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ARROYO
OUTROS SUJEITOS,
OUTRAS PEDAGOGIAS
Arroyo, Miguel G.
Outros Sujeitos, Outras Pedagogias / Miguel G.
Arroyo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.
Bibliografia
ISBN 978-85-326-4448-0
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' uas pcdagogias reconhece que os oprimidos são Sujeitos pedagógicos não respostas pedagógicas tensas, contrapostas, contrapedagogia . Pod ' mos
destinatários de pedagogias de fora, nem sequer críticas, progressistas, cons- constatar pedagogias de humanização/emancipação que se contrapõem ôs
cientizadoras e menos bancárias. Contrapõe pedagogias, concepções/episte- utras Pedagogias de desumanização/subordinação. Essas tensões vêm de
mologias de humanização, libe1iação e contrapõe os sujeitos dessas Outras longe na história da colonização/subordinação dos povos indígenas , ne-
Pedagogias. Ao buscar essas Outras Pedagogias nos Outros Sujeitos em ações gros, mestiços, camponeses. Uma história de tentar impor processos "edu-
coletivas e movimentos está reconhecendo que estes são sujeitos de outras ex- cativos" destruindo os seus processos históricos.
periências sociais e de outras concepções, epistemologias e de outras práticas Poderíamos falar em pedagogias de dominação/subalternização ensi-
de emancipação. A diversidade de coletivos, sujeitos em ações e movimentos nadas aqui, nas Américas, na diversidade de experiências de colonização,
radicalizam e repolitizam a Pedagogia do Oprimido em pedagogias de eman- 1-wbordinação dos povos originários, dos negros, quilombolas, campone-
cipação em movimento.
ses, ribeirinhos, povos das florestas? Poderíamos também falar de pe-
A teoria pedagógica se revitaliza sempre que se reencontra com os sujeitos dagogias de resistências, de libertação e emancipação - pedagogias dos
da própria ação educativa. Quando está atenta aos processos de sua própria oprimidos emergentes nas Américas de que são sujeitos históricos esses
fonnação humana. Processos de fecundos encontros que estão se dando entre rn letivos sociais, étnicos, raciais? Pedagogias do Sul que os novos movi-
a pedagogia escolar e a outra infância/adolescência, os outros jovens e adultos mentos sociais radicalizam?
populares que ainda que tarde chegam às escolas públicas. Quando a ação O pensamento pedagógico é levado de um lado a se alargar aos processos
educativa escolar ou extraescolar, de formação da infância, adolescência ou de 1wdagógicos mais complexos e mais tensos de nossa história. De outro lado é
jovens e adultos ou de educação popular se esquece deles e de seus processos, levado a se enraizar, contextualizar nas especificidades dessa história social,
movimentos e práticas sociais, culturais e educativas e se fecha em discussões política, cultural e também pedagógica. Qual a especificidade do pensamento
sobre métodos, conteúdos, tempos, instituições, calendários, avaliação ... se L'ducacional construído na especificidade da submissão civilizatória dos povos
perde e desvirtua. Perde suas virtualidades como teoria e prática educativa 1" li no-americanos?
emancipatória.
A diversidade de movimentos sociais aponta que não podemos falar de
Tanto para a pedagogia escolar como para a educação popular a questão 111na única pedagogia nem estática nem em movimento, mas de pedagogias
primeira será a recuperação dos agentes da ação educativa: infância, adoles- 111tagônicas construídas nas tensas relações políticas, sociais e culturais de
cência, juventude e vida adulta, trabalhadores, classes, grupos sociais, étni- dominação/subordinação e de resistência/afirmação de que eles participam.
cos, raciais e, sobretudo, a recuperação dos complexos e tensos processos em l'odas as pedagogias fazem parte dessas relações políticas conflitivas de do-
que estão imersos para sua sobrevivência e afirmação como humanos, como 11 ti nação/reação/libertação. Os movimentos sociais se afinnam atores nessa
coletivos sem terra, sem teto, sem saúde, sem escola, sem universidade, sem l nsa história pedagógica. Em sua diversidade de ações, lutas por humani-
trabalho, sem espaços de um viver digno e justo. 11ç, o/emancipação se afirmam sujeitos centrais na afirmação/fortalecimento
Para a revitalização da teoria pedagógica esse é o caminho mais fecundo, d11s pedagogias de libertação, logo sujeitos de contestação/desestabilização
refletir sobre a condição humana, suas dimensões e virtualidades formadoras e , lns pedagogias hegemônicas de desumanização/subordinação.
deformadoras, humanizadoras ou desumanizadoras presentes nos processos so- Esse reconhecimento dos Outros Sujeitos, outros educandos, dos movi-
ciais e, sobretudo, nos movimentos de humanização e libertação dos oprimidos. 11tL' t1tos sociais como autores de processos/concepções pedagógicas traz sérias
111 1L•rrogações: Seria pretensão que os movimentos sociais se pensem atores
q11 · co nstroem Outras Pedagogias? Como se deu e se dá essa autoria dos mo-
Afirmar Outras Pedagogias desestabiliza as teorias pedagógicas
, 1rnentos sociais nessa construção na especificidade de nossa história a partir
Destaquemos um primeiro ponto: Os coletivos em movimentos apon- d11 •mpreitada civilizatório-educativa colonizadora? Na diversidade de resis-
tam que as teorias pedagógicas não são estáticas, mas participam dos ten- ll 11r ius dos povos colonizandos e dos coletivos oprimidos reagindo à opressão
sos processos históricos de humanização/emancipação, de reação à de- pud •ria ser constatada a produção de Outras Pedagogias? Por que a história da
sumanização/subordinação. As tensões entre esses processos provocam p ·do gogia ignorou esses Outros Sujeitos e essas Outras Pedagogias? Por que
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apenas se passa a visão de uma única pedagogia em que diversas tendências nas oficinas da Universidade Popular dos Movimentos Sociais e de tantos
se debatem? l'llntros e escolas de formação . Processos densos de construção de reflexões,
Os próprios movimentos sociais apontam respostas a essas indagações. saberes, leituras de mundo e de si mesmos. De continuidade de uma longa
Contar essa história única, neutra, apolítica da pedagogia e até sofisticar aná- hi stória de construção de Outras Pedagogias. Processos de que são também
suj eitos educadores e educandos nas salas de aula.
lises de tendências dentro dessa pedagogia única faz parte das relações polí-
ticas em que toda produção teórica se envolve inclusive na história das ideias
pedagógicas. As relações políticas de subordinação dos outros povos, dos tra- A tensa história da construção de Outras Pedagogias
balhadores e de seus movimentos de resistência, exigem ignorá-los na história
Neste texto nos guia a hipótese de que essa história de construção de Outras
da produção intelectual, cultural e até pedagógica da humanidade. Relações
P~dagogias vem de longe, está nas origens da história das Américas, e foi e
políticas que exigem ignorar esses coletivos humanos como produtores de sa-
1·nntinua a ser um dos capítulos mais tensos e densos na história da empreitada
beres, valores, culturas e até de processos pedagógicos próprios de suas lutas
lll'dagógico-civilizatória da colonialidade e que se prolonga na pós-coloniali-
por emancipação/humanização.
dudc. Os movimentos sociais contemporâneos como que retornam uma longa e
Há um ponto que os coletivos populares em movimentos destacam ao pvrsistente história de resistência às pedagogias dominantes e de afirmação de
afirmar-se sujeitos de processos pedagógicos: que na história foram vítimas 1K·dagogias de libertação. Retomam e atualizam uma história de práticas peda-
de ocultamentos, inferiorizações até de sua sofrida história de afinnação de pi'lgicas oficiais e de práticas contrapedagógicas não reconhecidas, mas persis-
seus saberes, culturas, identidades. De suas pedagogias. Ignorar esses povos e 1 ·111 ·s. Práticas pedagógicas de atores sociais em relações sociais de dominação/
suas pedagogias representa uma lacuna intencional nas narrativas da história 1ltl11nização, de um lado, e de resistência, afirmação/libertação, de outro.
das ideias e práticas pedagógicas. Qual a intenção dessas ignorâncias? Per-
;\ América e a diversidade de sociedades colonizadas têm sido palco
petuar uma das funções da autoidentidade das teorias pedagógicas hegemô-
lllt qual essas tensões entre pedagogias se explicitam. Mas também esti-
nicas: ignorar os saberes, valores, culturas, modos de pensar e de se afirmar
' l'l':1111 e continuam presentes nas tentativas de educar, submeter/explorar
e humanizar dos povos colonizados, dos trabalhadores para, reafirmando sua
11 trabalhadores e seus(suas) filhos(as). Um dos capítu los mais tensos e
inferiorização, afirmar a função da pedagogia de trazê-los para a cultura e o
111 1is rccundos na construção de Outras Pedagogias passa pelas resistên-
conhecimento legítimos, para a civilização e a maioridade. Reconhecer que
1 lil ~ do movimento operário - o trabalho, a resistência operária, o fazer-se
esses povos têm Outras Pedagogias produtoras de saberes, de modos de pen-
d I c la sse operária - afirmados como princípio educativo, como Outras
sar, de se libertar e humanizar desestabilizaria a própria autoidentidade da
l11·d11gogias de emancipação/humanização que a pedagogia marxiana e
pedagogia hegemônica.
l""m sc iana afirmaram.
Essa tem sido ao longo da história de resistências às pedagogias coloniza-
() movimento operário e a diversidade de movimentos sociais ao destacar
doras uma das funções dos movimentos sociais: desestabilizar a pedagogia he-
., ronlradições presentes nas relações desiguais de poder, de trabalho põem
gemônica nas bases de sua autoidentidade; civilizar primitivos, subalternizados.
