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Paulo Freire
Gabriel Humberto Muñoz Palafox
Publicado em 2020-06-15
Introdução
A primeira vez que ouvi falar o nome de Paulo Freire, foi durante uma greve de agrada
pelos estudantes da Escola Superior de Educação Física da Cidade do México, no ano de
1978, em mais um desses momentos de crise que, periodicamente, ocorrem na América
Latina, resultantes da pobreza, instabilidade e do subdesenvolvimento econômico e
social. As ideias deste educador apareceram, naquela época, nas vozes de lideranças
estudantis e dos movimentos sindicais, quando estas defendiam a importância de
aprendermos a promover uma educação crítica e conscientizadora, oposta às práticas
tecnicistas de ensino, estéreis e burocráticas, legitimadoras da vontade e dos interesses
das classes dominantes. Um tipo de educação que, longe de ser “neutra” quanto às suas
intenções, devia ser compreendida como um “ato político” libertador de todo tipo de
opressão e dominação. Nesse contexto, tive a oportunidade de ler que quando o ser
humano se torna capaz de compreender, sentir e conhecer seu “mundo particular”,
através de uma experiência prática de transformação coletiva do mesmo, seu
pensamento e expressão podem ganhar um signi cado mais além daquele mundo que
o dominava (Freire, 1975). Mensagem, esta, que utilizei para interpretar que a vitória
alcançada nesse signi cativo movimento de greve, além de ter sido resultado de uma
dessas “experiências práticas de transformação coletiva” do nosso “mundo particular”,
tinha contribuído, também, para dar “um novo signi cado” à educação, tanto para mim
quanto para muitos dos e das minhas colegas.
Reglus Neves Freire, melhor conhecido como Paulo Freire, nasceu no dia 19 de setembro
de 1921 na cidade de Recife, no Estado de Pernambuco, Brasil, e faleceu na cidade de São
Paulo desse mesmo país no dia 2 de maio de 1997. Apesar de ter nascido em uma família
que atravessou sérias di culdades econômicas durante os anos 1930, Paulo Freire contou
com o apoio dos seus pais, irmãos e outras pessoas solidárias para poder estudar e
terminar o curso de Direito no ano de 1947. Não obstante, diante da necessidade de
contribuir com a sobrevivência de sua família, Freire foi obrigado conciliar os estudos
com o trabalho, surgindo daí a possibilidade de ministrar aulas de gramática portuguesa.
Ele mesmo conta que, em algum momento de sua vida, entre os 15 e 23 anos de idade,
depois apreender a gostar dessa prática de ensino e enveredar nos estudos da
linguagem, terminou se apaixonando por esse trabalho, surgindo daí o sonho de se
tornar professor, mesmo antes de concluir o curso de Direito (Freire, 1985).
Além de atuar nos campos da alfabetização de pessoas adultas e da docência
universitária na cidade de Recife, Paulo Freire se engajou na luta política como ativista
dentro da qual se tornou um dos fundadores do Movimento de Cultura Popular (MCP)
que, em resumo, tinha como objetivo promover e ampliar a formação e participação das
camadas populares nas lutas pela superação da opressão, da pobreza e a construção de
uma sociedade igualitária. No período compreendido entre 1950 e 1960, época em que o
Brasil chegava aos 72 milhões de habitantes em uma conjuntura de extrema
desigualdade econômica, social e cultural caracterizada por altíssimos níveis de pobreza
e uma população com aproximadamente 30 milhões de pessoas analfabetas, Paulo
Freire soube compreender, descrever e analisar criticamente essa realidade, utilizando-se
de uma linguagem própria, no meu entendimento, resultante de um interessante e
criativo processo de articulação dialética entre as linguagens oriundas das várias culturas
populares e aquelas provenientes da Filoso a e da Pedagogia, porém, sem cair, em
momento algum, no formalismo e no tecnicismo, característicos da lógica formal e do
discurso cientí co positivista.
Como resultado da sua experiência pro ssional e militante, Freire percebeu e identi cou
a existência de uma formação cultural caracterizada, dentre outros aspectos, pelo
contínuo “silenciamento” das palavras e das vozes das camadas populares. Um tipo de
“Cultura do Silêncio” difundida por uma forma de organização social “fechada”, “elitista” e
“hierarquizada”, governada por interesses de grupos, classes e países dominantes e
opressores. Pensando como contribuir para a superação dessa forma de organização
social e sua respectiva cultura dominante - que poderia ser caracterizada nos dias de hoje
como colonialista, heteropatriarcal (homofóbica e machista) e racista -, Paulo Freire
dedicou-se a construir um projeto coletivo de educação orientado pela e para a “prática
da liberdade”. Esse projeto deveria contar com uma pedagogia capaz de oferecer a cada
pessoa alfabetizanda, a possibilidade de apreender o mundo, não a partir da
aprendizagem mecânica e utilitária da escrita, da leitura e da aritmética, mas por meio
de uma educação promotora da formação de consciências críticas, propositivas e
transformadoras de toda a forma de opressão, exclusão, discriminação e preconceito, não
somente de natureza econômica, mas, também, de gênero, raça/etnia e idade.
