Compreensão do processo de constituição histórica da
educação superior no Brasil enfatizando São Paulo. O primeiro livro voltado exclusivamente a narrar a história da educação brasileira, L'Instruction publique au Brésil: histoire et legislation (1500-1889), de José Ricardo Pires de Almeida, composto como elogio ao Império e publicado já no fim do regime (em 1889), movia-se, da mesma forma, no âmbito das estatísticas e continha objetivo semelhante: afirmar a liderança brasileira em termos educacionais. Mas agora o alvo eram os países sulamericanos, em especial a Argentina. Dizia-se o autor constrangido ao "dever e quase missão de restabelecer a verdade": "O Brasil é, certamente, dentre todos os países da América do Sul, aquele que maiores provas deram de amor ao progresso e à perseverança na trilha da civilização". De acordo com depoimento de Tirsa Peres, até o fim dos anos 1950, era nos cursos de Sociologia, de Azevedo, que a história da educação brasileira se explorava especialmente no que concernia à atuação do próprio Azevedo como reformador da instrução pública do Distrito Federal e de São Paulo. Sua importância também se deveu à proeminência do autor no campo político da educação nacional. Nos anos seguintes à publicação de A cultura brasileira, Fernando de Azevedo assumiu a Secretaria de Educação de São Paulo, em 1947; dirigiu a Biblioteca Pedagógica Brasileira, da Cia. Editora Nacional, até 1946; foi diretor do Centro Regional de Pesquisas Educacionais de São Paulo, de 1956 a 1961; e redator do Manifesto de 1959 (Mais uma vez convocados). No âmbito da Universidade de São Paulo, outros trabalhos voltados especificamente para a área de história da educação surgiram inicialmente no Departamento de Pedagogia da FFCL (1938-1969), e posteriormente no Centro Regional de Pesquisas Educacionais (1956-1974) e na Faculdade de Educação (1969). Articulavam-se especialmente em torno da cátedra de História e Filosofia da Educação (FFLC-USP), regida por Laerte Ramos de Carvalho. Assistente desde 1948, Ramos de Carvalho assumiu-a como titular em 1952, quando defendeu a tese As reformas pombalinas da instrução pública, resultado de pesquisas realizadas em acervos portugueses (transformada em livro apenas em 1978). A partir dos 1960 a história da educação brasileira passou a ser incluída de forma mais significativa no programa geral da cátedra, talvez como fruto dos estudos do grupo. Talvez em razão do estímulo dado pelo parecer do Conselho Federal de Educação (CFE 251/62), que especificava que o currículo mínimo dos Cursos de Pedagogia deveria contar com a disciplina história da educação, "entendida como uma apreciação coerente dos fundamentos históricos que explicam a educação moderna, e, dentro desta orientação, conterá uma divisão especial dedicada à História da Educação Brasileira". Talvez ainda, em virtude da aposentadoria de Azevedo, em 1961. O surgimento dos programas de pós-graduação em Educação no fim dos anos 1960 e início dos anos 1970, como dito acima, alterou a configuração dos trabalhos na disciplina, menos por um afastamento dos primados da relação entre história e filosofia e mais, ao contrário, por uma ênfase nessa aproximação a partir de um referencial teórico-marxista, apoiado primeiramente em Althusser (fim dos anos 1960 e 1970) e depois em Gramsci (anos 1970 e 1980). Os primeiros programas instalaram-se nas universidades católicas, PUC-Rio (1965) e PUC-SP (1969), e aglutinaram uma geração de acadêmicos "diretamente vinculada à Igreja Católica ou gravita[ndo] na sua esfera de influência", constituindo-se no lugar de confluência entre o pensamento marxista e a nova pregação da Igreja, exposta nas Conferências do Conselho Episcopal Latino americano de Mendelin (1969) e Puebla (1979), e condensada na fórmula da "opção pelos pobres". Leituras complementares: WARDE, Mirian Jorge. "Anotações para uma Historiografia da Educação Brasileira". In Em Aberto, ano 3, n.º23, set./out. 1984. AZEVEDO, Fernando de. A cultura brasileira. Introdução ao estudo da cultura no Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 1958, 3a. edição.