1h nwnif'esto as contradições entre as pedagogias de subordinação, consenso
Entretanto, quando nos colocamos o que as teorias pedagógicas têm a 1 , 1 pcdagogias de resistência, de libertação das relações de subordinação e
aprender dos movimentos sociais não será suficiente reconhecer seu papel dl upn.:ssão. Desconstroem a história de uma teoria pedagógica única, neutra,
desestabilizador das bases da teoria pedagógica dominante, eles vão além. .q11 11íli ·a e mostram que a diversidade de experiências sociais e de sujeitos cons-
Assumem uma função construtiva no campo das teorias pedagógicas. Este é l1l11•111 rnnccpções e práticas educativas diversas e contraditórias. Desconstroem
um ponto a aprender. .1 1dl·i:i de qu e na teoria pedagógica clássica, universal cabem tendências de
Os movimentos de resistência a toda forma de subalternidade até pedagó- , , llll l' P<;< cs e práticas diversas, mas não há lugar para Outras Pedagogias. Uma
gica não se limitam a criticar e desestabilizar as bases da pedagogia hegemô- , 1 110 ninda presente nos cursos de formação de educadores das escolas.
nica, mas constroem e afirmam Outras Pedagogias. Um processo que se pro- () ·amp da teoria pedagógica tem sido um dos mais fechados a reco-
longa nos atuais movimentos sociais, nos dias de estudo, nos temas geradores, Outras Pcdagogias . Tem sido um território de disputas, mas dentro
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li
da teoria hegemônica, a chamada pedagogia clássica e moderna fechada, a disputar não só concepções, mas as instituições que legitimam a validade
há Outras Pedagogias em permanente reação a outras práticas e concep- dos conhecimentos e das pedagogias. Disputar as cercas que protegem saberes
ções vindas dos coletivos oprimidos que exigem reconhecimento. Podem ser c pedagogias como legítimos, válidos e segregam outros como ilegítimos.
apropriadas as análises críticas que Boaventura de Sousa Santos (SANT?~
As pedagogias escolares são as mais cercadas e fechadas a definir crité-
& MENEZES, 2009: 16-17) faz ao caráter marginalizador de tantas prati-
rios rígidos de validade e até de não reconhecimento da validade dos saberes,
cas sociais de conhecimento pela ciência moderna. A pedagogia moderna
111odos de pensar e de pensar-se, de aprender e de educar-se que os educandos
tem participado dessa supressão, ocultamento de experiências sociais e
1 ·vam às escolas e às universidades. As crianças e jovens populares até os
de conhecimentos e de práticas pedagógicas. Boaventura nos lembra: "De
11dultos na EJA são obrigados a ocultar suas experiências sociais e as inda-
fato, sob o pretexto da 'missão colonizadora', o projeto da colo~ização
1•:ições e leituras que levam do trabalho e dessas experiências tão radicais.
procurou homogeneizar o mundo, obliterando as difere~ças cultu_ra1s. _Com
té os militantes que vêm de tensas experiências de lutas nos movimentos e
isso desperdiçou-se muita experiência social e reduzm-se a d1vers1dade
que acumularam riquíssimas práticas e concepções pedagógicas são levados a
epistemológica, cultural e política do mundo[ ... ]". Poderíamos acrescentar,
1 •norá-las ou, ao máximo, servirão como matéria-prima para despertar o inte-
reduziu-se a diversidade pedagógica, ao desperdiçar e inferiorizar proces-
ll'SSe por teorias sérias, científicas. Até os saberes e a criatividade e as autorias
sos educativos, de produção de saberes, valores, de humanização dos po-
dtH.:cntes são controlados no fazer pedagógico.
vos e coletivos decretados seres inferiores, sem saberes ou produtores de
saberes inferiores. Boaventura nos lembra: "A epistemologia que conferiu à ciência a exclu-
1vitlade do conhecimento válido traduziu-se num vasto aparato institucional -
A teoria pedagógica moderna continua apegada a essa visão inferiorizan-
1111ivcrsidades, centros de pesquisa, sistemas de peritos, pareceres técnicos - e
te dos educandos, povos a colonizar/educar. Visão que lhe é configurante.
ln, ele que tornou mais difícil ou mesmo impossível o diálogo entre ciência
Logo sua resistência a reconhecer e incorporar a diversidade de experiências
1 ,,s outros saberes [ .. .]" (SANTOS & MENEZES, 2009: 17). A pedagogia
e práticas educativas vindas de seres/coletivos decretados inferiores. Até das
rn lar sintetiza essa exclusividade rígida do pensamento pedagógico, onde
infâncias e adolescências populares. Daí essa persistente postura de não reco-
,lo impensáveis outros saberes e Outras Pedagogias vi ndas, sobretudo, dos
nhecimento. Porque esse reconhecimento representaria quebrar o pressuposto
,1 fores desescolarizados ou próprias de seres decretados inferiores.
de validade em que se sustenta a teoria pedagógica desde suas origens: levar
os ignorantes para o conhecimento, os incultos e primitivos p~ra a cul~a_e _a Nesse quadro de exclusividade pedagógica tão institucionalizada resulta
racionalidade, os pré-políticos para a consciência crítica, política. Na h1stona pol 11 icamente desestruturante que esses seres pensados inferiores, portadores
das ideias pedagógicas seria até pensável reconhecer pedagogias alternativas, d1 sn beres inferiores se afirmem sujeitos de Outras Pedagogias e de outros
mas não produzidas pelos povos pensados incultos, irracionais, sub-humanos t1lil'rcs e façam desse território tão cercado um campo de disputa política.
ou subcidadãos, atolados na falsa consciência. 1 kupcmos o latifü.ndio do saber." É pedagógico que resistam aos currículos,
11 111slituições da ciência moderna tão cercadas com a mesma lógica política
Esse é um dos atrevimentos mais desestabilizadores que vem dos trabalha-
, ,1111 que lutam contra as cercas da propriedade privada do agronegócio, que
dores, dos povos indígenas, negros, quilombolas, camponeses, ribeirinhos, fa-
quo'<imern as lutas pela refom1a agrária com as lutas pela reforma educa-
velados e de seus(suas) filhos(as) ao chegarem às escolas: resistir a se reconhecer
i 1111111I. Que articulem as lutas pelo direito a terra, e a vida com o direito ao
subalternos, inferiores, irracionais, incultos. Logo se afirmar capazes de produzir
1111il1l'<:imento, à escola, à universidade.
saberes, valores, culturas, modos de pensar. Saberes do trabalho, das resistências.
Produtores de experiências humanizadoras, educativas. Pedagógicas. < > que aproxima essas lutas? A mercantilização da educação e o subme-
1111ll'lllo da ciência, das instituições do conhecimento à lógica da reprodução
d11 1 i1pilal e a redução das pedagogias à capacitação para a empregabilidade.
Disputar a exclusividade do conhecimento pedagógico válido , 1111 í ·ulos e pedagogias para domínios de competências, avaliações de re-
Os jovens e adultos e até as crianças e adolescentes populares que se fa- 1d1,11los tornaram as instituições educacionais, os currículos e as pedagogias
zem presentes nas escolas e os coletivos em ações e movimentos aprenderam 111.11 1r idas, rnai co nservadoras, consequentemente territórios de disputas
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políticas, mais acirradas porque mais fechadas aos coletivos populares, aos <'hcgam outras formas de ser/viver a infância, a adolescência, a juventude,
trabalhadores. logo outras leituras de si mesmas.
Coletivos de docentes/educadores(as) sabem que muitos desses adultos,
Por outros espaços de invenção de Outras Pedagogias 1ovcns, adolescentes e até crianças participam em ações coletivas em suas
rn munidades, em lutas por teto, trabalho, sobrevivência, terra, transporte, es-
Os movimentos sociais entram nessas disputas/ocupações dos latifúndios
rn la, posto médico. Participam em movimentos culturais juvenis e se pergun-
do saber, dos currículos e das próprias concepções e práticas pedagógicas.
lil m por seus aprendizados e em que processos pedagógicos aprendem e se
Os diversos, os pensados como inferiores se fazem mais presentes nas insti-
lormam. Com que Outras Pedagogias esses outros educandos se humanizam.
tuições do conhecimento. Entram para ocupá-las e disputá-las. A reação é a
C '01110 incorporá-las nas pedagogias escolares?
maior regulação institucional, pedagógica e avaliativa. Diante desse quadro de
critérios mais rígidos de validade dos conhecimentos e de instituições e de pe- Se as lutas por ocupar o latifúndio do saber são uma das estratégias mais
dagogias cada vez mais controladas e cercadas, os movimentos sociais criam 1k-scstabilizadoras da exclusividade institucional do conhecimento será ne-
seus espaços de produção de conhecimentos e de invenção de Outras Pedago- 1Tssúrio reconhecer que a afirmação que os movimentos sociais, ~s Outros
gias. Escolas dos movimentos sociais, Universidade Popular dos Movimentos " 11.ii.;i tos fazem, de que há outros territórios e outros atores na produção de
Sociais, Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN), Escolas de 1 nnhccimentos e de pedagogias, é ainda uma estratégia mais desestruturante.
culturas e identidades, das cosmovisões e dos modos de pensar fazem par- 11h hu manos. Explicitam e reagem a esses processos/pedagogias de subalterniza-
te da fonnação de nossas sociedades. Perduram como um campo de tensões ~ .111 . Nessas reações afirmam Outras Pedagogias de emancipação. Como reagem às
políticas na diversidade de fronteiras, ações coletivas e movimentos sociais. l1 1111 ,as como foram pensados, con-formados e classificados como inferiores?
Tensões que se perpetuam como uma constante histórica, política, porque o
padrão de poder foi e continua associado a um padrão de saber, de conheci-
mento, associado a um padrão de classificação das culturas, dos saberes e Nilo se reconhecem nas formas de pensá-los e de segregá-los
racionalidades (QUIJANO, 2005). Associado ainda a um padrão cognitivo 1issus persistentes formas de pensá-los como inferiores para submetê-los
e pedagógico que tem operado como padrões de elas ill a~·i o so ·iul , étnica, 11 1 p11d nlo de pod er, de trabalho, de expropriação da terra, do espaço, do
conhecimento, da cultura trazem para o pensamento social, político, pedagó- Não se reconhecem marginais
gico a necessidade de dar maior centralidade às formas históricas de pensá-los
seja nas salas de aula, seja nas políticas sociais, educativas. Com que concep- _Conceituá-los como marginalizados, marginais, supõe entender que na
ções são pensados? Como primitivos, violentos, incultos. Que identidades, oc1edade uns coletivos estão situados em margens opostas, mas possíveis de
formas de nomeá-los persistem nas concepções de educação, nas didáticas, ou s~rem a~roximados por meio de pontes ou pinguelas. Que a margem, 0 territó-
como reprovados, defasados no sistema escolar ou como reprimidos nas suas rio _de ca po,d_e ser ocupado, conquistado pelos coletivos da outra margem, por
lutas por direito a terra, teto, territórios? Secundarizar, ocultar essas formas de meio de pohticas de passagem, do esforço, do êxito nesse percurso. Nessas con-
pensá-los faz parte dos estreitos vínculos entre o padrão de poder/saber que se c~ituações cabem esperança, políticas de aproximação e de passagem. Nessa
perpetua. Se reconhecem nossas formas de pensá-los ou resistem? visão se legitima o pensamento educativo e a diversidade de pedagogias sal-
vadoras dos marginalizados.
