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HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL IMPERIAL – 1822 – 1889:

DIÁLOGOS
Maria Zélia Maia de Souza

Introdução
Martinez (1998) nos informa que a representação da educação do Brasil imperial,
cunhada pelos intelectuais da Escola Nova, principalmente nos anos de 1920, foi a de
um “tempo sombrio da educação nacional” e dessa forma “nulo do ponto de vista da
educação do povo”. Num esforço conjunto pesquisadores da história da educação
brasileira vem se debruçando sobre essa problemática visando lançar luzes no tempo
histórico do Brasil imperial.
Em relação à referida representação Schueler (1998) desenvolveu sua pesquisa
em diálogo com uma extensa bibliografia chamando a atenção de que as temáticas
referentes à instrução e à educação no Brasil imperial eram pouco enfrentadas pelos
historiadores e que a produção historiográfica disponível, em sua grande maioria
elaborada por pedagogos e cientistas sociais, privilegiava o período do pós-1930 e
analisava, principalmente, a partir da criação do Ministério da Educação e Saúde e das
políticas educacionais resultantes da ação dos “tempos de Capanema”, cuja reforma
sistematizou e unificou os programas de ensino em todo o território nacional em plena
vigência do Estado Novo.
Essa autora afirmava, à época, que as abordagens sobre a educação nos anos
anteriores a 1930, podiam ser sintetizadas, de uma maneira geral, pelo menos, em duas
tendências. A primeira, notadamente a mais antiga, constituía-se num esforço
monumental de organização e coleta de documentos, leis e decretos, onde os fatos
foram encadeados e as ações do governo imperial surgiram como blocos de iniciativas
individuais dos grandes homens públicos, como os Ministros e Conselheiros de Estado
que estiveram à frente das reformas de instrução. Essas análises, vinculadas a certa
concepção de história positivista, obtiveram sua expressão máxima no trabalho de
Primitivo Moacyr, publicado em 1939, o qual reuniu a legislação imperial nas obras:
Instrução e o Império e A Instrução e as Províncias, ambas abrangendo o período de
1835 a 1889.
A segunda tendência mais ampla, em termos quantitativos, foi construída a partir
das décadas de 1920 e 1930, pelos educadores atuantes no movimento de renovação
pedagógica, conhecidos como “escolanovistas”, cuja memória traz à cena os nomes de

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Anísio Teixeira (1900-1971) e Fernando de Azevedo (1894-1974). Buscando legitimar
suas próprias ações e concepções pedagógicas, os defensores da Escola Nova
proclamaram o seu pioneirismo na luta em prol da democratização da educação e
construíram uma história da educação dos períodos colonial e imperial, tendo como
pontos de partida a análise do presente e a projeção do futuro que almejavam.
Integrados a um projeto político mais amplo de repensar e reformular a história
nacional, os educadores diluíram a memória da educação nos períodos anteriores,
chamando a atenção para a relevância de suas propostas como ações consideráveis para
a (re)construção da nação (SCHUELER, 1998).
Mais recentemente exemplos de aprofundamentos nas análises tanto da educação
no período imperial, quanto para o período Republicano estão presentes na produção
acadêmica apresentada pela Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE) em
seus Congressos nacionais e internacionais. De acordo com seus organizadores os
congressos são “espaços por excelência de interlocução sobre os resultados de pesquisas
diversas, sejam realizadas exclusivamente em instituições no Brasil, sejam realizadas
em parcerias com instituições internacionais” (GONDRA, 2005). Emergiu então uma
produção diversificada, afirmando um leque de tendências que promovem um
detalhamento historiográfico da Educação brasileira, importante para o
desenvolvimento das pesquisas nesta área. Neste espaço de debates é possível ter acesso
a trabalhos de iniciação científica, monografias, dissertações e teses e à produção
acadêmica de um conjunto de especialistas, representando os Programas de Graduação e
Pós-Graduação das diferentes Universidades e Centros educacionais espalhados pelo
Brasil e por Portugal (GONDRA, 2005).
As contribuições advindas desse movimento, realizado cada vez mais pelos
historiadores da educação por intermédio das mais diferentes entradas, tem estabelecido
interlocução com a História (cultural, política, social) e produzindo reflexões sobre
variados enfoques, como por exemplo, políticas educacionais, reformas, história da
profissão docente, do processo de profissionalização, das representações acerca do
professor e seu ofício, da pedagogia, das instituições de formação, dos periódicos, dos
saberes escolares, entre outras possibilidades, indicado a consolidação e o
fortalecimento da pesquisa (GONDRA, 2005).
A relação entre História e História da Educação Brasileira, no período imperial,
é possível de ser observada no trabalho de Ilmar Rolholf de Mattos (2004). A educação
foi tratada por este historiador como componente inseparável de um projeto político

