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que é a Escola Nova? Pergunta antiga que está a exigir


o utras palavras. E Carlos Monarcha, sem percorrer A r e in v e n ç ã o
DXWVUTS
caminhos traçados ànmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ptioti, propõe novas resposías e
questões, encaminhando o pensamento escolanovista d a c id a d e e
como projeto cultural, que do horizonte da fábrica articula d a m u ltid ã o
estratégias de reconstrução social e regeneração moral a
partir da educação.
Dar que o Autor começa a enfrentar as imagens deste
movimento, que constnncas pelos sujeitos
comprometidos com sua realização histórica e com sua
projeção numa memória, foram reiteradas por vertentes da
historiografia educacional brasileira identificadas com
seus pressupostos ou assentadas na incorporação
acrüica de princípios e práticas escolanovistas.
Representações em torno de sua "renovação" e
"democratização" assumiram feições de verdade
absolutas, ao perderem a dimensão de expressões
históricas de grupos sociais em conflito no constituir de
seus projetos educacionais. Os confrontos, dispostos e
referendados entre Escola Nova X Escola Tradicional,
realçam ainda mais os avanços, progressos e
modernizações de um movimento que oculta seus
interlocutores históricos: forças e grupos sociais com
perspectivas e exercícios educacionais divergentes
porque voltados para outros horizontes.
t essa memória congelada e homogênea em torno da
Escola Nova que Carlos Monarcha luta por romper,
situando historicamente seu discurso dominante ao
ultrapassar a divisão do trabalho intelectual em
compartimentos especializados - herança da Escola Nova
- e estabelecer promissor diálogo entre o campo da
educação e o da história, redimensionado por questões e
reflexões postas pelos movimentos sociais dos últimos
nos
I ~IA Iniciativa, que respalda o trabalho de Monarcha,
IIlIpllO nossas possibilidades de compreensão e aponta
P,lfilO 11111110 oue ainda lemos a fazer, para serem
dl,IIHlolliHlos ontro nós as "idéias fora do lugar", as
'IHI,11 lillll,,~nos" o os "Insucessos" dos projetos
[1111,1/.11111,,11!lu',oloros dominantes, que ao não
~IC(III~,'1Ii1l1fI,lIll1u!allo luturo reforçam as explicações em f,J f~ ~ • ~
Ifll'"1 IIf, nllll'lllllo C:"lIlllIlInrno brasileiro, ou as referentes ~~
II}tlllldJIIO ,h,\II'~ ·.IIIIIIIl~ IJfIl colocar suas idéias em 1990
II HGFEDCBA Ano Internacional da Alfabetização

M.nla ""Ionlola Antonacci


CARLOS M ONARCHA
Coleção
EDUCAÇÃOCONTEMPORÃNEAnmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Série
M em ória da E ducação HGFEDCBA

Dados d e C a ta lo g a ç ã o n a p u b lic a ç ã o (C IP ) In te r n a c io n a l A r e in v e n ç ã o
(C â m a ra B r a s ile ir a d o L iv r o , S P , B r a s il) zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
d a c id a d e e
MOllarcha, Carlos.
A reinvenção da cidade e da multiJão : dimensões darqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
1110-

dcrnidadc brasileira: a Escola NovaXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA


I Carlos Monarchu. - São
Paulo: Cortez : Autores Associados, 1989. - (Coleção cduc,,,;ão
d a m u ltid ã o
contemporânea. Série mem6ria da educação)

Bibliografia .D im e n s õ e s d a m o d e r n id a d e b r a s ile ir a :.
IS BN 85-249-0184-5
I. Educação _ Ilist6ria 2. Pedagogia - Brasil J. Relo..,lIa do
ensino - Brasil I. Título. 11. Série. a E s c o la N o v a

CU\)" 3 7lI.9~ I
-370.9
89-1605

ín d ic e s p a r a c a tá lo g o s is te m á tic o :

I. Brasil: Pedagogia 370.9t\ I


2. Brasil: Renovação do ensino 370.\181
J. Educaçâo : IIist6ria 370.'1
4. Escola Nova brasileira: Edul.Oação37\l.'1~ 1HGFEDCBA

(i~ E D IT O R A @
AUTORES
A S S O C IA D O S
A REINVENÇÃO DA CIDADE E DA MO! TIDÃO:
Dimensões da modernidade brasileira - a Escola Nova
Carlos MonarchanmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

C onselho editorial: Antonio Joaquim Severino, Casemiro dos Reis Filho,


Dermeva! Saviani, Gilberta S. de Martino Jannuzzi, Milton de Miranda,
Moacir Gadotti e Walter Esteves Garcia.
SUM ÁRIO
C apa: Edição de arte: Roberto Yukio Matuo
Arte-final: Maria Regina da Silva
F oto: Mulher desacompanhada
Rua Direita, 1912 - SP
Coleção - Claro Gustavo Jansson
.............
C oordenação editorial: Ana Cândida Costa .................
................................ 9
P reparação de original: Silvana Cobucci Leite
Secretaria gráfica: José Batista dos Santos
11
P I(IM E IR A P A R T E : HGFEDCBA
D is s o n â n c ia
C om posição em poliester: Comporart 'p ttu lo I - Essa não era a república dos meus
R evisão: Maria Aparecida Amara! e Aparecida de Lurdes Montecsol
Supervisão editorial: Antonio de Paulo SilvarqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA sonhos .
I I - A tendência do século: a civilização
"11/1"/0 XWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 39
f progressiva .
65
.r« iU N D A PARTE: M e m ó r ia

'/ / ( t u lo I - O Olhar retrospectivo .


( I I / / ( I u lo II - A Escola Nova brasileira . 89
113
'/ I ( / o g o : Belo horror .
lI I h 1 í o g r a f ia . 143
.......................
147

Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autori-
zação expressa do autor e dos editores.

© 1990 by Carlos Monarcha

Direitos para esta edição


CORTEZ EDITORA! AUTORES ASSOCIADOS
Rua Bartira, 387 - Te!.: (011) 864-0111
05009 - São Paulo - SP

Impresso no Brasil- 1990


Ao Pedro, meu filho, que entre
as palavras e a imaginação nasceu
PREFÁCIO zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW

Sobre a nossa história da educação há tudo por fazer. E co-


mo método e objeto clamam por unidade, iniciar a construção e
reconstrução histórica da educação pela crftica radical do escola-
novismo - como ideário e como memória - é um princípio de fer-
tilidade epistemológica inquestionável. E é por aí que Carlos Mo-
narcha principia.

É certo que do modo como ele o faz é arriscado. Provoca


mal-estar em quem ganhou certezas na e sobre a história positivi-
eada, construída através da memória legada pelos escolanovistas.
Isso é pior que nos tirar um chão seguro; é ofuscar nosso horizon-
te redentor. E Monarcha é impiedoso conosco, os pedagogos.

Mas, mexer com a gênese é sempre arriscado; por isso, inte-


ressa-nos saber que riscos este trabalho nos faz correr.

Em primeiro lugar, fazer a crftica radical do escolanovismo


no Brasil é condição necessária à desmontagem do pragmatismo
que domina o pensamento educacional brasileiro. É trazer às cla-
ras O mediatismo desse pensamento que tem horror à teoria e à
história porque está pautado no princípio da aplicabilidade dos
conceitos e na imediaticidade dos efeitos. Não é casual o gosto
disseminado pelas práticas espontaneístas, como não é casual o
nosso pauperismo historiográfico em educação. A dominância dos
"renovadores" sobre o pensamento educacional resulta terem eles
supostamente construído, de uma vez para sempre, toda História e
toda Teoria, porque construíram o nosso ideário e nossa memória.

Em segundo lugar, abalar um dos principais pilares do pen-


samento educacional brasileiro: a crença no caráter ingênuo e
transplantado do movimento escolanovista no Brasil. Carlos apa-
nha esse movimento como lúcida expressão de uma vanguarda
que se organizou nas primeiras décadas do século, cujo alvo Iím-
pido e seguro era construir a disponibilidade subjetiva - contrafa-

9
ce das condições objetivas cm gestação - necessária à moderni-
dade brasileira (leia-se: à civilidade, à urbanidade, à racionalida-
de, à disciplina do capital). Não eram, renovadores da educação,
boas e elevadas almas porém ingênuas, que pensaram longe e
grande para um Brasil acanhado e atrasado, despreparado para
realizar já o futuro por eles anunciado. PR Ó LO G O
E, com isso, Monarcha introduz um terceiro e, quiçá, o mais
fundamental abalo nas certezas construídas pela memória dos
nossos mentores escolanovistas: não foram eles derrotados no jo-
go de forças que se armou na construção do nosso sitema de ensi- A vertente da pedagogia contemporânea conhecida como
no. Mas, para descobri-I os vitoriosos (e sobre isso nem Monarcha Escola Nova representou, em sentido amplo e conforme as pala-
nem nós devemos antepor uma nova certeza), foi preciso vascu- vras dos próprios protagonistas, um novo tratamento dos proble-
lhar não a realização dos preceitos pedagógicos, as regras didáti- mas da educação, elaborando um conjunto de princípios com o
cas, os modelos de gestão da escola pública ou ainda os arcabou- objetivo de rever as chamadas formas tradicionais de ensino, em
ços institucionais ao gosto pragmático; foi preciso verificar como particular a pedagogia de cunho herbartiano.
impuseram duas regras fundamentais à hegemonização do seu
ideário: construíram a história da educação brasileira à luz do seu Johan Friedrich Herbart (1776-1841),
autor dos clássicos
ideário e justificaram esse ideário em nome da história. Assim P edagogia geral e E sboço passou à
de um curso de pedagogia,
procedendo, inalguraram como "renovadores" o século que en- história da pedagogia e da educação como "o arquiteto da peda-
cerraremos denominando-os "renovadores". gogia científica"; no prólogo da tradução espanhola da P edago-
gia geral, J. Ortega y Gasset redigiu os seguintes comentários:
O trabalho de Carlos Monarcha é bom por isso: lê a história
Não resta qualquer dúvida de que ninguém antes de Herbart conse-
da educação do ângulo que ela melhor se explica: a luta política.nmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
gue levar o caos dos problemas pedagógicos a uma estrutura sóbria,
ampla e precisa de doutrinas rigorosamente científicas. Ninguém an-
M irian Jorge W arde tes de Herbart assume tão completamente a tarefa de construir uma
ciência da educação.

A pedagogia de Herbart, posteriormente identificada como


Pedagogia Tradicional, o movimento de renovação educacional
opôs aquilo que denominou de Escola Nova, isto é, uma educação
e pedagogia voltada para os novos tempos, cuja estrutura objetiva
raramente é evidenciada, designando apenas os novos tempos de
progresso, na sua face técnica e científica. Para o movimento de
renovação educacional, a Escola Tradicional e a pedagogia de
I Ierbart produziram resultados discutíveis: o intelectualismo e o
individualismo, atributos pouco ou nada compatíveis com o ideal
de uma ordem social aberta, isto é, democrática e dinâmica.'

••Para Herbart, a Pedagogia, como ciência, depende da filosofia da prática (ética) e


!ln psicologia. 'Aquela mostra o fim da educação; esta, o caminho, os meios e os
obstãculos.' Ainda que esta fundamentação seja parcial, pois faltam no fim da edu-
~IICI\O outras disciplinas, como a l6gica e a estética (... ) Para Herbart a vida psíquica

11
10rqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Através da "educação pela instrução", Herbart, herdeiro danmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A ufkliirung, depositou confiança ilimitada no conhecimento pro- da sociologia firmou-se a concepção de que a organização social
duzido pela razão. O ideal do hom em culto revelou a imagem que exerce influências consideráveis nos aspectos espirituais, isto é, o
a sociedade burguesa fazia de si mesma. Esse homem culto foi social é determinante na formação dos sentimentos e da persona-
lidade humana.3
construído à imagem e semelhança do burguês ilustrado que, de
posse do espírito das Luzes, adentrava na maioridade intelectual,
conduzindo o seu pr6prio destino e construindo uma comunidade Sob o influxo dessas idéias, a pedagogia da Escola Nova se
perfeita, onde não havia espaço para o despotismo ou opressão. O apresenta como científica, e repudia os métodos mecânicos e
ideal do homem culto expressava o burguês livre da contingência coercitivos da Pedagogia Tradicional. Um novo ideal de educação
imposta pela Natureza e da crença em potências estranhas e supe- busca consolidar-se: as concepções de programa, organização e
I riores ao pr6prio homem: estava livre do mito. A pedagogia her- procedimentos didáticos se modificam e o trabalho escolar passa a
ter outros objetivos.rqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
bartiana estava inscrita na herança da Ilustração que se projetava
ao longo do século XIX.
A educação passou a ser vista como instrumento de recons-
Ante um emergente universo urbano-industrial, a pedagogia trução social e estabilidade política. Propunha-se "a paz pela
educaçãov.s
e os pedagogos ilustrados procuram atualizar as instituições esco-
lares à modernidade capitalista. Colocam-se assim a tarefa de re-
ver os postulados da chamada Escola Tradicional.ê Por outro lado não se pode secundarizar o impacto que a
eclosão da Primeira Guerra Mundial causou na percepção ilustra-
A biologia e a psicologia proporcionaram uma nova com- da da época, quando as nações mais cultas da Europa entravam
preensão das necessidades da infância e os conhecimentos da em estado de beligerância. Acenando com a possibilidade de re-
sociologia estabeleceram novas finalidades sociais para a edu- torno ao estado de guerra permanente, isto é, a barbárie. À
cação. A chamada educação da vida social anunciava um mundo eclosão da Primeira Guerra, devemos somar as experiências
novo simbolizado nos ideais de progresso, cooperação e harmo- operárias do início do século, sendo a Revolução Russa de 1917
nia social e, conforme os porta-vozes da nova pedagogia, deve- o testemunho cabal do estado inquietante da realidade social e
ria nortear a revisão do processo educacional e de suas finalida- política. Perante a inquietação, a percepção ilustrada acabou por
des sociais. difundir uma crença ilimitada na educação dos indivíduos apro-
fundando, ainda mais, a revisão dos fundamentos da educação,
Ao incorporar os conhecimentos da biologia, psicologia e procurando torná-Ia capaz de contribuir, efetivamente, para o
sociologia, posteriormente denominadas "ciências fontes de edu- processo de estabilização social: cooperação entre as classes so-
ciais e as naçôes.s
cação", a pedagogia pode obter uma melhor compreensão do
II
crescimento da criança, seus estágios de maturação e as diferen-
ças individuais presentes no processo de aprendizagem. A partir Nas décadas uuciais do século XX, assiste-se a intensifi-
cação na extensão dos serviços públicos de educação e reformu-
1\

é constituída essencialmente pelo jogo das representações. Estas constituem os últi-


mos elementos a que se pode reduzir a atividade anímica. Delas, os sentimentos e de- 3. Sobre a nova concepção de infância, procedimentos metodol6gicos e finalidades
sejos são apenas modificações, e surgem do equilíbrio ou desequilíbrio daconsciên- sociais da educação, com ênfase na psicologia, veja-se Claparêde (1940 e 1959).
cia, da facilidade ou da resistência que as representações encontrem para penetrar nes- 4. Para Ad. Ferriêre, fundador e membro do Conselho Diretor da Liga Internacional
ta. Daí nasce o caráter marcadamente intelectualista da pedagogia de Herbart. Daí para a Educação Nova, fundada em 1921, o espírito que anima o movimento "é
surge também sua idéia da 'educação pela instrução' ,já que ao modificar com o ensi- aquele que, forçosamente, fará suceder, um dia ou outro, ao regime da autoridade
no as representações (idéias) podemos modificar sem mais toda a vida psíquica. ( ... ) o regime da liberdade; precisemos: que ao regime da má autoridade, da que se
Quanto ao fim da educação, é para Herbarta virtude que consiste no acordo da vonta- impõe desde fora, que vai contra as necessidades fundamentais da natureza da
de com as idéias éticas, as quais se baseiam emjuízos estéticos. Essas idéias éticas são a criança, e que não é, pois, para este 'autoridade consentida', fará suceder o regime
liberdade íntima, a perfeição, a benevolência, a justiça e a eqüidade, e, como disse- da boa liberdade, da 'liberdade reflexiva', daquele que é a submissão do eu infe-
lIll mos, com sua posse pode-se modificara conduta." (Luzuriaga, 1979: 295).
2. Para uma cronologia do movimento da Escola Nova, veja-se Foulquié (1952),
rior ao eu superior e que poderá levar melhor o nome de liberdade espiritual".
5. Para uma leitura detalhada dessas proposições veja-se William, H. Kilpatrick _
Lourenço Filho (Introdução ao estudo da E scola N ova), Luzuriaga (1932 e 1979). E ducação para um a civilização em m udança, s.d. eLa F unci6n Social, C ultural y
D ocente de Ia E scuela, 1940; Ad. Ferriêre -A E scola A ctiva, 1934.


12
13

.....I
lação dos planos e métodos do ensino. Surgem ainda centros de reiro da experiência, com dispOSição para a crítica e atitude ex-
pesquisas aplicados à educação, introduzindo-se os princípios adquiridas através da educação. Na obra M eu credo
p e r im e n ta l
te6ricos e práticos da educação renovada no ensino público." se posiciona: profissão de fé em c in c o artigos, John Dewey assim
pedagógico,

Paulatinamente, a pedagogia tradicional, de natureza herbar-


tiana, será apresentada pelos escolanovistas como aristocrática. O Creio que a educação é o método fundamental do progresso e da re-
ideal de virtude, condição da liberdade e da ação moral, isto é, o forma s o c ia l. E creio que todo professor deve dar-se Conta da digni-
dever enquanto imperativo categ6rico expressava uma cultura dade de sua profissão, de que é um servidor social instituído para
aristocratizada, típica do século XIX, e era insustentável nos no- manter asocial.
boa ordem Social e para assegurar a regularidade do cres-
cimento
vos teinpos.
~ zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Ao declarar a insuficiência da pedagogia e da escola tradi- Para Herbart, a questão estava posta na busca e Concreti-
cional perante as exigências da modemidade capitalista, o movi- zação da perfectibilidade hum ana, isto é, da felicidade. Para De-
mento renovador cindia, inexoravelmente, o debate entre adeptos wey e Durkheim, tratava-se da adaptabilidade hum ana. O lema
da Escola Tradicional e da Escola Nova (ou ativa, ou funcional do movimento renovador será, daí por diante, "educação para
etc.). Ao redefinir-se o estatuto da pedagogia como programa de uma c i v iliz a ç ã o em mudança".7
reconstrução social, supervalorizaram-se os aspectos técnicos e
metodol6gicos, isto é, os meios tidos como racionais e científicos, O ideário reformado r penetrou no Brasil de modo Sistemati_
capazes de reinscrever a pedagogia na tradição humanista de pen- ado a partir da década de 20. São testemunhos dessa difusão: a
samento. OnmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ideal de hom em culto era suplantado pelo ideal de :xpansão qualitativa e quantitativa da nova literatura educacional;
hom em prático: o H om em N ovo. O filósofo norte-americano John .IS d ife r e n te s reformas de ensino realizadas em diversos Estados
Dewey (1859-1952) sintetizou bem em sua obra esse novo con- da Federação e no Distrito Federal; a presença m ilita n te de um
junto de aspirações, articulando os temas educação e democracia, /lOVOperfil de pedagogos, posteriormente denominados "educa-
onde o evolucionismo de Charles Darwin e o pragmatismo de dores profissionais" e as conferências nacionais patrocinadas pela
William James, orientavam o debate. Considerado a alm a m ater ABE. O debate sobre educação e pedagogia trouxe à tona, por
do movimento, explicitou clara e concisamente a atualização da vua vez, uma outra aspiração de instrução pública, que procurava
pedagogia em sua obra D em ocracia e E ducação (1916), que se- vvrdcnciar o caráter psicoPedag6gico da educação e apoiava-se
1'/11 uma nova concepção de infância 8
gundo seu discípulo direto William H. Kilpatrick é "a apresen-
tação mais completa de sua teoria educacional".
O escolanovismo, é conforme b ib lio g r a fia a respeito do te -
Para John Dewey, o objeto da educação é o homem, que, IlIa c período, a expressão, no â m b ito educacional, da retomada
num mundo em permanente mudança, não pode atuar sem direção d o .\ princípios lib e r a is que marcaram a fiSionOmia da década de
e consciência. Orientado pelas experiências positivas, sua vida te- 'O As idéias reformadoras aSsumidas pela in te le c tu a lid a d e b r a s i-
ria mais sentido, segurança e coerência. A cooperação social en- It-lIi1 visavam construir Uma nação moderna e, nos seus termos,
sejava, por sua vez, a sobreposição contínua da dinâmica sobre a ,1I~ta c fraterna. Para tanto, a instrução pública d e v e r ia superar os

11 estática: o Homem Novo, na concepção deweyana, é um aventu- lllllltc s estreitos dos padrõcs cfvico-nacionalistas e tornar-se es-
tl" tl'1 !ia de recOnstrução social e regeneração s o c ia l e m o r a l.

6. Quanto às instituições internacionais que congregavam o movimento, tem-se a se-


De certa maneira, a década de 20 fo i palco de difusão do
guinte cronologia: 1899, fundação do B ureau Internacional des XWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
E s c o le s N o u v e lle s ; id l"i'I/o lib e r a l- e s c o la n o v is ta e de Sua institucionalização. Entre-
1926, fusão dessa instituição com o B ureau Internacional de L' E ducation (BIE);
sendo que desde 1925 esse instituto é paralelo ao B ureau Internacional du Travail
(BIT) (cf. Fouquié, 1952: 85).
Em 1919, em reunião de educadores patrocinada pelo B ureau Internacional des "~,lI,' lima exposição d e ta lh u c l:, do pensamento de John Dewey, veja-se D ew ey (col.
E s c o le s N o u v e lle s , foram fixados os caracteres gerais para as Escolas Novas no t" "l'l1sadorcs, 1 9 8 0 ) , Ki/putric" ( 1 9 5 3 ) e M ills ( 1 9 6 8 ) .
campo, comportando 29 princípios, posteriormente ampliados para 30 (cf. Lou- 1',,,., ., hiM6ria da educação nos anos 20 c 30, veja-se N a g /e ( 1 9 6 4 , 1974 e 1985),
renço Filho, Introdução ao estudo da E scola N ova: 9 3 ) . ""1\0'0 (19IU), M.Tcixeira (1 9 8 5 ), A/..cvedo ( 1 9 5 8 ) e r. Cardoso (J 982).
~
I
.J 15
bano. Procurar-se-á detectar e expor as teses de um pensamento
tanto, paira sobre as realizações escolanovistas uma discussão in-
autoritário oculto sob o r6tulo do novo e do moderno.
findável a respeito do grau de ortodoxia dos empreendimentos le-
vados a efeito, ou seja, em que medida os princípios da Escola A Escola Nova, que, de início, nos coloca perante um proje-

I
Nova foram efetivamente realizados no contexto brasileiro, e em to de reformulação pedag6gica, aos poucos se revela como a
que medida superaram a mera importação irnitativa de idéias pro- emergência de uma nova pedagogia social, uma teoria de amplo
duzidas na Europa e Estados Unidos. O balanço tende a ser des- alcance programático cujo objetivo era a construção do Homem
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
favorável, constatando-se uma larga distância entre o grau de as- Novo e da Boa Sociedade, articulando educação e democracia
pirações e realizações. Afirma-se que a intelectualidade brasileira como estratégia de moralização das "classes perigosas".
elevou o Brasil à altura das novas idéias e práticas pedagógicas,
mas, há uma distância significativa entre as aspirações e o grau de A literatura educacional, o ciclo de reformas na década de
realização das novas propostas. Assim, o debate é dominado pela 20, as conferências nacionais, marcos notáveis na hist6ria da edu-
conclusão de que a Escola Nova no Brasil não passou de "idéias cação brasileira, testemunham a empresa levada a efeito pela inte-
fora do lugar". Conclui-se, também, que foi urna tentativa de ligentsia nacional no sentido de tornar possível a vida em socie-
adequar os padrões de cultura, a inevitável marcha do capitalismo dade. O tema da Escola Nova brasileira coloca-nos ante um proje-
to de transição para a modernidade capitalista. Projeto no sentido
brasileiro.
de que a fala culta operou deslocam entos no interior do discurso
Desse modo, o escolanovismo brasileiro, estaria alinhado a liberal, com o intuito de produzir e controlar mudanças sociais.
outros movimentos de aspirações modernizantes, que buscavam Representou, portanto, aggiornam ento, atualização da hegemonia
dentro de suas particularidades a sempiterna refundação do tempo burguesa. Sobre o prisma da vanguarda pedag6gica, formada por
social: a Semana de Arte Moderna de 1922; a fundação do Parti- educadores como Lourenço Filho, Anísio Teixeira, Fernando de
do Comunista do Brasil, em 1922; o ciclo das rebeliões tenentis- Azevedo, Francisco Campos, Antonio Carneiro Leão, entre ou-
tas, cujo ápice é a "Revolução de 30" etc. Assim, ao lado da tros, o tema da Escola Nova - a revisão dos métodos pedag6gicos
marcha do capitalismo brasileiro, é apresentado como marco na c finalidades sociais da educação - ensejava a oportunidade para
evolução da cultura brasileira. O pecado original da escola nova tornar público w n discurso cierutfico sobre o povo e para o povo.
brasileira será imputado à superestimação do aspecto técnico em
detrimento do político. Embora articulasse a relação educação e As reflexões apresentadas a seguir sugerem urna interpre-
sociedade, hipertrofiou a dimensão científica, em detrimento de tação diferenciada para o tema, apontando para a dimensão práxi-
urna apreensão dos aspectos sócio-históricos que condicionam a a desse conjunto doutrinário, insistindo na presença de uma Es-
I

educação. É pois um desvio, freqüentemente, é citado como iu la Nova brasileira. Propõe-se um contradiscurso, a partir da ex-
111isiçâo e crítica das imagens mobilizadoras voltadas para a pro-
"idéias fora do lugar"." Entretanto, um dado é inegável,nmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
o esco-
Ianavism o foi parte integrante de um a em presa m aior de revisão dução de práticas sociais.
dos principios do liberalism o clássico ou ortodoxo.
Nesse projeto de transição para a modernidade capitalista ou
fiO S sucessivos deslocamentos operados no ideário liberal, a força
As reflexões aqui desenvolvidas constituem uma tentativa
motriz está na cultura, particularmente na concepção de cultura
de contribuir para o debate em torno das idéias fora do lugar. Pa-
1lllIgmática, portanto, moderna, simbolizando oposição à metaffsi-
ra tanto, procuro colocar o leitor ante a existência de urna E scola
I 11 c à ausência de diretrizes. Para os pioneiros da educação reno-
N ova brasileira, isto é, perante a dim ensão práxica de um pen-
\ mia, a cultura era a via para a promoção de uma ampla reforma
samento contra-revolucionário que procurou estabelecer, através
dll~ consciências, maneira pela qual realizava-se o essencial do
do discurso científico, a menoridade racional do proletariado ur-
)110 reto liberal: a revolução dentro da ordem .

Procurei, então, ao longo das reflexões expostas nesse tra-


9. A respeito do debate sobre "as idéias fora do lugar", veja-se Schwarz (1973) e ",!lho, compreender a relação entre os intelectuais escolanovistas,
Franco (1976).
17
16
o discurso do poder e o engendramento de um novo saber pe-
dag6gico que será paulatinamente colonizado pelo Estado, ali- contidos nas idéias. É, portanto, uma produção ideol6gica: o
mentando as concepções de políticas públicas para o setor. Esses ideário produz o Homem Novo e a Boa Sociedade. Os sucessivos
intelectuais, daqui por diante receberão o tratamento de vanguar- deslocamentos operados no interior do discurso liberal, em que o
da pedag6gica, em sentido amplo e podem ser tomados como Estado surgirá como o suporte ideal para a sociedade, tom am
exemplo da boa consciência burguesa, que procurava construir feição de um projeto de transição para a modernidade, cuja tarefa
uma utopia racional, onde os homens reconciliados entre si e com primordial no tempo presente é exorcizar a luta de classes. A pe-
a natureza, teceriam a comunidade humana ideal. Creio que este é dagogia escolanovista apontava para a construção de um interesse
único, sendo a m odernidade identificada com o processo de in-
o núcleo central, onde deve estar centradarqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
li crítica ao projeto es-
colanovista:nmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
um projeto que procurou construir a lógica de iden- dustrialização e este C om os interesses da N ação.
tificação entre razão e dom inação.
É lícito afirmar que o tema da Escola Nova procurou mobi-
Enquanto dimensão simb6lica produzida no interior da luta lizar política e ideologicamente as classes sociais em torno de
de classes, a Escola Nova - projeto hist6rico e social - é um a uma mesma questão: a superação do atraso nacional e o ingresso
idéia para a qual o povo deve ser educado. Educação para um no moderno. À pedagogia cabia gerar uma nova forma de sociabi-
programa de reconstrução social e regeneração moral; e o homem lidade, compatível com os ideais da racionalidade e produtivida-
despontará como senhor de seu destino e dominador da Natureza. de. A construção do Estado Racional tornou-se estratégica para
As reflexões de Walter Benjamin sobre a pedagogia burguesa são os pioneiros da educação renovada, pois a partir dele tornava-se
decisivas para efetuar-se a crítica do programa escolanovista. possível empreender a reordenação e a disciplinarização, banindo'
tudo o que é fragmentário, heterogêneo e contradit6rio. Ao Esta-
Psicologia e ética são os pólos em torno dos quais a pedagogia bur- do racional ou positivo, concebido como entidade fria e neutra,
guesa se agrupa. Não se deve supor que está estagnada. Atuam nela pólo universal, cabia administrar as classes hostis e egoístas, que,
ainda forças ativas e, às vezes, também significativas. Apenas, elas perseguindo interesses individuais produziam uma crescente ins-
nada podem contra o fato de que a maneira de pensar da burguesia, tabilidade social.
aqui como em todos os âmbitos, está cindida de uma forma não-
dialética, e rompida internamente. De um lado, a pergunta pela natu-
A produção cultural é o outro ponto importante na estratégia
reza do educando: a psicologia da infância, da adolescência; de outro de superação do atraso brasileiro. O movimento da Escola Nova
lado, a finalidade da educação: o homem íntegro, o cidadão. A peda-
l'xpressa um amplo programa cultural de largo alcance pedag6gi-
gogia oficial é o progresso de adaptação mútua entre esses dois mo-
CO, com a finalidade de construir a identidade nacional. Vista
vimentos e seus progressos obedecem à orientação de substituir cada
desse ângulo, a cultura assume caráter instrumental, voltada para
vez mais a violência pela astúcia (Benjamin, 1984: 89).10
I reforma da realidade imediata. No ideário contra-revolucioná_
no, a luta de classes é substituída pelo tema da cooperação e soli-
Enquanto estratégia não-repressiva, isto é, astuciosa, a pe-
dancdade social, e o motor das transformações s6cio-hist6ricas
dagogia escolanovista produziu uma inversão clássica: as idéias passou a repousar na antinomia Tradição versus Modernidade. A
não estão nos diferentes sujeitos, m as os sujeitos parecem estar

() "Movimento Juvenil" propunha a volta à natureza e repudiava determinados


10. Durante a sua juventude, Walter Benjamin participou ativamente da organização I~pectos da sociedade industrial. Em 1914, Walter Benjamin, então presidente da
"Movimento Juvenil"XWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
(J u g e n d b e w e g u n g ), inspirado nas idéias do pedagogo I\R~ociação dos Estudantes de Berlim, rompeu com o Jugendbew egung e com
alemão Gustav Wineken que, com a sua "Comunidade Escolar Livre" criada em (,uMav Wineken que ligado à social-democracia alemã, tomou partido pela Pri-
1906, procurou influenciar a reforma de ensino na Alemanha. mcirn Guerra. Após 1918, o movimento dividiu-se em duas tendências: o socia-
Lourenço Filho, em Introdução ao estudo da E scola N ova, apontou Gustav Wine- lismo democrático e o fascismo. O ideário pedagógico de Gustav Wineken, for-
ken como o "mais vigoroso incitador do movimento pedagógico da atualidade. h"lIlcntc deturpado, foi incorporado pela Juventude Hitlerista. Imagino que as re-
( ... ) não procurava apenas a adaptação dos moços ao estado social presente, mas a tlcxócs de Walter Benjamin sobre a educação e a cultura são fruto de uma crítica à
um estado social futuro. É a revolução pela escola." (O p,' cit. p.9.) fll'dngogia de Gustav Wineken a à ambigüidade do movimento. Sobre a trajetória
."" W Benjamin veja-se Gagnebin (1982), Habermas (1980).
18
19
luta de classes foi substituída pela batalha de idéias, onde a mo- um acordo tácito, que vê a República Velha como pólo de desvios
dernização, sucedâneo da industrialização, surgia como umanmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
tare- e ausências primordiais, fazendo com que a História propriamente
fa intelectual. dita, - a História Universal -, não se reproduzisse no Brasil. A
scola Nova no Brasil permaneceu, apenas, como uma idéia, uma
Se é verdade que não devemos tirar conclusões muito rápidas acerca aspiração que a realidade deixou inconclusa, e que se um dia for
das relações entre trabalho intelectual e prática política, a verdade efetivada em sua totalidade, conduzirá ao caminho da Boa Socie-
talvez devesse ser a de que não podemos retirar quaisquer con- dade através da Boa Educação.
clusões, sem antes indagar qual é a atividade política privilegiada pe-
lo intelectual: a do "alto" ou a do "baixo"? (Chaui, 1978~: 116.) Apaziguados, tanto o historiador quanto o leitor julgam fi-
nalmente compreender a importância e o valor desse legado cultu-
ral, guardado ciosamente pelos herdeiros liberais e críticos. Pas-
o ideário liberal-escolanovista constitui uma estratégia astu- sado o tempo, continua-se a ler a trajetória da Escola Nova no
ciosa de invasão do mundo do trabalho, através de uma via não
Brasil a partir de imagens forjadas pelos pioneiros. Perante tanto
diretamente repressiva que, entre outras coisas, procurava dissua-
dir o proletariado urbano de um projeto histórico autônomo, re- consenso seria possível propor um contradiscurso?"
presentando-o, no plano das idéias, como agente de um plano
histórico previamente traçado. Utilizando-se de uma concepção
o que é a Escola Nova senão a tentativa de reinscrever a
Pedagogia naquilo de que se desviara: o humanismo e o raciona-
de história progressiva e linear, os sujeitos políticos - as classes
lismo? Para tanto, deveria colocar a educação e conseqüenternen-
sociais - passavam a ser meros agentes da modernidade sob a di-
te a sociedade sobre bases positivas, o que constitui uma tentativa
reção do Estado Administrador.
clara de subtrair ambos os termos - educação e sociedade - da
disputa política. A proposta de uma nova concepção de infância,
Cultos, generosos, humanistas e desinteressados, pois, preo- de métodos de ensino, programas e currículos, de organização e
cupados apenas em recolocar a pedagogia na tradição humanista e idrninistração escolar implicava também uma concepção de m e-
racionalista do Ocidente, os pioneiros da educação nova, a van- noridade racional da sociedade civil.
guarda pedagógica, surgem no aparecer social, como sujeitos
comprometidos com valores universais: Nação, Ciência, Progres- Disse Fernando de Azevedo, um dos principais artífices da
so e Razão, valores típicos da 'modernidade e do século XX - Era mensagem reformadora: "mudam os tempos, mudam as con-
da Máquina e da Técnica. Assim são representados na produção cepções e aquelas que são vencidas já não têm mais razão de
historiográfica: o "máximo de consciência de classe" ou "cons- ser. ..". Com o Autor, aprendemos que a história é um composto,
ciência limite" das classes no poder. síntese de uma tríade: "composição, decomposição e recompo-
sição", e que a educação científica, a que se sobrepõe aos inte-
Ao defenderem os valores das sociedades industriais e pro- resses individuais e de classe conduz a novas formas de recompo-
porem uma ampla reformulação cultural, num contexto marcado sição do tecido social. Daí a importância da educação, afirmam os
pela presença do universo agrário, rural e oligárquico, os pionei- liberais, nas conjunturas de crise e depressão moral, pois ela é au-
ros assomam como intelectuais humanistas e modernos. A histo- toconsciência: a sociedade que se pensa, através de seus intelec-
riografia conclui que em determinado momento da história do tuais, supera os seus limites. Com Fernando de Azevedo, apren-
Brasil, nas décadas de 20 e 30, a hegemonia liberal-escolanovista demos também "que os povos acomodam-se no interior das ve-
teve de ser. lhas estruturas, cabendo à pedagogia social fazer com que se libe-

Grosso modo, é essa a avaliação que a historiografia da


educação cristalizou na memória coletiva. Os textos são incisivos: 11. Para uma exposição mais detalhada sobre a memória dos pioneiros, veja-se Nagle
(1974), Azevedo (1958), Gandíni (1980); "Mesa-redonda sobre o Manifesto dos
tanto os pioneiros quanto o ideário da Escola Nova, propugnavam Pioneiros da Educação Nova e o desenvolvimento da educação brasileira" inR e-
a regeneração do homem e da pátria brasileira através da revo- vista B rasileira de E studos P edagógicos, Brasflia, INEP, vol.65, n2150, 1984. Ve-
lução cultural. Conclui-se, ainda, que a mensagem regeneradora ja-se também, no mesmo número, os artigos de Célio Cunha, "A atualidade do
Manifesto dos Pioneiros", e Paschoal Lemme, "O Manifesto dos Pioneiros da
foi truncada pela inexistência de condições objetivas, já que há Educação Nova e suas repercuss6es na realidade educacional brasileira".

orqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 21
rem das amarras da tradição."nmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A T radição, para os pioneiros, como etapa superior da história, quando comparado ao contexto
não era peso m orto que se prolongava pelo tem po; ao contrário, rural e oligárquico da República Velha, sendo "30" o fato histó-
era força viva e atuante que agia no presente. Daí a necessidade rico divisor de duas épocas. 12
de urna revolução cultural.
A leitura evolucionista da história oculta o círculo contra-
Nos domínios da Pedagogia, a Escola Nova apontou para o ditório no qual os liberais se encontram: a favor do povo, na luta
ingresso na era moderna. Como amantes do progresso, estabele- contra o obscurantism o e o despotism o (no caso brasileiro, as
ceu-se uma empatia entre nós e os pioneiros, pois lutavam pelo oligarquias e o aristocracism o), m as contra esse m esm o povo,
aprimoramento do homem brasileiro e por uma sociedade justa. em nom e da razão, isto XWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
é , da ordem e do progresso.
Quais são os seus princípios? O laicismo, a gratuidade, a obriga-
toriedade, a co-educação dos sexos, a educação pública, dever do Retomemos alguns pontos da Escola Nova. Vejamos de per-
Estado, a escola única ... em resumo, "uma educação para uma ci- to a figura do professor, pois ela sintetiza com brilho o humanis-
vilização em mudança", isto é, para uma revolução dentro da or- mo moderno presente no ideário da Escola Nova. O professor,
dem , isto é, uma contra-revolução. As imagens originadas pelo afirma a teoria escolanovista, não deve representar a imposição da
discurso são avassaladoras: modernização do pedagógico e do so- autoridade, mas sim o seu acatamento através do consentimento.
cial, retomada dos princípios da revolução democrático-burguesa, Tanto a autoridade imposta como a disciplina sem finalidade, isto
paz social pela educação etc. , alienadas, integram o universo da Tradição, e geram revolta e
rndisciplina. O novo professor conduz os alunos através da orien-
Eis as palavras do historiador: tação, fazendo com que atualizem a potência, transformando-a em
ato. A disciplina consentida é provida de sentido: cooperação e
Essa retomada de consciência vinha se processando graças a influên- solidariedade expressam a adesão consciente a projetos de inte-
cias que, desde a segunda década do século, certos educadores vi- rcsse coletivo.
nham recebendo das correntes americanas e européias ligadas ao
chamado movimento das Escolas Novas. (...) Por outro lado, a rei- Durante o processo de aprendizagem, as diferenças entrerqponmlkjihg
vindicação da escola pública, gratuita, obrigatória e leiga é con- rlunos e professor desaparecem gradativamente, atingindo-se um
seqüência da nova situação criada com a ascensão de novas classes mesmo patamar de compreensão da vida. A escola, dizem, deve
sociais e a complexificação crescente de todo o organismo social. A ducar para a vida. A pedagogia da E scola N ova brasileira é ,
educação pública, gratuita, obrigatória e leiga é uma conquista do p o is , um a psicologia, ou melhor, uma psicopedagogia. O profes-
Estado burguês, e surgiu na Europa com a ascensão da burguesia e o ur nunca reprime, apenas cria áreas de consenso, valorizando os
desenvolvimento da vida urbana. Historicamente, pois, é uma con- Interesses individuais, tomando-os centros de aprendizagem. Ad-
quista resultante da decadência da antiga ordem aristocrática e, co- uunistra os conflitos e tensões individuais e coletivos típicos do
mo tal, representa, no Brasil, uma reivindicação ligada à nova ordem vi ver em sociedade.
social e econômica, que começa a se definir mais precisamente após
1930 (Romanelli, 1985: 150).
"Revolução de 30, nesse contexto, jamais pode ser tomada como um mero fato _ 6
um a construção extremamente elaborada. Politicamente, a elaboração dessa idéia
Às vezes, tem-se a impressão que a história estancou entre a ocorreu no contexto da luta e do exercfcio da dominação sob o prisma do vencedor
Revolução Francesa no século XVIII e a nossa revolução burgue- tnl 6 o movimento de constituição da mem6ria. Essa construção supõe em seus
sa, a "revolução de 30", omitindo-se toda uma trajetória em que a lumtes certo conjunto de temas, daí derivados, que a bibliografia em geral e a his-
ruriografia em particular consideram objetos de estudo. Assim, temas como polí-
radicalidade revolucionária da burguesia européia vai se conver- ncn oligãrquica, fatos como revolução de 30 e revolução de 32, atores como oli-
tendo em contra-revolução. Vê-se a história do Brasil como fata- zurquias e os tenentes continuam sendo exaustivamente examinados, embora a
lidade, simples repetição da trajetória da chamada História Uni- 1I1111or parte desses trabalhos não tenha se preocupado com a crítica da idéia que
uhsmntlva essa refinada construção. (. ..) A constituição da mem6ria inclui a defi-
versal. A .partir da concepção de história progressiva, o contexto IIlçfto dos agentes hist6ricos que participaram do processo polftíco, de tal forma
democrático-burguês, que se repete aqui com a "revolução de que alguns sejam excluídos da hist6ria. Nessa mem6ria, 1930 cumpre tal papel.
30", é tomado como moldura para a análise do escolanovismo A.Nim, todo o processo revolucionário anterior a 1930 é reduzido à prática dos
mndes agentes vistos nesta nova etapa - ressalta a oligarquia e adminlstração/Es-
brasileiro, que com suas bandeiras públicas e universais, aparece uulo" (Vesentini e Decca, 1976: 62-63). Veja-se ainda Decca (1984).