Os estudos pós-coloniais têm destacado que o poder sobre os outros povos
e grupos sociais se conformou sobre um saber sobre esses Outros. Pensados A visão dos setores populares como coleti vos à margem tem sido cara à
como objetos naturais, em estado de natureza, primitivos, selvagens, o poder/ pedagogia e às políticas socioeducativas. A empreitada civilizatória a escola
saber poderia submetê-los ou ignorá-los como inexistentes, inferiores, e até as pedagogias salvadoras carregam essa identidade: oferecer ~ercursos
pré-humanos. O pensamento que se conformou sobre os povos colonizados passagens para sair da ignorância, da incultura, da tradição pré-política, d~
e que os conformou como inferiores passou a ser usado como um dos ins- pobrez~ para_ a civilização, a cultura, a consciência política, 0 progresso, a
trumentos de legitimação da relação política de dominação/subordinação. a~cens~~ ~oc1~l._ .. Uma imagem incrustada em nossa cultura política, pedagó-
Constituiu-se e persiste como justificativa da inferiorização da diversidade de gica, c1v1ltzatona dos marginais.
coletivos populares. ~n~etanto, nessa cultura político-pedagógica as passagens de margem serão
Particularmente o pensamento colonizador e socioeducativo se alimentam cond1c10nadas. Só passam aqueles que se esforçam por sair do polo negativo,
dessa forma de pensá-los a partir da empreitada colonizadora assumida mais q~e fizerem um percurso exitoso. O ideal do mérito está tão arraigado que ter-
tarde nas repúblicas e democracias como empreitada educativa, civilizatória mma_ operando diante dos fracassos como mecanismo de confirmação da sua
pelos sistemas de educação e de instrução pública. Pensamento legitimado condição de marginais porque preguiçosos, sem valores de esforço, de êxito
pelas teorias pedagógicas e a educação escolar como o percurso do polo nega- para saírem da outra margem. Ou sem consciência de estarem nessa margem.
tivo da incultura para a cultura; da ignorância para o saber; da irracionalidade Outra condição é que a passagem será individual. Os indivíduos não os
para a racionalidade. Conformar na criança educada o adulto civilizado. Essa co letivos, serão capazes de fazer percursos se se afastarem dos seus c~letivos
forma no Nós civilizado pensar os Outros como objetos naturais e as dico- sócio/étnico/raciais, dos campos e das periferias incapazes de percursos de
tomias inferiorizadoras entre primitivos e civilizados persiste nas formas de passagem como coletivos porque lhes é inerente serem indolentes, inferio-
pensar as crianças e adolescentes e seus coletivos sociais, étnicos, raciais, de res em valores, moralidade, competências, inclusive inconsciência. Conse-
gênero, das periferias e dos campos. Persiste como o pensamento que os con- quentemente as políticas de ir tirando indivíduos de seus co letivos marginais
figura e os aloca no seu lugar na ordem social, econômica, política e cultural. nunca acabarão. As imagens dos coletivos como marginais terminam sendo
Até na ordem pedagógica. funcionais a realimentar políticas e pedagogias e o próprio pensamento socio-
Vejamos algumas formas de pensá-los e conformá-los às quais reagem cduca,tivo que se autolegitimam em oferecer pontes, percursos de passagem.
como coletivos. Em suas ações reagem às formas parciais, superficiais de Um_c1rculo f~chado que se vem lastrando na história das políticas e das peda-
sua classificação que ocultam os processos mais radicais de sua inferioriza- go~tas e teonas socioeducativas. Sem a existência de marginais perdem sua
ção e segregação, como coletivos humanos. As categorias mais frequentes razao de ser. Como quebrar esse círculo fechado?
com que são vistos, sobretudo no pensamento sociopedagógico, têm sido: As teorias pedagógicas oficiais giram nesse círculo fechado, mas não fal-
marginalizados, excluídos, desiguais, inconscientes. Formas de pensá-los tam tentativas de educadores, de formuladores de políticas de quebrar esse
e classificá-los que ocultam formas históricas mais abissais e sacrificiais de ~írculo. Os próprios "marginais" em seus movimentos quebram esse círculo
segregá- los. lcchado ao não reconhecer-se marginais.
Os coletivos sociais, étnicos, raciais, dos campos e periferias assim clas- aumento da subcidadania, da cidadania condicionada à educação, a categoria
sificados reagem a essa visão de marginais, não se identificam com esse ter- de excluídos do trabalho, da cidadania, da participação política passou a ocu-
mo e trazem ações indagadoras desestabilizadoras para o pensamento socio- par o centro das análises sobre os Outros subalternizados. A exclusão como o
educativo, suas políticas e pedagogias, que se justificam e realimentam dessa princípio para entender sua produção e as políticas inclusivas como remédio.
classificação. Fazem-se copresentes na ordem social, ocupam as margens de As pedagogias de inclusão, participação são inventadas do lado dos incluídos
cá, os territórios, terras, espaços, instituições sem ter passado pelas pontes, para prometer incluir os excluídos.
pinguelas, sem ter-se submetido a percursos exitosos. Surpreendem as formas O termo exclusão, excluídos, escola, políticas e pedagogias inclusivas
de pensá-los. Como é possível que sem passar por nossos percursos civiliza- passou a ser incorporado como uma categoria com maior poder explicativo
tórios, conscientizadores, façam-se presentes em ações coletivas se estão su- da produção dos coletivos diferentes em desiguais. Um termo mais forte do
midos na inconsciência, na ignorância, no senso comum, na falsa consciência? que marginais e que pretende dar conta de que a separação entre os coletivos
Com essas ações coletivas desconstroem conhecimentos, formas de pen- sociais é mais radical. Não é apenas de margens, mas separados por muralhas,
sá-los e de "educá-los". Terminam mostrando a fraqueza de um pensamen- muros. As margens e as fronteiras são aproximáveis, os muros, mmalhas são
to socioeducativo conformado em classificações dicotômicas dos coletivos impeditivos de tentar passar. Construídos pelos coletivos que estão dentro,
humanos. Os próprios coletivos situados à margem e aos quais se prome- rara impedir qualquer tentativa de passagem dos de fora. São os de dentro que
tem políticas e pedagogias de passagem nos advertem de que as formas de se defendem e defendem seus territórios, cercando-os de muralhas e cercas.
pensá-los e de segregá-los foram e continuam muito mais brutais e radicais. São eles que se dignam abrir as fronteiras, oferecer ou não vistos, passaportes,
Que as políticas e pedagogias terão de partir dessas radicalidades históricas. ou exterminar aqueles ousados que se atrevem a ultrapassar os muros para sair
Terão de repensar-se nos cursos de formação, no recontar a história do pen- de seu lugar. O termo excluídos, tão na moda, reflete a autoconsciência que
samento educacional, das didáticas, dos currículos até da identidade docente. têm aqueles que os excluem.
Qual a função da escola? Qual o nosso oficio? Trazer o povo, os marginais
Nesse maior distanciamento entre os coletivos, nessa exclusão até de pos-
para a margem de cá?
sibi lidades de passagem o pensamento socioeducativo e suas políticas ainda
1··111 a ousadia de oferecer a escola e uma pluralidade de projetos como inclusi-
Não se reconhecem como excluídos vos. Escola inclusiva, políticas, projetos inclusivos vêm sendo as propostas de
moela. Até no MEC, a Secretaria da Diversidade (Secad) virou Secretaria da
Outra categoria com que o pensamento social e educativo os tem pensado
In clusão. Temos um pensamento socioeducativo construído nessa dicotomia
e tratado é excluídos. Diante do aumento do número de marginais, no desem-
l'xc lusão/inclusão. Uma característica é ser um pensamento conformado de
prego, na sobrevivência, no trabalho informal e diante da massificação da po-
dentro do muro para os coletivos pensados fora.
breza e da miséria em nossas sociedades, a categoria marginal perdeu sentido.
As promessas de tirá-los da marginalidade via percursos escolares exitosos É significativo que os próprios coletivos pensados como excluídos não
ficaram promessas vazias. As esperanças que essas pedagogias carregavam de 11~ ·111 esse adjetivo para nomear-se e identificar-se. Não se aceitam pensados
possibilidades de reverter a marginalidade por meio de ações e políticas socio- lll'lll como marginais, nem como excluídos. Nem defendem os projetos e pe-
educativas distributivas foi perdendo força. As distâncias entre os coletivos da d11 gog ias de inclusão, escola, currículos inclusivos; nem lutam para que sejam
margem de cá e aqueles da margem de lá se tornaram mais profundas, apesar 11111i s eficientes, com mais recursos, que os incluam logo a todos. Sabem-se
do aumento de sua escolarização e de sua presença nas instituições públicas p1 oduzidos e inferiorizados em processos sociais, políticos, culturais e até pe-
(ARROYO, 2010). d.i j'ógicos bem mais radicais. Consequentemente suas ações são mais radicais.
A categoria explorados no trabalho perdeu impacto, e a categoria de- Em suas ações coletivas não se propõem superar a exclusão nem acelerar
sempregados porque desnecessários, excluídos, entra na moda. A opressão/ 1111inclusão na ordem social, política, cidadã, hegemônica. Nem incluídos no
exploração foi substituída pela exclusão. Processo semelhante no campo da p11,1ç10 de ociedade, ele cidade ou de campo, de relações sociais de produção
cidadania prometida, a partir da escolarização e da educação crítica, diante do 1 ck lnrba lho. Nem pedem pedagogias, projetos de suportabilidade ela exclusão.
Suas ações contestam o sistema social e não pedem para se integrar, ser nele Assim são justificadas as políticas distributivas, compensatórias. Um pensa-
incluídos, nem para ser capacitados para merecer a inclusão. Apresentam-se mento que se pensa progressista, igualitário.
conscientes e capazes de confom1ar outro projeto de campo, de cidade, de O pensamento progressista igualitarista se alimenta do pensar/alocar os
relações de poder, de sociedade, que não os conforme no lugar em que são subalternizados apenas como desiguais. As formas de pensar os desiguais,
pensados e alocados. Entram nos embates sobre reforma agrária e urbana, so- as desigualdades correspondem às formas de pensar o Estado, suas políticas
bre o direito ao trabalho, à terra, vida, moradia, escola, universidade. Entram como corretoras das desigualdades. Destacam-se as desigualdades possíveis
de cheio, sem esperar as pedagogias inclusivas. O pensamento e os rituais de de serem corrigidas por meio de políticas/programas ou cujos resultados são
passagem são contestados. passíveis de ser avaliados, quantificados, gestionados nos limites do Estado.
