas; pela
formação de profissionais que viriam a fazer parte do grupo de pioneiros da Psicologia; pela introdução dos
conhecimentos da área em intervenções práticas e por terem sido o alicerce para a introdução da Psicologia
como matéria do ensino superior.

A Psicologia na Medicina

Dando seqüência às tendências do século XIX, as Faculdades de Medicina (Bahia e Rio de Janeiro) e os
hospícios foram as principais fontes médicas de produção de idéias psicológicas, muitas das quais foram aos
poucos adquirindo contornos que as qualificavam propriamente como Psicologia, ao mesmo tempo em que vão se
distanciando e se diferenciando da Medicina, sobretudo da especialidade psiquiátrica.

Algumas teses já apontavam, desde o século passado, para conteúdos que poderíamos considerar como próprios
da Psicologia. Em 1890, a tese de José Estelita Tapajós, PsicofisiologÍa da percepção e das representações, já
apresentava a tendência psicofisiológica da época. Teses denominadas Das emoções foram apresentadas por

4 Para mais informações sobre a produção de Helena Antipoff, ver publicações várias de Regina Helena de Freitas Campos.
5

Veríssimo Dias de Castro (1890), Manuel Pereira de Meio Morais (1891) e Adolpho Porchat Assis (1892). De
Alberto Seabra, a tese A memória e a personalidade, de 1894, anunciava temas que viriam a ser largamente
pesquisados mais tarde, também pelos primeiros laboratórios de Psicologia criados alguns anos depois.

A tese de Henrique Roxo, Duração dos atos Psíquicos elementares, de 1900, defende a Psicologia como
propedêutica da Psiquiatria, o que revela a admissão de que a primeira constitui-se numa área específica de
saber. A tese de Oscar Freire de Carvalho, orientada por Nina Rodrigues, Etiologia das formas concretas da
religiosidade do norte do Brasil, já apontava para um tema que seria incorporado pelas preocupações da
psicologia social mais tarde. De 1907, a tese de Maurício Campos de Medeiros, médico que acabou por se
dedicar à Psicologia, Métodos em Psicologia, é demonstrativa do reconhecimento da autonomia dessa área,
assim como da preocupação com o rigor científico na produção de seus conhecimentos. Em 1911, Plínio Olinto,
outro médico que mais tarde viria a se dedicar à Psicologia, defendeu a tese Associação de Idéias, indubitável
mente um tema psicológico. Essas teses demonstram com bastante clareza a produção psicológica da época,
assim como a condição da Psicologia como área de saber, ainda que fosse ela vista, por vários de seus autores,
como subsidiária da Medicina, interpretação esta que em verdade perdurou ainda por muito tempo.

Alguns hospícios também se dedicaram à produção de conhecimentos em Psicologia, principalmente com a


instalação de laboratórios5 No Hospital Nacional de Alienados, foi criado, em 1907, um laboratório de Psicologia,
sob a influência de Georges Dumas, dirigido por Maurício Campos de Medeiros. Um laboratório de particular
relevância foi o da Colônia de Psicopatas do Engenho de Dentro, criado em 1923. Em 1932, este foi subordinado
ao Ministério da Educação e Saúde Pública como Instituto de Psicologia e, em 1937, incorporado à Universidade
do Brasil. Esse laboratório foi dirigido pelo psicólogo polonês Waclaw Radecki, tendo produzido um significativo
roi de pesquisas abrangendo várias temáticas da Psicologia, como estudos sobre seleção e orientação
profissional, fadiga em trabalhadores menores de idade, seleção de aviadores, psicometria, etc.; além disso,
dedicou-se à formação de pesquisadores e de profissionais na área incluindo a preocupação com a modalidade
clínica e a aplicação às questões relativas ao trabalho. A Liga Brasileira de Higiene Mental, fundada em 1923,
também criou um laboratório de Psicologia, considerando ser esta uma ciência afim à Psiquiatria; dirigido
sucessivamente por Alfred Fessard, Plínio Olinto e Brasília Leme Lopes, foram aí realizados os Seminários
Brasileiros de Psicologia e, anualmente, as Jornadas Brasileiras de Psicologia, com a finalidade de divulgar as
pesquisas produzidas.

Na esteira do movimento higienista, o Instituto de Higiene de São Paulo formou um grupo de estudiosos dessa
área, sob a liderança de Geraldo Paula Souza, composto por médicos, educadores e engenheiros. Produtos
desses encontros foi a criação do Serviço de Inspeção Médico-Escolar, no qual foi criada uma escola para
"deficientes mentais", e, em 1938, da Clínica de Orientação Infantil, dirigida por Durval Marcondes. Além disso,
esse grupo foi também precursor do Instituto de Desenvolvimento e Organização Racional do Trabalho - Idort,
que esteve muito ligado à produção de Psicologia aplicada ao trabalho nos anos seguintes.

Os pressupostos higienistas exerciam, nessa época, uma substancial influência sobre a Medicina,
particularmente sobre a Psiquiatria, haja vista a denominação de algumas instituições acima citadas. Os ideais
higienistas geralmente se articulavam aos princípios da eugenia, intimamente ligados ao pensamento racista
brasileiro. Baseavam-se numa concepção que afirmava a existência de uma hierarquia racial (sendo a raça ariana
considerada superior e a raça negra, a mais inferior de todas), do que decorria a teoria da degenerescêncía, que
considerava a propensão à degenerescência física e mental das ditas "raças inferiores". Por essa via, a
reivindicação de adoção de medidas "higiênicas", cuja finalidade não era outra senão o "embranquecimento da
raça brasileira", constituía-se numa das bandeiras de lutas dessas entidades. É importante dizer que tais idéias já
se definiam como conteúdos próprios da Psiquiatria, distanciando-se, pelo menos diretamente, daquilo que se
produzia como conhecimento psicológico, embora este trouxera, pelo uso de testes, uma certa contribuição para
corroborar "cientificamente" tais concepções.

Num sentido bastante diferente, evoluiu o Movimento Psiquiátrico de Recife, sob a liderança do já citado Ulysses
Pernambucano, movimento este que antecipou as idéias da antipsiquiatria, que só viria a se manifestar décadas
depois. Na condição de diretor do Hospital de Doenças Nervosas e Mentais do Recife e participando da
Assistência a Psicopatas de Pernambuco, ele aboliu as camisas-de-força e os calabouços implantou ambulatórios
e hospital aberto, dentre inúmeras outras realizações, incluindo o já citado Instituto de Seleção e Orientação
Profissional - Isop. Pernambucano fundou também a Liga de Higiene Mental de Recife, porém numa direção
bastante diferente das demais; aí criou ele a primeira "Escola para Anormaes" no Brasil, mais tarde assumida
pela Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais - Apae. Nessas atividades por ele realizadas, fizeram-se

5Para mais informações sobre os laboratórios desses hospícios, ver publicações várias de Antonio Gomes PENNA sobre a
Psicologia no Rio de Janeiro.
6

presentes médicos e professoras normalistas, incumbidos de desenvolver e realizar tarefas relacionadas à


Psicologia, na condição de monitores de saúde mental ou auxiliares psicólogos. E possível dizer que, para
Ulysses Pernambucano, não havia uma linha de separação nítida entre Psicologia e Psiquiatria, devendo o
trabalho em saúde mental contar com a colaboração de diferentes profissionais, o que também só muitas décadas
depois viria a ser defendido. Essa sua visão deve-se muito provavelmente à sua concepção de doença mental
como situação existencial, produto da dinâmica psicológica do indivíduo, considerado como sujeito ativo em
interação com fatores de ordem social.

Em síntese, podemos dizer que a Medicina, tal como no século XIX, continuou sendo um importante solo para o
desenvolvimento da Psicologia, com a criação de laboratórios, cursos, encontros, etc., que tinham, em última
instância, a finalidade de subsidiar a prática médica. Entretanto, foi-se gradativamente demonstrando sua
delimitação enquanto área de conhecimento, em especial por suas realizações no campo da Educação. Ao
mesmo tempo, a Psiquiatria assumia um perfil mais nítido e distante daquilo que se produzia em nome da
Psicologia. Muitos médicos permaneceram mesmo no escopo da Psicologia e se distanciaram da Psiquiatria;
aliás, muitos profissionais que se dedicaram à Psicologia na Educação vinham também da Medicina. Dessa
forma, é possível dizer que a Psicologia, nessa época, ganhou espaço no interior da Medicina, embora dela
começasse a se separar, adquirindo contornos de ciência autônoma.

Processo diverso ocorreu com a Educação. Deve-se lembrar que esta não é uma ciência, mas uma prática social
que, sistematizada pela Pedagogia, busca sustentação nos conhecimentos científicos. Essa característica talvez
seja importante para se compreender como a Psicologia encontrou na Educação um rico substrato para o seu
desenvolvimento, assim como é possível afirmar que esta também encontrou ria Psicologia um vasto cabedal de
conhecimentos subsidiários às suas práticas. Além disso, é possível dizer que ambas, Psicologia e Educação,
pelas vertentes que adotaram, foram elementos fundamentais para contribuir com um projeto social mais amplo, a
modernização do país, consubstanciado na implementação da industrialização. 0 movimento da Psicologia a
partir dos anos 30 demonstra com clareza o vínculo com esse projeto, que, por sua vez, é representado pelas
diretrizes assumidas pelos grupos que tomaram o poder na denominada "Revolução de 30". Assim, as idéias de
modernização da administração pela racionalização e a organização científica, elementos já presentes na
aplicação da Psicologia à Educação na década anterior, expandiram-se para as aplicações ao trabalho, tendo
como protagonistas alguns dos pioneiros da Psicologia que emergiram no período precedente, dentre os quais
alguns que se tornaram eminentes quadros políticos do governo, como Lourenço Filho, por exemplo. Nessa
perspectiva cientificista, vigorava a idéia de neutralidade representada pela ciência, obscurecendo, de certa
forma, as contradições de classe, herdadas do período anterior, mas naquele momento portando uma nova
roupagem.

