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www.unicentro.br/edunicentro
Flávia Marinho Lisbôa
Ivânia dos Santos Neves
Maria do Rosário Gregolin
(Org.)
O GOVERNO DA LÍNGUA
uma perspectiva discursiva sobre o lugar da língua nas
relações de poder no Brasil
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CENTRO-OESTE
Catalogação na Publicação
Catalogação
Rede de Bibliotecas na Publicação
da Unicentro
Fabiano de Queiroz Jucá (CRB 9/1249)
Rede de Bibliotecas da UNICENTRO
Fabiano de Queiroz Jucá (CRB 9/1249)
ISBN 978-65-5597-059-3
Bibliografia
CDD 306.08981
O DISPOSITIVO ESCOLAR 41
DISCIPLINA E CONTROLE NA PAISAGEM DAS CIDADES
BRASILEIRAS NO INÍCIO DO PERÍODO REPUBLICANO
Maria do Rosário Gregolin
DO GOVERNO DA LÍNGUA 71
ENTRE RAÇAS, ÁTOMOS E BYTES
Ivânia dos Santos Neves
OS POVOS INDÍGENAS E AS
TELENOVELAS BRASILEIRAS 147
O DISCURSO DA “FALA ERRADA” DA LÍNGUA PORTUGUESA
NAS FICÇÕES SERIADAS TELEVISIVAS
Vívian de Nazareth Santos Carvalho
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CAPÍTULO 1
Introdução
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Lembro-me que os bárbaros, nos acampamentos, por meio de gomas
frescas, sucos e bálsamos, livraram do ferro e do fogo e restabele-
ceram com êxito os membros dos soldados feridos por balas de es-
pingardas, que estavam para ser amputados por cirurgiões europeus,
lusitanos e batavos... Na preparação, prescindem de laboratórios e,
ademais, sempre tem à mão sucos verdes e frescos de ervas (PISO,
1957, p. 58).
Encontro de saberes
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Sumário
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mestra Japira sua força e seu papel social como guardiã de saberes,
educadora, formadora, líder política, xamã, curadora, condutora de
cantos e danças e contadora de histórias de seu povo”.
Herdeira de ancestralidades multiétnicas afro-indígenas,
Mestre Japira teve, como em todo doutorado, uma orientadora – a
avó parteira Maria Rosa, de origem negra - e um coorientador, o
tio Pataxó Karuncha Dendê. A avó, possuidora de conhecimento
fitoterápico e dos cuidados pré e pós-parto pegou mais de mil
crianças. O tio pajé, profundo conhecedor do poder das plantas,
percebia as espécies vegetais e outras formas de vida como partes
da ação milenar da “natureza humanizada”. Ambos repassaram
oralmente uma teia refinada de saberes, na qual plantas são
portadoras de qualidades humanas e sociais.
Segundo Mestra Japira “As plantas me chamam, é como um
imã, elas mostram seus saberes e força para mim. O que eu aprendi
sobre elas veio dos espíritos dos antepassados e das conversas com
os mais velhos (PATAXÒ, 2020, p. 7)”. Sua biografia é relatada no
memorial descritivo, com informações sobre a história dos Pataxó no
sul da Bahia, especialmente sua participação na luta pela demarcação
das terras.
A vontade de fazer um livro cresceu – segundo Mestre
Japira – quando ela deu aulas na universidade, pois ela percebeu
que a palavra falada não era suficiente para mostrar para o povo
os saberes sobre os remédios e a medicina de seu povo. Daí nasceu
também a metodologia transdisciplinar e intercultural por ela
empregada, que envolve narrativas históricas imemoriais, aulas de
educação ambiental, cura a partir das plantas e a tecitura de uma
rede de saberes coletivos que a torna uma biblioteca viva.
A forma como ela ensina, a maneira como conversa com
os estudantes e os professores em suas palestras, rodas de conversa
e andanças, leva os alunos para fora do espaço da sala de aula,
criando uma pedagogia diferenciada. Ela vai andando e mostrando
as plantas, suas raízes, o tipo de solo que cresce, a cor do caule, das
folhas, as flores, os frutos cada espécie e o traçado das plantas. O
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Memória nativa
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não eram mais imprescindíveis para a higiene bucal. O conhecimento
tradicional explicava um novo modo de entender, que passou a fazer
parte das minhas palestras de educação em saúde e despertou atenção
de outros profissionais (ROCHA, 2018, p. 36).
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- Como é que se mede o espaçamento da madeira? Qual a quantidade de
barro?
- São três mãos cheias de barro para cada quadrado – foi a resposta de
uma das mestras, que encheu a mão e mostrou na hora como se fazia.
Os futuros arquitetos indagaram quanto tempo durava uma casa
xakriabá e foram informados que entre quatro a seis anos, dependendo
da fase da lua no momento da retirada do barro. Um deles, então,
ofereceu uma técnica capaz de manter em pé, durante a vida toda, casas
tão bonitas como aquela.
- Não, meu filho. Obrigado, mas isso é perigoso. Se aceito sua oferta,
como é que vou ensinar meus filhos e netos a construir? Não é a casa que
tem que durar, mas o conhecimento. A casa usada se desfaz justamente
para que eles observem como se faz uma nova. A casa cai, mas se fica a
forma de aprender, a gente levanta outra e é assim que o conhecimento
permanece, circula e se renova (XACRIABÁ, 2018, p. 55).