Essa postura dos coletivos em ações e movimentos não se reconhecendo Visões reducionistas das desigualdades e dos Outros pensados/feitos desi-
como marginais, nem excluídos e contestando as políticas e pedagogias de in- guais, tendo o Nós como parâmetro de igualdade.
clusão trazem para o pensamento socioeducativo e político desestabilizações Reduções frequentes. Ver as desigualdades como carências e os desiguais
que o obrigam a repensar-se e a repensar sua visão sobre esses coletivos, con- como carentes, de condições de vida, de emprego, de moradia, de saúde e
sequentemente sobre as formas de autopensar-se. Nesse sentido, suas posturas renda, levará a políticas supletivas de carências. Ver as desigualdades como
indagadoras das formas como têm sido pensados podem ser vistas como ten- problema moral, de falta de valores, de hábitos de trabalho, de sustentabili-
cionadoras do campo do conhecimento e das políticas e pedagogias. Mostram dade ou como falta de educação levará a políticas moralizadoras para superar
como o pensamento socioeducativo e as teorias pedagógicas são condiciona- as desigualdades. As formas de pensar os outros sujeitos sociais coincidentes:
das pelas formas de pensá-los e de tentar confo1má-los. Aliás, as formas de desiguais pelas carências, pela falta, logo as políticas do Estado se legitimando,
pensá-los são construídas à medida dos limites das formas de tratá-los ou nos suprindo carências para a igualdade.
limites das políticas. Políticas de inclusão é o máximo a que o Estado pretende As formas mais radicais de pensar, explicar e intervir nas desigualdades
chegar a uma inclusão subalterna. es tão se diluindo e simplificando ao reduzir as desigualdades a carências, a
·xclusão. Uma forma de substituir políticas de igualdade por políticas/pro-
gramas de inclusão ou de suplência de carências. Há uma intencionalidade
Não se reconhecem como desiguais
política nesses processos de descaracterizar as desigualdades, de reduzi-las a
Outra categoria para identificá-los também é contestada: os desiguais. dimensões mais leves, passíveis de correções leves, por exemplo: toda criança
Aqueles coletivos que engrossam as desigualdades de nossas sociedades tão na escola, alfabetizada na idade certa! E as desigualdades serão superadas.
desiguais. Os coletivos pobres, na linha da miséria, revelariam não tanto que
Os Outros em suas ações coletivas não se reconhecem nessas formas de pen-
o pensamento os separou em margens, muralhas, fronteiras, mas se reconhece
:,ó-los como desiguais apenas em condições de vida ou em valores. Quando de-
que os tomou desiguais, porém apenas desiguais em condições de vida, de
i ·ndem a igualdade levam suas lutas mais a fundo, igualdade no ser, no viver, no
emprego, moradia, saúde, escolarização, letramento, nível de renda. Desiguais
s ·r reconhecidos como humanos, não desiguais porque inferiores, sub-humanos.
inseridos dentro da sociedade, da ordem desigual. Já inseridos em uma hie- Nessas desigualdades mais radicais foram produzidos porque diversos, em raça,
rarquia social. l'lnia, gênero, orientação sexual, campo, periferia. Desigualdades mais radicais
Essa conceituação dos Outros subalternizados desperta a sensibilidade do do que nas condições de vida e nas carências morais. Os coletivos levam os em-
pensamento socioeducativo, das políticas compensatórias para suprir as ca- bales, contestam essas formas superficiais de pensá-los em que se legitimam as
rências e desigualdades das condições de vida a paiiir da infância. A escola lonnas históricas de classificá-los e as políticas e as pedagogias de tratá-los e
se afirma nessa visão como niveladora, como capacitadora para a igualdade l'ducá-los. Apontam outras formas de pensá-los mais radicais. Se sua diver-
nas condições do viver a partir da infância. Qualidade da educação pública 1clade social, étnica, de gênero está na base de sua desigualdade nas condi-
para garantir a igualdade social. Toda criança na escola, bons desempenhos ,·,k:s sociais de vida, como membros desses coletivos reagem a políticas e
no domínio de competências de leitura e de cálculo, alfabetização na idade p ·dagogias compensatórias, distributivas, moralizantes e apontam políticas
certa, nivelarão as condições de vida e os Outros, desiguais serão iguais a Nós. • pedagogias das diferenças, afirmativas.
Mostram-se conscientes, politizados de Estado e grupos subalternizados. Nas resistências desses grupos a essas
Poderíamos pensar que os coletivos em suas ações e movimentos se l'o rmas de pensá-los e de tratá-los reagem e contestam as formas de pensar- e o
contrapõem às formas de pensá-los a partir do pensamento sócio/educativo/ Estado, suas instituições, políticas e programas. Tensões carregadas de apren-
político, inclusive progressista? As categorias familiares a esse pensamento dizados, que levam a afirmar-se presentes, existentes, conscientes e resistentes
para nomear os coletivos populares têm sido inconscientes, pré-políticos, a essas fonnas tão superficiais de pensá-los.
tradicionais, pré-modernos. As divisões e polarizações não seriam de ter- Essas formas de pensar os grupos populares que se fazem presentes nas
ritórios, margens, muros nem desigualdades nas condições de vida, nem na escolas, nos campos, nas cidades, em ações coletivas e movimentos têm le-
diversidade étnica, racial, de gênero ou território, nem sequer de humanos e gitimado as orientações de políticas, as teorias pedagógicas, as didáticas, os
sub-humanos, mas apenas e fundamentalmente de conscientes/inconscientes, currículos e a docência. Na medida em que esses outros destinatários dessas
politizados/despolitizados. Porque inconscientes e despolitizados ou sumidos políticas e didáticas não se reconhecem nessas formas de pensá-los, as po-
na consciência falsa, em crenças, tradições, misticismos, na consciência do líticas, as teorias pedagógicas, as diretrizes, os currículos e a ação docente
dominador, opressor, passaram a ser marginais, excluídos, desiguais, segre- deixam um vazio de legitimidade. Para onde avançar?
gados, oprimidos e ainda inconscientes dessa condição. Consequentemente
passivos, subcidadãos, massa de manobra dos conchavos políticos.
Certas pedagogias libertadoras, conscientizadoras, politizadoras, críticas
partem dessa visão do povo para se afirmar com a função de tirá-los desse es-
tado de inconsciência e de falsa consciência, de des-politização para levá-los à
consciência crítica, política, participativa, cidadã. É significativo que os movi-
mentos sociais mais radicais não se reconhecem nessas categorias nem nessas
"pedagogias", trazendo indagações desestabilizadoras sobre essas formas pro-
gressistas, críticas, de pensá-los e tratá-los. Elas são vistas como pedagogias
também do lado de cá, do Nós, conscientes, politizados para eles, nem sempre
impostas, prontas, mas até construídas com sua participação. A própria inclu-
são participante dos coletivos populares é explorada como conscientizadora e
capacitadora para a participação política, cidadã.
Os coletivos em suas ações se chocam com essas "pedagogias", deslocam
o foco da participação para a luta, o conflito, a ocupação, a proposta de outra
política agrária, urbana, educativa, de outra escola, outra universidade, outro
projeto de campo e de sociedade, outras relações políticas. A radicalidade de
suas ações mostra a superficialidade de categorias cultuadas do lado de cá, da
sociopedagogia até progressista: conscientização, politização, cidadania críti-
ca, participação ... Por aí os coletivos em suas ações e movimentos pressionam
por uma repolitização e radicalização do pensamento socioeducativo progres-
sista. Suas pedagogias são pressionadas a superar os limites de origem em
que se enredam: ter como matriz o pensar polarizado dos coletivos humanos.
Pensar o povo sumido na falsa consciência.
Há uma intencionalidade nessa diversidade de formas de pensá-los: legiti-
mar as formas de tratá-los e autolegitimar as agências, instituições sociais, po-
líticas e culturais, suas ações, programas e políticas. Autolegitimnr as relações
QUE OUTROS SUfEIT0S. QUE
OUTRAS I'EDAG0GIAS?
Outra categoria co moda. !\té no MEC a Secretaria da Diversidade (Secad) virou Secretaria da
. d . . , m que o pensamento social e educativo os tem pensado Inclusão. Temos um pensamento socioeducativo construído nessa dicotomia
l
erataoeexcuidoso· 1 , ..
. · iante do aumento do numero de rnargmais no <lesem~ exclusão/inclusão. Urna característica é ser um pensamento conformado de
prego, na sobrev1vênci . . '
.. , a, no trabalho informal e diante da massificação ela po- ·& dentro do muro para os coletivos pensados fora.
breza e da misena , . ' '
em nossas sociedades, a categoria marginal perdeu sentido
A s promessas de tirá 1 d . . ~ · · -::_ ~: significativo que os próprios coletivos pensados como excluídos não
. ' - os a margmalidade via percursos escolares exitosos -J
fi cmampromessasvaz· A -·" usem esse adjetivo para nomear-se e identificar-se. Não se aceitam pens8dos
·b·i·d d d ias. s esperanças que essas peda 0 o 0 ias carreaavam de
poss1 1 r a es e revert . . . e- o o nem como marginais, nem como excluídos. Nem defendem os projetos e pe-
,d . , d. ·t .b . era margmalidade por 111e10 de ações e políticas socio-
e ucatnas 1s n utrva ç • d .... dagogias de inclusão, escola. currículos inclusivas; nem tutam para que sejam
. s 101 per endo força. As distancias entre os coletivos da
margem de ca e aquel tl . . rnais eficientes. com mais recursos, que os incluam logo a Lodos. Sabem-se
d d es a margem de la se tornaram mais profundas apesar
o aumcn Io e sua esc 0 . _ . , produzidos e inferiorizados cm processos sociais, políticos, culturais e até pe~
(ARROYO, 2010)_ 1anzaçao e de sua presença nas mstitu!ções públicas
dagógicos bem mais radicais. Consequentemente suas ações são mais radicais.
