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Esta conotação, entretanto, não é exclusividade desse período. Como diz Saviani, “No Brasil
das primeiras décadas do século XX, em especial nos anos de 1920, agitava-se a expansão das escolas
primárias tendo em vista livrar o país da chaga do analfabetismo, considerado vergonha nacional”
(2008, p. 310). A proposta condizia com a filosofia nacionalista insurgente, fortemente promotora do
“civismo e do patriotismo, o que configurava o nacionalismo como uma ideologia de direita” (2008, p.
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311). Neste sentido, pode-se dizer que essa expansão – como era de se esperar – teve por principal
insentivador o Estado, personificado na figura dos governos que o geriam e na referida ideologia que
conclamava, naquela época, a população brasileira a abraçar, de diversas maneiras – inclusive pela
educação – o projeto político das elites.
No campo da educação, apesar dos avanços que representou para aquele momento, a
perspectiva educacional que mais difundiu este projeto foi a Escola Nova. Entre seus representantes,
Anísio Teixeira destacou-se como intelectual responsável não só por uma gama de programas
governamentais (ocupou diversos cargos de chefia, dentre os quais diretor da Instrução Pública do
Distrito Federal), mas também pela produção de várias obras que serviram de subsídio a educadores
empenhados na expansão do ensino primário.
Outro intelectual fortemente identificado com este movimento foi Lauro de Oliveira Lima.
Esteve ligado a Anísio Teixeira, quem prefaciou um dos seus livros, A escola secundária, publicado
em 1962. Oliveira Lima foi responsável por difundir a aplicação da psicologia piagetiana em
Educação no Brasil, subsidiado pela leitura de Didactique psychologique, de Hans Aebli, prefaciada
pelo próprio Piaget. A concluir pelos comentários de Saviani (2008), Oliveira Lima teria abordado em
sua obra os seguintes pontos:
O diretivismo educacional, dentre esses autores, está implícito na questão moral previamente
assinalada de aquisição de uma consciência nacional adequada ao novo Brasil que constituia-se com o
avanço da industrialização, mas tampoco deixa de expressar uma posição política em favor das
medidas propaladas dos estragentos dirigentes da nação. Saviani afirma que em Política,
industrialismo e educação, Anísio Teixeira, concordando com autores norteamericanos, entende “que
o processo de industrialização, tal como ocorreu em diferentes países, foi sempre conduzido por
determinadas elites” (2008, p. 314), apontando a classe média e os intelectuais revolucionários do país
como, dentre as elites, os setores que “consideram a educação essencial ao desenvolvimento
econômico” e que “fazem da educação um método de ascensão social” (TEIXEIRA apud 2008, p.
315). Por esta razão, mais adiante, Saviani diz: “Anísio Teixeira parece entender que a industrialização
em nosso país é uma realidade que avança a despeito da educação. Esta só poderá avançar quando as
forças da classe média democrática vierem a exercer maior influência” (2008, p. 315).
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Corroborando de certa maneira com essa posição, para Luiz Carlos Barreira, Anísio Teixeira
“teria faltado à nação, no momento devido, a consciência de que ela se fazia moderna” (2001, p. 120).
Saviani, que destaca esta citação no seu trabalho, acrescenta que “Aflora, pois, também em Anísio
Teixeira, o tema da consciência aprofundado por Álvaro Vieira Pinto e retomado por Paulo Freire”
(2008, p. 315). O tema da consciência, discussão ávida dos membros do Instituto Superior de Estudos
Brasileiros (Iseb), dentre os quais configurava Álvaro Vieira Pinto, compartilha, a nosso ver, do intuito
de focar questões psicológicas da aprendizagem – o que também pretendiam Lauro de Oliveira Lima e
Anísio Teixeira – como meio de viabilizar uma transformação da sociedade brasileira, entendo a
educação como campo privilegiado para a conscientização do povo para construção do novo homem
brasileiro. O que divergia as reflexões de Álvaro Vieira Pinto e, como veremos mais adiante,
particularmente as de Paulo Freire das concepções de Anísio Teixeira, Lauro de Oliveira Lima e de
outros signitários do Manifesto dos Pioneiros pela Educação Nova, era a direção política que
adotavam em favor da construção da nova consciência nacional e da sociedade brasileira pelas massas
populares e não pelas elites.