Contrário a esse discurso ideológico, Freire relata nesse livro, que as experiências de
alfabetização realizadas até o começo dos anos 1960 em cidades como Angicos, estavam
contribuindo para efetivar esta política de democratização da cultura, à medida que,
superando a visão utilitarista da educação, o método desenvolvido estava ensinando o
povo a ler, escrever e fazer contas, compreendendo a realidade para além das aparências
misti cadoras, alienantes e paralisantes que somente contribuem para reproduzir a
concepção e prática dominante de mundo (Freire, 1967). Além disso, o desenvolvimento
de dinâmicas coletivas de estudo, tais como o “Centro de Cultura” e o “Círculo de
Cultura”, permitiu a Freire amadurecer e tornar realidade um conjunto de “convicções”
surgidas na juventude, depois de ele ter iniciado as suas “relações pedagógicas” junto às
pessoas “proletárias e subproletárias”, a de que seria possível, dentre outras:
• construir uma escola onde, em lugar de uma prática docente recheada de tradições
fortemente “doadoras”, haveria uma pessoa educadora, “coordenadora de debates”
capaz de substituir as “aulas discursivas” pela “práxis do diálogo”;
Além de Paulo Freire ter produzido um expressivo número de textos e artigos, 25 livros e
participado de inúmeros eventos como seminários e conferências ao longo de mais de 50
anos de carreira, no meio dos anos 1990 já tinham sido catalogadas mais de 6000
publicações que faziam referência direta ao seu trabalho. Em reconhecimento ao
conjunto da sua vida e obra, Freire tornou-se o cidadão brasileiro com mais homenagens
nacionais e internacionais recebidas na história do país. Além de obter em 1986 o prêmio
da UNESCO de “Educação para a Paz” e seu nome car estampado em inúmeras escolas,
bibliotecas, monumentos e outros locais públicos do país e do mundo, o educador
recebeu 30 títulos Honoris Causa em vida, e mais 5 depois de falecido, sendo o primeiro
outorgado em 23 de junho de 1973 pela Open University do Reino Unido, o último, em
2011, In Memorian, pela Universidade de Brasília. Em 2009, durante a realização do Fórum
Mundial de Educação Pro ssional ocorrido na cidade de Brasília, o Estado brasileiro fez
um pedido de perdão post mortem à viúva e à família de Paulo Freire, além de garantir a
“reparação econômica” das perdas provocadas durante o período da ditadura militar, e
posteriormente, em 13 de abril de 2012, foi sancionada a Lei nº 12.612, que declarou o
educador Paulo Freire, “Patrono da Educação Brasileira”.
Finalmente, vale ressaltar aqui um fato já conhecido em relação à obra de Paulo Freire.
Cada vez que o sistema do capital se depara com uma crise econômica geradora de mais
pobreza, exclusão, discriminação e perda de direitos, o volume de venda dos seus livros
aumenta consideravelmente, tal como acontece com as obras de pensadores como Karl
Marx, como resultado da necessidade, vontade ou simples curiosidade de conhecer a
realidade para transformá-la fora da lógica do sistema do capital e suas práticas fascistas,
heteropatriarcais, colonialistas e racistas. Tudo diante do eterno desgosto, sem dúvida,
das classes dominantes. Por tudo isso, não é exagero a rmar que o educador brasileiro
Paulo Freire deve ser considerado, com toda honra e sem qualquer leitura dogmática da
realidade, um Mestre do Mundo da educação comprometida com a construção de
sociedades livres da opressão colonialista, heteropatriarcal e racista, e, portanto, com a
formação crítica/transformadora das pessoas proletárias e subproletárias (Freire, 1967),
dos esfarrapados e das esfarrapadas do mundo (Freire, 1987), dos condenados e das
condenadas da Terra (Freire, 1987), de todas as pessoas excluídas de direitos e vida digna
(Freire, 1996).
Referências
Freire, Paulo. (1967) Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Freire, Paulo. (1981) Ação Cultural para a liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Freire, Paulo. (1985) Essa escola chamada vida. São Paulo: Editora Ática.
Freire, Paulo. (1987) Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Freire, Paulo. (1996) Pedagogia da Autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Como citar
Palafox, Gabriel Humberto Muñoz (2019), "Paulo Freire", Mestras e Mestres do Mundo:
Coragem e Sabedoria. Consultado a 01.09.20, em https://alice.ces.uc.pt/mestrxs/?
id=27696&pag=23918&id_lingua=1&entry=29932. ISBN: 978-989-8847-08-9