Oñombotavy
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na terra e na mata. Nossas tradições indígenas, ribeirinhas, quilombolas
e dos demais povos da floresta demonstram, na prática, a potência dos
saberes populares em premeditar e complementar, no tecido de suas
vidas, as descobertas das ciências que nos últimos anos mostraram a
calamidade da emergência climática. No ativismo de indígenas e jovens
periféricos hoje, a grande inteligência do povo brasileiro se encontra
com a ciência mais avançada e com a urgente política climática global.
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Referências
Autores indígenas
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Outros autores
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CAPÍTULO 2
O DISPOSITIVO ESCOLAR
DISCIPLINA E CONTROLE NA PAISAGEM DAS
CIDADES BRASILEIRAS NO INÍCIO DO PERÍODO
REPUBLICANO1
Introdução
1 Este capítulo é uma releitura de artigo publicado pela autora na edição 43 da revista
Moara, periódico da Universidade Federal do Pará (UFPA), referente ao período de
janeiro a junho de 2015 (Estudos Linguísticos).
Sumário
acontecimentos que pertencem ao sistema econômico, ou ao campo
político, ou às instituições (FOUCAULT, 2003, p. 255-256)
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Sumário
busca por responder a uma questão candente: quem somos nós, hoje? O
que interessa a Foucault “é o que se passa, o que somos e fazemos hoje:
próxima ou longínqua, uma formação histórica só é analisada pela
sua diferença conosco, e para delimitar essa diferença” (DELEUZE,
1992a, p. 142). Sua intenção não é realizar um retorno ao passado,
mas antes diagnosticar sua própria atualidade. Esse diagnóstico do
presente, entretanto, não se contenta em caracterizar o que somos
hoje, mas também tem por função apontar como o que é poderia não
mais ser o que é.
Foucault ocupa-se da verdade na medida em que pensa
sobre a vontade de verdade que anima os valores de uma sociedade
em um certo momento histórico. Ao mesmo tempo, ao examinar
os mecanismos sociais que controlam a produção e a circulação dos
discursos, Foucault nos mostra que a vontade de verdade se apoia
em uma base institucional, sendo “ao mesmo tempo reforçada e
reconduzida por toda uma espessura de práticas como a pedagogia, o
sistema dos livros, da edição, das bibliotecas, as sociedades de sábios
outrora, os laboratórios hoje” (FOUCAULT, 1971, p. 20). Por isso,
aponta Foucault, o modo mais profundo do exercício da vontade de
verdade é a maneira como o saber é disposto numa sociedade, como
é valorizado, distribuído, repartido e, de certa forma, atribuído.
É particularmente essa ideia central de Foucault sobre
a espessura de práticas históricas que enlaçam o saber e o poder que
sustenta o propósito desse capítulo, ao analisar práticas discursivas
inscritas em imagens fotográficas que organizaram a constituição
do dispositivo escolar no Brasil, nos primeiros anos da República.
Nossa hipótese é que essas práticas discursivas produziram
subjetividades na medida em que materializaram sentidos do
ideário republicano, a fim de promover o progresso e a correção
da incivilidade do sujeito brasileiro. Assim, o objetivo deste
artigo é analisar algumas dessas práticas discursivas fixadas em
fotografias que organizaram a constituição da rede escolar. Nosso
objeto de análise são álbuns fotográficos produzidos pela Escola
Normal (Caetano de Campos, São Paulo, SP) nos anos de 1895 e
1908 e que constituíram uma “escrita da história” dessa instituição
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A arqueogenealogia foucaultiana
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A educação pelo voto e pela escola foi instituída por eles como a grande
arma da transformação evolutiva da sociedade brasileira, e assim
oferecendo em caução do progresso prometido pelo regime republicano:
a prática do voto pelos alfabetizados e, portanto, a frequência à escola
que formaria o homem progressista adequado aos tempos modernos,
é que tornaria os súditos em cidadão ativo (HILSDORF, 2005, p. 60).
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Corpos e espaços
linhas de força e processos de subjetivação
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Referências
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CAPÍTULO 3
DO GOVERNO DA LÍNGUA
ENTRE RAÇAS, ÁTOMOS E BYTES
Introdução
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escolas normais após Independência e sua ampliação na Primeira
República, há uma história que subalterniza saberes e cosmologias,
alimenta a diferença colonial e continua se atualizando de forma
bastante potente. Entendemos essa intensa movimentação como o
governo da língua (NEVES; GREGOLIN, p. 6, 2021)
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Bessa Freire
Na atualidade, muitas verdades construídas pelo dispositivo
colonial continuam sendo respaldadas pelas pesquisas realizadas
nas universidades brasileiras. Muitas vezes, a pesquisa com línguas
indígenas e africanas atualiza as práticas jesuíticas do século XVI,
pois não visibiliza o lugar de enunciação desses povos. Certamente,
no entanto, a presença de pesquisadores indígenas e africanos, um
processo que se intensificou nos últimos anos, já está fazendo a
diferença e vai contribuir para multiplicar as versões das verdades
sobre as histórias de suas línguas.
Independente das teorias linguísticas ocidentais, desde o
início da colonização, até os nossos dias, as populações colonizadas
se percebem em fronteiras linguísticas e políticas acentuadamente
belicosas. Da mesma forma, nas práticas cotidianas de quem está
no mercado internacional, o plurilinguismo se estabelece como uma
realidade para os grandes executivos. Durante muito tempo e ainda
hoje, uma boa parte dos estudos da linguagem silencia o conflito e a
necropolítica linguística nas regiões de contato e parece ignorar as
exigências do mercado internacional.
