*Discente de Ciências Sociais na Universidade de Brasília. Matrícula: 190045809. E- mail: francisco.octavio@aluno.unb.br
O filme “También la lluvia” (2010) foi um soco no estômago por demonstrar
como a dominação ocidental continuou – e continua - operando por séculos depois do fim da colonização. Isso foi feito com a vinculação do modus operandi do neoliberalismo com o dos primeiros colonos. O filme acompanhou a história de uma equipe de cinema que estava na Bolívia para gravar um filme sobre a chegada de Colombo nas Américas, com foco na história de Las Casas. Os nativos do século XV foram encenados pelos moradores da cidade em que as gravações ocorreram. O contexto das gravações era a “Guerra da Água”, um conflito que ocorreu nos anos 2000 em decorrência da tentativa de privatização do abastecimento de água. Buscando compreender um pouco mais sobre a ligação entre colonização e neoliberalismo recorreu-se a Theotonio dos Santos (s/d). O ponto de encontro entre colonialismo e neoliberalismo no filme foi a exploração. Essa ideia foi muito bem representada usando os povos quíchua para encenar os nativos do XV. Houve uma serie de acontecimentos similares nos desdobramentos, mas distantes temporalmente. De início, a própria forma com que a equipe de filmagem se relacionou com os bolivianos deixou a exploração em nome do lucro evidente. A cena mais marcante disso, logo nos primeiros minutos de filme foi quando os bolivianos levantam uma cruz com mais de 7 metros correndo riscos sérios de vida. Risco esse que é reconhecido pelo diretor Sebastián, mas que é justificado por Costa com o argumento de que era uma economia de “trinta e cinco mil”. Essa situação é indiretamente um reflexo das medidas neoliberais que, como afirma Santos (s/d), puxam os salários para baixo. Mais adiante esse reflexo indireto se torna bem direto numa conversa de Costa ao telefone, em que ele fala sobre a felicidade dos bolivianos em receber apenas dois dólares por dia e como isso é benéfico para a produtora. A questão dos salários baixos foi retomada em outra cena que resume a cosmologia neoliberal: durante a ocupação da praça pelos cidadãos indignados com a privatização da água, a equipe de filmagem travou um curto debate com um político boliviano sobre a razão – ou ausência dela – na invasão na praça. De um lado os membros da equipe afirmam que as pessoas estavam certas em resistir ao aumento da tarifa, pois recebiam apenas dois dólares por dia. A resposta do político foi em defesa da globalização, afirmando que o “vitimismo” daquelas pessoas impedia a modernização, que se o governo cedesse apenas 1 centímetro, os indígenas provavelmente os levariam “de volta à idade da pedra” e que o salário de dois dólares era o mesmo salário pago pela produtora. Observemos ponto a ponto da resposta do político tendo por prisma o texto de Santos (s/d). Primeiramente, a ideia de “retornar à idade da pedra” retoma uma dualidade antiga entre civilização e barbárie, onde a elite letrada – aqui representada pelo político – justificou um suposto atraso em relação a “evolução rápida” do mundo de prevalência de valores culturais ocidentais pela presença cultural, social e étnica majoritariamente não-europeia. Isso é reforçado pela afirmação de “vitimismo”, que escancara a dicotomia entre o moderno e o arcaico, entre o urbano e o rural, entre o progresso e o atraso que imperou desde a colonização, obscurecendo o protagonismo das etnias não-europeias. Se atentarmos para alguns minutos antes desse debate entre a equipe e o produtor, ouviremos um agradecimento pela produção de um filme sobre Las Casas e não sobre os nativos americanos que passaram pelo processo de subjugação. Essa é uma armadilha comum na qual muitos de nós caímos ainda hoje: contar uma história sobre um suposto defensor de boas práticas, a frente de seu tempo e não dos oprimidos. Outro ponto interessante da fala do político foi o de “não recuar 1 centímetro”, relembrando a “Teoria do Choque” empregada no processo de implantação neoliberal que tinha por método a imposição de um "ajuste estrutural" aos países dependentes, que assistiam a uma elevação da taxa de juro internacional, sugando os excedentes econômicos do país atingido, e resultando em estagnação e retrocesso econômico-social. O que retoma a questão inicial dos dois dólares, pois um dos efeitos diretos desse ajuste é a rebaixa brutal dos níveis salariais e da participação dos salários nas rendas nacionais, abrindo precedentes para a marginalização social, a pobreza e a indigência (SANTOS, s/d). Saindo do debate econômico, gostaria de encerrar comentando sobre as cenas em que os bolivianos, com uma caracterização que se constituiu estereótipo de indígena ao longo do tempo resistem a empreitada policial contra Daniel, uma liderança tanto no enredo do filme, quanto na luta contra a privatização, sendo ele um sobrevivente, o real “homem contra o império” do qual Costa falou para animar Sebastian a sair da cama. Além disso, me chama atenção o uso dos cachorros nas filmagens, o que é fiel aos relatos históricos, e posteriormente o uso dos mesmos animais pela força policial na contenção de manifestantes. Os anos passam, mas as armas – físicas e subjetivas – continuam as mesmas.
Referência bibliográfica SANTOS, Teotônio. O desenvolvimento latino-americano: passado, presente e futuro. Uma homenagem a André Gunder Frank. s/d.
O Mercado Imobiliário em Londrina, Marília e São José Do Rio Preto: Análise Comparativa Do Processo de Estruturação Intra - Urbano. Marlon Altavini de Abreu
Ocupacoes e Acampamentos: Estudo Comparado Sobre A Sociogênese Das Mobilizações Por Reforma Agrária No Brasil (Rio Grande Do Sul, Rio de Janeiro e Pernambuco) 1960-2000
VITULLO, Gabriel. “Representação política e democracia representativa são expressões inseparáveis? Elementos para uma teoria democrática pós-representativa e pós-liberal”. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 2, 2009.