Esse quadro, no entanto, apresenta contradições, representadas por posições que não se articulavam com o que
era corrente ou hegemônico na época Nessa condição, encontram-se, por exemplo, Manoel Bomfim e Ulysses
Pernambucano, defensores de idéias que só mais tarde viriam a ser efetivamente reconhecidas e que não
encontraram respaldo em seus contemporâneos; não por acaso foram ambos vítimas do ostracismo e, de certa
maneira, de um "esquecimento" deliberado.

A Psicologia consolida-se como área de conhecimento e campo de aplicação

Esse período caracteriza-se pela multiplicação de manifestações da Psicologia relacionadas à sua


condição de área de conhecimento e de campo de ação, envolvendo: a ampliação de seu ensino para os cursos
superiores; a concretização da atuação em diversos campos de aplicação (particularmente em Educação,
trabalho e clínica); a introdução de diferentes abordagens teóricas; a criação de instituições de pesquisa e
aplicação; o incremento da publicação de livros e o aparecimento de periódicos na área; a criação de entidades
representativas da área e de seus profissionais; a organização de importantes eventos científicos e, por
decorrência, o movimento que culminou com a regulamentação da profissão de psicólogo. Os dados aqui
apresentados são ainda precários, pois, pela extensão da produção do período, há ainda carência de estudos
que possam fornecer um quadro analítico mais aprofundado de suas inúmeras realizações, assim como de suas
produções nas diversas regiões do país.
Para expor o percurso da Psicologia nesse período, foram utilizados os dados de uma pesquisa 6. Cujo objetivo foi
elaborar um quadro de referências com base no esquadrinhamento de publicações que abordam a História da

6
Os dados aqui apresentados baseiam-se na pesquisa Quadro de Referências sobre a Psicologia no Brasil, realizada por um
grupo de doutorandos e mestrandos do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Educação, da
PUC/SP, sob a coordenação da autora deste artigo. Foram colaboradores dessa pesquisa: Alessandra Argolo Maruto, Ana
Cristina G. Teixeira Arzabe, Carmem Rotondano Taverna, Eveline Bouteiller Kavakama, Jane Persinotti Trujillo, Lilia Midori S.
7

Psicologia no Brasil.7 Serão tratados, da referida pesquisa, especificamente os dados referentes ao período
compreendido entre 1930 e 1962, que foram organizados nos seguintes agrupamentos: ensino; aplicação;
estudos e pesquisas; publicações e outros (eventos e associações científicas e profissionais). Estas foram
também subdivididas pelos campos de aplicação encontrados freqüentemente no período: educação, trabalho,
clínica, ou de âmbito geral. Além disso, fez-se um levantamento da distribuição geográfica das produções, e,
quando diretamente relacionadas a instituições, foram elas organizadas por sua natureza privada ou pública.

Os dados obtidos apontam para o aumento da quantidade de referências encontradas nesse período,
significativamente maior que nos períodos precedentes. Além disso, explicita-se claramente a diversificação de
realizações, mostrando elementos que caracterizam o processo de consolidação da área e sua gradativa
profissionalização. É importante salientar que esses dados não refletem rigorosamente os fatos ocorridos, uma
vez que são tão-somente referências encontradas nas obras estudadas, as quais correm o risco de terem sido
privilegiadas pelo olhar específico do autor, assim como muitas obras se referem especificamente a determinados
autores, instituições ou regiões. Entretanto, acreditamos que, apesar disso, os dados levantados podem
certamente revelar tendências e contribuir para uma visão do período, sendo necessário que se tome cuidado na
interpretação destes, Foram encontradas referências8 a: publicações (122); ensino de Psicologia (116); práticas
psicológicas (69); estudos e pesquisas (57), e outras realizações (41), como congressos e criação de entidades
representativas da área, entre outras. Seguem-se abaixo algumas descrições sobre essas produções.

Publicações

Os dados demonstram que houve uma quantidade substancial de publicações, ainda que nessa categoria
estejam incluídas indistintamente referências a livros, relatórios de pesquisas ou artigos em periódicos; no
entanto, essa diversidade demonstra que houve preocupação com a sistematização e a difusão do conhecimento,
em especial pelos periódicos especializados então criados.

Em 1944, foi criado o periódico Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos-RBEP, por iniciativa do INEP - Instituto
Nacional de Estudos Pedagógicos. Embora fosse esta uma publicação do campo da Educação, constituiu-se ela
num importante veículo de divulgação da psicologia educacional, tendo Arrigo Leonardo Angelini, Helena Antipoff
e Betti Katzenstein como autores bastante profícuos. Em seguida, outros periódicos, específicos de Psicologia,
surgiram no cenário brasileiro, dentre eles, os Arquivos Brasileiros de Psicotécnica, publicado pelo Instituto de
Seleção e Orientação Profissional - Isop, da Fundação Getúlio Vargas - FGV. Esse periódico, criado em 1949 e
publicado até hoje (passou a se chamar Arquivos Brasileiros de Psicologia Aplicada e, atualmente, Arquivos
Brasileiros de Psicologia), foi um importante veículo de difusão das pesquisas e aplicações realizadas pelo por
esse Instituto, principalmente realizadas sob a liderança de Emilio Mira y Lopez. Em 1949, a Sociedade de
Psicologia de São Paulo criou o Boletim de Psicologia. A Revista de Psicologia Normal e Patológica, do Instituto
de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - lppuc/SP, inicialmente publicada como Boletim,
foi particularmente relevante, não apenas pela diversidade de artigos sobre as diferentes áreas da Psicolog ia,
mas também como importante órgão informativo, que apresentava resenhas de obras e relatos sobre congressos
nacionais e estrangeiros, com farta contribuição de Aniela Ginsberg e Enzo Azzi. Além de outros periódicos,
também foram publicados números especiais de Psicologia em periódicos mais gerais, como o Boletim da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP.

Os dados demonstram que havia um número razoável de obras de caráter geral, dentre as quais Psicologia
moderna, de 1953, organizada por Otto Klineberg e contando com a participação de vários profissionais, como:
Annita Cabral, Aníbal Silveira, Paulo Sawaia, Cícero Christiano de Souza, Durval Marcondes, Aniela Ginsberg,
Betti Katzenstein, Oswaldo de Barros Santos e outros. Aparecem obras em psicologia social, como Psicologia
social (1 935), de autoria de Raul Briquet, e Introdução à psicologia social (1952), de Arthur Ramos. Muitas são as
publicações relacionadas à psicometria, relativas à adaptação e à padronização de testes, tais como as de
autoria de Anita Paes Barreto, ou 0 método de Rorschach (1953), de Cícero Christiano de Souza. Vale registrar
que um significativo número de publicações em periódicos referia-se a essa temática. Autores católicos, como

P. Santos, Maria de Fátima F. de 0. Peruchi, Regina C. Norkus, Rita de Cássia Maskell Rapold, Sandra Regina de Souza
Pesce, Sílvia Mendes Pessoa e Sonia Regina Bueno. A parte referente ao período 1930-1962 encontra-se publicada em:
Psicologia Revista -Revista da Faculdade de Psicologia da PUC/SP (11999, pp. 97-132).
7 Foram consideradas como obras-referência, nessa pesquisa, entre outras mais específicas, as seguintes publicações: A

Psicologia Experimental no Brasil, de Plínio Olinto; A Psicologia no Brasil, de Annita Cabral; A Psicologia no Brasil e A
Psicologia no Brasil nos últimos 25 anos, ambas de Lourenço Filho; A Psicologia no Brasil, de Samuel Pfromm Netto; Notas
para uma História da Psicologia no Brasil e Dados para uma História da Psicologia no Brasil, ambas de lsaías Pessotti, e A
Psicologia no Rio de Janeiro, de Antonio Gomes Penna.
8
As categorias não são mutuamente exclusivas; assim, há referências que foram incorporadas a mais de uma categoria.
8

Alceu de Amoroso Lima, Teobaldo\Airanda Santos, Leonel Franca, frei Damião Berge, padre Paulo Siweck,
também produziram obras psicológicas, ora relacionadas a aspectos religiosos, ora de Psicologia geral ou
educacional. A Educação ocupa papel privilegiado nas publicações do período, com participação de autores
como Helena Antipoff, Lourenço Filho, Isaías Alves 3 outros. Essa expressividade aumenta se nesse grupo forem
incluíJas as publicações sobre psicologia infantil, por autores como Sílvio Rabelo e Maurício Campos de
Medeiros. Deve-se acrescentar que artigos sobre a Psicologia no Brasil já começavam a ser publicados nesse
período, como Um decênio de atividades no Instituto de Psicologia [de Pernambuco de Anita Paes Barreto e Alda
Campos (1935); La pensée de Ribot dans Ia psychologíe sud-americaine (1939), de Lourenço Filho; A psicologia
experimental no Brasil (1944), de Plínio Olinto e A Psicologia no Brasil, de Annita Cabral, de 1950, o primeiro texto
mais longo e elaborado sobre o tema.

Ensino

As publicações seguem as referências ao ensino de Psicologia. As Escolas Normais continuaram a ser


importantes fontes de ensino dessa disciplina e, além disso, terreno sobre o qual foram criados os cursos
superiores de Educação, geralmente constituídos como seções de Pedagogia das Faculdades de Filosofi a,
Ciências e Letras - FFCL, que, por sua vez, deram as bases para os primeiros cursos de Psicologia. Foram
encontradas várias referências à Escola Normal de São Paulo, origem da cátedra de Psicologia Educacional da
FFCL da Universidade de São Paulo. A ela se acrescenta o Instituto Pedagógico, subordinado à Diretoria do
Ensino de São Paulo, criado em 1931, sob a direção de Lourenço Filho, com a colaboração de Noemi Silveira, no
qual a Psicologia Educacional foi oferecida como matéria de ensino superior; o Instituto de Educação do Distrito
Federal, com efetiva participação também de Lourenço Filho, seu catedrático; a Escola Normal da Bahia, com
Isaías Alves e Simone Bensabath, cujo curso de aperfeiçoamento de professores foi base para a seção de
Pedagogia e, mais tarde, para o curso de Psicologia da Universidade Federal da Bahia - UFBA.