Saviani também reporta essa diferença nos dois autores, reconhecendo que, embora
compartilhassem de preceitos da Escola Nova e tivessem iniciado seus trabalhos educacionais em
meio ao ânimo que este movimento conferiu à Educação no Brasil, não repetiram acriticamente os
preceitos desse movimento, em particular no tocando à tutela governamental. Sobre Álvaro Vieira
Pinto, ele diz que, durante o governo de Juscelino Kubitschek, quando o instituto, saindo do seu
período mais eclético, abraçava uma visão do nacionalismo-desenvolvimentista que
“(...) Paulo Freire era, tanto quanto foi Anísio Teixeira e, mesmo, por certa
influência deste, um seguidor do ideário do escolanovismo, um leitor de John
Dewey. Mas a maneira que Paulo Freire trabalhou com essas idéias foi
extremamente original e, assim, aqui no Brasil se criou um pensamento pedagógico
novo que, com Paulo Freire no exílio, se espalhou como uma pedagogia para os
movimentos populares do Terceiro Milênio” (2009, p. 93).
Como podemos ver, o termo já vinha sendo utilizado para denotar as experiências
educacionais desenvolvidas pelos governos da época. Na verdade, as iniciativas que abraçaram a
bandeira da expansão da educação pública e, particularmente, da alfabetização, mesmo aquelas em
atividade durante as décadas de 1950 e 1960, não se restringem aos programas de governo. Desde o
princípio, as campanhas de ampliação do acesso da educação surgidas a partir da década de 1920,
reuniam associações civis ligadas à Igreja, a partidos ou outras agremiações política, a ligas de classe,
ora mais vinculadas ao Estado e seus governos, ora mais independentes.
Apesar das primeiras iniciativas de educação popular no Brasil datarem das primeiras décadas
do século XX, as que confluem com o período em que Paulo Freire trabalhou nessa área têm seu ápice
(e posterior encerramento) nos primeiro anos da década de 1960, anteriores ao golpe militar de 1964.
Distintas daquelas porpagadas nas décadas anteriores, segundo Saviani:
“A mobilização que toma volto na primeira metade dos anos de 1960 assuma outra
significação. Em seu centro emerge a preocupação com a participação política das
massas a partir da tomada de consciência da realidade brasileira. E a educação passa
a ser vista como instrumento da conscientização. A expressão ‘educação popular’
assume, então, o sentido de uma educação do povo, pelo povo e para o povo,
pretendendo-se superar o sentido anterior, criticado como sendo uma educação das
elites, dos grupos dirigentes e dominantes, para o povo, visando a controlá-lo,
manipulá-lo, ajustá-lo à ordem existente” (2008, p. 317).
Este contato, porém, não foi isento de dificuldades. Freire conta, em intrevista
conferida a Walter José Evangelista e relatada por Celso Beisiegel em Política e educação popular,
um pouco das dificuldades que encontrou com respeito à disparidades culturais entre ele e os pais
quando ia explicar-lhes os objetivos do seu trabalho:
Gadotti (1991), em Convite à leitura de Paulo Freire, afirma que “O estudo da linguagem do
povo foi, então, o ponto de partida para o aperfeiçoamento de seus trabalhos em educação popular e
para a evolução de sua pedagogia” (1991, p. 25). Este aperfeiçoamento culminou em Educação e
atualidade brasileira, obra escrita em 1959 que sintetiza as reflexões pedagógicas de Freire durante o
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período em que esteve no SESI. Nela Freire se contrapõe às heranças educacionais da sociedade
brasileira, cerne de sua “inexperiência democrática (...) matiz desta educação desvinculada da vida,
autoriariamente verba e falsamente humanista” (FREIRE, 2001, p. 12). O autor aposta na
“descentralização educativa”, capaz de dar autonomia a educador e educando para criar,
democraticamente, um ambiente pedagógico distinto:
“‘O espírito de análise crítica’, ‘a paixão pela pesquisa’, o debate, o diálogo, de que
tanto carecemos na nossa formação histórico-cultural, nos teriam dado, não há
dúvida nenhuma, postura diferente. Um dos grandes problemas de nossa educação
atual, cada vez mais devendo endereçar-se no sentido da nossa democratização, é,
por isso, o de superar esta quase exclusiva centralização na palavra, no verbo, nos
programas, no discurso” (FREIRE, 2001, p. 13-14).
Convidado pelo então ministro da Educação Paulo de Tarso Santos para reestrutura,
através do Programa Nacional de Alfabetização, a educação de adultos em todo o país, o programa
espalhou o novo método e teoria pedagógica, aumentando o acesso à cultura letrada e formando um
contingente de educadores cuja pretensão era de alcançar as mais diversas localidades, não limitando-
se ao âmbito urbano. Como aponta Gadotti: “Em 1964, estava prevista a instalação de 20 mil círculos
de cultura [nome dado às turmas do programa] para 2 milhões de analfabetos. O golpe militar, no
entanto, interrompeu os trabalhos bem no início e reprimiu toda a mobilização já conquistada” (1991,
p. 32).