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Chico Buarque
Em 01 de janeiro de 2016, passou a vigorar, no Brasil,
a mais recente reforma ortográfica da língua portuguesa e todos
os dicionários, gramáticas, manuais didáticos, bíblias e livros, de
forma geral, com as normas anteriores, ficaram defasados. A quem
interessa mais essa reforma? A gigantesca indústria brasileira do
livro didático comemorou as novas demandas de edições de livros
revistos e atualizados. Muitos vídeos foram postados no YouTube,
para explicar o fim do trema e as novas regras do hífen, por exemplo.
Mais uma vez, ganhou fôlego o impossível e colonial desejo de
unificar o português em todo o mundo lusófono!
Atualmente, o Instituto Camões e a Comunidade dos Países
de Língua Portuguesa- CPLP são as duas instituições portuguesas
responsáveis por estabelecer redes de colaboração entre os países
atravessados pela lusofonia. As cooperações econômicas e a condição
do português, como língua oficial, são determinantes para definir os
países membros. Segundo a CPLP, uma hipotética unificada língua
portuguesa é falada em nove países, ainda que em alguns ela represente
apenas a língua da administração pública e das universidades. São
realidades históricas e linguísticas muito diferentes.
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Fonte: https://www.cplp.org/id-2597.aspx.
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Fonte: https://www.internetworldstats.com/stats20.htm.
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Quando o meu povo foi colonizado pelas igrejas, por missionários, por
outras pessoas, nós tivemos que deixar de falar nossa língua, porque a
gente falava a nossa língua. Então, nós fomos obrigados, nossos pais,
nossos avós, nossos tios, para falar o português. Eu vi a preocupação do
meu pai, meu pai estava com lamparina. 03 da manhã, meu pai estava
acordado, estudando para aprender a falar o português, escrever.
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Hoje nos damos conta: “Poxa, se nós não deixasse de falar nossa
língua, hoje nós era ainda mais forte!” Hoje nós discutimos como que
nós vamos ensinar nossos filhos. Tem que ser praticando e deixando
a vergonha de lado, porque às vezes os nossos próprios filhos têm
vergonha, a gente tem vergonha, até dentro da própria comunidade,
com medo de falar e errar.
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Considerações finais
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Referências
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CAPÍTULO 4
Introdução
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racismo, no heterossexismo, no machismo, e na exclusão das camadas
mais pobres e de povos que propõem outros projetos de sociedades não
alinhados com o projeto neoliberal. (LISBÔA, 2022, p. 174)
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Desse ponto de vista, as relações intersubjetivas e culturais entre
a Europa, ou, melhor dizendo, a Europa Ocidental, e o restante do
mundo, foram codificadas num jogo inteiro de novas categorias:
Oriente-Ocidente, primitivo-civilizado, mágico/mítico-científico,
irracional-racional, tradicional-moderno. Em suma, Europa e não-
Europa. Mesmo assim, a única categoria com a devida honra de ser
reconhecida como o Outro da Europa ou ‘Ocidente’, foi ‘Oriente’.
Não os ‘índios’ da América, tampouco os ‘negros’ da África. Estes
eram simplesmente ‘primitivos’. Sob essa codificação das relações
entre europeu/não-europeu, raça é, sem dúvida, a categoria básica
(QUIJANO, 2005, p. 122).
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É certo que, sempre que um homem fala, ele utiliza um código que
partilha com outros, mas de onde fala, com quem fala e para quê? [...]
Falar não é somente se servir de uma língua, mas pôr um mundo em
comum, fazê-lo lugar de encontro. A linguagem é a instância em que
emergem mundo e homem ao mesmo tempo. E aprender a falar é
aprender a dizer o mundo, dizê-lo com os outros, a partir da experiência
de habitante da terra, uma experiência acumulada através dos séculos
(MARTÍN-BARBERO, 2014, p. 30).
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pertencem às escolas e todos aqueles índios que forem capazes de
instrução nessas matérias usem a língua própria das suas nações, ou
da chamada geral, mas unicamente a portuguesa, na forma que sua
Majestade tem recomendado em repetidas ordens.
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tese à utilização do termo “colonialidade linguística” para nos referir aos
resultados em que o código linguístico normativo é instrumento do poder
hegemônico no dispositivo colonial, sustentando-o e sendo sustentado
por ele por meio de práticas sociais hegemônicas que requerem, tanto
no ato comunicativo entre os falantes como na organização funcional, o
domínio de conhecimentos linguístico elitizados para operacionalizá-las
com eficácia. Desta forma, a “colonialidade linguística” veicula a opressão
na sociedade, operacionalizando as relações de subalternização pelo uso
de uma variação padrão da língua distante das práticas sociolinguísticas
dos oprimidos. Em se tratando de sujeitos indígenas, com os quais
refletimos aqui, tudo isso faz muito mais sentido (LISBÔA, 2022, p. 171).