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mais amplo – o da construção do Estado – relacionado à direção e domínio de uma
classe que, para conquistar sua hegemonia constituiu lutas e embates, nos quais o
próprio campo educacional esteve inserido.
Partindo dessa reflexão inicial indaga-se “sobre o acúmulo das experiências do
passado no sentido de refletir as experiências do presente de maneira a ter condições de
apresentar soluções mais promissoras para a superação dos problemas atuais” (VEIGA,
2007, p.11). Nesse sentido, o objetivo deste trabalho é desenvolver uma reflexão que
contemple o período do Brasil imperial compreendido entre os anos de 1822 a 1889. O
período em análise é denso em propostas educacionais, portanto apresenta limites.
Tomando como referencial teórico parte da historiografia recente da História da
Educação do Brasil, no século XIX, essa reflexão contempla aspectos da legislação, das
instituições escolares, das Academias Superiores, das Associações filantrópicas e da
formação de professores. Nesse sentido, ao conjunto heterogêneo de experiências de
natureza educativa.

Projeto de organização do Estado Nacional: um conjunto heterogêneo de


experiências educativas
No Brasil império a construção da nação ocorreu pari passu com a necessidade de forjar
uma concepção de educação com o objetivo precípuo de colocar a nação dentre aquelas
consideradas como civilizadas. O exemplo era, principalmente, a França. Para alcançá-
lo o Estado, a Igreja e a Sociedade Civil empreenderam uma cruzada rumo às “luzes
civilizadoras” (MATTOS, 2004).
Para relembrar às leitoras e aos leitores, a ideia de Estado independente foi
formalizada em 1822 e consolidada com o reconhecimento de outros países. Em 1824
era outorgada a primeira Constituição e em seu artigo 179, inciso 32 previu-se que a
instrução primária era gratuita a “todos os cidadãos”. Excluídos da cidadania e da escola
primária, mantida pelo poder público, encontravam-se os escravos e os portadores de
doenças contagiosas. Já o inciso 33 prescreveu a abertura de Colégios e Universidades,
onde seriam ensinados os elementos de “Sciência, Bellas letras e Artes”.
Importante esclarecer que houve lutas e protestos em torno das definições da
cidadania imposta pela constituição de 1824, inclusive entre negros e mestiços, assim
como houve disputas pela delimitação do público alvo das escolas e pelo alargamento
dos direitos à educação escolar ao longo de todo o Oitocentos, abrangendo propostas
para educar e civilizar índios, libertos e rever a educação oferecida às mulheres. De