A partir dos anos 30, inicia-se o ensino formal de Psicologia em cursos superiores, com destaque para as seções
de Pedagogia e Filosofia das FFCL. Em São Paulo, com a criação da USP, em 1934, Lourenço Filho foi nomeado
professor de Psicologia; essa instituição criou, pouco mais tarde, na seção de Pedagogia, a cátedra de Psicologia
Educacional, incorporando o Laboratório de Psicologia da Escola Normal de São Paulo e nomeando Noemi
Silveira sua primeira catedrática, que, em 1954, seria sucedida por Arrigo Angelini.

A cátedra de Psicologia na seção de Filosofia da FFCL da USP abrigou Jean Maugué e depois Otto Klineberg,
que teve como seus assistentes: Annita Cabral, Cícero Christiano de Souza, João Cruz Costa e Aníbal Silveira.
Em 1947, com a saída de Mineberg, Annita Cabral tornou-se sua catedrática. Em 1958, Annita Cabral, Cícero
Christiano de Souza, Aníbal Silveira e Durval Marcondes dariam início ao curso de especialização em Psicologia
Clínica. Foi em 1962 que a Congregação da FFCL da USP estabeleceu o currículo pleno do curso de Psicologia.

Em 1940, a FFCL Sedes Sapientiae começa a gestar um projeto para formação de psicólogos. Sob a liderança de
madre Cristina Sodré Dória, catedrática de Psicologia Educacional, foi aí instalada, em 1953, uma clínica
psicológica e criado um curso de especialização em Psicologia Clínica, com duração de três anos, para
graduados em Filosofia ou Pedagogia. Destaque deve ser dado à figura de sua idealizadora, que foi não apenas
uma das pioneiras da Psicologia no Brasil e formadora de gerações de psicólogos paulistas, mas também uma
combativa defensora da democracia e dos Direitos Humanos, atividades estas jamais separadas de sua prática
psicológica e educativa.

Em 1946, foi criada a Universidade Católica de São Paulo, um ano depois elevada à condição de Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP, na qual Ana Maria M. de Morais foi nomeada catedrática de
Psicologia Educacional e da Criança. Nesse mesmo ano, Maria José Peters assumiu a cátedra de Psicologia
Educacional e Orientação Profissional na PUC/SP-Campinas. Em 1950, foi criado o Instituto de Psicologia da
PUC/SP - Ippuc/SP, dirigido por Enzo Azzi e contando com a colaboração de Ana Maria Poppovic, diretora da
clínica psicológica aí instalada em 1959. Nesse mesmo ano, a Faculdade de Filosofia São Bento, com Enzo Azzi,
Aniela Ginsberg, Ana Maria Poppovic e Aydil Ramos, organizou cursos de especialização em psicologia clínica,
educacional e do trabalho; em 1962, essa instituição também elaborou e organizou seu curso de graduação em
Psicologia. A Faculdade de Psicologia da PUC/SP foi formada com a junção dos cursos da Faculdade de Filosofia
São Bento e do Instituto Sedes Sapientiae.

Relacionado ao ensino católico, a Companhia de Jesus, em 1941, prescreveu o ensino de Psicologia


Experimental. Na Faculdade Pontifícia de Filosofia do Colégio Máximo Anchieta, da referida ordem, o padre
Henrique Lima Vaz assumiu o ensino de Psicologia.
9

No Rio de Janeiro, então Distrito Federal, o Instituto de Psicologia foi um dos pioneiros no ensino dessa
disciplina, contando com figuras que posteriormente assumiram essa tarefa nas universidades. A Universidade do
Brasil instalou a disciplina Psicologia nos três primeiros anos do curso de Filosofia, tendo Nilton Campos como
seu catedrático de Psicologia e de Psicologia Educacional, cátedra esta assumida, em 1939, por Lourenco Filho.
Nilton Campos também lecionou na Faculdade Nacional* de Filosofia, a qual contou ainda com os estrangeiros
Etienne Souriau e André Ombredane. A Universidade do Distrito Federal teve a colaboração de Etienne Souriau,
sendo Plínio Olinto o professor de Psicologia.

Em Minas Gerais, Helena Antipoff teve participação fundamental na implantação de cátedras de Psicologia em
cursos superiores, criando a cadeira de Psicologia Educacional na Universidade de Minas Gerais e na Escola de
Filosofia de Minas Gerais, em 1948, assumida por Pedro Parafita Bessa. Em 1958, a Universidade Católica de
Minas Gerais instituiu o curso de Psicologia.

Na Universidade do Rio Grande do Sul, em 1950, Décio de Souza criou a cadeira de Psicologia no curso de
Medicina, tendo sido um dos pioneiros na área nesse estado. Em 1954, a PUC de Porto Alegre deu início ao
curso de Psicologia.

Também aparecem referências ao ensino de Psicologia em outros cursos superiores: Escola Livre de Sociologia
e Política de São Paulo (com a presença de Durval Marcondes, Raul Briquet, Aniela Ginsberg, Betti Katzenstein e
Lourdes Viegas); Faculdades de Medicina (Rio de Janeiro, com Nilton Campos; Ribeirão Preto, que criou um
departamento de Psicologia Médica; Rio Grande do Sul, com Décio de Souza; além de outras); cursos de
Enfermagem; Escola Nacional de Educação Física e Desportos (com Nilton Campos); Escola de Economia e
Direito (com Plínio Olinto e André Ombredane); cursos de Serviço Social, etc.

órgãos governamentais também patrocinaram cursos especiais de Psicologia, como o Departamento de


Administração do Serviço Público - Dasp (com Lourenço Filho e Mira y Lopez); o Ministério da Guerra (curso de
classificação de pessoal, com programa de Psicologia Aplicada) e a Aeronáutica (que criou uma cadeira de
Psicologia).

É indubitável o processo de expansão do ensino de Psicologia no Brasil nesse período, o que demonstra o
prenúncio e a criação das bases para os futuros cursos dessa área, expressão da formação profissional do
psicólogo em bases institucionais legais.

Aplicação

A aplicação da Psicologia aparece em seguida, demonstrando que sua profissionalização vinha sendo gestada
com a ampliação cada vez maior de seu campo de atuação, abrangendo a Educação (dando continuidade à
tendência do período anterior), a aplicação à organização do trabalho (incluindo diversas instituições que
demandavam os serviços prestados pela Psicologia) e a clínica (que esboçava sua autonomização em relação à
Medicina e que foi aos poucos conquistando um espaço que se ampliaria significativamente no futuro próximo).
Deve-se destacar que muitas das aplicações à organização do trabalho e à clínica tiveram suas origens em
conhecimentos, práticas e demandas relacionados à Educação.

A distribuição das referências por campo de atuação demonstra que, com exceção das produções psicológicas de
caráter geral, a Educação é o campo que apresenta a maior quantidade de produção, mantendo de certa maneira
a tendência já verificada no período anterior, embora seja evidente a ampliação dos campos de atuação do
psicólogo em geral. Isso é reforçado pelo fato de que muitas produções consideradas pertinentes ao campo do
trabalho guardam estreita relação com a Educação, sobretudo aquelas relacionadas à orientação profissional,
geralmente tratadas no âmbito da orientação educacional, tendo esta última sua base teórica na Psicologia,
assim como são desta as técnicas de que se valem, em especial a psicometria.

Muitos foram os trabalhos realizados em Educação, dentre os quais: as atividades realizadas no Serviço de
Psicologia Aplicada do Instituto Pedagógico da Diretoria de Ensino de São Paulo, sob a responsabilidade de
Noemi Silveira; a fundação da Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais, em 1932, por Helena Antipoff, inaugurando
o atendimento educacional aos portadores de deficiências em escala mais ampla; a criação de uma "Escola para
Anormais" no Sanatório de Recife, em 1936, por Ulysses Pernambucano; a fundação do Inep, no qual foram
implantadas seções de seleção e orientação profissional e psicologia aplicada; a instalação da Clínica de
Orientação Infantil/Seção de Higiene Mental da Diretoria de Saúde Escolar da Secretaria de Educação de São
Paulo, por Durval Marcondes, e a Clínica de Orientação Infantil do Rio de Janeiro, sob a responsabilidade de
Arthur Ramos, ambas em 1938. Houve, em 1940, a fundação da Fazenda do Rosário, por Helena Antipoff, com
10

a finalidade de educar crianças da zona rural, além de crianças "exepcionais" e "abandonadas", com base num
método centrado na atividade espontânea da criança; em 1944, foi institucionalizado o Departamento Nacional da
Criança e fundada a Sociedade Pestalozzi do Brasil, e ambas as instituições contaram com a participação ativa
de Antipoff; em 1947 foi criado o Instituto de Seleção e Orientação Profissional - lsop/FGV, que se dedicava
também à orientação educacional e profissional. Poppovic desenvolveu trabalhos com "crianças abandonadas"
no Abrigo Social de Menores da Secretaria de Bem-Estar Social do Município de São Paulo, cabendo aos
psicólogos também colaborar no planejamento educacional; foi ela também a responsável, em 1953, pela criação
e a organização da Sociedade Pestalozzi de São Paulo; no lppuc/SP, sob a direção de Poppovic, realizaram-se
serviços de medidas escolares, pedagogia terapêutica e orientação psicopedagógica.