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CAPÍTULO 5
Introdução
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Principalmente desde as grandes navegações, quando se intensificou
o contato entre os povos no mundo em função da busca europeia para
colonizar novos territórios, a língua passa a ser um fator fundamental
para a dominação e posterior controle do povo dominado nos processos
de “conquista”. (LISBÔA, 2019, P. 239)
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produzindo uma reação de estranhamento. É que esta situação
singular contrariava uma suposta unidade linguística, mas sobretudo,
evidenciava até que ponto tinha se expandido uma língua indígena,
denominada, ao longo da história, de Língua Geral, Nheengatu e Tupi,
entre outras nomenclaturas. Por isso, se tornou objeto de observação
e curiosidade dos viajantes e estudiosos, nacionais e estrangeiros.
(BESSA FREIRE, 2003, p. 40)
Valdelice Veron
Iniciamos esta seção com o relato-desabafo de Veron
que nos apresenta a sua realidade de mulher indígena em contato
com uma realidade comprometida com a produção de saberes
eurocêntricos, a escola. A instituição escolar historicamente
implantada pelos europeus em solo brasileiro entra em choque com
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‘Tapeendy, hoje você está fazendo nove geadas de vida e eu fiz esse
colar pra você’. Colocou-o no pescoço da menina e falou novamente: ‘A
partir de hoje você não irá comer carne, durante seis luas, você só pode
comer pamonha, mandioca assada, batata doce assada, peixes e xíxa’. E
assim, todos os dias, minha mãe tomava banho com folhas de ysy, folhas
de nhandyta’y, folhas de cedro, folhas de ka’aroguene e à noite passava
óleo de mbuku’i no cabelo e no corpo, óleo de jacaré, óleo de sucuri,
óleo de mbore, óleo de jaratita (VERON, 2018, p. 23).
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Naqueles trinta dias, minha mãe aprendeu a fazer as roupas e os enfeites
tradicionais, tudo sobre alimentação tradicional da mulher Kaiowá e,
principalmente, a nunca deixar o fogo familiar apagar. Enfim, todas as
mulheres mais velhas lhe ensinaram e repassaram os conhecimentos
necessários para viver a vida com sabedoria (VERON, 2018, p. 24).
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1-Teko - É a vida do Kaiowá e de todo ser que respira em cima e
embaixo da terra, no ar, nas águas, as plantas grandes e pequenas, os
animais do mato, do cerrado, do brejo e todas as aves. Cada uma dessas
vidas depende da outra para sobreviver.
2-Tekoha – É o local onde acontece a vida, trata-se do tempo e do
espaço concretizado no território tradicional. É o modo de viver na
terra tradicional, lugar onde se vive com harmonia. Ali é onde vem
ser realizados os rituais que transformam a pessoa em um verdadeiro
Kaiowá, que são os seguintes: kunhãkoty, kunumipepy, avatikyry,
gwahu, kotyhu, jeroky, porahéi .
3- TekoMarane’y - É a vida sem mal, numa terra sem mal. É viver o
bom modo de ser Kaiowá em nossa terra, com óga, jeroky, porahéi,
kokwe, tape,ka’agwy, ysyry,mymba.
Isso acontece quando somos Kaiowá, vivendo sob a orientação de
Nhandes y: -Quando construímos a casa de reza, o lugar de reunião e
encontro entre nós e com os seres imortais (oy casa de ritos). [...]
4- Tekohanhe’e –vida-terra-língua. A vida, o território e a língua são
essências da vida do Kaiowá, que estão relacionadas. Para ter vida
deve haver a terra, local onde a língua Kaiowá, o sopro da vida flui.
Portanto, sem terra não haverá vida e sem vida não haverá a língua,
não haverá o bom modo de ser Kaiowá. Um canto Kaiowá sempre deve
ser repassado na língua Kaiowá e no lugar sagrado apropriado que
deve ser o nosso território. (VERON, 2018, p. 32-33)
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Considerações finais
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dispositivo que dizimou não somente seus corpos, mas, por muito
tempo invisibilizou seus conhecimentos.
O olhar acadêmico elaborado por Valdelice Veron, que
tem por base as narrativas de seu povo, nos impõe a necessidade
de observarmos a produção do conhecimento realizada por
representantes das populações que foram e ainda hoje estão em
condições subalternizadas. A pluralidade dos saberes visíveis nas
realidades de Valdelice e de outras populações indígenas podem nos
conduzir a outros caminhos epistemológicos.
Referências
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Sumário
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CAPÍTULO 6
Introdução
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Chamaremos de enunciado a modalidade de existência própria desse
conjunto de signos: modalidade que lhe permite ser algo diferente de
uma série de traços, algo diferente de uma sucessão de marcas em uma
substância, algo diferente de um objeto qualquer fabricado por um ser
humano; modalidade que lhe permite estar em relação com um domínio
de objetos, prescrever uma posição definida a qualquer sujeito possível,
estar situado entre outras performances verbais, estar dotado de uma
materialidade repetível (FOUCAULT, 2008, p.121).
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Também existe uma memória dos sons que nos remete aos indígenas,
aquele produzido ao bater na boca como se fosse um instrumento
percussivo: ‘boo-boo-boo’. Esta onomatopeia é bem recorrente nos
filmes e desenhos animados, que ainda continuam a colorir esses
homens e mulheres com os tons da extravagância. Em 2011, durante as
atividades de um projeto de pesquisa, levei a jovem escritora Aikewára
Murué Suruí e sua família, para conhecer o Parque Ambiental do Utinga
na cidade de Belém e ela estava com o corpo pintado de grafismos, um
garoto se aproximou de nós e quando estava perto dela, retomou esta
memória associada aos indígenas e fez ‘Boo boo-boo’ (TOCANTINS,
2012, p.22).