22 23
Nessa nova teoria, a escola é uma "sociedade embrionária". também reposta de forma imaginária e abstrata: há um corpo, um
Por isso, recomenda-se o trabalho em pequenos grupos, como organismo social, cujas partes, integradas harmonicamente, con-
forma de desenvolvimento da alteridade, colocando-se sob cons- duzem ao progresso social. Surgem então as imagens das "classes
trição a paixão e o egoísmo individual. Desde a infância, apren- laboriosas", "classes dirigentes" e "Estado racional", este enten-
de-se a arte do convívio social. O viver em sociedade é o desafio dido como cérebro, formando uma teoria organicista e mecânica
primordial posto pela Escola Nova. de sociedade.

Expostos esses aspectos, podemos avançar em direção à di- A racionalidade im ediata que em ana da XWVUTSRQPONMLKJIHGF
e s f e r a de produção
tornou-se paradigma para a reorganização do social. Essa ope-
mensão social contida nessa nova pedagogia.rqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
É uma teoria con-
vincente que se apresenta como Modernidade, correlata à idéia de ração ideológica empreendeu a tarefa de criar uma lógica de iden-
revolução cultural. A modernidade assume o aspecto de uma ex- tificação entre racional idade social e capitalismo industrial. O
periência histórica: é a potenciação dos poderes do homem sobre movimento escolanovista procurou implementar a regularidade
a organização da sociedade e o domínio da natureza e expressa, das relações sociais, propondo novas práticas sociais. Os pionei-
no plano cultural, a euforia das imensas e inusitadas possibilida- ros expressaram a batalha de idéias que estava sendo travada den-
des produzidas pela economia de mercado capitalista. Portanto, tro e fora dos muros da fábrica. Propunham a fabricização para
para a Escola Nova, a luta não deve ser de classes, mas pela ra- além dos muros da produção. Para tanto, empreenderam a revisão
cionalização de todas as esferas da atividade humana. O projeto da cultura e da sociedade brasileiras, sob o signo da economia de
reformador é emancipador, pois engendra uma nova forma de mercado, o que diferenciaria radicalmente a prática pedagógica
pensamento compatível com aquilo que abstratamente denomi- escolanovista das outras práticas, particularmente da pedagogia
nou-se "mundo moderno". Propõe a remoção dos aspectos cultu- de padrões cívico-nacionalistas. Formularam uma teoria de go-
rais arcaicos, a imobilidade social, o hábito como determinação verno que tomou a fábrica como ponto de partida para o desen-
dos costumes, o que representa o fim da Tradição. OnmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
projeto de volvimento da sociedade brasileira, sendo, portanto, uma tentativa
reform a escolanovista busca no m ercado o principio organizador de dominação cultural.
da cultura e da sociedade.
O escolanovismo empenhou-se em subtrair a discussão polí-
O escolanovismo brasileiro expressou a emergência de uma t icasobre os rumos da República, dos espaços públicos da socie-
nova sensibilidade perante o caos da cidade e da era da máquina. dade, utilizando o discurso científico como argumento. É signifi-
Compatibilizando-se com os princípios da economia de mercado: cativo que a historiografia aponte os pioneiros como os primeiros
produtividade, disciplina, circulação, procurando homogeneizar a "educadores profissionais", referendando o discurso da com-
cultura e eliminar os laços pessoais, propondo a construção de petência.
uma sociedade aberta, num movimento semelhante a uma revo-
lução de cima para baixo. Diz-nos Edgar de Decca:

O projeto de transição e efetivação da modernidade engen- (...) cabe ainda ao historiador a crítica aos modelos teóricos já con-
drado pelos pioneiros escolanovistas utilizou a fábrica como espe- sagrados pela teoria econômica, pela ciência política e pela sociolo-
lho ou paradigma para elaborar a nova pedagogia social. A fábri- gia, que definem a vitória da fábrica numa sociedade a partir da
ca, pelo seu caráter cooperativo, ou seja, a associação de traba- eficácia ou ineficácia da ação econômica da burguesia, qualificando
lhadores diferenciados e especializados numa obra comum, tor- esta última com noções do tipo forte-fraca, avançada-atrasada etc.
nou-se o modelo para a reorganização da sociedade. Justamente por reduzirem o tema à matriz economicista, fazem esse
mesmo recorte com relação às classes sociais, definindo, por exem-
Esse ideário renovador não nega a existência das classes so- plo, a classe burguesa como mera "pessoa econômica", perdendo de
ciais, mas propõe a reinvenção do proletariado urbano, determi- vista ao mesmo tempo o fato de que a dominação na sociedadebur-
nando-lhe uma posição subalterna, retirando-lhe a sua dimensão guesa, precisamente por colocar a fábrica como seu pólo orientador,
política e autônoma, eliminando, abstrata e imaginariamente, a requer o concurso permanente de outros agentes sociais que elabo-
dimensão do conflito social. A divisão da sociedade em classes é ram na vida cotidiana essa mesma fábrica como um fato social in-

24 25
contestável. Onde quer que a fábrica tenha se tornado vitoriosa his- casas, na rua, ou nas fábricas.rqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONM
É preocupação de muitos a sua saúde,
toricamente, o tema da industrialização se consolidou como um dos a sua educação, a sua moral, o seu lazer, enfim e principalmente o
universos da dominação cultural e induziu a criação dos mecanismos seu trabalho (Decca, 1983 : 72).
de coerção para impedir que os trabalhadores pudessem pôr em dú-
vida uma hegemonia de arrogância incontestável. Nesta perspectiva Tendo a multidão e a cidade como temas, onde a ameaça da
histórica a vitória da fábrica não poderia nunca ser resultado exclu- ruptura e a instauração do novo refugiam-se sem deixar rastros, a
sivo da ação econômica de qualquer burguesia. A fábrica deve o seu comunidade de homens cultos, os reformadores sociais: pedago-
sucesso aos inúmeros agentes sociais que participaram na elaboração gos, engenheiros, sanitaristas, médicos, higienistas, filantropos
de um domínio cultural - onde o tema da industrialização tem o seu empreenderam a tarefa comum de regeneração do povo. O inqué-
lugar privilegiado - e de um aparato de coerção que atua cotidiana- rito sociológico foi a arma científica para o esquadrinhamento
mente sobre o trabalhador dentro e fora da fábrica (Decca, 1983: disciplinar da condição do homem pobre. Assim, em 20 e 30 há
49).13
um inquérito permanente sobre a condição operária, seja dentro
O texto acima permite uma melhor compreensão das tarefas
da fábrica, no lazer, na educação, na higiene, no consumo da
produção cultural, na alimentação, na moradia, nas questões da
empreendidas pelos pioneiros escolanovistas e sua mensagem re-
formadora e regeneradora, e explicita a afirmação anterior: o es- produtividade do operário etc.
colanovismo enquantoXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
id é ia para a qual todos deveriam ser edu-
As informações de Roberto Machado esclarecem a relação
cados, enquanto expressão de um novo saber pedagógico que
poder e indivíduo:
substitui a violência pela astúcia. Ao criarem a lógica de identifi-
cação entre razão e dominação, produziram também a invisibili- Tornou-se um hábito explicar o poder capitalista como algo que
dade do poder, subordinando a política à racional idade e com- descaracteriza, massifica; o que implica a existência anterior de algo
petência técnico-científica, ou seja, à concepção de política como uma individualidade com características, desejos, comporta-
científica e despartidarizada. mentos, hábitos, necessidades, que seria investida pelo'poder e sufo-
cada, dominada, impedida de se expressar. De fato, não foi isso que
Nova sensibilidade e percepção para o caos da cidade, o es- aconteceu.nmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A tuando sobre um a m assa confusa, desordenada e desor-
colanovismo empenhou-se em decifrar a multidão anônima, ilu- deira, o esquadrinham ento disciplinar faz nascer um a m ultiplicidade
minando a perigosa condição do homem pobre, presença ostensi- ordenada no seio da qual o individuo em erge com o alvo de poder
va e ameaçadora no mundo urbano-industríal.!+ (Foucault, 1982: XIX). [Grifos meus.]

O proletariado urbano torna-se uma classe perigosa onde quer que A Escola Nova e suas agências multiplicadoras: a ABE (As-
apareça, como agente, dentro da fábrica no decorrer do processo de sociação Brasileira de Educação), as reformas de ensino estaduais
trabalho, ou fora dela onde sua própria presença e condição assina- e no Distrito Federal, a literatura pedagógica, as conferências na-
lam os perigos de uma contestação social. Por isso mesmo, durante a cionais e a intensa militância prática e teórica dos reformadores
década de 20 já podemos falar numa complementaridade de atuação escolanovístas'", juntos, constituem o núcleo expressivo da em-
dos reformadores e dos industriais, uma vez que todas as estratégias
pontuais de controle do proletariado urbano na cidade acabavam por
atuar direta ou indiretamente sobre o processo de trabalho. Durante 15. A Associação Brasileira de Educação - ABE - foi criada em outubro de 1924, por
esse período cada fala racionalizadora reivindica para si um saber iniciativa de Heitor Lira da Silva, com sede no Rio de Janeiro. Seus associados
sobre o tratamento da questão operária. A personagem incômoda do eram médicos, pedagogos, jornalistas, políticos, escritores, engenheiros etc. Havia
proletariado começa a ser minuciosamente estudada dentro de suas as seções regionais, que se revelaram instâncias decisivas na formulação dos temá-
rios e teses expostos por ocasião das conferências e congressos de educação convo-
cados pela entidade. Pelo menos no que diz respeito às cinco conferências iniciais
(1927, 1928, 1929, 1931, 1932-33), podemos constatar um leque amplo de temas
13. Veja-se também do Autor, 1930- O silêncio dos vencidos, (1984), particularmente voltados para a normalização do cotidiano: sexologia, cultura, alcoolismo, higie-
o capítulo 3: "O tema da industrialização na luta de classes". ne, educação popular, puericultura etc.
14. Para uma discussão aprofundada sobre a investigação da condição dos trabalhado- Particularmente, as 4! e 5! conferências patrocinadas pela ABE foram decisivas, e
res urbanos e conseqüente regeneração moral, nas décadas de 20 e 30, veja-se delas resultaram- respectivamente: o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova e
Rago (1985) e M. Decca (1987). as sugestões para o capítulo "educação e cultura" da Constituição de 1934. As
Para estudar-se a relação alienismo e "classes perigosas", veja-se Pereira Cu- conferências promovidas pela ABE são estratégicas no que diz respeito à organi-
nha (1986). zação do chamado campo educacional brasileiro nas décadas de 20 e 30.

26 27
cultura nacional, correlata à idéias de "unidade nacional", buscando,
presa de moralização e regeneração do povo e da República que por exemplo, as "raízes do Brasil" como também produzir a noção-
procurou impor a dominação cultural e o controle político. mesma de cultura. E, mais do que isso, são esses intelectuais que
passam a ser recrutados pelas agências do Estado e propõem refor-
As citações anteriores, creio, ajudam a redimensionar a pre- mas de ensino ou atuam como técnicos especializadosem cada ramo
sença dos.reformadores escolanovistas e, ao mesmo tempo, con- de administração pública (Munakata, 1984: 71).17
tribuem para o questionamento da matriz economicista que reduz
o movimento da história à estrutura econômica, desprezando o
concurso dos diferentes agentes na construção da hegemonia bur-
o tratamento de vanguarda pedagógica conferido aos libe-
rais escolanovistas não anula as diferenças individuais amplamen-
guesa sobre o conjunto da sociedade de classes. Cabe reafirmar
te abordadas na literatura existente. Ao identificar a vanguarda no
que os intelectuais em questão contribuíram na produção dessa
interior da empresa de regeneração moral e social do Brasil, com-
hegemonia, pois, ao reformularem a pedagogia dita tradicional,
acabaram por produzir uma pedagogia de natureza social. Ao co- preende-se clara e inequivocamente o projeto escolanovista: urna
locarem a fábrica como centro de reorganização da sociedade, pedagogia social de natureza contra-revolucionária. Criam-se, as-
operaram deslocamentos no interior do ideário liberal, que soma- sim , condições de iniciar uma leitura em sentido contrário àquela
dos acabaram assumindo a dimensão de projeto.!" indicada pelas imagens produzidas por esses agentes, apreenden-
do-as com dimensão simbólica originada no interior da luta de
Vejamos alguns pontos: classes.

- redefinição do estatuto da pedagogia no interior da socie- Certamente há individuações, sem contudo cairmos na ar-
dade, atribuindo-lhe novas finalidades sociais; madilha de tentarmos explicitar qual dos intelectuais se aproxi-
- admissão da divisão da sociedade em classes, colocando-a mava mais ou menos do ideário da Escola Nova, isto é, qual o seu
sobre bases ditas racionais, numa teoria organicista do social; rau de ortodoxia e por conseqüência, de liberalismo. Femando
- a Nação é encarada como uma entidade produzida pelo de Azevedo, por exemplo, preocupado com a funcionalidade da
Estado, identificando-se interesse privado e público, Nação e rganização social, foi sensível à argumantação de Émile Dur-
indústria; kheim, o que não o deixou imune aos apelos da teoria corporati-
- o Estado visto como poder impessoal e separado da so- vista do Estado Novo; Anísio Teixeira, influenciado por John
ciedade, árbitro, dele emanando diretrizes para o conjunto da so- Dewey, representou no Brasil o neoliberalismo de cunho pragma-
ciedade;
lista: a dimensão técnica sobrepondo-se à política; Lourenço Fi-
educação e construção do Homem Novo;
lho preocupou-se com os aspectos dos processos pedagógicos,
- a fábrica como modelo para a reorganização da sociedade.
mostrou-se particularmente influenciado pela psicologia experi-
mental; Antonio Carneiro Leão, por sua vez, preocupou-se com
(...) em suma, no Brasil, sobretudo na década de 20, e em consonân-
os aspectos organizativos da administração escolar, sensível às
cia com o resto do mundo, começa a se consolidar um modo de re-
teorias da sociologia funcionalista norte-americana. Por outro la-
presentação do real - o ideário contra-revolucionário - para o qual
do, essas influências estão de forma explícita ou difusa em todos
contribuem tanto os setores de "direita" como de "esquerda". Nesse
processo não é desprezível a participação de um tipo de intelectual, eles, cabendo ao historiador das idéias verificar a dimensão do
em especial os "modernistas" - que não só procuram organizar a positivismo, no interior desse ideário, e, conseqüentemente, no
processo de rearticulação do liberalismo brasileiro.

16. O projeto escolanovista não pode ser entendido na acepção que estamos acostuma-
Nesse artigo, o Autor realiza um excelente contradiscurso, desmontando uma lei-
dos a conferir a esse conceito político, Constitui-se, antes de mais nada, denmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
deslo-
cam entos operados no interior do ideário liberal clássico, assemelhando-se a uma tura clássica sobre a República Velha, desvelando a postura conservadora que se
atualização. Foi uma das expressões fundamentais na rearticulação do liberalismo esconde sob um caudal de conceitos utilizados para analisar o período: 30 enquan-
brasileiro nas décadas de 20 e 30. to "Estado de compromisso" entre diferentes forças políticas, "o voto de cabres-
Kazurní Munakata, ao analisar a legislação trabalhista no mesmo período, deno- to", "fraqueza da burguesia", "desvio do proletariado", "inexistência de hege-
minou essa operação de "rearranjos do liberalismo". Para melhor situar esse pro- monia burguesa" etc.
cesso de atualização, veja-se Munakata (1981).
29
28
Se a esses intelectuais somarmos ainda, por exemplo, Fran- crático-burguesa. Desse modo, "30" é a nossa revolução, as oli-
cisco de Campos, teremos uma relação de personalidades contro- garquias, o nosso feudalismo e Washington Luís o nosso Luís
XVI; donde a modernidade surge como projeto comum e contra-
vertidas que desencadearão algo inédito, a saber,nmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
o desbloquea-
m ento epistem olâgico do pensam ento pedagógico, ao introduzi- dit6rio às novas forças emergentes: burguesia industrial e proleta-
rem os conhecimentos das chamadas "ciências fontes da edu- riado urbano.
cação". Atualizando o saber pedag6gico, estabelecendo novas fi-
Quero me deter na análise que toma como p~mto de partida
nalidades sociais da educação, determinadas pela racionalidade
para a investigação a idéia de uma história m odelar, ou melhor,
técnico-científica, representaram a superação do pr6prio pensa- um trabalho de reflexão que quer encontrar os mesmos temas e
mento esclarecido, limitado pelos padrões cívico-nacionalistas. movimentos de uma hist6ria primordial - eurocêntrica - nos paí-
Illil!zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Testemunhando o momento em que este pensamento expulsou do ses denominados periféricos ou de "capitalismo tardio", ex-
seu interior o cinismo, apontando para a ampliação do exercício pressão que denuncia a idéia de um mesmo caminho para todas as
de poder." formações sociais. Bem, quando se compara incomparáveis, o
Brasil surge inevitavelmente como algo anacrônico, onde as
De modo geral, a visibilidade hist6rica criada em torno da idéias estão sempre fora do lugar. Sob esse prisma, as diferentes
Escola Nova no Brasil e dos pioneiros da educação nova é depo- produções culturais (quase sempre mensagens reforrnadoras e re-
sitária de uma certa historiografia saudosa de alguns momentos da generadoras) são expostas como projetos culturais para a Nação
trajet6ria da burguesia européia nos séculos XVIII e XIX. Inúme- brasileira, com a clara finalidade de superar o descompasso exis-
ras vezes, deparamo-nos com o historiador que perscruta a histó- tente entre o Brasil e as nações civilizadas, isto é, com esforço de
ria retrospectiva do Brasil procurando encontrar momentos simila- atualização do Brasil com os p610s dinâmicos e modernos da eco-
res ou pr6ximos àqueles contidos no que se convencionou chamar nomia mundial.
de Hist6ria Universal. Essa concepção, que conhecemos com a
denominação de positivism o historiogrâfico, tem como suporte a Vejamos de perto um pouco dessa produção acadêmica. Jor-
apreensão da hist6ria como processo evolutivo, onde o tempo ge Nagle, em Introdução ao estudo da E scola N ova, diz-nos:
hist6rico é um continuam linear, homogêneo e vazio, sucessão do
tempo empírico. Nele o investigador seleciona fatos que julga re- (...) procuramos mostrar o quadro geral em que se processou a in-
levantes e que virtualizarn a hist6ria progressiva. O tema da Re- ·trodução da Escola.Nova no Brasil, quadro muito modesto quando
volução Francesa do século XVIII é presença significativa na se procura identificar a existência do novo ideário, ou verificar o
produção que tematiza a Escola Nova no Brasil, aproximando, conjunto das realizações efetuadas. Assim é que, utilizando como re-
sempre que possível, ambos os momentos. Em resumo: a historio- curso comparativo os quatro momentos de desenvolvimento da
grafia sobre a Escola Nova, como desdobramento e retomada dos história nova da Escola Nova, tal como propõe L. Luzuriaga, obser-
princípios liberais no-âmbito da educação e da pedagogia, explici- vamos o seguinte. Enquanto nas suas dimensõesuniversais as quatro
ta o tema como parte integrante do contexto da revolução demo- etapas traçadas por esse estudioso já haviam sido ultrapassadas por
volta de 1920, no Brasil até essa data não havíamos percorrido nem
a primeira (Nagle, 1%4 : 81).
18. Deputado federal, médico e escritor, Afrânio Peixoto foi uma pessoa de im-
portância nessa empresa de moralização e disciplinarização da sociedade brasileira Essa passagem revela a postura metodol6gica dominante: a
ao final daXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
b e lle - ê p o q u e ; tematizando a medicina social e forense, o alienismo e o historiografia comparativa em que o investigador a priori já está
higienismo, a criminologia e a sexologia, a instrução popular, a hist6ria da edu- munido das respostas para as questões que levanta. A realidade é
cação e da literatura, demonstrou ser um intelectual dotado de um super saber.
Afrânio Peixoto denominou Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Lourenço conformada a uma teia conceitual, da qual o investigador se utili-
Filho e A. Carneiro Leão como os "cardeais da educação brasileira". za para confirmar a hip6tese de trabalho. Caso essa realidade não
Entretanto, ao lados dos "cardeais", há um número significativo de "profissionais se conforme à teia conceitual idealizada, recorre-se à teoria das
da educação", personagens menores e até mesmo obscuros que povoaram a cena
intelectual do período. Panfletistas tenazes e ocupando postos na administração peculiaridades. A historiografia sobre a República Velha ilustra
pública, eram membros ativos da empresa moralizadora. Assim, é preciso citar essa postura metodol6gica em que a hip6tese já está comprovada
nomes como os de Paulo Maranhão, Noemy R. Silveira, Everardo Backheuser, antes mesmo de o pensamento ser colocado em movimento, ope-
Delgado de Carvalho, Teixeira de Freitas, Jônatas Serrano, Isaías Alves e tantos
outros.
rando a reflexão negativa.

31
30
Ante essas considerações, é preciso introduzir uma outra Entretanto a historiografia sobre o tema e período aponta
questão: a presença das dimensões anteriormente apontadas no in- para outras direções interpretativas, constatando urha sucessão de
terior de uma produção que se apresenta como crítica. Em que desvios e ausências: uma burguesia débil, incapaz de produzir um
projeto para a Nação; um proletariado desorganizado e imaturo;
medida a produção crítica não incorporou as imagens tecidas pe-
um Estado desprovido de políticas públicas etc.19
los intelectuais liberais a respeito da educação e de sua relação
com a sociedade? Em que medida continuamos a produzir criti-
Tantas são as ausências dos agentes sociais de cunho mo-
camente a partir das imagens ideológicas, progressivas e humanis-
derno que o trabalho de investigação chega a desanimar o pesqui-
tas, forjadas no interior da luta de classes por agentes ocupados
sador e nos rejubilamos quando encontramos sujeitos sociais e
em tecer a hegemonia política e cultural burguesa sobre o conjun-
movimentos culturais que tipificam a história contemporânea. A
to da sociedade de classes?
historiografia - que não cessa de afirmar a incapacidade das clas-
ses fundamentais para tecer um projeto próprio - passou a privi-
As imagens produzidas pelos pioneiros da educação nova
legiar a presença de outros agentes de natureza modernizante. O
são tomadas como ponto de partida para o estudo e avaliação da
tema da luta de classes, a contradição principal, é assim neutrali-
história da pedagogia e freqüentemente corroboradas pelo inves-
tigador, testemunhando assim a hegemonia liberal nesse âmbito zado ou deixado em segundo plano e em seu lugar assomam os
de produção de conhecimento. Há, portanto, uma hegemonia no intelectuais, os tenentes, as classes médias, e, no pós 30, o Esta-
campo teórico que acaba por delimitar os temas e teses a serem do. Os novos agentes ou sujeitos sociais que invadem o cenário
investigados, paralisando a efetuação de um contradiscurso ou são divididos em duas categorias: modernizadores e conservado-
discurso crítico. A obranmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A cultura brasileira, de Fernando de res, pois é esse o m ovim ento pendular da história.
Azevedo, demonstrou ser um dos pontos de partida dessa histo-
riografia que apresenta a mensagem reformadora e regeneradora Nessa historiografia, 30 aparece como "revolução" cultural
da Escola Nova como humanista e moderna, com ideais identifi- e política, que desprende os indivíduos dos laços de tradição, tor-
cados com a ascensão e emancipação humana, isto é, com o ideal nando-os disponíveis e aptos para a experiência histórica proposta
pela modernidade.
de progresso e, por derivação, afirmação da cultura e da civili-
zação.
O positivism o historiográfico operando com uma história
modelar produziu a concepção de que o ideário da Escola Nova
o legado Iiberal-escolanovista é ciosamente guardado como no Brasil é uma "idéia fora do lugar", ou mesmo mera superação
tesouro que deve ser passado de geração a geração, sendo conti-
nuamente apresentado como horizonte ideal, isto é, horizonte so- do estreitamento da concepção de educação nos padrões cívico-
ciopolítico e cultural tradutor dos princípios da modernidade, que nacionalistas. Desse modo, omite-se o fundamental: o escol ano-
contribuirá para retirar a sociedade brasileira do seu estado de vismo como uma empresa voltada para a organização do mundo
atraso e anomia, elevando-a, definitivamente, ao nível do século. do trabalho, a fim de garantir a autoconservação da sociedade
O ideal da Escola Nova é, pois, um imperativo reatualizado per- burguesa. Sob o prisma de modernização educacional para aten-
manentemente pela comunidade de homens cultos. der à crescente complexificação da sociedade - o termo já revela
lima postura metodológica - deixou-se de entender o escolano-
Paradoxalmente, devemos concordar com os liberais que as- vismo enquanto esquadrinhamento disciplinar e discurso de po-
severam a sempiterna contemporaneidade do liberalismo-escola- der, portanto, dim ensão sim bólica da luta de classes, com o obje-
novista. Pois é um ideário fundado nos princípios da contra-revo- uvo de neutralizar a história, através da abolição imaginária das
lução e, malgrado os achaques da percepção culta, a realidade contradiçôes, fixando novas formas de representação ideológica,
brasileira continua sendo a de luta de classes. É· contemporâneo rcdefinindo a maneira pela qual os sujeitos sociais se situam' no
\rqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
uma vez que pretende negar e neutralizar a história da luta de uuerior da organização social.
classes.
",1
Sob as imagens universalizantes que formulavam um pro- 11). I lá um balanço sugestivo sobre a produção historiográfica que abrange o período
grama para o Brasil, o escolanovismo enquanto prática ideal do da República Velha e década de 30 feito por Marilena Chaui -" Apontamentos pa-
social e do cultural, seduziu gerações de intelectuais. ra uma crítica da Ação Integralista", in Chaui (1978b, capítulo 1).

32 33
A concepção de hist6ria progressiva é decisiva na produção próprio da burguesia, inexiste. A atuação desta classe aqui será dis-
dessa inversão imaginária, pois o movimento do capital que se tinta, e se se medir pelo metro da Europa chegar-se-ia a concluir pe-
amplia e reproduz é tomado como correlato de modernidade. Re- la sua inexistência (Guimarães, 1982: 41).
sulta, então, que o capital não expressa a efetuação das relações
sociais de produção, mas, ao contrário, é o capital que na "com- A escola tradicional caiu em desuso, já que a constelação
plexificação" produz as classes sociais. Nesse caso a efetuação sócio-histérica que lhe servia de suporte e atmosfera começou a
das relações sociais efetivam aquilo que era potência, um roteiro esgotar-se, mas o novo não se efetivou em sua plenitude, trun-
previamente traçado pela racionalidade hist6rica. cando a mensagem da Escola Nova. Assim, a hist6ria pennahece
em suspenso, ancorada entre o passado e o futuro. Resta agora es-
Conforme essa historiografia, coube aos intelectuais com- tabelecer o conteúdo do presente.
prometidos com a modernidade atualizar a educação e a cultura
ao universo que despontava. Daí a avaliação do escolanovismo Podemos concluir com Kazumi Munakata:
como adequação à complexificação econômica e às demandas ob-
jetivas geradas pela ordem urbano-industrial. Aqui a infra-estrutu- Por isso, a visibilidade da hegemonia só pode ser dada pela ruptura
ra reina soberana: os sujeitos sociais estão subjugados pelo mo- com esse mesmo universo da hegemonia que anula a SU;t história e
vimento do capital ou, se se preferir, pela modernização. fixa de antemão os temas a serem investigados. É preciso deixar de
tomar ao pé da letra o discurso dos participantes da construção dessa
Já com respeito à economia, a revolução de um modelo exclusiva- hegemonia e começar a observar por trás das certezas consagradas -
mente agrário-exportador para um modelo parcialmente urbano-in- como fraqueza das classes, o conflito entre o feudalismo e o centra-
dustrial afetou o equilíbrio estrutural dos fatores influentes no sis- lismo, o Estado demiurgo etc. - um projeto político que visa a he-
tema educacional pela inclusão de novas e crescentes necessidades gemonia e que, exatamente por isso, não aparece como tal. Romper
de recursos humanos para ocupar funções nos setores secundários e esse mundo cerrado só é possível quando se investiga o processo pe-
terciários da economia. O modelo econômico em emergência passou, lo qual essa universalidade da hegemonia se produziu, isto é, o pro-
então, a fazer solicitações à escola (Romanelli, 1985 : 46). cesso de lutas e conflitos que a engendra, enfim, a luta de classes
(Munakata, 1984: 17).
Essa posição te6rica, pr6xima ao evolucionismo hist6rico,
pode ser explicitada do seguinte modo: muda-se a estrutura Ao identificar as tendências e correntes da educação brasi-
econômica, no caso dotada de movimento pr6prio, e sincronica- leira, Dermeval Saviani denominou o liberalismo escolanovista
mente mudam-se as demais estruturas. A realidade tem um sentido como uma tendência "humanista moderna".
que a precede. A educação, na 6tica do desenvolvimento, não ex-
pressa luta política entre sujeitos sociais, mas esforço de sincroni- A partir do fmal da década de 20 e, especialmente, a partir de 1930,
zação.rqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
É dessa maneira que se entende a "autonomia relativa da o "entusiasmo pela educação" cede lugar ao "otimismo pedagógico"
superestrutura" ou a "sobredeterminação da infra-estrutura sobre que, com o advento do escolanovismo, irá deslocar as preocupações
a superestrutura". Práticas políticas e culturais são meros refle- educacionais do âmbito político para o âmbito técnico-pedagógico.
xos. Os pioneiros, nesse caso, expressam o esforço de sincroni- Através desse deslocamento, o escolanovismo, aliado ao trabalhis-
zação aos novos tempos, isto é, aos padrões culturais típicos do mo, irá cumprir a função de desmobilização das forças populares,
mundo urbano-industrial. Nesse caso a hist6ria da educação brasi- constituindo-se, em conseqüência, em instrumento de hegemonia da
leira é reduzida ànmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
evolução das idéias pedagógicas no B rasil. classe dominante. A tendência "humanista" moderna ganha impulso
Evolução nem sempre pacífica, quando comparada à trajet6ria da especialmente a partir da criação da ABE (Associação Brasileira de
Hist6ria Universal. Educação) em 1924. Após 1930 ela está em condições de medir es-
forços com a tendência "humanista" tradicional (Saviani, in Mendes,
O projeto democrático que (Anísio Teixeira) tem em mente é her- 1985: 35).20
deiro das concepções de mundo próprias da burguesia "conquistado-
ra" européia e norte-americana, forjada ao longo de suas lutas pelo
poder. Bem outra é a história brasileira, onde este caráter "heróico", 20. Para um aprofundamento da critica ao escolanovismo após a década de 20, veja-se
Saviani (1983 e 1984).

34
35
Por outro lado, Mirian Jorge Warde fez as seguintes obser-
vações:rqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

o que está presente do liberalismo escolanovista no senso comum


tem sido bastante estudado. Aliás, parte da literatura educacional
contemporânea de teor crítico se centra nessa temática. O que me
pareceu necessário realizar, (...) era a crítica histórica dessa con-
cepção, e ao fazê-Io, desmontar o processo através do qual o libera-
lismo escolanovista, assentado dominantemente sobre o pragmatis-
mo, construiu a forma hegemônica do nosso passado educacional (e
por decorrência o processo histórico da sociedade inclusiva) (Warde,
1984c: 5).

As reflexões efetuadas nesse trabalho constituem uma tenta-


tiva de aprofundar o entendimento dessa corrente pedagógica de-

-
nominada de "humanista" moderna e explicitar como a memória P r im e ir a P a r te
constituída pelos pioneiros tomou-se hegemônica.

Gostaria de fazer um esclarecimento sobre a inevitável D I S S O N A NHGFEDCBA


C IA
questão de método. Para tanto, faço minhas as palavras de Sérgio
Paulo Rouanet constantes na introdução de seu exemplarnmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
É dipo e
o anjo:

Nosso procedimento será benjaminiano: não percurso metódico, masXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA


Em suas análises sobre Paris como capital do século XIX,
f iâ n e r ie .

Benjamin fixou as grandes linhas desse procedimento: passeio sem


direção aparente, que no entanto acaba levando a pontos precisos,
sempre provisórios; olhar atento, mas não desmistificador, pois a ci-
dade é véu, e só velada ela se revela. A partir de alguns pontos sele-
cionados um pouco ao acaso, o crítico, como f lâ n e u r , percorrerá
ruas e praças, sem objetivo pré-concebido, mas com a esperança de
chegar ao centro - talvez a É lo U e , cruzamento de todas as avenidas
- mas uma É to U e transitória, simples pausa antes de uma n o v a flâ n e -
rie, e de um novo descentramento (Rouanet, 1981 : 10).

36
C APíTU LO I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVU
Essa não era a república dos meus sonhos

Emancipar e instruir é a forma do mesmo pensamento político. Que


haveis de oferecer a esses entes degradados que vão surgir da senza-
la para a liberdade? O batismo da instrução. Que reservareis para
suster as forças produtoras esmorecidas pela emancipação? O ensi-
no, esse agente invisível, que centuplicando a energia do braço hu-
mano é, sem dúvida, a mais poderosa das máquinasde trabalho.
Tavares Bastos,nmlkjihgfedcbaZYXW
A P rovíncia

São Paulo é o maior centro industrial da América do Sul: o pessoal


da tecelagem soletra no cocoruto imperialista do "Camarão" que
passa. A italianinhadá uma banana pro bonde. Defende a pátria.
- Mais custa! O maior é o Brás!
"Mara Lobo" (patrícia Galvão), P arque industrial

Por que tardam as Luzes? Por que o Progresso, fundamento


da harmonia social, não está presente? Porque permanecemos
nesse estágio pré-social, enquanto as demais nações do ocidente
civilizado gozam dos benefícios morais e materiais dos tempos
modernos? Assim, provavelmente, interrogavam-se, cotidiana-
mente, os homens cultos da República Velha. Irados perante a
realidade nacional insubordinada e caótica que teimava em não
ceder aos princípios da razão, eles elaboravam projetos que viabi-
lizavam a ficção liberal: a comunidade ideal, tão cara aos pensa-
dores liberais. Malgrado a persistência das vontades utópicas, a
realidade caótica da Velha República persistia e com ela crescia o
signo do fracasso, agitando a consciência moral e teórica dos ho-
mens cultos e quiçá da própria República. Os ideais republicanos
de 1889 sucumbiam ante os particularismos competitivos que do-
minavam a vida social e política. A alrnejadajicção com unistica
desmoronava e uma República oligárquico-coronelística, um ar-
remedo, uma farsa, insistia em ocupar o lugar da sonhada Repú-
blica liberal democrática.

Fragmentada em diferentes interesses, a Nação inviabiliza-


va-se em meio aos crescentes particularismos, impedindo a cons-

39
trução de umnmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
interesse único, que levasse ao apaziguamento so- dem -, condição do desenvolvimento técnico-científico e econô-
cial, condição necessária para o ingresso no pequeno círculo das mico - progresso. O arbítrio e o privilégio atestavam a posição
inferior a que fora relegada a razão. A autonomia do indivíduo
nações civilizadas do mundo ocidental. A percepção culta ansiava
estava ameaçada: a universalidade da lei, uma banalidade; as ins-
por uma ordem social perfeita e equilibrada. Mas, dividida em in-
tituições democráticas, palco da corrupção; a ética do trabalho,
teresses contradit6rios, a nação brasileira continuava inculta e um estigma perante a sobrevivência da mentalidade escravocrata;
bárbara, horripilando a percepção cultivada, permanecia à mar- o Estado universal, mera extensão do poder pessoal de alguns
gem da república liberal, portanto, à margem da tendência do sé- oligarcas; o mundo do trabalho, permanentemente à mercê da
culo. Os homens cultos - verdadeira categoria social - talvez ganância patronal, inexistindo uma legislação trabalhista; a ins-
apreendessem assim a realidade nacional e projetavam utopias- trução pública necessária à educação do povo resumia-se ao ensi-
respostas, capazes de arrancar a Nação do reino das carências e no do bê-a-bá para alguns poucos. Fatos que, somados, tornavam
do rumo indetenninado. insustentável o exercício do poder.

O que acontecia com os espaços públicos que definem a Para os homens cultos brasileiros, os ideais republicanos de
República? Encontravam-se subjugados por diferentes poderes há muito estavam entre n6s: a Inconfidência Mineira, a Revolução
privados, que transformavam o público em mera extensão do pri- Pernambucana de 1817, a Confederação do Equador indicavam
vado. Ao invés de projetos universais, ditados pelo interesse da que a República era a lógica fatal da nossa hist6ria. Entretanto, a
Nação, tinha-se projetos particulares, contradizendo-se as idéias persistência dos arcaísmos fazia com que a idéia moderna se rea-
democráticas de igualdade e liberdade. Coronéis e oligarquias lizasse entre n6s sob a forma de farsa caricatural. O contexto s6-
subjugavam de maneira cabal os espaços públicos; greves e in- cio-hist6rico operava contra a tendência do seu tempo e as insti-
surgências quebravam o equilíbrio cotidiano e o egoísmo compe- tuições liberais brasileiras, quando comparadas com as demais
titivo excluía o mundo do trabalho da esfera jurídica e política. nações do Ocidente civilizado, faziam uma triste figura. Veja-se a
No dizer de um republicano hist6rico, Silva Jardim, "o proleta- anomalia configurada pela ditadura militar nos prim6rdios da
riado urbano permanecia acampado às portas da República". A República, a "política dos governadores" idealizada por Campos
integração do proletariado, a grande ambição da percepção culti- Sales ou a corrupção do sistema eleitoral. Representação e sobe-
vada republicana, esvaía-se em sonho e em seu lugar surgia a in- rania popular eram apenas peças de ret6rica... Mesmo perante o
subordinação do trabalho, convertendo em quimera o ideal de co- quadro negativo, a construção do Estado liberal-democrático
operação racional entre as classes s.ociais. permaneceu como alvo hist6rico e horizonte político. A hist6ria
teleol6gica indicava que cedo ou tarde a República liberal-demo-
Qual a primeira crítica feita pelos homens cultos republica- crática estaria presente entre n6s. Entre os homens cultos - van-
nos? Sem dúvida, a censura à particularização do poder. O Estado guarda esclarecida - havia um consenso radical: para que os
- entidade universal - transformara-se em mera extensão do poder ideais do futuro se tornassem presentes, era preciso reinterpretar
pessoal das oligarquias dominantes. Conseqüentemente. a vida o B rasil.
pública tornara-se palco de disputas de toda ordem: disputas re-
gionais, interoligárquicas e, principalmente. entre as classes fun- Projetavam a ficção comunística: a República liberal - e
dàmentais. Isso ameaçava a autoconservação da sociedade bur-' decretavam em palavras e gestos a necessidade de sublimar as
guesa. Cotidianamente os ideais republicanos de 1889 eram energias da Nação. Diziam ser ingenuidade a crença de que a
afrontados, permanecendo letra-morta, tornando impossível o sur- onstituição de 1891 pudesse moldar um país moderno e prós-
gimento de um regime social e político que expressasse a unidade pero, pois existia um abismo gritante entre o "Brasil legal" e
moral, material e política dos destinos humanos. O arbítrio preva- o "Brasil de fato"; com lucidez, percebiam que a lei não molda-
lecia sobre a razão que, exilada da esfera pública, encontrava asi- va a realidade. Vocábulos como: igualdade, liberdade, democra-
lo nas palavras candentes dos homens cultos, preocupados em cia, mérito, trabalho, razão, justiça - peças essenciais do discur-
realizar a universalidade republicana. so burguês - revelavam-se ineficazes no tratamento da desigual-
dade social, meros ornamentos do discurso político, e eram in-
Os particularismos competitivos - diziam eles - produziam capazes de contribuir efetivamente para a legitimação e repro-
incessantes conflitos, impedindo a regularidade necessária - or- dução do exercício de poder.