Muitas das atividades acima relatadas têm interfaces explícitas com atuações no âmbito do trabalho e da clínica.
Além disso, muitas instituições estritamente educacionais desenvolviam trabalhos relacionados à Psicologia. É
possível dizer que, ao largo do que vinha ocorrendo especificamente no interior da Psicologia, a Educação
continuou sendo um terreno sobre o qual os conhecimentos e a prática psicológica se desenvolveram
significativamente, sobretudo como sustentação teórica da Didática e da Metodologia de Ensino, bases para a
formação de professores. Esta tendência explicitou-se mais claramente em experiências como as da Escola
Experimental da Lapa e as dos Ginásios Vocacionais em São Paulo; além disso, o ensino nas Escolas Normais e
nos cursos de Pedagogia (durante e depois desse período) dava à Psicologia um significati vo espaço em seus
currículos.

Outro elemento que se mostra com clareza é o número significativo de referências à aplicação da Psicologia na
organização do trabalho. Esse fato pode ser interpretado como relacionado ao desenvolvimento do processo de
industrialização do país, sobretudo num período em geral dominado pela ideologia do "nacional -desenvolvimento
mentismo ", caracterizado pela intervenção do Estado na economia, com a meta de substituir importações. Esse
fato, de certa maneira, é confirmado pelos dados, pois muitas referências à aplicação da Psicologia ao trabalho
ocorreram em instâncias do poder público (principalmente pelo governo federal) ou sob sua influência. Vale
reiterar a relação estabelecida entre Educação e trabalho, pois muitas realizações, como já apontado aqui,
estiveram diretamente ligadas à orientação profissional, inseridas nas preocupações de cunho educacional,
assim como muitos de seus autores tinham sua origem, formação e dedicação voltadas a essa área.
Acrescenta-se a isso o fato de que muitas referências dizem respeito também à seleção profissional, atividade
esta que se revestia de grande importância numa estrutura social que se preocupava especialmente com a
racionalização do trabalho, uma das bases da "modernidade", cultuada pelas elites intelectuais, políticas e
econômicas brasileiras.

Uma das figuras mais relevantes na aplicação da Psicologia às questões do trabalho foi Roberto Mange, figura
não apenas pioneira, mas também um de seus maiores divulgadores e formadores de novos quadros na área. Foi
ele pioneiro no uso de testes para fins de seleção de pessoal, com o trabalho realizado no Liceu de Artes e
Ofícios de São Paulo, na década de 1920, utilizando-se dos testes de Giese. Realizou estudos e estendeu para
vários setores a aplicação da Psicologia, incluindo a implantação da área no Idort (com a colaboração de Aniela
Ginsberg e Betti Katzenstein); criou o Centro Ferroviário de Ensino e Seleção Profissional - CFESP, um dos
centros de difusão da psicologia industrial; criou a Comissão de Psicotécnica da Associação Brasileira de
Engenharia Ferroviária, assim como o Bolefim de Psicotecnica da referida associação; implantou o Serviço de
Psicotécnica e respectivo laboratório no Serviço Nacional da Indústria - Senai e no Serviço Nacional do Comércio
Senac, neste último com a participação de Leon Walther.

Outra figura de particular importância foi Emilio Mira y Lopez, que dirigiu o lsop/FGV, criado em 1947. Aí
trabalharam médicos, psicólogos e estatísticos, foram realizados exames de orientação educacional e
profissional, seleção de pessoal para empresas privadas e públicas, além da produção de pesquisas e formação
de especialistas na área. Com a assessoria de Mira y Lopez, o trabalho desse Instituto estendeu-se para outros
estados, como Bahia e Minas Gerais. Foi ele um produtivo profissional da Psicologia, tendo publicado uma vasta
obra escrita, participado de muitos congressos, assessorias e consultorias, abrangendo não apenas o Brasil, mas
vários outros países da América e da Europa. Muitos dos trabalhos que Mira y Lopez criou e implantou exercem
ampla influência até hoje, como é o caso da utilização do Psicodiagnóstico Miocinético – PMK, teste de sua
autoria.

0 governo federal e os estaduais foram, direta e indiretamente (como nos casos do Isop/FGV, Senai, Senac, etc.),
incentivadores, produtores e usuários dos serviços prestados pela Psicologia. Isso pode ser visto nas realizações
a seguir: instalação de um setor de seleção profissional, em 1936, pela Comissão do Serviço Público Civil, do
governo federal; em 1938, o Dasp instalou uma divisão de seleção de pessoal, com participação de Lourenço
Filho; o Instituto de Psicologia, no Rio de Janeiro, realizou serviços de seleção de diplomatas e de candidatos aos
postos de escritório para o Instituto de Previdência e Assistência Social; o Ministério da Marinha criou um serviço
11

de seleção psicotécnica naval; a Estrada de Ferro Central do Brasil instalou um serviço de seleção profissional,
em 1939; a Estrada de Ferro Central do Brasil instalou um serviço de seleção profissional em 1939; em São
Paulo, a Polícia Militar criou um serviço de psicotécnica e, em 1952, foi criado o Centro Coordenador das
Atividades de Orientação, que deveria coordenar as diversas instituições de orientação profissional. Além disso, o
Setor de Psicologia Aplicada da Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas da USP realizou pesquisas
e projetos de intervenção em processos de seleção.

Os dados demonstram uma preponderância de instituições públicas na base das atividades desenvolvidas em
Psicologia. No que diz respeito a esse aspecto, sem dúvida a investida estatal aparece com ênfase na
organização do trabalho, pela seleção e orientação profissional; deve-se reiterar que o número poderia ser maior
se fossem consideradas como públicas algumas instituições como Senai e Senac, financiadas parcialmente pelo
poder público. Mais uma vez, a relação entre as diretrizes estabelecidas pela política econômica, de caráter
naciona desenvolvimentista, em busca do incremento do processo de industrialização e da racionalização de sua
administração, veio encontrar na Psicologia um cabedal de conhecimentos úteis para seus propósitos, além de
mais uma vez demonstrar a presença direta e marcante do estado na economia e nos meios para sua efetivação,
na medida em que investia diretamente no desenvolvimento de uma área de saber que lhe proporcionava um
conjunto de técnicas e conhecimentos necessários para a concretização de seus projetos.

A maioria das referências no campo da clínica situa-se mais no final do período, demonstrando que essa
modalidade de atuação é mais recente na História da Psicologia no Brasil.

Uma parte das realizações no campo da clínica está relacionada à Medicina, sem que a Psicologia apareça de
maneira explícita como área autônoma de conhecimento; em outras palavras, sua presença mais se aproxima da
idéia de que é ela um aporte ou elemento subsidiário da área médica. Nessa perspectiva dominada por médicos,
podem ser destacadas as seguintes realizações: em 1932, a Liga Brasileira de Higiene Mental propôs ao
Ministério da Educação e Saúde Pública a presença obrigatória de gabinetes de Psicologia em clínicas
psiquiátricas e, em 1936, foi criado o Laboratório de Biologia Infantil, sob a direção de Leonídio Ribeiro, cujas
finalidades eram estudar os determinantes físicos e mentais da criminalidade juvenil e desenvolver técnicas para
seu tratamento. Essa idéia é reforçada pela resistência dos médicos, mais tarde, à regulamentação da profissão
de psicólogo com atribuição clínica, além de outras investidas posteriores.

Muitas das primeiras realizações que podem ser consideradas como eminentemente do campo da psicologia
clínica tiveram sua origem em preocupações de natureza educacional. Dentre estas, os já citados serviços de
orientação infantil, sob a direção dos médicos Durval Marcondes e Arthur Ramos, respectivamente, com a
finalidade de atender crianças que apresentavam problemas escolares; embora vinculados às demandas
educacionais, esses serviços podem ser considerados como iniciativas de caráter clínico. Numa perspectiva de
natureza bem mais próxima à Psicologia, foi criado, em 1946, o Centro de Orientação Infantil, do Departamento
Nacional da Criança, subordinado ao Ministério da Educação e Saúde Pública, com serviços de psicologia clínica,
contando com a colaboração de Helena Antipoff, Mira y Lopez e Reba Campbell. 0 mesmo pode ser afirmado a
respeito da Clínica Psicológica do Instituto Sedes Sapientiae, em cuja origem estava a preocupação também com
o atendimento de crianças que apresentavam problemas escolares. Nessa linha, podem ser incluídos os
trabalhos de Ana Maria Poppovic, dentre os quais: sua atuação no Abrigo Social de Menores, tendo como tarefa a
realização de psicodiagnósticos; o trabalho na Clínica Psicológica da Sociedade Pestalozzi de São Paulo; sua
participação na instalação da Clínica Psicológica do Instituto de Psicologia da PUC/SP, a qual, a convite de Enzo
Azzi, ela viria também a dirigir. Acrescenta-se a isso que, em 1956, foram criadas clínicas psicológicas pela
Prefeitura de São Paulo.

É importante notar que as atividades clínicas empreendidas por profissionais formados na área da Educação
constituíram-se nas principais bases para o ensino de Psicologia tendo em vista a formação clínica, e as
instituições que acolheram essas atividades foram as bases para o enraízamento desse campo de atuação em
nossa realidade. Aqui, mais uma vez, fica patente a presença marcante da Educação no processo de
desenvolvimento da Psicologia no país, uma vez que demandas educacionais estiveram no cerne daquilo que
viria mais tarde a constituir-se como campo específico de atuação do psicólogo, assim como seus
desdobramentos em formas variadas de intervenção.