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Gui: Não, não quero água. Hoje eu vim visitar o meu pai, o Anísio.
Tatuapu: Nísio! Nísio! Papai Gui.
Gui: Isso. Puxa, você não esqueceu meu nome!? Você aprende rápido
em Tatu?
Tatuapu: Sons indecifráveis... Gui, fica!
Gui: Não posso, Tatu. Se eu ficar aqui, o seu avô vai ficar muito bravo.
Tatuapu: Fica! Tatu sojinu.
Gui: Não é sujino! É sozinho. Tá bom, eu fico!
Tatuapu: Mais água!
Gui: Esse negócio de água deve ser um ritual muito importante pra
vocês, né? Ritual, coisa muito importante.
Tatuapu: Rituaaaal. Ri-tu-al.
Gui: Deixa Tatu, esquece. Ritual é um conceito muito difícil mesmo.
Vem cá, você disse que tava sujino, sozinho. Por quê? Ninguém vem
ficar com você não?
Tatuapu: Calacalu iaca. Papu naca. Papu não goxa Calacalu. Biga.
Gui: Ah! Eu sei, eu sei. O seu avô é muito ciumento. Ciúme. Ele quer
você só pra ele. Quando Calacalu vem, teu avô te puxa assim ó: “Tatu,
Tatu é de Papu.”
Tatuapu: Gui (língua indígena fictícia) homi?
Gui: Não, eu não sou homem, não. Sou mulher. Mulher!!!
Tatuapu: Gui mulher. Tatu homi.
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porque sempre levamos conosco e em nós certa quantidade de pessoas
que não se confundem (HALBWACHS, 2006, p. 30).
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Miguel Falabella A Lua Me Disse, quando uma indígena atriz do Pará
que não é da etnia Nambiquara é chamada de Nambiquara, colocando
para todo Brasil uma distorção da imagem da mulher indígena (A
polêmica sobre a Índia de Falabella: líderes Nambikuara protestam
contra novela da Globo, Florêncio Vaz, Belém, 2005).
162
Sumário
1 Fonte: memoriaglobo.globo.com
2 Nijienigi significa curandeiro, na língua Kadiwéu
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Sumário
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Considerações finais
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Referências
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CAPÍTULO 7
Introdução
172
Sumário
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Sumário
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racionalidade política de um determinado tempo. (LOPES; WICHT, p.
09, 2015)
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Sumário
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11 “[…] há treze domínios de que a polícia deve se ocupar. São a religião, os costumes,
a saúde e os meios de subsistência, a tranqüilidade pública, o cuidado com os edifícios,
as praças e os caminhos, as ciências e as artes liberais, o comércio, as manufaturas
e as artes mecânicas, os empregados domésticos e os operários, o teatro e os jogos,
enfim o cuidado e a disciplina dos pobres, como “parte considerável do bem público”.
(FOUCAULT, p. 450, 2008).
12 Gostaríamos de destacar que o Rio de Janeiro, nessa época, ainda era a capital federal,
por isso a importância de olharmos para a cidade e para as subjetividades que nela
residiam, bem como as heterotopias que faziam parte da vida religiosa e homossocial,
cartografando-as e esquadrinhando-as, a fim de se compreender os espaços pelos quais
o pajubá transitou no período e a importância deles para as resistências.
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Sumário
mulatas que trabalhavam nos vários bordéis que funcionavam na Lapa.
Nos anos 20 e 30, a topografia homoerótica do Rio de Janeiro estendia-
se num semicírculo que começava na praça Floriano Peixoto e no
Passeio Público, na Cinelândia, passando pelo bairro boêmio e operário
da Lapa, até a praça Tiradentes. [...] ofereciam ambientes públicos
para interações homossociais e homossexuais (GREEN, p. 205, 2003).
13 Importante pontuar que esse termo tem conotacões racistas e cada vez mais tem
caído em desuso. Entretanto, foi o termo utilizado por Green nos idos de 2003 quando
escreveu o artigo, provavelmente por ainda não ser possível naquela época emergirem
debates como os que temos hoje sobre subjetividades pretas ou mesmo sobre o racismo
estrutural da sociedade brasileira. Ver ALMEIDA, Silvio. Racismo Estrutural. Editora
Jandaíra: São Paulo, 2019.
183
Sumário
184
Sumário
Nas sociedades ditas primitivas há uma certa forma de heterotopias
que eu chamaria de heterotopias de crise, ou seja, que há lugares
privilegiados, ou sagrados, proibidos, reservados aos indivíduos que
se encontram, em relação à sociedade e ao meio humano no interior
do qual eles vivem em estado de crise [...] Em nossa sociedade, essas
heterotopias de crise não param de desaparecer, embora delas se
encontrem ainda alguns restos. Por exemplo, [...] para as moças existia
até meados do século XX uma tradição que se chamava “viagem de
núpcias” [...] A defloração da moça não poderia ocorrer em “nenhum
lugar” e, naquele momento, o trem, o hotel de viagem [...] eram
bem esse lugar de nenhum lugar, essa heterotopia sem referências
geográficas (FOUCAULT, p. 416, 2001).