A categoria expJ Em suas ações coletivas não se propõem superar a exclusão nem acelerar
~ · orados no trabalho perdeu impacto, e a categoria de-
sempregados porque d , , . , .') sua inclusão na ordem social, política, cidadã, hegemónica. Nem incluídos no
• ~ íi . b . esnecessanos, exchndos, entra na moda. A opressão/
1
exp maçao 01 su stnu·ct 1 a pe 1a exclusão. Processo semelhante no campo da projeto de sociedade, de cidade ou de campo, de relações sociais de produção
.d d . .
c1 a ama prome1ida . . _ e de trabalho. Nem pedem pedagogias. projetos de suportabilidade da exclusão.
'a partJr da escolanzaçao e da educação crítica, diante do
Suas ações contestam o sistema social e não pedem para se integrar, ser nele;;.
?/'--:Às~im são justificadas as políticas
distributivas, compensatórias. Um pensa-
incluídos, nem para ser capacitados para merecer a inclusão. Apresentam-se-;{
mento que se pensa progressista, igualitário.
conscientes e capazes de conformar outro projeto de campo, de cidade, d~-'.f.
relações de poder, de sociedade, que não os confonne no lugar em que sã0,J O ensamento progressista igualitarista se alimenta do pensar/al~car ?s
pensados e alocados. Entram nos embates sobre reforma agrária e urbana, so,. t subalt!·nizados apenas como desiguais. As formas de _pensar os des1~u_a:s:
d s·aualdades correspondem às formas de pensar o Estado, suas pol1~1c~s
bre o direito ao trabalho, à terra, vida. moradia, escola. universidade. Entrarn:S
as e 1-'='o 'elo' ,as das desigualdades. Destacam-se as desigualdades possiveis
cli.:: cheio, sem cspcr;.1r as pedagogias inclusin1s. ü pensamento e os rituais dei; como e n , · , ., 1 d
de serem corrigidas por meio de politicas/progrnmas ou cuJ_o.s .kst~ !a
-
~ao ts
passagem são contestados. ::t-
,.,\
'.º:ai~ino ce':1e do pensamento moderno social. político e cultura!. Embates bili7H a nrdem é que suas ações os façam presentes no lado de cá e com uma
tdenti_cos estno postos no pensamento político educacional; aos movimentos pn:scnça que quebra as formas de pensá+los como exteriores, não copresentes.
press10~ai;do por políticas específicas de reconhecimento e afirmacão dos Cnmo incomodam suas presenças no sistema escolar antes tão pacífico!
povos 1~d1genas, do campo, afro+descendentes lhes são oferecidas ~olíticas Outro traço das virtualidades fonnadoras pedagógicas dessas ações afir+
gen~:altstas, comp~nsatórias, distributivas, não afinnativas das diferenças. mativas é serem coletivas. Foram decretados inexistentes como coletivos ra-
Pohticas apenas de mclusão. ciais, étnicos, de gênero. Suas presenças afirmativas e copresenças adquirem
sua relevância formadora _ , . -· --. -::
1
condição de inexistência 'vf:~:gdo!i;.:pe/;; ttt_reação~n~gação coletiva ~ A produção dos Outros como sub-humanos
ma· fi · r: 0
e ivos, nad de fora Quan
e is e cientes ioram os processos de relegá-los , . . , . . . Boaventura de Sousa Santos (SANTOS & MENEZES, 2009: 23) nos lem-
são de forma rnd' _ _ _ a mex1stencrn e a sua excl · bra que a radicalidade maior do pensamento abissal é a negação, a ausência
1
presença e de exit~l~n~~~.q~t:n~:t:nor~~ a_pró_p_ri~ forma ~cei_te de inclusão, de:- de humanidade para os Outros, ou sua clnssificaçào na condição de sub-huma-
a - 1 ., olct1\ os. m<1101 a relevancrn pedagógica das":
çoes co etnas que desconstroem esse,·" e'anones. ~ nidade. "A negnção de uma parte da humanidade é sacrificial na medida em
/.,__,
que constitui a condição para a outra parte da humanidade se afinmir enquanto
Quanto mais radicais foram em nos h'15 t, 11.· "·
recluí-los . . sa º ª os processos abissais ct"· universal.'' É a forma mais radical da produção da inexistência dos Outros: ser
no outJo lado da lmha, maiores as potencialidades J d , .
:1~:i pp~~:css~s _de s: fazer presenl:s, coexistentes em nos<sa hi~~r;;_ºt
gogias que Lentaram torna-los inexistentes carr , . . . -,';;
condição para que o Nós se afirme como a síntese da existência humana. Os
Outros invisíveis corno humanos para dc:stacar o Nós como síntese exclusiva
des tão radicais, que virtualidades ainda mais radicais , eg,ua,,~ v1rtua/ida._. da humanidade.
,,agias co · • ' ' cncon iar nas peda· Esses processos históricos tão marcnntes cm nossa formação tocam de ma-
e ' m que res1stm1m a inexistência e com que se . d - . · ..
e se manifestando copresentes') Falta ao , ~10 uzirnm sendo _ neira focal na confonnação do pensamento sociocducativo. Teria c!e se confor-
centralidade devi d . .. , ~ pensamento socmeducativo dar,{'· mado nessa v·isào dos indígenas, negros, camponeses, trabalhadores empobreci-
Scl e· . a a esses piocessos tao conformantes de nossa história
ou ocultamento não in os t.ia o papel do pens·imento ·:· dos como sub-humanos? Em que processos pedagógicos se produziu e reproduz
· t d squecimento
.
cme uc~t1vo na decretação da inexistência desses coletivos') lg' . . so- ·, essa conformação'? Um dos traços que o pensamento socioeducati\'o ostenta
pedagorr1•is d . 1 ~ • nrnai essas.,, corno rnarca histórica é seu humanismo: educação como humanização, como
na i;1cxfs;ênc~a.p1oc uçao de suas inexistências é uma forma de mantê-los,:: fi.mna(,:àO conw humanos. Mas qual o referente de humanidade a formar? Em
nosso pensamento sacrificial não foram os Outros vistos e classificados corno
Sem dúyida que essas ações col f , .. :i
pedagógico inda nações esp, 'ti . el nas_ ~ia:em pa~a O _pensamento social
~ , . e cc1 cas e e nossa Jormacao histórica - "d0 S I" ':'
e:'· sub-humanos para o Nós ser tido como a síntese da humanidade?
que nao tem vmdo e si·cto postas ao pensamento socio
' ed· , . . u , .- ..
Se nos aproximamos às concepções de formação, de desenvolvimento hu-
::'c:~~~:~~º;,;;~c~'.;'; 1
:;:
1
i:s ',~~~"'.:º· htm;anista, ilt~t,:::,g,:::d:~,;~s~,'.~'. ·•
mano. de socialização e aprendizagem, de percursos escolares, de fonnação/
humanização não será dií1cit constatar que l"orarn constrnídos nesse referente,
ª:;
1
1 1
sociais trazer indagações e aç~es a~r!~~:,::nt~~\:~::~:~~ ; 2 ::vim~nt~s ·. sintese <le humanidade, o Nós. As ênfases repetitivas da infância, adolescên-
O1
gern repensar radicalmente as leorias pedag, . 1 ,. . . qui;: ex1- .-. cia pobre, negra, favelada, do campo como Incapaz de aprender, com pro-
na e .fi 'd d d og1cas eg1lunas. Pensá-las daqui . blemas de aprendizagem. de condutas. de socialização, de humanização está
spec1 ci a e e nossa formação social, política e cultural. .-'
incrustada em nosso pensamento socioeducativo como uma premissa. Nos
Outro traço dessas ações coletivas é L • •
sofisticados mecanismos ele avaliação. clussificação, os íracassos históricos
ma tão afirm · . , .. q ie. ao se afü mm presentes de for-
.d . ativa, ex1g1::m polit1cas afirmativas na diversidade d~ e d persistentes são vistos como inerentes à condição dos grupos populares como
v1 a social econôm· l'. e ampos a
, ica, po H1ca, cultural, cognitiva Descst bT inferiores. o que tem operado como mecanismos para destacar a superioridade
do Estado, de suas políticas: agrúria, urbana educa.t" d, a J izam o cam~o
de D t b'I· ' iva, e emprego de sau cognitiva, moral, humana do Nós.
. eses a l izam o pensamento moderno
•. '
ab,·ssal 1·
,as om1as epensalo
d ,, ' -
1 e
as po it1cas pedagogias de alocá-los e "cd ,
uca- 1os " Os Outros ao -r: s e A teoria educativa e as pedagogias têm-se recusado a repensar-se como uma
presentes e copresenles sair
·
da ext . .d . · ·
· enon ade e mexislên, ·
se iazer
,..
, produção articulada a esses mecanismos sacrificiais da humanidade dos Ou-
pensados desestabilizam esse . eia em que 1oram tros para afirmar o Nós como a síntese da humanidade e dos processos de hu-
56
Seus movimentos e ações coletivas podem ser vistos co11)0 uma reação nii::
carregando suas positividades contestam um pensamento soc,i~~ e pe~~~ó,gico
medida em que em suas ações se mostram presentes, existeÍltes, incômodosf
,que se confommu e legitimou nos me~mos_ pr_ocessos ~ relw;?e~ pol1t1cas ~m
Mostram-se presentes na arena política, econômica, cultural, pedagógica, n-aS;~
que O pensamento sobre esses coletivos mfenonzados foi constJ~wdo. ~s.}co~ia~
marchas, ocupações, nas cidades e nos campos. Nas salas de aula com su~;t
e práticas pedagógicas escolares, tão segregadoras ~ rc~rova?01~~ da 111:,<1'.1c_:~ e
presenças incômodas. Uma presença coletiva afirmativa de que não se re{J,
adolcsct!ncia, dos jovens e adultos populares, tambem sao abissais e sac11tic1a1s.
conhecem, mas contestam as formas negativas, inferiorizantes em que foramJíi
pensados. Nessa afirmação como sujeitos existentes, contestam de rnaneifi_f'.· Disputar os próprios espaços de produção, sislematizaçào_ d~ _conhecin~en-
.. ,.,
,
to confrontar seus conhecimentos, sua racionalidade, seus cnt~nos de valida~
radical, na raí;,;. o pensamento que os pensou e classificou como inexistenteSoi-ii'
como meros objetos e produzem outras formas ele pensar-se. Reações forma~/~ d~ com os conhecimentos, a racionalidade. os critérios de valida_d~ pensados
doras. pedagógicas. "''
J. como únicos. legítimos é algo muito novo nos novos sujeit.os sociais. Mudam
a direção em que O pensamento educativo po1'.u!ar se confo1:mou: levado dos
Por aí suas presenças afirmativas colocam desafios no campo do conhe-.J::
centros do pensamento válido por intelectuais comprometidos aos ,es_p~ç~s
cimento e do pensamento pedagógico. Sua presença organizada, coletiva en:(C' "" criados de conscientizaçào. cullurn, educação. Aí nasceram pedagogrns radi-.