Precisando exilar-se para dar continuidade ao seu trabalho, encontrou no Chile campo
para desenvolver suas atividades, primeiramente como acessor do economista e então coordenador do
Instituto de Desarollo Agropecuario (INDAP), Jacques Chonchol (2006, p. 36), e depois como
assessor do Instituto de Capacitación de Investigación en Reforma Agraria (ICIRA), programa misto
entre a Unesco e o governo chileno de Eduardo Frei (2006, p. 41).
No Chile, Freire conclui, em 1967, Educação como prática de liberdade, obra no qual
reapresenta os preceitos de sua pedagogia, ampliando um pouco as reflexões contidas em Educação e
atualidade brasileira e sistematizando o seu método e as experiências de sua implementação no
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Brasil. O livro é de suma importância para se compreender a relação entre a metodologia pedagógica
criou e a filosofia da educação que defende, fortemente galgada na prática como experiência de
geração de conhecimento, e para se entender como o autor analisa os desdobramentos dos movimentos
de educação popular no período prévio do golpe militar no país.
“A violência dos opressores (...) leva os oprimidos, cedo ou tarde, à lutar contra
quem os fez menos. E esta luta só tem sentido quando os oprimidos, ao buscar
recuperar sua humanidade, que é uma forma de criá-la, não se sentem
idealisticamente opressores, nem se tornam opressores dos opressores, mas
restauradores da humanidade em ambos. E aí está a grande tarefa humanista e
histórica dos oprimidos – libertar-se a si e aos opressores” (FREIRE, 1983, p. 30-
31).
No decorrer do livro, Frere transporta esta reflexão sobre a opressão até o contexto
educacional propriamente dito, defendo a criação de uma “educação libertadora”, “problematizadora”,
que seja um “ato cognocente” (um ato de conhecimento) que se desdobra sobre uma “situação
gnosiológica”, a própria experiência pedagógica que envolve educadores e educandos. Identificados
nesta mesma experiência, ambos conseguiriam superar, a partir do diálogo, o caráter contraditório e
opressivo das relações educador-educando da educação tradicional, alcançando um mutuo processo
pedagógico entre as partes. Por isso diz Freire:
“Desta maneira, o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa,
é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos,
assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e que os ‘argumentos
de autoridade’ já não valem. Em que, para ser-se funcionalmente, autoridade, se
necessita de estar sendo com as liberdades e não contra elas” (1983, p. 78-79).
Esta perspectiva, tão bem sintetizada no conhecido aforismo do autor, “Ninguém
educa ninguém – ninguém educa a se mesmo – os homens se educam entre si, mediatizados pelo
mundo” (FREIRE, 1983, p. 63), não deixou de receber críticas, algumas delas vindas de educadores
que, entrando em contato com as obras de Freire, escreveram-lhe pedindo que se posicionasse a
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respeito de questões muitas vezes não abordadas e até mesmo despercebidas nas suas reflexões. É o
caso de algumas críticas que recebeu de mulheres norte-americanas falando
“do que consideravam em mim uma grande contradição. É que, diziam elas, com
suas palavras, discutindo a opressão, a libertação, criticando, com justa indignação,
as estruturas opressoras, eu usava, porém uma linguagem machista, portanto
descriminatória, em que não havia lugar para as mulheres” (FREIRE, 2006, p. 66)
Relatando alguma dificuldade inicial com a crítica, o autor termina por acatá-la. Entendendo
que a referida crítica não consistia num simples pedido de substituição termonológica, e sim uma
provocação a respeito do entendimento e das ações que, espera-se, resulte da discussão pedagógica
oferecida por ele, Freire diz que:
Sendo assim, Freire representa, além de um autor contestador do elitismo com que,
originalmente, imbuiam-se as iniciativas de expansão do acesso à educação e identificado com uma
política radical de libertação do ser humano das relações de opressão, mas também um educador que
entende esse processo dessa libertação como parte da luta contra a descriminação e a favor de práticas
que visem, mediante as questões específicas que cada contexto social oferece, construir
democraticamente as novas relações humanizadoras.
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Para negros, afrodescendentes ou população negra refiro-me aos grupos dos que se declaram negros e
pardos, segundo a classificação do IBGE. Trata-se de uma categoria de análise, esta opção fundamenta-se na
implementação de políticas focalizadas, que não faz distinção entre estes dois grupos.
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Quanto às reivindicações ver o estudo de Silva e Gonçalves (2000) O Movimento negro e a Educação e Lima
(2009) As propostas pedagógicas do Movimento Negro no Brasil, pois analisam o período anterior a década de
90. Quanto às estatísticas do IBGE/Pnad´s serão analisadas a partir do recorte: 1999 até 2009.
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reconhecido como lócus e arena de discussão, onde a ação política do movimento contra a
ordem direciona-se para o acesso à educação para a população negra.