41
40
República. Sem dúvida, o regime era republicano. Mas as te com os ideais de cosmopolitismo e cultura das sociedades eu-
questões fundamentais não estavam resolvidas. Onde estava o Es- ropéia e norte-americana. Esses padrões encerravam a sociedade
tado democrático, representante da soberania e vontade popular; o brasileira num estágio pré-social. Constatada a dissonância, a in-
poder legislativo eleito pelo voto esclarecido ou mesmo a opinião teligência nacional procurou estabelecer os parâmetros de organi-
pública liberal? Realidade ingrata, onde tudo se revelava ao con- zação social e a determinação dos rumos para o desenvolvimento
trário. Constatava-se, apenas, a existência de um aglomerado nacional, capazes de instituir O sócio-histórico propriamente dito.
inorgânico de interesses competitivos que não encontravam canais Feito o retrato sem retoques, restava concentrar forças e superar o
institucionais para se expressar, acirrando ainda mais a discórdia. atraso nacional: saltar do estágio pré-burguês e instaurar plena-
Um arremedo, um perigoso arremedo que tomava clara a divisão mente a República liberal democrática.
da sociedade brasileira em classes sociais, portadoras de interes-
ses antagônicos e mortais. O pior de tudo isso era a indiferença Perante as insuficiências da realidade nacional, a República
da opinião pública, no tocante ao exercício do voto, concebido Velha demonstrou-se pródiga de reformadores sociais. Conforme
como mera retribuição do favor recebido. A unidade imaginária linguagem sociológica, o reformismo foi uma constante na vida
produzida por um discurso universalizante não resistia ante uma cultural e política desse período. Surgindo um culto ao Estado
realidade material pulverizada; no limite a Nação estava inviabili- administrador: perante uma realidade fragmentada e insubordina-
zada pela heterogeneidade de interesses. da, os homens cultos refugiaram-se na idéia de que o Estado era a
única entidade capaz de redimensionar a sociedade. Mortas as es-
Na fala dos homens cultos republicanos ira e indignação, peranças advindas com a Proclamação da República, desterrada a
mas também, um projeto liberal capaz de reconstruir o tecido so- euforia inicial, reaparece o cotidiano marcado pelas cenas do já-
cial. Um projeto que servisse de instrumento crítico para a revisão visto. Entre a comunidade de homens cultos configurou-se, então,
do contexto retrógrado e arcaizante, que segundo eles, reprodu- o tema da regeneração da R epública, que marcou de forma in-
zia-se indefinidamente graças à inexistência de umanmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
opinião pú- delével a fisionomia dos anos 20. Essa mensagem de regeneração
blica liberal. Essa seita anônima e militante, tem nos preceitos li- evidenciou um esforço notável no plano das idéias contribuindo
berais os fundamentos para a projeção futura: a conquista da m o- XWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
para a recomposição da hegemonia burguesa, inspirando-se nos
d e r n id a d e , isto é, uma nova racionalidade confundida com os im- ideais da contra-revolução. O esforço regeneracional propunha a
perativos da produção capitalista, e uma nova concepção do so- revisão das instituições políticas, em especial do sistema eleitoral,
cial, concebida como Organização funcional, sob a égide da ad- da função do Estado e a moralização do povo através de uma no-
ministração e da eficiência. Eliminando-se, assim, o atraso va forma de organização da sociedade, capaz de colocar em
econômico e social, o sentimento de inferioridade e vergonha na- equilíbrio as forças antagônicas.
cional e anulando-se o descompasso entre o Brasil e o ocidente.
industrializado. Quimeras. O ímpeto modemizador perdia-se na Através da mensagem de regeneração da República e mora-
imensidão do território nacional... em meio à inércia social... o lização do povo buscava-se recompor o tecido social depositando
Brasil permanecia a margem da modemidade. Apenas uma virtua- confiança ilimitada nos poderes do Estado, concebido imagina-
lidade perdida em meio as indeterminações e carências, uma pro- riamente como acima e fora das classes sociais e pólo de poder
messa ... O ingresso na civilização ocidental, na sociedade técnica separado da sociedade civil.
e industrial tardava e o véu da vergonha e inferioridade voltava a
abater-se sobre a inteligência brasileira. P ara os hom ens cultos, a instrução pública era a via a d e -
q u a d a para a inserção do povo na p o lú ic a e na R epública. Abo-
Confirmava-se o retrato do Brasil: atrasado, inculto, conser- lidos os privilégios de classe que restringiam a participação igua-
vador, oligárquico. Um retrato feio no qual a percepção cultivada litária na política, o povo tomou-se o novo príncipe, o condutor
não podia se reconhecer, provocando repulsa e indignação e um dos destinos dos habitantes da Cidade. Mas isso só seria possível
estado de perene mal-estar na cultura brasileira. Havia urna dis- quando o povo atingisse a m aioridade racional, através da edu-
sonância entre os padrões cultos burgueses e o atraso nacional. cação pelas L uzes. A razão tornou-se a entidade protetora da'
Marcada pelo patriarcalismo e atraso das cidades, a realidade lo- República; sua ausência significava a possibilidade de retorno à
cal revelava-se mesquinha e provinciana, contrastando abertamen-rqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
barbárie.

42 43
do poder para BaiXO, isto é, para o Povo. Essa representação
o discurso sobre a educação do povo tornou-se um discurso ideol6gica omite o fundamental, pois a República liberal demo-
crítico que apontava as insuficiências institucionais do regime e crática expressa a soberania abstrata do Povo e o monop6lio da
propunha novas formas para o exercício do poder. A educação prática política institucional por alguns poucos. O deslocamento
apresentava-se como a possibilidade de realização danmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
revolução do poder para o povo é problemático, já que este nem sempre
dentro da ordem . Abandonava-se a coerção - atributo dos regi- procura a sua inserção na política conforme as expectativas dos
mes desp6ticos - e buscava-se a via pacífica para uma revolução homens cultos. Para resolver esse problema propôs-se a formação
de cima para baixo ou simplesmente uma reorganização do social, e a circulação das elites condutoras, apresentada como democráti-
com a conseqüente incorporação do proletariado na modernidade ca por permitir a renovação e acesso diversificado aos postos de
capitalista. Educar sob os princípios das Luzes era conquistar as poder. Isso reforçou a concepção de soberania abstrata do Povo e
consciências para o projeto liberal republicano.
atividade prática de alguns.

o discurso sobre a educação apontava as virtudes e os limi- Para os pensadores republicanos, a inserção do Povo na
tes do novo regime, que se efetivara entre n6s, de modo parcial política ou era anárquica e impetuosa, ou sonolenta e indiferente,
transformando as virtudes em vícios e privilégios. "Republicaní- devido à inexistência de uma opinião pública liberal, o que pos-
zar" a República inconclusa era a palavra de ordem. A mensagem sibilitava aos arrivistas a tomada de posições de prestígio e man-
regeneradora dos anos 20 configurou uma crítica radical a deter- do, como também a hipertrofia do poder privado que acabava por
minados princípios do liberalismo clássico, tidos como insuficien- sobrepor-se à esfera pública e ao sistema representativo. Daí re-
tes perante a complexidade posta pela sociedade urbano-indus- sultou a panacéia da instrução pública como alternativa para aca-
trial. Tanto no contexto de instituição da República como na fase bar com o "voto de cabresto", a distorção da representação e o
em que se propunha a necessidade de regenerá-Ia, onde se redefi- voto como retribuição do favor recebido.
nem claramente as funções do Estado, algo permaneceu comum
no discurso pedag6gico republicano: a idéia de que o indivíduo, No imaginário social produzido pelos homens cultos, a pre-
educado sob os princípios das Luzes, era capaz de combater a ti- sença do povo na política será negatividade: multidão sem rosto
rania, o obscurantismo e apreciar com isenção de espírito os atri- ou fisionomia pr6pria; aglomerado anárquico e ávido de poder e
butos da sociedade racional. sempre à espreita para o assalto final. Nesse caso, a presença do
povo na política desfaz a imagem clássica: povo, instância jurídi-
A instrução pública - educação popular - forjava o H om em co-política, legitimadora dos governos e fonte originária de po-
N ovo, portador de razão emancipadora. Assim o pensamento es- der. Tragédia: a presença do povo é transformada em ausência.
clarecido republicano instituía uma nova partição: homens cultos Daí a necessidade da tutela esclarecida. Mas, se as críticas se di-
e incultos, isto é, vanguarda esclarecida e povo. A primeira, sob rigem ao povo - massa - dirigem-se também aos donos do poder
os princípios das Luzes, decifrava o enigma da Razão na História - elites -, pois estes, dominados pelo pensamento ideol6gico, são
e conduzia o povo a um tempo edênico e primordial. Nessa nova incapazes de produzir idéias diretoras, isto é, princípios racionais
partição, o critério para se estabelecer a tutela de uns poucos so- e universais para a reorganização da sociedade brasileira. Em ou-
bre outros tantos era cultural. Os pensadores esclarecidos deve- tras palavras as elites no poder precisavam m onopolizar o uso
riam dirigir o Povo, exorcizando a sua inclinação natural para a público da razão e reorganizar o social. A política partidarizada -
rebelião e surtos milenaristas, conduzindo-o em direção à as- subordinada ao pensamento ideol6gico - não conseguia estabele-
censão hum ana.
III11
cer diretrizes comuns para a sociedade; apenas aXWVUTSRQPONMLKJI
p o lú ic a c ie n t t f i-
ca, isto é, despartidarizada, expressava integralmente os ideais
Para a comunidade culta, a República era o resultado de republicanos e de universalidade. Malgrado as vontades discipli-
uma revolução, ou seja, a instituição de uma nova ordem social nadoras, o povo, presença tumultuosa e desorganizadora, fazia-se
que recriou a sociedade e a política. Revolução que exprime um
presente na cena política. Vejamos um depoimento da época.rqponmlkjihgfedcb
novo, fruto da polarização conflituosa entre um Alto e um Baixo,
em que a perda da legitimidade do poder é fator determinante,
A função da instrução nas sociedades é precisamente a do condutor,
ocorrendo graças à percepção do arbítrio, da injustiça e dos pri-
a do transmissor pelo qual é possível a transformação da energia po-
vilégios do Alto. A República expressou o deslocamento da fonte

44
45
tencial do homem em energia cinética. Insuflando, despertando, de- vos, produziu o retraimento de um número considerável desses ilus-
senvolve as energias potenciais dissimuladas pela ignorância, a ins- tres varões e dos seus descendentes da direção nacional; da outra os
trução é bem o veículo que permite a transformação delas em ener- excessos produzidos em todas as revoluções, aliados ao espírito de
gias atuais, cinéticas, donde, conseqüentemente, em resultado, o um regim e de inteira liberdade e absoluta igualdade de raças e clas-
próprio trabalho amplificado.nmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA ses. deram aos arrivistas o acesso fácil às posições. (. ..) A s qualida-
D aí a necessidade im periosa da form ação dos m odeladores do povo, des recom endadas passaram logo a ser obediência ao chefe. a sub-
à custa da organização dinâm ica do trabalho dentro da estabilidade serviência aos governos. os pistolões e todos os atributos pessoais.
da ordem . Instruir é form ar cidadãos. é sanear m entalm ente. é fun- negativos e prejudicialíssim os aos interesses do país. Entraram em
dam entar os laços da coletividade dentro da unidade da P átria. fusão elementos de todos os matizes. O expurgo tinha de ser demo-
R epública sô pode ser concebida com o um a organização vitalm ente rado e doloroso. Daí que se começasse a efetuar pelas imposições
dem ocrática. D em ocracia pressupõe instrução difundida e dilatada. nacionais, pela melhora dos costumes, pela cultura, uma seleção
Instruir é pois dem onstrar o hom em e republicanizar as instituições conveniente decorreria muito tempo. O caldeamento, aliás, ainda
políticas. N um m eio inculto. instruir é de fato governar sabiam ente não está feito (Carneiro Leão, in Licínio Cardoso, 1981 : 23). [Gri-
(Licínio Cardoso, 1981: 109). [Grifos meus.] fos meus.]

As palavras de Vicente Licínio Cardoso expressam os ideais Após três décadas de regime republicano, a imagem sobre a
reformadores. Nesse ideário o homem é determinado socialmente: nova ordem permanecia como sendo de um regime político igua-
saneando-se as instituições, obtém-se a regeneração do povo, en- litário, tanto no aspecto jurídico, quanto no civil. Entretanto, o
tidade abstrata e vazia que deve ser preenchida com as projeções pensamento esclarecido observava a permanência de questões
emanadas dos homens cultos. Daí o surgimento de uma relação fundamentais: a indiferença das elites governantes, a concorrência
assimétrica no interior de uma entidade representada como una e pelos postos de projeção e poder e o despreparo cultural do povo.
indivisfvel: homens cultos e homens incultos. Aos primeiros é da- Deparamo-nos novamente com o tema da inexistência de uma
da a direção política, enquanto que os demais são concebidos co- opinião pública esclarecida, liberal e a persistência do favor como
mo meros sujeitos econômicos. O ideal de democratização da cul- elemento que alimentava o clientelismo coronelístico e oligárqui-
tura esconde um processo de monopolização do conhecimento, e co. O povo, a priori, concebido como entidade una e indivisível,
este passa a ser instância legitimadora da dominação. Nesse caso, portador de um interesse único, isto é, a Nação, apresenta-se na
a cultura é conhecimento científico, verdades ou determinações
cena pública fragmentado, perseguindo diferentes projetos histó-
produzidas fora do contexto da luta de classes, locus do irraciona-
ricos. O diagnóstico não tardará a surgir: faltava uma autêntica
lismo e da paixão. O pensamento científico, contraposto ao pen-
consciência nacional, um projeto histórico único, capaz de substi-
samento ideológico é fruto da atividade de mentes serenas e des-
comprometidas, como afirmou o próprio Licínio Cardoso. tuir o heterogêneo pelo uno e indivisível, na medida em que a
administração eficiente e a regularidade - o ritmo - são incom-
Outro destacado pensador reformador dos anos 20, que se patíveis com o irregular, as simétrico e, principalmente, móvel.
notabilizou pelos escritos e reformas educacionais, fez conside-
rações reveladoras que permitem evidenciar a dimensão de classe Certamente, o que se chama povo entre as nações civilizadas não
presente na mensagem reformadora. Em O s deveres das novas ge- tem existência real no Brasil, analfabetos que são os maiores milhões
rações brasileiras, escreveu A. Carneiro Leão: de nossa população.rqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG
É certo, ainda, não havia naquela época [Vicen-
te Licínio refere-se ao período anterior à República], como não há
A abolição, libertando, porém, uma população ainda considerável de hoje senão escassamente, o que se poderia chamar de educação re-
escravos, e a República, um ano depois, nivelando-a, igualando-a publicana das elites (Licínio Cardoso, 1981 : 102).
juntamente com o resto do povo, aos ex-senhores dera, a todos, as
possibilidades de atingirem as mais elevadas situações políticas e so- Perante o regime republicano, o pensamento liberal ilustrado
ciais. Assim, de uma parte, a pobreza em que caíram as antigas famí- encontrava-se em permanente dilema: como traduzir em realidade
lias senhoriais e os seus escrúpulos em se ombrearem na vida políti- os princípios teóricos do liberalismo? Como imprimir no cotidia-
ca, nas assembléias, nos parlamentos, com filhos de seus ex-escra- no os lemas igualitaristas e democráticos? Como reagir pelo pro-

46 47
gresso dentro da ordem? Interrogações imensas, onde o discurso Quem fosse uma organização, conseqüente e forte, acabaria por
sobre a educação popular era, na maioria das vezes, a resposta atuar nesse meio sem consistência, nem resistência (José Veríssimo
adequada. O suporte para equalizar Povo e República foi o dis- apud Paim, 1974: 329).
curso da ciência: educação integral, porque racional; política
científica, porque longe do reino das paixões individuais ou de Uma sociedade débil não oferecia a resistência necessária à
grupo etc. A ciência passou a ser sinônimo de administração e intromissão de idéias estranhas. Assim pensavam os reformado-
governo eficiente, colocando sob constrição tudo aquilo que for Il'S: uma sociedade civil organizada, fundada nos princípios do li-
considerado de natureza errática.nmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA Iwralismo político e econômico, seria impermeável aos apelos ir-
I ncionais. A instrução pública era a via adequada para instituir
D escobriram os sociólogos m odernam ente que as sociedades se agi- vem traumas a sociedade racional e o Estado positivo.
tam com m ais veem ência sob o influxo de sentim entos coletivos do
que sob influência de idéias diretoras. E isso explica a razão de ser Juntamente com a partição do povo em homens cultos e in-
do estabelecim ento de um credo religioso novo, ou revigorado, em cultos, onde os primeiros tutelam os segundos, difundiu-se a
todos os m ovim entos revolucionários das m assas hum anas (Licínio crença de que a disseminação do método científico no interior da
Cardoso, 1981: 95). [Grifos meus.] massa amorfa, através da instrução pública, era a via adequada
para a instituição, sem traumas, da sociedade racional.
Os sociólogos simplesmente tornaram público o horror vis-
ceral que a multidão anônima causa às elites ilustradas, sejam elas A mensagem regeneracional pode assim ser resumida: a
dirigentes, intelectuais, religiosas ... Horror redobrado ante a pos- política era sinônimo das paixões, devendo ser colocada sob
sibilidade de revolução ou do inusitado. Nesse caso, multidão e constrição, tornando-se política científica, por sua vez, sinônimo
revolução representam a explosão do que é obscuro e contido. de governo e administração competente, sendo, estritamente, uma
questão de competência científica e não de interpretação. Tem-se
Os Povos só possuem nacionalidade constituída, suficientemente a contraposição - massa/elite, onde por direito cultural, a elite,
evoluída, quando sabem criar um idealism o diretor de seus almejos, que ascendeu a compreensão, adquiriu o direito de conduzir o
de suas crenças e de suas necessidades orgânicas (Licínio Cardoso, povo em direção a sociedade racional. Assim a questão extrapo-
1981: 105). lava o reino da discussão política, para tornar-se questão de com-
petência e a cultura delimita o estreito círculo daqueles que têm
Isto é, quando os povos se submetem às exigências da ad- direito ao uso público da razão.
ministração eficiente e do governo racional, instâncias que se
apresentam como condição do bem-estar coletivo. Assim, uma Em suma, para a mentalidade culta, a década de 20 eviden-
nova divisão instaurada pelo discurso liberal está na partição ra- ciava a particularização de um regime político, tomando aparente
cional/irracional, e administração/povo. a divisão da sociedade em classes sociais antagônicas, desnudan-
do o Estado como instrumento de defesa de privilégios de classe,
A mística da regeneração resulta dos esforços dos homens mera extensão do poder pessoal e do arbítrio. Diante disso era
cultos republicanos, no processo de rearticulação da hegemonia preciso empreender a reorganização da sociedade e a integrar o
burguesa, momentaneamente ameaçada por uma contra-hegemo- proletariado urbano, produzindo uma universalidade imaginária,
nia em construção no interior do todo social. A idéia de que a
uma unidade ilus6ria. O que permite dizer que a hegemonia de
constituição de uma sociedade civil suficientemente forte poderia
uma classe sobre o conjunto do social é algo mais do que um me-
conter as demandas sociopolfticas foi admiravelmente exposta por
ro processo de dominação imutável. Todo processo hegemônico
José Yeríssimo. Embora escrito em 1901, o texto guarda uma
deve ser capaz de responder às interrogações que o questionam e
atualidade, quando comparado com as idéias derqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
20.
o desafiam, e incluir aqueles que de fato são excluídos, subme-
(...) nenhuma hierarquia, nenhuma casta, nenhuma coesão entre as tendo-os a dominação política e exploração econômica considera-
diferentes moléculas do corpo social, este era como matéria mole, das como legítimas. O pensamento esclarecido procurou demons-
excessivamente plástica e dúctil, no qual podia trabalhar à vontade trar esta dominação e exploração, como sendo de ninguém e o
quem tivesse uma convicção e um objetivo. poder de classe presente no Estado liberal, como impessoal, sim-

48 49
ples exigência da administração funcional. Os reformadores ilus- do nessa década, feito por "escritores nascidos com a Repúbli-
trados procuraram criar anmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
lógica de identificação entre razão e ca" .1
dom inação. Sob a aparência da universalidade e unidade, preten-
dia-se produzir as condições necessárias para a reposição da di- A nota do editor, escrita para a primeira edição, é revelado-
visão originária, maneira pela qual a sociedade burguesa se en- ra quanto ao contexto da época:
gendra e se reproduz.
Aos homens das gerações nascidas na República caberá, provavel-
mente, uma nova obra de construção difícil, mas fecunda. Tudo indi-
Particularizemos essa discussão na década dos anos 20, par- ca que deverão ser fixados, no tem po e no espaço, o pensam ento e a
ticularizemos ainda mais, na dimensão cultural, quando, perante 'J consciência da nacionalidade brasileira. Os distúrbios graves destes
fantasm a da crise, a mística da regeneração republicana redobra a momentos tristes de agora, perturbadores da ordem e retardadores
sua presença. Constatamos na atmosfera cultural e política a bus- do progresso almejado, haverão de determinar por certo a eclosão
ca intensa e ansiosa da renovação. L etras e XWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
p o t ú ic a , reunidas nu- benéfica de energias novas e sadias. (...) Comemoremos com crença
ma preocupação comum: o acabam ento da R epública inconclusa. o passado para que possamos ser acreditados em nossos sonhos de
Desencantada com o regime, a comunidade culta não se arrastou projeção para o futuro. (...) A gitem os a argila brasileira com o sopro
criador de nossas idéias e de nossas crenças (Licínio Cardoso, 1981:
para o cinismo; ao contrário, empreendeu um potável esforço de
13). [Grifos meus.]
pensamento visando superar os limites políticos, sociais e cultu-
rais, preocupando-se em produzir idéias. diretoras que pudessem
A consciência nacional é a imagem unificadora, tanto no
transcender o contexto marcado pela multiplicidade e indetermi-
plano do discurso político-ideolõgico, quanto no das práticas e
nação. É comum ouvir-se dizer que as contradições estruturais do experiências sociais. A identidade nacional constitui a Nação bra-
capitalismo brasileiro se acirraram nessa década, mas raramente sileira.
se diz que, diante da crise, os homens cultos republicanos debru-
çaram-se sobre a Nação, procurando interpretá-Ia de modo a ofe- No Prefácio de À m argem da história da R epública, prova-
recer soluções para a "crise". A fundação do PCB, a Semana de velmente escrito por Licínio Cardoso, encontramos uma definição
22, o ciclo de levantes tenentistas, a fundação da Revista "Or- clara das preocupações dos intelectuais que nasceram sob a égide
dem", pela Igreja Cat6lica, as reformas educacionais em vários da República.'
Estados da Federação e no Distrito Federal etc. demonstram esse
"debruçar-se sobre a Nação" e revelam empenho na busca de al- Compreendem, de outro lado, a gravidade de nosso momento histó-
rico presente e procuram reagir. M as reagir pelo progresso dentro
ternativas para os dilemas da Nação. Era o espírito do centenário
da ordem , por isso que todos sabem que em Sociologia o caminho
da Independência.
seguro para andar mais ligeiro é aquele que evita os desatinos das
correias revolucionáriasperigosas e intempestivas.
Em 1924, Vicente Licínio Cardoso publica À m argem da
história da R epública, com depoimentos da geração nascida com
o regime republicano: A. Carneiro Leão, Gilberto Amado, Ronald 1. "Em começos de 1928, Vicente Licínio é chamado por Femando de Azevedo a
de Carvalho, Tristão de Athayde, Jônatas Serrano, Pontes de Mi- ocupar o cargo de Vice-Diretor de Instrução Pública no Distrito Federal, coope-
rando com esse eminente educador em sua grande reforma. Nessa época, preside a
randa, Oliveira Viana e outros.rqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
É uma importante fonte documen- Associação Brasileira de Educação. Logo realiza uma excursão de pregação educa-
tal, que reúne "letras e políticas", explicitando os dilemas do re- tiva aos Estados do Norte e Nordeste, com Tobias Moscoso; seria ela continuada
depois, em Estados do Sul, em companhia de Inácio Azevedo Amara!. Um dos re-
gime republicano e ao mesmo tempo deixando transparecer a for- sultados dessas viagens foi a fundação da Federação Nacional das Sociedades de
ma pela qual os homens cultos se auto-representavam: diretores Educação, entidade na qual lança a idéia de um selo educacional, depois vitoriosa;
e, outro, a reunião de uma Conferência Nacional de Educação, em setembro de
da R epública. A obra traz o subtítulo expressivo: Idéias, crenças 1930, com o intuito de imprimir coesão e unidade às reformas escolares dos Esta-
e afirm ações. Nas páginas iniciais consta a informação de que se dos" (Lourenço Filho, 1959).
Para urna análise mais detalhada sobre as relações de Vicente L. Cardoso com o
trata de um inquérito, instrumento de análise amplamente utiliza- movimento da Escola Nova, consultar Fernando de Azevedo (1971 e 1973).

50 51
As responsabilidades acumuladas sobre os ombros dos homens da inclinação do povo inculto ao irracional. Intrusões, dissonâncias
geração nascida com a República são simplesmente formidáveis (...) que ameaçavam a evolução das sociedades humanas, interrom-
Escrevem, porque não puderam fazer ainda outra coisa senão pen- pendo o fluxo natural da História em direção ao progresso. São
sar, mas sentem com a própria obra que vai surgindo (no isolamento insubordinações que ameaçam o c o n t i n u u m linear e homogêneo
em que é composta) o irremediável das situações que vão criando:aZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
da história progressiva, apontando para o inusitado, a ruptura.
P r o m e te u s a c o r r e n ta d o s p e la o p in iã o p ú b lic a q u e o s e s m a g a c o m o
m a io r d o s c a s tig o s d e h o m e n s liv r e s : o s ilê n c io h o r r iv e l d e u m a n a - O pensamento esclarecido debruçava-se sobre si mesmo,
c io n a lid a d e s e m c o n s c iê n c ia a in d a . p e r d e n d o e m a tr ito s p a s s iv o s v e -
tentando interpretar a Nação e assim afastar a fragmentação que
e m e n te s , a s p o u c a s e n e r g ia s s o e r g u id a s s o b r e o " p e s o m o r to " a te r -
ameaçava romper a aparente unidade. Tinha a tarefa de tecer dis-
r a d o r d o s m ilh õ e s d e a n a lfa b e to s q u e a s s o la p a m (Licínio Cardoso,
farces que pudessem encobrir a divisão a fim de permitir a sua re-
1981 : 16 ss.).
produção.
Ao pretender fundar o sócio-histórico, o pensamento escla-
recido não pode invocar princípios naturais e divinos para insti- Sabemos que a ideologia não apreende a sociedade em seus
tuir-se. A determinação histórica requer princípios racionais. nexos internos, isto é, na sua divisão em classes sociais, polares e
Busca engendrar o novo invocando as idéias de comunidade antagônicas, mas em sua exterioridade. Para a comunidade de
harmônica, e de progresso, mas defronta-se com obstáculos para a homens cultos, a sociedade brasileira era atrasada devido à
sua realização: a ausência de identidade consigo mesmo, pois a existência de f o r ç a s i n s u b o r d i n a d a s , conflitantes entre si, que
existência do social é comandada por divisões internas, cuja ori- impediam o surgimento da regularidade social - o r d e m - , con-
gem precisa ser apresentada como sendo manifestação múltipla dição de desenvolvimento técnico-científico e econômico - p r o -
daquilo que em si mesmo é idêntico: a Nação. No instante em que
gresso. Essas forças sociais egoístas e competitivas ameaçam a
a sociedade capitalista se produz como sociedade, engendra di-
autoconservação da sociedade burguesa. Para os homens cultos
visões, as quais não pode reconhecer, cabendo à atividade
ideológica produzir essa identidade. preocupados com a regeneração republicana, a eterna competição
im p e d ia a c o n s tr u ç ã o da consciência nacional, isto é, da univer-
Produzindo e reproduzindo divisões, a sociedade burguesa salidade imaginária e ilusão da unidade.
se representa como una e indivisfvel. A identidade única é cons-
truída a partir do retrato da classe dominante, mas só imaginaria- ( ...) E m n e n h u m m o m e n t o , t a l v e z , d a n o s s a h i s t ó r i a , f o i t ã o n e c e s s á -
mente, isto é, pela ideologia, recorrendo ao auxílio da per- A nenhuma geração, mais que
r io p e n s a r o B r a s il c o m o a tu a lm e n te .

suasão ... O discurso sobre a instrução pública no regime republi- a nossa, terá cabido a responsabilidade de sustentar o primado do
cano foi l o c u s privilegiado pelo pensamento esclarecido para a espírito. Para a tarefa de pacificação - que quer ser hoje o objetivo
construção e disseminação das imagens universalizadoras e unifi- imediato de todos os homens de responsabilidadeno Brasil-, é mis-
cadoras. ter antes do mais trazer os espíritos à contemplação desinteressada
das coisas, ao amor da verdade, à lucidez das perspectivas futuras e
Creio que a mensagem regeneracional e moralizadora da dé- das origens, à compreensão dessa incógnita que nos cerca. (...) A
cada de 20 evidencia a impossibilidade da sociedade burguesa re- grande e triste surpresa da nossa geração foi sentir que o Brasil re-
fletir-se a si mesma, sob o risco de autodestruir-se. Para dissimu- trogradou. Chegamos quase à maturidade na certeza de que já tí-
lar a divisão interna, criou-se identificações imaginárias e instân- nhamos vencido certas etapas. A educação, a cultura ou mesmo um
cias unificadoras como: a Lei, o Estado, o Direito, a Organização, princípio de experiência nos tinham revelado a pátria como uma ter-
a Farm1ia, a Ética do Trabalho, a Ciência, a Igualdade, a Liberda- ra em que a civilizaçãojá resolvera de vez certos problemas essen-
de e o Povo-Nação. ciais. E a desilusão, a tragédia da nossa alma, foi sentir quanto de
falso havia nessas suposições. O tempo nos preparava uma volta im-
Paradoxalmente, essa mesma sociedade que se institui sobre placável à realidade. E essa realidade era muito outra, muito outra
a produção contínua da divisão apresenta no imaginário social es- do que aquela a que nosso pensamento nos preparava e que a imagi-
nação delineara. (Licínio Cardoso, 1981 : 109). [Grifos meus.]
sas mesmas divisões como patologias, d i s s o n â n c i a s , criadas pela

52 53
"A compreensão dessa inc6gnita que nos cerca ... ", eis o
cerne da mística regeneracional. Os trechos transcritos traduzem a uma nova hierarquia social e no plano político-ideológico legiti-
fisionomia do pensamento liberal republicano no contexto dos mará o exercício do poder. Para que a sociedade brasileira se tor-
anos 20, isto é, a busca da reorganização social dentro da ordem, nasse moderna e racional, era preciso disseminar o padrão culto,
tendo como elemento propulsor a instrução pública. Como pro- , implicitamente, •.'firmar a desqualificação do povo para o ato
p r â x i s reformadora, o discurso sobre a educação popular
jeção da aZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA político, já que portador da menoridade racional.
revelou-se teoria e pedagogia do social.
Coerentemente, o pensamento liberal republicano fundava o
Tanto no momento de sua instituição quanto no contexto de princípio da racionalidade na estrutura da hierarquia social,
regeneração, o pensamento liberal republicano afirmou a sua criando uma falsa visibilidade do todo social e, ao mesmo tempo,
crença de que era possível moldar o povo - massa inculta e rebel- obscurecendo a sua partição em classes sociais com projetos
de - à imagem e semelhança do b u r g u ê s e s c l a r e c i d o s o b a s L u z e s hist6ricos alternativos e excludentes.
e c a p a z d e c o n d u z i r O s e u d e s t i n o s e m o a u x i l i o d e o u t r e m . Des-
locada para o plano coletivo, essa projeção ganha o nome de A idéia de que "é preciso ver o Brasil com critério nacional,
Nação. Provido de autonomia, o indivíduo ilustrado transforma- mas dentro da harmonia internacional" significava evitar o estrei-
va-se em sujeito político. Na plataforma do positivismo ilustrado, tamento do social na 6tica meramente nacionalista com a con-
por exemplo, destaca-se a preocupação com a educação dos espí- seqüente formação de "ideais estreitos e jacobinos". Já não se
ritos, que permitiria a revolução dentro da ordem: a adesão ao tratava mais de procurar a peculiaridade brasileira: o típico e o
novo regime expressava o consenso e não o uso da força.FEDCBA ins6lito como essência da alma brasileira, mas de integrar o Brasil
no mundo industrializado. Era preciso compreender as diferenças
C .. ) No nosso país precisamos de cultura, por toda a parte, e para tu- existentes entre o Brasil e as sociedades industriais, colocadas
do: cultura física, higiênica, profissional, mental, moral, social, polí- como finalidades da hist6ria universal, encarando essas diferenças
tica e cívica. Quem diz educação diz formação, diz adap· tação.F o r - não como devidas à natureza brasileira, mas sim à fase hist6rica,
m a r a n a c i o n a l i d a d e e o pats, o r g a n i z á - I o s e a d a p t á - I o s à h o r a a t u a l de acordo com o modelo progressivo de hist6ria. Estabelecido o
d o m u n d o s ã o o s fins d a c u l t u r a q u e p r o c l a m o . ( . ..) É m i s t e r c o n v e - porquê do atraso nacional. seria possível elaborar um programa
ç a m -se to d o s . n o B r a s il. d e q u e a s q u e s tõ e s d e e d u c a ç ã o não são político, social e cultural, dotado de largo alcance pedag6gico e
s im p le s m e n te p e d a g ó g ic a s . p o r é m n a c io n a is . n a m a is a lta e x p r e s s ã o ingressar na tendência do século: a modernidade capitalista.
d o t e r m o . ( ...) E a educação tem de ser estudada aqui em todos os
seus aspectos: primário, secundário, profissional e superior, porque Nessa perspectiva as questões da educação não são sim-
são todos c o r r e s p o n d e n t e s a o s d i v e r s o s e s t á g i o s m e n t a i s d a s c l a s s e s plesmente pedag6gicas, possuindo uma dimensão sociopolítica: a
q u e s e a p r e s ta m p a r a o p e r fe ito fu n c io n a m e n to s o c i a l . ( . ..) U m a m e n : r e c o n s tr u ç ã o n a c io n a l. A instrução pública não podia ser cir-
ta lid a d e e x c lu s iv a m e n te de pode fazer um
in te n ç õ e s n a c io n a lis ta s cunscrita ao âmbito pedag6gico e à política partidária, pois estava
povo de ideais estreitos, jacobino e agressivo, mas exclusivamente em discussão o destino da Nação brasileira. A tendência do sécu-
universal, despreocupada da sua terra e da sua gente, pode construir lo conforme a percepção cultivada, residia na "civilização de ba-
um espírito alheio às necessidades e aos problemas nacionais. É p r e - se científica" e na crescente internacionalização das sociedades.
c i s o v e r o Brasil com critério nacional, mas dentro da harmonia in- A educação do povo devia ser colocada sob o signo neutro da
ternacional (Carneiro Leão, in Lícínio Cardoso, 1981 : 20). ciência, alcançando-se as dimensões universais. A rota do pro-
gresso passava pela ilustração da maioria com a difusão de pa-
Ao falar de "estágios mentais das classes que se apresentam drões culturais modernos para "formar a nacionalidade e o país e
para o perfeito funcionamento social", subentende-se uma hierar- adaptá-Ios à hora atual do mundo".
quia social, em que os homens cultos têm o direito à condução
política, e a ação política fica assim circunscrita a um estreito cír- Na mística da regeneração reservou-se à educação uma das
culo de letrados, cabendo aos iletrados a subordinação aos pri- tarefas mais importantes no projeto de reconstrução social: aho-
meiros, enquanto buscam elevar-se aos padrões culturais domi- mogeneização cultural. Havia necessidade de padrões para o es-
nantes. A dicotomia culto/inculto é o elemento fundador de uma tabelecimento de diretrizes que reorientassem a relação educação
e sociedade: tratava-se do reconstrutivismo social. A permanência
54
55
de padrões tradicionais dificultava a definição dos objetivos uni-
através do pacto social, abdicavam de seus poderes pessoais em
, versais da educação. Exemplo disso é o fato de a relação edu- nome de um poder maior - o Estado -, concebido como neutro,
,
cação/sociedade ser reduzida aos padrões cívico-nacionalistas, acima e fora das classes sociais e árbitro dos conflitos sociais. O
contrários à "hora do mundo": "( ... ) uma mentalidade exclusiva- contrato advinha de um pacto político criador da soberania popu-
mente de intensões nacionalistas pode fazer um povo de ideais es- lar, substituindo-se a autoridade e o domínio pessoal por um po-
treitos, jacobinos ( ... ) é preciso ver o Brasil, com critério nacio- der impessoal e universal, um pólo de poder impessoal separado
nal, mas dentro da harmonia internacional ... "2 da sociedade civil, que permitia ao cidadão identificar-se com o
poder tido como justo e legítimo.
Proclamada a República, aboliram-se os privilégios de clas-
se, cor, raça, religião etc. Através dos direitos civis e jurídicos Qual a crítica essencial contida na mensagem da regene-
surgia o cidadão da Repúlica o aZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
c i t o y e n . Como regime igualitário ração? A crítica à particularização do poder, tornado pessoal e
em sua essência o novo regime acabou por provocar angústias no passível de identificação com os interesses privados, e também à
III
pensamento culto, obrigando-o a repensar a organização social, inexistência de diretrizes gerais, capazes de identificar o privado
II1
para buscar formas de inserir o povo na política e manter a estabi- com o público.
11 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
lidade social.
II
Dirá o reformador A. Carneiro Leão:

o nivelamento social decorrente da extensão dos direitos ci- Faltam partidos, falta o voto secreto, falta o desprendimento da
vis e jurídicos tomou-se incompatível com os ideais de ascensão massa eleitoral na escolha dos seus dirigentes. N ã o é , p o i s , e s t r a n h o
humana. O sistema representativo demonstrou-se imperfeito em q u e s e ja m o s g r u p o s , a in d a h o je , o s d o n o s d o B r a s il.
II função da ausência de uma opinião pública liberal e de uma so- De maneira que do balanço cultural geral r e s s a l t a s e r o n o s s o p r o -
ciedade civil coesa e organizada. Essas ausências impediam a dis- n a c i o n a l , por toda a é p o c a e m q u e e r a
b le m a b á s ic o a e d u c a ç ã o
a p e n a s u m a e lite b u r g u e s a , filh a d o s r ic o s , d o s p o lític o s e d o s p r iv i-
cussão sobre a condução dos destinos da República, favorecendo
le g ia d o s , a d ir ig e n te in c o n d ic io n a l d o s p o v o s . D ia a d ia a m a s s a to -
o primado do irracional na vida política, através da ditadura das m a i o r n a d i r e ç ã o d o s g o v e r n o s , por meio das suas asso-
m a p a r te
vontades particularizadoras. A instituição de uma sociedade civil ciações de classes e das sociedades sindicalistas. A educação come-
significaria a eliminação da dispersão social expressa na existên- çou, a bem do povo inteiro e da própria elite, a ser preocupação das
cia de indivíduos sem laços de sociabilidade. O contrato social pátrias (Carneiro Leão, in Licínio Cardoso, 1981 : 22). [Grifos
significava a presença de indivíduos livres e iguais entre si que, meus.]