nossas sociedades se tomou tão incômoda por ser presença afinnativa, logo/l
cais. Ao mudarem de direção os coletivos populares se sabem com outro oll~m
reação a um pensamento que produziu e legitimou seu ocultamento e sua n~/;f
dif"crente do olhar com que foram pensados, com outros saberes: com Out1.~s
gaçào como sujeitos, como humanos. Obrigam a conformar outras formas de}{
Pcdauoiuas. Sabem-se mais feitos e conscientes do que como toram pens~-
pensá~!os. Os significados de suas afirmações inauguram outro pensamento:)\%
dos 1: 1r; ser subordinados e até conscientizados. O movin~~nt.o que se.~ro?o~
que trazem para o debate polilico.1epistemológico/pedagúgico. Como toma/?! educú-los vai de cá para lá, 0 movimento atual dos colett~~s popula1es e d~
visível esse outro pensamento, esse autoconhecimento e essa desconstrução\f
l.l para cú. Fazendo-se presentes, com uma afirmação positiva no can:po. 11<1
das formas inferiorizantes de pensá-los? Com que pedagogias? Poderão ser as :'L
cidade. na política, nos centros de cultura e de conhecimento. Um mov1rnento
mesmas com que foram ocultados, infcrioriü1dos'? Nos tempos e espaços de,:;;,
de diúlogo horimntal no reconhecimento.
encontros, estudos. reflexão essas questões eslão postas. Nos seus cursos de Peda~-
Nessa presença afirmativa· nos• espaços· de p roducão, .do conhecimento
, . . ., .e
gogia da Terra, Formação de Professores do campo, indígenas. qui!ornbolas,
de ações afimrntivas e nos encontros da Universidade Popular dos Movimen- ·1• t
espec1 1camcn e e d- produção d·is
, teorias e pedagogias
~ soc10edm:at1vas
_ . . .· 1cpoh-
.
tos Socíais (UPMS) essas questões estão postas. Até nas escolas públicas os tizam O papel que tiveram e continuam tendo na sua produçao hist~-11ca ~º'.:~º
docentes/educadores se defi-ontam com essas questões. subalternizados. Mas também mostram que esse pensa:nento. ess~s. tcrn1<1~
e pedagogias trazem as marcas conformantes que ~ersistem elas !~ 1 ~~as ele
A centralidade que os coletivos dão em suas ações ao ocupar os espaços
pensá-los como inferiores no po!o negativo para lrazc-los para o po~1t:vo_. At:
da pesquisa. produção, validação do conhecimento, onde se validam as formas
pensar assim os Outros corno infCriores, o pensamento se pe1:sou, as konas ~
di.:: pensá-los pode ser um indii.::ador de que aí pretendem marcar sua presença
pedago\.!.Ías socioeducativas se pensaram e conformarat:1 a SI mesmas c~m .t
contestadora das formas de pensá-los. Além de fazer-se presentes de maneiras
função ~ivilizatória, conscientizaclora. inclusi\"a, educativa, tendo como 1efe-
afirmativas nos campos e perifcrié!s se fazem presentes, afirmam-se sujeitos de
rentc o Nós civilizado.
direitos coletivos nos próprios espaços da produção do conhecimento, escolas, J
universidades, a fim ele desconstruir a imagem negativa, de inexistentes cm /\. Na medida em que os grupos sociais subalternizados desconstroem
. as
,
que fornm pensados nesse campo. A fim de desconstruir, ao menos questionar ),: imancns cm que foram pensados abrem o caminho para rec_onlorm~r o pro-
o pensamento moderno abissal e sacrificial. pri )~ampo cio conhecimento e das teorias e pedagogias soc1oeducat1vas que
se ~oi;figuraram nessa forma inferiorizante de pen:á-los e de pensar-~c. ~n~a
É igualmente significativo que. como diligentes, militantes, educadores ::;,
contribuíçüo de extrema relevllncia lrazida pelas aço~s e pre~enças a~1,matn.;1s
deem tanta importância a reafirmar-se presentes nos cursos de pedagogia, de
dos colelivos: para repensar-se as teorias e pedagogias_ socmeducat1\~s.:eia~
confom1ação e reprodução das teorias sociais e das pedagogias que os confor-
que repensar as formas como têm sido pensados os d1ver~os e os dlf~ient~s
maram. Corno se mostrassem que prelendem repolitizar esse pensamento e es-
em classe. raça, etnia, gênero, campo, periferia. Mas ta~1~c_m n:_pensai o Nos
sas pedagogias que os têm confom1ado pelo negativo. Ao se fazer presentes
como a pretensa síntese da humanidade. da cultura. da c1vil1zaçao.
. .rensar as refações entre a ões e l . . / .
exige adentrar-nos nessa repç 1·,· o _et1vas e conhecimento e entl/e pe .
. o 1 1zaçao que .
a fi rmat1vos repõem sob.
. , .
na historia da conforma _
te sua produção em
., .
os co 1etivos populares pr
h' , .
nossa 1stona e especi:fi -·
__ 4
çao nas c1encias sociais e pedagógicas .-,.
Reconhecer essas formas Ião bmtais . . . ·:
subalternas em nossa história t. . . - e radicais de pensar, alocá-las.
rias e práticas pedag' . iaz exigencias igualmente radicais par __, PEDAGOGIAS GESTADAS NO
og1cas, para as polít" ct· . _
a superação dessas fonnas inferioli t _icas_ e ire(nzes: o reconheci --_,
PADRÃO DE PODER/St\llER
ordem social e política cultu I zan es, .m~x1stentes de pensá-los e alocá
l ' ra epedagogi , . _ .
e aborar outras políticas O t.. p d --. ca e precond1çao s1ne qua 11011:
, u ias e agooias · • . ·
za d oras. Exige-se uma inten ~ .. 0 mais 1gual1tárias, mais h
, . çao exp11c1ta de ,
propno campo da acão p 'd , . Superar, de não reprod
, t: agog1ca esses d d
como sub-humanos. mo os e pensar e Lralar os
Os coletivos em sua pluralidade de ações não contestam apenas o lugar do
outro lado da linha, onde foram jogados na condição de inexistentes, sub-humc1-
nos, pelo pensamento abissal e sacrifical, mas vão além e mostram os proces-
sos pedagógicos com que foram conformados nessa condição. A todo modo de
pensá-los têm correspondido modos, processos pedagógicos de confonná-los e
de ·'salvá-los" da sub-humanidade. Civilizá-los porque pensados bárbaros. Dessa
visão parte a empreitada civilizatória e educativa nas Américas.
Como entender essas ''pcdagogias"? A primeira constatação é que tanto n
elaboração do pensamento como dos processos para confonná-los e para educá-los
estão intimamente estruturados entre si e com as relações sociais e poHticas em
que se dão. Com a especificidade de nossa formação política, social, cultural.
São pedagogias pensadas e enraizadas aqui na especificidade de nossa história.
As f0rmas de pensar os indígenas, negros, qui!ombolas, ribeirinhos, das flo-
restas como as formas de pensar os trabalhadores dos campos e das cidades
se ai1icula111 com as relações sociais, de produção, de trabalho, com o padrão
de poder, dominação/subordinação a que esses coletivos foram subordinados.
Quijano (2005) levanta a hipótese de que essa construção dos Outros está asso-
ciada ao padrão de poder/saber colonial que persiste nas relações do capitalismo
moderno. O padrão de poder exigia, implicava um padrão de conhecimento.
da N~ rec:_nstr~çõe~ da no,;sa história cio pensamento social e educativo i/ gogias de libertação que os coletivos apontam em suas ações e movimentos.
Comecemos aprofundando. Por onde passou e continua a passm essa constru-
s ;e agt~;:,rns nao sao reconhecidos esses vínculos com a especificidade da .
coniormacao ·iloc ,.. d O .· ção dos grupos populares como inexistentes, sub-humanos em nossa história?
, •' açc10 os utros subalternizc1dos em nossa história. Esta {:
mostrac1a como uma herança das ideias e id . , - . d , . .
da m d .. d d . ' eais soc1ope agogicos e políticos
o ernr a _e de que nos apropnamos para modernizar civilizar os ~ru o _, A prndução dos Outros como inexistentes para o conhecimento
populares, agu1. Até o pensamento soeiopedaoógico crr't'1c, ,· r g p S'
ei ·. d d ti ''=' osevcconiorrnado Boaventura de Sousa Santos destaca dois campos ele conformação dos
n~~n~ o e ora. N~ reconstrução da herança do educador Paulo Freire e . Outros como inexistentes, sub-humanos: "O conhecimento e o direito mo-
movm1_ento de eclu~açao pormlar se dará mais destaque às suas raízes cr· ~o·:.
dernos representam as manifestações mais bem conseguidas do pensamento
l1L'.manrstas e nrnrx1stas, ao pensamento dialético de Ma. . . , istas,
cristão-humanista de Emanuel M .. d
1
. _x e ao pens.unento ., abissal,. (SANTOS & MENEZES, 2009: 24). No campo do conhecimento, o
1
mentos e acõ · oumei O que ª seu dialogo com os movi~ , pensamento abissal concede à ciência moderna o monopólio dc1 distinção uni-
nã , d, ,· es ~olet1~as, das reações à sua opressão e desumanização. Também > versal entre o verdadeiro e o falso, entre as formas científicas e nilo científicas
0 se es aca <1 sua mterlocucão co
a l t l d . - . m o pensamento de Frantz Fanon e com de verdade: os conhecimentos, as ciências que se dão deste lado ela linha. Essa
Pa~l a ~~ ~. e,sco!omzaçao ?os paises africanos. O pensamento educativo de concessão desse monopólio de verdade leva a invisibilidade de fonnas de co-
herai~ ~1 ~11 e/ .sua peda~~gia são urna construção cm diálogo tenso com essa nhecimento que não se encaixam nessa validade de fornrn legítima de conhecer:
ç, e o1 a e em dialogo marcm1te com a nossa dra , . .