Estudos e pesquisas

No que se refere à pesquisa, a presença da Educação é também bastante significativa, reforçando a tendência
demonstrada em outras modalidades de produção da Psicologia no Brasil. Nesse piano, podem ser destacadas
as seguintes instituições, as quais se dedicaram à pesquisa em psicologia educacional: Instituto de Educação do
Rio de Janeiro; Escola de Aperfeiçoamento de Professores de Belo Horizonte; Isop de Recife; Laboratório de
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Psicologia Educacional do Instituto de Educação (evolução do Instituto Pedagógico de São Paulo); Núcleo de
Pesquisas Educacionais da Municipalidade, no Rio de Janeiro; Instituto Nacional de Surdos-Mudos; Instituto de
Educação de Porto Alegre; Escola Normal da Bahia e Universidade da Bahia; Escolas Normais do Estado de São
Paulo e Centros Regionais de Pesquisas Educacionais - CRPE; que se somavam ao que se produzia nas
universidades, por suas cátedras de Psicologia.

As pesquisas relacionadas às questões do trabalho estavam muito articuladas às finalidades de aplicação prática
mais imediata, envolvendo em geral estudos sobre seleção e orientação profissional. Mais uma vez, Roberto
Mange e Mira y Lopez aparecem com destaque nesse campo, assim como as seguintes instituições: Estrada de
Ferro Sorocabana, Senai; Senac; CFESP; Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo; Dasp; Faculdade
de Ciências Econômicas e Administrativas da USP - Setor de Psicologia Aplicada e lsop/FGV.

Numa perspectiva mais geral de Psicologia, podem ser lembrados o Instituto de Psicologia, herdeiro do
Laboratório da Colônia de Psicopatas do Engenho de Dentro; o Instituto de Psicologia da PUC/SP; e a cátedra de
Psicologia da seção de Filosofia da FFCL da Universidade de São Paulo.

É importante sublinhar que, em 1950, a Psicologia fez-se presente na Reunião Anual da Sociedade Brasileira
para o Progresso da Ciência - SBPC; o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq
concedeu, em 1952, a primeira bolsa de pesquisa em Psicologia; e, em 1953, Joel Martins escreveu uma tese
sobre neurose experimental em ratos, a primeira em psicologia experimental. Vale dizer também que muitas
referências a estudos e pesquisas com testes foram identificadas.

Eventos e entidades científicas e profissionais

Seguem-se as referências a eventos (congressos, encontros, etc.) e a criação ou atividades desenvolvidas por
associações/entidades científicas ou profissionais, que apareceram mais freqüentemente no final do período
estudado. Não há dúvida de que tais dados demonstram o desenvolvimento e o amadurecimento da Psicologia
enquanto ciência e profissão no Brasil, não apenas por demonstrar o grau de organização dos profissionais que
exerciam atividades nesse campo, mas também porque tais fatos sustentam-se em realizações concretas e
reconhecidas por entidades científicas nacionais de cunho mais amplo, como é o caso da SBPC, bem como por
entidades internacionais de Psicologia, como a Sociedade Interamericana de Psicologia-SIP.

Em 1945, foi fundada a Sociedade de Psicologia de São Paulo, por iniciativa de Annita Cabral e Otto Klineberg ;
quatro anos depois, essa entidade começou a publicar seu Boletim de Psicologia. Em 1949, foi criada a
Associação Brasileira de Psicotécnica, que entregou ao Ministério da Educação, em 1953, um memorial e um
esboço de anteprojeto de lei relativo à formação de psicólogos e à regulamentação da profissão; em 1957, o
memorial foi reapresentado ao referido Ministério, obtendo parecer favorável do Conselho Nacional de Educação.
Em 1952, foi fundada a Sociedade de Rorschach de São Paulo. No ano de 1954, foram criadas, em São Paulo, a
Associação Brasileira de Psicólogos e, no Distrito Federal, a Associação Brasileira de Psicologia. Em 1959, foi
criada a Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul. Em 1960, a Associação Brasileira de Psicologia
Aplicada, a Sociedade de Psicologia de São Paulo e a Associação Brasileira de Psicólogos criaram comissões,
que, reunidas, elaboraram um substitutivo ao projeto sobre formação de psicólogos que tramitava na Câmara dos
Deputados.

Merecem destaque também os seguintes eventos: o I Congresso de Psicologia, realizado em Curitiba, em 1953,
organizado por Gabriel Munhoz da Rocha; no mesmo ano, realiza-se o Simpósio das Faculdades de Filosofia do
país, ocasião em que foi proposta a criação de cursos de bacharelado, licenciatura e pós-graduação em
Psicologia nestas faculdades; em 1955, ocorre o I Seminário Latino Americano de Psicotécnica e, em 1959,
acontece o Vi Congresso Interamericano de Psicologia, promovido pela Sociedade Interamericana de Psicologia -
SIP, sob a presidência de Emilio Mira y Lopez.

0 período aqui estudado compreende o intervalo entre 1930 e 1962. Considerando que o objeto em estudo estava
evidentemente em desenvolvimento, poder-se-ia supor que o espaço de 33 anos, sobretudo por sua significativa
produção, apresentaria mudanças ou indicaria algumas tendências. Verificou-se que, de fato, houve uma
diminuição gradativa de referências ao longo do tempo, mas não e possível afirmar que houve um decréscimo na
produção, uma vez que várias obras-referência foram escritas antes de 1962, anolimite do estudo, contribuindo
para uma possível diminuição no volume de citações nos anos mais próximos; destas, cabe ressaltar as de
autoria de Olinto (1944) e Cabral (1950). Além disso, outras publicações se dedicaram especificamente a certas
delimitações temporais. Mais importante, no entanto, é que as obras-referência tiveram, em sua maioria, a
preocupação de identificar atividades pioneiras, de tal forma que o menor número de referências pode ser
indicativo menos de uma possível diminuição de produção do que da efetiva incorporação das produções antes
13

citadas ao trabalho ordinário da Psicologia, as quais, não sendo novidade, passaram a fazer parte do cotidiano
da profissão e já não exigiam referência específica.

A maior parte das referências relativas a eventos e associações aparece com maior freqüência no período que vai
de 1953 a 1962, o que é demonstrativo do grau de amadurecimento que a Psicologia foi conquistando ao longo
do tempo no país, sobretudo porque tais dados são indicativos de atividades de organização e sistematização,
tanto da área de conhecimento quanto da profissão.

Sobre a produção das diversas regiões do país, os (lados apontam para uma acentuada concentração na Região
Sudeste, com Distrito Federal/Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais concentrando a maior parte das
referências, excetuando-se as referências de caráter nacional. Deve-se reconhecer, porém, que no Rio de
Janeiro e em São Paulo encontravam-se os pólos político e econômico do país, e, conseqüentemente, aí se
localizava grande parte das instituições administrativas, prestadoras de serviços e entidades educacionais
responsáveis por uma significativa contribuição para o desenvolvimento científico em geral e da Psicologia em
particular. Entretanto, dois estados foram modestamente citados (Paraná e Ceará), e outros sequer aparecem.
Antes de dizer que não houve produção ou que as que ocorreram foram pontuais ou pouco significativas, é
importante questionar se não são elas simplesmente omissões ou, em outras palavras, desconhecidas ou
negligenciadas pela historiografia da Psicologia no Brasil. Esse questionamento ganha sentido quando
analisamos a primeira referência ao Estado do Pararia, relativa ao 1 Congresso Brasileiro de Psicologia (a
segunda refere-se a uma Reunião Anual da SBPC, em 1962, e tem, portanto, um caráter mais geral); ora, se
houve um congresso nacional da área nesse estado, isso indica que deveria haver, no mínimo, um certo
desenvolvimento da Psicologia na região, embora não haja referência a quaisquer atividades desenvolvidas.

Os resultados aqui apresentados, ainda que parciais e precários, pois são constituídos apenas por uma primeira
aproximação com os dados relativos ao período compreendido entre 1930 e 1962, demonstram que esse
momento foi de grande importância para o desenvolvimento da Psicologia enquanto ciência e profissão no país,
confirmando a hipótese de que nele ocorreu sua consolidação. Mostram os dados que houve significativo
desenvolvimento da Psicologia nas seguintes instâncias: ensino, aplicação, produção de estudos e pesquisas,
publicações, realização de eventos científicos e organização em associações científicas e profissionais. A
existência dessas instâncias e seu gradativo incremento são fatores demonstrativos da inserção efetiva da
Psicologia no Brasil, quer como área de conhecimento, quer como campo de atuação, o que certamente
determinou seu precoce (se comparado a vários outros países) reconhecimento como profissão.

Explicita-se também que o desenvolvimento da Psicologia no Brasil não pode ser compreendido apenas com
base em fatores intrínsecos a essa área, sendo preciso reconhecer que tal processo ocorreu de forma
indissociada das condições sócio-econômico-políticas do país. 0 projeto de Brasil em implementação naquele
momento foi um terreno fértil para o desenvolvimento da Psicologia, sobretudo porque esta trazia teorias e
especialmente um conjunto de técnicas que podiam responder às demandas colocadas por uma nação que se
estruturava para ingressar no mundo industrializado. Não por acaso, a psicologia da educação e a psicologia
aplicada ao trabalho constituíram-se em importantes campos de atuação psicológica, afinadas com as idéias de
racionalização do trabalho pedagógico e, principalmente, da produção industrial, tendo no uso de testes um de
seus mais efetivos meios de intervenção. Isso se confirma no fato de que muitas dessas atividades fora m
realizadas em instituições criadas e mantidas pelo Estado, o que mais uma vez caracteriza a indissociabilidade
desses fatores, pois naquele momento a política posta em prática caracterizava-se pela intervenção direta na
economia e em outras instâncias da vida social.

A psicologia é reconhecida como profissão

Em 27 de agosto de 1962, foi aprovada a Lei n. 4.119, que reconheceu a profissão de psicólogo, acompanhada
de uma emenda que dispunha sobre os cursos de formação deste profissional e fixava seu currículo mínimo. Esse
fato, no entanto, foi precedido de uma dura e longa luta, principalmente diante da oposição de um grupo de
médicos, cuja principal reivindicação era o veto ao exercício da psicoterapia por profissionais que não tivessem
formação em Medicina. Em verdade, essa problemática não terminou com a lei, aparecendo mais tarde nos
projetos dos deputados Kassab e Julianelli, que tentaram reaver a prática clínica exclusivamente para os
médicos, colocando o psicólogo como seu mero auxiliar e sob sua tutela; isso gerou fortes reações da categoria,
cuja organização conseguiu barrar o prosseguimento dos referidos projetos. Vez ou outra, porém, esse problema
reaparece sob diferentes formas.

