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Resumo: Este trabalho é resultado de uma pesquisa bibliográfica, sendo parte das
discussões de projeto de pesquisa vinculado a fontes da pedagogia latino-americana,
movimentos sociais, prática e formação docente na linha da educação popular. Está
estruturado de modo que: 1) propõe uma discussão sobre o sentido e o significado do
popular na educação, em sua dimensão histórica, no movimento de emancipação e de
desenvolvimento das jovens repúblicas latino-americanas; e, 2) nas experiências que
seguiram desse movimento aos dias de hoje, problematiza o sentido de público e de
classe sobre o popular. Para tanto, buscamos referências nas cosmogonias guarani e
maia sobre a educação, nas intrínsecas relações entre os projetos nacionais e a educação
libertadora (Simón Rodriguéz e José Martí, como contrapontos às ideias de Domingo
Faustino Sarmiento), na proposta para/no socialismo latino-americano, através das
propostas de José Carlos Mariátegui, bem como nas experiências mais recentes que
vinculam princípios como autonomia, participação e transformação social, como nas de
Paulo Freire. De um modo geral, a educação popular vincula-se aos movimentos sociais,
grupos e associações populares na luta contra práticas culturais e educativas
hegemonizadoras. Compreendida, também, como um processo de produção de
conhecimento para a liberdade e para a democracia que se recusa ao autoritarismo,
manipulação e ideologização reproduzidas na lógica da educação de mercado. Entende-
se que na América Latina, a história da educação não é linear porque não se experimentou
um único programa ou proposta sendo que a neoliberal é a que vem triunfando,
atualmente. No entanto, a história, os sentidos e os significados da educação popular são
a confluência da práxis que se reinventa nas lutas pelo reconhecimento e pela justiça,
mas que só podem ocorrer como alternativa à imposição colonial-moderna.
Palavras-chave: educação popular; educação libertadora; história.
Introdução
É possível que, se perguntados sobre quais são os referentes em educação popular,
graduandos em pedagogia ou estudantes de especializações façam referência imediata, e
justa, a Paulo Freire. Na mesma direção, quando (e se) questionados sobre outros
educadores e outras educadoras que possuem igualmente um compromisso ético-político
com as classes populares, com metodologias próprias e libertadoras, poderiam nos
confirmar a escassez, ou a ausência, da memória da educação popular, bem como a
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“instrução primária, gratuita para todos cidadãos”, onde escravos negros e indígenas
marginalizados eram excluídos desta categorização. Assim, nem sempre o popular na
educação esteve atrelado aos projetos emancipatórios.
No senso comum, é recorrente atribuir o sentido de povo ao termo popular, como sendo
sinônimo de educação para o pobre ou de educação de menor valor. Outras vezes, volta-
se para a “popularidade” de algo ou de alguém, independente da classe social a que se
pertence. Contudo, aqui tomamos uma posição política quanto ao termo, partilhando da
definição de Brandão (1980), que não desvincula da educação popular o seu sentido
político e de classe que pressupõe: processo de libertação via conscientização e luta
política. Este mesmo sentido, encontramos nos escritos de Beisiegel (1992), Souza
(1999), Freire (1997) e Paludo (2006).
À primeira vista, esse cunho político é herdado dos movimentos de cultura popular, dos
finais dos anos de 1950 e início dos anos de 1960, no Brasil, porque se esperava que
desses emergissem trabalhos políticos importantes com as classes populares por meio da
educação (BRANDÃO, 2009) e da auto-organização. Os anos de 1980, no Brasil, deram
outra dimensão à perspectiva dessa educação quando se vinculou imediatamente a
organização popular aos processos participativos dos movimentos de abertura à
democracia.
Também identificamos na história do Brasil, por exemplo, projetos de cunho populista
no sentido assistencialista, voltados para o processo de “modernização”, que
pressupunha uma sociedade industrializada e uma educação bancária que não possuía um
projeto de ruptura com o capitalismo. Em oposição aos movimentos populistas de caráter
assistencialista, citamos os próprios movimentos de cultura popular (1950-1960) que
compreendiam o popular enquanto concepção política de libertação dos oprimidos via
práticas formativas de educação (BRANDÃO, 2009). Esta abrange a dimensão política,
pedagógica e cultural não hegemônica, comprometidas com o processo de libertação dos
oprimidos.
Se o popular, numa concepção crítica, dialógica e de classe tem seu sentido e significado
no rompimento com as relações de mercantilização da vida e de todo tipo de opressão,
projetos de acesso e permanência à educação, via políticas públicas, não são
necessariamente tomados como educação popular, mesmo sendo frutos de mobilizações
sociais, mas em seu sentido público. Podemos citar o direito à educação escolarizada. A
educação popular, portanto, não pode ser confundida como sendo extensão de
democratização da escola; nem todas as políticas de acesso à educação destinada aos
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dos indígenas, dos negros e dos gaúchos, o que reforçou seu pessimismo em relação às
possibilidades de “progresso” a esses setores ou em relação ao advento da modernidade
no continente. Sarmiento foi um dos responsáveis por cunhar o antagonismo “civilização
e barbárie” como conceito organizador do discurso liberal latino-americano
(PUIGGRÓS, 2010) que, sobre a educação, era o de preparar a população que não
encontrasse trabalho no setor agrário para a indústria, considerada apenas um
complemento às economias das jovens nações e, por fim, 4) o quarto programa ou
proposta: aquela impulsionada pelo neoliberalismo, desde a última década do século XX,
e que está baseada na desestruturação e na privatização dos sistemas educativos
(MORETTI, 2014).
Os duzentos anos de escolarização da educação demonstraram que ela, por si só, não
muda a situação econômica e social das pessoas. No entanto, é impossível realizar
transformações sem as políticas educacionais. Assim, é correto afirmar que o processo
de “descolonização global do pós-guerra melhorou a posição cultural dos povos do então,
chamado ‘Terceiro Mundo’, mas pouco influenciou para que se resolvesse a
incorporação ao ensino formal” (PUIGGRÓS, 2014, p. 117). Referimo-nos a uma
incorporação que não reproduzisse os parâmetros da inclusão social que perpetua as
injustiças sociais.
Os movimentos sociais e populares, enquanto sujeitos coletivos, também são produtos
destas relações sistema-mundo que não só impôs uma proposta de educação como
produziu um determinado “esquecimento” de outras práxis educativas. A imposição
colonial-moderna silenciou culturas e pedagogias. Mesmo que exista a recusa em
reconhecer, por parte de quem domina a cultura e os direitos dos povos campesinos
indígenas, por exemplo, os métodos criativos e alternativos próprios da sua sobrevivência
e da sua resistência, estes têm sido a outra parte da realidade feita na/da experiência
educativa. A educação popular, em seus mais variados sentidos e significados, trata de
explicitar essas pedagogias e metodologias alternativas, cujo sentido de público tem raiz
nas necessidades daqueles e daquelas que se encontram abaixo da linha abissal, na zona
do não-ser (MORETTI, 2014).
Nas experiências dos indígenas guarani, por exemplo, os principais mecanismos de
educação são o exemplo, a comunicação oral e a aceitação ou rejeição na vida social.
Sua compreensão é de que todo o conhecimento de um indivíduo é valorizado e
caracterizado como bom na medida em que beneficie toda a comunidade. Não estão
instituídas pedagogias, na compreensão moderna como um saber sistematizado sobre o
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