Para harmonizar a contradição elite-massa e poder e povo


era necessário construir a ilusão da igualdade e da liberdade.
2. Resulta interessante confrontar a análise de Jorge Nagle sobre o período. "Até o fi-
nal da segunda década deste século parece não ter havido condições mais propícias a Criar uma instância unificadora e abstrata que incluísse as dife-
maior e mais sistemática difusão e realizações mais marcantes do ideário escolano- rentes classes sociais: a c o n s c i ê n c i a n a c i o n a l .
vista, na ambiência brasileira. Esse fato se explica por inúmeras razões. Entre estas
se destaca a seguinte: desde o começo do século ganha importãncia nuclear a for-
(...) pela unidade da educação, a unidade da cultura e a unidade na-
mação cívica e moral, como base do soerguimento de amplos quadros da nacionali-
dade. Ideal de formação que se prende ao ambiente de pessimismo que dominou o cional (...) a educação que intensificar a unidade cultural e a unidade
país pouco depois da proclamação da República, significando de resto o desgaste da de espírito será a mais apropriada preparação da homogeneidadena-
ilusão da República-Educadora. C .. ) De qualquer maneira, no quadro típico dessa cional e da grandeza do futuro. São estes os deveres das modernas
época se privilegia a dimensão cívico-nacionalista do processo de educação escolar.
As tendências remodeladoras (escolanovistas) introduzem-se nesse quadro, quando
gerações brasileiras: estudar e conhecer a alma nacional;as possibili-
muito, como elementos secundários, auxiliares desse núcleo básico. Daí ser Carnei- dades nacionais, discernindo, na multidão das organizações educati-
ro Leão, com as suas obras e pregações, o representante mais característico dessa vas dos povos mais cultos, os modelos que melhor digam para a ela-
fase em que ao padrão cívico-patriótico se misturam idéias renovadoras" (Nagle, boração do Brasil (Carneiro Leão, in Licínio Cardoso, 1981: 23).3
1964: 98).
Penso que o aparente "hibridismo" do pensamento de A. Carneiro Leão ou esmo
A. Sampaio Dória revelava os impasses e a superação. de um determinado quadro
teórico explicati vo da realidade social: o nacionalismo e as pregações decorrentes 3. Três obras possibilitam uma apreensão mais detalhada sobre a "atmosfera cultural"
assumiam ares provincianos, para não dizer irracionais, quando comparados com dos anos 20, quando a comunidade de homens cultos pronunciou-se sobre a regene-
os ideais de modemidade, expressos nos princípios científicos de educação e so-
ciedade. ração da República, aliando-a à introdução pública. São elas: A m a r g e m d a R e p ú -
b l i c a , organizada por Vicente Licínio Cardoso, A e d u c a ç ã o p ú b l i c a e m S ã o P a u l o -

56
57

lLL
o dever das gerações nascidas sob o signo da República era A interpretação de Ernília Viotti da Costa corroborá as teses
projetar e executar uma organização da educação nacional, com- de Vicente Licínio Cardoso:FEDCBA
patível com a tendência do século, para a "elaboração do Brasil".
A educação popular transformou-se na via privilegiada para a re- É tempo - dirá o reformador -'em suma de fitarmos a verdadeira
construção do Brasil e pressupunha a pacificação nacional - realidade de nosso quadro social. (...) Tenhamos a coragem dos for-
"homogeneidade nacional", "consciência nacional" - e o ingres- tes, procurando as verdadeiras, causas perturbadoras de nosso pro-
so no círculo das nações cultas. A instrução pública contribuía de gresso, examinando o próprio corpo social do Brasil, comprovando a
maneira decisiva para elevar o nível de compreensão das massas insuficiência de vários de seu órgãos e dissecando a precariedade de
degradadas, que agiam de forma irracional,aZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
u n ific a n d o e d a n d o vários de seus tecidos e sistemas. Analisemos com probidade o pre-
fo r m a à q u ilo q u e é m ó v e l, fr a g m e n ta d o e difuso, p o r t a n t o , sente, melhor compreendermos então o passado para que possamos
a m e a ç a d o r . Era a via adequada para se eliminar os vícios e di- com segurança projetar o futuro. Nada escondamos (Licínio Cardo-
fundir as qualidades do regime republicano.
so, 1981 : 103).
Perante a "política dos governadores" idealizada por Cam- Em 1920 a ordem era desnudar, expor, fazer inquéritos, in-
pos Sales, perante a fraude eleitoral, favorecida pelo voto a des-
terpretar. Diagnosticar e medicar. Vicente Lícínio Cardoso, inte-
coberto, perante o movimento operário que conturbava a vida
lectual reformador, expressou com aguda sensibilidade essa
política e social, ressoava a frase pronunciada pelo republicano
tendência e inquietação através da metáfora organicista.
histórico Aristides Lobo: "Essa não era a República dos meus so-
nhos".
Falta-nos coesão, densidade social; faltam-nos peças de ligação im-
Na década de vinte apareciam numerosas publicações sobre o assun- prescindíveis, tecidos sociais econômicos fundamentais, f a l t a m - n o s ,
to. Vários anos tinham decorrido desde a proclamação, e as de- e m s u m a , ó r g ã o s a p a r e lh a d o r e s q u e n o s p u d e s s e m fa c ilita r e g a r a n -
cepções se tinham acumulado. A República revelava as próprias fra- tir a u n id a d e n a c io n a l a lm e ja d a d e u m o r g a n is m o d e fle x ib ilid a d e s o -
quezas. Profundas modificações anunciavam-se na economia e na c ia l e s c a s s a , p e r d e n d o e n e r g ia s já d e s i m a l c u ltiv a d a s - e m a tr ito s e
sociedade (...) A guerra de 1914-1918 acentuou as contradições. As r e s is tê n c ia s E falta-nos, de outro lado, uma
p a s s iv a s fo r m id á v e is .
revoluções de 1922 e 1924 polarizaram os descontentamentos e as consciência brasileira (Licínio Cardoso, 1981 : 104). [Grifos meus.]
aspirações represadas, expressando um anseio de mudança. Vivia-se
um período revolucionário. Generalizava-se a idéia de que era preci-
Mas qual o principal fator do atraso nacional?
so realizar profundas transformações no país. A inquietação social e
política fazia ver aumentados os vícios da República e acarretava,
em contraposição, a idealização da Monarquia. ( ...) Era preciso O grande problema nacional pode ser estudado em qualquer municí-
abandonar a imagem idealizada do Brasil, era preciso revelar a ver- pio de qualquer Estado - é de fato, antes de tudo, o p r o b l e m a d a o r -
dade sobre o país, era preciso traçar uma imagem objetiva da reali- g a n i z a ç ã o d o t r a b a l h o . Tão grande, tão geral, tão profundo é ele,
dade, assim pensavam os homens dessa geração (Costa, 1978 : que em conseqüência do seu precário estabelecimento decorrem to-
259 SS.).4 das as próprias dificuldades do país.
(...) todos os fatos históricos, em suma, que aparecem como resulta-
do da ação isolada de alguns espíritos, são no fundo, c o n s e q ü ê n c i a s ,
p r o b le m a s
e d is c u s s õ e s , de Fernando de Azevedo, posteriormente reeditada com o m e d ia r a s e im e d ia ta s d a p r e c á r ia o r g a n iz a ç ã o d o tr a b a lh o n a c io -
título A e d u c a ç ã o n a e n c r u z i l h a d a . Essas obras têm a natureza de inquérito sociolõ- Política econômica é, pois, dentro da órbita da liberdade, o
n a l ( ...)
gico e esta última traz depoimentos de intelectuais e profissionais da educação co- desenvolvimento dessa capacidade do homem em produzir trabalho.
mo: A. Almeida Júnior, Renato Jardim, Sud Menucci, Lourenço Filho, Rui de Pau-
Ia Souza, Arnadeu Amaral, Reynaldo Porchat. A terceira obra é de Júlio de Mes- Capacidade de produzir trabalho é energia. Política econômica, na
quita Filho, A c r i s e n a c i o n a l , de 1926, e dela citamos o trecho a seguir: sua fase primeira de estabelecimento, é, pois, numa expressão sinté-
"Refundida a nossa cultura e restabeleci da a disciplina na mentalidade do povo, sob tica, a direção dada a uma sociedade de modo a transformar, em
a ação purificadora daqueles núcleos de meditação e estudos (as universidades), não
tardaria que a nação se aquietasse e que desaparecessem os vícios inumeráveis do
coação, a e n e r g i a p o t e n c i a l d o s h o m e n s e m e n e r g i a c i n é t i c a . TRA-
nosso aparelhamento político-administrativo. (... ) Filtrada através dos vários estra- BALHO é um complexo: energia, ação, produção. C o m p l e x o
tos que constituem normalmente uma sociedade organizada e perfeitamente articu- ta m b é m é o c o n ju n to d e c o n d iç õ e s q u e u m a s o c ie d a d e d e v e s a tis fa z e r
iada, a ação das elites formadas no cadinho dos centros superiores de cultura refle- para o e s ta b e le c im e n to d e s s a o r g a n iz a ç ã o d o tr a b a lh o liv r e d o h o -
tir-se-ia na consciência popular" ( a p u d Lourenço Filho, 1926: 204).
4. Para a conjuntura dos anos 20', veja-se Boris Pa\l$TO Ct972 e 1985), m e m : In s tr u ç ã o (E n e r g ia ), L ib e r d a d e (A ç ã o ), O r d e m (P r o d u ç ã o ).

58 59
D e m o c r a c ia é p r e c is a m e n te a o r g a n iz a ç ã o s o c ia l d o tr a b a lh o liv r e . bre o povo e para o povo, sujeito e objeto das transformações
R e p ú b lic a é a fo r m a p o lític a d e s s a o r g a n iz a ç ã o : v e s tu á r io e m s u m a históricas em curso.
s o b o q u e s e a p r e s e n ta a q u e le c o r p o s o c ia l. P o lític a s e n d o , e m r e s u -
No interior da fala sobre a transição para a modernidade
m o , a d i r e ç ã o o u e d u c a ç ã o c o n v e n i e n t e d e u m a d a d a s o c i e d a d e ( . ..) zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA ca-
(Licínio Cardoso, 1981 : 108 ss). [Grifos meus.] pitalista, reavivou-se o ideal jacobino de centralização do poder,
o que significava trânsito em direção ao novo sob a hegemonia ou
o trabalho apresenta-se como a instância capaz de retirar o tutela daqueles que detinham o conhecimento dos rumos da histó-
homem do domínio da carência e do estado de natureza. O ho- ria e que decifraram a sua evolução natural.
mem é essencialmente um animal trabalhador. Democracia é a or-
ganização racional do mundo do trabalho, e a República é a for- O que aqui denominei de mensagem de regeneração da
ma política dessa organização. Democracia e República estão República operou sob dupla forma: n u m p r i m e i r o m o m e n t o fo i
condicionadas não a formas políticas, mas à Organização funcio- um d is c u r s o para o povo, e num segundo m o m e n to , c r itic a à
nal da sociedade. Atendidos os requisitos básicos, instaura-se o fo r m a d e e x e r c ic io do poder. É, p o r ta n to , n o p a lc o das id é ia s ,
Progresso: o domínio da natureza e o reino da liberdade. V ê - s e um e s fo r ç o n o tá v e l: o p e n s a m e n to e s c la r e c id o v o lto u -s e sobre si
que a lib e r d a d e não é um a id é ia de n a tu r e z a p o lü ic a , m as s im m esm o, procurando fo r m a s d e a p r im o r a m e n to do poder, o b je ti-
té c n ic o -c ie n ttfic a . O estado de carência resulta da ausência de di- d a s o c i e d a d e b u r g u e s a . Em resumo: foi
v a n d o a a u to c o n s e r v a ç ã o
reção política e econômica. A ação dos homens cultos preenche crítica radical a uma determinada forma de exercício de poder e
esse vazio através da determinação do conjunto de requisitos para às suas limitações, devido à ausência de aparelhos modernos que
que a sociedade brasileira fosse organizada de forma democrática permitissem a institucionalização do controle social. Crítica radi-
e republicana. O ideal de liberdade é substituído pela noção de cal ao poder particularizado, identificado como o poder de alguns
necessidade. e não como o poder de todos, impessoal, conforme os preceitos
liberais.
Para os reformadores, a modernização do Brasil e a cons-
trução do Estado liberal implicavam a adesão incondicional ao No contexto da regeneração, o discurso político ganha auto-
pensamento científico, o único capaz de oferecer uma solução e nomia, transformando-se em f i l o s o f i a p o l i t i c a c i e n t l f i c a , portanto,
direção coletiva, que levaria ao abandono das disputas sociais e neutra, universal, racional e, primordialmente: descomprometida
políticas e da eterna discussão intelectual sobre os destinos da com os interesses de classes sociais. Era conhecimento liberto da
Nação. Essa discussão interminável era identificada como resquí- atividade ideológica, ou seja, dos resquícios teológicos e metafí-
cios teológicos e metafísicos. A adesão ao projeto modernizador sicos, da discussão interminável e das paixões egoístas determi-
resultaria da conquista das consciências, não através do uso da nadas pelos interesses de classes.
coerção, mas sim da instrução pública: educação e direção torna-
vam-se sinônimos. O esforço que o pensamento esclarecido empreendeu consis-
tiu na tentativa de apresentar o Estado como independente: um
Portanto, na década dos anos 20, a mensagem de regene- Estado-Educador, gerador de direção política para a República. A
ração da República construiu uma interessante e conservadora mensagem de regeneração da República é crítica inédita aos limi-
teoria de transição do mundo arcaico - patriarcal e rural - para o tes do liberalismo clássico quando constatou-se que a s f o r ç a s s o -
mundo moderno - urbano e industrial - o d i s c u r s o d a m o d e r n i - c ia is e p o litic a s , d e ix a d a s ao sabor d e s e u s p r ó p r io s in te r e s s e s ,
d a d e . Um discurso neutro e científico, normativo e hierarquiza- sem a r e g u la ç ã o d o E s ta d o , c o lo c a v a m e m p e r ig o a a u to c o n s e r -
dor, que pretendia arrancar a República do âmbito das indetermi- vação d a . s o c ie d a d e burguesa, a p o n ta n d o para a a u to d e s tr u iç ã o .
nações históricas, através da elaboração de um programa de largo Era preciso instituir uma sociedade civil, renunciando-se ao esta-
alcance educativo. A direção política - monopolizada pelos ho- do de natureza, em troca de uma lei estável, fixada mediante con-
mens cultos - e a educação - moralização do povo - são termos sentimento geral, reconhecida por todos como critério do justo e
essenciais da utopia exemplar, amplamente dissecada e exposta do injusto, do bem e do mal, aplicada a todos por um juiz impar-
para todos pela via do pedagógico. Desse projeto de reforma e cial, representado pelo Estado, apreendido como pólo de poder
transição para a modernidade capitalista, s u r g i u u m d i s c u r s o s o - impessoal e separado da sociedade. Era necessário estabelecer um

60 61
I" zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
contrato social: os diferentes proprietários renunciariam ao poder
de que dispunham, entregando-o a esse poder impessoal. O advento da República foi tomado como correlato da revo-
lução, jogando na cena política multidões até então à margem da
vida política: negros, mulatos, escroques, operários, lavradores
Para os homens cultos empenhados na regeneração da
etc, A partir desse momento e com a perspectiva de educar o n o v o
República, o significado do mundo e da vida humana era eviden-
prtncipe, as vanguardas pedagógicas passaram a exercitar a sua
te:aZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
a s o c ie d a d e m a r c h a v a in e lu ta v e lm e n te p a r a u m e s tá g io s u p e -
ação e a produzir, intensamente, saberes disciplinares e normali-
r i o r , p l e n o d e r a c i o n a l i d a d e ; a ficção da comunidade ideal estava
adores. Surgem, então, estratégias repressivas e persuasivas vi-
a um passo da realização. sando a normalização do social e a produção da ordem urbano-in-
dustrial.
No contexto de republicanização, cabia à instrução pública
difundir a direção política cunhada pelo pensamento esclarecido.
O ideal de democratização da informação pressupunha a busca da
uniformização das consciências em torno de um único projeto
histórico, apresentado a todos como justo, correto, necessário e
sobretudo: racional, comprometido unicamente com a ascensão da
espécie humana. A imaginação sociológica procurava subordinar
a realidade caótica a um princípio capaz de orientar a prática do
povo, submetendo-o ao pensamento diretor produzido pela van-
guarda pedagógica, que apontava para a construção de um pre-
sente racional e de um futuro progressivo. Estadistas que encara-
vam o momento das Luzes, da Razão na História, do Progresso,
da Ciência, da Civilização. Nessa dimensão a História significava
Progresso.

É evidente, aceitando o determinismo dos fatos históricos, que as


sociedades formam os seus homens diretores nos momentos oportu-
nos, deles se servindo em benefício da coletividade, atendendo a que
os povos necessitam continuamente de órgãos de comando e direção
( ... ) A s m a s s a s h u m a n a s p o s s u e m n e c e s s id a d e s p r o fu n d a s e o c u lta s ;
os hom ens possuem a p e n a s a c o n s c iê n c ia d e a lg u m a s id é ia s (huma-
nas e não sociais). É preciso, pois, b e m o u m a l, d a r à in c o n s c iê n c ia
d a q u e la s n e c e s s id a d e s a c o n s c iê n c ia d e n o s s a s id é ia s (Licínio Car-
doso, 1981 : 96). [Grifos meus.]

E assim,

A ação há de partir do escol, da "elite" (corno amam dizer os amigos


de barbarismos elegantes), para descer gradualmente, com a ins-
trução, até as mais baixas camadas sociais. (...) Mas não vemos outro
meio de dissipar a espessura das trevas, senão acendendo grandes
lumes nos visos mais elevados (...) (José Antônio Nogueira, in Licí-
nio Cardoso, 1981 : 76).
63
62
C A P íT U L O II

A te n d ê n c ia d o s é c u lo
a c iv iliz a ç ã o p r o g r e s s iv a zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZ

(...) as coletividades, qualquer que seja o tipo, ou tumulto irrefreável


que estua na vertigem vermelha dos movimentos populares, que ru-
ge e se encalpela na onda irresistível das revoluções, ou coletividade
disciplinada na aparência fidalga que lhe empresta a serenidade das
. organizações perfeitas, almas coletivas em suma, via de regra, preci-
sam, para que o seu pensamento viva e que o seu esforço tenha dire-
triz e se resolva em utilidades, encontrar quem as desperte, dirija,
conduza e domine; é mister, para que existam, tome-lhes a dianteira
a figura tanta vez bárbara, primitiva na violência, mas sempre ad-
mirável e poderosa, cheia de vida, transbordante de vontade irre-
sistível e dominadora alma opulenta, oceânica, estranho microcosmo
que de uma só vez contém, reflete e evoca no seu âmbito estreito to-
dos os ideais, todos os sentimentos, tudo o que vibra, vive e palpita
na alma coletiva que inspira (...) essas coletividades têm sempre a
necessidade de alguém que as subjugue e domine.

Trecho do discurso pronunciado pelo professor Oscar Freire, em 23


de novembro de 1922, na Sessão Inaugural da Sociedade de Edu-
cação de São Paulo.aZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

V e r g é r u s : - A velha sociedade, Abel, estava baseada na crença ex-


tremamente romântica da bondade inata da criatura humana. Tudo
ficou muito complicado depois que constatou que as expectativas
não coincidiam com a realidade.

A b e l: (olha para ele)

V e r g é r u s : - O homem como um defeito de construção. Uma perver-


sidade da natureza. É aqui que entram as nossas experimentações,
embora ainda em escala modesta. Nós lidamos com as estruturações
básicas e as remodelamos. Liberamos as forças produtivas e canali-
zamos as destrutivas. É a única maneira de evitar a catástrofe fmal.
(sorri) ...

Última fala de Hans Vergérus a Abel Rosenberg em O ovo da ser-


de Ingmar Bergman.
p e n te ,

65
constatava, entre a indignação e o
N o B r a s i l n ã o h á p o v o , zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
O estreitamento da representação política, a incapacidade de
desapontamento, José Veríssimo no clássico A e d u c a ç ã o n a c i o - absorver as forças sociais modernas - burguesia industrial e pro-
n a l . Dizia: N 6 s n o s i g n o r a m o s a n ó s m e s m o s (Veríssimo, 1906 : letariado urbano - e a particularização do Estado, permitindo a
48).1 Nessa fala clara e conclusiva tem-se o quadro teórico e in- sua identificação com o poder oligárquico, eram traços incom-
terpretativo elaborado pelas vanguardas políticas e culturais sobre patíveis com um regime político que se auto-representava como
a trajetória da República Velha. Malgrado às vontades, esse qua- expressão da vontade do povo. Daí a crescente ilegitimidade do
dro permaneceu até o presente. Há um consenso radical sobre a Estado e da sociedade, onde as novas forças sociais ditas moder-
República Velha: é o r e i n o d a s c a r ê n c i a s e a u s ê n c i a s . Por tudo nas não se reconheciam, gerando um quadro social propício à
faltar, a Nação permaneceu estranha a si mesma, à margem da fermentação das idéias contestadoras. G rosso m odo, esse é o
República, à margem da tendência do século XX. Num flagrante quadro teórico e interpretativo sobre o período: crise político-ins-
estado de atraso social e mergulhada na proto-história, não reu- titucional em decorrência da não-incorporação das forças sociais
nindo forças suficientes para alçar-se ao nível das nações civili- que surgiram com o universo urbano-industrial.
zadas do mundo ocidental. Assentada sobre bases tumultuárias, a
Nação brasileira não conquistara a senha para ingressar na
Com relação à historiografia produzida sobre a República
tendência do século XX: a Sociedade Técnica e Industrial.
Velha, tem-se a seguinte crítica:
o quadro interpretativo sobre a Primeira República quase
sempre é construído a partir do signo da crise; constata-se um es- Sem desmerecer os avanços feitos nos últimos anos, graças às pes-
treitamento da representação política e a insuficiência das insti- quisas mais cuidadosas, parece claro que a bibliografia recente vem
tuições republicanas, perante a plenificação do universo urbano- recorrendo de maneira compulsiva às frases do tipo "os tenentes não
industrial. Conforme esse quadro, o Estado oligárquico não con- possuíam ideologia coerente" ou "os intelectuais não compreendiam
segue absorver e controlar de forma institucional as novas forças o que se passava" ou "a classe tal não tinha consciência de seus inte-
sociais constituintes da modernidade capitalista, lançando a resses".FEDCBA
A "incipiência" ou "imaturidade" dos agentes permeia toda
Nação num turbilhão de revoltas. O Estado republicano demons- a narrativa, tornando-se uma categoria explicativa básica. Vale dizer
trou-se incapaz de tutelar a sociedade civil; a República falhara. que o objeto da análise histórica se define implicitamente como tare-
O republicano histórico Silva Jardim resumiu de maneira exem- fa de demonstrar a não-coincidência dos processos reais com os
plar o dilema fundamental da República brasileira, conceitos-limite que sobre eles se projeta; e assim vai se constituindo
peculiaríssima historiografia, na qual o intérprete é credor do passa-
Elevação dos fracos, dos desprotegidos, dessa enorme massa do pro- do, e não o inverso (Lamounier, in Fausto, 1985: 146).
letariado, até hoje não domiciliada, acampada, sim, na sociedade mo-
derna (apud Reis Filho, 1981 :.9).2
Na introdução de A p o n ta m e n to s para um a c r ític a da A ção
In te g r a lis ta B r a s ile ir a , Marilena Chaui chegará a conclusão se-
melhante:
1. Nas páginas 26 e ;27 de A E d u c a ç ã o N a c i o n a l encontramos a seguinte argumen-
tação; "Nacionais e estrangeiros que se têm ocupado da demo-psychologia brazi-
leira estão todos de acôrdo em reconhecer como a dominante de nosso caracter a in- No entanto, malgrado a diferença profunda entre o dever e o ter que
diferença, o desanimo, a passividade, a fraqueza, em suma: ser, a história do Brasil (1920-1938) resulta da combinação confli-
'não se pode talvez dizer, escreve o ilustre autor da Histõria d a L i t e r a t u r a B r a z i l e i r a ,
(Sylvio Romero) que o brasyleiro tomado individualmente, seja descuidoso de si tuosa entre as frações da classe dominante, sempre incapaz de he-
proprio, como typo sociologico, o povo brasileiro é apathico sem iniciativa, desa- gemonia, do despreparo e imaturidade da classe operária, sempre
nimado. Parece-me ser este um dos primeiros factos a consignar em nossa psycho- manipulada, do radicalismo inoperante da classes médias, sempre re-
logia nacional. ( ... ) A nação brazileira não tem em rigor uma fÓITIla propria, uma
individualidade característica, nem politica, nem intelectual.' bocadas, e do peso do capitalismo internacional avançado sobre o
Ha cinco annos dizia de nós um geographo allemão: 'A peior feição do caracter atraso periférico.
brazileiro é a negação ao trabalho regular; pois isto é, que concorre para a terra se
desenvolver tão demoradamente, e para o nacional a todo esforço de adiantar que
lhe perturba o d o l c e f a r n i e n t e responder com o estereotypado: Paciência. Nem uma
palavra se emprega talvez mais no Brazil do que essa.' "
"Repúblicas e Cidadanias", o Autor identifica a influência de Rousseau, Spencer,
2. Para uma análise sobre as correntes político-ideológicas no interior do pensamento
Comte, nos republicanoã históricos como Silva Jardim, Lopes Trovão e outros,
republicano, à época de sua consolidação, veja-se Carvalho (I987). No capítulo Il,
identificando, portanto, diferentes concepções de cidadania.

66
67
1111111[[

Mais adiante: política e cultural. Foi um momento de' realização da idéia de


progresso.
A impressão deixada pelo arcabouço conceitual empregado é a de
que os intérpretes não trabalham com a categoria da negação interna Quanto à mensagem regeneracional deve ser analisada como
ou determinada (a contradição e sua reflexão), mas com a da pri- esforço no sentido de dotar o Estado de uma universalidade capaz
vação (a ausência), de maneira que o período histórico em pauta é de integrar o todo social de ponta a ponta, de acordo com a racio-
largamente explicado por aquilo que lhe falta e não por aquilo que o nalidade da grande indústria. A homogeneização cultural criava
engendra. Trabalhando com a privação, os textos assumem, rnalgra-
as condições necessárias para reorganizar o poder e reproduzi-Io,
do seus autores, um certo tom "norrnativo" que conviria explicar
impondo o domínio burguês sobre o conjunto da Nação.FEDCBA
(Chaui, 1978b : 22 ss.).
É preciso retomar então a idéia de que na década de 20 os
o tom "normativo" consiste na verificação de uma crise pe-
homens cultos republicanos elaboraram de forma difusa um proje-
rene no âmbito político-institucional, evidenciando, por sua vez,
to de transição para a modernidade capitalista, como meio de in-
o desaparelhamento do Estado e a imaturidade política das classes
gressar na civilização ocidental. A fração ilustradíssirna dessa
sociais.
comunidade culta - os educadores republicanos - assumiu o pro-
No fundo dessas explicações está a crença ilimitada na jeto, dando-lhe acabamento te6rico e político. Como os ídeõlogos
República democrática liberal - Utopia Racional - como negação da educação republicana das décadas anteriores, partiram de uma
da luta de classes. Entretanto, conforme a percepção culta, essa crítica ao modelo institucional de 1891, evidenciando o seu for-
utopia se efetivou entre n6s de forma caricatural, criando as con- malismo e abstração. O conjunto de obras elaborado pelos educa-
dições para a sobrevivência e acirramento das crises e tensões so- dores, desde os prirn6rdios da República até os anos 30, tem uma
ciais. Daí que, no contexto da regeneração, deparamo-nos com característica comum: a finalidade de orientar a ação política
uma fetichização das instituições liberais-democráticas. através da persuasão das elites políticas e culturais, propondo um
modelo de organização político-institucional.
As interpretações sobre o p6s-30 privilegiam a presença do
Estado racional como sujeito da hist6ria e não a luta de classes, Nessa década, dentre as inúmeras práticas pedag6gicas, uma
ou seja, a negação interna. Quando esse Estado não controla os começa a se firmar, tornando-se hegemônica e determinando a ul-
conflitos e tensões sociais, surge o fantasma da crise. Ante a fra- terior "evolução" do pensamento educacional brasileiro: a peda-
queza ou inexistência da sociedade civil - "teoria da peculiarida-
gogia da Escola Nova ou escolanovismo. Uma geração de educa-
de brasileira" -, o Estado se antecipa às classes sociais - "inca-
dores formados no conjunto doutrinário da Escola Nova procurou
pazes de autodeterminarem-se" - promovendo a modernização,
lançar as bases positivas da educação brasileira e, por inclusão, as
pela "via prussíana" .
bases positivas da sociedade.
Paralelamente, tem-se a concepção de filosofia da Hist6ria
cunhada pelos homens cultos: o movimento hist6rico é concebido Estes intelectuais expressaram uma prática diferenciada no
como progressivo: a tensão permanente entre o velho e o novo é interior do pensamento pedag6gico e social. Teceram práticas du-
mediada pela idéia de aZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
progresso. Essa leitura sobre o período rante as décadas de 20 e 30 que, analisadas em conjunto, permi-
permite ocultar a luta de classes, através da construção da dico- tem i d e n t i f i c a r u m p r o j e t o a c a b a d o d e t r a n s i ç ã o s o c i a l e m d i -
tomia: forças racionais e irracionais ou tendências modernizadas e r e ç ã o à m o d e m id a d e c a p i t a l i s t a . Propunham a formação de um
conservadoras. Ilomem Novo e de uma nova organização social de acordo com
IS modernas exigências do século XX. Dessa maneira, o descom-
Portanto, na década de 20 é o novo radical que desponta: o passo entre o Brasil e as demais nações industrializadas deixaria
universo urbano-industrial. Essa é a leitura corrente sobre a déca- de existir. O legado cultural desses intelectuais delimitou o solo
da de 20, analisada como ensaio da revolução burguesa no Brasil, sobre o qual discute-se a relação entre educação e sociedade no
e, portanto, como ensaio de modernização das estruturas socio- Brasil. São fala e escuta primordiais de um tempo passado.

68 69
A vanguarda pedag6gica liberal escolanovista deve ser ana- com a mensagem de regeneração, a indiferença criava a "ditadura
lisada como uma das expressões fundamentais do liberalismo bra- da maioria", incompatível com a administração racional, gerando FEDCBA
sileiro na década de 20. Os rearranjos propostos podem ser toma- I anarquia.
dos como um "golpe de força" no plano das idéias, restando es-
clarecer a relação existente entre o processo de burocratização da As expressões: "idéias-força" e "idéias diretoras" toma-
sociedade e centralização do poder contido na rearticulação do ram-se presenças obsessivas na fala renovadora, revelando a ur-
discurso liberal escolanovista e a preparação intelectual da "revo- rência da determinação/construção do caráter nacional brasileiro.
lução de 30" e o seu desdobramento, o Estado Novo.
Ao superar a sua indiferença e libertando-se da tirania e
Colocavam a superação do pensamento pedag6gico que opressão dos interesses de classes, passando a intervir abertarnen-
propugnava essa mesma regeneração da Nação numa perspectiva IC na questão social, o Estado criava as condições para promover
claramente política, dentro dos padrões da educação cívico-pa- I ascensão e emancipação humana. Para o pensamento esclareci-
tri6tica. Para os educadores renovadores, a reorganização da so- do, havia um otimismo ilimitado com relação ao desenvolvimento
ciedade era fruto da atividade científica: livre, desinteressada e hist6rico considerado como um c o n t i n u u m linear, homogêneo e
racional. A ciência expressava a superação definitiva da política progressivo. Liberado da superstição e do mito, o pensamento
partidária.
podia apreender o destino comum a que todos os homens estavam
fadados. Dessa maneira, no discurso escolanovista os fins são da-
Para eles a ciência sociol6gica e a psicologia experimental
dos como auto-explicativos e o futuro auto-evidente: o e s c la r e c i-
eram os suportes epistemol6gicos desse projeto de transição, pois
m e n to lib e r ta .
desmistificavam o pensamento ideol6gico e libertavam a inte-
ligência dos tabus, superstições, paixões e mitos. Com a reno-
Anísio Teixeira, um dos mais expressivos membros da van-
vação educacional buscava-se responder a uma questão funda-
mental: como reorganizar o poder de modo a garantir o funciona- zuarda esclarecida, observou:
mento da ordem liberal democrática. Dessa maneira, esses educa-
A ordem social e moral, essas eram eternas e obedeciam a "verdades
dores transcenderam a discussão acumulada em duas décadas em
torno da existência do "Brasil real" e "Brasil legal" , criticando o eternas" que não sofriam os choques e contrachoques da ciência ex-
mero constitucionalismo de 1891 e elegendo a ciência como ele- perimental.
mento primordial para a reorganização do poder e da sociedade, Mas o homem é mais lógico do que os seus filósofos.
compatibilizando-os com interesses da grande indústria. Desse Com a nova civilização material, feita e governada por ele, começou
modo, a dualidade "Brasil real" aZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
v e r s u s "Brasil legal" serviu de a velha ordem social e moral a se abalar. (...)
porta de entrada para o pensamento autoritário e as suas estraté-
gias de esquadrinhamento disciplinar, assinalando a incompetên- (...) O homem está com responsabilidades novas em toda a sua vida.
cia dos políticos e a competência dos técnicos. Ele ensaia no mundo moral e social, senão com a mesma audácia, por
certo sob o influxo dos mesmos princípios que lhe permitem experi-
Em 1890, vociferava José Veríssimo: O p o v o e s t á i n d i f e r e n - mentar o mundo material. Só um esclarecido e nítido, porque por ele
te a s i m e s m o Em 1920, os educadores
e à p á tr ia . renovadores visto e por ele sentido, lhe pode determmar a sua ação. A velha or-
exorcizavam a "indiferença do povo", procurando reavivar o dem preestabelccida, seja ela religiosa ou tradicional, não lhe merece
ideal jacobino de centralização política, como via adequada para já respeito (Teixeira, 1933 : 24).
a hornogeneização cultural. A centralização - "idéias-força" e
"idéias mobilizadoras" - cristalizava-se no Estado Racional, edu- O "desencantamento do mundo" repousava no reaparelha-
cador coletivo, condutor das classes sociais e da Hist6ria em di- mento do Estado e na reorganização da sociedade conforme os
reção à realização do estado positivo. A inexistência de uma opi- princípios diretores. Nesse imaginário social, o Estado moderno
nião pública liberal era um pecado mortal, incompatível com o aparecia como poder separado da sociedade e diretor da coletivi-
ideal de República liberal-democrática, fundada na representação dade. E n g e n d r a d o p e l o p r ó p r i o m o v i m e n t a d o i n t e r n o d a s o c i e d a -
popular. De acordo com os educadores renovadores e, mais além, d iv id id a e m c la s s e s , o E s ta d o a p a r e c ia c o m o fo r a e a c im a d a s

70 71
c la s s e s s o c ia is c r ia d o r e in s titu in te d o s o c ia l, c o lo c a n d o a s o c ie - A regeneração moral e social do povo e da Nação pela via
d a d e s o b r e b a s e s p o s itiv a s e e lim in a n d o o t u m u l t u á r i o , zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
da instrução pública intentava criar, imaginariamente, a unidade
dos contrários, colocando-os sob o signo da comunidade de
Entretanto, a Nação permanecia alienada, reduzida a mera princípios e interesses, porém a inexistência de uma autêntica
expressão do meio geográfico. Faltava-lhe dimensão política: u m a educação nacional impedia a percepção do futuro da comunidade,
i d é i a - f o r ç a , capaz de mobilizar os diferentes sujeitos sociais. Mas e isso favorecia a disputa e a dispersão, com a conseqüente perda
não havia povo, apenas uma multidão indeterminada e vazia, que de energias produtivas. As falas cultas transformavam-se em pro-
deveria ser reinventada a partir das projeções reformadoras. De gramas de ação política.
certa maneira, a fração ilustradíssima da comunidade culta reto-
mou as diretrizes apontadas por José Veríssimo, em 1890: "a Para reformar e restaurar um povo, um só meio se conhece, quando
educação das vontades", "educação do caráter", "educação do não infalível, certo e seguro, é a educação, no mais largo sentido, na
Povo", com a finalidade de criar uma intervenção cultural e reo- mais alevantada acepção desta palavra (...) Em resumo, a educação
rientar os rumos da República, produzindo a presença das ausên- nacional, qual a reclamam os mais altos interesses da Pátria Brasilei-
cias: o Povo, a Pátria, a Nação, o Estado ... o novo ... o moderno ... ra, deve ter por fim combater em nós tudo o que deprime nosso
a tendência do século. caráter, desenvolvendo ao mesmo tempo as qualidades contrárias
(Veríssimo, 1906: 43).
Uma intervenção cultural, forte, homogênea, capaz d e e li-
m in a r a e s tr a n h e z a do povo p e r a n te a m o d e r n id a d e , a tr a v é s da A partir do tema da instrução pública, os educadores estabe-
produção da a n te v is ã o d o fu tu r o : a s o c ie d a d e té c n ic a e in d u s - leceram Uma interlocução com a sua época, associando-se às de-
t r i a l . O tagarelar incessante s o b r e o povo resulta no silêncio d o mais vanguardas na vasta empresa de moralização e regeneração
povo, e este se toma mero objeto de tutela, depositário de in- do povo brasileiro. A produção discursiva dos reformadores re-
tenções generosas e civilizat6rias. Os ilustrados teceram um dis- publicanos revelou-se de natureza essencialmente programática.FEDCBA
curso p a r a o povo e s o b r e o povo, porém, quanto mais se falava
sobre ele, mais se calava a respeito de sua constituição. O frag- A História - afirmava Veríssimo - é feita com um elemento: o povo;
mentado e conflitante, dividido em classes sociais, ressurgia como é pois o povo, e não o governo, que em defmitivo pode radicalmente
uno e indivisível.ê Nesse caso, as "classes dirigentes" e as "clas- mudar as condições de uma nação, cujos vícios e defeitos - cumpre
ses laboriosas" eram meras expressões do idêntico, que se dife- insistir - são antes seus que dos que administram e dirigem. Sobrou
renciava em função das exigências da vida moderna. por isso razão a quem disse: cada povo tem o governo que merece
(Veríssimo, 1906: 50).

3. José Murilo de Carvalho em análise sobre o contexto da Proclamação da República, Ou conforme Cesário Mota Júnior:
a vida cotidiana no antigo Distrito Federal e as falas cultas fez as seguintes conside-
rações:
"Cabe perguntar agora também se a percebida inexistência do povo não era con- C .. ) O que era delegação no antigo sistema é ação direta do povo; as
seqüência antes do tipo de povo ou cidadão que se buscava. Tanto os observadores inculpações que outrora se faziam ao governo recaem agora sobre o
estrangeiros quanto os intelectuais republicanos estavam sem dúvida buscando o ci-
dadão ao estilo europeu, fosse ele o bem-comportado burguês vitoriano, o jacobino
próprio povo; as aptidões requeridas nos seus homens, é ele que tem
de 1789, o eleitor bem informado ou o militante organizado das barricadas. Se ine- de reger os seus destinos. (...) A idéia da instrução então impôs-se. É
xistia este povo, quem era o povo no Rio? Ou que povo era o povo do Rio? Era ele que a República sem a educação inteligente do povo poderia dar-
totalmente alheio à política, desinteressado de participar até mesmo dos assuntos
municipais? Era de fato um bestializado? (. .. ) De uma afirmação inicial de apatia,
nos, em vez de governo democrático, o despotismo das massas, em
de inexistência de povo, passa-se então para outra, que afirma a presença de ele- vez de ordem, a anarquia, em vez de liberdade, a opressão (Reis Fi-
mentos da população politicamente ativos, mas que não se enquadram no conceito lho, 1981 : 146).
de povo que os observadores tinham em vista. Não eram cidadãos. Era a 'mob' ou
'dregs' ('escória') para o representante inglês; a 'foule' para o francês; a 'canalha', a
'escuma social' para o português, quando não eram simplesmente bandos de negros Perante a percepção cultivada revelou-se a profunda distân-
e mestiços. ( ... ) A essa" multidão atribuíam as características que lhe daria Gustave cia entre o instituído e o tempo idealizado que fadava a sociedade
Le Bon de ser guiada pela paixão e não pela razão, de ser explosiva, inconstante, fa-
cilmente excitãvel por demagogos ( ... ) O problema não era a ausência do povo: era brasileira a permanecer na proto-hist6ria, ameaçada pelo retomo à
povo demais" (Carvalho, 1987: 71 ss.), barbárie. Veredito final: num canto perdido dos tr6picos, no he-

72 73
misfério Sul, entre o caldeamento de inúmeras raças, a Nação ceticismo, a fim de abrir espaço suficiente para a ordem existente
brasileira permanecia informe e ignorante de si mesma:aZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
e r a p r e c i- (Horkheimer e Adorno, 1985 : 48).
s o q u e a lg u é m a d e s p e r ta s s e e a m o d e la s s e .
Terminada a b e l l e - é p o q u e , o liberalismo brasileiro empe-
Se a escola, porém, pela educação adapta a criança à vida social, fa- nhou-se na revisão de seus postulados, particularmente no que se
zendo-a assimilar a ordem intelectual e moral reinante, de que ela é referia à atuação do Estado e sua relação com a sociedade civil. A
um poderoso instrumento de conservação, ela, por sua vez, como cclosão da Primeira Guerra Mundial e os crescentes conflitos in-
órgão de aspirações e ideais, reage sobre a sociedade, a cujo serviço ternos deixaram profundas marcas na consciência culta, tornada FEDCBA
é destinada, introduzindo-lhe na circulação fermentos e reativos que d e horror ante a possibilidade de retorno à barbárie. Paradoxal-
lhe provocam alterações e transformações profundas, agindo, quer mente, a guerra fora travada entre as nações mais cultas de seu
indiretamente ou por intermédio dos futuros cidadãos, cuja inte- tempo, o que reafirmava a necessidade de uma revisão em ex-
ligência e cujo caráter receberam a marca de sua influência em metal tensão e profundidade do liberalismo ortodoxo. A experiência co-
em via de resfriamento e condensação e, por conseguinte, plástico e letiva vinha denunciando a sua insuficiência corno corpo dou-
ceroso (Francisco da Silva Campos, a p u d Peixoto, 1983 : 82). trinário capaz de conduzir política e culturalmente a dominação
burguesa, e de impedir o estado de guerra permanente entre as
A instrução pública, ao lado de uma legislação que regulas- nações.
se as relações entre o trabalho e o capital, permitiria o surgimento
de formas de sociabilidade estáveis, eliminando-se as ações im- A economia de mercado - a princípio uma força emancipa-
previsíveis e incompatíveis com o ideal de regularidade social. dora - acabou por desencadear, através da livre concorrência e da
Mas a permanência das formas de sociabilidade precária impedia neutralidade do Estado, a competição ininterrupta das forças so-
a transição dos homens da condição de seres naturais para a de ciais, hostis e egoístas, decretando a ruína da sociedade burguesa.
seres políticos. A defesa intransigente do e g o t s m o d o e u , no limite acenava para
autodestruição.
Para os ilustrados, a República brasileira estava inconclusa:
a utopia liberal não se efetuará entre nós em toda a sua plenitude, A utopia racional - enunciada pela Escola Nova -, que vis-
apenas renovará a retórica. Não havia, por exemplo, um espaço lumbrava uma associação de homens livres de qualquer opressão
físico - higiênico e simétrico - onde o burguês pudesse se reco- e constrangimento, estava ameaçada: a natureza humana demons-
nhecer: onde estava a cidade elegante e refinada, em que pudesse trou-se falha. A ciência ganhou um novo estatuto no interior da
transitar livremente? Ou o espaço social - equilibrado e hierar- pedagogia. Os educadores renovadores tinham como princípios
quizado - marcado pela presença de sólido contrato social? Onde fórmulas matematizantes, capazes de reorientar o pensamento so-
estava a cooperação entre o trabalho e o capital? Ambos os espa- cial, transformando-o em programa de mobilização ideológica. O
ços estavam marcados pela assimetría e heterogeneidade, circuns- dilema posto pela antinomia e s t a b i l i d a d e s o c i a l o u r e v o l u ç ã o foi
critos à fealdade e determinados pela insubordinação social e solucionado com o auxílio da ciência, abrindo-se novas possibili-
política. Essas dimensões impediam o acesso à senha que liberava dades para a reorganização do poder.
do invólucro a s e c r e t a u t o p i a c o n t i d a n o c o n c e i t o d e r a z ã o . Pois,
para a percepção cultivada, a insubordinação nada mais é que ir- Para o discurso mobilizador cabia ao Estado Administrador
racionalidade: e s t r a n h e z a d o p o v o p e r a n t e a m o d e r n i d a d e , reve- e às instituições políticas racionais criarem as condições mate-
lando o ser arcaico e atávico que teima em sobreviver no interior riais, morais e jurídicas que possibilitassem a convivência da
da multidão tumultuária. espécie humana em sociedade, reconciliando os homens entre si e
com a natureza. O discurso reformador, que propugnava o ingres-
Na D i a l é t i c a d o e s c l a r e c i m e n t o , Adorno e Horkheimer ex- so na modemidade capitalista, omitia o elemento fundador e cons-
plicitam o movimento da percepção culta perante a luta de classes: tituinte da sociedade burguesa: a d i v i s ã o .