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acordo com a Constituição os critérios fundamentais para o exercício dos direitos de
cidadão, civis e políticos, passavam pela posse dos atributos mais caros do liberalismo
clássico: a liberdade e a propriedade. A distinção entre liberdade e escravidão indicava
uma das clivagens principais que caracterizavam a sociedade hierarquizada,
aristocrática e monárquica. Em nível local, o primeiro grau das eleições, os libertos
podiam votar, mas não podiam se candidatar aos altos cargos políticos do Estado. O
dilema entre a ideia liberal de igualdade, natural entre os homens e a manutenção da
escravidão, sob a égide de Constituições livres não foi específico ao Brasil, mas
desenrolou em toda Afro-América (GONDRA e SCHUELER, 2008).
É nesse contexto que passamos a refletir sobre o processo de escolarização na
sociedade brasileira oitocentista que pode ser observado por meio dos diversos
mecanismos articulados: Legislação escolar e política educacional; constituição de um
aparato técnico e burocrático de inspeção e controle dos serviços de instrução para
recrutar e empregar; produção de dados estatísticos para produzir representações sobre o
próprio Estado e a sua população, elementos fundamentais para a governabilidade
moderna (LOPES, FARIA FILHO & VEIGA, 2003).
Em algumas províncias do Império brasileiro a instrução elementar foi
regulamentada a partir do Ato Adicional de 1834 que redefiniu a competência em
matéria de educação, atendendo as demandas descentralizadoras resultantes dos
conflitos políticos ocorridos no conturbado período regencial, no qual algumas regiões
do norte e do sul do Império reagiram às propostas centralizadoras dirigidas pelos
interesses dos grupos políticos do centro-sul que buscavam impor sua hegemonia na
direção do Estado e na construção da nação. No entanto essa reforma avançou pouco em
relação à distribuição de recursos entre as diversas províncias, posto que os tributos
públicos permaneceram nas mãos do governo central O Ato Adicional tem sido
interpretado pela historiografia como um obstáculo ao desenvolvimento da educação
escolar no Brasil pela insuficiência de recursos destinados a instrução nos governos
provinciais e pelo desinteresse das elites políticas provinciais. Daí o predomínio de
formas heterogêneas de educação e o acesso a instrução via de regra no âmbito
doméstico (GONDRA & SCHUELER, 2008).
Considerada pelos principais grupos como instrumento fundamental para a
constituição da unidade do Império, a instrução primária viabilizaria a formação do
povo brasileiro a aquisição de certas noções, certas práticas e sentimentos que deveriam
ser gerais assim para as primeiras como para as demais classes superiores da sociedade.

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“É essa instrução comum, essa identidade de hábitos intelectuais e morais que
constituem a unidade do povo brasileiro” (MATTOS, 1990, apud GONDRA &
SCHUELER, 2008). O projeto de escolarização foi imposto no sertão com resistências,
contou com respostas sociais variadas, nem sempre de acordo com as propostas
formuladas nas leis e nos regulamentos, o que demonstra os limites e os contornos
possíveis de um projeto que se pretendia nacional em meio às diversidades regionais e
ao heterogêneo, multifacetado e silenciado universo cultural.
Para Faria Filho (2003) foi intenso o desenvolvimento de textos legais visando
regular a instrução nas províncias e foi notável o desenvolvimento dos serviços de
instrução, de rede de escolas muito diversas (públicas, particulares, domésticas)
conforme a realidade de cada província, embora a historiografia demonstre que a
aplicação de recursos esteve muito aquém das necessidades. A título de exemplo, só na
Corte Imperial aconteceram duas reformas educacionais importantes: a reforma do
Ensino Primário e Secundário do município da Corte imperial – decreto de n.º 1331 A,
de 1854 – elaborada pelo Ministro do Império Luiz Pedreira do Couto Ferraz (1818-
1886), em 1854. A década de 1870 marca a influência do positivismo na sociedade
brasileira. “Essa influência, marcada pelo cientificismo europeu, alarga a
conscientização da importância da educação no sentido de uma nação civilizada”
(TAMBARA, 2005, p. 17). Essa ambiência favoreceu a elaboração e implementação de
mais uma reforma educacional. O Decreto nº 7.247 de 19 de abril de 1879, conhecido
como Reforma Leôncio de Carvalho. Por esse decreto reformou-se o ensino primário e
secundário no município da Corte e o superior.
O processo de escolarização também não se resumiu à ação do Estado, à medida
em que houve a participação das famílias, e parcelas da população, seja por meio de
criação de escolas, ou apoio aos professores particulares, seja pela demanda
encaminhada aos poderes públicos contendo queixas e reclamações das condições
materiais das escolas ou sobre os professores e seu trabalho docente. (VEIGA, 2007).
Cabe ainda ressaltar que no império brasileiro houve diferentes instituições
integrando o projeto educativo pensado para a população em geral. Dentre elas
destaques para a participação da Igreja com suas escolas formadoras dos dirigentes do
país como um fato importante para difundir os projetos de educação e de nação. Como
parte da estratégia de pacificação do Império a ação das autoridades constituídas foi em
direção a estabelecer uma articulação generosa e continuada com a Igreja: pagamento de
ordenados de religiosos, sua contratação, construção de templos, imposição do ensino