No mesmo ano de 1962, pela Portaria n. 227, o Ministério da Educação designou uma comissão de professores
de Psicologia e de especialistas em Psicologia Aplicada para apreciar a documentação dos candidatos ao
registro profissional de psicólogo, composta por:
14

Lourenço Filho (presidente), padre Antonio Benko, Carolina M. Bori, Pedro Parafita Bessa e Enzo Azzi. Essa
comissão não deu início às atividades, pois faltavam atos complementares à lei. Em 1963, nova portaria garantiu
as necessidades legais, e os trabalhos foram iniciados, mantendo-se os nomes da primeira comissão, com
exceção de Enzo Azzi, que fora substituído por Arrigo Angelini. Nesse ano, a Comissão recebeu 1.511 pedidos
para registro profissional; no ano seguinte, cerca de quinhentos pedidos foram ainda recebidos, em 1969, foi
reaberto por mais sessenta dias o prazo para tal solicitação. Os profissionais que receberam o registro por meio
dessa comissão constituem-se nos primeiros psicólogos legalmente reconhecidos, cuja formação superior fora
obtida principalmente em Pedagogia e Filosofia.

Nessa década, instaurou-se a ditadura militar, implantada a partir do golpe de 31 de março de 1964, que trouxe,
entre tantos desastres e retrocessos, a Lei n. 5.540, mais conhecida como Reforma Universitária de 1968, no bojo
dos acordos MEC-Usaíd. Em nome da expansão do número de vagas para resolver o denominado, problema dos
excedentes dos exames vestibulares", essa lei, aprovada à revelia dos grupos diretamente interessados na
questão, na verdade garantiu a abertura do ensino superior para os setores privados e estabeleceu mecanismos
para dificultar e reprimir os movimentos estudantis e docentes, movimentos estes que se constituíam numa das
mais poderosas frentes de oposição ao regime de exceção então instalado.

No contexto dessa reforma, começaram a proliferar Instituições de Ensino Superior - IES privadas no cenário da
educação brasileira. Muitas dessas novas instituições foram criadas em condições acadêmicas precárias,
oferecendo cursos que não necessitavam de grandes investimentos, em geral aqueles que apenas precisavam de
salas de aula e professores, além do fato de que não havia quantidade suficiente de docentes qualificados para
assumir a empreitada de formar de modo adequado novos profissionais. Não é possível ocultar que, apesar da
existência de instituições academicamente sérias, muitas das IES criadas nesse momento tinham vocação
mercantilista. Esses cursos começavam a funcionar COM uma autorização do MEC, devendo ser avaliados por
ocasião da formatura da primeira turma, quando poderiam obter seu reconhecimento. Um dos critérios
estabelecidos referia-se à existência de um certo número de professores portadores de parecer emitido pelo
próprio Ministério; como ilustração, vale lembrar que, dentre os documentos necessários para a obtenção do tal
parecer, constava um Atestado de Idoneidade Moral, que deveria ser emitido por uma autoridade constituída;
outra curiosidade ainda é que muitos professores descobriam que seus nomes estavam arrolados como parte do
corpo docente de instituições que sequer conheciam. Assim, muitos cursos particulares foram criados nos anos
70, respondendo a uma demanda cada vez maior pelo ensino superior e com um interesse crescente pela
Psicologia9

Os cursos de Psicologia não eram propriamente investimentos de baixo custo, mas, dada a demanda de alunos,
alguns artifícios poderiam ser utilizados para garantir sua rentabilidade. Embora tais cursos necessitassem de
laboratórios, estes não se constituíam em problema insolúvel, pois poderiam ser utilizados aqueles dos cursos de
Biologia (geralmente oferecidos por essas IES); e os laboratórios de psicologia experimental não eram
particularmente caros (pois suas instalações eram precárias, não passando de pequenos - e poucos -cubículos
com uma Caixa de Skinner simples). Havia a necessidade também de salas para aplicação de testes, algo que
ainda hoje algumas instituições não possuem.

0 problema maior era o curso de Formação de Psicólogos, que deveria oferecer estágios supervisionados, além
de uma clínica-escola, com supervisores experientes para um número reduzido de alunos. Esse gasto, no
entanto, era de certa maneira compensado por uma série de mecanismos, como a redução da oferta de
disciplinas ao que era estritamente estabelecido pelo currículo mínimo, baixos salários pagos aos docentes e
número elevado de alunos por sala de aula nas séries anteriores, sem contar, claro, com as altas taxas de
mensalidade. Deve-se ressaltar que as IES particulares eram freqüentadas por um grande contingente de alunos
oriundos das camadas economicamente menos privilegiadas, que necessitavam estudar no período noturno para,
com seu trabalho, pagar os custos de um curso superior muitas vezes de futuro incerto. Somase a isso o fato de
que o rápido crescimento dessas instituições não foi acompanhado de igual crescimento do número de docentes
preparados para assumir competentemente a formação de novos profissionais, fato que, acompanhado pelos
baixos salários e pela precariedade das condições de trabalho, contribuiu para uma crescente perda de qualidade
do ensino da Psicologia.

9
Sobre a criação de cursos de Psicologia nessa época, ver dissertações de mestrado de: Francinete Maria Rodrigues
Carvalho, sobre Universidade Federal do Pará (Psicologia da Educação, PUC/SP, 1997) e Rita de Cássia Maskell Rapold,
sobre Universidade Federal da Bahia (Psicologia da Educação, PUC/SP, 1999); Jozélia Regina Diaz Olmos, sobre
Universidade de Mogi das Cruzes (Psicologia Escolar, USP, 1999); Jane Persinotti Trujillo e Lilia Midori S. P. dos Santos
(Psicologia da Educação, PUC/SP, 1999) e Ana Cristina Teixeira Arzabe (Psicologia da Educação, PUC/SP, 2000), sobre IES
particulares da Grande São Paulo.
15

Essa situação foi aos poucos se multiplicando, e os cursos comprometidos com uma formação sólida do psicólogo
passaram a se constituir quase exceções, dado seu número cada vez menor se comparado ao das IES privadas
mercantilistas, fato reforçado pela diferença no número de vagas oferecidas.

Nesse sentido, muito rapidamente as IES particulares começaram a ser responsáveis pela maioria dos psicólogos
formados, em quantidade muito maior da que o mercado de trabalho poderia absorver. Acrescenta-se a isso que
a precariedade acadêmica desses cursos acabou produzindo um aligeiramento na formação dos novos
profissionais, acarretando prejuízos para a profissão, para seus usuários e para muitos destes, que, com
sacrifício, investiram num curso superior sem conseguir ingressar de fato na carreira.

Nesse momento, o campo clínico tornou-se mais difundido, não apenas por ser privilegiado nos currículos, mas
também porque atraía um maior número de alunos. É bom lembrar que muitos recém-formados tentaram essa via,
principalmente sublocando consultórios no período noturno, enquanto continuavam em seus empregos anteriores;
destes, poucos foram os que conseguiram substituir suas ocupações pregressas pela nova profissão de
psicólogo. Não obstante, a atuação clínica permaneceu como um dos campos mais difundidos da Psicologia no
Brasil, absorvendo um significativo número de psicólogos e ampliando-se, mais tarde, para diferentes
modalidades de atuação.

Processo semelhante ocorreu com o campo do trabalho, que, antes da regulamentação da profissão, era
fomentado e financiado por empresas públicas e privadas; mais tarde, ficou cada vez mais restrito para os
psicólogos, muitas vezes reduzidos à condição de meros aplicadores de testes em tarefas de seleção de pessoal.
Além disso, muitas críticas eram feitas à atuação do psicólogo nesse campo, não apenas por seus limites, mas
pelo caráter de sua função, geralmente vista como a de adaptacão do trabalhador às condições e aos interesses
das empresas, intervindo no processo produtivo e não nas condições de trabalho, servindo ao capital e não ao
trabalhador, este sim aquele que deveria ser o foco de ação da Psicologia.

No que se refere à Psicologia na Educação, a situação foi bastante complexa. De um lado, o conhecimento
psicológico estava incorporado aos diferentes aspectos da Pedagogia e à prática profissional dos educadores;
por outro lado, a atuação do psicólogo na escola estava muito calcada numa perspectiva clínica, ocupando-se do
atendimento individual de crianças designadas como "portadoras de problemas de aprendizagem" fora da sala de
aula.

No final da década de 1970, a hipertrofia da Psicologia na Educação começou a se duramente criticada, tanto por
educadores como por psicólogos. O principal objeto das críticas era o uso abusivo dos testes e suas
conseqüências para o educando, uma vez que seus resultados eram interpretados como atribuições próprias do
sujeito, fazendo incidir sobre ele a determinação dos ditos "problemas de aprendizagem" (a própria expressão ia
denota que é a criança a fonte de problemas; fala-se dificilmente de "problemas escolares"). As condições sociais
eram negligenciadas, embora, já na década de 1930, Helena Antipoff alertasse para o fato de que elas afetavam
os resultados dos testes de inteligência. As decorrências dessa prática foram nocivas para um grande
contingente de crianças, pois isso poderia condená-las a uma classe especial que, em nome de um atendimento
diferenciado, acabava por relegá-las a um ensino de segunda categoria, confirmando o diagnóstico realizado e
produzindo em verdade a deficiência mental e seus estigmas.