Modelos que orientem a organização e o funcionamento
das Instituições de Ensino Superiores Brasileiras em relação com a formação da sociedade No contexto da cultura brasileira contemporânea, o ensino universitário tem sua importância proclamada tanto pela retórica oficial como pelo senso comum predominante no seio da sociedade. É-lhe atribuída significativa participação na formação dos profissionais dos diversos campos e na preparação dos quadros administrativos e das lideranças culturais e sociais do país, sendo visto como poderoso mecanismo de ascensão social, cabendo destacada valorização para o ensino oferecido pelas universidades públicas. Na atual conjuntura mundial, o cenário específico em que se encontra a sociedade brasileira é aquele desenhado por um intenso e extenso processo de globalização econômica e cultural, conduzido pela expansão da economia capitalista, que se apóia, política e ideologicamente, no paradigma neoliberal. Por isso, é tendência mundial, que vai impondo a todos os países a minimização do Estado, a total priorização da lógica do mercado na condução da vida social, o incentivo à privatização generalizada, a defesa do individualismo, do consumismo, da competitividade, da iniciativa privada. No início desta década, em 2001, é aprovado o Plano Nacional de Educação, que se destaca por sua abrangência. O artigo 214 da Constituição determina que a lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração plurianual, visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino, em seus diversos níveis, e à integração das ações do poder público que conduzam à: I – erradicação do analfabetismo; II – universalização do atendimento escolar; III – melhoria da qualidade do ensino; IV – formação para o trabalho; V – promoção humanística, científica e tecnológica do País. A mesma determinação é retomada no parágrafo 1º do art. 87, da nova LDB, em suas Disposições Transitórias: A União, no prazo de um ano a partir da publicação desta Lei, encaminhará ao Congresso Nacional, o Plano Nacional de Educação, com diretrizes e metas para os dez anos seguintes, em sintonia com a Declaração Mundial sobre Educação para Todos. Em 2007, o governo lança o PDE, Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE 2007), com uma série de medidas com as quais o governo espera melhorar o desempenho das instituições educacionais de todos os níveis. Enquanto as instituições universitárias privadas seguem, convictas, a lógica do mercado na oferta de seus serviços educacionais, as universidades públicas, assim como a educação pública em geral, se debate num confronto de múltiplas frentes. Enfrentam a necessidade de inovar para atender às justas necessidades surgidas no seio da sociedade por força de sua complexificação, modernização e desenvolvimento, ao mesmo tempo em que se veem constrangidas a resistir às induções e determinações que lhe são feitas pela política neoliberal imperante, o que, muitas vezes, leva seus defensores a ter de assumir uma posição vista como conservadora. De todas essas constatações, pode-se concluir que o ensino superior público atravessa um momento histórico- social cheio de desafios. De um lado, enfrenta a pressão do modelo societário capitalista neoliberal, através de seu mediador principal, o poder público nacional, pressionado, por sua vez, pelos agentes internacionais que se impõem em função do jogo geopolítico das forças econômicas próprio do neoliberalismo capitalista globalizado, que responde pela instauração planetária de uma nova ordem mundial (ou seria desordem?), particularmente na esfera da economia. Leituras complementares: OLIVEIRA, João F. de. Reforma da educação superior: mudanças na gestão e metamorfose das universidades públicas. In: PEREIRA, Filomena M. de A.; MULLER, M. Lúcia R. Educação na interface relação estado/sociedade. Cuiabá: EDUFMT/ Capes, 2006. v. 1, p. 11-21. SEVERINO, Antonio J. Fundamentos ético-político da educação no Brasil de hoje. In: LIMA, Júlio C.; NEVES, Lúcia M. W. Fundamentos da educação escolar