conformação sac 11··fi • 1 1 . mat1ca heiança de os conhecimentos populares, leigos, plebeus, camponeses, afro-brasileiros ou
. ·_ eia tos subaltermzados, oprimidos, c,,,no .
sub J E 1ne:-.:1sten[es, indígenas situados do outro lado da linha. ··Eles Jcsc1parccem como conheci-
- mmanos. -m lutas por libertação.
mentos relevantes ou comensurá\·eis por se encontrarem para além do universo
' Sem _essa pe'.·cepçào aguda da visceral relação entre o pensamento e do verdadeiro e do falso[ ... ]. Do outro lado da linha não há conhecimento real;
pc,~agogias_ de l1bertação/emancipação conformado em nossas sociedadeª,' cxiste111 crenças, opiniões, magia. idolatria, entendimentos intuítivos ou sub-
la mo-americanas e a esp ·fi ·ct d d _ . . '
ec1 c1 a e as formas de silenciamento, inexistência, jetivos[ ... ] conhecimentos tornados incomensuráveis e incompreensíveis por
62
<•"• com que pedaoogias esses pro-
não obedecerem aos cânones científicos de ~erdade" (SANTOS & ~ENE ··-· - .. . se outr:15 ~onnas de pensar. l~t~:~::°r:ram e coutinu:m configuran?o
2009: 24-25). ·;;\''éeSSOS tão radicais no campo do co 1ech_ t. . . t 11tas pedagogias bem-intenc10-
,- --· d · bases 1s oncas a
Pouca centralidade tem sido dada na teoria pedagógica ao conhecir _·' .... 00-gtupos populares e~xa se'.n . . 1 - do saber do conhecimento crítico,
.. - mstrmr levm as uzes , . d
to enquanto um dos campos mais bem~sucedidos do pensamento abissal~_ nudàS qu~ se. propo,em . '. . ento dos saberes populares. Qual a capa~id~ _e
conformação dos coletivos sociais, étnicos, raciais como inexistentes. P 'da consc1ência e ate do reconhecim , 1 b. t ·s radicais,abissais e sacnficims
eda o ias para se contrllpor aque as 'u ai , . •J
sabemos do pape! pedagógico que leva a concessão ao saber científico do . destas P g g . existentes para O conhecimento.
ed oias ue os produzem como m " .
nopólio da verdade em detrimento de conhecimentos alternativos. Como ."' p ago,,,. q_ - tas e movimentos apontam a necessidade de
bemos pouco da força pedagógica de tornar invisíveis os coletivos popul Os coletivos em suas açocs.' lu . . , . , 11·io campo do conhecimento.
d · mais rad1ca1:. no pio\
e seus conhecimentos e formas de conhecer, ou dos processos que decre _ responder com pe agogms ' . d t. da e permanência nesse campo
d.,· antes e sua en ia ,
seu conhecimento real, histórico como inválido porque fora dos cânones·_. Contrapõe111-se aos con icton . . .,·tu. ões de produção/validação do co-
a sua presença nas ms I tç ., •
validade. Decretar os Outros inexistentes para o conhecimento faz pai1e e vêm 1utan do pc l' ... a ignorância, lnconsc1encia,
_ . r à prova nem supe1 ai su
pedagogias de sua inferiorizaçào históric8, intelectual e cultura!. nhecimento. Nao pai a po : . .d d, de seus conhecimentos e de
. · existência e mva 1I a e . , .
Nossas crenças na força pedagógica do conhecimento sobretudo crftf irracionalidade, nemª 111 · . rn validados pelos cntenos
, ~. nem para tentar que se.13 '
como fom1adora de novos cidadãos, s1Veitos críticos. conscientes, instml suas formas de con 11cci.:1. ·Jd tnzem seu:o. saberes para serem
. d . rdadecdeYe1ca e.mas '-
racionais, participativos se defrontam com essas Outras Pedagogias muito he!!emorncos e'ª 1 . coi,sciências formas de pensar
~ 0 conhecimen1os, '
radicais porque mais brutais com que o campo do conhecimento tem operado afirmados. contrapostos com. , . , i,t,·os de verdade e validade.
•
alternativos, .. 1·d do~·' em cntenos o
\d 1 ª d',;-
nossa história. As vítimas dessas antipedagogias se colocam nos dias de estu , . . ·arre anelo as positividades de sua con iç,10
com que pcdagogias dcsconslruir no próprio campo do conhecimento, inclusi Suas presenças afi1 ma tivas, e g d .. 1 ~ de validade de outras
. 1 . t s de culturas. eva ores,
do conhecimento pedagógico, processos que continuam nos produzindo co de sujeitos de con tec1m~n ~ .' b. 1 ~acrificia! lJUe marcou as formas de
. pu- ·m , Jogica a 1ssa e, d
inexistentes para o próprio conhccimenlo'? Ou que procbmam a visibilidade vcrdalk'S se con l r,1 e '1 . ..1erno e a pedagogia mo cr-
. . rói)rt0 pensc1mento muu ..
formas de conhecimento racional. verdadeiro. crítico, consciente relegando _ p~nsá-los e de pensai-se o p . fi ,ativas està ern desest8b1l izar o
• , dess-is presenças a rn
invisibilidade e inexistência os Outros e seus c(inhecimentns alternativos porql( na. A fon;a pec1agog1ca ' .·, · ·os de validade que produzem
• · entoedeseusc11e1 1
irracionais. do senso comum, inconscientes, acrílicos? ('0111 as mesmas quest- própri,1 .:mnpo do con 11ectm , . ias formas de conhecer. Se
. . , . . · •v•isaelespropnoseast, '
se defrontam os docentes/educadores que trabalham com a infãnciaíado!esc~ como 111cx1stentes, 111v ISI e, . ·o hecimento operaram para pro-
eia e com jovens e adultos populares pensados também como inexistentes para-:, . b t' · propno campo e1o c n .
as pedagogias ru ,1_1s no . . de conhecimento, as pedagog1as que
o conhecimento: '"com problemas dt: aprendingem". duí'ir seu Jcsapnrecunento corno SUJCLt~s . Oºtrar seus saberes. suas
r. . am nao tanto p01 m " ·
A questão a ser repensada ê se as pedagogias construídas do lado de cá.- cks apontam corno e11ca7.eS 1:a~s . , , . - . - nodos como sujeitos de co-
visiveis cnve1s mc01
para tirar os coktivos populares da ignonlncia, irntcionalidade, da falsa cons- \: culturas, mas por tornar-se . '. . , d. critérios de va!id;Jde alternativos.
nhecirncnlos e modos de pensar. SuJe1Los e ')
ciência, não operam também nessas distinções. não partem dessa invisibili~
. :- uais suas virtualidades formadoras. ?ues-
dade e invalidade de suas forrnas de conhecer a serem superadas com peda~ ' Qut: pedagogrns sao essa~ e q ~ , tei1ria pedagógica e as teonas da
gogias cognitivistas, conscientizadoras. críticas. Quando se reconhece que há ·- 1 ·. m movimento poern a ~ .
tõcs que os co et1vos e . d . rcítação de seus significados
saberes, cultura, valores. formas de pensar nesses coletivos, apenas sfio reco- aprendi/agem, Do seu reconhccunento e. a exp J
nhecidos como matéria-prima para, ultrapassados. chegar ao conhecimento dependerú repensar a teoria e as pedagogrns.
válido, crítico, consciente. Chegará norma culta.
. , • d produção do conhe-
As pedagogias que se aproximam dos saberes e da consciência populares lêm spoJ·o de seu lugar na htstona a
Reagem ao de
dificuldade de sair dessas coordenadas em que o conhecimento tem agido na con-
cimento J · -
eda agias das ações co etivas; nao
formação dos outros através de mecanismos tão radicais como a distinção entrt: o
1-Iá um dado a sef destacado ne~sas p g lar nos centros de produção,
verdadeiro e o falso, o estatuto de validade da verdade, a existência e inexistência,
. . 1am a se J<"a"""r
se 111111 ~ ...
presentes no sistema esco ,
visibilidade e invisibilidade de outros conhecimentos e, sobretudo, de Outros
sistematização, validação do conhecimento, fazem-se pres~ntes na ~)rodução\t ''Ocupemos o latifúndio do saber" tem sido o grito politico dos movimen-
cultura{, política, intelectual, pedagógica da humanidade. Reagem ao despojó::f_ tos do campo na aula inaugural dos cursos de Pedagogia da Te1_w e ?e Form~-
de seu lugar na história dessa produção. ção de Professores indígenas, do campo e quilombolas. As n111vers1dades sao
Quijano (2005) nos letnbra da articulação dessas lógicas do conhecimento•~;{ pressionadas a abrirem cursos específicos para dirigent~s. militantes e edu~a-
com o padrão de poder. Um padrão de poder/saber ou o padrão de produção){: dores. Os diversos 111ovimentos, com destaque ao monmcnto negro, press10-
validação de conhecimentos atrelado a um padrão de poder. '·Trata-se de umaJ· nam por políticas afirmativas de acesso e permanência nas universidad~s: Em
especifica racionalidade ou perspectiva de conhecimento que se torna mun?t\ nível da educação básica. profissionalizante e de jovens e adultos_ repolitizam
dialmente hcgemônica colonizando e sobrepondo-se a todas as demais, pré•)\f e radicalizam as lutas que vêm desde os anos de ! 950 pela conformação de
vias ou diferentes e a seus saberes concretos" (QUUANO, 2005). ''i'< um sistema público popular que garanta seu direito à educação e ao conhcc'.-
·.ti menlo. Uma luta que wm adquirindo destaque no movimento indígena, qui-
Quijano parte do reconhecimento da existência de uma racionalidade e de}'.·
lombola, negro. do campo por escolas em suas comunidades de orige~n, p,el_o
um conhecimento prévios e diferentes que foram colonizados pe!a racionali-\.i
direi Lo a suas lingliagcns. memória, história_ cultura e sua inclusão obngatoria
dadc colonizadora. Reconhecimento ausente nas narrativas de nossa história/t
nos currículos (leis 10.639/03 e 11.645/08).
do conhecimento e da racionalidade. Antes da conquista as Américas ermrt.@·
desertas de conhecimentos. de culturas, de pensamentos válidos. Nada sabe; /f Os movimentos na diversidade de was ações vêm tendo um pnpel reconfi.-
mos dessa história anterior à colonização, simplesmente porque decrcta111os{1~ "llr<.mte de nossos sistemas educacionais seletivos e excludentes e de suas pc-
os povos originários como inexistentes, sub-humanos. -TJ..' dngogías reguladoras, trazendo novos embales ao campo do conhecimento. de
sua proUuçào. pesquisa e sisternatiznção. Esse conjunto de ações retorn_a __ ma~
O autor aponta que essa história teve duas implicações decisivas. A pri-t%
,·ai além. as pressões populares históricas cm nossas sociedades pelo direito a
n1eira é óbvia: todos os povos colonizados, índios, negros, caboclos. foram }l
diversidade de conhecimentos socialmente produzidos. Nesse sentido, as ações
despojados de suas próprias e singulares identidades históricas. A segunda,·\:
populares coletivas contemporâneas radicalizam suas rel~çõcs históricas com
sua nova identidade racial, colonial e negativa, illlplicava o despojo de seu :'."