Essa crítica era estendida para outras interpretações e ações baseadas na Psicologia, incorporadas tanto por
educadores quanto por psicólogos, que reduziam os supostos problemas escolares à dimensão meramente
psicológica. As determinações de tais problemas eram buscadas em fatores como: desenvolvimento mental,
atenção, comprometimentos motores ou emocionais (estes vistos em geral como produzidos especificamente
pelas relações familiares; aliás, as famílias das classes populares eram sistematicamente consideradas como
causadoras dos problemas apresentados pelas crianças, sob a alegação de que eram "desestruturadas" ou
constituídas por pais analfabetos). Essas interpretações acarretavam, porém, um problema ainda mais grave, que
era o de obscurecer os determinantes intra-escolares, fatores esses que estavam nas raízes da maioria dos
problemas. Assim, alguns educadores e psicólogos começaram a tecer críticas à hipertrofia da Psicologia na
Educação, apontando para uma série de conseqüências que sua incorporação trouxera ao processo educacional
brasileiro.

Concomitantemente, os psicólogos também começaram a criticar a atuação da Psicologia na Educação,


sobretudo pela via da psicologia escolar, tendo como base os mesmos problemas identificados pelos educadores,
mas enfocando o modelo médico que fundamentava a ação clínica de muitos profissionais, os quais enfatizavam
as intervenções terapêuticas negligenciando ações mais preventivas, que, por sua vez, exigiam ações mais
16

propriamente pedagógicas e coletivas, como, por exemplo, a contribuição para o processo de formação de
professores.

Nesse contexto, em que críticas vinham de todos os lados, muitos psicólogos chegaram a negar a possibilidade
de a Psicologia contribuir com as questões educacionais; outros não tiveram oportunidade de realizar formas
alternativas de ação na escola, pois a expectativa desta era a da atuação clínica, não considerando a
possibilidade de intervenção do psicólogo em questões pedagógicas, que eram tidas como de alçada exclusiva
de pedagogos. Enfim, foram poucos os trabalhos que conseguiram de fato intervir no espaço escolar de maneira
mais ampla, sendo estes justamente os que se firmaram, permitindo o desenvolvimento atual desse campo de
atuação.

Embora não sendo propriamente tema deste texto, vale a pena registrar que a emergência da psicopedagogia,
numa perspectiva clínica, relaciona-se com esse processo, ocupando de certa forma o lugar deixado pela
psicologia escolar, quando esta passou a criticar a atuação do psicólogo desvinculada das condições
intra-escolares, isto é, quando passou a criticar a psicologia clínica na escola. Poucas mudanças ocorreram na
escola desde então, de forma que esta continua produzindo "crianças com problemas de aprendizagem"; assim
sendo, nada melhor do que a existência de um locus para onde o problema pode ser retirado e "resolvido" sem
que suas bases sejam questionadas.

Apesar de todos esses problemas, e justamente em função deles, a Psicologia conseguiu, nesse período, um
desenvolvimento sem precedentes. Ainda que permeada por críticas de várias espécies, a Psicologia
estabeleceu-se como profissão, ampliando gradativamente seu espectro de ação e firmando-se como
possibilidade de resposta a inúmeros problemas, inicialmente em seus campos tradicionais-educação, trabalho e
clínica -, ensaiando e implantando mais tarde novas modalidades de intervenção, como foram a psicologia
comunitária, a psicologia hospitalar e a psicologia jurídica, entre outras, que viriam a se consolidar e ampliar sua
capacidade de responder às demandas antes não atendidas e a outras acarretadas por problemas sociais então
emergentes.

A isso articulada, e em função também de um desenvolvimento relativamente autônomo, a produção de


conhecimento em Psicologia expandiu-se muito, sobretudo com a implementação dos cursos de pós-graduação,
que, apesar da escassez de recursos, conseguiram se impor não apenas quantitativa mas também
qualitativamente, produzindo um acervo de conhecimento original e criativo. A carência de investimentos em
pesquisa no Brasil, sobretudo nas Ciências Humanas, associada à complexidade de nossa realidade e a seus
múltiplos problemas, constituiu-se em condições fundamentais para que a originalidade e a criatividade se
tornassem características marcantes do modo de se produzir conhecimento em Psicologia, não apenas
relacionadas à pluralidade de aspectos de seu objeto de estudo, mas também à adoção de diferentes
perspectivas do olhar sobre eles.

Houve um incremento da qualidade de ensino com a expansão da pós-graduação, embora de forma heterogênea,
pois a articulação entre ensino e pesquisa não se constituía em regra para todas as IES, ficando limitada às
instituições que garantiam as condições de trabalho necessárias para a efetivação do princípio de
indissociabilidade entre difusão e produção de conhecimento. 0 mesmo pode ser dito em relação à extensão, que
muitas dessas instituições reduziam à necessidade específica e restrita do ensino, isto é, ao estágio
supervisionado, e não a um projeto de coletivização e extensão para a comunidade do saber produzido pela
universidade. Entretanto, muitas IES produziram trabalhos significativos e relevantes articulando ensino, pesquisa
e extensão, tendo sido estes um dos mais importantes terrenos para o desenvolvimento da Psicologia em várias
de suas manifestações, seja como ciência, seja como profissão.

A realização de congressos tornou-se uma prática regular, ocorrendo encontros gerais da área ou encontros por
temas, abordagens ou campos de atuação específicos. Dentre os encontros da área, devem-se destacar, por
antiguidade e regularidade, as reuniões anuais realizadas na USP-Ribeirão Preto, hoje com organização da
Sociedade Brasileira de Psicologia - SBP. A participação da Psicologia em congressos científicos mais amplos foi
marcada sobretudo por sua presença na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência -SBPC, na qual vale a
pena destacar o papel desempenhado por Carolina Bori, que foi membro de sua diretoria, presidente da entidade
e, hoje, presidente de honra. Foram criadas outras entidades e associações de diversos campos específicos da
Psicologia, as quais se responsabilizaram pela organização de vários eventos científicos. A criação da
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Psicologia - Anpepp também deve ser destacada,
constituindo-se hoje num dos mais importantes fóruns de discussão sobre a produção de pesquisa na área.

No que diz respeito à literatura, esse período contou muitas vezes com uma dedicação ímpar de professores,
que, dada a precariedade editorial no país, muitas vezes traduziam livros, capítulos de livros e artigos, ou ainda
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elaboravam apostilas (em mimeógrafos!) para uso dos alunos. Aos poucos, ocorreu um incremento do mercado
de publicações, ainda assim baseado em traduções de obras estrangeiras básicas; uma produção editorial mais
significativa, incluindo obras escritas por brasileiros, só viria a se concretizar um pouco mais tarde.

Como categoria profissional, a Psicologia sofreu grandes transformações. Antes representada por um grupo
pequeno de profissionais, a expansão do ensino provocou um aumento quantitativo de psicólogos que, como já
foi dito, não foi acompanhado pelo mercado de trabalho; esse processo gerou algumas conseqüências, que foram
do abandono puro e simples da carreira à defesa corporativa da profissão. Entretanto, outros movimentos
surgiram daí, buscando-se uma organização mais sólida e crítica. Mas isso é assunto para o item seguinte.

A Psicologia amplia-se como ciência e como profissão

Os fatos anteriormente mencionados trouxeram transformações substanciais para a Psicologia no Brasil, o que
pode caracterizar um possível novo momento em sua história.

Os problemas enfrentados pela Psicologia podem ser ilustrados pelas situações abaixo: precariedade da
formação oferecida por muitos cursos de graduação, disparidade entre o número de formados e o de profissionais
atuando de fato na área, em contraposição à carência quantitativa e qualitativa de atendimento às demandas pelo
trabalho profissional do psicólogo. Ademais, havia uma produção de conhecimento e de modalidades de ação
com padrões de excelência, caracterizada pelo desenvolvimento de muitas pesquisas e projetos específicos de
intervenção, que, pioneiramente, apontavam para o potencial da Psicologia a fim de contribuir na solução de
várias das demandas já referidas. Enfim, muitas eram as contradições que estavam no cerne dos problemas
enfrentados pela categoria, fazendo-se necessário o empreendimento de um movimento amplo que buscasse
superar essa situação.

Esse movimento foi, e é, heterogêneo, pois há segmentos que tomam a dianteira do processo, outros que
respondem mais tardiamente e, claro, outros que resistem. Essa característica não é, porém, exclusividade da
Psicologia no Brasil, mas condição do próprio processo histórico, que nunca é homogêneo nem ocorre em bloco.

Assim, por ocasião da virada dos anos 70 para os anos 80, momento esse caracterizado pelo renascimento dos
movimentos sociais, algumas iniciativas começaram a despontar, pontuais no início, mas que foram aos poucos
se ampliando. A defesa da Psicologia como ciência e como profissão foi gradativamente ganhando contornos que
superavam o corporativismo, buscando uma ampla participação da categoria na discussão dos problemas que a
envolviam, mas que não poderiam ser limitados à mera defesa de interesses intrínsecos a ela. Sua compreensão
implicava uma articulação com a realidade social como um todo e, fundamentalmente, com o estabelecimento de
um compromisso radical com ela. Era necessário, antes de tudo, admitir a ampliação da categoria e trazê-la para
uma participação efetiva em seus órgãos representativos, ou, em outras palavras, fazia-se necessário que esses
órgãos passassem a representar a maioria dos psicólogos. Nesse aspecto, há que se considerar as mudanças
ocorridas nas orientações dos Conselhos Regionais de Psicologia-CRP, Conselho Federal de Psicologia CFP,
Sindicatos de Psicólogos e, mais tarde, já produto dessas mudanças, a criação da Federação Nacional dos
Psicólogos Fenapsi. Vale lembrar que esse movimento começou a se materializar em São Paulo, mais
precisamente a partir de uma histórica reunião ocorrida no Instituto Sedes Sapientiae, com o apoio de madre
Cristina Sodré Dória.