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religioso nas escolas (LOPES, FARIA FILHO & VEIGA, 2003). Como alerta Ângela
de Castro Gomes (1996) o tema ainda carece de problematização, se considerarmos as
diversidades regionais e a multiplicidade de formas, iniciativas e experiências,
localizadas nas províncias, cidades e vilas imperiais.

Participação da Sociedade Civil: associações filantrópicas


Já a participação da Sociedade Civil ocorreu por meio de associações filantrópicas que
tiveram finalidades declaradas a instrução, dirigindo-se ora à população em geral, ora a
grupos sociais específicos como a infância pobre e desvalida e/ou os adultos
trabalhadores. Com destaque para iniciativas que tiveram lugar na Corte imperial.
Dentre aquelas que cumpriram simultaneamente funções pedagógicas destaca-se a
Sociedade Amante da Instrução e a Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional. A
configuração desses lugares de sociabilidade como espaços públicos faz com que essas
forças educativas sejam compreendidas a partir de complexas trocas entre interesses
privados e a esfera pública. Muitas associações não se restringiram a fins específicos,
como foi o caso das associações profissionais e corporativas. Outras, no entanto,
cumpriram simultaneamente funções religiosas, pedagógicas, assistenciais,
filantrópicas, beneficientes, culturais ou científicas, como foi o caso da Sociedade
Amante da Instrução e a Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional.
Uma das agremiações, a Associação Municipal Protetora da Infância Desvalida,
criada em 1871, sob a iniciativa da Câmara Municipal do RJ, foi uma das mais
importantes no período. Coadjuvando os poderes públicos locais, a associação foi
responsável, segundo Martinez (1998):

pela construção e manutenção dos 1º prédios escolares os “palácios


escolares”, destinados às escolas primárias administradas pela
municipalidade da Corte – Escolas de São José, na freguesia de São
José e a Escola de São Sebastião, na Praça Onze, com capacidade de
abrigar 600 crianças cada uma. Visava também garantir a frequência
da infância desvalida por meio da doação de material escolar, calçado,
vestuário e prestação de serviços médicos contando com o apoio de
seus associados e do governo imperial (MARTINEZ, 1998, p.30).

Outra associação voltada para a criança pobre foi a Associação Protetora da


Infância Desamparada fundada no Rio de Janeiro em 1883. Tinha como finalidade
acolher crianças encontradas nas ruas das grandes cidades, recolhendo-as em Asilos
Agrícolas no interior das províncias.

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Portanto, a ideia de civilizar e disciplinar a população estava diretamente
relacionada com a redefinição de percepções sociais a respeito da caridade, da pobreza,
e da mendicância. A partir dos meados do século XIX, a filantropia moderna
questionava as práticas caritativas, demonstrando a necessidade de intervir nos hábitos e
comportamentos das classes populares – não poucas vezes associadas às classes
“perigosas” – o que trouxe mudanças nas perspectivas assistencialistas tradicionais.
Nesse contexto difundiu-se a ideia de que a educação das classes populares seria um
poderoso instrumento de “regeneração social” (GONDRA e SCHUELER, 2008).