(...) o pensamento esclarecido mas irrefletido empenhou-se sempre, A história da sociedade capitalista é a história da produção incessan-
por uma questão de autoconservação, em superar-se a si mesmo no te da separação, não sendo casual que o liberalismo faça desta última

74 75
A representação igualitária da sociedade seria possível des-
o suporte factual da sociedade civil como articulação mecânica e vo-
de que as diferentes classes sociais abdicassem dos poderes de
luntária de indivíduos portadores do direito natural, nem que o ro-
que dispunham, em favor do E s t a d o a d m i n i s t r a d o r . Decorre,
mantismo procure vencê-Ia por meio da comunidade ideal como laço
então, outra inversão imaginária: n ã o é a s o c i e d a d e q u e p r o d u z o
originário e orgânico entre os homens, movidos menos pela vontade
E s t a d o , m a s , a o c o n t r á r i o , e s t a é e n g e n d r a d a p e l o E s t a d o . Nessa
e mais pelo sentimento. Separação entre o trabalhador e os instru-
linha do raciocínio está presente a idéia de que a sociedade, por
mentos de trabalho, entre o trabalho e o produto do trabalho, entre a
ser o âmbito da competição natural entre as três classes proprietá-
produção e o consumo, entre o trabalho manual e trabalho intelec-
rias.ré incapaz de conduzir racionalmente o seu destino, padecen-
tual, entre ideadores e idéias, entre concepção técnico-científica do
do da m e n o r i d a d e i n t e l e c t u a l , devendo ser tutelada, administrada
processo de trabalho e execução, entre concepção e realização, entre
e regulada. Dessa maneira, superava-se a proto-hist6ria e insti-
o público e o privado, entre ciência e religião, entre o poder político
tuía-se o hist6rico propriamente dito.
e poder teológico, separação entre todas as esferas da vida social e
suas representações (Chaui, 1984: 36).
Enquanto isso não ocorria, a consciência ilustrada sentia-se
estranha no seu tempo, a Nação permanecia inculta e bárbara e a
A operação empreendida pelo aZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
p e n s a m e n to e s c la r e c id o con-
marca 'do burguês esclarecido estava ausente no fazer social. Re-
siste em negar a divisão e recolocã-la sob novas bases ideolõgi-
beliões, instabilidade social e política, discussões incessantes
cas, num esforço contínuo de superação do quadro de pensamento
abriam caminho para o embrutecimento humano. A república
existente, introduzindo novas perspectivas para o exercício da
política estava longe dos anseios da república das letras. A van-
dominação.
guarda política e cultural, inspirada nos ideais escolanovistas,
empreendia a edificação da Boa Sociedade, procurando tirar o
A utopia racional idealizada pelos educadores renovadores,
contexto s6cio-hist6rico do âmbito do indeterminado e identificar
uma das expressões do pensamento esclarecido, procurou negar a
a constituição da sociedade técnica e industrial com a ascensão e
hist6ria enquanto hist6ria da luta de classes, produzindo um ima-
emancipação do gênero humano. Decorre daí a mística reveren-
ginário em que o movimento progressivo da hist6ria era decorrên-
cial do planejar, administrar e controlar as esferas cultural, social,
cia do choque contínuo entre o moderno e o arcaico, o racional e
política e econômica, buscando coordenar meios e fins, disciplina
o irracional, o novo e o velho, em síntese: entre T r a d i ç ã o e M o -
e produtividade.
dernidade. Recolocada sob novas bases: "classes laboriosas" e
"classes dirigentes", a divisão não representava o exercício de Tomando-se como referência de análise a intensa produção
poder de uma classe sobre outra, refletia apenas a organização teõrica e prática dos educadores renovadores, deparamo-nos com
científica do mundo do trabalho e da sociedade. um "mudancismo" exacerbado; um pensamento social fascinado
com as inúmeras possibilidades abertas pela concepção de socie-
Esse imaginário social tinha
a finalidade de e x o r c i z a r a dade administrada sob o signo da ciência. A tendência fisionômi-
h is tó r ia e n q u a n to h is tó r ia negando o presente
da lu ta d e c la s s e s ,
ca do século: a Sociedade Industrial cativou a percepção culta.
e projetando o futuro sob forma de comunidade harmônica. Ao Prever para prover, reorganizar o social, integrar o proletariado
negarem imaginariamente as classes sociais, contribuíram de for- urbano, em síntese, estabelecer a previsão como forma de contro-
ma decisiva para o aprimoramento da dominação, produzindo - le institucional: na década de 20, os ideais positivistas de Augus-
dentro de seus limites - uma prática social mobilizadora, fundada to Comte, Spencer e Durkheim estavam na ordem do dia.'
na cooperação entre as classes.

Nessa reposição totalizante do social operada pela atividade


4. Na década de 20 e início de 30 a burguesia colocou para si mesma várias interro-
ideol6gica, os conflitos aparecem não como decorrência da di- gações: a questão do Estado e a questão da organização do trabalho livre .etc. Fer-
visão do social em classes, mas como conseqüência do relaciona- nando de Azevedo e Lourenço Filho tematizaram essas questões. Este último mer-
gulhou numa trama ainda não totalmente elucidada: o movimento de testes psicolõ-
mento de três classes sociais proprietárias, tendo cada uma a con- gicos, orientação profissional e organização do trabalho livre.
trapartida pelo seu l a b o r : ao capital, o lucro; à terra, a renda; ao De fato, ao tema instrução integral do povo, podemos somar o tema da organização
trabalho, o salário: a atividade econômica surge sob a forma tri- racional do trabalho. Lourenço Filho, ao lado de AImeida Jr., por exemplo, percor-
reu uma trajet6ria voltada para a organização racional do trabalho que abrangeu
nitária do capital.FEDCBA

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76
No cerne dessa atualização político-ideoI6gica, a fala liberal para vencer a indiferença do povo perante o novo que desponta.
escolanovista despontava como um projeto modernízante que rea- A racionalidade imediata que comanda a atividade fabril conver-
lizava a Razão na Hist6ria, contemplando os interesses das elas:' teu-se em modelo de organização social:
ses sociais modernas: a burguesia industrial e o proletariado ur-
bano. Sobre o tema da Escola Nova, criou-se, então, um quadro A indústria - diria Francisco Campos - é a mais poderosa organi-
interpretativo semelhante ao que ocorrera na França do século zação do mundo moderno. Foi, porventura, dela, da sua rotina, das
XVIII: a rebelião do Baixo - moderno e atualizador - contra um suas práticas, dos seus hábitos, da repetição dos seus processos que
Alto - tradicional e opressivo. emergiu a ciência da organização do trabalho humano ou da organi-
zação das técnicas industriais - o taylorismo, em suma (Francisco
Nesse caso, a presença atuante dos pioneiros e a doutrina da. Campos a p u d Peixoto, 1983: 135).
Escola Nova indicaram a marcha da revolução democrática bur-
guesa; os pioneiros seriam os nossos fil6sofos da Ilustração.FEDCBA Na obra pedag6gica E d u c a ç ã o p r o g r e s s i v a , Anísio Teixeira
colocou de maneira didática as "idéias-força" ou "princípios di-
O ideal de transcendência do quadro social expressou-se na retrizes" da modernidade:
edificação da aZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ló g ic a d a id e n tific a ç ã o s o c i a l , com o prop6sito de
regenerar a comunidade de origem. Nessa reconstrução, a moral A primeira dessas diretrizes, deixamol-a apontada na nova atitude
burguesa do trabalho introduziu uma nova positividade: o domí- espiritual do homem. A velha atitude de submissão, de medo e de
nio da natureza é a condição para a felicidade coletiva. Era preci- desconfiança na natureza humana foi substituída por uma atitude de
so construir e edificar o progresso. . segurança, de otimismo e de coragem diante da vida. O methodo ex-
perimental reinvindicou a efficacia do pensamento humano.
Nós pensamos PARA FAZER - dizia o professor Aprígio Gonzaga
- nascemos artesãos e geômetras: H o m o F a b e r . Os mecanismos de (...) Porque, graças a ele, ganhou-se o governo da natureza e dos
nossa faculdade de reconhecer foram construídos sobre o plano da .elementos a fim de ordenal-os para maior benefício do homem, (...)
ação.
Para Anísio Teixeira, a primeira diretriz da vida moderna, a
(...) A grandeza da civilização repousa sobre a capacidade industrial ciência, é complementada com outras duas:
e técnica. Na época das indústrias, vence o povo educado na luta
pacífica, que é mais encarniçada, o povo que aprende na atmosfera A segunda grande diretriz da vida moderna, é o industrialismo como
criadora das oficinas e dos laboratórios o segredo triunfador da ida- nova visão intelectual do homem, também filho da ciência e da sua
de moderna (Gonzaga, 1923: 48). aplicação à vida (...) A "grande sociedade" está a se constituir e o
homem deve ser preparado para ser membro responsável e inteli-
Na vasta empresa de regeneração da República e morali- gente desse novo organismo (...) A terceira grande tendência do
zação do mundo do trabalho, os educadores renovadores utiliza- mundo contemporâneo, é a tendência democrática. Democracia é,
ram como meio de persuasão as imagens do universo urbano-in- essencialmente, o modo de vida social em que cada "indivíduo conta
dustrial. A fábrica é a estratégia adotada para vencer o atraso so- como uma pessoa". O respeito pela personalidade humana é a idéia
cial, econômico e moral da Nação; a ética do trabalho é o meio mais profunda dessa grande corrente moderna (Teixeira, 1933 :
28 ss.).

desde o Instituto de Higiene, a Sociedade de Educação de São Paulo; a Escola A apreensão científica das grandes diretrizes da vida mo-
Normal da Praça, a criação do Serviço de Psicologia Aplicada anexo à Diretoria derna: a ciência, o industrialismo e a democracia, explicita um
Geral do Ensino, culminando com a fundação do IOORT _ Instituto de Organi-
zação Racional do Trabalho, em 1931. novo saber científico que transforma os outros saberes em n ã o
Esse movimento de racionalização do trabalho tinha como pressuposto a adaptação s a b e r . Desqualificam-se os possíveis projetos hist6ricos alternati-
psicol6gica e Í1siol6gica do operário à rotina e à intensidade do trabalho fabril. In- vos elaborados por outras classes sociais, na medida em que não
telectuais como Lourenço Filho, Almeida Jr. e outros procuravam repensar o taylo-
rismo a partir das contribuições da psicologia, biologia etc. exprimem as diretrizes dos tempos modernos, mas o pensamento
A respeito do IDORT veja-se Antonacci (1987), Tenca (1987). ideol6gico, estando de antemão fadados ao fracasso.

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Para o pensamento esclarecido, esses projetos expressavam Os princípios diretrizes da modemidade estavam aZYXWVUTSRQPON
a p r io r i
os interesses da política partidária, comprometida com a paixão e determinados: ciência, industrialismo e democracia. A vanguarda
não com o saber científico: eram vontades desviantes que preci- esclarecida deveria disseminá-los entre o povo, através de um
savam ser subordinadas ao esclarecimento.
programa de reformas com virtudes pedagógicas. Deviam ser
aceitos como fins em si mesmos; questionã-los significava estar
A vanguarda esclarecida, autoconsciência de uma época,
sob o domínio do pensamento ideológico.
não podia se reconhecer nos limites estreitos do projeto de domi-
nação existente. Assim, buscou refúgio no futuro, projetando a
sociedade perfeita, numa tentativa de exorcizar a história enquan- Sabemos que no discurso da ciência positiva não cabe à teo-
to história da luta de classes. A dominação burguesa ganhou no- ria buscar fins transcendentais, mas descobrir os meios para a rea-
vas bases, aparecendo no imaginário social como domínio do ra- lização dos fins que se presumem auto-explicativos. A razão posi-
cional sobre o irracional. A utopia racional - identificação entre tiva, isto é, instrumental preocupa-se com os ideais de eficiência e
razão e dominação - era o espaço físico e social onde a boa cons- produtividade, portanto, com o progresso e a ascensão do gênero
ciência burguesa se reconhecia. humano. Na Dialética d o e s c l a r e c i m e n t o , temos argumentações
que explicitam melhor essas considerações.
A idéia de comunidade perfeita tecia a imagem do tempo
histórico enquanto progresso e desenvolvimento técnico-científi- ( ...) A ciência ela própria não tem consciência de si, ela é um instru-
co, que testemunhava apenas a sucessão do tempo empírico, num mento, enquanto o esclarecimento é a filosofia que identifica a ver-
c o n tin u u m homogêneo e linear que realizava paulatinamente a dade ao sistema científico.
idéia de progresso. Dotada de movimento e sucessão própria, a (...) A idéia de uma autocompreensão da ciência contradiz a idéia da
história era portadora de uma finalidade imanente: a sociedade própria ciência (...); o esclarecimento expulsa da teoria a diferença
técnica e industrial.
(Horkheimer e Adomo, 1985 : 85 ss.).

Quanto à luta de classes, era concebida como resquício


No projeto de transição para a modernidade, cabia à ins-
teológico-metafísico e entrave à plenificação do estado positivo
trução pública produzir e disseminar duas imagens primordiais: a
da humanidade, cujas bases objetivas já estavam postas. A tarefa
da história progressiva e do burguês culto e emancipado, capaz de
política empreendida pela vanguarda esclarecida era clara e defi-
dirigir o seu destino sem o auxílio de outrem. Essas imagens de-
nida: eliminação das b a s e s t u m u l t u á r i a s da sociedade. A imagem
sannavam os questionamentos e acalmavam a inquietação.
da história progressiva procurava neutralizar a história, abolindo
as diferenças, ocultando as contradições, e desarmando os espíri-
tos que se interrogavam sobre aquilo colocado como comum a to- A noção atual de liberdade envolve, caracteristicamente, a capacida-
dos. A ênfase recaiu na determinação e construção da v o n t a d e de de se orientar exclusivamente por uma a u t o r i d a d e i n t e r n a ( ...)
ú n i c a , identidade nacional capaz de conjurar definitivamente a Nenhuma autoridade exterior é hoje aceita (Teixeira, 1933: 33).
indetezminação histórica, instaurando o sócio-histórico: a moder-
nidade. A homogeneização do uni verso social, com o apagamento
das diferenças e o ocultamento das contradições, dá-se com a
No contexto de regeneração, os educadores reformadores ou criação de um sujeito universal, cunhado à semelhança do bur-
pioneiros da educação renovada teceram um discurso sobre o ho- guês ilustrado, dotado de autonomia, capaz de conduzir o proces-
mem e a sociedade brasileira: u m f u t u r o i d e a l i z a d o a s e r v i ç o d a so histórico. Em outras palavras, o sujeito político é aquele escla-
d o m in a ç ã o p r e s e n te . A sociedade edulcorada que reconciliava o recido e a sociedade construída à sua semelhança é conseqüente-
homem consigo mesmo e dominava a natureza necessitava no pre- mente livre e esclarecida. Dessa maneira, o s e d u c a d o r e s r e n o v a -
sente da cooperação das classes e do fim das hostilidades e con- dores são com o que e p fg o n o s da ilu s tr a ç ã o : o saber produz v ir -
flitos, o que favorecia o desenvolvimento das forças 00 progres- tu d e s e c r ia a s c o n d iç õ e s n e c e s s á r ia s para a ascensão e e m a n c i-
so. Em outras palavras, era preciso subordinar o m u n d o d o t r a b a - pação d a e s p é c ie ; a ig n o r â n c ia produz a in iq ü id a d e e a opressão
l h o à racionalidade da grande indústria.
d e s p ó tic a .

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A instrução pública era primordial, pois disseminava as A aZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
r e a tu a liz a ç ã o d o c o n ju n to d e m e c a n is m o s e d is p o s itiv o s
imagens modernizadoras e progressivas de hist6ria, que ajudavam transferiu a racionalidade imediata que comanda a es-
id e o ló g ic o s
a determinar a interpretação que os diferentes sujeitos fazem de si
fera de produção material para a esfera do social. Os homens fo-
mesmos e dos outros no interior do modo de produção. Perante
ram tomados como meros c e n t r o s d e c o m p o r t a m e n t o , como maté-
uma realidade social ca6tica e insubordinada, a pedagogia cientí-
fica reconstruía, imaginariamente, o tecido social, difundindo as ria plástica, que podia ser moldada e controlada a partir da insti-
luzes e contribuindo para o surgimento de formas de autoconser- tuição do Estado racional e da sociedade administrada. A moder-
vação da sociedade burguesa.FEDCBA nidade, instituição do hist6rico propriamente dito, surgia em con-
seqüência do ritmo e regularidade social, originários das ações
A escola surge como uma agência especial e expressa para produzir racionais e não inusitadas. Essas ações não questionavam fins;
um resultado que a d i r e t a p a r t i c i p a ç ã o n a v i d a s o c i a l t o r n o u - s e , d e - preocupavam-se apenas com os meios que os tornariam viáveis.
v i d o à s u a c o m p l e x i d a d e , p r e c á r i a o u i m p o s s t v e l ( ...) Educar é defi- C iê n c ia , in d u s tr ia lis m o e d e m o c r a c ia s ã o fin s r a c io n a is em si
nir, focalizar e coordenar os movimentos para uma resposta justa e m esm os, a u to -e x p lic a tiv o s e q u e to r n a m o fu tu r o a u to -e v id e n te : a
apropriada (Teixeira, 1928: 14).
c o m u n id a d e A liberação da utopia contida no concei-
d e d e s tin o s .
to de razão instrumental impunha a colaboração de classes, a or-
Essa idéia é consensual entre a vanguarda pedag6gica esco-
ganização científica do trabalho, da sociedade, da política e da
lanovista, sendo corroborada por Femando de Azevedo:
cultura.
(...) quis o Estado preparar as gerações não para a vida social, se-
gundo uma representação abstrata, mas para a vida social do seu A crescente cientificização do real, fisionomia do século
tempo, sob um regime igualitário e democrático em evolução, XX, exigiu a revisão em extensão e profundidade das bases da
transmudando a escola popular não apenas num instrumento de educação, surgindo daí um n o v o s a b e r p e d a g ó g i c o : o escolano-
adaptação (socialização), mas num aparelho dinâmico de transfor- vismo.
mação social (Azevedo, 1950: 17).
Por e s c o l a n o v a - escrevia Lourenço Filho - se deve entender, hoje,
Em lugar da dúvida, a certeza; do heterogêneo, a identidade um conjunto de doutrinas e princípios tendentes a rever, de um lado,
nacional; da indeterminação, a determinação hist6rica. No ima- os fundamentos da finalidade da educação; de outro, as bases de
ginário social produzido pelos educadores renovadores havia a aplicação da ciência à técnica educativa.
preocupação de refundar o tempo, produzindo inversões imaginá- Tais tendências nasceram de novas necessidades, sentidas pelo ho-
rias, o d e s l o c a m e n t o d a s i d é i a s . As idéias não estavam contidas mem, na mudança de civilização em que nos achamos e são mais evi-
nos diferentes sujeitos e em suas relações materiais, mas ao con- dentes, sob certos aspectos, nos países que mais sofreram, direta ou
trário, o s s u j e i t o s e s u a s r e l a ç õ e s p a r e c e m e s t a r c o n t i d o s n o indiretamente, os efeitos da conflagração européia. Mas a educação
m u n d o d a s i d é i a s . As relações sociais de produção são represen- nova não deriva apenas da grande guerra.
tadas imaginária e idealmente, isto é, ideologicamente. Ela se deve, em grande parte, também ao progresso das ciências
biológicas, no último meio século, e, em particular, ao espírito obje-
A crítica às insuficiências republicanas, traduzida como "es- tivo, introduzindo no estudo da ciência do homem (Lourenço FiÍho,
forço de republicanização", não se constitui em crítica ao exercí- s.d. : 72 SS.).5
cio do poder ou negação da ordem, mas é antes esforço do pen-
samento esclarecido em superar-se, procurando reorganizar o p0-
der e dotar a República de formas de controle institucional, ocul- 5./ Sobre as sucessivas edições dessa obra fundamental para a compreensão do ima-
tos na senha da modernidade .. Utilizando a expressão de ~r- ginário escolanovista, Mirian Jorge Warde fez a seguinte análise:
kheimer e Adorno, procurou-se liberar a utopia contida no eon- "Da 1~ (1930) à 13! (1978) edição, a obra de Lourenço Filho sofre modificações
substantivas, que deveriam ser objeto de análise cuidadosa. Dela poder-se-ia deri-
ceito de razão, retirar a utopia racional do inv6lucro que à conti- var elementos importantes para a compreensão do pensamento do autor e do movi-
nha, criando-se, em meio aos possíveis hist6ricos, a visibilidade mento escolanovista no Brasil do qual foi um dos expoentes. De infcio, os estudos
na hist6ria. sobre a obra deveriam tomar como perfodo demarcatõrio o de 1961, quando Lou-
renço Fitho praticamente reescreveu o texto original" (Warde, 1984b : 493).

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83
Depreende-se que o escolanovismo é uma prática racional Ao perder a autonomia, a razão perde a sua negatividade,
preocupada em determinar as bases científicas da educação e da convertendo-se em órgão voltado para a ação pragmática: organi-
sociedade, suprimindo as bases tumultuárias sobre as quais esta- zar o caos social e banir as ações inusitadas, dotando a sociedade
vam assentadas. de previsibilidade e regularidade. O pensamento é subordinado
à lógica utilitarista, derivando daí o horror ao transcendentalismo.
A biologia, a psicologia e a sociologia assentaram a edu-
cação sobre bases positivas, fazendo com que contribuísse para a (...) em seu aspecto instrumental, sublinhado pelo pragmatismo, en-
reconciliação das classes sociais, integrando o proletariado na so- fatiza-se a sua submissão a conteúdos heterônomos. (...) A razão
ciedade burguesa. Neste caso, a razão instrumentalizada - bases tomou-se inteiramente aproveitada no processo social. Seu valor
positivas - está a serviço da funcionalização da vida burguesa, operacional, seu papel no domínio dos homens e da natureza tor-
moldada na racionalidade imanente da grande indústria. Tomemos nou-se o único critério para avaliá-Ia. (...) Qualquer uso dos concei-
a seguinte passagem do aZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
E c lip s e d a r a z ã o : tos que transcenda a sumarização técnica e auxiliar dos dados fac-
tuais foi eliminado como vestígio de superstição. Os conceitos foram
Mas a força que basicamente toma possíveis as ações racionais é a "aerodinamizados", racionalizados, tomaram-se instrumentos de
faculdade de classificação, inferência e dedução, não importando economia de mão-de-obra.FEDCBA
É como se o próprio pensamento tivesse
qual o conteúdo específico dessas ações: ou seja, o funcionamento se reduzido ao nível do processo industrial, submetido a um progra-
abstrato do mecanismo de pensamento. Este tipo de razão pode ser ma estrito; em suma tivesse se tomado uma parte e parcela da pro-
chamado de razão subjetiva Relaciona-se essencialmente com meios dução (Horkheimer, 1976: 29).
e fins, com a adequação de procedimentos a propósitos mais ou me-
nos tidos como certos e que se presumem auto-explicativos. Conce- Seria inverossúnil afirmar que a idéia de progresso tenderia
de pouca importância indagação de se os prop6sitos como tais são
ã a anular o seu próprio objeto: a ascensão e emancipação humana?
racionais. Se essa razão se relaciona de qualquer modo com os fins, Ou que o esclarecimento conduziria à barbárie? A luta travada
ela tem como certo que estes também são racionais no sentido subje- pelo esclarecimento contra a superstição e o mito, denunciados
tivo, isto é, de que servem ao interesse do sujeito quanto autopre-
ã como falsas objetividades, por certo trouxe uma melhor compre-
servação - seja do indivíduo isolado ou da comunidade de cuja sub- ensão da natureza e do homem. Mas a razão instrumentalizada
sistência depende a preservação do indivíduo (Horkheimer, 1976 : implicou a paralisia do transcendentalismo crítico, e transfor-
12). mou-se em órgão de coordenação entre meios e fins, comporta-
mento e ação. As idéias converteram-se em projetos e programas
o primado da razão subjetiva determina o deslocamento dos de ação prática, a serviço da dominação da natureza e do homem.
fins para os meios; no caso da Escola Nova a preocupação está Uma idéia verdadeira é a que pode ser realizada, nada mais. Nes-
em coordenar o comportamento com o objetivo proposto. Criando sa perspectiva, a ciência é o cálculo de possibilidade e classifi-
uma identidade entre o comportamento humano e a racionalidade cação dos fatos, restringindo-se à matematização do mundo, pro-
imediata da esfera de produção - daí a psicologia experimental - curando tornã-lo auto-evidente.
surge o Homem Novo, portador da subjetividade moderna.
No projeto de transição para a modemidade, na perspectiva
Essa funcionalização da razão transformada em órgão impli- dos educadores renovadores, a ciência fornecia as bases positivas
ca o abandono da reflexão transcendente, da razão negativa. Con- para a nova educação e a nova sociedade, destruindo as bases tu-
forme Horkheimer: multuárias sobre as quais o conhecimento repousava. Isso signifi-
cava a destruição da política partidarizada e dos projetos históri-
Esse desterro da razão a uma posição subordinada contrasta aguda- cos alternativos. A ordem funcional edificada pela ação científica
mente com as idéias dos pioneiros da civilização burguesa, os repre- implicava a percepção do social como composto de fatos e coisas,
sentantes espirituais e políticos da classe média ascendente, que fo- acabando por reificar as concepções de homem e sociedade,
ram unânimes em assinalar o papel de destaque da razão no compor- transformando-os em matéria plástica e seres administráveis. Cen-
tamento humano, talvez mesmo o papel predominante (Horkheimer, tros de comportamentos e carências que se não controlados ace-
1976: 18). navam com a possibilidade de retomo à barbárie.

84 85
A teoria intelectualista de transição social criava a imagem
da Boa Sociedade. Médicos, filantropos, jornalistas, higienistas,
engenheiros e educadores, a comunidade de homens cultos, asso-
ciaram-se nesta vasta empresa de regeneração do tecido social,
através da moralização do- povo. Por certo, dirão alguns, a utopia
racional não se realizou e seus herdeiros continuam a proclamar
que, ainda hoje, "os seus ecos permanecem desouvidos". Outros
dirão: "idéias fora do lugar" ou "ausência de condições objeti-
vas" ... A partir dessas avaliações reatualiza-se, permanentemente,
o ideal racional de convivência social. Na década de 20, a empre-
sa de regeneração e moralização procurou exorcizar a História,
invertendo imaginariamente a realidade: reconciliados entre si e
com a natureza, pelo uso da Razão, os sujeitos sociais edificavam
a comunidade ideal, um contínuo vir-a-ser. O tema educação e
democracia nem sempre consegue exorcizar essa tentação ... 1920,
crepúsculo e aurora, como já disseram, ainda continua dando o
Segunda P a r t e FEDCBA
que pensar ... e a tarefa de refundar o tempo social continua a ser
,
uma tentação perene ...
MEMORIA

86 aZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
C A P íT U L O I

o olhar retrospectivozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYX

Tudo é escada, corredor, janela, rua. Só perspectivas, pontos de ob-


servação, lugares de passagem. Os personagens se olham através
destas aberturas, se refletem nas janelas, atiram através de vidraças.
A focalização através de portas e janelas serve para definir os am-
bientes e localizar os personagens, sem que tenham de ser mostradas
as construções. O cenário praticamente não existe. O lugar de onde
se vê prevalece sobre o que é visto. Para economizar, o filme B não
mostra. Só se houver alguém olhando a ação, algo que parece se
aproximar ou uma presumível paisagem. Mas não se vê nada. Daí
estes indivíduos que estão sempre com o olhar perdido no vazio.

O cenário não é mais uma tentativa de reconstruir fielmente um am-


biente. Tem por função apenas corresponder às exigências da nar-
ração e do plano. Tudo é imediatamente uma imagem. Não se trata
do retrato de um local, mas de um local para ser retratado. Feito na
medida dazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
mise-en-scêne. A câmera não está nunca dentro do cená-
rio, o que permitiria múltiplos ângulos ligando os lugares, mas sem-
pre diante dele. O cenário, filmado em profundidade ou lateralmen-
te, só existe pela metade: uma fachada de casa, uma calçada, uma
parede. Um mundo convertido em teatro.

Nelson Brissac Peixoto, "Estética das ruínas",


in Folhetim n!?537, maio de 1987

Era uma das artérias principais da cidade e regurgitara de gente du-


rante o dia todo. Mas, ao aproximar-se o anoitecer, a multidão en-
grossou e, quando as lâmpadas se acenderam, duas densas e contí-
nuas ondas de passantes desfilavam pela porta. Naquele momento
particular do entardecer, eu nunca me encontrara em situação simi-
lar e, por isso, o mar tumultuoso de cabeças humanas enchia-me de
uma emoção deliciosamente inédita. Desisti finalmente e absorvi-me
na contemplação da cena exterior.

De início, minha observação assumiu um feitio abstrato e generali-


zante. Olhava os transeuntes em massa e os encarava sob o aspecto
de suas relações gregárias. Logo, no entanto, desci aos pormenores e

89
u-mpo produtivo e a moral vigente, possa ver o interior da ci-
comecei a observar, com minucioso interesse, as inúmeras varieda-
,Imlc e vislumbrar aquilo que o faiscar do neon ofusca e mer-
des de figura, traje, ar, porte, semblante e expressão fisionômica.
\ I lh a na semi-obscuridade. Por volta de 1851. Charles Baude-
Edgar Allan Poe, O zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
homem da multidã lllllC escreveu:

Ler o que nunca foi escrito talvez seja registrar rastros na Seja qual for o partido a que se pertença, é impossível não ficar
hist6ria. Creio que podemos começar colocando uma interro- emocionado com o espetáculo dessa população doentia que engole a
gação. Afinal, como em determinado momento da hist6ria, em poeira das fábricas, que inala partículas de algodão, que deixa pene-
meio ao entardecer cinzento, marcado pela garoa fina e persisten- trar seus tecidos pelo alvaiade, pelo mercúrio e por todos os venenos
te, pôde-se ler a palavra progresso, esparramada pelo asfalto mo- utilizados para produzir obras-primas (...) Essa população se mata
lhado da cidade, que em sua inocência refletia o faiscar do neon esperando as maravilhas a que o mundo lhe parece dar direito; sente
vermelho? É certo que a leitura exigia algum esforço por parte do correr sangue purpúreo em suas veias e lança um longo olhar, carre-
passante atento, pois o número de andarilhos atônitos era grande, gado de tristeza, para a luz do sol e para as sombras dos grandes
como era grande a quantidade de autom6veis, velozes e macios
parques.
que deslizavam sobre as palavras intermitentes que incendiavam o
meio da rua. A cidade é a materialidade das infinitas possibilidades trazi-
das pelo progresso, que, por paradoxal que seja, ergue-se sobre
Progresso esparramado pelas ruas da cidade, fomos quei- U I 1 1 amontoado de ruínas. Este espaço, ora sombrio, ora luminoso,
mando carvão, rolos de fumaça tecendo molduras voláteis na pai- l.tlgendro novas maneiras de sentir, perceber e viver, uma espé-
sagem promissora, máquinas velozes, multidões compactas, cami- u
rre de evolução histórica dos sentidos. É sobre esse ângulo que
nhando convictas em direção a um ponto previamente determina-
procurei estudar e compreender o sentido de "uma educação para
do. Em meio a este movimento, uma parada para um descanso,
uma sociedade em mudança", isto é, a Escola Nova brasileira. Ao
algo qualquer, num desses lugares onde os hábitos são públicos: a
lare-Io, procurei manter-me eqüidistante da noção de progresso
sala de estar é a rua e olha-se ao redor com uma nova sensibilida-
burguês, confundido com progresso técnico-científico e portanto,
O olhar recupera, ainda
de: síntese de rua e interior de residência.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
que momentaneamente, a capacidade de ver. O observador mara- progresso humano, a fim de compreender a práxis escolanovista
vilhado admira o pulsar incessante da cidade e, em meio a um go- na década de 20.
le e outro, conclui: isto é moderno. Mentalmente recita os versos
do poeta (in) suspeito e com Menotti DeI Picchia declama: Ao escrever-se sobre o tema da Escola Nova brasileira, tor-
na-se necessário analisar a mem6ria construída e legada pelos
(...) queremos luz, ar, ventiladores, aeroplanos, reivindicações pioneiros da educação e como esta produção imaginária foi incor-
obreiras, idealismos, motores, chaminés de fábricas, sangue, veloci- porada a um tema maior, a "revolução de 30", que, por sua vez,
dade, sonho, na nossa arte. E que o rufo de um automóvel, nos tri- expressaria a revolução democrático-burguesa no Brasil. Em ou-
lhos de dois versos, espante da poesia o último deus homérico, que tras palavras, o liberalismo escolanovista é explicitado como mo-
ficou anacronicamente a dormir e a sonhar na era do jazz-band e dernização da educação brasileira no contexto que a análise re-
do cinema, com a flauta dos pastores de Arcádia e os seios divinos trospectiva convencionou denominar de revolução burguesa.
de Helena!
Retomemos os intelectuais modernistas: espremidos entre
Sabemos que a cidade encerra perigos e queremos ser sal- um Estado dito oligárquico e uma sociedade civil imatura, a men-
vos, mas a sedução é grande e não temos pressa. Aos poucos, o sagem modernista soará algo incompreendida. É necessária uma
encanto se impõe, de início como presença abstrata, depois corno pesquisa ampla que, por exemplo, aborde em extensão e profun-
ameaça concreta. A cidade é sedução e desejo, um v6rtice: palco didade a relação existente entre o reordenam ento político-institu-
da modernidade, é uma experiência hist6rica. Mas como romper cional, do qual a "revolução de 30" é o marco-síntese, e a insti-
com esta terrível empatia que deposita na modernidade a salvação
tucionalização da pedagogia social elaborada pelo liberalismo es-
coletiva? Talvez quem ande a esmo, sem compromisso com o
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cola Nova brasileira exige revisão. É preciso explicitar o "desen-
colanovista. Ou seja, as idéias elaboradas em 20 irão reforçar o cantamento do mundo" proposto pelos pioneiros e o neo-ilumi-
processo de hegemonia burguesa na década seguinte. nismo escolanovista na década de 20 como regressão e retorno ao
mito. Os preceitos para o acerto do Brasil com a "hora mundial"
A reordenação do poder burguês trará profundas incompre- representam o discurso do poder. Mas a retomada dos princípios
ensões: o positivismo historiográfico, acostumado a identificar e liberais e democráticos por parte dos reformadores soará na histo-
analisar somente os particularismos burgueses, encontrará dificul- riografia como uma luta contra a tradição, isto é, a permanência
dades para compreender a reorganização da burguesia, que utili- dos aspectos feudais na cultura brasileira, entrave ao processo de
zará idéias universalizantes para ocultar a dominação de classe, "desencantamento do mundo". São os nossos fil6sofos da ilus-
dissolvendo o particular concreto no universal abstrato. Desta tração. Para tecer um contradiscurso é preciso retomar os temas
maneira, as políticas públicas que surgem a partir de 30 são to- da "revolução de 30" e da "Escola Nova" e rever a historiografia
madas como avanço dos setores-populares, que forçam a burgue- construída pelos pioneiros para empreender a negação dessa
sia a trilhar, ainda que momentaneamente, os caminhos de uma mem6ria, deixada para n6s como um tesouro que passa de uma
sociedade aberta. geração a outra, numa contínua reatualização.

Em outras palavras, o proletariado urbano, dirigido por umazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA


Em 1930 - O silêncio dos vencidos, Edgar de Decca expôs
dialética astuciosa, soube cobrar da ideologia burguesa a coerên- as seguintes argumentações:
cia de princípios. Agindo numa nebulosa entre o discurso libera-
lizante e uma realidade repressiva, o proletariado e sua vanguarda Fazer, portanto, com que o discurso sobre a revolução de trinta se
estrategicamente alcançam os seus fins.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
É esta avaliação, por autodestrua não apenas como momento de exercício e prática de po-
exemplo, que continua a rondar a presença dos pioneiros da edu- der, mas também como discurso da historiografia, exige fundamen-
cação: liberais conseqüentes ou representantes do máximo de talmente um contradiscurso que assuma a ótica e a dimensão simbó-
consciência possível de uma burguesia que se revela ora avara, lica de uma outra classe social, excluída da memória histórica produ-
ora hostil e sem capacidade de compreender o projeto de socieda- zida pelo exercício de dominação nos anos trinta (...) A memória
de aberta, isto é, liberal e democrática, idealizado pelos intelec- histórica da revolução de trinta pesa na produção historiográfica já
tuais modernistas, os pioneiros da educação renovada. que ela se toma eixo, por excelência, das oposições entre: Nação-
objeto x Nação-sujeito, economia agroexportadora x industriali-
A chamada retomada aos princípios liberais democráticos no zação/mercado interno, inorganicidade das classes sociais x Esta-
âmbito da educação e da sociedade soara como revolucionária, do-criador das classes, liberalismo x autoritarismo etc. Como campo
algo pr6ximo :à Revolução Francesa do século XVIII. Havia simbólico constituído no exercício de dotninação de classes, a idéia
mesmo uma certa partição do movimento entre girondinos, lidera- de revolução de trinta transforma-se num marco periodizador da
dos por Fernando de Azevedo, e jacobinos, capitaneados por história do Brasil e a historiografia em geral (...) A revolução de
Anísio Teixeira: liberais elitistas e liberais igualitaristas, isso sem trinta, portanto, representa a idéia capaz de constituir a Nação-su-
falar na presença do clero, representado pelos cat6licos, que jeito, legitimando ao mesmo tempo o poder político que encama essa
também disputavam o domínio sobre a instrução pública. 1 nova consciência (Decca, 1984 : 72-3).

Como romper com tal c6digo de decifração da hist6ria? Perante os temas e teses legados pela mem6ria hegemõnica,
Como romper com essa terrível empatia? Por certo, o tema da Es- li historiador deverá empreender a negação ou mesmo destruição,
remetendo-os diretamente ao local em que a hist6ria é engendra-
da, isto é, o contexto da luta de classes, pois são dimensões
1. "Esses educadores trouxeram para o Brasil, a nível de consciência educacional, simbólicas que visam negar a hist6ria enquanto hist6ria da luta de
uma perspectiva revolucionária sobre a educação. Anteciparam mudanças, que se- classes. No caso do liberalismo escolanovista, a reposição da di-
riam potencialmente possíveis e necessárias, numa sociedade capitalista, mas que as
classes dominantes brecaram, impediram. Ao ler o Manifesto dos Educadores, vê- visão será entre Tradição e Modemidade, artifício típico do libe-
se que o transferir para o Brasil os ritmos avançados das sociedades européias. Era ralismo, que concebe a hist6ria enquanto modernização e raciona-
como se a Revolução Francesa desabasse sobre n6s, no plano educacional, sem ter
desabado no plano econômico e polftico. Portanto, uma consciência ut6pica, mas
lização progressiva. Seus agentes e sujeitos estão sempre à frente
uma consciência articulada" (Florestan Fernandes, in Catani, 1986: 19).
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e acima do contexto egoísta das paixões individualistas. Na leitu- Interiores, que também cuidava das prisões, polícias etc. ganhou
ra da hist6ria retrospectiva, através da mem6ria legada pelos pio- seu pr6prio Ministério.ê
neiros, a "revolução de 30" surge como marco hist6rico-síntese
no processo de modernização, e
a pedagogia social da Escola Conforme o depoimento de Fernando de Azevedo,
Nova é explicada como parte integrante de uma revolução cultu-
ral e política de natureza humanista. (...) Daí o alcance desse documento e a poderosa influência que
exerceu, dividindo, como um zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPON
divortium aquarum, a opinião pública e
Vejamos o depoimento de um dos principais artífices dessa a dos educadores nas duas correntes que tomaram posição mais de-
frnidas em face desses problemas: a do pensamento conservador,
mem6ria, Fernando de Azevedo:
senão reacionário, e a dos renovadores. Não foi, pois, sem razão,
que desde logo se batizou como Manifesto dos Pioneiros da Edu-
A Revolução de 1930, removendo os obstáculos e desbravando o
cação Nova. (...) Essas páginas (...), longe de envelhecerem com os
terreno, não só facilitou, por vários modos, o desenvolvimento e a
25 anos que já decorreram da data de sua publicação, ainda são
propagação dessas idéias (as reformadoras) como também abriu
atuais e s6 ganharam com o tempo que se encarregou de justificá-
perspectivas e obras de reconstrução em todos os domínios no plano
Ias. Muitas das idéias que contêm e foram tidas então por novidades
nacional. Essa revolução - a maior que a história registra - foi, in-
perigosas já passaram à linguagem corrente e às aspirações comuns,
discutivelmente, nas palavras de Azevedo Amaral, "o movimento
aceitas e defendidas por quase todos. (...) É um marco que assinala
que até hoje maior agitação produziu na estrutura da sociedade bra-
não só uma revolução na história das idéias pedagógicas no Brasil,
sileira". O ritmo da revolução, nesse movimento de idéias, tinha de
como também a transição (mais clara hoje do que naquela época),
forçosamente precipitar-se, sob pressão desse acontecimento e das
que esse documento reflete e explica, de uma civilização para outra
mudanças que, em conseqüência, se operam nas esferas políticas e (Azevedo, 1957 : 9).
administrativas como no plano econômico e social (Azevedo, 1957 :
13).2
Resulta interessante confrontar a natureza da "revolução de
30", tal como foi explicitada pela produção acadêmica, com a ar-
A contrapartida da "revolução de 30", no âmbito da edu- gumentação de Kazumi Munakata:
cação e da cultura, foi oWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
M a n ife s to d o s P io n e ir o s da E ducação
N o v a , que sintetizou as aspirações reformadoras que vinham se (...) não se pode negar que se verificou uma mudança no modo pelo
processando desde o final da Primeira Guerra.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
É apontado como qual se organiza o Estado no Brasil e na relação deste com os setores
um marco-síntese na hist6ria da "evolução das idéias pedag6gi- da sociedade. Aqui, segundo as formulações da chamada "teoria das
cas" e testemunho da militância dos "educadores profissionais" e peculiaridades", estaria o traço característico do caso brasileiro,
demais intelectuais que exigiam uma tomada de posição firme e exatamente porque o Estado aparece autonomizado. Já se viu (...)
abrangente por parte do Governo Provis6rio que se apresentava, que não há peculiaridade nenhuma neste fato: o Estado burguês
conforme Fernando de Azevedo, "hesitante entre os diversos ca-
minhos a seguir". Assim, o documento trazia no seu bojo a
exigência de uma posição afirmativa em relação aos problemas da 3. "( ... ) uma das primeiras medidas do Governo Provisório, chefiado por Getúlio
educação e da cultura, propondo a definição de uma política na- Vargas, é a criação, em novembro de 1930, do Ministério do Trabalho, Indústria e
Comércio ( ... ) o 'Ministério da Revolução' - que seria o aparelho estatal munido de
cional para esse setor, nos mesmos moldes como já vinha se pro- instrumentos te6ricos, técnicos, racionais, neutros, objetivos etc., capazes de operar
cessando em outros setores. Sem dúvida, educação e trabalho a redefmição do lugar das leis trabalhistas. Para isso, o Ministério conta com um
surgem no p6s-30 como temas de salvação nacional. Com a espe- séquito de te6ricos do corporativismo," (Munakata, 1981 : 66).
"Cedendo às influências de todo aquele movimento de renovação da educação e do
cialização e autonomia do campo pedag6gico o sistema educacio-
ensino, que, como vimos, desde a década de 20 levara várias das Unidades Federa-
nal, que estava subordinado ao Ministério da Justiça e Neg6cios das a empreender reformas nesse setor, o Governo Revolucionário, pelo decreto n~
19.402, de 14 de novembro de 1930, cria o Ministério da Educação e Saúde, antiga
reivindicação dos educadores brasileiros. Para ministro foi nomeado' Francisco
Campos, elemento ligado às idéias e às realizações do movimento de modernização
, Texto publicado por ocasião do 25~ Aniversário do Manifesto dos Pioneiros d
1'1\ do ensino ( ... )(Lemme, 1984: 263).