0 conlii:cimento e com seus espaços de produção, sistcmat1zaçào e de acesso.
lugar na história da produção cultural. intelectual da humanidade. O padrão de
poder implicava também um padrão cognitivo e cultural. Essas pressões históricas pelo acesso e permanência nos cspa~os do co-
nht:;cimento t.!Stão sendo redefinidas em aspectos nucleares: de ofertas para
Os movimentos sociais reagem a esse despojo de seu lugar na história
os excluídos. passaram a se caracterizar como espaços de lutas d_aqu_el~s
cultural e intelectual da humanidade, ao criar seus espaços, oficinas. escolas,
mantidos historicamente fora. Lutas pela ocupação dos espaços e mstmu-
universidades populares e ao ocupar os espaços hegemônico.~ de validação
(,'.ôc,; ck dentro. fazendo-se coprcsentcs. De destinalltrios d~ políticas _di,s:ri-
do conhccimen!o. Mostram a falsidade das narratlvas hcgemônicas da nossa
btiti,·as se afirmam sujeitos de pressão por políticas afirmativas. De cnte1:1(:s
história e da história da educação.
de mérito, êxito individtial em percursos escolares pressionam por Crtle-
A diversidade de coletivos sociais em suas ações e movimentos ,·cm fa- rios de direito e de direitos de coletivos. Políticas afirmativas de direitos
zendo do campo do conhecimento um território de ocupação e dt! disputa. Dão coletivos: Educação, direito dos povos indígenas. quilombo las, do campo,
l{
centralidade às estratégias d.e apropriação e reapropriação crítica do conheci- '., afro-descendentes .. , Não apenas educação direito de um cidadão abstrato.
mento acumulado, seja do sistema escolar, da educação básica à universidade, Não apenas escolas públicas abstratas, mas escolas públicas do campo, in-
s~ja abrindo t!spaços próprios inlracoletivos e intcrcoletivos para a produção dígenas. quilombolas. populares, nas comunidades, con: as marcas de sm~s
de conhecimento próprio e de pedagogias próprias. A Universidade Popular Cl!lturas e identidades, com educadores/professores arraigados nas comum-
dos Movimentos Sociais (UPMS), (SANTOS, 2006), no Brasil e na América dadcs. Não mais polhicas, curríet1los generalistas, mas focados. reconhecen-
Latina, a Escola Nacional .Florestan Fernandes do MST e tantos outros espa- do os diforentes c:omo sujeitos de conhecimentos e de culturas. Nos docu-
ços se apresentam como alternativas promissoras de conformação de espaços mentos produzidos nas ações coldivas vai-se construindo outi:a relaç~o c~m
de produção, diálogo, sistematização, tradução de outros conhecimentos e 0 direito ao conhecimento e aos espaços de sua produção e sistematlzaçao.
Outras Pedagogias. Até outras pedagogias de ensino/aprendizagem.
As tradicionais ênfases: toda criança na escola, educação direlto de todJt com o Nós e suas pedagogias a ler o mundo, a relação teoria/prática, as
cidadão, escola para todos ... , direito ao saber acumulado, à herança culturaL·t didáticas de reflexão critica, de sistematização, codificação/decodificação,
deixam lugar a ações coletivas por educação do campo, educação indígena Jii de organização de seus conhecimentos. Se aprenderem a organizar seus sa-
quilombola. a lutas mais radicais: direito ao conhecimento da história, cultura-\i
b,
beres e forrnas de pensar e de pensar-se nos cri1érios, métodos, didáticas de
memória indígena e afro-brasileira, ações afirmativas, cotas, formação especf/fi validaçilO hegemõnica do conhecimento. Suas ações coletivas trazem outros
fica de educadores, pedagogias e currículos específicos. >f conhecimentos, mas trai.em também outras didáticas e pcdagogias com outros
critérios de validação pedagógica. O que exige reconhecer que as ações co-
O direito dos coletivos ao conhecimento sistematizado nos espaços ctd;4
leti\ as, us movimentos sociais trazem Outras Pedagogias, outros critérios
sistema é um dos campos de pressão das açCies coletivas. Entretanto, os mó'~{~
de pensar. de organizar e sistematizar o conhc:cimento. De formar-se. Será
vimentos sociais enquanto novos atores políticos não limitam suas ações nti11
pússívcl um diálogo entre essa diversidade de pedagogias e de validação de
campo do conhecimento retomando as lutas históricas pelo acesso, ocupandt-Ú0'
os espaços de sua produção. Vão além. \{ conhecimentos?
Com essas questões se debatem os <locentes/educadores das escolas onde
Os coletivos colocam suas ações no campo cognitivo, não apenas na enti
chegam criani;as, jovens ou adultos com outros critérios de pensar suas expe-
trada e permanência nos latifúndios do saber. Ocupar o latifúndio do sabe=r:@1
riências suciais. Não levam à lógica escolar apenas saberes, mas outras formas
é partir de urna constatação; assim como a terra foi apropriada e cercada, ~;'.&i ·
posse legalizada assegurada pela força, expressando o padrão de poder de quéf de pensar e de validar o conhecimento.
faz parte, assim o conhecimento, o padrão cognitivo foi apropriado, cercado·;J0 """ · Condicionar que seus conhecimentos produzidos cm suas ações e experi-
validado, segregado no padrão de poder. Dos coletivos e de suas ações venâi: ências coktivas farão parti.:: da história cultural e intelectual da humanidade se
uma repolitização do campo do conhecimento. do padrão cognitivo mostran/f: · sis{cmatizados, refletidos nas pedagogias e metodologias e ordenamentos hege-
do suas implicações com o padrão de poder que de suas próprias e singulal'eií_l . rnômcos válidos terminará reproduzindo a distinção entre pedagogias válidas
identidades históricas e de seu lugar na história da produção cultural, intelec;,,\i,,. c im(tlidas entre conhecimentos válidos ou falsos. Admitir que são sujeitos de
tua! e até pedagógica. Como repensar as pedag:ogias nessa repolitização dci'i:\j_ produções alternativas de saberes, culturas, leituras de mundo, mas a serem en~
padrão cognitivo, do padrão de poder/saber que os coletivos trazem e expõem{: caixadas na \·ai idade da fonna legítima de conhecer, sistematizar, tennina por
em suas ações para os embates político-pedagógicos? nlio recon!lecer a produção de pedagogias altemativas. Rcconllecer essa diver-
sidade pedagógica, esses critérios diversos de validação de conhecimentos e
colocá-los em diálogo será uma das funções dos encontros de conhecimento
Afirmam seu lugar na produção cultural e intelectual reciproco entre educadores e educandos, entre os movimentos sociais e cien-
<+;~
Um dos embates é sobre as formas como os coletivos reagem à produçãO:i-:i'' tistas, pesquisadores, artis1as na diversidade de espaços de diálogo. A defesa
de suas identidades negativas e ao despojo de seu lugar na histó1ia da produ-\! ·. de pedagogias únicas, válidas pode fechar esses encontros ao reconhecimento
ção cultural e intelectual. Afinnam-se com identidades positivas trazendo das ações coletivas e dos movimentos sociais atuais como produtores de Outras
defendendo suas formas de pensar o real e de pensar-se, de inventar formas de Pedagogias, de outros conhecimentos e de outros critérios de validação e de
produção da vida. Defendem seus projetos de campo, de sociedade, de cidade; n:rdade. Pode inviabilizar diálogos de saberes nas salas de aula.
de universidade. Seus projetos de reforma urbana, agrária, educativa. Saberes 1 Podemos sintetizar as reflexões deste texto: Primeiro somos obrigados
modos de pensar o real, de produzir a vida, de projetos e de políticas que tra- cl p..:squisar e refletir mais sobre as disputas dos coletivos populares pela es-
zem desde seus lugares como contribuição para a produção cultural, intelec• col;,1, pela universidade enquanto territórios, instituições do conhecimento.
tua!, de políticas e de transfom1ação social. Afirmando seu lugar na produção A\ isão mais predominante e reducionista é que apenas demandam o favor
cultural, intelectual, politica, social da humanidade desconstroem seu despojo de entrar na escola e até na uniYersidade. Uma análise a ser aprofundada é
e os processos e pedagogias que tentaram esse despojo. que esses coletivos disputam o conhecimento- ocupemos o latifúndio dosa-
Com essas ações coletivas questionam as pedagogias que os prometem her. Disputam esses espaços enquanto territórios cercados do conhecimento
fazer parte da história cultural e intelectual da humanidade se aprenderem de onde foram segregados pela apropriação do conhecimento nas relações
políticas de dominação/subordinação. Ocupar territórios cercados, ~errubar
cercas tem sido uma forma de luta política dos movimentos sociais e dos
setores populares.
Podemos ir além e aprofundar que conhecimentos disputam. Chama a 1'ARTE 11
atenção que um dos conhecimentos disputados são as formas históricas de
pensá-los. Ao reagir às formas de pensá-los reagem às fom1as corno o pró-
prio campo do conhecimento, inclusive pedagógico, pensa-se a si mesmo.
A questão central não é como foram e continuam pensados como inferiores,
inexistentes. mas como o próprio conhecimento e as teorias pedagógicas fo-
ram construindo sua função social ern função das formas de pensar os Outros
Pedagogias da produção do viver
como inferiores. Uma crítica radical ao conhecimento que vem dos coletivos
em reação a como são pensados. A crítica mais radical vem de se afirmarem
existentes, críveis o que pressiona o campo do conhecimento, inclusive peda-
gógico, a inverter seu histórico papei abissal e sacrificial. A recolocar a produ-
(,:àO do conhecimento em um outro padrão de poder/saber.