no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Fiocruz/EPSJV, 2006. p. 289-320. Processo histórico-social de criação, expansão e diversificação da educação superior no Brasil e em São Paulo As primeiras escolas de ensino superior foram fundadas no Brasil em 1808 com a chegada da família real portuguesa ao país. Neste ano, foram criadas as escolas de Cirurgia e Anatomia em Salvador (hoje Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia), a de Anatomia e Cirurgia, no Rio de Janeiro (atual Faculdade de Medicina da UFRJ) e a Academia da Guarda Marinha, também no Rio. Dois anos após, foi fundada a Academia Real Militar (atual Escola Nacional de Engenharia da UFRJ). Com a independência política em 1822 não houve mudança no formato do sistema de ensino, nem sua ampliação ou diversificação. A elite detentora do poder não vislumbrava vantagens na criação de universidades. Até o final do século XIX existiam apenas 24 estabelecimentos de ensino superior no Brasil com cerca de 10.000 estudantes3. A partir daí, a iniciativa privada criou seus próprios estabelecimentos de ensino superior graças à possibilidade legal disciplinada pela Constituição da República (1891). Na década de 1920 o debate sobre a criação de universidades não se restringia mais a questões estritamente políticas (grau de controle estatal) como no passado, mas ao conceito de universidade e suas funções na sociedade. As funções definidas foram as de abrigar a ciência, os cientistas e promover a pesquisa. O período de 1931 a 1945 caracterizou-se por intensa disputa entre lideranças laicas e católicas pelo controle da educação. O período de 1945 a 1968 assistiu à luta do movimento estudantil e de jovens professores na defesa do ensino público, do modelo de universidade em oposição às escolas isoladas e na reinvidicação da eliminação do setor privado por absorção pública. O regime militar iniciado em 1964 desmantelou o movimento estudantil e manteve sob vigilância as universidades públicas, encaradas como focos de subversão, ocorrendo em consequência o expurgo de importantes lideranças do ensino superior e a expansão do setor privado, sobretudo a partir de 1970. Em finais da década de 1970 o setor privado já respondia por 62,3% das matrículas, e em 1994 por 69%. A partir de 1980 observou-se uma redução progressiva da demanda para o ensino superior em decorrência da retenção e evasão de alunos do 2º grau, inadequação das universidades às novas exigências do mercado e frustração das expectativas da clientela em potencial. Uma das principais transformações do ensino superior no século XX consistiu no fato de destinarem-se também ao atendimento à massa e não exclusivamente à elite. Num dos estudos da década de 1990, observou-se que no ensino superior, estudantes oriundos de famílias com renda de até 6 salários mínimos representavam aproximadamente 12% dos matriculados em instituições privadas e 11% em instituições públicas. Tanto no setor privado, quanto no público, a proporção de estudantes oriundos de famílias com renda acima de 10 salários mínimos ultrapassa os 60%, o que desmistifica a crença de que os menos favorecidos é que frequentam a instituição privada. Algumas decisões do Governo Federal procurando aumentar a oferta de vagas no ensino fundamental e os oferecimentos de bolsas-escola parecem medidas pontuais apropriadas, embora por si só insuficientes. As próprias restrições governamentais à reprovação no ensino fundamental (como a adotada no Estado de São Paulo), se bem compreendidas pelos professores dos respectivos níveis e percebidas como incremento de suas responsabilidades na recuperação dos alunos a que estão sujeitos, representam outra tentativa de programar a escolaridade da população e de ampliar o número de egressos dos cursos secundários. Leituras complementares: Teixeira A. O ensino superior no Brasil – análise e interpretação de sua evolução até 1969. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1969. Cunha, LA. A expansão do ensino superior: causas e consequências. Debate & Crítica 1975; 5: 27-58, São Paulo:Hucitec.