185
Sumário
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Sumário
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Sumário
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Sumário
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Sumário
Considerações finais
16 Uma das explicações para o parentesco do bajubá com algumas línguas africanas
estaria na afinidade das travestis com o candomblé - religião de origem africana,
muito receptiva a homossexuais – que teria sido, portanto, uma das possíveis fontes de
vocabulário (ANDRADE; GONÇALVES et al., 2018, p. 39).
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Sumário
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Sumário
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Sumário
Referências
193
Sumário
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Sumário
195
CAPÍTULO 8
Introdução
198
Sumário
1 O termo subalterno descreve “as camadas mais baixas da sociedade constituídas, pelos
modos específicos de exclusão dos mercados, da representação política e legal, da
possibilidade de se tornarem membros pelos no estrato social dominante”. (Pode o
Subalterno Falar? , SPIVAK, 2010; p. 12)
199
Sumário
O atual padrão de poder mundial consiste na articulação entre: 1) a colo-
nialidade do poder, isto é, a idéia de “raça” como fundamento do padrão
universal de classificação social básica e de dominação social; 2) o capi-
talismo, como padrão universal de exploração social; 3) o Estado como
forma central universal de controle da autoridade coletiva e o moderno
Estado-nação como sua variante hegemônica; 4) o eurocentrismo como
forma hegemônica de controle da subjetividade/ intersubjetividade, em
particular no modo de produzir conhecimento. (QUIJANO, 2002, p. 4)
2 Foucault descreve a “Vontade de Verdade”, como: “Ora, essa vontade de verdade, como
os outros sistemas de exclusão, apoia-se sobre um suporte institucional[...] Enfim,
creio que essa vontade de verdade assim apoiada sobre um suporte e uma distribuição
institucional, tende a exercer sobre os outros discursos – estou sempre falando de
nossa sociedade – uma espécie de pressão e como um poder de coerção. ” (A Ordem do
Discurso, FOUCAULT, 2014, p. 16 -17)
200
Sumário
201
Sumário
202
Sumário
Frantz Fanon
Como já vimos, a necropolítica é um sistema de exclusão e
segregação, em que a política de morte do corpo físico é a principal
metodologia, usada para dominar, exterminar e conquistar povos.
No entanto, ao aprofundar mais o assunto, notamos que a morte
física não seria a única maneira de se utilizar a necropolítica como
forma de extermínio. Vimos que a necropolítica poderia ser aplicada
de forma mais subjetiva, no entanto, com o mesmo poder de exceção
identitárias, assim como o conceito de colonialidade do saber. Dessa
forma, chegamos à necropolítica linguística.
A necropolítica linguística se debruça sobre a questão do
apagamento linguístico ocorrido no meio das sociedades indígenas,
evidenciando e discutindo as práticas discursivas que nortearam o
processo de apagamento das línguas indígenas. Para a formulação
desse conceito, partimos da certeza de que a língua é um elemento
de poder e de identidade, pois “A língua é muito mais do que um
simples instrumento de comunicação. Ela é palco de conflitos sociais,
de disputas políticas, de propagandas ideológicas, de manipulação
de consciências, entre muitas outras coisas [...]” (BAGNO, 2011,
p. 75). A língua, então, é entendida como um instrumento político,
e fator fundamental na construção da identidade dos indivíduos e
coletividades, além de valioso instrumento cultural.
Percebemos, assim, que a imposição da língua portuguesa
aos indígenas não significou somente em uma negação dessa
identidade indígena, pois foi além, considerando que essa política
203
Sumário
204
Sumário
Quando uma sociedade se organiza e estende as suas relações de
contato, intercâmbio e dominação sobre outras sociedades, cultural e
linguisticamente diferentes, as línguas desempenham função relevante,
tanto para organizar a dominação e a hegemonia, quanto para resistir
a elas. (FREIRE, 2004, p. 81).
205
Sumário
La educación colonial fue, para muchos pueblos indígenas, el agente
más importante para imponer esta superioridad posicional sobre el
conocimiento, la lengua y la cultura. [...] En las diferentes comunidades
se oyen hoy en día numerosas versiones que dan fe del papel fundamental
que jugaron la escuela en la asimilación de los pueblos colonizados, y
las formas sistemáticas, frecuentemente brutales, de negar las lenguas,
los saberes y las culturas indígenas. (SMITH, 2016, p. 99)3
3 Tradução: A educação colonial era, para muitos povos indígenas, o agente mais
importante para impor essa superioridade posicional sobre o conhecimento, a língua
e a cultura. [...] Nas diferentes comunidades, muitas versões são ouvidas hoje em
dia que atestam o papel fundamental desempenhado pela escola na assimilação dos
povos colonizados, e formas sistemáticas, muitas vezes brutais, de negar idiomas,
conhecimento e as culturas indígenas.
206
Sumário
Os Tembé-Tenetehara e a necropolítica
linguística
Lewis R. Gordon
207
Sumário
208
Sumário
209
Sumário
Cada chefe de posto que passava pelo posto, dizia: “como é o seu nome?”
e na maioria das vezes mudava o nome do indígena ao seu bel prazer.
Aí, cada chefe de posto que passava aqui fazia um registro, tinha pessoa
que tinha 4, 5 registros e a cada registro 1 nome e 1 sobrenome, que
nem eu, que tive 3 registros criado por chefe de posto. No primeiro eu
era Ednaldo Santos dos Reis, no outro eu era Ednaldo Sarmento dos
Reis e no outro Ednaldo Gomes dos Reis, mas hoje meu nome está
como Ednaldo Tembé (OLIVEIRA, 2018).