Um conjunto heterogêneo de experiências educativas


Nesse momento há de se destacar a importância das escolas elementares como uma das
formas escolares que concorreram para o projeto de organização do Estado Nacional.
Nessa modalidade de ensino a historiografia da educação aponta que não houve rupturas
significativas em relação às reformas pombalinas, permanecendo as aulas régias entre
1759-1822 quando passam a denominar aulas públicas. Somente na segunda década do
século XIX que se intensificaram as discussões e os projetos e as medidas legais
direcionados à ampliação da instrução pública, juntamente com o processo de
construção do estado independente e do amadurecimento da ideia de formação de um
novo Império – o Império do Brasil (GONDRA e SCHUELER, 2008)
De acordo com Gondra e Schueler (2008), para o conjunto de cidadãos e súditos
do Império, a instrução elementar era considerada um dos mecanismos fundamentais
para a constituição de laços e identidades entre habitantes do Império e o “novo
governo”, ou seja, “a formação do povo brasileiro”. A título de exemplo, uma das
primeiras medidas do governo de D. João foi o incentivo à abertura de aulas e escolas
pelos particulares, a fim de promover a formação do povo, construção da nacionalidade
e dos espaços públicos.
Nesse cenário considera-se também os internatos e asilos voltados para
receberem uma parcela da população constituída por crianças órfãs e pobres,
potencialmente, “um adulto perigoso” à ordem vigente caso não fosse devidamente
educado. Para essa população a concepção de educação era aquela em que essa clientela
aprendia as primeiras letras associadas à aprendizagem de um oficio manual. Nesse
sentido, escola diferenciada para um público também diferenciado. Essa forma de
proteção da criança desvalida parece ter sido uma fórmula amplamente difundida no

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Ocidente, marcando experiências no velho e no novo continente, nas metrópoles e nas
jovens nações (GONDRA & SCHUELER, 2008).
Até hoje essa é uma fórmula usada para lidar com a inclusão regulada de
crianças e jovens pobres na sociedade: evitam-se os perigos representados pela
população posta à margem cabendo ao mundo do trabalho dar sequência ao controle
iniciado na casa e na escola. Dessa forma ao combinar rudimentos de instrução com
aprendizagem profissional, controlavam o mundo da desordem e ao mesmo tempo
ofereciam uma mão de obra minimamente qualificada, farta e barata. Educados nesses
termos estariam sendo “úteis a si e a sua pátria” (SOUZA, 2008). Cabe ressaltar a
diferença entre os internatos para a infância pobre e os que eram dedicados aos jovens
da “boa sociedade”. Curiosamente essa fórmula também foi adotada para bem educar a
infância rica, como o caso do Imperial Colégio de Pedro II.
Fazer referência ao Colégio Pedro II nos remete para o ensino secundário no
tempo em análise. A historiografia representa o Colégio de Pedro II como uma
instituição modelar do ensino secundário no Brasil. Os estudos de Haidar (1976)
problematiza essa construção, buscando na própria história do Colégio os
acontecimentos que edificaram essa memória. Na ocasião em que se comemorou os 100
anos do Colégio, 1937, no Estado Novo, precisava-se fabricar símbolos para unificar a
Nação. Daí o Pedro II como grande modelo de ensino secundário a ser seguido no
quadro da conjuntura do Estado Novo. O Imperial Colégio de Pedro II integrava um
projeto civilizatório mais amplo: o de preparar os quadros da elite nacional. Desse
modo, sob a forma de um internato masculino, a instituição deveria ser capaz de formar
homens para postos da alta administração pública. A maioria dos alunos pertencia a elite
política e econômica apesar de haver previsão para estudantes pobres. A gratuidade se
constituía m exceção e, além disso, só era assegurada aos que fossem bem sucedidos.
Mais um indício de que um ensino secundário e gratuito consistia em mercadoria
escassa no século XIX.
Alternativa para o ensino secundário das meninas: contratação de preceptoras,
envio a malha de escolas privadas e a clausura dos conventos. A manutenção do caráter
propedêutico desse nível de ensino, a despeito das políticas voltadas para lhe impor uma
terminalidade, como, por exemplo, com o ensino profissional obrigatório ou a não
equivalência entre o secundário profissionalizante e aquele considerado de formação
geral (GONDRA & SCHUELER, 2008).