Sendo assim, o nível de ensino com a menor proporção de grupos étnicos tanto
no grupo de discentes como no de docentes (Carvalho, 2005) foi o foco das políticas de ações
afirmativas na Educação no período estudado: o Ensino Superior. Para além desse aspecto,
traz a possibilidade de debater ou rediscutir publicamente a discriminação racial no Brasil, há
muito disfarçada ou silenciada pelo mito da democracia racial3. Esta ideologia que introjetou
no imaginário popular e, principalmente, na população negra a culpa pelos seus traços,
considerados feios e defeituosos, e o ideal de mestiçagem, apregoando o “todos nós somos
mestiços”, por isso iguais e vivendo em uma sociedade sem conflitos de ordem racial. Trata-
se de um processo de negação da identidade negra para um ideal de embranquecimento, o que
contribuiu, dentre outros fatores, para as divisões dentro do próprio movimento dos negros e a
dificuldade de articularem-se nos diversos âmbitos políticos
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Para a discutir sobre a concepção de raça pós-abolição ver Schwarcz (1993) e Skidmore (1984) e para Mito da
democracia Racial e implicações da mestiçagem ver Moura (1989), Munanga (2004)
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“... As experiências atualmente em curso com este objetivo estão restritas ao âmbito
da sociedade civil, desenvolvidas por entidades do movimento negro, por parcerias
destes com empresas privadas, apenas por empresas, por entidades ligadas à Igreja
ou por grupos em universidades. Dentre essas experiências, é possível identificar
três tipos de ações, não necessariamente excludentes: a) as aulas de
complementação, que envolveriam os cursos pré-vestibulares e os cursos de verão
e/ou de reforço durante a permanência do estudante na faculdade; b) o
financiamento dos custos para o acesso e permanência nos cursos, envolvendo o
custeio da mensalidade de instituições privadas, bolsa de estudos, auxílio moradia,
alimentação e outros; c) as mudanças no sistema de ingresso nas intituições de
ensino superior, através de sistema de cotas, taxas, metas e outros.”
direcionadas a população negra, em especial, e pobres, em geral, entre outros. (PPP, p. 9 - 11,
2009).4
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PPP é a sigla de Projeto Político Pedagógico, como resultado de discussões e elencadas desde o surgimento da
instituição até o momento.
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Trata-se de uma ação educativa organizada, com intencionalidade e clareza de suas bases antropológicas na
educação do povo negro e nos movimentos de resistência cultural, que estimulam a consciência étnica que
provém desta proposta.
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Grupo organizado pelos professores Roberto da Silva, USP, e Rogério Moura, UNICAMP, entre outros
pesquisadores e colaboradores. A menção a Educação Social ou Pedagogia Social, descritas nesse trabalho
refere-se ao texto-base elaborado pelo Prof. Dr. Roberto da Silva para o PPP, em 2008, sendo que os
fragmentos selecionados encontram-se no corpo do PPP.
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Por fim, ressaltamos os objetivos da instituição, que desde a sua origem vem
questionar a estrutura da educação brasileira, o acesso a educação para as elites e o
conhecimento calcado apenas no conhecimento eurocêntrico. Além disso, reforça a
necessidade de apropriação dos códigos da cultura dominante no intuito não de substituir ou
cindir, mas acrescentar e incluir a cultura, as produções e todas as contribuições do povo
negro e, assim, pode desenvolver uma proposta para a educação brasileira, a partir da inclusão
da diversidade que rege nossa sociedade.
objetivo de lutar pelo direito da população negra à educação em todas as suas esferas,
compreendendo como condição sine qua non para a realização dessa luta o reconhecimento
do conhecimento construído pelos negros no Brasil, sua identidade cultural e sua contribuição
histórica para a educação brasileira.
Assim como Freire, ao propor a construção dos círculos de cultura, via na educação
fora dos moldes escolares uma oportunidade para a criação coletiva de um ambiente
pedagógica capaz de contemplar as diferentes expressões lingüísticas e culturais dos seus
membros, consolidando-se como um espaço de resistência à dominação ideológica e política,
a EDUCAFRO, através do seu projeto político-pedagógico, acredita na criação de relações
pedagógica legítima fora dos liames da instrução escolarizadas, buscando o reconhecimento
dessas experiência como autêntica expressão do processo dialógico de aprendizagem e
construção do conhecimento.
BIBLIOGRAFIA
CARVALHO, José Jorge de . Inclusão étnica e racial no Brasil: a questão das cotas no
ensino superior. Attar: São Paulo, 2005.
FREIRE, Paulo. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1975.
GADOTTI, Moacir. Convite à leitura de Paulo Freire. São Paulo: Scipione, 1991.