"I 95
aparece autonomizado.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A peculiaridade só surge quando se
sempre zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA revolucionárias, ou moderadamente liberais (...) Esta contraditória
contrasta o processo histórico brasileiro com aquilo que se conven- situação manifesta-se porque nesta revolução formalmente burguesa
cionou denominar "revoluções burguesas de modelo clássico" - que o conflito entre a sociedade burguesa e o absolutismo é dominado
é, aliás, a pedra de toque da "teoria das peculiaridades". Este proce- pelo conflito entre o proletariado e a sociedade burguesa (...) (Rosa
dimento é curioso: em primeiro lugar, postula-se um modelo de "re- de Luxemburgo, apud Munakata, 1984: 67).
volução burguesa clássica" através da qual a burguesia teria se apos-
sado do Estado, como se isto fosse um dado visível; em outras pala- A revolução burguesa tem lugar e data, uma origem e alvo.
vras, não se preocupa com o fato de que esta revolução burguesa Assim, resta reiterar o essencial "( ... ) entre estas revoluções bur-
aparece como simplesmente "revolução", sem adjetivos, isto é, ocul- guesas do Ocidente e a atual revolução burguesa no Oriente, de-
tando o seu caráter de classe. É somente na e pela análise e pelo de- senrolou-se todo um ciclo de desenvolvimento capitalista". A
senvolvimento da luta de classes que a revolução revela-se burguesa. burguesia já não é mais revolucionária. Entretanto, a moderni-
Em segundo lugar, compara-se este modelo tomado como uma ingê- ação pedag6gica de natureza escolanovista continuará a ser
nua positividade com o "caso brasileiro", para se concluir que a re- apresentada como herdeira de um liberalismo integral, de quali-
volução burguesa não ocorreu no Brasil, porque a burguesia não se dades insuspeitáveis, e o neo-iluminismo surgirá como emanci-
apossou do Estado - daí a peculiaridade. Passa-se assim por cima do pação e não como regressão, constituindo-se em uma redefinição
fato de que há um fosso de cerca de dois séculos entre as revoluções das estratégias de aburguesamento da sociedade de classes.
chamadas "clássicas" e o "caso brasileiro" (Munakata, 1984: 66-7).
Com o advento dos profissionais da educação, já não são
Não podemos comparar a situação hist6rica e concreta de mais os sujeitos que se pronunciam a respeito da crise do social:
uma formação social com uma evolução social ti da como modelar. são intelectuais, homens de ciência, livres e desinteressados, que
Tem razão o autor quando afirma que daí deriva uma estranha irão buscar na sociologia positivista e na psicobiologia o instru-
"teoria das peculiaridades", em que idéias, sujeitos sociais, for- mental te6rico, que irá conferir o distanciamento necessário entre
mas de organização da sociedade e Estado etc. estejam sempre sujeito e objeto, isto é, a neutralidade científica. No interior do
"fora do lugar", revelando o Brasil como uma quimera. Refor- discurso reformador, o ideal de progresso converte-se em ex-
çando sua argumentação, o autor faz uma citação de Rosa de Lu- pressão do providencialismo cristão.
xemburgo, advertindo "(. .. ) sobre a radical diferença que existe
entre as revoluções burguesas 'clássicas' e o processo revolu- Mas o Brasil é um imenso "não é" ... O Estado de compro-
cionário russo de 1905": Vejamos: misso instalado no p6s-30, a ausência de radicalidade da revo-
lução, a falta de uma identidade nacional, a desordem e a indisci-
A revolução russa tem por primeira tarefa a abolição do absolutismo plina fizeram com que a estática dominasse a dinâmica social, e
e o estabelecimento de um Estado legal moderno, do regime parla- os ideais regeneradores da Escola Nova brasileira permaneceram
mentar burguês .. Formalmente, é a mesma tarefa que a revolução inconclusos, assim como permaneceu inconclusa a construção da
alemã de 1848 tinha por objetivo, assim como a grande revolução República democrático-burguesa. Nesse caso, os pioneiros são
francesa nos fins do século XVIII. parte ativa e integrante na construção da mem6ria que consagra a
Mas estas revoluções, que apresentam analogias formais com a atual dimensão do fracasso do ideário renovador e, graças a esse artifí-
revolução, realizaram-se em condições e num clima histórico intei- cio, a modernidade nos moldes escolanovistas tomou-se tradição,
ramente diferentes dos da Rússia atual. A diferença essencial é a se- alvo a ser alcançado. Escutemos Fernando de Azevedo:
guinte: entre estas revoluções burguesas do Ocidente e a atual revo-
lução burguesa no Oriente, desenrolou-se todo um ciclo do desen- ( . . .) É que, em vez de construções arbitrárias, o que nos propúnha-
volvimento capitalista. (...) Daí resultou uma situação histórica es- mos realizar era um plano, orgânico e vivo, de base segura, porque
tranha e cheia de contradições; primeiro, a revolução burguesa é adaptado às nossas condições reais e às necessidades do tempo; de
realizada, quanto a seus objetivos formais, por um proletariado mo- linhas firmes, no seu travejamento, de objetivos claros do conteúdo
derno com uma desenvolvida consciência de classe, num ambiente doutrinário, social e político, que podia suscitar divergências, exami-
internacional colocado sob o signo da decadência burguesa. C ..) as nada de outros pontos de vista, mas de que não se podia negar a
camadas da grande burguesia se mostram, ou abertamente contra- coerência e a unidade. Num clima político em que predominavam as

96 97
forças de estagnação, e, depois da Revolução de 30, as da desordem Desse modo, o surto industrial - obra da providência -
e do tumulto, a elite dos educadores cumpriu o seu dever e mos- transformou-se em evolução econômica, abrindo um descompasso
trou-se à altura do tempo e sua missão. As elites de hoje, políticos e com os estados mentais e tradicionais. A industrialização assumiu
educadores, parecem, no entanto, hesitar não só diante da desordem um aspecto natural e impessoal: simplesmente modernização.
que se instalou - uma desordem por assim dizer "organizada" -, Tem-se a história do capital sem o trabalho, apresentada sob o ró-
como em face dos redutos reacionários, de resistência às transfor- tulo de evolução econômica.
mações escolares impostas pelas profundas mudanças que se produ-
zem à volta de nós, em todos os domínios das atividades humanas. A respeito da memória legada pelos pioneiros, diz-nos Mi-
Não souberam ainda tomar um rumo nessa encruzilhada da educação rian Warde:ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
entre dois mundos. Tendo diante de si diversos caminhos - dois ou
três -, um dos quais apontado no plano do Manifesto, não se decidi- É preciso que nos desvencilhemos da leitura histórica centrada na
ram por nenhum deles. Ora, como observa Forel, "a elite que capi- luta entre a concepção nova e a concepção tradicional, conseqüen-
tula diante da sedição" (e, podemos acrescentar, diante de uma si- temente na conversão dos "pioneiros da Escola Nova" e dos "con-
tuação problemática, em crise aguda) "tem a sorte que ela merece" servadores" (principalmente representados pelos católicos) em ver-
(Azevedo, 1957 : 26-7). dadeiros sujeitos da história da educação; da historiografia que acei-
ta, sem críticas, o fato de que "pioneiros" e "conservadores" tenham
A dicotomia tradição-modernidade, como motor da história, se elegido, mutuamente, os únicos lídimos representantes dos inte-
não só encontrou acolhida entre a intelectual idade - a teoria dos resses sociais e os únicos dignos postulantes desses interesses (...)
"dois brasis" não é de hoje - como também testemunha a presen- mais significativo ainda, os "pioneiros" se autoproclamando os ver-
ça da sociologia funcionalista como suporte teórico na construção dadeiros e únicos representantes dos valores democráticos, contri-
buíram fortemente para a desmobilização de propostas de caráter
da historiografia dominante. Nesse sentido, é preciso ressaltar a
efetivamente popular (...) (Warde, 1984c : S).4
atuação do pioneiro Fernando de Azevedo, pois a hist6ria retros-
pectiva por ele construída tornou-se decisiva corno veio interpre-
Estamos diante de um projeto hegemônico ao nível das
tativo. E nenhum outro pioneiro teve tanto cuidado e empenho na idéias educacionais e que, portanto, não aparece como vinculado
construção e preservação da mem6ria dos anos 20. A síntese des- a um projeto de classe. Apresenta-se como universal, ocultando
A cultura brasileira, utilizada
sa memória está exposta na obrazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
os seus particularismos: é humanista e moderno. Para construir
como fonte para o período, que apresenta a luta de classes com sua hegemonia intelectual, produziu e colocou em circulação uma
resquício de estágios pré-sociais e critica a insuficiência das insti- série de imagens, tais como cidade, progresso, felicidade, destino,
tuições liberais democráticas, concluindo pela revisão e aprimo- indústria, trabalho, tecendo uma concepção de história progressi-
ramento da sociedade, ou conforme a sua linguagem: travejamen- va, que se supera continuamente, realizando o processo civilizatõ-
to do social. O autor partilha da visão ideol6gica que encara a rio. É lícito supor que a práxis reformista, na década de 20, pre-
hist6ria como depositária da atuação desinteressada das vanguar-
das esclarecidas, que lutam contra aquilo que denominou de "co-
4. Analisando a produção acadêmica referente à história da educação brasileira, a au-
gumelagem", isto é, a permanência da tradição e ausência de di- tora chega às seguintes conclusões:
retrizes que permitiu o questionamento do poder e o acirramento "Chegando à Etapa Republicana, dois períodos de maior interesse têm levado a
considerações bastante comuns. Na Primeira República e nos anos entre 1930 e
da luta de classes. A ausência de um Estado forte - para o autor, 1937, as grandes personagens que emergem na história são os renovadores do ensi-
Estado racional -, de instituições reguladoras do conflito e de no e contra eles os católicos conservadores; na interlocução de ambos, o Estado.
1937 a 1945, o Estado é a personagem que toma toda a cena e não se esgotam os es-
uma identidade nacional eram elementos determinantes no nosso tudos sobre as Leis Orgânicas. ( ... ) No conjunto da produção historiográfica levan-
atraso e impediam nosso ingresso na era da abundância. tada, a data-chave é 1930, marco histórico apartir do qual se desvenda a configu-
ração educacional da Etapa Republicana. Raros foram os estudos encontrados
que, adentrando essa etapa, não tenham posto o suporte explicativo da educação
Para ele caberia à educação e à cultura criarem uma nova em 1930. Mesmo entre aqueles trabalhos que se debruçam sobre o período mais
atual e que, portanto, têm 1964 como marco imediato de referência, há uma
mentalidade adequada ao desenvolvimento do mundo urbano e tendência em voltar a 1930 para explicar 1964 e de passagem explicar 1945"
industrial. (Warde, 1984a : 2 ss.).

98 99
tendia produzir mudanças e ao mesmo tempo controlá-Ias. A deci- te, à pedagogia proletária que delimita o terreno da luta de clas-
ses. A diferença é fundamental: numa, tem-se a educação para o
fração dessas imagens leva a interrogar sobre os recuos, abando-
futuro, fuga inevitável; noutra, tem-se a compreensão do presente,
nos e revisões do liberalismo brasileiro, na expressão do escola-
novismo. a divisão.

Essas imagens operam no interior do discurso ideológico,


o escolanovismo brasileiro foi sensível ao alerta de Euclí-
des da Cunha: progredir ou desaparecer. Progredir significa
cindindo o movimento social e a própria sociedade em pólos ima- adaptar-se ao mundo moderno e ao seu ritmo voraz. Numa inter-
ginários: tradição e modernidade, ao mesmo tempo em que unifica locução com a crise dos anos 20, procurou consolidar-se como
a divisão do real sob a imagem de sociedade racional ou comuni- um conjunto doutrinário que intentava explicar a relação entre vi-
dade harmônica. Assim, é possível identificar-se nas décadas de da social e progresso, motivação coletiva e controle do pensamen-
aggiornamento da hegemonia burguesa, resultando
20 e 30 um zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA to social. Escutemos um depoimento exemplar: Lourenço Filho,
num discurso pedagógico sobre a realidade brasileira. depondo perante a história, constatou nos anos 20 a presença de
uma "sociedade conspirat6ria", que podemos traduzir como uma
o movimento que ao mesmo tempo divide a sociedade em conspiração dos iguais:
pólos imaginários e silencia sobre a divisão real projeta imagens
que lançam pistas falsas, levando o investigador a mover-se em Nessa década, está em plena maturidade a geração nascida com a
torno das teses e temas criados pelos pioneiros. Nesta operação, a República. Nessa década, vem a manifestar-se aqui, por mil e uma
história é invadida por uma série de agentes que encarnam pro- influências, o grande drama que foi a Primeira Guerra Mundial.In-
postas conservadoras ou liberais. Assim, temos tenentes versus clusive por novos aspectos econômicos resultantes de improvisado
oligarquias, liberais e católicos, Estado oligárquico e Estado libe- surto industrial. Nessa década, agitam-se novas idéias na literatura,
ral democrático, sociedade patrimonialista e aristocrática versus nas artes e na filosofia. Nela, comemorou-se o Centenário da Inde-
sociedade aberta e democrática etc. Paralelamente, surgem outros pendência, fato que refletiu no espírito público e nos intelectuais,
temas, tais como: Escola Tradiciona! e Escola Nova; pedagogia com uma polarização de sentimentos e idéias ligadas ao próprio sen-
moderna e pedagogia tecnicista; educação humanista e livresca e tido dos verbos "depender" e "não depender". Nela, pela primeira
vez, lança-se o governo federal a um empreendimento de fins sociais
educação pragmática, própria para uma "civilização em mudan-
e políticos muito consideráveis- o de combate às secas do Nordeste.
ça"; "entusiasmo educacional" e "otimismo pedagógico". Essas
Nela, enfim, duas revoltas sangrentas sacodem o país, preparando a
teses e temas procuram evidenciar uma aparente ruptura no inte-
revolução de sentido nacional com que veio a encerrar-se o período.
rior do pensamento ilustrado, que aponta para o novo, elidindo o É ele de nitida transição. Para o Brasil, só então o Brasil começava
que julgo fundamental: a superação do próprio pensamento escla- (Lourenço Filho, 1959 : 19). [Grifos meus.]
recido, com a finalidade de aprofundar o exercício da dominação
burguesa sobre o conjunto da sociedade de classes. Mas, afinal, Tanto em Lourenço Filho como em Fernando de Azevedo, o
como resistir ao apelo do novo que se apresenta com revolução, olhar retrospectivo identifica a imagem de um organismo social
quando a historiografia nos apresenta dois temas básicos: edu- não de todo maduro, mas apto a suportar transformações. Entre-
cação de elites e educação para a democracia? tanto, estando à mercê de suas necessidades e carências, aliadas à
ausência de diretrizes, esse organismo entrou em estado de con-
As imagens polarizadas omitem a contradição principal, vulsão. A potencialidade da década justificava, assim, a presença
funcionando como mecanismos de ocultamento e obscurecendo a das vanguardas esclarecidas na elaboração de um programa na-
Escola Nova como uma das expressões da pedagogia burguesa, cional. No caso específico da vanguarda escolanovista, o registro
que se desdobra apresentando novas proposições. Assim, antes de passava, necessariamente, por uma reforma educacional e cultu-
ruptura ou embate de tendências antagônicas, cindindo a pedago- ral, com a finalidade de instaurar o novo e o moderno, pois ... "s6
gia em dois campos: moderna e tradicional, tem-se um WVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
c o r u in u u m então o Brasil começava". Vejamos como tal mem6ria é questio-
que aponta para o novo: a sociedade técnica e industrial. nada:

A historiografia e a ciência política brasileiras sempre privilegiaram


No interior da pedagogia burguesa, ética e psicologia estão
as classes dominantes em detrimento das articulações globais que
agrupadas como meios de educação para uma idéia; contrariamen-
101
100
. " zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

II marcam o processo histórico. (...) Para tanto se preferia desfiar uma mesmo tempo em que afirmam a não-contradição entre o setor in-
história de heróis através de uma visão personalista e factual da dustrial e o agrário - ambos estão sob a égide do capital - acabam
história, onde o que contava eram atributos individuais das lideran- por restaurá-Ia e continuam a fazer desta "contradição" a matriz da
ças dozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
establishment. (...) Todo período republicano anterior a 1930 explicação de todos os acontecimentos da história brasileira contem-
passou a ser considerado sob o domínio das trevas, como se a partir porânea, seja a "revolução de 30", o "Estado de compromisso", o
daquela data estivesse magicamente liquidado o padrão autoritário e "Populismo" e assim por diante (Munakata, 1984 : 59-60).
excludente que sempre caracterizou a política brasileira (Pinheiro,
1976: 10). No Brasil, nas décadas de 20 e 30, os profissionais da edu-
cação produziram um conjunto de imagens sedutoras, onde a Boa
A memória constituída pelos pioneiros da educação nova Educação forjava a Sociedade Racional, ao mesmo tempo em que
privilegiará a década de 20, lendo a história como movimento de modelavam a fantasmagoria da tradição, permitindo ao escolano-
modernização de vanguarda que por sua vez é estreitado pela rea- vismo sobressair-se não enquanto novidade, mas como algo ge-
lidade inóspita. Essa leitura justificou a presença das vanguardas nuinamente novo e, conforme a terminologia spenceriana, sobre-
esclarecidas no interior do processo histórico, sem contudo decla- pondo a dinâmica à estática social para criar uma consciência de
rar o conteúdo da ação: a busca de autoconservação da socieda- ruptura.
de burguesa. A elite pensante reconhece-se numa história tida
como sua, mas em luta perene contra a incompreensão e a presen- O que propunha o discurso da modernidade? Propunha o ra-
ça das forças irracionais que teimavam em burlar o projeto racio- cional, porque moderno, e dele decorria a prática científica da
nalizador. Se a história é das elites, é também a história da sua administração e previsão, estratégia para subordinar uma realida-
traição pelo inóspito, onde o projeto permanece inconcluso, re- de social inóspita - signo da luta de classes - que, nesta perspec-
fratário aos imperativos modernizantes. O fator humano, aquele tiva cientificista, é concebida como âmbito do político, reino da
para o qual se volta o progresso, transforma-se em fator de incô- necessidade e carência, marcada pelas paixões humanas. As hosti-
modo! Assim, não só 20 permanecerá como uma década das "so- lidades impediam a instalação da regularidade na esfera das re-
ciedades conspiratórias", como também 30 e por que não 45?· A lações sociais e de produção e a realização da idéia de progresso,
voz do "homem de ciência" ora será acatada, ora repudiada ... dynamis da história.
mas ele é um humanista e persistirá, um idealista que ousou ou-
vir ... um apóstolo da modernidade. Numa leitura atenta da produção teórica dos ideólogos da
educação, apreende-se a modernidade em dois níveis:
Em análise cuidadosa voltada para a desconstrução de certos
"preciosismos" historiográficos que se apresentam como auto-ex- • modernidade cultural: através da secularização da cultura
plicativos do processo, Kazumi Munak:ata observou como perante e superação das visões de mundo oriundas da tradição, realizar-
a ausência dos seus agentes fundamentais, essa história é paulati- se-ia o chamado "desencantamento do mundo" que livraria o ho-
namente preenchida pela presença atuante de outros agentes mem do peso do mito e da superstição. No bojo dessa empresa
históricos. está a tentativa de subordinar a cultura à vida empírica, sendo a
cultura pragmática concebida como fator de desenvolvimento;
Quando se fala, por exemplo, na ausência ou fraqueza da burguesia,
: II1 aponta-se para o fato de esta classe estar em situação de dependên- • modernidade social: através da constituição de complexos
cia em relação à chamada oligarquia. Produzida no interior e no cir- institucionais automatizados - o Estado e a economia - que esca-
cuito da economia cafeeira, a burguesia industrial- ou melhor, "os pam ao controle dos homens, sendo a grande indústria tomada
industriais" - não tem nenhuma autonomia: está econômica, política como pólo de organização do social alcançando-se urna crescente
e ideologicamente vinculada aos cafeicultores. Assim, não consegue burocratização. Desse processo, resulta um contrato social entre
de modo nenhum propor, e muito menos efetivar, um projeto he- os cidadãos portadores da maioridade racional.
gemônico para a sociedade: é incapaz de conquistar o aparelho de
Estado (...) Assim, as análises recentes que se libertam do fantasma A fusão" entre modernidade cultural e social engendraria a
do feudalismo no Brasil são tomadas por estranha ambigüidade: ao Nação: sujeito universal, construido à semelhança do burguês es-
I
103
102

j Jl
clarecido e livre de qualquer opressão. O liberalismo escolanovis- era necessário negá-Ia na sua autonomia, para em seguida inseri-
ta, no contexto dos anos 20, tinha uma finalidade instituinte: re- Ia na Nação. O discurso da Nação, agora público, confundia-se
fundar o tempo social, trazendo para a esfera pública os interesses com o discurso da grande indústria. A classe operária, portadora
privados. da menoridade racional, precisava ser reeducada sob os princípios
das Luzes, para que pudesse atingir a maioridade intelectual.
Entretanto, tanto a produção liberal como a de teor crítico Diz-nos Kazumi Munakata:
têm insistido em apontar a presença dos pioneiros no debate sobre
os rumos da Nação, como presença progressista.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Grosso modo,
(...) consolida-se, aos poucos, uma hegemonia, (...) para a qual não
ambas as vertentes partem da idéia de que.a doutrina escolanovis-
faltam nem os intelectuais orgânicos, nem os órgãos de coerção, e
ta tinha função preponderante na luta pela superação da ordem
aristocrático-patrimonialista e na instalação de uma ordem aberta muito menos uma "visão-de-mundo" disseminada como religião,
e democrática. Os pioneiros são tomados como sujeitos que em- como o ar que se respira, na qual e pela qual todos agem e (se) re-
preendiam a correção do descompasso entre a estrutura econômi- presentam. A pretensa "crise de hegemonia", em que não é visível
ca - que naturalmente caminhava para a consolidação do mundo nenhuma classe ou fração de classe aparece visível no Estado, é exa-
urbano-industrial -, e a permanência de uma superestrutura políti- tamente o momento de mais completa hegemonia; o Estado que apa-
co-ideolõgica, marcada por valores originários de uma ordem so- rece autônomo é um dos instrumentos comprometidos com essa he-
cial excludente. Daí o papel progressista desses intelectuais, gemonia. Não se vê particularismos: eis a hegemonia! (Munakata,
comprometidos com a "retomada do ideário liberal-democrático", 1984: 71).
já que estes ideais estavam ausentes ou relegados ao plano jurídi-
co-institucional, tomando evidente a separação entre o "Brasil Desmontando a imagem de Estado de compromisso que sur-
legal" e o "Brasil real". ge com a "revolução de 30", o autor repensa os lugares-comuns
que insistem na argumentação política sobre a imaturidade do
Sabemos que a empresa de reconstrução dos padrões cultu- proletariado urbano, a incapacidade das frações burguesas em im-
rais, através da palavra de mobilização: "educação para uma civi- por um projeto hegemônico para a Nação, desvios que possibili-
lização em mudança", visava impor ao homem pobre uma nova tarão engendramento de um Estado autonomizado que se tomará
moralidade, como parte de uma estratégia mais ampla de subordi- o sujeito da hist6ria. Assim, não é o Estado produto da sociedade
nação do trabalho ao capital. de classes, mas instituinte e fundador da própria realidade hist6ri-
ca, tida como moderna. Ora, o que a passagem aponta é para a
Médicos, higienistas, pedagogos, alienistas, engenheiros, fi- presença difusa, mas constante, dos intelectuais modernistas que
lantr6pos etc., em resumo: a comunidade de homens cultos passou de modo ativo constroem a hegemonia burguesa, produzindo uma
a invandir o mundo do trabalho, emitindo discursos neutros e série de imagens persuasivas, dentre as quais destaca-se a do Es-
frios, científicos, com a finalidade de moralizar e regenerar o in- tado racional e universal, concebido acima e fora das classes. Es-
subordinado e andrajoso operário urbano, procurando dissuadi-lo tes intelectuais elaboraram no interior da luta de classes estraté-
de sua autonomia e convencê-lo da infinita superioridade da so- gias não-repressivas. Através de um discurso neutro e frio que
ciedade do trabalho. produzia a impressão de distanciamento entre o sujeito e o objeto,
o mundo do trabalho foi invadido por essa estratégia persuasiva.
Aqui caberia retomar a concepção de que a instituição do No séquito de imagens burguesas, despontam: progresso, razão,
mundo urbano-industrial não é mero marco histórico no processo liberdade, ciência, nação, industrialismo, racionalidade, coope-
de modernização, como afirma o positivismo historiográfico, pois ração e comunidade; tudo envolto sob o r6tulo ambíguo do mo-
é a expressão da luta de classes e a imposição da hegemonia bur- derno.
guesa sobre o conjunto da sociedade de classes. O escolanovis-
mo, nesta perspectiva, intentava ocultar os conflitos sociais e, no Para Edgar de Decca:
limite, negá-los.
(...) alguns estudiosos da industrialização atestam uma espiral ascen-
Insubordinada, feia e andrajosa, imagem de "jeca-tatu", a
dente da produção industrial em São Paulo, a partir de 1920. Não
classe operária precisava ser desterritorializada e reinventada:
deve ser por mero estímulo de mercado, nem apenas devido a vaza-
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mento de capital. Uma batalha deveria estar sendo ganha dentro e Na década de 30, Anísio Teixeira exprimiu com fidelidade
fora das fábricas. Dentro, através de uma perda do controle do tra- os princípios do pensamento reformador: ciência, industrialismo e
balhador sobre o processo de trabalho; fora, pela organização políti- democracia.
ca dos industriais, pela ação dos reformadores sociaiszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
and last but no
the least, pela repressão policial (Decca, 1983 : 76). Sabemos que entre dominação política e exploração econô-
mica instala-se uma mediação fundamental que permite legitimar
e naturalizar as duas instâncias: essa mediação é conhecida como
Tanto a primeira como a segunda citação trazem elementos
ideologia, isto é, a construção de uma universalidade imaginária e
para demonstrar a concepção que imputa aos intelectuais moder-
de uma unidade ilusória no interior da sociedade de classes. A
nistas uma pretensa ação progressista, codificada como "retomada
ideologia procura negar a divisão do social, ao mesmo tempo em
dos princípios liberais democráticos". Ao destruir-se o tema da
que a repõe sobre novas bases, ditas racionais. Daí que para os
modernidade, tal como apregoado pelos reformadores, vislum- reformadores a divisão expressava apenas as tendências ou dire-
bra-se a sua inserção na história no momento de assalto às forças' trizes da vida moderna. É nesse prisma que poderemos detectar a
insubordinadas. Creio que só dessa maneira pode-se negar o evo- produção ideol6gica conhecida como escolanovismo, que procu-
lucionismo embutido em determinada historiografia que dá supor- rava fazer essa mediação fundamental entre a exploração econô-
te ao quadro explicativo sobre a presença dos pioneiros nos anos mica e a dominação política. Isto é, elidir a presença da particula-
20. Comprometida com os vencedores, essa historiografia procura ridade: o domínio burguês sobre o conjunto da sociedade, ocul-
identificar os momentos de "modernização" do social, pois a tando-o sob uma universalidade abstrata: a autonomia da Nação
pr6pria hjst6ria é modernização progressiva. A pretensa "ação enquanto sinônimo de industrialização. Eis aí o cerne do otimis-
dialética"; que norteou a relação tecida pelos pioneiros entre os mo liberal.
termos educação e sociedade, nada mais é que discurso de mobi-
lização ideológica. o processo de hegemonia não pode ser reduzido ao ideoló-
gico. Hegemonia é um complexo de experiências, relações e ati-
Mas, retomemos, com Edgar de Decca, o contexto dos vidades, cujos limites estão fixados e interiorizados, podendo
anos 20: controlar e produzir mudanças sociais.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFED
p r â x is , processo
É WVUTSRQPONMLKJIHGFEDC que se
altera todas as vezes que as condições hist6ricas se transformam,
Sob esse ângulo, acredito podermos falar de um tema da industriali- possibilitando ou não a permanência da dominação. Por defi-
zação, no final dos anos 20, procurando alcançar todos os setores da nição, é ativa, sendo continuamente renovada e alterada por
sociedade, sendo suficientemente amplo para moldar as mais diver- pressões."
sas instituições até o ponto de elas convergirem em direção a um
problema fundamental: a organização do processo de trabalho. A Foi a partir das noções de ideologia (mediação fundamental)
amplitude do tema da industrialização está assegurada quando a or- e hegemonia (processo que produz e controla mudanças) que pro-
ganização do processo de trabalho não se dá apenas num ponto, isto curei demonstrar o escolanovismo, enquanto expressão de uma
é, no interior da fábrica, mas numa multiplicidade de pontos institu- vanguarda pedag6gica que procurou aprofundar e superar o pró-
cionais estratégicos que se amoldam sob o imperativo da indústria. prio pensamento esclarecido, apontando para a reorganização do
Nesse sentido, da década de 30 em diante o tema da industrialização poder burguês. Ou mais exatamente: dotar a sociedade burguesa
é uma figura exemplar para toda a sociedade. (...) Um discurso da de estabilidade, com a finalidade de banir a autodestruição. Foi
economia política sobre a fábrica não está estruturado, embora a fá- nesse sentido também que procurei compreender os deslocamen-
brica já seja uma realidade da vida urbana. Os seus efeitos são per- tos empreendidos pelos escolanovistas no interior do pensamento
ceptíveis na cidade de São Paulo e não faltaram reforrnadores preo- liberal e contribuir para a crítica à concepção que alia a atuação
cupados em encontrar soluções para os problemas que as fábricas prática e te6rica dos reformadores, com uma vasta empresa de re-
criavam. Médicos, higienistas, engenheiros, educadores, cada um
com ângulos diferentes de percepção, captavam na presença do ope-
rariado da cidade os sinais de periculosidade que o mundo fabril 5. Sobre ideologia e hegemonia, veja-se Marilena Chaui (1986). As reflexões expostas
foram inspiradas na obra da Autora.
produzia (...) (Decca, 1983 : 72).
107
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tomada dos "princípios liberais democráticos", a qual reforça a ças e que se multiplicavam nos reflexos das vitrinas. Daí a idéia
idéia de Estado "oligárquico" como sucedâneo do feudal, no con- de que esta outra fantasmagoria, chamada escola tradicional - "a
texto anterior à "revolução de 30". concepção venci da pelos novos tempos" -, fosse tida como inca-
paz de propor algo sólido. Voltada para o cultivo do interieur
Podemos concluir que o escolanovismo, como expressão burguês, produzindo os subprodutos do intelectualismo e do indi-
particularizada da comunidade de homens cultos brasileiros, tes- vidualismo, não conseguia abolir as estranhas e perigosas res-
temunhou a emergência de uma nova percepção e sensibilidade sonâncias que o privado burguês produziam no público. O pionei-
para o caos da cidade, vislumbrando as imensas possibilidades ro Fernando de Azevedo tinha razão, era uma concepção vencida
que o controle da cidade e da multidão poderia trazer. Sob a capa pelo tempo, sendo necessário engendrar novas estratégias que
do evolucionismo biológico e do progresso técnico-científico pro- respondessem às novas interrogações e desarmassem os espíritos
curou produzir a subsunção do trabalho ao capital. inquietos, ou como afirmava: um novo travejamento do social.

Já não bastava a presença da classe burguesa cultivada no


Entretanto, seria tolice imputar aos pioneiros um projeto
interior da sociedade. A burguesia culta, mas mergulhada entre
onisciente, que via o industrialismo como pedra de toque para o
objetos luxuosos e estéticos, ilhada entre as paredes da sala de es-
ingresso na modernidade capitalista. Por certo o projetozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
saint-si- tar, e o proletariado operoso mas insubordinado deveriam ser ne-
moniano lhes é caro, mas não responde a tudo. Também seria gados e repostos. A primeira era negada por ser aristocrática, a
pouco inteligente colocã-los como a única vanguarda rnodernízan- segunda por ser inculta. Ambas, reinventadas através da ação ra-
te ou vanguarda das vanguardas. Mas não podemos desprezar o cional do Estado, engendravam uma outra sociedade, aberta e
fato de que constituem uma das expressões fundamentais dos democrática: os novos tempos, nas palavras de Fernando de Aze-
rearranjos do liberalismo brasileiro na década de 20. A moderni- vedo impunham o fim da "anarquia liberal" .
zação, a busca do novo, tomou de assalto a comunidade de ho-
mens cultos, foi um signo da década que exorcizava o mal-estar Trocou-se o cultivo do interior, isto é, do privado, propon-
na cultura brasileira. Lembremo-nos novamente da lírica de Me- do-se a educação do público, na sua conotação física, política e
notti DeI Picchia: cultural. Hoje, creio que soa prosaico dizer que os pioneiros en-
saiavam o aburguesamento da sociedade de classes, sob o rótulo
c..) queremos luz, ar, ventiladores, aeroplanos, reivindicações obrei- do novo e do moderno. Mas a percepção de que o privado, sem
ras, idealismos, motores, chaminés de fábricas, sangue, velocidade diretrizes comuns, produzia ressonâncias no público foi a contri-
(...). E que o rufo de um automóvel, nos trilhos de dois versos, es- buição da Escola Nova. Na concepção dos pioneiros, a sociedade
pante da poesia o último deus homérico, que ficou anacronicamente era burguesa, mas não o suficiente a ponto de impedir a poros ida-
a dormir e a sonhar na era do jazz-band e do cinema, com a flauta de da sociedade civil, que permitia a circulação e produção de
dos pastores de Arcádia e os seios divinos de Helena!ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
idéias contrárias. Assim utilizando o discurso científico declara-
ram a menoridade dessa mesma sociedade, colocando-a sob a tu-
É possível, então, identificar o escolanovismo brasileiro tela do Estado racional.
como a emergência de uma nova sensibilidade para o caos da ci-
dade e da indisciplina e anonimato da multidão, que preenchia o O liberalismo escolanovista é um saber produzido no bojo
espaço urbano. E uma nova sensibilidade para o cotidiano, identi- da sociedade de classes, com o objetivo de responder às alternati-
ficando nas "classes perigosas" uma ameaça à instalação e à vas contrárias produzidas pelas tensões e conflitos sociais que
permanência da regularidade no social. A cidade desorganizada e engendravam o confronto. Um projeto que negava e reafirmava a
a multidão insubordinada eram refúgios: abrigo e repouso para a sociedade de classes, mas para operar esse movimento era preciso
rebelião, ou, mais claramente, abrigavam outras possibilidades destruir as resistências e identificar as possibilidades. Através do
históricas que podiam esboroar o mito da história fundada no discurso científico, pretendia organizar as desigualdades: indiví-
progresso. O liberal escolanovista é um atento observador do co- duo e sociedade deixariam de ser termos contraditórios.
idiano da grande cidade. E dessa percepção cultivada resultará
um modelo de sociedade fortemente hierarquizada, esconjurando o ponto de partida do pensamento é uma situação problemática,
assim as fantasmagorias que pululavam nas ruas, calçadas e pra- uma tentativa para um empreendimento, um projeto. A ação de pen-

108 109
sar é como um cruzamento de ruas, que apresenta caminhos diver- tidade estende-se ao mundo exterior, que deve ser conformado à
sos, alternativos de conduta: por aqui ou por aí. E a inteligência,do identidade dessa mesma consciência.
u m fia t maravilhoso.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ponto de vista da observação científica, não éWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
É
tão-somente a capacidade de resolver de modo adequado os proble- O sujeito 'do conhecimento apropria-se do mundo real, trans-
mas que a natureza ou a vida social nos proponha (Lourenço Filho, formando-o em representação imaginária. O real é reduzido à
s.d. : 167). idéia e o sujeito passa a constituir o mundo.

Se o ruído cessasse e se rememorássemos, talvez pudésse- Para os pioneiros, o mundo converteu-se em negação do
mos vê-Ios curvados sobre a escrivaninha. As mãos ágeis de es- pr6prio mundo: através de imagens produzidas por um pensamen-
padachim quebram o silêncio do ambiente com o som áspero da to redutor da pr6pria realidade, assim conseguiam abolir as dife-
pena deslizando pelas pautas do papel branco, que aos poucos são renças, ocultar a divisão e projetar o futuro perfeito. Reduziram a
preenchidas por letras que tecem um programa para o Brasil. É " realidade heterogênea à identidade absoluta do sujeito consigo
possível vê-Ios assim, trabalhando noite adentro, as mãos inquie- mesmo. Disso resultou num discurso normativo e hierarquizador
tas, os rostos iluminados por um tênue foco de luz, expondo os por excelência, disciplinar.
olhos entre ávidos e curiosos, freqüentemente surpreendidos pela
aurora que expulsava a noite. Os pálidos raios de luz batendo nos Multidões cotidianas invadiam as ruas da cidade, derraman-
paralelepípedos e deslizando através da rua molhada pelo orvalho do-se como ondas e obedecendo a um fluxo e refluxo determina-
que ganhava um ar de fino verniz amarelo. O silêncio já não era do pela rotina das fábricas ... sentia-se a presença de um frêmito
quebrado apenas pelo encontro da pena com o papel, a ele so- subterrâneo. O que pretendia o liberalismo escolanovista, enquan-
mam-se murmúrios e imprecações, logo o leito da rua desaparece, to expressão de uma nova sensibilidade para o caos da cidade?
sob o andar de levas que tomam as ruas da cidade, caminhando Talvez prender e reter essa realidade cotidiana, movediça e sur-
em direção às fábricas. Como ondas esparramam-se pelas ruas e preendente, numa trama conceitual tecida pela consciência escla-
vielas estreitas, às vezes detêm-se e não passam pelos portões da recida. Calar as dissonâncias e tecer a uniformidade, fazendo re-
fábrica, dirigem-se para o centro e tomam a praça. Sem que per- fluir as resistências sob o látego da razão. Conforme definição do
cebam, são vigiadas e perscrutadas por um olhar culto. Mas há ilustrado Fernando de Azevedo, o escolanovismo testemunhava a
também um olhar atônito: o burguês, pr6spero e confiante nos presença de "uma inquietação reconstrutora". Na trama discursi-
destinos da hist6ria, olha para as ruas, e identifica a ameaça sem va, o mundo dos homens era crivado de ausências, produzidas por
saber respondê-Ia. Novamente Fernando de Azevedo dirá: é pre- uma série de agentes de difícil localização, e os obstáculos eram
ciso superar o burguesismo. Por certo, não consigo avaliar intei- abstratos, mas ameaçadores: a rotina, a inércia, a estagnação, o
ramente o que estas impressões - que apresentam o burguês e o monturo. Contra estas ausências, um receituário universalmente
proletário como concorrentes - teriam causado na percepção ilus- aceito: "idéias-diretrizes", "idéias-forças", em resumo, idéias
trada dos pioneiros. O vaivém prosseguiu, as multidões inflama- mobilizadoras capazes de ocultar a divisão. As ausências torna-
ram-se, e o burguês mergulhou os olhos míopes no jornal, respi- vam visível uma "civilização de acampamento", frágil e exposta
rando fundo, meneando a cabeça e acomodando-se na poltrona. É aos assaltos das turbas. Era preciso produzir uma direção para a
possível, então, que a realidade tenha assumido aspectos inquie- evolução, não apenas de uma classe, mas para o todo social.
tantes. Penso que os pioneiros imaginavam-se como intérpretes
entre dois estrangeiros: a ciência e a técnica eram a linguagem Pois, partindo do princípio de que a solução dos problemas educa-
universal. Tem-se, então, mãos que recortam com prazer o degra- cionais não pode vir senão de uma maneira mais larga e mais alta de
dado e o grotesco, e conseguem dar uma forma ideal e harmônica examinar as idéias e os fatos, eu tinha de procurar uma síntese, que
àquilo que permanecia inconcluso e inacabado: a República. reduzisse à harmonia as contradições que a vida encerra, desistindo
de 'considerar o ideal em absoluto e procurando o "sentimento do re-
Há, assim, um traço particular nessa corrente de pensamento lativo" no ideal (Azevedo, 1950: 22).
denominada humanista e moderna: o sujeito do conhecimento está
em identidade consigo mesmo, pois a consciência opera conforme Pois bem, com os intelectuais escolanovistas assistimos à in-
os princípios da razão e da ciência. Progressivamente, essa iden- serção militante de uma parcela dazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSR
intelligentsia brasileira - dita

110 111
moderna - na vida nacional. Intelectuais que procedem no in-
ventário de uma geração e reinventam imaginariamente o social.
Finalmente, o liberalismo brasileiro ingressava na modemidade
capitalista.