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Outros espaços educativos foram as faculdades a academias superiores. Nesse
sentido, o discurso científico, reivindicando para si o estatuto do saber especializado ou
de verdade a conduzir os destinos da sociedade e dos indivíduos, também se fez
presente na invenção do Brasil e dos brasileiros. A formação superior no Brasil império
articulou iniciativas em vários domínios que possuem pelo menos um ponto em comum:
organizar um discurso especializado em campos específicos, como condição de forjar
também uma independência científica e cultural em relação às metrópoles, ainda que
observem os vínculos que as instituições mantinham com suas congêneres de além mar.
Instalaram-se a Academia Real de Marinha, a Academia Real Militar, a Escola Real de
Ciências, o Liceu de Artes e Ofícios.
No campo cultural a Biblioteca Pública, o Real Jardim Botânico, a Missão
Artística francesa, os cursos Médico-Cirúrgicos do Rio de Janeiro e da Bahia e o Museu
Real. A vinda das missões estrangeiras de estudo e pesquisa e a implantação da
Imprensa Régia intensificaram a circulação de livros e ideias, ao mesmo tempo em que
aumentou o interesse pela importação de livros para as bibliotecas particulares ou para o
comércio. Privilegiou-se a formação das elites políticas e intelectuais bem como de
cirurgiões e médicos, de militares para a defesa do território e de quadros burocráticos
para a administração e o serviço do Estado, como engenheiros e técnicos.

Formação de professores
No que nos interessa mais de perto, ou seja, a formação de professores recorremos aos
estudos de Gondra e Schuler (2008), Nóvoa (1991) e Villela (2000).
Nóvoa (1991) inicia sua reflexão, à respeito do processo de formação do
professor, com as seguintes indagações: O professor deve ser leigo ou religioso? Como
deve ser pago? Qual o segredo para ser bem sucedido na profissão?
Para esse autor a gênese da profissão docente se deu nas ordens religiosas. Inicialmente
não especializada e posteriormente se transformaram em “verdadeiras congregações
docentes”.
No processo de secularização dessa carreira profissional aconteceu a intervenção
do Estado e dessa forma criou condições favoráveis para funcionarização da atividade
docente. O suporte legal para o exercício profissional ocorreu no século XVIII quando
ase instituiu a licença para ensinar (século XVIII), ou seja, foi o “aval” do Estado para
os docentes. Nesse sentido o estabelecimento de um suporte legal para o exercício da
atividade docente ou ainda a legitimação oficial dessa atividade. O que justificou essa