210
Sumário
Frantz Fanon
Nenhuma sociedade é totalmente passiva, há sempre
alguma forma de resistir. As etnias de origem Tupi são
historicamente conhecidas pela coragem e valentia de seus
guerreiros que ao se depararem com situações de conflitos não
recuavam, o destemor de homens e mulheres de sangue tupi é muito
lembrado ainda hoje nos altos da história do Brasil: guerreiros
que lutavam pela sobrevivência de seu povo. Ser guerreiro tupi
se tornou sinônimo de ser forte e corajoso e as veias Tembé-
Tenetehara são banhadas pelo sangue Tupi, que ainda hoje cria
guerreiros que estão constantemente enfrentando guerras contra
sistemas de poder que, emergem de fora das aldeias para dentro, e
insistem em querer banir suas práticas culturais.
Um exemplo disso é o indígena Bewari Tembé, que no auge
dos seus quatorze anos pediu aos seus pais para que fosse enviado
da aldeia Sede para a aldeia Tekohaw7, a fim de aprender mais sobre
7 É uma das aldeias que fica próxima ao rio Gurupi e historicamente sofreu menos
contato com o não-índio, por isso, conseguiu manter mais viva suas práticas culturais
e sua língua.
211
Sumário
Kúza nasceu no Tekohaw e viveu por muitos anos ao lado de sua avó,
mas agora vive na Aldeia Sede, junto com Bewãri ela ministra aulas
de língua indígena e é também conhecida como grande articuladora
cultural do povo Tembé-Tenetehara. É muito comum nos eventos ela
ser escalada para cerimonialista, no entanto, onde Kúza se destaca
bastante é na confecção de artesanatos, adereços, pinturas e objetos
utilizados para enfeitar a ramada nas festas. (OLIVEIRA, 2018, p. 37)
8 Foi fundadora da Aldeia Tekohaw e uma das mais importantes lideranças da Amazônia.
Para os Tembé-Tenetehara, Verônica, foi uma mulher guerreira que conseguiu manter
a identidade de seu povo viva.
212
Sumário
para sua própria noção de cultura, e mais que isso conseguiram dar
uma notoriedade tão grande às suas práticas culturais que hoje elas
alcançam bem mais do que as fronteiras da TIARG.
Em 2015, em parceria com os indígenas, o Gedai9 lançou o
livro “Patrimônio Cultural Tembé-Tenetehara”, que reuniu através
de fotos e narrativas a história do povo Tembé-Tenetehara, o livro
foi motivo de muito orgulho para os indígenas que se reconheceram
nas páginas, por imagens ou textos.
Em 2018, essa parceria com o Gedai também rendeu a
animação “A história de Zahy”10 que é baseada na narrativa Tembé-
Tenetehara da origem da lua, e contou com uma participação ativa
dos indígenas. A narrativa contada por Verônica Tembé ganhou
um roteiro fiel à história contada nas aldeias e foi produzido
pelas Professoras Ivânia Neves e Kúza Tembé. Além de Kúza
outro indígena muito participativo na produção da animação foi
Bewari Tembé que “[...] exerceu a função de Concept-Art, ou seja,
auxiliou nos desenhos dos personagens e cenários da animação.”
(OLIVEIRA, 2018, p. 98).
A “História de Zahy” traz como uma de suas grandes
inovações a narração que é feita toda em língua Tenetehara e
legendada em língua portuguesa, a fuga dos padrões retira da
animação um caráter puramente animado e a coloca em um cenário
político também, onde a animação vai poder ser inscrita como um
instrumento de resistência linguística de um povo que por anos
sofre as imposições de um poder colonial que tende a ditar as regras
de suas práticas culturais e sua língua.
9 Grupo de Estudo Mediações, Discursos e Sociedades Amazônicas, é coordenado
pela Prof.ª Dra. Ivânia dos Santos Neves. Desde 2010, as atividades deste grupo de
pesquisa tomam como base as reflexões teóricas da análise do discurso, especialmente
as discussões sobre mídia e identidade, fundamentadas pelas formulações de Michel
Foucault sobre saber e poder. Também, em função do debate frequente entre
questões locais e globais, são recorrentes abordagens que estabeleçam diálogo com as
discussões dos Estudos Culturais. O objetivo deste Grupo, formado por pesquisadores
e estudantes da graduação e da pós-graduação é reunir projetos de pesquisas e de
extensão relacionados à história do presente e aos processos de mediação entre as
sociedades amazônicas. Fonte: http://grupogedai.blogspot.com/
10 O trailer da animação está disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=D2tA6tIWTTI.
213
Sumário
Considerações finais
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Sumário
Referências
215
Sumário
216
Sumário
217
CAPÍTULO 9
Márcia Kambeba
Introdução
220
Sumário
221
Sumário
222
Sumário
223
Sumário
224
Sumário
225
Sumário
226
Sumário
entre duas pranchas acolchoadas com bambu, para que tomasse uma
forma mais alongada. Nos relatos de José Chantre y Herrera (PORRO,
1992), a nação Omágua/Kambeba tinha por costume achatar a testa
até levantá-la para mais de seis ou oito dedos. No começo apertavam
pouco, mas a cada dois ou três dias, comprimiam mais pela frente e pelo
cangote e dessa maneira alongavam a cabeça conforme a figura que
pretendiam. Era formosura, entre eles, ter um crânio bem achatado
e levantado, riam-se das demais gentes que tinham como eles diziam
cabeça de macaco.