A questão a ser enfrentada não era propriamente a defesa do mercado de trabalho, mas a busca de respostas às
demandas sociais que se impunham. Nesse contexto, a questão ética passava a ser central, devendo ser
enfrentada não mais como estritamente de âmbito da ética profissional, mas fundamentalmente de ética social.
Impunha-se a necessidade de construção e reconstrução de uma Psicologia enraizada e comprometida com sua
realidade. Para isso, era necessário também produzir novos conhecimentos e novas formas de intervenção,
difundi-los e torná-los parte da formação do psicólogo. Ora, isso implicava um movimento amplo, que deveria
contar com os vários segmentos da área: conselhos, sindicatos, associações, universidades, instituições várias e,
sobretudo, o envolvimento da categoria.

Como já foi dito, além das entidades, cabia à Universidade uma importante tarefa nesse processo. Sua
participação foi substancial para o engendramento dessas transformações. Mais particularmente, alguns setores
ligados à pesquisa e à busca de novas formas de intervenção contribuíram sobremaneira para a construção de
novas concepções em Psicologia. A busca de um conhecimento comprometido com os problemas sociais abriu
um campo vasto para a ampliação do olhar sobre o fenômeno psicológico, levando não só à busca de novas
teorias, categorias e conceitos, bem como de novas bases metodológicas para a pesquisa na área, as quais
deveriam dar conta da complexidade de seu objeto, mas também à construção de novas práticas que pudessem
responder melhor aos desafios que se impunham à Psicologia.
18

É uma tarefa difícil ilustrar esse processo, pois muitos são os grupos que para isso contribuíram; mas, para efeito
de ilustração, vale a pena lembrar a criação da Associação Brasileira de Psicologia Social - Abrapso, no início
dos anos 80, que congregou psicólogos das várias regiões do país, os quais tinham como principal linha de ação
a construção de uma nova maneira de se fazer Psicologia por meio da discussão e da socialização de
conhecimentos e práticas. Esse processo não ocorreu sem sofrer resistências acadêmicas, mas se fortaleceu ao
longo do tempo, sendo a Abrapso hoje composta por um grupo amplo de psicólogos e de outros profissionais
interessados em fazer da Psicologia uma área de conhecimento e um campo de ação articulados e
comprometidos com a transformação da sociedade. Embora tenha se evitado citar nomes relacionados aos
tempos mais recentes, não é possível deixar de lembrar o papel que (lese ni pe nh ou Sílvia Lane nesse
processo, com a colaboração e a participação de um sem número de profissionais das várias regiões do país,
além do contato com estrangeiros, com quem foram estabelecidos intercâmbios que produziram ricas
possibilidades de avanço da área. Destes, podem ser citados, dentre muitos outros, Ignácio Martin Baró, Maritza
Montero, Femando Gonzalez-Rey e Karl Scheibe.

As transformações da Psicologia se manifestam mais claramente no âmbito da ampliação de seus campos de


intervenção. Para as primeiras gerações de psicólogos formados pelos Cursos específicos de Psicologia, as
opções por campo de atuação limitavam-se praticamente àquelas que se consolidaram nos anos que precederam
a regulamentação da profissão; entretanto, já nos anos 70, começavam a aparecer modalidades de intervenção
que, à custa de muito esforço, apontavam possibilidades efetivas de intervenção psicológica. Segue abaixo
descrição de algumas realizações que podem ilustrar esse processo.

Nessa época, a atuação de psicólogos em hospitais começava a se efetivar. Aos poucos, e a base de um
incansável trabalho (não apenas no que se refere ao próprio campo de ação, mas também no que diz respeito à
tentativa de convencer os demais profissionais da possibilidade efetiva de intervenção da Psicologia nesse
âmbito), alguns profissionais demonstravam, por sua atuação, que vários setores hospitalares poderiam usufruir
desses serviços, ampliando seu raio de ação e, principalmente, estendendo os benefícios da Psicologi a a
pessoas que até então tinham negadas algumas de suas necessidades humanas fundamentais. Assim, os então
profissionais da saúde (hoje o psicólogo é considerado também como tal) e sobretudo seus usuários começaram
a reconhecer a potencialidade e a necessidade da Psicologia nesse campo. Mais do que isso, a Psicologia
estende-se hoje para muito além da intervenção hospitalar, tendo presença marcante em diferentes setores da
assistência à saúde e participação significativa no âmbito da pesquisa na área.

A Psicologia era considerada até pouco tempo como um campo de ação estritamente urbano (exceção deve ser
feita ao trabalho pioneiro de Helena Antipoff com educação rural). Entretanto, sua preocupação com os
movimentos sociais, seja no plano da pesquisa, seja no da intervenção, veio mostrar, dentre várias outras
possibilidades, que a Psicologia possui um potencial efetivo de trabalho, tanto nas regiões urbanas como nas
rurais. Isso se demonstra em perspectivas várias de ação, como aquelas que atuam com assentamentos de
sem-terra, tribos indígenas, mutirões, etc. Também deve ser lembrado que, nessa área, trabalhos realizados com
grupos vitimados por preconceito e intolerância - tais como mulheres, negros, gays e lésbicas, pessoas
portadoras de deficiências são de relevância não apenas profissional e acadêmica, mas sobretudo social. Nessa
perspectiva, deve-se sublinhar a importância histórica da psicologia comunitária, que pode ser considerada como
uma das expressões pioneiras da ampliação dos campos de ação da Psicologia, especificamente voltada para o
atendimento de segmentos da população antes alijados dos benefícios que a Psicologia poderia lhes
proporcionar.

A psicologia jurídica surgiu com uma proposta de superar e estender seus serviços para além daquilo que era
realizado pelos peritos-psicólogos, procurando criar um modelo de ação alicerçado no atendimento às
necessidades psicológicas e no encaminhamento de crianças assistidas pelas então denominadas Varas de
Menores, o qual foi, posteriormente, requisitado também pelas Varas de Família. A isso se deve acrescentar a
intervenção da Psicologia em casos de violência sobre crianças e adolescentes; em instituições totais, como
presídios; ou ainda sua importante participação no movimento antimanicomial.

É possível dizer que as críticas feitas à Psicologia pela própria Psicologia foram os mais substanciais fatores para
sua superação, o que pode ser ilustrado pelo aumento quantitativo e qualitativo de sua produção, abrangendo a
pesquisa, os campos de aplicação, o ensino, as publicações, as entidades representativas, os congressos,
atividades essas que, sem dúvida, contribuíram para que se possa dizer que elas forjaram um possível novo
momento histórico da Psicologia no Brasil.

Além disso, é importante a reflexão sobre as relações entre a Psicologia e questões mais gerais, especificamente
aquelas de natureza epistemológica. As grandes discussões epistemológicas, hoje, fazem referência constante à
19

crise do conhecimento, pautada pelas rígidas demarcações entre as áreas de saber, e à negação da
complexidade dos fenômenos, em busca de leis explicativas gerais. Essa tradição tem suas raízes na emergência
da ciência moderna, com Galileu e Newton, acrescida da influência de Descartes (com particular influência sobre
a Psicologia, especialmente por seu dualismo interacionista relativo à questão mente-corpo) e levada às últimas
conseqüências pela tradição positivista. Embora essa tradição persista, talvez na maior parte da produção
psicológica (e da ciência em geral), é possível dizer que a Psicologia tem avançado muito na superação dessa
perspectiva, sobretudo ao assumir uma concepção transdisciplinar (que admite e afirma a necessidade de trânsito
pelos diferentes campos disciplinares), considerando-se que a compreensão do fenômeno psicológico concreto
transcende os limites de seu objeto de conhecimento e exige o trânsito por outras áreas de saber que dão conta
da multiplicidade de fatores que o integram, pois sua redução aos próprios limites a faz permanecer no plano da
abstração, abortando a finalidade de sua compreensão.

Ademais, fica cada vez mais explícito o fato irreversível da atuação multiprofissional (como a coexistência de
múltiplos profissionais contribuindo naquilo que lhes cabe para cumprir determinadas finalidades), em favor da
qual diferentes profissionais devem atuar conjuntamente no plano da intervenção sobre a realidade. Deve-se
reiterar que, ao adotar essa concepção, torna-se um contrasenso qualquer defesa corporativa da profissão, pois o
que deve mover o trabalho da Psicologia não pode ser a defesa do mercado formal de trabalho, mas a
possibilidade de contribuir para o enfrentamento dos grandes (e pequenos) problemas que assolam a
humanidade, que na sociedade brasileira não são de forma alguma menores.

Essa discussão extrapola os limites e os objetivos deste texto, mas é. importante dizer que tais questões devem
ser cuidadosamente pensadas para cada uma das manifestações da Psicologia. Dentre tantos aspectos, deve-se
sublinhar a importância da formação do psicólogo, que, desfurtar a uma sólida e ampla base teórica em
Psicologia, fundamentalmente articulada às áreas afins, assim como a absoluta necessidade de articulação com a
realidade social e prática, pouco se avançará nesse processo já iniciado de construção de uma Psicologia capaz
de compreender o fenômeno psicológico em sua complexidade e pluralidade e sobre ele intervir efetivamente.

Para finalizar, deve-se reiterar que a pluralidade da Psicologia contemporânea no Brasil é tal que seu perfil só
poderá ser visto mais nitidamente com o passar do tempo. 0 que está aqui exposto nada mais é do que uma
viagem panorâmica que certamente contém a perspectiva particular da autora; por esse motivo, não há aqui a
pretensão de expor um quadro completo e que dê as diferentes e possíveis interpretações para o processo, não
sendo esse item nada mais do que uma reflexão sobre a atualidade da Psicologia no Brasil. De qualquer maneira,
é necessário que a Psicologia exerça sua função de pensar-se a si própria, isto é, ser também objeto de estudo
da Psicologia.

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Mitsuko Aparecida M. Antunes


Professora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação
Psicologia da Educação, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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