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ação legal? Para Gondra & Schueler (2008, p. 172) essa norma visou a uniformização
do trabalho docente, ao mesmo tempo em que se pretendia transformar a forma escolar
em modo privilegiado e obrigatório de educação, controlado e fiscalizado pelo Estado.
No caso brasileiro quem poderia ensinar?
Segundo Heloisa Villela (2000), a transição do modelo “artesanal” convive com
o profissional e que uma mudança de postura só ocorreu na segunda metade do século
XIX, quando a educação do povo passou a ser uma questão eleitoral, moral e de
preparação de mão-de-obra capaz de substituir o elemento servil. Por aqueles tempos já
era possível perceber o enfraquecimento do poder conservador, o avanço do movimento
abolicionista, a assimilação de novas técnicas de produção e a busca por imigrantes.
Houve também maior participação da mulher na esfera pública. Tecnologias que para os
olhos das mulheres do século XXI fazem mais parte de seu cotidiano, como a invenção
do fósforo, a água encanada e os novos utensílios domésticos, contribuíram para libertar
mulher do mundo da casa. Vale lembrar que ser professora era uma profissão
socialmente aceita e a mulher agregava a vantagem de ser remunerada. Todo este
movimento tinha uma interseção direta com as questões educacionais.
Saber se portar, saber o que ensinar e saber como ensinar constituía o tríplice
desafio que a formação institucional teria que enfrentar. Estava afastada a formação
improvisada: além de ler, escrever, contar e rezar aos professores tão necessários quanto
instruir e educar era formar o cidadão produtivo ao país. Para os “antigos e novos
liberais” a instrução era necessária. Para os primeiros a instrução era associada a
“civilização” do povo, para os últimos a associação era com o “progresso” –
produtividade, utilidade, trabalho e desenvolvimento, assegura Villela (2000).
Quem seria matriculado nas Escolas Normais que foram abertas nas várias
províncias brasileiras?
Quanto às Escolas Normais a primeira foi de Niterói inaugurada em 1835 e a
da Corte imperial apenas no ano de 1881, 46 anos depois. A Escola Normal de Niterói
passou por sucessivas aberturas e fechamentos. Aquela instituição escolar, assim como
suas congêneres, funcionou de forma precária, pois ficou ao sabor das disputas políticas
entre facções das classes dominantes. Quanto ao candidato à matrícula nas Escolas
Normais exigia-se que o cidadão tivesse mais de 18 anos, fosse brasileiro, soubesse ler e
escrever e com boa morigeração. Quem era o cidadão? O sujeito livre proprietário de
terras e de gentes. Aos escravos era interditada a sua entrada nas escolas e as mulheres

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um currículo diferenciado. Reforçando o papel que as mesmas tinham na sociedade dos
Oitocentos.
Heloisa Villela (2000) trabalha com hipóteses explicativas a respeito do
retrocesso das Escolas Normais até quase o final do século XIX. Para essa autora tal
condição teria sido pelo fato da permanência entre o modelo “artesanal” de formação de
professores e aquele posto em prática nas Escolas Normais. Este concorria com a
concepção que defendia a institucionalização, uma vez que, de fato, numa escola
especializada, ou fora dela, os professores recebiam algum tipo de formação e o modelo
institucional nunca foi o único existente.
Tal realidade foi reforçada com a já mencionada Reforma Couto Ferraz. Esta
reforma incentivou a provisão das cadeiras do magistério na figura do professor
Adjunto1. Da mesma forma eram providas por nomeações ou concursos sem a obrigação
de cursar a Escola Normal. Reforçavam, portanto, que apenas a preparação teórica era
suficiente para a seleção de bons mestres. Outro fator foram as relações clientelísticas,
ou seja, o emprego público era o um dos principais elementos na configuração de trocas
materiais e simbólicas e uma cadeira na escola pública não escapava desse jogo de
interesses.
Dessa forma, Garcia (2006) concluiu que a formação docente teve como marca
a instabilidade que caracterizou a existência das Escolas Normais e que pode ser
interpretada como um redirecionamento de prioridades que variaram de acordo com as
necessidades materiais e as representações de cada época.
Dessa forma, a reafirmação do modelo escolar de formação docente nas décadas
finais dos oitocentos não representou vitória das escolas normais em face das práticas
artesanais de formação do ofício, nem o fim da admissão de professores leigos e sem
formação específica para o exercício do magistério. Práticas e modelos de formação que
podem ser observadas até hoje em várias regiões do Brasil, e também em outros países
(GONDRA & SCHUELER, 2008).
Por fim, segundo Gondra & Schueler (2008), em termos de educação e instrução
no brasil imperial, houve intensas disputas de concepções, ações, formas de educar e a
quem educar. Essa rede de disputas apontava para a complexidade e diversidade
existentes em torno de um projeto comum: a formação do povo e a civilização do país.

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Para auxiliar os professores no exercício de suas funções foi criada pelo decreto de n.º 1331 A de 1854
uma classe especial de professores denominados Adjuntos (GARCIA, 2006.)

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