O tempo e o contato com os espanhóis extinguiram dos
Omágua/Kambeba essa prática cultural de remodelar o crânio de
modo particular. Tratava-se de um saber milenar e envolvia uma
tecnologia ainda hoje desconhecida pelo Ocidente. Recorrentemente,
quando os colonizadores se viam diante de saberes que eles não
dominavam, agiam no sentido de fazê-los desaparecer, muitas vezes,
interferindo nas identidades dos povos. Em suas andanças pelos
Amazonas o botânico e naturalista Paul Marcoy (2006), nos diz
227
Sumário
LÍNGUA MATERNA
Tupi meu tronco sagrado
Feito árvore a se enraizar
Maracás anunciam o ritual
Meu canto é força milenar.
Tana kumuera katú, iapã kumiça.
(Nossa língua boa! Vamos falar).
Canto para resistir
Batendo o pé no chão
Memorizo o que aprendi
Na língua da minha nação
Sussurros de afirmação.
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Sumário
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Mapa 1: Território Omágua nos séculos XVI e XVII
230
Sumário
231
Sumário
232
Sumário
que forem capazes de instrução nesta matéria, usem da língua própria
das suas nações, ou da chamada geral; mas unicamente da portuguesa,
na forma, que Sua Majestade tem recomendado em repetidas ordens,
que até agora se não observaram com total ruína espiritual, e temporal
do Estado. (ALMEIDA, 19977).
233
Mapa 2: Aldeias e Localidades Kambeba - século XX
234
Sumário
235
Sumário
de Tefé, e 19 tuxaua. Dos 19 tuxaua, só quarto tuxaua falava a lingual
indígena, contando comigo.
Falavam que eu andava mentindo que eu não era índio, que eu me
pareço com o japonês né, aí eu não sei. Só sei que quando fui chamado,
já tinha falado quase todos. Fui chamado por derradeiro, disseram:
‘Agora vamos ver o tuxaua do Jaquiri!’. Aí repararam minha mão, meus
dedos, aí perguntaram: ‘Como seu pai chamava comida?’, eu disse:
‘Chamavam uryneio, saneyo’. Aí perguntaram qual era a religião de
seus pais, eu falei: ‘Católica!’.
Meus parentes sempre foram católicos. Ainda tenho uma imagem de
nossa senhora da Saúde que minha mãe trouxe do Peru. Aí perguntaram
se eu sabia cantar algum hino que cantavam na época dos meus pais,
aí eu cantei. Eles bateram palma. Aí o padre perguntou: e como se
chama aquilo que sobe preto no céu? Aí eu falei: ‘amanatwa suny’ ‘vem
temporal grande’. Aí pararam, que tinha muita gente né, aí bateram
palma e passaram adiante e fui aprovado Kambeba.
Em sua narrativa, Seu Valdomiro mostra ainda o processo inverso, se
durante séculos os indígenas foram perseguidos e proibidos de falar
suas línguas, agora, não falar é que pode render algumas penalizações.
Os outros não falaram a língua. O tuxaua do Miratu não se incomodou
com a língua deles, agora tão aperreado mesmo. Mas eu vi muitos
tuxaua que não falam a língua conseguirem a terra. Os indígenas do
Miratu não se incomodaram em passar a língua adiante, agora estão
aperreados mesmo.
Depois de novo, agora foi o prefeito que chamou pra ver quantas
aldeias tinha né, até meus filhos foram, aí na competição de flechas
eles não sabiam por que eu não ensinei né, mas na parte da aldeia, da
cultura eles ganharam, mostraram a dança, o ritual, a língua, o canto.
Aí chegou a hora de darem a cesta básica, e o pessoal do Miratu queria
e o secretário disse: ‘Não! É dos Kambeba. Vocês não mostraram nada,
como querem ganhar?’ (VALDOMIRO CRUZ, 2012).
236
Sumário
237
Sumário
238
Sumário
não tivesse doente, tinha ido lá e dito pra ele que eu vi padre só para
celebrar missa, pregar a palavra de Deus, não pra mudar a língua do
índio, mas ele não voltou mais aqui na aldeia. Ele disse que ia no Cuieira,
eu disse pra minha filha que é a Zana de lá, que tomasse cuidado e
falasse na língua Kambeba com ele, e não aceitasse o que ele ia propor,
mas ela disse que ele não foi lá. (VALDOMIRO CRUZ, 2012).
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Sumário
Nesses últimos 40 anos de movimento indígena, ainda escuto o grito
da liderança indígena Marçal de Souza Tupaim, lá no Mato Grosso do
Sul, quando ainda era proibido fazer encontros e a pastoral indigenista
começou a fazer assembleias regionais. Às vezes tinha umas 20
a 30 pessoas e já era considerado um fórum amplo e eram feitas às
escondidas da FUNAI.
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Sumário
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Sumário
Considerações finais
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Sumário
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Sumário
Referências
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Sumário
245
SOBRE AS / OS AUTORES
Sumário
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Sumário
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Sumário
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Sumário
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Formato: 160mmx230mm
Tipologia: Bell MT, Courier New, Impact.