C A P íT U L O "
Vinte anos haviam se passado depois da virada do século.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A
ruptura era busca constante.
A E s c o la N o v a Brasileira
Há quem tenha a ilusão de que São Paulo é o café. Puro engano. São
Paulo é a máquina, o tear, a polia, a vertigem das energias novas,
uma das forças propulsoras da nacionalidade (R. Carvalho, 1972).
(...) A nação francesa, tão profundamente ligada ao indivíduo e a es-
sa longa revolução, que está ainda em curso e que vive agora entre
nós na sua hora de partida para o desenvolvimento, deu a seus pro-
fessores primários a designação dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO
instituteurs, instituidores. Gosta-
ria de ver o nome estendido a todos os professores, de todos os ní-
veis. Profundamente agradecido à honra que me destes, fazendo-me
paraninfo de vossa formatura, permite-me que vos saúde com esse
nome ... Sois, como educadores, os instituidores do Brasil ...

Anísio Teixeira, A longa revolução de nosso tempo

Não será preciso lembrar que o problema moral é o alfa e ômega de


todo labor educativo, e que tanto mais perfeita é a educação de um:
povo quanto mais equilibrada é a elevação dos poderes de cada in-
divíduo, integrados numa sociedade estável. A estabilidade social re-
sulta da compreensão adequada dos interesses gerais sobre os inte-
resses individuais, e o problema moral é, assim, em rigor, um pro-
blema social. Com mão segura, Durkheim (L'education morale, AI-
can, Paris) discerniu os elementos da moral, expondo-os nesta or-
dem: 1) espírito de disciplina; 2) espírito de abnegação ou de apego
ao grupo; 3) autonomia da vontade. O problema social, no objetivo
profundo e permanente, se reduz na essência a um trabalho de adap-
tação biológico-social, em que os recursos da ação psicológica são
evidentes. Os elementos espírito de disciplina e espírito de abne-
gação podem ser atingidos, e o são de fato, por uma ação educativa
social, até certo ponto inconsciente.

M. B. Lourenço Filho, A moral no teatro,


principalmente no cinemat6grafo, 1927

Detenho-me, novamente, à procura de pistas claras para elu-


cidar e pensar a Escola Nova. Às vezes, tem-se a sensação incô-
112
113
moda de que tudo já foi dito a respeito do tema. A bibliografia é nião pública. Aqui no meu lugar, chegam-me as edições seguintes
ampla e bem elaborada: teses, livros, ensaios e artigos. A história do bravo matutino. Um dos depoimentos prende-me a atenção;
transformou-se em texto, planos de narrações e interpretações. cuidadosamente recorto a mensagem e a guardo. Em meio a uma
o lugar dos pionei- manhã ensolarada e rotineira, releio o instigante depoimento do
Falas profanas ou sacralizadas determinaram zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ros da educação nova no mistério e brumas dos anos 20 e 30. senhor Renato Jardim, ex-professor catedrático, ex-diretor do
Agora, no presente, são apenas memória, figuras exemplares, e Ginásio de Ribeirão Preto e da Escola Normal da Capital, que
nós, os contemporâneos, somos os herdeiros dessa fala primordial gentilmente acedeu ao convite formulado pelo professor inquiri-
e tortuosa sobre a educação e a sociedade. Colocados perante es- dor. Um trecho em particular prende o meu pensamento.
sa herança - um tesouro passado de geração a geração -, nega-
mos alguns aspectos, secundarizamos outros e imperceptivelmente (...) Mas não é somente nas zonas afastadas e incultas que se reque-
atualizamos a fala primordial que articula a Boa Educação à Boa rem escolas do typo differentes dos nossos vistosos grupos e de dif-
Sociedade. ferentes programas e processos didacticos. Nos bairros industriaes
desta propria capital há uma população infantil, de costumes seus, de
Ao observador, imerso num passeio ao léu, itinerário ao psycologia "sui- generis", formando como que insuladas tribus, com
acaso, às vezes é dada ao olhar a percepção de leves rastros em a sua indole e modos de vida parte.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDC
É uma 'catechese' a ser feita.
â

sentido contrário àqueles indicados pelas pistas e pegadas. Mas o Aos pequeninos patricios desses "Clams" - que cumpre tomar em
neon vermelho continua a refulgir em sua intermitência e a rua idade tenra, - a escola a offerecer não é por certo o grupo. Proces-
molhada pela garoa parece incendiar-se: a idéia de progresso ilu- sos educativos e disciplinasde que instruil-os têm que lhes ajustar ã

mina, demasiadamente, o período. Tem-se, novamente, a sensação condição social e, sobretudo, mentalidade que lhes é peculiar. Ac-
à

de que tudo já foi dito e iluminado. Entretanto, seria possível tra- cresce que nem uma só escola de anormaes possuímos (Azevedo,
fegar na contramão? Valeria a pena resolver as páginas amarele- 1937: 64 SS).1
cidas pelo tempo que as consagrou, dotando-as de aura?
o olhar culto, num misto de espanto e alegria, vislumbra
Pistas, pegadas, rastros. Neon, tráfego intenso e disciplina- becos, vielas, cantos escuros e ruas centrais. Vê sítios obscuros e
do, passos apressados, olhar atônito, fisionomias refletidas nas vi- deselegantes; em seguida esse olhar levanta-se para além da linha
trinas e automóveis. Edifícios, chaminés, colunas de fumaça, par- do horizonte possível, interroga a possibilidade de normalização e
homogeneização. Em silêncio, arquiteta-se uma grande purifi-
ques e jardins recortados e sinuosos, vitrinas, exposições e casas
envoltas em redilhados de ferro. Vórtice. Circulação rápida e in- cação do quadro geral da cidade, procurando-se dotá-Ia de uma be-
leza aracnídea. O olhar de Medusa envolve a cidade e a paralisa.
tensa: idéias, mercadorias, sensações, rótulos elegantes, passan-
tes, distração e gozo. Vertigem ... É o novo que desponta, o prazer
Nova percepção para o caos da cidade, o escolanovismo re-
da novidade que se insinua, tudo é leve e desfrutável, o mundo
presentou o ingresso do liberalismo brasileiro na modernidade ca-
está em mãos e mentes modernas. Tudo é visível e passível de
pitalista. É atualização do poder, engendrada fora do Estado e dos
compra. Circulação rápida e intensa, aqui racionalidade é disci-
seus aparelhos. Atualização produzida no interior da sociedade
plina e produtividade. O brilho sedutor e a quantidade de merca-
civil, através da atuação da comunidade de homens cultos que
doria produzem dispersão e distração. A informação é a nova
construíram um novo saber pedagógico, posteriormente incorpo-
forma de conhecimento. Aprecia-se o novo: o bond, o cadillac,
rado pelo Estado, transformando-se em substrato de políticas pú-
o jazz-band; o cavalheiro cede lugar ao dandy e ao sportsman.
Education for changing civilization. blicas.

1926. Domingo o jornal O Estado de S. Paulo veicula uma


1. Na parte referente ao ensino técnico e profissional, Femando de Azevedo formulou
informação importante: o professor Fernando de Azevedo, crítico
um quesito inquietante:
literário e professor na Escola Normal de São Paulo, irá conduzir 17) "Enfim, para se completar o sistema da educação profissional, não julga
um inquérito sobre a educação pública em São Paulo. Personali- necessário manterem-se institutos especiais prepostos à educação de anor-
mais, atrasados e refratários à instrução, semelhantes às colônias de trabalhoWVUTSRQP
dades públicas - homens cultos - irão se pronunciar sobre o vaci- ta r b e its k o lo n ie ) , do tipo alemão, e as colônias escolares profissionais ( a r b e its ie -
lante padrão da cultura nacional e oferecer as suas idéias à opi- kolonieyt"

114 115
Os planos descritivos e a produção interpretativa sobre esse tura como instâncias de intervenção e reordenação do social teria
ingresso na modernidade são amplos, conduzindo o leitor a uma reduzido a pedagogia à dimensão dazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQP
téchne, isto é, a um conjunto
dupla avaliação: primeiro, o liberalismo escolanovista enquanto de normas e procedimentos para orientar o proceder eficaz. Esse
expressão superestrutural da fração industrializante era superior idealismo, por sua vez, negava o solo hist6rico e político que ori-
ao formalismo jurídico proposto pela fração da burguesia agroex- gina as mudanças sociais, culminando numa situação messiânica.
portadora; segundo, o escolanovismo, como mera importação imi-
tativa de idéias, implicou uma ausência de crítica na apreensão da Acima de tudo, coloca-se a questão epistemol6gica, pois as
relação educação e sociedade. Essa dupla avaliação conduz a uma análises enfatizam que o escolanovismo fora 'produzido no bojo
terceira: a fragilidade do discurso liberal nos países periféricos ou das sociedades industriais, portanto, sociedades com característi-
de "capitalismo tardio".2 cas diferentes de um Brasil descompassado com a hora mundial.
Enquanto importação de idéias, não logrou obter criticidade.ZYXWVUTSRQ
É
Sob a década de 20 paira o fantasma do evolucionismo antes de tudo um idealismo. Dizem-me, afinal "não éramos tão
spenceriano, provocando a sensação de que o terreno da análise industrializados assim".
já está de antemão delimitado: ou estamos a favor da evolução e,
logo, ao lado dos pioneiros da educação e de sua teoria pedag6gi- Os textos críticos insistem em afirmar que, na apreensão
ca moderna e humanista, ou estam os ao lado da reação conserva- formal da relação dos termos educação e sociedade, hipertrofia-se
dora e das forças arraigadas na tradição que impediam o imenso a dimensão cultural enquanto fator de mudanças sociais. Sabe-
esforço de atualização promovido pelos reformadores, com a fina- mos, afirmam os textos, que a superestrutura - em particular a
lidade de inaugurar o Brasil hist6rico. Como de 1920 nos chegam ideologia - é mero reflexo do movimento que comanda a dinâmi-
apenas Sussurros dessa fala exemplar e primordial, torna-se difícil ca da infra-estrutura econômica: locus da produção da hist6ria.
empreender a crítica do projeto de reformulação dos padrões cul- Quase sempre as análises concluem que cultura e educação não
turais, tal como proposto pelos pioneiros. Sobre eles há um taga- promovem mudanças sociais, quando muito contribuem modesta-
relar incessante. Dizem-me que eram ingênuos, idealistas e reden- mente.
toristas ou intelectuais orgânicos da burguesia industrial, que,
uma vez no poder, optou pelo compromisso com as forças con- Entretanto, podemos lançar as seguintes interrogações: em
servadoras, traindo a revolução modernizadora. Dizem-me, que medida o projeto liberal-escolanovista era falso e ao mesmo
também, que os pioneiros eram o "máximo de consciência possí- tempo verdadeiro? Em que medida não realimentou projetos mais
vel" ou "consciência-limite" da burguesia que, no poder, abdicou amplos voltados para a revisão das representações do social? Em
da radicalidade. Falam-me que os princípios do realismo polftico que medida auxiliou na produção de um imaginário social que fi-
traíram a generosidade do liberalismo escolanovista. Dizem-me, xasse idealmente os lugares dos diferentes sujeitos sociais no in-
ainda, que o projeto liberalizante dos pioneiros gerava uma con- terior da organização societária? Essas interrogações são desfeitas
tradição objetiva, na medida em que propugnava a inserção do na medida em que analisamos o liberalismo escolanovista como
povo na República, de onde estava ausente. A instalação do Esta- imaginário voltado para a produção de práticas sociais que possi-
do administrador gerava contenção, mas produzia também a pos- bilitam a efetuação das relações sociais. Em outras palavras, na
sibilidade de liberação, pois significava modernização e, com ela, medida em que situamos esse imaginário como produção ideolõ-
o amadurecimento das contradições de classe. gica que tem a finalidade de empreender o aburguesamento da so-
ciedade de classes. É uma prática ideal e real 3
Dizem-me que a ausência de criticidade estava na valori-
zação excessiva da educação e da cultura como instrumentos pro- A discussão é imensa; aos desvios escolanovistas, anterior-
pulsores de mudanças sociais, objetivando a construção de uma mente apontados, podemos acrescentar outros, como.ipor exem-
ordem aberta e democrática. A valorização da educação e da cul- plo, a extração de classe dos diferentes reformadores. Assim, a

2. Os textos escolhidos para interIocução nas páginas seguintes por certo não são os 3. As teses sociais e pedagógicas defendidas pelos pioneiros esmo exemplarmente ex-
textos clássicos sobre o tema; entretanto, são significativos na medida em que evi- postas por Cury (1984). Ver particularmente o capítulo I: "A ideologia dos pionei-
denciam a configuração atual da produção historiográfica. ros da Escola Nova" ,

116 117
I11111 ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

escolha da cultura e da educação como instrumentos de inter- As análises fixam-se em nomes e indivíduos, e omitem a
venção e reorganização da sociedade expressava a presença de dimensão simb6lica do liberalismo escolanovista. Vê-se Anísio
il
uma classe média urbana, ávida por intervir na hist6ria, terminan- Teixeira demitindo-se do cargo do Diretor de Instrução Pública
do por aderir a projetos autoritários, ocultos sob o r6tulo do novo do Distrito Federal, acusado de subversão; Fernando de Azevedo,
e do moderno. relegado a um quase ostracismo no p6s-30, pois os sujeitos que
emergem com a "revolução" o identificam com os interesses da
A dimensão autoritária é identificada na superestimação da República Velha; Lourenço Filho, aderindo, implicitamente, ao
técnica em detrimento da política; o Estado administrador e sua Estado Novo; Francisco Campos, Ministro da Educação e Saúde
burocracia qualificada convertem-se em tutores da sociedade civil de um governo que irá impor o corporativismo. Enfatiza-se, à
e o Estado racional é o único sujeito da Hist6ria. Por certo, a exaustão, a trajet6ria de nomes, reduzindo essa mesma trajet6ria
I identificação do núcleo autoritário desse pensamento dito moder- ao nível do relato e do epis6dico.
no e humanista, tal como descrito acima, está correta. Mas não
podemos dizer o mesmo a respeito das conclusões que articulam a O olhar retrospectivo que o historiador lança sobre o passa-
origem de classe dos pioneiros e a dimensão de fracasso do proje- do vê uma prática ideal contrariada pela prática real; a hist6ria
to escolanovista. No fundo há uma constatação simplista, ou seja, trai os reformadores e esses a si mesmos. Esse mesmo olharzyxwvutsrqpon
os reformadores não pertenciam a nenhuma das duas classes fun- fe s tu m - identificará
_ postWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA conspirações, seqüestros de idéias,
damentais: burguesia e proletariado, portanto não podiam ter um desvios e traições, postos em operação por uma realidade conspi-
projeto conseqüente de reorganização da sociedade, estavam fa- rat6ria, e concluirá que a hist6ria real não se curvou à prática
1 ' dados a ficar a reboque da história." ideal do liberalismo escolanovista.

,I As análises apontam continuamente a dimensão do insuces- A partir da constatação de que o homem faz a hist6ria, mas
so político da mensagem reriovadora. Vê-se o fracasso onde está em condições determinadas, tem-se a seguinte derivação: a déca-
o sucesso, pois exige-se do liberalismo escolanovista a construção da de 20 representou o estreitamento oligárquico: as elites foram
da utopia racional que se havia proposto. Exige-se que os sujeitos incapazes de compreender o ideal de modernização. A "revolução
sociais conformem a realidade de acordo com as suas idéias e, por de 30", por sua vez alçou os pioneiros a uma posição de desta-
paradoxal que seja, insiste-se em afirmar que as idéias não mol- que, para em seguida optar pelo compromisso de Estado, abando-
dam a realidade, são apenas reflexos da infra-estrutura econômi- nando-se a posições conservadoras; o advento do Estado Novo
ca ... Esquece-se que a ideologia é invisível como o ar que se res- será interpretado como interrupção da jornada democrática, ba-
pira e que a hegemonia é consentimento ativo. nindo as práticas reformadoras de natureza democrática. 20, 30 e
37 são testemunhos loquazes dós limites objetivos da hist6ria que
Observemos Q seguinte texto: impedem a realização plena da vontade reformadora. A partir des-
sa seriação, a mensagem de regeneração passou a pairar no ar, à
(...) Um projeto como o de Anísio Teixeira transborda dos limites espera de condições objetivas para a efetivação da democracia
possíveis para um capitalismo dependente, não enquanto crítica dos através da educação. Dessa maneira, deparamo-nos com uma pro-
princípios gerais desse sistema - que efetivamente não faz -, mas dução te6rica que aponta por exemplo, para a perene atualidade
enquanto apresenta-se como um projeto que aponta no sentido de do "Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova" de 1932.
aprofundar reformas. Estas aparecem como ameaçadoras à ordem
burguesa e à estabilidade do sistema. Num certo sentido a história Estamos diante de um caso sui generis. Qual a fronteira en-
desses projetos e as tentativas para viabilizã-Ios- viáveis numa si- tre o chamado pensamento autoritário e o pensamento moderno?
tuação distinta do capitalismo- estão comprometidas desde o come- O primeiro surge com um nítido corte de classe no aparecer so-
ço, pois que extrapolam os limites do possível para o ideário das eli- cial, estabelecendo claramente destinatários e interIocutores. Mas
tes dominantes (Guimarães, 1982: 145). o segundo aparece como uma fatalidade: um momento na Hist6-
ria, no qual a hegemonia da burguesia industrial teve de ser, isto
é, estava inscrita previamente a sua dominação sobre o conjunto
4. Para uma análise sobre a origem social dos pioneiros, veja-se Miceli (1979: 169 ss). da sociedade de classes. A facção industrializante teve de ser!

118 119

li Il
Prossegue a Autora:
Pois foi ela que instaurou as relações sociais modernas entre as
classes sociais, plenificando a contradição entre as classes, que (...) pode-se destacar a assimilação acrítíca do liberalismo e a con-
agora é tida como fundamental! A partir desse raciocínio, estabe- seqüente preconização das medidas modernizantes e consideradas
lece-se uma cumplicidade entre o historiador e a história dos ven- democráticas, através de meios autoritários.
cedores. Estamos diante do positivismo historiográfico que lê
azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
história do capital sem o trabalho, ou seja, história enquanto Por assimilação acrítica do liberalismo, queremos dizer que essa
progresso técnico e científico, interpretado como sinônimo de doutrina, ao ser assimilada pelas elites dominantes de países latino-
modernidade. A acumulação primitiva e a reprodução ampliada americanos, se prestou à conservação, perdendo o caráter "heróico"
do capital e o desenvolvimento igual e combinado do capital são que assumiu em seus terrenos de origem. Como mostrou Antonio
chaves explicativas para todo o processo. O que faz com que o li- Garcia, o liberalismo se introduziu como um quadro de idéias abso-
beralismo integral dos pioneiros não tenha espaço e lugar, se- lutas e não como "sistema crítico de pensamento", na América Lati-
dução e motivo, para instalar-se no Brasil. A partir desse arca- na (...) (Gandini, 1986: 84).
bouço explicativo, a dimensão simbólica ou ideológica é remetida
Por sua vez, Sérgio Miceli, em Intelectuais e classe dirigen-
à zona de sombras, pois não sabemos como o liberalismo escola-
te no Brasil, (1920-1945), procedeu uma leitura bastante diferen-
novista contribuiu para a efetuação das relações sociais.
ciada da trajetória dos profissionais da educação.
Retomemos de perto o tema da Escola Nova, particularizan-
(...) A convocação de jovens egressos dos bancos acadêmicos por
do a discussão na figura de Anísio Teixeira, exemplo da "evo-
parte de certos governos estaduais no correr dos anos 20 inscreve-se
lução" do ideário escolanovista no Brasil. Consta que leu a reali-
no esforço derradeiro de "modernização" que tentam empreender
dade brasileira com "óculos americanos"; foi incompreendido pe- alguns dirigentes oligárquicos. São exemplos dessa política de con-
la onda persecutória de 30 etc. etc. tratação: Lourenço Filho, Francisco Campos, Mário Casassanta,
Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Carneiro Leão, para levarem
Raquel P. Chainho Gandini apresentou as seguintes con- a cabo as reformas da instrução, respectivamente, no Ceará, Minas
clusões em "Anísio Teixeira: limites da pedagogia liberal". Gerais, Bahia, Distrito Federal e Pernambuco, bem como a desig-
nação de alguns deles para integrarem o segundo escalão dos execu-
A primeira tarefa que nos colocamos foi desdobrar o adjetivo "libe- tivos estaduais, ou então, para ensaiarem os primeiros passos de uma
ral": o que significava ser liberal e mais, liberal no Brasil, na década carreira parlamentar. Por conseguinte, a profissionalização de um
de 30? A pesquisa sobre o liberalismo nos levou à solução de outra grupo de especialistas em problemas educacionais correu por conta
pergunta presente na dificuldade que nos propúnhamos a resolver: de exigências postas pelo próprio sistema de poder oligárquico que
por que Anísio Teixeira, em sua trajetória, neste período foi rejeita- por uns tempos passou a enxergar na extensão das oportunidades de
do pelo Estado corporativo autoritário, tendo sido considerado até escolarização uma estratégia que poderia lhe proporcionar dividen-
mesmo altamente subversivo? Há quem contraponha o pensador e dos políticos consideráveis (Miceli, 1979: 167).5
militante liberal, progressista e democrático a uma sociedade oligár-
quica e atrasada, a qual se sentiria ameaçada com as suas propostas
avançadas e subversivas (Gandini, 1986: 79). 5. Embora com posicionamento contrário à tendência interpretativa dominante: os
educadores escolanovistas como intelectuais orgânicos da burguesia industrial, o
autor detém-se num aspecto que corrobora parcialmente a minha hipótese: o libera-
A trajetória de Anísio Teixeira é a trajetória da Escola Nova lismo escolanovista como esforço de superação do próprio pensamento esclarecido,
no Brasil: idéias generosas demais, para um país atrasado e pe- em busca de ampliação para o exercício de poder. Entretanto, é polêmica a con-
riférico, crivado de ausências quando comparado com a evolução clusão que o ciclo de reformas educacionais seja o dobre de finados das oligarquias
estaduais. Paschoal Lernme realizou uma descrição dessa trama de práticas e insti-
das sociedades exemplares. Nem a burguesia vê no escolanovis-
tuições:
mo a oportunidade de se tomar moderna, ou seja, democrática e "Em 1920, Sampaio Dória realiza no Estado de São Paulo o que pode ser conside-
liberal; nem o proletariado - mera massa de manobras do popu- rado como a primeira dessas reformas regionais de ensino. Nos anos de 1922-1923,
Lourenço Filho, educador de São Paulo, é chamado pelo Estado do Ceará, para
11~1110 - sabe tirar proveito dos lemas universalizantes desse pro- realizar a segunda dessas reformas. Na Bahia, em 1924, é a vez de Anísio Teixeira,
grama burguês, porém moderno.
121
120
ria, não permitiu à Escola Nova desenvolver o seu projeto político.
Através da análise de Sérgio Miceli, tem-se a versão clássi-
Eis, em nosso enfoque, a falha do movimento escolanovista como
ca do Estado como único sujeito da Hist6ria, pinçando e manie-
proposta político-liberal. Efetivamente, a escola não era o único ca-
tando uma sociedade civil de inequívoca vocação democrática. Os
minho a ser percorrido na trilha democrática e sim, um dos caminhos
pioneiros são convertidos em derradeiro esforço de modernização
das oligarquias estaduais, que seriam alijadas da cena hist6rica (F. Cunha, 1986: 122).6
com a "revolução de 30". Dessa maneira os pioneiros - como de
Enumeramos, anteriormente, algumas das tendências predo-
resto todos os intelectuais - são tomados como instrumentos da
razão de Estado e suas figuras polígrafas reduzidas a uma única minantes no interior da produção historiográfica que têm no mo-
escrita ditada pela sagacidade do Estado, elevado à condição de vimento escolanovista e nas figuras dos pioneiros o momento em
único sujeito da hist6ria. Na verdade, esse Estado que pinça os que os grandes princípios liberais são desdobrados e aplicados à
realidade empfrica. Essa mesma historiografia irá concluir pela
intelectuais, colocando-os a seu serviço e abafando a vocação da
realidade trágica da "evolução" da nossa formação social, que
sociedade civil para a democracia, é fruto da pr6pria empresa le-
não criou as condições objetivas para que o ideário liberal orien-
vada a efeito pelo pensamento esclarecido.
tasse a tarefa de reconstrução do social.
Fátima Cunha, em zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Filosofia da Escola Nova: do ato polftico
Portanto, o passo seguinte será negar a existência de uma
ao ato pedagógico, fez as seguintes análises:
dimensão práxica escolanovista, remetendo o ideário regenerador
ao reino das boas intenções, já que a sua trajet6ria foi truncada
A proposta dos pioneiros da educação nova seria a reconstrução so-
pelas condições adversas. Afirma-se que o ideário da Escola No-
cial pela reconstrução educacional. E o liberalismo seria o elemento
va não produziu práticas sociais. Essa negação dificulta a apre-
mediador das conquistas pretendidas com seu ideário de defesa do ensão desse novo saber pedagógico como um discurso de poder
indivíduo, de ampla liberdade de iniciativa, de igualdade, de solida- que emergiu da sociedade civil, portanto, fora do Estado e dos
riedade, de representatividade consciente de participação. Mas ape- seus aparelhos, e que foi paulatinamente colonizado por este, e
sar dos renovadores proporem um liberalismo democrático com for- utilizado como substrato político para o setor. Lembremo-nos
te tendência social, suas propostas esbarraram no projeto político do que, se na década de 20 temos nomes, em 30 teremos instituições
país.
políticas burocratizando a relação Estado e sociedade.
(...) Ora, se a sociedade perpetuava os privilégios não seria possível à
escola enfrentã-los como pólo único das propostas liberais-demo- Esse novo saber pedag6gico produzido pela comunidade de
cráticas. Tal impasse, apesar de alguns êxitos registrados pela histó- homens cultos estava voltado para a tarefa de negação do solo
hist6rico e o conseqüente engendramento da modernidade capita-
lista, negando imaginária e abstratamente a divisão do social em
depois de fazer nos Estados Unidos da América do Norte cursos de Educação na classes e colocando o universo urbano-industrial como sucedâneo
Universidade de Cohírnbia, onde foi aluno de John Dewey. José Augusto Bezerra
de Menezes, no Estado do Rio Grande do Norte, nos anos de 1925-1928, dá conti- do hist6rico propriamente dito. Negava a luta de classes e as co-
nuidade a esse movimento. Antônio Carneiro Leão, em 1922-1926, no antigo Dis- locava sob o signo da cooperação solidária, procurando produzir
trito Federal e, posteriormente, em 1928, no Estado de Pernambuco dá prossegui-
mento a esse esforço de modernização do ensino público. A vez do Paraná chega desse modo uma prática social.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDC
É atividade ideol6gica que fixa,
nos anos de 1927-1928, com Lisímaco Costa. E nesses mesmos anos, Francisco não menos imaginária e abstratamente, as formas pelas quais as
Campos empreende, em Minas Gerais, a renovação do ensino público, criando em
Belo Horizonte a Escola de Aperfeiçoamento para professores diplomados pelas es-
colas normais comuns. Para a organização desse estabelecimento, fez vir da Europa
uma missão de notáveis educadores, chefiada por Edouard Claparêde, o grande 6. Na apresentação da obra, Antonio Paim fez as seguintes análises:
psic61ogo suíço. Entre os membros dessa missão contava-se com Helena Antipoff,
assistente de Claparêde, e que, posteriormente, radicou-se no Brasil, realizando "C... ) o sentido principal da Escola Nova é dado pela intenção de proceder ao des-
importantes trabalhos no setor de Psicologia e da educação de crianças excepcionais dobramento da proposta liberal, para torná-Ia conseqüente e levá-Ia ao plano pe-
. e deixando entre n6s grande número de discípulos. dag6gico, fazendo nascer a educação a serviço da cidadania. Para comprovar a
Mas a mais importante e profunda dessas reformas foi, sem dúvida, a realizada no hipótese, a autora irá reconstituir a situação do ideário liberal nos anos vinte, que
antigo Distrito Federal, então Capital da República, durante os anos de 1927 -1930, veio a ser inteiramente obscurecido pela derrota esmagadora experimentada na dé-
liderada por Fernando de Azevedo. Dela resultou a elaboração de um verdadeiro cada de trinta quando os segmentos autoritários dominam a cena política" CF.
código moderno de educação, o que se verificava pela primeira vez no Brasil"
(Lemme, 1984: 260). Cunha, 1986: 3).

123
122
classes sociais representam-se a si e às outras no interior da orga- Para o positivismo historiográfico, esse ingresso na moder-
nização social. Revendo no imaginário social as relações sociais nidade é identificado com a acumulação e reprodução do capital,
entre as classes e trocando conceitos por imagens mobilizadoras, tomados como a chave interpretativa para o período e o tema, e
testemunhou no interior da produção cultural a empresa de re- que, por sua vez, determinará a atividade prática dos diferentes
constituição das classes sociais, propondo uma novazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
prática so- sujeitos sociais. Nesse caso, estamos diante de uma concepção de
cial. ideologia pr6xima ao comportamentalismo ou instância psicosso-
ciaI. Há uma hist6ria que se realiza independentemente das von-
o arcabouço conceitual que sustenta a hip6tese do libera- tades humanas, produzindo uma variedade de atividades práticas.
lismo escolanovista como "idéias fora do lugar", como apreensão Em resumo: interpreta-se a história do capital sem o trabalho.
formal da relação educação e sociedade ou como ideário incon- Hist6ria enquanto progresso técnico e científico ou simplesmente
cluso é discutível. A argumentação política utiliza-se amplamente modernização.
de idéias como: "oligarquias", "Estado de compromisso'v.. "clas-
ses médias radicalizadas", "Estado Novo enquanto desvio da tra- Enquanto "falsa consciência", inversão especular do real
jet6ria liberal", "situação periférica do Brasil" etc. etc. Esse ar- etc., a atividade ideol6gica está voltada para a instituição contí-
cabouço te6rico contribui para reafirmar a idéia de que a hist6ria nua do aburguesamento da sociedade de classes. Para tanto é ne-
genuína não ocorreu no Brasil ou, se ocorreu, foi como imitação cessário que estimule e controle as mudanças sociais. A ideologia
da Hist6ria Universal que se processava no outro lado do he- é ativa, renovando esse movimento; é, também, hegemonia.
misfério.
Urna hegemonia viva é sempre um processo. (...) Suas estruturas
Fruto de uma trama de múltiplas práticas e instituições polí- concretas são altamente complexas e sobretudo (o que é crucial) não
ticas, a Escola Nova brasileira gerou práticas sociais que contri- existe apenas passivamente na forma da dominação. Deve ser conti-
buíram para a efetuação WVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
d a s relações sociais d e produção. Sob a nuamente resistida, limitada, alterada, desafiada por pressões que
dimensão do insucesso político oculta-se uma prática cultural he- não são suas. Nesse sentido devemos acrescentar ao conceito de he-
gemônica. Vê-se o fracasso onde há sucesso político, lê-se a gemonia os conceitos de contra-hegemonia e hegemonia alternativa,
hist6ria por seus marcos visíveis, desconhecendo-se o que seja que são elementos reais e persistentes da prática. A proeminência de
hegemonia. alternativas políticas e culturais e de inúmeras formas de oposição e
de lutas é importante não apenas em si mesma, mas corno um traço
Ao produzir um saber real - que procura apreender a reali- indicativo de que um processo hegemônico deve operar e controlar
dade em sua divisão constitutiva -, o historiador identifica o libe- na prática. Urna hegemonia estática, do tipo indicado pelas totali-
ralismo escolanovista como um pseuâo-saber, produto da ativida- zações abstratas da "ideologia dominante" ou da "visão de mundo",
de ideol6gica, denunciando-os como falsa consciência. Mas é ne- pode isolar e ignorar essas alternativas e oposições, mas apenas na
cessário ir mais além, pois, se a atividade ideol6gica é inversão medida em que haja funções hegemônicas capazes de controlá-Ias,
especular do real ou reflexo da materialidade, é também produtora transformá-Ias. Pelo contrário, no processo ativo, a hegemonia deve
de práticas sociais, voltadas para a efetuação das relações entre as ser vista corno mais do que simples transmissão de uma dominação
classes sociais. imutável. Todo processo hegemônico precisa ser especialmente
atento e capaz de responder às alternativas e oposições que questio-
Nesse caso a atividade ideol6gica é imaginário - relação nam e desafiam sua dominação. A realidade do processo cultural de-
com a verdade -, dominação - relação com o poder -, é reflexo ve ser sempre capaz de incluir esforços e as contribuições daqueles
alucinat6rio do real e força material, investida em relações de po- que, de um modo ou de outro, estão fora ou na margem dos termos
der a serviço da classe dominante. No caso específico da Escola da hegemonia especifica (Chaui, 1986: 23).
Nova brasileira, a atividade ideol6gica enfatizou a concepção de
tempo hist6rico linear, continuum e homogêneo; lembremo-nos o saber real, isto é, crítico, identifica o lugar dos pioneiros
que para os escol ano vistas a hist6ria é progressiva: as classes so- nas décadas de 20 e 30 como o lugar dos intelectuais orgânicos
ciais deveriam submeter-se a um roteiro ditado pela razão na ou ideõlogos da burguesia industrial. Sem dúvida, identifica o sa-
hist6ria, para instituir-se a modernidade capitalista. ber escolanovista como fruto da atividade ideol6gica, como um

124 125
111'· 1
pseudo-saber. Mas, ao mesmo tempo em que o ideário é denun- transformação da sociedade segundo os interesses de uma classe (...)
ciado como pseudo-saber, remete-se à zona de sombras a compre- (Chaui, 1978b: 14).
ensão da atividade ideol6gica voltada para a imposição do poder
de uma classe sobre outra, pois não é explicitado como essa ins- A idéia de progresso - peça de resistência do ideário refor-
tância contribuiu para a efetuação das relações sociais. Em resu- mador - é tomada como ponto de partida e chegada para se pen-
mo, tomando-se como contraponto azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
práxis real e as inversões sar o "caso brasileiro". A partir dessa idéia se dá a construção
ideais, os pioneiros são nomeados como ideol6gos da burguesia das imagens que tomam evidentes o atraso brasileiro, obtendo-se
!\II' I
industrial; entretanto, não fica claro o lugar dos pioneiros "no o receituário prático para a individuação nacional, reconstrução
movimento pelo qual uma sociedade se efetua como sociedade de- do social e a almejada reconciliação com a Hist6ria Universal.
I
I terminada". Por paradoxal que seja, a identificação dos pioneiros Cooperação social, homogeneização cultural, fundação do Estado
como ideõlogos da burguesia industrial é utilizada para a negação
racional etc. são os temas de mobilização voltados para o engen-
de uma prática social escolanovista, pois, conclui-se, como dis-
dramento de práticas sociais. É nessa perspectiva que afirmamos a
semos anteriormente, "que não éramos tão industrializados as-
Escola Nova como ilus6ria e verdadeira: imaginário social e efe-
Ili:: sim". Assim, "esvai-se, então, o processo de constituição das
tuação do discurso de poder.
classes pela práxis social, sua efetuação e seu aparecer, do qual
as representações são um momento real e imaginário, pois é cons-
Quando se vincula unicamente a emergência do ideário es-
II tituído do ser das classes sociais que o ilus6rio seja o seu modo
de aparecer" (Chaui, 1978b: 11). Ainda conforme a Autora, "a colanovista ao número de estabelecimentos industriais, volume de
classe social não é coisa nem idéia; é um fazer-se", isto é, as produção, densidade demográfica cidade/campo, quantidade de
classes constituem-se no pr6prio movimento gerado pela luta de trabalhadores urbanos, número de greves, presença de um projeto
classes. proletário explícito etc., somos remetidos a um campo de falsa
objetividade. Pois perde-se de vista a apreensão desse ideário
A determinação dos pioneiros como intelectuais orgamcos como pensamento contra-revolucionário e produção ideol6gica
da burguesia industrial enfatiza a tarefa de adequação da cultura à voltada para a instalação da normalização e disciplinarização do
"marcha da evolução do capitalismo brasileiro". Toma-se o uni- social, isto é, a subordinação do trabalho ao capital.
verso urbano-industrial como já instituído e, numa operação pró-
xima à sociologia da cultura, opera-se a redução da agência esco- Operando com modelos comparativos de sociedade, os es-
lanovista à sobredeterminação cabal do movimento da infra-estru- critos pioneiros teceram uma teoria artificiosa que conclui por
tura econômica, tendendo-se a anular o processo pelo qual se ins- uma série de ausências primordiais, que deveriam ser preenchidas
tituem e se reproduzem as relações sociais capitalistas. por uma série de presenças. É, portanto, um discurso instituinte
da realidade: o "caso brasileiro" ficava mais evidente quando
Assim, comparado com uma sociedade ideal. Abria, assim, o campo ne-
cessário para concluir, com o auxílio da ciência, que as relações
i I Se nos obstinarrnos em considerar a ideologia como reflexo superes- sociais ditas modernas não estavam instituídas no Brasil. A partir
I trutural do que passa efetivamente no plano da infra-estrutura, se da dicotomia "Brasil legal" / "Brasil real", configurou-se o
nos obstinarmos em considerar o trabalho do pensamento como um "Brasil ideal". As ausências foram preenchidas por presenças:
"efeito" ou como "variável" da economia e da política, teremos pre- Estado racional, ciência, moderno, progresso, bem comum, cultu-
parado terreno para explicações mecanicistas ou funcionalistas não ra das luzes, cooperação e solidariedade.
só acerca da ideologia, mas acerca de toda e qualquer forma do pen-
sar. Aliás, não será surpreendente, antes pelo contrário, será ne- Tendo como suporte a ciência, o discurso escolanovista ins-
cessário que em tal contexto explicativo a palavra ideologia vá per- tituía a menoridade racional da sociedade civil, que deveria ser
dendo seu sentido originário de lógica de ocultação do real, para guiada pela vanguarda portadora da maioridade intelectual. As-
tornar-se sinônimo de conjunto de idéias, confundindo-se, portanto, sim, o liberalismo escolanovista converteu-se em pedagogia so-
I com toda a atividade de pensamento. Tal redução faz da ideologia cial, em um saber de natureza pragmática e programática. A pro-
ora manifestação de um projeto explicito de conservação ou de dução ideol6gica, como dantes, ocupou o lugar dos sujeitos con-

126ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 127

lil I
eretos e reais ... As idéias não estavam nos sujeitos, mas os sujei- Ao insistir, numa sociologia da hist6ria e da cultura e, em
tos nas idéias. nome da objetividade, reduzir as práticas sociais à determinação
cabal da infra-estrutura econômica, perde-se de vista: primeiro, a
Ao particularizar-se o liberalismo escolanovista em Fernan- produção de práticas sociais que apontam para o aburguesamento
do de Azevedo, Anísio Teixeira, Lourenço Filho, tem-se as se- da sociedade de classes; segundo, o desarmamento da contra-he-
guintes individuações. Fernando de Azevedo, por exemplo, dedi- gemonia alternativa.
cou-se a teorizar a relação elite-massas e a arquitetar a mem6ria
do movimento; Anísio, por sua vez, teorizou a educação progres- Ao identificar o liberalismo escolanovista como um pseu-
siva, em que a perspectiva da tecnoburocratização é determinante; do-saber originado pela atividade ideol6gica, o saber real ou crí-
Lourenço Filho definiu o papel da psicologia experimental no tico quase sempre oculta a dimensão práxica desse ideário. As-
âmbito da pedagogia, atualizando a literatura e concepção de pro- sim, o engendramento das classes sociais recai unicamente sobre
gramas. Esses reformadores constituíram o "estado-maior" inte- o chamado desenvolvimento das forças produtivas: o movimento
lectual que redefiniu o estatuto da pedagogia no interior das re- do capital, sob o disfarce de progresso e modernização, cria as
lações sociais. São reformadores que evidenciam uma militância classes sociais. O saber real, operando com a categoria de totali-
prática e te6rica em torno de um tema comum:zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
a conciliação da dade, identificará a divisão do social em classes, e assim poderá
p o lú ic a . Ao reduzirem a política à ciência, trans-
cultura com a WVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA analisar o liberalismo escolanovista como atividade ideol6gica;
formaram a primeira num conjunto de normas e procedimentos mas, ao tomá-Io unicamente como falsa consciência, torna-se
técnicos, e ela passou a ser política científica. Sob o pretexto de denúncia, igualando a ideologia a atitudes comportamentais e/ou
inserir racionalmente o povo na República, procuraram efetuar a psicologia das motivações.
despolitização da sociedade civil e colocar o uso público da razão
sob o monop6lio da vanguarda esclarecida. É possível localizar-se a prática social escolanovista na re-
gião densa e angustiada situada entre o formalismo abstrato enun-
Desse modo, o ideário regenerador empreendeu um conjunto ciado pelo liberalismo e a prática política. Aí, a prática política
de traduções rápidas e seguras da realidade contradit6ria, repre- trai os princípios liberais e esses demonstram-se insuficientes para
sentando-a através de uma série de imagens - imagerie - que re- repor as relações de poder. Neste caso, os pioneiros são sujeitos
duziam e unificavam a divisão detectada pela experiência imedia- de uma empresa que buscava aplicar os princípios liberais à reali-
ta: o mundo é palavra e texto, onde o conteúdo escapa fo rm a , à dade imediata. Essa empresa de regularização do cotidiano pro-
duziu uma série de deslocamentos no interior do discurso liberal,
A produção da literatura pedag6gica tornou-se estratégica.
Através do discurso científico obtém-se o distanciamento necessá-
rio entre o discurso e o objeto de análise; através do texto, o su- tram-se em linhas editoriais definidas. Como parte desse processo destacamos a se-
O novo saber pedag6gico é
jeito institui a si mesmo e à realidade.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA guinte cronologia:

agora conhecimento que identifica e localiza os agentes do devir 1927 - A Companhia Melhoramentos de São Paulo organizou a Biblioteca de Edu-
hist6rico, em estado larvar na atual fase da evolução hist6rica. cação sob a direção de Lourenço Filho. Foi a primeira no gênero, contendo ao todo
cerca de 40 volumes, abrangendo traduções de Edouard Claparêde, Henri Pierõn,
Em resumo: operavam com imagens facilmente reconhecíveis no Émile Durkheim, Binet e Simon, Adolfo Ferriêre, John Dewey, William Kilpa-
cotidiano, signos decifráveis que permitiam a orientação rápida e trick, e títulos de Lourenço Filho, Jônatas Serrano, Estêvão Pinto, M. A. Teixeira
segura da ação individual e coletiva. O mundo real é transforma- de Freitas, Carneiro Leão, Renato Jardim, Sampaio D6ria etc.
do em simulacro.?
1929 - A Editora F. Briguiet e Cia., Rio de Janeiro, organizou, sob a direção de
Paulo Maranhão, a Coleção Pedag6gica. Entre 1927-30 publicou cerca de dez títu-
los entre psicologia, biologia e sociologia.

7. A literatura pedag6gica e social é parte decisiva nessa aventura intelectual, onde a 1930 - A Companhia Editora Nacional organizou a Biblioteca Pedag6gica Brasi-
burguesia coloca para si mesma a questão do Estado, a reorganização do social e a leira sob a direção de Femando de Azevedo. A BPB foi dividida em cinco séries,
elaboração de estratégias não-repressivas. A partir do final dos anos 20 os educado- destacando-se as séries Brasiliana e Atualidades Pedagógicas, esta última dirigida
res profissionais transformam-se em publicistas pedag6gicos, preocupados com por J.B. Damasco Pena. A série Atualidades Pedagógicas publicou aproximada-
a construção institucional. Assim, traduziram os títulos clássicos da Escola Nova, mente 132 títulos, contendo traduções de Dewey, Claparêde, Wallon, Pierõn,
ao mesmo tempo em que colocavam em circulação uma significativa produção te6- Foulquié e tftulos de Femando de Azevedo, Carneiro Leão, Anísio Teixeira,
rica. A produção e publicação dos títulos, até então esparsos e difusos, concen- Noemy Silveira Rudolfer, Afrânio Peixoto, Delgado de Carvalho etc.

128
129

J
dando-lhe a fisionomia de um projeto de transição para a moder- A industrialização e a metr6pole integram, no perfil urbano,
nidade capitalista, em que o fundamental está na conciliação da novas presenças no dia-a-dia da grande cidade. Uma sombra inci-
O desdobramento dos princípios liberais
política com a cultura.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA dirá sobre o recorte urbano, provocando inquietações e emergen-
no âmbito da educação resultou na produção de um conjunto de ciando novos saberes voltados para a busca da regularização da
normas e procedimentos para o conhecimento e ação eficazes, vida em sociedade. A era da máquina e da técnica trazia consigo
contidos nos princípios da Escola Nova.
a figura do trabalhador urbano e segmentos marginais, que viviam
à sombra da economia de mercado, com hábitos e cultura pró-
Ao empreenderem a criação de um ponto de equilíbrio ou prios. A face da cidade transfigurou-se sob o impacto do cresci-
identidade social, os pioneiros esconjuravam o risco de autodes- mento urbano-industrial, o burgo provinciano agora era metr6po-
truição da sociedade de classes. A palavra de ordem do escolano-
le. O traçado da cidade foi revisto: becos e ruelas foram substi-
vismo era a "determinação 'completa da realidade"; seu programa:
tuídos por avenidas em perspectiva. A moralização das popu-
"educação para uma civilização em mudança", como estratégia lações urbanas era uma contingência. Tanto a revisão do traçado
para banir a contradição e instaurar a identidade. Nesse caso, a da cidade quanto a moralização dos trabalhadores urbanos perse-
realidade ézyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
fixada aprioristicamente, e, através do "olhar de so- guiam um mesmo objetivo': propiciar a circulação rápida de mer-
brevôo", o intelectual separa a consciência da realidade - sujeito cadorias, idéias e levas de trabalhadores. Walter Benjamin regis-
e objeto. A primeira - a consciência - está num estado pleno de
trou algo análogo na Paris do Segundo Império.
identidade consigo mesma, e a segunda - a realidade - é regida
pelo princípio da contradição. A realidade, para ser conformada
plenamente à consciência, é reduzida aWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
id é ia : é imaginário. A rea-
o ideal urbanístico de Haussmann eram as visões em perspectiva
através de longas séries de ruas. Isso corresponde à tendência que
lidade concreta e contradit6ria é agora representação. Daí advém
sempre de novo se pode observar no século XIX, no sentido de eno-
a dupla natureza do liberalismo escolanovista: é programático e
brecer necessidades técnicas fazendo delas objetivos artísticos C··)
pragmático. Haussmann trata de encontrar apoio para a sua ditadura e colocar
Paris sob um regime de exceção. Em 1864, num discurso na Câmara,
Abolindo a contradição como motor da hist6ria, tornando-a expressa o seu ódio contra o desarraigamento da população da gran-
sucessão do tempo empfrico e cronologia, criaram o espaço ne- de metrópole. Esta aumenta constantemente através dos seus empre-
cessário para a construção da manipulação social e, portanto, da endimentos. A elevação dos aluguéis empurra o proletariado para os
previsibilidade. Tudo o que contrariava essa tendência era no- arrabaldes. Através disso, os bairros perdem a sua fisionomia pró-
meado como irracional. Desse modo, a vanguarda ilustrada faz a pria. Surge o cinturão vermelho. Haussrnann deu a si mesmo o nome
mediação entre o passado e o futuro - ordem empírica e ordem de artiste démolisseur (artista demolidor). Assim, ele faz com que
ideal - domando o presente crivado de ausências que impedem a Paris se torne uma cidade estranha para os próprios parisienses. Não
evolução do Brasil. A vanguarda perseguirá uma ampla reforma se sentem mais em casa nela. Começa-se a tomar consciência do
das consciências a fim de superar o impasse. Graças a esses ar- caráter desumano da grande metrópole. (...) A verdadeira finalidade
tifícios, os pioneiros produziram um campo no qual estão à von- das obras de Haussmann era tornar a cidade segura em caso de
tade para discursar sobre a racionalidade, enquanto disciplina e guerra civil. Ele queria tornar impossível que no futuro se levantas-
produtividade. sem barricadas em Paris. Com essa intenção, Luís Filipe já introdu-
zira o calçamento com madeira. Mesmo assim, as barricadas desem-
O estado inquietante da realidade colocou em movimento a penharam um papel na Revolução de Fevereiro. Engels se ocupa
boa consciência dos reformadores, como forma de superar a crise, com a tática das lutas de barricadas. Haussmann quer impedi-Ias de
e a boa educação emergiu como receituário. A inteligência nacio- duas maneiras: a largura das avenidas deveria tornar impossível er-
nal, que vinha perseguindo o porquê da distância entre o "Brasil guer barricadas e novas avenidas deveriam estabelecer um caminho
legal" e o "Brasil real", debruçou-se sobre a realidade cotidiana mais curto entre as casernas e os bairros operários. Os contemporâ-
e a experiência imediata procurando alternativas. Emerge um no- neos batizam esse empreendimento de "embelissement estratégique"
vo saber e uma nova tecnologia disciplinar como estratégia de en- (embelezamento estratégico) (Benjamin apud Kothe, 1985:
frentamento do caos da cidade. 41 ss.),

130 131
o espírito haussmanniano e o ideal de "embelezamento es- Uma vez estabelecido o espaço que separa o privilégio e o
tratégico" não nos foi desconhecido. Por volta de 1903, o enge- infortúnio, o culto do inculto, era preciso resolver a questão posta
nheiro prefeito Pereira Passos, indicado por Rodrigues Alves, pelo momento em que essas duas dimensões encontram-se, no
empreendeu a revisão do perfil urbano do Distrito Federal, ini- cruzamento diário. Pois a Era da Máquina criou patrões e empre-
ciando um processo de transfiguração da cidade. Tal como barão gados, unindo-os e separando-os. Uma vez delimitado o espaço
Haussmann, Pereira Passos enfeixou em suas mãos amplos pode- burguês com cristais, mármores, espelhos, veludos e ferro traba-
res, passando à hist6ria como o "ditador Passos"; seu objetivo: lhado, restava enfrentar a sombra que pairava sobre o perfil da
edificar "um espaço amplo, controlado e elegante". A teia tortuo- cidade. Nas regiões das várzeas habitavam fantasmagorias, ima-
sa composta por ruas e becos cede lugar à elegante Avenida Cen- gens dessemelhantes, que assaltavam a boa consciência, radicada
tral. Para consumar o famoso "bota-fora", o prefeito foi munido nos lugares altos e ventilados por frescas alamedas. A imagem
de poderes discricionários, e mereceu o repúdio de seu contem- burguesa é tomada como modelo para converter as imagens dis-
porâneo Rui Barbosa. sonantes e daí resulta a empresa de moralização e elevação do
povo, num jogo do decifra-me ou devoro-te.
Digo que, com a faculdade de regular o policiamento, o trânsito, o
arruamento, o embelezamento, a irrigação, os esgotos e o calçamen- Ainda ecoam no ar as palavras pronunciadas por Fernando
to e a iluminação, enfeixando nas mãos de um só homem essa auto- de Azevedo em 8 de setembro de 1927 no salão do Jockey Club
ridade, ele poderá ser senhor absoluto desta capital, um ditador in- do Distrito Federal:
suportável, poderá criar para todos os seus habitantes uma situação
( a p u d Svecenko, 1984: 54).8
intolerável de opressão e de vexamesWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA Eu falo em nome das crianças dos meios rurais e operários, filhos da
rua e da miséria, brotadas em lares onde escasseia o pão e sobram
A transfiguração urbana e a expulsão dos pobres do centro provações e onde o agasalho do corpo e a própria subsistência não
das cidades foi o meio para construir e disseminar a imagem bur- provém do salário certo, mas de expedientes aleatórios. Eu falo em
guesa. A expulsão dos aflitos e deserdados de toda espécie con- nome dessas crianças enfezadas e anêmicas, quase maltrapilhas que
tribuía para demarcar o espaço do culto e do privilégio. Mas, a enchem grande número de escolas públicas, bem perto do bulicio e
presença diuturna dos trabalhadores nesse mesmo espaço provo- do fausto dos grandes centros da cidade, e trazem, na tristeza apáti-
ca, nas olheiras fundas e no olhar sem brilho, quando não as escolio-
cava inquietação e insegurança aos observadores burgueses. A
ses, e em toda espécie de estigmas, a marca do meio social em que
invasão cotidiana das artérias citadinas gerava urna ressonância
definham, e todos os sinais de uma debilidade congênita agravada
no meio burguês. Engels assim definia a prática da expulsão:
pelas taras hereditárias e pela penúria de meios malsãos, e oferecida
como presa fácil à contaminação ambiente. Por menos que pareça,
(...) refiro-me à prática, hoje generalizada, de abrir grandes cidades, constituem essas pobres crianças quase a metade da população em
especialmente aquelas situadas nas regiões centrais. (...) O resultado idade escolar que rumoreja em casarões sombrios ou cochicholos in-
é o mesmo em toda a parte: os becos e alamedas mais compromete- fectos (...) (Azevedo, 1929 : 48-9).
doras desaparecem, para dar lugar à autoglorificação da burguesia,
como crédito de seu tremendo sucesso - mas reaparecem logo A cidade irisada pela sucessão de anúncios e cartazes que
adiante, muitas vezes no bairro adjacente ( a p u d Berman, 1987: apregoam prazer e comodidade é agora metr6pole, colocando a
148).
burguesia perante o seu outro. A comunidade de homens cultos
empreendeu, então, a tarefa de eliminar a "ameaça urbana". Ma-
ria Clementina Pereira da Cunha, ao traçar a trajet6ria do alienis-
8. Nas páginas seguintes N. Svecenko fará as seguintes observações: "Não me parece, mo brasileiro, no início do século, expôs as seguintes obser-
pois, muito casual o fato de o engenheiro encarregado da reforma do Rio ter sido
justamente o Prefeito Pereira Passos, que esteve em Paris e acompanhou de perto a vações:
ampliação do novo projeto urbanístico da cidade. (O autor refere-se às reformas de
Haussmann.) Pode-se imaginar, portanto, que a transformação do plano urbano da
capital obedeceu a uma diretriz claramente política, que consistia em deslocar
Na verdade, nem só de greves operárias se constrói a imagem da
aquela massa temível do centro da cidade, eliminar becos e vielas perigosas, abrir "ameaça urbana" em São Paulo no início do século, mas também de
amplas avenidas e asfaltar as ruas".
epidemias, de levas de forasteiros, negros libertos com sua pobreza
132
133
olhar analítico e classificador procura imobilizar em momentos su-
exposta, ladrões, prostitutas, jogadores, bêbados, escroques, aventu- cessivos de avaliação tudo aquilo que vê em constante movimento e
reiros, pobres amontoados nos cortiços, crianças abandonadas pelas que precisa permanecer em continua movimentação. O fluxo inin-
ruas, desordeiros de todos os tipos, biscateiros, mendigos e todas as terrupto dos homens no trabalho, dos homens se deslocando pelas
rubricas componentes das "classes perigosas" que povoam as ruas ruas, dos homens no ocasionalmente fora do trabalho, dos homens
da cidade (Pereira Cunha, 1986: 40). que tiram seu sustento trabalhando nas ruas, dos homens que vagam
recusando-se a trabalhar, dos homens que se mantêm através de ex-
o século XX é para os pioneiros era da velocidade e desar- pedientes pouco confessáveis: tudo é submetido a esse olhar avalia-
raigamento. A esteira da máquina colocava todos numa proximi- dor. A cidade se constituirá no observatório privilegiado da diversi-
dade física às vezes insuportável. "Classes perigosas" ao lado dade: ponto estratégico para apreender o sentido das transfor-
das classes cultas e ricas: isso provocava um certo mal-estar. Daí mações, num primeiro passo, e logo em seguida, à semelhança de um
a necessidade de uma pedagogia social em que o poder estivesse laboratório, para definir estratégias de controle e intervenção (...)
despersonificacio e identificado com a racionalidade, uma peda- (Bresciani, 1985 : 39).10
gogia social capaz de retirar de uma vez por todas as visões de
O olhar analítico e classificador é também facho de luz:
mundo abrurnadoras.?
produtor de diretrizes gerais. Diz-nos Fernando de Azevedo:
Na região que permeia os princípios liberais e a prática polí-
À medida que a educação for estendendo a sua influência, desperta-
tica contraditória, surgiu uma pedagogia social voltada para a re-
dora de vocação, vae penetrando até as camadas mais obscuras, para
gularização das relações sociais; a comunidade de homens cultos
ahi, entre os próprios operários, descobrir o "grande homem, o
empreendeu a correspondência entre o modelo ideal de sociedade
cidadão útil", que o Estado tem o dever de attrahír submettendo
e a realidade caótica, um discurso científico que responderá as in-
a uma prova constante as idéias e os homens, para os elevar e
terrogações, propondo soluções apaziguadoras.
selecionar, segundo o seu valor ou a sua incapacidade (Azevedo,
Maria Stella Martins Bresciani explícitou a relação entre o 1937: 453).
pensamento esclarecido e o caos da cidade, detectando a "for-
Novamente, será Femando de Azevedo quem explicitará as
mação de uma nova sensibilidade no século dezenove baseada
finalidades sociais da Escola Nova brasileira, no contexto de re-
nas diversas percepções contraditórias da cidade. (. .. ) Essas re-
generação moral das "classes perigosas", procurando elevá-Ias à
presentações dos núcleos urbanos configuram uma verdadeira
altura da missão que o século XX lhe reservara. Em 1931, em
cultura sobre a pobreza e definem o homem pobre como figura
conferência na Escola de Comércio Álvares Penteado, em São
privilegiada de diversas estratégias disciplinadoras" (Bresciani,
Paulo, o Autor, ao expor as concepções da reforma do ensino no
1985: 37).
Distrito Federal no período de 1927/31, afirmava que a escola
Fascínio e medo; a cidade configura o espaço por excelência da tradicional
transformação, ou seja, do progresso e da história; ela representa a
expressão maior do domínio da natureza pelo homem e das con- C.·)
Embora rudimentar e defeituosa, sob qualquer de seus aspectos, ela
dições artificiais (fabricadas) de vida.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA tendia mais a encaminhar para as profissões de iniciativa, de coman-
É ainda importante anotar a solidariedade entre o conjunto dessas do e de inteligência do que orientar para os misteres de execução, de
perdas e a elaboração intelectual de uma distância entre o homem e disciplina e de trabalho físico, contribuindo por isto, largamente,
seus semelhantes; a elaboração da figura de um sujeito de conheci- com a preponderância do trabalho intelectual e da formação literá-
mento considerado necessário para a observação e a avaliação sis- ria, para acentuar a demarcação entre os misteres populares e as
temática daquilo que passa a ser designado de realidade social (...) O profissões burguesas. A escola primária, por ser denominada escola
popular (e com isto prestou-se mais uma homenagem do que um

9. Seria interessante verificar a perplexidade dos nossos pioneiros, depois que o "de-
sencantamento de mundo" se efetivou e a sua utopia racional se tornou realidade
10. Cf. também Bresciani (1986).
efetiva, banal e corriqueira, transformando a revolução técnica e cientffica em
sinônimo de opressão.
135

134
serviço ao Povo), colocara-se antes ao serviço da burguesia do que
das classes populares (...) A reforma de 1927, longe de se encerrar sagregação de formas multisseculares de orientação. No pólo opos-
no CÍrculoestreito desse imediatismo utilitário, atribuiu à educação to, a imagem do homem desnaturado, subtraído de qualquer essência
técnica, integrada assim na sua função social, os fins de não somente vital, reduzido a autômato e a súdito do maquinismo. Imagens so-
ministrar o conhecimento e a prática de um ofício, mas também de lidárias de um mundo onde os homens haviam caído na armadilha de
elevar o nível moral e intelectual do operário; despertar-lhe a cons- suas próprias artes (Bresciani, 1985 : 46 ss.).
ciência de suas responsabilidades, com a consciência das bases
científicas e da significação social de sua arte; alargar-lhe a visão Ao ler-se os textos renovadores tem-se a sensação de movi-
técnica e artística; aperfeiçoar-lhe a técnica, no sentido do maior mento provocado pela sucessão de idéias, transformadas em ima-
sentimento do trabalho, transformá-Io, por esta maneira, em ele- gens; o discurso passa a ser visual. Ao erigirem a supremacia do
mento de progresso técnico nas oficinas e indústrias nacionais (Aze- mundo dos artefatos sobre o mundo humano, ao colocarem o pro-
vedo, 1950: 160 ss.). gresso técnico e científico como finalidade hist6rica, os reforma-
dores resvalam para o culto da máquina e para uma nova forma de
A busca desse desarraigamento é um constante no pensa- religiosidade, revelando o esforço para transformar a ciência edu-
mentozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Aufkliirer, que num permanente ato inaugural e modelar, cativa em pedagogia social, enquanto arte da condução coletiva,
buscava o novo. Nessa tarefa tem-se um duplo movimento: des- obtendo o distanciamento necessário entre o sujeito e o objeto,
territorializar e reinventar a classe operária. O soerguimento dá- oferecendo um programa neutro e científico para o "caso brasilei-
se, então, na aceitação por parte do trabalhador do advento da ro". Essa pedagogia social, através da sucessão de imagens revi-
máquina e da fábrica, colocando em movimento essa nova sensi- gorantes e fundadoras, transitou rapidamente das zonas escuras
bilidade para o caos urbano, concluindo pela sua supressão, para as claras, fundindo e reduzindo o real a imagens. O mundo
através da instauração da regularidade. estava reduzido ao texto, gerando a paralisia da reflexão. Ao
caos, segue-se a reconstrução do social. A máquina e a fábrica
Na base da civilização, estão a máquina, que é produto e obra da convertem-se em centro de reconstrução do social, e a pedagogia
ciência, e as idéias igualitárias, cujo desenvolvimento se deve, em social é o elemento que fará o travejamento do social. O escola-
grande parte, às próprias descobertas e conquistas científicas. A novismo era o instrumento que apertava porcas, parafusos e ar-
ciência que, com a máquina, dilatou quase ao indefinido o "raio de ruelas e azeitava engrenagens. A devoção sem limites, o culto aos
ação" e multiplicou a eficiência do homem, antes estreitamente limi- princípios da ciência positiva, paralisava o pensamento. O ilumi-
tado pela matéria, e lhe permitiu dominar a natureza, pondo-a a ser- nismo era, agora, regressão, retorno ao mito. A admissão do ou-
viço da humanidade, contribuiu para o desenvolvimento das idéias tro na hist6ria, a proximidade física, a necessidade do trabalhador
democráticas, para o nivelamento das classes e para a solidariedade d6cil e submisso levaram os pioneiros a empreender a substi-
social, pela interpenetração cada vez mais rápida e profunda dos tuição de uma cultura por outra.
grupos humanos. Não se pode separar, pois, a democracia da ciência,
num sistema de educação popular (...) (Azevedo, 1950 : 19-20). Por fim as 'marcas da modemidade apareciam na fisionomia
brasileira: entre o passado e o futuro, um presente incendiado de
Como entender e decifrar imagens seguras como estas trans- idéias. A máquina, a fábrica, a técnica, a democracia liberal, o su-
critas, em que o mundo toma-se claro e pleno de inteligibilidade. frágio esclarecido, a educação enquanto dever do Estado, a mar-
Técnica e ciência, cidade e civilização, disciplina e produtivida- cha do progresso, tudo foi aceito e tomado público. Enfim, o ho-
de, esclarecimento e libertação, democracia e cooperação, idéias e mem tinha consciência e era senhor de seu destino. Rompia-se a
imagens da reordenação do social. Vejamos de perto "o centro obediência aos desígnios superiores: o mundo era obra dos inte-
dessa nova sensibilidade". resses dos pr6prios homens. O pensamento mobilizava mãos,
mentes e corações.
A imagem da técnica, acrescentando potencialidades infinitas às ca-
pacidades humanas, impõe-se soberana no centro dessa nova sensi- Mas era preciso compatibilizar democracia e indústria, uma
bilidade. Sua tradução maior, a máquina, e todos os mecanismos de- vez que as forças materiais libertas criavam um potencial inédito
rivados dos mesmos princípios preenchiam o vazio deixado pela de- que, se colocado em mãos ignorantes e/ou apropriados por parce-
las da sociedade, poderiam destruí-Ia, mera vit6ria de Pirro. So-
136
137
mente a democracia dava um sentido comum a todos; à revolução iniciativas particulares esclarecidas e sustentadas em todas as di-
industrial, seguia-se .~ revolução sO<1i~: a técnicaaumentava o reções" (Azevedo, 1937: 6).
poder do homem sobre a natureza e a democracia' dava. a tônica
. do bem comum. ,ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
.j -Óv Ór , ",,!
f. Assim,
o liberalismo escólanovista surgia ild aparecer 'social como f

uma ideologia do Baixo contra o Alto; a modernização como fim L' .É preciso agitar o ambiente para que se desenvolvam, livres e vigo-
dos 'privilégios de classe e comoatualização que explodia com os rosos, em toda a claridade, os grandes ideais de cultura e educação, e
arcaísmos e' conservantismos (te qualquer' espécie.WVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
J Enquanto'
para que se forme, preposta a defesa desses ideais, uma colméia de
intérprete do progresso, a vanguarda ilustrada tecla unia hist6ria educadores e homens públicos - de homens novos para tempos no-
do capital onde o trabalho deveria ser ajustado aos novos tempos. vos (idem, ibidem).
O escolanovismo era o produto intelectual' do homem culto que Se
reatualizava para conquistar a capacidade de formar é-difundir à Essas certezas ecoarão nas páginas centrais do Inquérito,
imagem da sociedade burguesa, num confronto surdo e cotidiano segundo depoimento do professor Lourenço Filho.
entre o discurso do poder e a negação da experiência de classe'. 't: )
, )
Sustento, com elementos de convicção arraigada, que é possível hoje
O fluir e refluir de levas, proximidade e contato ffsico, PÇ,,'h
ajustar os recursos didáticos às leis naturais dos processos biológicos
sibilidade ele geração de riquezas e bem-estar.,!~duSão· e .ame-,
adaptativos, de' modo a ter na educação resultados de certeza ma-
drontamento, tudo isso desfilara perante os olhos do espectador
arguto do caos da cidade. O trabalho coletivizado e
regularizado
temática (Azevedo, 1937: 135).
despontará como a chave para Q ingresso na rnodernidade. f>alp-
Os textos pioneiros assumem uma cadência hipn6tica. Entre
vra e realidade ganhavam identidade, ocultando ..a dimensão
o medo e o fascínio, expõem uma nova sensibilidade perante o
econômica que produzia a condição de pobreza, I ;!,
'< '. 'I -

cotidiano da grande cidade. O que colocou em movimento tal


J 'j ')1;,- ", ,:.~; J I.' :::;. )"(
sensibilidade?
I

Épo,Ssível, então, que a arquitetura da cidadeevidencie, WP


símbolo que separa os homens cultos e incultos, justifique o {J9i"1
der de uns sobre os outros e seja testemunho de uma ciyjl.i,za~~p Percebidos como selvagens, ignorantes, incivilizados, rudes, feios e
imorredoura. Essa arquitetura simbolizara os n<?vos muros çla,<;:ir grevistas, sobre os trabalhadores urbanos que compõem a classe
dade e a cultura justificará a vanguarda A .frlfk li!ru ;rs , ~ educação, operária em formação nos inícios da industrialização no Brasil cons-
como medo à plebe. ' ,", titui-se paulatinamente uma vasta empresa de moralização. Seu eixo
ft. I ( ,\
principal: a formação de uma nova figura do trabalhador, dócil,
No dia 28 de outubro de 1927, em entrevista concedida ao submisso, mas economicamente produtivo; a imposição de uma iden-
jornal carioca A Pátria, Fernando de Azevedo awmarra: tidade social ao proletariado emergente, se assim podemos chamã-lo.
Conjuração' do mal, contenção das convulsões futuras da história, a
Ú.'ti!veijl~s o "Governo 'Saneador" de Ç)s,vMdO'
~~z.'bwoís à?~i~~/ tentativa de domesticação do operariado passa pela construção de
um novo modelo de comportamento e de vida, que se tenta impor
neamento da cidade e, paralelamente com a obri\ de Osvaldo Cruz.
surgiu com o prefeitoPassos Q seu priJ;ne~p.,"r~I?odel~p{""lT~~~ aos dominados (Rago, 1985: 12).
faz crer que cht?gou a hora, que já estava ~d~do, de u~ g;ov<{.fOq l

fundamentalmente "educador" (Azevedo, 1929;.100).. " o ," !o . Meu Deus! Distraí-me, quase perco a hora e os compromis-
sos. Rápido, aceno para o bond que diminui a velocidade. Apalpo
De onde' deverá' partir tál empr~rÍdi~n'tó 1'd"~utol'á~siiiala' os bolsos e pago a passagem, e de soslaio vejo, em perspectiva, o
o lugar de origem dessa empresa de regeneração:'~ tÓdos'o; s: edifício da Escola Normal. Confirmo a hip6tese: a escolha do lo-
gares e de nenhum! cal foi estratégica; erguida na Praça da República, funcionou,
I'

imagino, para desarmar os espíritos e testemunhar a superioridade


,No entanto, como escreveu POÍI)sard',e"o têm ,r~pejVdo..~ymer?ses da república burguesa sobre qualquer outra pretensão. É um sfm-
autores, "o progre,sso verdadeiro '1 du.(~yel nãp; pO~~.~~f\~~n~? d~si bolo, signo de uma época.

138 139
o zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
bond desliza macio e rápido pelos trilhos de aço, serpen- ta à civilização ambiente ... ". Naquele domingo, escrevia em tom
teando os caminhos da cidade e atravessando os cruzamentos. de advertência e esclarecimento:
Provoca um sentimento de elevação e a sensação de que a qual-
quer momento irá se chocar com as lâmpadas elétricas penduradas Precisamos, já, urgentemente, imediatamente - enquanto é tempo! -
sobre as ruas de macadame; são como pequenos s6is que rasgam a de aparelhos de verdadeira cultura, chamem-se institutos técnicos ou
espessura da noite. A janela, ao lado do assento, assemelha-se a universidades, em que se preparem homens que analisem os nossos
uma tela de cinemat6grafo, por onde passa uma longa sucessão de verdadeiros problemas e os encaminhem a melhor solução. Lampejos
planos pontilhados de reclames, que expõem mercadorias e cores, dessa verdadeira cultura, no sentido normal da palavra, têm produ-
elixires e açúcares. O WVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
b o n d trafega em meio ao cenário. As cons- zido, com o mesmo homem rude dos sertões, com o mesmo mestiço
truções projetam-se para o alto como que tocando alturas inirna- que os pseudoletrados desabonam, maravilhas de vida e progresso,
gináveis; funcionam como signos de permanência eterna. Tudo é como essas surpreendentes cidades modernas que Frederico Lund-
luz, velocidade, cor e movimento. Novos brilhos e novas formas gren e Delmiro Gouveia fizeram surgir, uma junto às matas frescas
estão expostos nas vitrinas, cujos vidros refletem, como espelhos, do litoral nordestino, e outra entre os carrascais e penedos das mar-
a circulação rápida e intensa de pessoas e objetos. Nos tempos gens do São Francisco ... (...) (Lourenço Filho, 1926: 181).
modernos característicos das grandes metr6poles, creio que a vi-
trina é o interior aberto ao público, um estojo prestes a ser viola- Terminada a leitura da última reportagem, meu pensamento
do ... O neon brilha intermitentemente, incendiando as ruas. é tomado de inquietação. Procuro uma posição mais confortável
no assento do vagão de trem, como quem quer acomodar os pen-
Corro, ainda mais, e chego a tempo. Os vagões ainda per- samentos. Versos de Baudelaire assomam à mem6ria. Lembro-me
manecem estacionados na gare, à espera da hora. Peço um ticket: de A uma passante:
enquanto faz-se o troco, os olhos erguem-se e vêem os longos ar-
cos cursivos que sustentam o teto da estação ferroviária, sugerin- Ensurdecedora urrava a rua ao meu redor
do um templo moderno, onde pessoas e mercadorias circulam ra- Alta, elegante, toda de luto, na dor majestosa,
pidamente. Tal amplidão insinua a pequenez de quem olha. En- Passou uma mulher, com a faustosa mão
quanto aguardo o momento da partida, a máquina locomotiva en- Erguendo, balançando a bainha e o festão;
che de vapor as plataformas, adensando a neblina azulada e es-
condendo as pessoas umas das outras. Nos arrabaldes da cidade, Ágil e nobre, com a sua perna de estátua.
quando o trem diminui a marcha, é possível ver-se a novidade das Eu, eu bebia, crispado como um extravagante,
vilas operárias. Construídas conforme o modelo proposto pelo No seu olho, lívido céu que gera furacão,
Instituto de Engenheiros e Arquitetos, que havia instituído um A doçura que fascina e o prazer que mata.
concurso a respeito da moradia operária. Refletida de perto, a ex-
periência soava mesquinha. O maquinista aumenta a velocidade, Um clarão ... a noite após! Beleza fugidia,
projetando a composição sobre o par de lâminas azuis e perfuran- A rua em derredor era um ruído incomum,
do o horizonte.
Longa, magra, de luto e na dor majestosa,
Uma mulher passou e com a mão faustosa
1926.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
É domingo novamente. Procuro 'ávido as páginas cen- Erguendo, balançando o festão e o debrum;
trais do jornal O Estado de S. Paulo, que publica hoje, com seus
tipos grossos e mon6tonos, a última reportagem da série escrita Nobre e ágil, tendo a perna sim de estátua exata.
pelo professor Lourenço Filho, sobre Joaseiro do Padre Cícero. Eu bebia perdido em minha crispação
Essas reportagens foram produzidas quando o emérito professor No seu olhar, céu que germina e furacão,
esteve no Ceará, reformulando o ensino daquele Estado. Em li- A doçura que embala e o frenesi que mata.
nhas anteriores havia definido Joaseiro como a "Meca dos sertões
cearenses - arraial e feira, antro e oficina, centro de orações e Um relâmpago e após a noite! - Aérea beldade,
hospício enorme ... ", " ... potência fora da lei e da razão ... ", E cujo olhar me fez renascer de repente,
"quisto ameaçador, que já há vários anos iniciou a sua reconquis- Só te verei um dia e já na eternidade?

140
141
Bernlonge, tarde; além,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
jamais provavelmente!
Não sabes aonde vou, eu não sei aonde vais,
Tu que eu teria amado - e o sabias demais!
,): t:'
Disseram-me, ainda há pouco, que a mulher vestida de luto
e que atrai o olhar e se-perde em meio à inultidão'é a revolução
que passa.' ..

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- ij: '1íTerminadàl.aj1âneritljlohe.gÍlIllQS~a Étoile - o cruzamento de
to d a s - a s .avenidass-, 'mas. antes' de iniciarmos um novo itinerário e
qt}(ltriUD~tº"é preoiso.fazer.glgumas considerações. Ao longo dos
capítulosque-fonnaram c.roteiro . d e s s e itinerãrio, percorremos o
tema da Escola Nova e, ao final do percurso, temos menos a con-
cl1J,ÍFJ'e l rnuito -mais a refletir •. sem que com isso se configure uma
p.er,y~(Sida4evç!Oi.~xtP, ondeofinal remete ao início, num exerci-
cWr slç, ç.4"Gv.lwid~Q.e"v~,p,{e,cisoaprofundar P debate e indicar nq-
vas articulações em torno do estatuto da pedagogia no-interior do
processo das mudanças sociais. :..
;t)o!ll:ib',{, -;, '" ,: 'I di 11 1 ) 'j' , " '~I .> I

()b;f-RJjO&W}lmg~ a'?flli~ar i9 t escolanovísmo-çomo emergência de


Yff) .pgv6\l~al:>er ped~~6gico e inct.~ar. a m~rir.a pel,í;l~qual ~ hist?-
rwgr~, d!!J~e~oM;.!91),ug~Jdess1 ~qe~.no çon,tra-revpl~cl0n.ário
'?9}1~~fR:0r dltq~il,o. ~~e [se co~v;~nclonou den~húnfU' fie ' evolução
< :Ia :> -. .i~éJás p~ag6g1ças brasileiras". Tentamos compreender os
motlvos pelo~ quais' o c~njunto de idéias reformadoras e a prática
regeneradora dos pioneiros .Id à dd-Ucaçâo'~bnovada transflgura-
~~l11,;'t,n(r1.P.Jfl~Je ,r~fiHt~,I1fMn0~diais,~~!,urt QO':o tempo social.

; "IJP<t~tg~1i'a.%.~$.E~t[{~~~r ~ jU r tl t~rita m~n~r p~a 1 i ~ detérmi-


nada hlslonogtafIá-qtYê 'pn\hlegia os'temas históricos vinculados
diretamente à '~gra!1dt política" - permite compreender como o
fibéf~P.lo\)Wrasil(did fdirtIcul'ava-se, para neutralizar os proces-
sl)Y')dg-c{jnffii'.!heg~ilíBhila'· olirde hegemonia alternativa. Colocando
ê~<t'ên~~)lrt1I)fi~vt)ltipôl(J~j'ínteI8ttual, abertamente' empenhado na
têfdtrmIláÇãti aÓ>'S'6ei31P esse ~rliá evidencia 'o modo como' o pen-'
sliilílS't\t6lY es'Clát'eé'idoe'Qu'[ ilu~t:tàt1o/empteehdel1 a sua auto-supe>
ràçãO', 'áptlútarttltfltláTá: novãs formas de exercício de poder. »As-:
s4'm; '6) p0sswelnlf.'i'ttnar ~ u ~ J a ')instituição, de um novo objeto dei
~imentOi~ientffico,- a: educação, popular - resultou, também,
na revisão e reconstrução dp; imaginário, procurando fixar a mari
142
14~
neira como as classes sociais se representavam na organização Na avaliação crítica da trajet6ria desse ideário, chega-se à
social. Propondo a normalização da sociedade, o escolanovismo conclusão de que os pioneiros queriam edificar a Boa Sociedade
procurou estabelecer diretrizes que contribuíssem para a efe- através da Boa Educação, incorrendo numa série de desvios, e,
tuação das relações sociais.
particularmente, na superestimação da instância cultural como
agência produtora de mudanças sociais.
Sob pressão de processos contra-hegemônicos, os pioneiros
da educação renovada operaram deslocamentos sucessivos no in-
Essa avaliação elidiu o fundamental: o liberalismo é também
terior do liberalismo brasileiro, que acabaram por tomar a fisio-
uma pedagogia, em que a razão ilustrada guia as ações indivi-
nomia de um projeto de transição para a modernidade capitalista.
duais e coletivas, banindo o erro e a mentira, repudiando o despo-
Ccnfigurado como um momento da Razão na hist6ria que con-
tismo e aceitando restrições à autonomia individual em nome da
templava, as classes fundamentais - burguesia e proletariado _ fo-
ram convertidas em classes modernas. É através da razão que os cidadãos instau-
liberdade da maioria.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ram um contrato social: razão e contrato traduzem a presença da
O ideário escolanovista e a presença dos pioneiros tomaram liberdade. É o racionalismo burguês - que interpreta a razão co-
visível uma rede de práticas sociais e de instituições envolvida na mo 6rgão intemporal e incondicionado - que admite que na pre-
produção de novas tecnologias disciplinares. Evidenciam a insti- sença de atitudes irracionais, produzidas pelo turvamento das
tuição de um novo saber empenhado na decifração do caos da ci- consciências, cabe à educação eliminar os erros e desvios, as in-
dade e do anonimato da multidão. Paulatinamente, esse saber foi justiças e a opressão. Nesse momento, liberdade e razão reencon-
colonizado pelo Estado, resultando na sua institucionalização. tram-se.

Para a historiografia da educação, esse momento de inflexão Mas a historiografia que admite que em determinado mo-
do pensamento esclarecido significou a retomada do liberalismo mento a hegemonia liberal-escolanovista teve de ser, registrará,
integral e a tentativa de aplicar esses princípios no âmbito da pe- também, esse momento como expressão do insucesso polftico: o
dagogia e da sociedade. saber eclético e atualizado produzido pelos pioneiros mal conse-
guiu arranhar a nossa in6spita formação cultural e polftica. Ne-
Sob o rótulo ambíguo de "evolução das idéias pedag6gi- ga-se dessa maneira a dimensão práxica do escolanovismo. O li-
cas", o ideário da Escola Nova é tido como uma doutrina do beralismo escolanovista permaneceu, assim, acima das tensões e
não-constrangimento e, ao mesmo tempo, ruptura no interior do conflitos, aguardando condições favoráveis para sua efetivação
pensamento pedag6gico republicano, e inaugura acorrespondên- plena e apontando para a superação do liberalismo negativo.
cia entre cultura e educação, e a marcha inelutável do capitalismo
brasileiro, e a eliminação dos quadros opressivos ao livre desen- A manhã passou rapidamente e chegamos ao meio-dia, ins-
volvimento da personalidade humana. tante no qual as sombras retiram-se para os seus mistérios. Nesse
momento, conhecido como sombras breves, é possível, ainda,
Cómpatibilizando educação e democracia e propondo a lançar-se um último olhar sobre a cidade, antes que as derradeiras
construção de uma ordem aberta, a historiografia concluirá que a imagens se desfaçam. Vislumbra-se a sucessão geométrica de te-
hegemonia liberal-escolanovista na década de 20zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
teve de ser. lhados, as fisionomias que interrogam e as perspectivas que se
cruzam, formando a teia urbana. Mas, escutemos, há sinais de
Girando em torno da ética e da psicologia, a pedagogia es- festa.
colanovista procurou educar para uma abstração, uma idéia que
negava o solo hist6rico: uma utopia racional, fundada na coope- (...) os foguetes sobem e se apagam no solo. Na encosta íngreme há
ração das classes sociais, cujo ponto de equilíbrio e direção resi- milhares de pessoas apinhadas que seguem o espetáculo. E esta mul-
dia no Estado administrador. Assim, lendo-se a origem do libera- tidão encrespa sem cessar, num murmúrio semelhante ao soprar do
lismo escolanovista a partir das imagens produzidas pelos cons- vento por entre as dobras de uma capa. Escutemos mais atentamen-
trutores da hegemonia burguesa, chegou-se ao consenso de que te: o que ressoa é algo diferente da simplesespera de foguetes e ou-
essa corrente pedag6gica humanista e moderna representou um tros disparos luminosos. Não estaria essa surda multidão à espera de
inequívoco avanço no plano da educação e cultura. uma desgraça, suficientemente grande, para que, de sua tensão festi-
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